Comigo Ninguém Pode - Valentina K Michael

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Copyright © 2024 Valentina K Michael

Capa: Tatiane Tenório


Diagramação: VKM
Revisão: Clara Taveira e Raphael Pellegrini (Capitu Já Leu)
Ilustração: Taissa Emanuelly / Carlos Miguel

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em parte, sem autorização prévia por escrito da autora, sejam
quais forem os meios empregados.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança dos fatos aqui narrados com pessoas, empresas e acontecimentos da vida real é
mera coincidência. Em alguns casos, uma notável coincidência.
Ao fogo que só um bom churrasqueiro brasileiro sabe proporcionar.
Saúde!
Contents

Copyright
Dedication
Prólogo
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Quatorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Vinte e seis
Vinte e sete
Vinte e oito
Vinte e nove
Trinta
Trinta e um
Trinta e dois
Trinta e três
Trinta e quatro
Trinta e cinco
Trinta e seis
Trinta e sete
Trinta e oito
Trinta e nove
Quarenta
Epílogo
Voltaremos em breve
Prólogo
CATARINA

Nova Iorque — EUA

Tentei manter a atenção nos meus passos ensaiados com dedicação,


enquanto ignorava o olhar deslumbrado do homem estonteantemente lindo
na primeira fileira de mesas. Eu quase poderia ceder à beleza dele, mas
conhecia esse tipo de olhar a quilômetros, e minha vivência sempre dizia
para tomar cuidado.
Construí essa experiência por três anos seguidos trabalhando no
segmento de entretenimento adulto na noite americana, após meu sonho ser
assassinado na minha frente quando vim para os Estados Unidos à procura
de uma vida melhor.
Estar aqui nessa noite, tirando peça por peça de roupa enquanto
homens se alegram, excitados, é mais do que ousadia; é a minha
sobrevivência.
Minha sorte foi ter bons genes brasileiros que me deram um corpo
bonito, por causa disso me tornei a mais procurada daqui. Como não são
bobos, os donos da casa noturna me colocaram como atração principal.
O momento era meu, o ponto alto da noite, o espetáculo mais
aguardado. Havia homens ali esperando desde cedo para me ver, e como
são os responsáveis por pagar minhas contas, eu devia a eles uma
apresentação épica. Era esse pensamento que me sustentava imune no
palco, enquanto a música tocava, e o homem bonito à frente parecia cada
vez mais fascinado.
— Ele quer você. Uma dança apenas.
— Ele não tem querer. Ele não manda aqui. — Desviei o meu olhar
inflamado do rosto de August e desabei na cadeira em meu nada
confortável camarim. Poxa, eu era o nome principal de uma das casas mais
movimentadas da noite, e ainda assim não tinha um camarim digno?
Toquei no interruptor, acendendo as luzes ao redor do espelho, um dos
poucos detalhes que August fez questão de colocar para que eu me sentisse
uma estrela de verdade, e não apenas uma de suas dançarinas.
Ele estava certo ao fazer isso. As luzes, de um modo ridículo,
elevavam meu ego.
— Por favor, faça isso por mim. — Gus destruía a minha paz ao
implorar desse jeito. — Ele é meu amigo e vai pagar bastante...
— Gus, pelo amor... — Pelo espelho, fitei o homem alto, atlético e
elegante, viciado em procedimentos estéticos, uma tentativa de entrar para o
hall de gays mais atraentes e bem-sucedidos da região.
— Você trabalha para mim, cacete — falou no seu português forçado:
ele sempre usava meu idioma natal quando queria algo de mim. — Eu te dei
a mão quando estava jogada na sarjeta...
— E parece que estava esperando o momento oportuno para atirar isso
na minha cara. — Embebi a esponja com demaquilante, pronta para passar
no rosto e sair da personagem.
— Você me conhece, sabe que eu não faria isso. Mas preciso de um
pouco de retribuição da sua parte.
— Alavancar sua casa não é o suficiente?
— Não seja uma cretina comigo. — Antes que eu pudesse começar a
tirar a maquiagem, ele ajoelhou ao lado da minha cadeira. O rosto delicado
com nariz fino não demostrava rancor, apesar de ter expressado isso na voz.
August era um bom amigo, que realmente me deu a mão quando mais
precisei. Quando eu estava prestes a perder a vida em um país estranho. Eu
devia, sim, uma a ele.
— Levanta daí. Não faça essa cena, vou me sentir mal.
— Roxy, ele é um amigo. Faça isso por mim.
— Porra, Gus.
— Trinta por cento do cachê da noite para você — ofereceu, me
assustando e indicando que o assunto era sério. A proposta era ótima, afinal
as dançarinas tinham direito apenas a cinco por cento do faturamento da
noite, além do salário mensal. Ok, dinheiro sempre me fazia crescer os
olhos. Eu tinha contas a pagar, tinha planos de comprar um apartamento e,
para isso, cada dólar ganho era muito precioso.
Bufei, efusivamente chateada comigo mesma por ser tão maleável.
— Me deve essa. — Eu me levantei furiosa da cadeira.
— Eu te devo. — Ele ficou de pé também, sorrindo, muito eufórico, o
que me fez estranhar. Parecia muito mais que apenas um pedido comum de
cliente. — Vou avisar a ele. — Caminhou rápido para a porta, mas estancou
e voltou para me confidenciar: — Ele é de uma poderosa família tradicional
no Brasil. Lembre-se disso. Não é qualquer um.
— É brasileiro? Como eu?
— Exato.
Surpresa, me sentei de volta para retocar a maquiagem. Homens
poderosos, podres de rico, não me assustavam. Já enfrentei vários, e sempre
queriam apenas a mesma coisa: sexo fácil com a dançarina bonita. Então
usavam e abusavam e iam embora logo depois, sem qualquer
comprometimento. Sendo brasileiro, certamente o homem achava que ia de
alguma forma se dar bem comigo para além disso.
Eu não transava com clientes. Nunca. Era dançarina, não prostituta. E
Gus sabia disso. Se ele estivesse armando uma cilada para mim, eu ia
acabar com ele.
O homem bonito, cara de anjo, que assistiu fascinado à minha
performance, estava sentado na sala VIP ao lado de outro homem. Paralisei
ao ver que eram dois, quando Gus prometeu que seria apenas o belo curioso
de olhos azuis celestiais. Ambos com ternos aparentemente caros, sapatos
mais brilhantes que as luzes sobre mim no palco e uma prepotência que
fedia de longe.
Enquanto o jovem era muito bonito, bem penteado, com uma pele
invejável, o homem ao seu lado era robusto, barbudo e tinha um olhar letal.
Muito másculo, chegando a ser sexy. Fumava um charuto e bebia uísque.
— Ah... me disseram que era um show particular para um —
cautelosa, falei ao entrar.
— Querida, não precisa dançar para a gente — o carinha-de-anjo falou
ao ficar de pé. Com um sorriso estonteante, estendeu a mão para mim. —
Ravi Barreto Pavão.
— Ah... oi... Já deve saber que sou a Roxy — sussurrei e apertei a mão
dele. — Não preciso dançar? — Franzi o cenho. — Como assim?
— Juliano Alameda. — Ele apontou para o outro homem, que
continuava sentado me observando.
— Quero avisar que não faço sexo...
— Também não é sexo. — Sorrindo, Ravi trocou um olhar com o tal
Juliano.
— Certo. Então... me explique isso direito — pedi, curiosa.
Ravi descansou as mãos nos bolsos e deu alguns passos para longe de
mim. Como se escolhesse as palavras.
— Gus me falou de você.
— Falou?
— Sim, falou sobre o seu sonho de voltar para o Brasil e se estabelecer
lá. Então você é perfeita para o que eu tenho em mente.
— Conta logo, Ravi, por Deus, que enrolação — Juliano ordenou, com
voz grave, e enfim Ravi pareceu ter forças para falar. Eu já estava para além
de assustada. O coração até disparou.
— Sou membro de uma família tradicional no Brasil, do Rio Grande
do Sul.
— Fiquei sabendo.
— E esperam muito de mim… — Escondeu o olhar. — Já que meu
irmão mais velho rejeitou a proposta absurda do meu avô. Meu irmão é
independente e rico o suficiente para não precisar brigar por herança, mas...
— Estamos falando do seu irmão ou…?
— Sobraram dois, eu e um primo, podemos dividir a direção de uma
megacorporação ou ele vai ganhar tudo sozinho. E, por Deus, ter o controle
da empresa era tudo que eu queria. Esperei cada dia da minha vida por isso,
enquanto todos viam apenas meu primo e meu irmão como possíveis
sucessores. Eu quero esse poder, e agora meu avô pode me dar esse poder, e
eu sou tão preparado quanto o meu primo.
— Uau. Bom para você. Tem a faca e o queijo na mão. E onde eu, uma
dançarina de boate, no outro lado do mundo, entra nisso? — Cruzei os
braços, meio impaciente.
Agora, sim, o nervosismo o abraçou terrivelmente. O coitado até ficou
pálido.
— Meu avô é extremamente conservador. Tanto que ele se recusa a
deixar o império nas mãos das únicas duas filhas dele, prefere deixar para
os netos, filhos delas, só por serem homens.
— Ótimo, um misógino senil. Quero saber onde eu entro nisso tudo.
O semblante de Ravi estava cauteloso demais, e isso me preocupava.
— Ele exige uma família tradicional para os futuros dirigentes da
empresa. E esse foi um dos motivos que fizeram meu irmão mais velho
declinar da disputa. Ele jamais vai casar ou arranjar uma noiva só para
agradar a terceiros.
— Bem esperto, seu irmão.
— O problema é que... Droga... — Coçou a ponta do queixo.
— Fala, Ravi. — Juliano insistiu.
— Você é uma das poucas pessoas a quem estou revelando isso. — O
rapaz estava quase passando mal na minha frente quando olhou nos meus
olhos e soltou quase um sussurro: — Eu sou gay, e o Juliano é o meu
namorado...
— Tudo... bem. E agora estou aqui com vocês. E completamente
confusa.
Juliano se levantou, crescendo mais do que eu previa. Ele era enorme.
— Você é muito bonita, aparentemente é nova e tem uma cara de
santinha que faz qualquer um acreditar que você realmente seja uma. — Ele
foi mais direto que Ravi.
— Cara de santinha... — tripudiei, suprimindo um riso.
— Cabelos compridos, olhar doce, rosto angelical. A gente teve a ideia
no momento em que Gus comentou sobre a dançarina ilegal e que precisa ir
embora imediatamente para o Brasil.
— E que ideia seria?
— Por favor, Roxy, venha comigo para o Brasil e seja a minha noiva
de mentirinha — Ravi pediu. — Só até eu receber a direção de todo o
império do babaca do meu avô.
Um
CATARINA
Quando desembarquei no Brasil, depois de anos sem respirar o ar
tropical, não era mais Roxy descendo a escada do avião. Era novamente
Maria Catarina Rodrigues. E isso quase me assustou, se eu não fosse forte o
suficiente para insistir que todos os sofrimentos de antes não mais me
atingiram. Afinal, apesar de aparentar ser Catarina novamente, ainda era
Roxy por dentro.
Só que essa era uma Maria Catarina diferente da que saiu fugida daqui
anos atrás e da Roxy confiante que ganhou a vida, durante anos, mostrando
o corpo. A mulher que descia do avião, na verdade, era Catarina, corretora
de imóveis, que adorava se exercitar no Central Park, porque era fitness
igual ao noivo. Foi justamente assim que se conheceram: trombando um no
outro enquanto corriam ao nascer do sol.
Além, é claro, dos outros pontos em comum. Eram vegetarianos,
sofisticados, gostavam de jazz e apreciavam arte moderna e musicais.
Essa nova Catarina amava moda, gostava de se vestir de modo
feminino e reservado, pois frequentava uma igreja protestante. Mas não era
uma esbanjadora, se preocupava com o futuro e com o planeta e sabia
comprar as roupas mais bonitas com o preço mais adequado.
A nova Maria Catarina era simplesmente o sonho do avô de Ravi
materializado.
E para que atingisse o ideal da noiva perfeita, passamos um mês inteiro
em treinamento. Tive de aprimorar meus dotes culinários, que se resumiam
a improvisos para não morrer de fome. Consequentemente, tive de mudar os
meus hábitos alimentares, nada simpáticos, além da minha rotina de
exercícios — o que foi uma droga, já que eu amava carne, cerveja, às vezes,
e detestava acordar às seis para correr.
Na boate, éramos rigorosas com o corpo, nossa ferramenta de trabalho,
mas nada que se comparasse à rotina de Ravi, que até pesava comida para
determinar a quantidade de calorias que deveria consumir no dia. E, por
causa disso, ele me instruiu a começar a me alimentar como ele, para ir me
acostumando.
Eu estava cansada de tanto comer tofu e saladas. Se eu visse mais um
legume grelhado na minha frente, era bem capaz de chorar.
Miss London era o nome da professora de etiqueta que Ravi fez
questão de empurrar para mim. O acordo que fechamos, com valor de
duzentos e cinquenta mil dólares, estava me saindo muito mais suado do
que imaginei. Eu precisaria aprender a falar direito, comer direito, me
portar com a elegância de uma merecedora de estar na família Barreto.
Porra, nem a Kate Middleton devia ter uma rotina tão rígida como eles
queriam que eu tivesse.
Não havia me sobrado um pingo de naturalidade, eu parecia ter saído
do filme da Barbie. Aprendi sobre vinhos, arte, jazz e toda cultura chata que
Ravi e a falsa noiva dele amavam. O cara curtia as divas pop em segredo.
— Ao menos é boa nos saltos — Miss London disse certa vez, me
olhando por cima dos óculos feios estilo gatinho.
Eu era mesmo ótima andando em saltos, afinal estava acostumada a
dançar com eles no palco. Já meti uma coreografia inteira em cima de doze
centímetros de salto. Poderia pagar mico de qualquer forma, menos
andando torto.
— Qual filme você mais ama? — Antes de me liberar para a viagem, a
elegante professora de meia idade me pressionou, repassando o que
estudamos.
Lá estava eu, imóvel, de pé em um tablado, na última prova dos
vestidos confeccionados sob medida, enquanto a costureira ajustava a peça
com alfinetes. Olhei para Miss London, que aguardava a minha resposta.
— Casablanca?
— Não. Óbvio demais. Diga outro.
— Sei lá, quase não assisti nada da lista que me passou, dormi em
todos. Gosto de A Casa das Coelhinhas.
A propósito, já o tinha assistido três vezes. A protagonista não tinha
uma família de sangue e, quando teve de sair da mansão Playboy, vagou
sozinha pelo mundo até encontrar acolhimento na fraternidade das meninas
excluídas. Combinava com a minha história, por isso meu apego ao filme.
Era uma pena que provavelmente eu não encontraria um grande amor na
minha nova jornada, como Shelley encontrou.
— Você é uma lástima — desdenhou — Vai assistir Cidadão Kane até
decorar as falas. Vai ser seu filme preferido.
— Saco!
— Não. Nem pense em falar palavras assim.
— E o que vou falar quando precisar soltar uma interjeição?
— Que tal: por Deus!
— Prontinho, querida. — A costureira bateu de leve na minha bunda.
— Tire com cuidado e vista o outro para ver se precisa de ajuste.
Desci do tablado e, com muito cuidado, para não desmanchar as
marcações, tirei o vestido atrás de um biombo.
— Porra, caralho e cacete, nem pensar né? — perguntei alto a Miss
London.
— Você só faz isso para me provocar. Continuando. Sempre que puder
cantarolar?
— Em português, alguma do Chico Buarque ou Elis Regina, em
inglês, I dreamed a dream, da Susan Boyle.
— Por Deus, Catarina!
— Estou brincando, sei que essa música é do musical Os Miseráveis.
— Ótimo.
Surgi na frente das duas mulheres usando um segundo vestido. Era
maravilhosamente lindo, escolhido pelo próprio Ravi, e seria usado no
aniversário do avô dele. Eu parecia uma artista de cinema, e causaria muito,
se eles não estivessem colocando uma coleira em mim.
— Não acha que eu vou parecer uma chata? — indaguei.
— Você vai impressionar um senhor conservador de oitenta anos, não
um adolescente. Qual esporte você gosta?
— Não sei. A gente amava jogar dominó na boate, com partidas
apostadas.
— Dominó não é esporte, e nem pense em falar esse nome quando
estiver no seu destino. Diga que gosta de apreciar polo, pois a família do
rapaz gosta de praticar. E diga que gosta de cavalgar sempre que tem
oportunidade.
— Cavalgar eu amo. Os indomáveis puro-sangue são os melhores. —
Pisquei para a costureira, que riu.
— E eu tenho certeza de que você não está se referindo a cavalo. Sua
estadia na casa daquela família será um desastre.

Já completamente envolvida na nova personagem, toquei os saltos


caros no solo brasileiro como a futura senhora Barreto. Estava de volta ao
meu país com as roupas comportadas e ricas que Ravi me deu em uma tarde
agradável de compras.
Ravi e Gus juntos eram pessoas ótimas para passar um tempo.
Carismáticos e divertidos, me instruíram e me prepararam para enfrentar
qualquer coisa diante dos Barretos, família tradicional no estado que atuava
por gerações no ramo de construção civil — o que era desanimador, estava
esperando encontrar uma tradicional família gaúcha que fazia vinhos.
Eu não estava com medo nem temerosa, não devia nada a ninguém,
mas estava disposta a fazer de tudo para que eles acreditassem na mentira
de Ravi, já que assim eu seria beneficiada. O contrato que assinei era claro
na questão do pagamento: metade antes e metade só depois que ele
assumisse a direção dos negócios do avô.
Dinheiro não era tudo na vida de uma pessoa, no entanto eu não era
hipócrita de mentir: era algo essencial. Ainda mais para mim, que passei
mais da metade da vida matando cachorro a grito, sofrendo sem um único
centavo no bolso. Detesto lembrar como era minha vida no Brasil antes de
ter conseguido me enfiar numa rede ilícita de inclusão forçada de brasileiros
em solo americano, ou de modo popular, contrabando de imigrantes.
Com o valor acordado com Ravi, enfim teria condições de comprar
meu próprio cantinho em um lugar não tão caro do Brasil, deixando de
dividir aluguel com minha amiga Moon. E aqui eu poderei me refazer,
sozinha e sem perseguição da imigração.
Até para deixar os Estados Unidos foi um sacrifício. Gus teve que
preparar documentos falsos para que eles não descobrissem que eu estava
ilegal naquele país.
Gus foi minha fada madrinha. Espero que ele venha me ver aqui, pois
eu não poderei mais voltar lá.
— Mãos dadas. — Ravi segurou na minha mão, e entrelaçamos os
dedos enquanto saíamos do aeroporto, indo em direção ao carro que já nos
esperava.
Caramba! Uma Land Rover. A última vez que andei em uma foi
quando sonhei que estava namorando um jogador de basquete.
Atrás da gente, Juliano empurrava as malas, se passando por segurança
do jovem herdeiro. Eles discutiram um pouco durante o voo, porque Juliano
achava que dessa vez Ravi ia se abrir com a família e apresentá-lo.
Eles sabem que eu nunca vou julgá-los. Na verdade, eu até aconselhei
Ravi a chutar o balde e contar para a família que ama um homem e que ia se
casar com ele. E acho que esse foi um dos motivos de Gus ter me indicado
para candidata a noiva de mentirinha. A gente tinha uma relação de
confiança, consequentemente Ravi poderia confiar o seu segredo a mim.
Aparentando desgosto, Juliano se despediu quando nos deixou no
apartamento de Ravi, uma cobertura de tirar o fôlego.
Eu estava impressionada com toda a riqueza extravagante daquele
lugar. Lembrava muito a casa de um famoso de Hollywood, dessas que
estampam as revistas que eu folheava enquanto fazia o cabelo.
A casa era clara, arejada e muito bem decorada, embora nem um
pouco colorida. Os ambientes eram interligados por portas grandes de
vidro, estilo francesas, como por exemplo, poder passar da sala para a
cozinha e da cozinha sair em outra porta, chegando à sala de jantar.
Eu tinha certeza de que cada um daqueles móveis era assinado por
algum designer exclusivo, provavelmente custando mais que um salário
meu. Fora o imóvel, que ficava em uma área nobre da cidade. A vista era
esplêndida.
— Aprovado? — indagou, se aproximando de mim na varanda e
entregando uma taça de champanhe.
— Sim. Só estou decepcionada que não tem nada que lembre um
homem gay com bom gosto. Parece tudo tão... hétero solteirão.
— Bah, porque é o que sou, bobinha. — Riu, recostando-se na grade
de proteção da varanda, elevando o rosto para o alto e apreciando o vento
que soprava seus cabelos castanhos. Ravi estava mais lindo ainda depois
que tirou a barba, deixando apenas um bigode solitário. Um belo bigode
safado que deveria enlouquecer Juliano.
— E você pretende mudar isso algum dia e se revelar?
Ele ficou calado, olhando a vista hipnotizante, e então olhou para mim.
— Juliano não suporta ficar nesse sigilo. Quando estamos fora do
Brasil, somos livres, mesmo tomando cuidado para não sermos pegos por
algum fotógrafo aleatório.
Ele dizia isso porque tinha uma boa influência nas redes sociais. Ravi
era um biscoiteiro, fazia vídeos mostrando o corpo. Poderiam reconhecê-lo
mesmo fora do Brasil.
— Às vezes, tenho medo de que ele se canse e me deixe.
— Ele sairá perdendo — falei. — Você é lindo de morrer, além de rico
de dar inveja.
— Você não presta. — Gargalhou, mas logo respirou fundo. — Não é
só sobre isso. Alguém pode oferecer a ele uma vida de liberdade, mostrar ao
mundo que o ama. E eu não posso. No entanto, penso em tomar uma atitude
depois que tiver algum controle nos negócios da família.
— Meu conselho é que faça isso não porque quer dar a ele algum tipo
de conforto. Faça por você. Agora me conte sobre o fatídico almoço
amanhã, em que serei apresentada à sua família.
O semblante de Ravi se iluminou no mesmo instante. Era algo que ele
gostava de falar. Ele amava a família, e isso aquecia meu coração. Eu não
tive esse amor, por isso gostava de estar perto de alguém que o recebia
— Eles estão todos ansiosos. E estou fazendo suspense. Vem comigo.
Entramos na sala, ele pegou um livro grosso e preto na estante e se
sentou no tapete felpudo preto, abrindo o livro na mesinha de centro. Era
um álbum de fotografias.
— Acho que você pode se surpreender um pouco com o dialeto
gauchês, que eu não uso muito, mas minha família fala bastante.
Eu me sentei confortavelmente no tapete ao lado de Ravi, para
começarmos a estudar mais um pouco sobre sua família.
— Eu dei uma lida mais ou menos. Achei estranho como chamam pão
de sal.
— Se alguém perguntar a ti se quer um cacetinho, não vá se espantar.
Nós dois rimos até ele se recompor e abrir o álbum preto.
— Tu já viu fotos de minha mãe e meu avô. Que são peças importantes
em toda a trama. — Apontou para o senhor grisalho esbanjando bigode e
com ar de personagem antipático de alguma série espanhola. Ao lado dele,
uma mulher loira, aparentemente não natural, bem conservada para seus
sessenta anos, bonita e sorridente.
— Sim. Seu Alberto Barreto e dona Marilia. Seu pai faleceu, e sua
mãe casou novamente. Esse é um dos motivos pelos quais seu avô não
permite que ela tenha o controle dos negócios.
— Ele detesta meu padrasto. — Passou a página, apontando para o
homem parrudo, sorridente, segurando um chimarrão enquanto abraçava a
mãe de Ravi. — Mas não se preocupe com Donato, é um zero à esquerda,
não decide nada; apesar de sempre opinar ao meu favor. — Apontou para
um casal sorridente.
— Quem são esses?
— Viviane e Rony. Seu primo e a esposa dele. No momento, Rony é o
único que deu alegria ao avô, por ser casado e ter filhos.
— E o candidato mais cotado para ser o novo presidente Da
construtora Barreto.
— É você quem será, meu noivo lindo. — Cutuquei-o, arrancando
uma risada dele.
— Essa é a Cassandra, minha irmãzinha querida, a caçula. — Apontou
para a foto de uma bela jovem de cabelos encaracolados cor de chocolate,
ao lado dele, ambos com óculos escuros e bebendo chimarrão. — Já tem
vinte e três anos, mas a gente acha que ela tem cinco. Todo mundo mima a
Cassie, e ela detesta esse nome. Foi herdado da mãe de nosso pai.
— Ainda não tinha visto foto dela. É linda.
— Ela não aguenta mais de ansiedade para te conhecer.
— Nem ela sabe sobre... sua sexualidade?
— Não. E certamente ela será a primeira da família para quem vou
contar.
A cada página que passava, eu conhecia um momento da vida de Ravi,
que era totalmente o oposto do que eu vivi desde criança. Mas não senti
inveja, só fiquei feliz por ele.
Tomei um susto em determinado momento ao ver um homem
extremamente gostoso, sem camisa, montado em um cavalo. Não dava para
ver o rosto, pois estava de lado, mas todo aquele monumento exposto era de
deixar qualquer coração disparado.
E calcinhas molhadas.
— Espera aí. — Botei a mão na foto. — Puta que pariu! Quem é esse?
— Então. — Ravi sorriu, meio sem graça. — Eu te falei pouco sobre
ele, no entanto é a peça mais importante.
— Ai, meu Deus. Quem é? Seu amante?
— Não, doida, é meu irmão.
— Como é...? — Chocada, voltei a olhar para a foto. Ele tinha me
falado brevemente sobre o irmão quarentão, que tinha negócios próprios e
não se envolvia com a empresa do avô, mas eu jamais imaginei que fosse
um deus-grego-gaúcho.
Moreno e aparentemente quente como o próprio inferno. Tinha a porra
de uma tatuagem enorme no ombro que descia para um dos braços. Eu não
ia suportar.
— Aquele tal... que não queria se casar?
— Exatamente. Se chama Gedeon.
— Gedeon — repeti vagarosamente.
— Quando meu pai faleceu, Gedeon se tornou o homem da casa. Eu
tinha dez anos, Cassie tinha três, e ele estava com vinte. Então ele esteve ao
meu lado, é a figura de pai que conheço, e será ele quem vai dar o
veredito...
— Espera! — eu o interrompi, começando a ficar aflita. — Calma aí...
um minuto. Que veredito?
Ravi mordeu o lábio com uma expressão de “sinto muito” na cara
deslavada.
— Se te aprova ou não como minha noiva. Se ele não gostar,
possivelmente fará o impossível para acabar com as minhas chances...
— Opa! Ravi! Você me preparou para impressionar um velho
conservador de oitenta e cinco anos, não um... um... macho viril
extremamente gostoso e que se acha o juiz da família.
— Roxy...
— Não! Você não me contou isso.
— Roxy, não tem mais volta. Eles já estão te esperando.
Fiquei de pé, andando pela sala com os dedos afundados nos cabelos.
Provavelmente eu falharia no primeiro instante. Homem gostoso era o meu
fraco, eu ia entregar toda a farsa no primeiro olhar do tal Gedeon.
Eu estava fodida.
Adeus, duzentos e cinquenta mil dólares.
Dois
CATARINA
— Se eu tivesse falado antes, você não aceitaria, Roxy. Eu tive que
omitir sobre ele quando contei minha história.
— Você me induziu ao erro. — Acusei, andando aflita pela sala. — Eu
estou revoltada. Eu não sei nada sobre esse cara, passei um mês me
preparando para fingir de Barbie para agradar o seu avô.
— Porque o vovô é quem tem que gostar de você.
— Mas, pelo que estou vendo, quem vai destrinchar a minha vida é
esse tal de... Gedeon.
— Desculpa... Mas com a performance que ensaiou, tenho certeza de
que vai agradar ele também. — A sinceridade de Ravi me tocou. Eu notei
que o irmão dele talvez fosse uma pedra no sapato, e por isso teve de omitir.
E certamente eu teria cobrado mais caro se soubesse desde o início.
— Como é isso? Você já tem trinta anos, e ele se intromete na sua
vida?
— Gedeon me vê como um garotinho e acha que todas as mulheres
estão interessadas no meu dinheiro. As duas últimas que arrumei, ele
conseguiu afugentar em dois dias.
— E você simplesmente... deixa? Permite?
— Meu irmão e eu temos uma relação muito boa. Eu me recuso a
magoá-lo ou criar problemas com ele. Então, se ele diz que encontrou
algum problema na pretendente, eu descarto.
— Você tem tanto amor à sua volta, mas parece ser a pessoa mais
carente do mundo. Porra, Ravi, me desculpa dizer isso, mas está fazendo
toda essa merda para ser aceito pela família e conquistar uma posição que
deveria ser sua de direito, independentemente da sua sexualidade. E agora
precisa da aprovação do irmão para... se casar?
Meio esgotado, ele sentou no sofá, mergulhando o rosto em uma
almofada. Tinha trinta anos, mas parecia um adolescente desprotegido e
frágil. E eu convivi o suficiente com caras gays para entender que o
amadurecimento deles costumava ser diferente quando vinham de uma
família muito rigorosa e retrógada.
— Você não entende… — sussurrou. — Não entenderia. As coisas
nessa cidade... no Brasil, são diferentes do que em outros países.
Infelizmente, a tradição rejeita o diferente.
— Rejeitaria você?
— Roxy, eu não preciso de ajuda psicológica, eu juro que minha
terapia está em dia. Sou bem resolvido quanto ao que sinto e quem sou. Só
é da minha escolha não incluir minha família na minha vida particular. Se
você quiser desistir, tudo bem, só me devolve a parte que já paguei e pode
voltar.
Como eu poderia devolver se já usei boa parte pagando algumas
dívidas e deixando duas parcelas do aluguel pagas para não sobrecarregar
Moon?
— Não vou desistir. — Eu me sentei ao lado dele, afagando suas
costas. — Eles já estão esperando sua noiva, e não estou aqui para te julgar.
— E preciso da merda desse dinheiro. — Desculpa pelas minhas palavras.
— Tudo bem, você foi sincera.
— Vamos lá, me conte mais sobre o bendito Gedeon, a quem terei que
impressionar.
Meio tímido, sorriu de lado para mim e se levantou para buscar a
garrafa de champanhe, a deixando perto da gente.
— Não dê em cima dele nem retribua o flerte dele — Ravi me
recomendou. — É a primeira tática que ele vai usar. Ele vai querer saber se
você me ama o suficiente.
Desgraçado e esperto. Usava a beleza para pegar as interesseiras no
pulo. Comigo, ele ia cair do cavalo.
Deus ia me ajudar, e eu ia ser bem forte diante da tentação. Ravi
passou mais uma foto, e meu coração deu dois pulos na mesma sintonia que
minha vagina.
O homem sem camisa, com chapéu de vaqueiro, tomando um
chimarrão.
— O que ele faz da vida? — perguntei. — Você comentou que era
empresário, não é?
— É churrasqueiro.
— Como é que é? — perplexa, me virei rapidamente para Ravi.
— Ele é um empresário no ramo de carnes e churrascaria. O churrasco
gaúcho é bem famoso...
— Sim, eu sei. Mas... você me fez fingir que é vegetariana e está me
levando para impressionar seu irmão churrasqueiro?
— Mas esse foi justamente o plano perfeito. Faz todo sentido que eu
me interesse por alguém vegetariana como eu.
— Pelo amor de Deus, Ravi...
— E, sendo vegetariana, você estará livre de ter que provar o
churrasco dele e elogiar ou ter qualquer interação sobre esse assunto com
ele.
— Faz sentido. — Fiquei um pouco mais calma. — Vou ficar babando
com vontade, mas vou superar. — Babando pelo churrasco e pelo
churrasqueiro.
— Ele tem a própria fazenda, cria os próprios animais para abastecer
as churrascarias e faz questão de estar sempre em uma das cozinhas de uma
das filiais, colocando a mão na massa. Você pode ver depois os vídeos na
internet. Meu irmão é um sucesso. As reservas para jantar esgotam
rapidinho quando ele anuncia que será o churrasqueiro da noite.
Ótimo. Um churrasqueiro estrela.
— Amargo ou simpático? — Eu me servi de mais champanhe para
acompanhar o dossiê.
— Ele escolhe quem recebe o lado rude ou o lado simpático dele.
— O que eu devo fazer para evitar o lado ruim dele?
— Não deve olhar para ele com interesse sendo a minha noiva.
Geralmente as mulheres se atraem fácil por ele.
Devia ser muito convencido. Acho que eu estava começando a montar
na minha cabeça o antídoto perfeito contra o veneno do churrasqueiro.
— Não sou uma tarada. Saberei me controlar.
— Também não pode ser um personagem caricato. Ele pode ficar
entediado rápido demais com personagens bajuladores e vai começar a
desconfiar.
Ao ouvir tamanho absurdo, eu quis acertar um tapa em Ravi, ainda que
fosse contra qualquer tipo de violência.
— E a grande ironia é que você me treinou para ser o personagem
mais caricato do mundo. Tipo, cantarolar música de Os Miseráveis? Quem
da minha idade canta isso?
— Tente ser autêntica, Catarina. Ah, outra coisa, vai perder ponto se
falar sobre dinheiro, bens materiais, joias.
— O ideal é entrar muda e sair calada. Entendi.
— E não beber demais. Uma taça de vinho é o suficiente. Ele
monitora.
— Porra, esse seu irmão é um completo imbecil. Você é um adulto, ele
não pode querer mandar na sua vida.
— Ele é muito protetor comigo e com a minha irmã. A coitada sofre
mais do que eu, é impossível ficar com algum cara morando na mesma
cidade que Gedeon.
— Ele persegue os namorados dela?
— Sim. Não foi uma vez nem duas que ele armou emboscada e bateu
em quem estava ficando com ela. Gedeon colocou na cabeça que ela só vai
pensar em namoro quando terminar a faculdade. Ele não vai mudar. Só quer
garantir que ninguém nos faça sofrer.
— Seu padrasto deve ser muito bom para ter conseguido a façanha de
se casar com sua mãe.
— Ele passou no teste de Gedeon.
***

Dormi feito uma pedra no quarto maravilhoso de Ravi. Ele achou


melhor dividirmos a cama, que era bem grande. Só por precaução, caso
alguém chegasse de surpresa para bisbilhotar antes da apresentação oficial
amanhã.
Foi como dormir nas nuvens. Fazia anos que eu não experimentava
algo tão bom. Na última vez que experimentei uma boa cama, não chegava
nem perto da qualidade da de Ravi. Os lençóis deliciosos, o edredom tão
fofo, que me senti abraçada por um anjo. Eu dormiria fácil, fácil três dias
ininterruptos nesse paraíso.
— O Juliano frequenta esse apartamento? — perguntei, deitando ao
lado dele, já usando meu baby-doll lilás, que ganhei de uma das meninas
quando avisei que estava vindo. Coloquei uma touca de cetim só para não
embaraçar meu cabelo enquanto dormia. Não queria ter preocupação no dia
seguinte.
— Sim, às vezes a gente dá um jeito de ele entrar meio escondido para
passar a noite. Mas nos encontramos mesmo na casa dele, que não tem
porteiro ou alguém que possa bisbilhotar.
— O que acha que seu irmão faria se... descobrisse?
— Eu não sei. Me recuso a pensar. Ele é todo machão... Acho que seria
um golpe muito forte. Eu detesto imaginar a reação dele.
— Vai ficar tudo bem. A gente vai vencer essa.
— Vamos, sim. Boa noite, minha querida noiva. — Virou de costas
para mim, e eu virei de costas para ele, e ainda empurrei a bunda contra a
dele, o fazendo rir.
— Boa noite, querido noivo.
Três
CATARINA
Enquanto me vestia, ainda apreensiva, para o tão esperado almoço na
fazenda de Gedeon Barreto, não conseguia parar de remoer a conversa que
tive ontem com Ravi, quando ele revelou quem era a peça principal da
nossa trama.
Todas as recomendações eram simplesmente ridículas, me colocando
em uma grande cilada. Afinal, só se eu fosse um robô para sair ilesa de um
almoço que, na verdade, seria a avaliação definitiva sobre a minha pessoa.
Ou melhor, sobre a personagem quase perfeita e chata que Miss London
criou.
Como seria um almoço na fazenda, optei por um vestido leve florido
com comprimento na altura dos joelhos e prendi os cabelos com presilhas
meigas nas laterais. Estava parecendo a professora Helena da novela
Carrossel, muito longe da sexy e desejada Roxy das noites de Nova Iorque.
— Barbaridade! — Ravi exclamou quando cheguei à sala. — Você é a
prenda mais linda que já levei para eles conhecerem.
— Obrigada pelo elogio. — Segurando a bolsa, dei um giro diante
dele. — Já levou muitas?
— Duas apenas. Seus peitos são lindos — ele disse, e rapidamente
olhei para baixo ao mesmo tempo que me virei diante do espelho da sala
para conferir se o vestido estava marcando. — Se eu gostasse, acho que os
seus seriam os meus preferidos — ele completou, me tirando uma risada.
O vestido, apesar de ser de alças médias, era comportado e mantinha
tudo coberto.
— E não tenho silicone. Mas fiz uma cirurgia para levantar um
pouquinho. Será que estão muito evidentes?
— Capaz, está ótima. É bom que eles saibam que você tem atributos
que me fizeram gamar. Vamos?
Descemos juntos, entrei no carro de luxo dele, que por dentro parecia
uma nave espacial. Descobri que estava bem apreensiva enquanto colocava
o cinto, fingindo naturalidade para controlar a situação.
— Como seu irmão afugentou suas namoradas falsas?
— Uma era emocionada demais, elogiava demais todo mundo, falava
demais, parecia que tinha ganhado na loteria só por estar junto com a minha
família. E a outra, ele levou para cama.
— Opa! Como assim?
Ravi riu enquanto dava a partida no carro e saíamos do estacionamento
do prédio.
— Seu irmão transou com sua possível namorada?
— Sim. Ele a seduziu, levou-a para a cama e, depois do sexo, a
ameaçou e ainda a chamou de puta por ter traído o irmão dele.
Ele falou isso naturalmente, prestando atenção no trânsito, enquanto ao
seu lado eu ficava boquiaberta.
— Eu tô boba com tanta hipocrisia desse homem.
Se antes eu estava um pouco nervosa, agora tinha virado uma pilha de
nervos. Eu seria facilmente massacrada se esse cara descobrisse qual era a
minha profissão fora do Brasil.
Chegamos à fazenda exageradamente grande, era terra a perder de
vista. A estrada particular que levava até a entrada era toda pavimentada e
arborizada, um verdadeiro paraíso natural. O clima estava agradavelmente
fresco, pois o local era próximo às serras. Passamos por uma fileira de casas
iguais, mas pintadas de cores diferentes, ao que Ravi explicou que eram as
casas dos empregados de seu irmão.
Na porteira de entrada havia uma placa grande acima com um nome
entalhado na madeira.
Barretão.
Quando chegamos e paramos ao lado de alguns carros, meu coração
parecia um tambor, e me arrependi de não ter tomado uma bandinha de
calmante. Devia ter escutado minha intuição.
O que antes era apenas negócios, agora havia se tornado algo bem
pessoal, pois não era só uma transação de duzentos e cinquenta mil. Eu ia
jogar com pessoas, precisaria conviver com gente que nunca vi na vida e
fingir que gostava de todo mundo, ainda que gostasse mesmo de Ravi. Ele
se tornou um amigo improvável.
Ele segurou na minha mão, nossos dedos se entrelaçaram, e após
trocarmos um sorriso confiante, caminhamos em direção à entrada da
mansão campestre.
A arquitetura, apesar de ter estilo serrano, era bem moderna, com vidro
em algumas partes e madeira polida nos detalhes. Havia bom gosto na casa
de dois andares robustos, com janelas e portas de madeira abertas para o
jardim amplo, com palmeiras e grama verde, além de arbustos de flores
bem cuidados e um caminho bonitinho de pedra.
Ravi mencionou que atrás da casa ficava um mundo natural, o paraíso
de Gedeon.
A casa tinha uma varanda que a rodeava completamente, com redes e
cadeiras de descanso. Além de várias janelas no andar de cima, com
varandas particulares.
— Não achei que no Brasil houvesse casas com chaminé — comentei
ao me deparar com uma no alto do telhado.
— É um lugar frio, e como a casa está mais próxima da serra, é muito
mais congelante em algumas épocas do ano. O pessoal está nos fundos,
vamos até lá.
Meus joelhos tremiam como no dia em que estava prestes a atravessar
a fronteira para os Estados Unidos e homens armados americanos
começaram a nos perseguir.
Lembrar desse momento era a pior coisa que poderia acontecer
naquele momento.
Pense em coisas boas.
Pense em coisas boas.
— Ah, meu filho! — Ouvi uma voz e me deparei com Marilia, que foi
a primeira que nos viu e praticamente correu em direção a Ravi. Soltei a
mão dele e comecei a encenação. Afastada alguns centímetros, admirei a
mãe enchendo o filho de beijos de saudade.
O afeto me encantava, eu gostava de assistir acontecendo com outras
pessoas.
— Achei que ia morar lá fora. Que agonia, que saudade — Marilia
murmurava, ainda abraçada a Ravi.
— Capaz. Foi só uma temporada, mãe. Quero te apresentar uma
pessoa. A minha noiva — ele disse, e só então ela notou minha presença ao
seu lado. Os olhos lacrimejados da mulher saltaram, e ela não teve qualquer
discrição antes de me analisar de cima a baixo.
— Bah! Mas que guria bonita, meu filho. — Ela estava abismada, e eu,
lisonjeada.
— Obrigada, dona Marilia. Prazer, eu sou a Maria Catarina.
— Até o nome é lindo. Papai vai te adorar.
Ravi e eu trocamos um sorriso cúmplice e seguimos Marilia, que foi na
frente alardeando e comunicando nossa chegada. As pessoas estavam
reunidas do lado de fora da casa, em uma área extensa e muito
aconchegante.
Havia detalhes em pedra tanto nas pilastras como em algumas paredes.
A madeira ainda predominava, como na frente, e o telhado era bem alto,
com lustres pendentes de globos de madeira. Vi uma piscina com
espreguiçadeiras e cadeiras de descanso e uma mesa enorme de madeira
rústica com pelo menos uma dúzia de cadeiras em volta.
Imediatamente avistei uma parte inteira coberta, mais afastada de onde
as pessoas estavam, que era a área da churrasqueira. Havia dois homens lá,
vestiam roupas iguais e usavam avental de couro, provavelmente eram os
ajudantes.
Era a casa de um churrasqueiro, então ele tinha a melhor estrutura.
Meu coração saltitou conforme eu me continha para não olhar em volta
à procura do bendito. Eu só queria detectá-lo para não ser pega
desprevenida.
Fui apresentada a todos que estavam lá. Eu já os conhecia por foto,
além de ter estudado previamente o resumo de cada um deles.
Donato, o padrasto, era muito carismático, sorridente e alegre. Falava
pelos cotovelos; certamente era o alívio cômico da família. Não parecia ser
um homem dominador e me fez acreditar que foi justamente por isso que
Gedeon permitiu o casamento com a mãe. O homem não era um macho alfa
que iria brigar por território.
A tia de Ravi era desconfiada, mas acabou amolecendo e tecendo
elogios para mim, o que me deixou levemente sem graça. Eu vim de um
lugar em que estava acostumada a ser venerada por homens, no entanto,
aqui, eram elogios sobre uma beleza pudorosa que eu nem sabia que tinha.
Rony, o primo e concorrente de Ravi, parecia inquieto, meio
desconfortável; esse tentou não me admirar muito. Era casado, a esposa
estava ao lado, agarrando seu braço como se protegesse sua propriedade de
uma ameaça iminente. Apesar de ser um homem atraente, não era bonitão
como Ravi. Ela deveria se tocar que eu estava com o Barreto mais bonito,
mesmo que não fosse meu.
Os filhos do casal brincavam na piscina enquanto uma mulher gostosa,
com esvoaçantes cabelos encaracolados, acabava de se levantar da
espreguiçadeira. Usando maiô e canga, ela desfilou na nossa direção.
Demorou para que eu entendesse que era a irmã de Ravi.
— Puta que pariu… — ela sussurrou, rindo para mim enquanto
saltitava na minha direção. — Você é disparada a mais gata que ele já
arrumou. Sou Cassandra, irmã do bigodudo. — Trocamos um abraço, e ela
se afastou um pouco para me admirar. — Gedeon vai te odiar, desculpa.
— O... quê?
— Ele detesta mulheres intimidadoras, e você é.
— Minha irmã é doida. Não dê ouvidos a ela. — Ravi veio correndo
ao meu socorro, cumprimentou a irmã com um abraço e cochichou coisas,
provavelmente recomendações para ela.
O avô veio depois e praticamente me aprovou assim que viu. Era um
senhor magro, usando linho e chinelo de couro, além de uma bengala. E,
como os outros, me elogiou como a melhor escolha de Ravi.
Que eu era uma grande gostosa, sempre soube, porque eu me preparei
para ser isso, me aproveitando da genética. Mas que eu tinha beleza de
moça de família, jamais imaginaria.
— É de onde aqui do Brasil, filha? — Seu Alberto quis saber assim
que me sentei junto com todos eles.
Eu sabia que os holofotes estavam em mim, e tudo bem quanto a isso,
eu estava acostumada a ser o centro das atenções. Mas sabia também que a
acareação tinha começado. Todos queriam saber um pouquinho mais da
noiva de Ravi, pretendente a futura Barreto. Pelo bem da minha vida
confortável, eu tinha de passar no teste.
Olhei para Cassandra, de pé, segurando um drinque, sorrindo como se
estivesse achando graça.
— Sou de... do Rio de Janeiro. — Pensei em mentir, mas não havia
problemas em saber onde nasci. — Mas me mudei cedo para os Estados
Unidos.
— E fazia o que lá? — Marilia indagou. — Ravi não contou quase
nada de você.
— Mãe, eu contei o básico.
— Eu fui com o visto de estudante e acabei ficando lá quando entrei
para o mundo imobiliário. Era corretora de imóveis. Não foi uma sorte ter
trombado com um brasileiro em pleno Central Park, afinal tem brasileiro
em todo lugar. Mas foi uma sorte ter encontrado o amor da minha vida, o
Ravi.
A família inteira, calada, olhava com expressão satisfeita. Não fiquei
incomodada de enganá-los, estava feliz por estarem gostando de mim. Eu
sentia o termômetro de aprovação por parte deles subindo gradativamente.
— Ravi me contou isso — Marilia falou. — Deus escreve muito bem o
destino das pessoas que seguem a Ele. Eu pedi tanto que Ravi encontrasse
uma brasileira para o trazer de volta.
— Pois ele foi no lugar certo onde eu estava e me encontrou. — Não
menti, afinal. Trocando um sorriso, segurei na mão do meu falso noivo.
— Vamos conversar mais enquanto comemos — Seu Alberto
interrompeu o papo. — Cadê o Gedeon com essa carne? O estômago já está
dando solavanco.
— Parece que uma novilha caiu em uma vala, e ele foi ajudar no
resgate — o primo comunicou, o que de certa forma me deixou levemente
mais relaxada pelo breve adiamento do encontro.
— Quer conhecer a mansão enquanto isso? — Ravi me convidou,
estendendo a mão.
— E podemos?
— Claro, é a casa do meu irmão, ou seja, meu lar também.
Concordei, pois seria um bom passatempo para ajudar a aliviar a
pressão da ansiedade. Cinquenta por cento da missão estava cumprida.
Aparentemente, fui aprovada pela família, e principalmente pelo avô
retrógrado. Todavia, os outros cinquenta por cento, e a parte mais
importante, eram o que mais me incomodava.
Ter a aprovação do irmão mais velho.
Quatro
CATARINA
— Dá licença, pessoal. — Acenei para as pessoas, deixando que Ravi
me puxasse.
— Voltamos logo — Ravi completou e me levou para dentro da casa.
Era a casa mais moderna e luxuosa que eu já tinha colocado os pés. A
sala, além de muito grande, era clara, por causa da claraboia e de todas as
janelas gigantes em volta. Apesar de a madeira predominar, como no piso,
nos móveis e na escadaria, ainda parecia muito requintada. Era um rústico
chique. O piso era tão brilhante, que quase dava para ver o reflexo.
A sala era dividida em três alas separadas por arcos de madeira.
Na primeira ala havia um sofá grande de madeira na cor marfim, que
parecia bem confortável, junto com poltronas com design arrojado. Ravi
disse que o designer projetou exclusivamente para a casa de Gedeon. Essas
pessoas eram tão ricas, que não deviam saber o que fazer com dinheiro.
E a lareira ficava ali, em frente ao sofá e às poltronas.
Na segunda ala, estava a escadaria de madeira.
E na terceira ala da sala, havia uma mesa de sinuca e um bar. Ele
puxou uma porta de vidro, e entramos em uma área que ficava dentro da
casa, mas era descoberta e tinha uma árvore bem no centro. Era como um
jardim de inverno, mas com um pé de acerola.
Subimos para o segundo piso, onde ele me mostrou o corredor com os
quartos para visitantes. Era uma quantidade exagerada. Oito quartos e dez
banheiros. Eu estava tão chocada, que Ravi me explicou o motivo: o irmão
recebia muitos amigos, além da família, que adorava a fazenda e sempre
passava o fim de semana.
— Fique aqui um segundo — ele me disse e caminhou para a ala
oposta à ala dos visitantes. Após verificar, apareceu fazendo sinal para que
eu o seguisse. — Aqui é a parte do meu irmão, só precisei conferir se ele
não estava aqui. Venha.
Eu o segui cautelosamente pelo corredor. Fui notando um ar mais
íntimo, como a cor diferente na parede e quadros de moldura preta no
corredor.
— Juliano me ligando logo agora. — Ele atendeu o celular, pediu um
minuto, mostrando o dedo indicador, e entrou em um cômodo, fechando a
porta.
Sozinha no corredor, olhei os quadros na parede.
Gedeon com um espeto de carne. Ambos lindos e suculentos.
Gedeon vestido com trajes típicos gaúchos.
Um prêmio de melhor churrasco.
Outro prêmio de melhor restaurante churrascaria.
Mais prêmios, mais fotos, até terminar.
Então o silêncio me abraçou, assim como meus braços em volta do
meu corpo. Olhei para o corredor vazio e para uma porta preta bem próxima
de mim. Sabia que não deveria ser uma curiosa, sabia que tinha de esperar
Ravi aqui, mas o impulso burro foi mais forte, e eu empurrei a porta,
colocando a cabeça para dentro.
Era um quarto. Estava muito arrumado, além de ter um cheiro
aconchegante de limpeza e masculinidade. Assim como o restante da casa,
era muito bonito, e o preto com madeira clara predominava. Vento soprava
da varanda, balançando a cortina marrom-clara para dentro do quarto.
Dei um passo para dentro, e como se houvesse um ímã me atraindo,
dei outro passo até estar diante das portas de vidro do closet.
Notavelmente era o quarto de Gedeon.
Mesmo ele não estando lá, era incrível como sua presença dominava o
ambiente. Era o lugar íntimo do cão churrasqueiro, como a caverna de um
lobo, e eu, a ovelhinha idiota, estava bisbilhotando.
No entanto, Jesus colocou a mão no meu ombro e me aconselhou a
voltar. Eu já sabia que Gedeon era o maior desconfiado da face da Terra e
estava disposto a me colocar em todo tipo de teste para saber se eu era
mesmo apropriada para seu precioso irmão. Tudo que eu não precisava era
de um primeiro encontro trágico.
Dei meia volta e, ao chegar à porta, eu o vi caminhando, já bem perto
do quarto, tirando a camisa. Íamos topar de cara, e só deu tempo de eu me
virar e correr, me escondendo dentro do closet dele.
Pronto, Catarina, era isso que você queria? Pois a torta de vexame
está servida.
Ouvi passadas fortes entrando no quarto e, logo em seguida, o som da
porta principal se fechando com chave. Encolhida no cantinho do closet
escuro, comecei a fazer todo o tipo de prece para que Deus tivesse
compaixão de mim. Eu precisava do dinheiro de Ravi, e se nosso plano
falhasse por minha causa, eu não só não receberia, como teria de devolver a
outra parte.
Ouvi então a voz do homem, que parecia falar ao celular.
— Já estou em casa, mãe. Só vou tomar um banho e já desço. Não,
senhora, não precisa. Deixa que eu preparo a carne. Me dê dois minutos.
Imaginei que ele estivesse se despindo. Então ouvi a porta do lado
abrindo e logo em seguida o chuveiro ligando.
Obrigada, Deus. Obrigada! Agradecendo em pensamento e
prometendo ser uma pessoa mais séria, saí devagar do meu esconderijo,
pisando o mais leve que podia. Quando estava saindo do closet, quase
trombei no homem, que tinha acabado de sair do banheiro usando apenas
cueca.
O grito ficou entalado na minha garganta enquanto mirava o cara
seminu na minha frente, primeiramente surpreso e depois aparentemente
furioso.
— Desculpa — sussurrei e me virei para sair, corri para a porta e
minha mão trêmula tocou na chave, mas sem tempo de abrir. Ele me
alcançou e colocou a mão na porta, estava bem perto de mim. Cheirava a
suor, barro e estava meio sujo.
— Quem diabos é tu e o que estava fuçando no meu quarto?
Droga. Tudo que não podia acontecer acabou acontecendo. Era hora de
dar vida à personagem sonsa que Miss London criou.
— Desculpa, senhor Gedeon... Eu sou Catarina, a noiva do seu irmão.
Acabei me perdendo na casa...
— Noiva do meu irmão — interrompeu minha desculpa polida. — E
se achou no direito de invadir uma casa que não é dele e nem sua?
— Eu não invadi.
E ele não se afastava. Era alto demais, tinha presença demais, tinha um
corpo grande demais diante de mim.
— Geralmente, eu convido algumas mulheres para esse quarto, mas
não lembro de ter convidado você. Então, sim, você invadiu. — A acusação
veio em entonação rude, como Ravi tinha me avisado que poderia
acontecer.
— Escuta, senhor Gedeon, eu não quero problemas, o seu irmão disse
que podíamos ver a casa.
— E onde está ele?
— Ah...
— E com uma casa tão grande, você se enfiou justo no meu quarto?
— Eu não sabia que era...
— Não sabia que era meu quarto? Mas você já sabia quem eu era antes
que eu apresentasse.
Porra, o homem estava entrando na minha mente de uma forma
patética, e eu simplesmente não tinha proteção alguma contra ele.
— Sim, você tem fama... Eu sabia previamente quem era você... —
Bosta! Não era para falar assim. — O Ravi falou de você.
— E não perdeu tempo em vir conferir exatamente o meu quarto
sozinha?
— O que está insinuando, senhor Gedeon?
— Estou mesmo insinuando algo? — Fez uma careta, franzindo o
cenho e erguendo os ombros. — Você admitiu que já conhecia a minha
fama, sabia que essa casa é minha, e provavelmente percebeu que esse
quarto seria do dono da casa. E estava bem aqui dentro, escondida,
enquanto eu me despia, por quê?
Ele derramava pura hostilidade contra mim, me encurralando numa
narrativa que ele estava criando.
Engoli em seco, fitando os olhos inquisidores. Eu fui premiada para
receber o lado ruim de Gedeon Barreto. Estava bem fodida, e não era de um
jeito bom que com certeza ele deveria saber fazer muito bem.
E só para dar mais munição para ele, meus pensamentos intrusivos
venceram, e acabei olhando o peitão suculento dele e mirei sua cueca. Bem
recheada.
— Gosta do que vê, Catarina?
Ali estava o teste. O primeiro para saber se eu gostava e valorizava
mesmo o irmão dele. Era como responder à pergunta do Show do Milhão,
valendo duzentos e cinquenta mil. E agora eu não ia ter ajuda de ninguém.
Voltei a mirar o rosto dele e resgatei a força de Roxy, que por muito
tempo soube ser forte e impor sua palavra diante de clientes engraçadinhos.
— O senhor deveria ter vergonha. Seu irmão te ama, não deveria
flertar com a noiva dele. Eu sou fiel, Gedeon. Abra essa porta antes que eu
comece a gritar.
Nesse instante, ouvimos a voz de Ravi me chamando, ele estava me
procurando. Gedeon sorriu para mim e levou a mão à chave da porta.
— Se é tão fiel, ele não vai se importar em ver isso. — Abriu a porta e
me empurrou para fora, bem na cara de Ravi. — Ravi, meu guri. Nos
vemos daqui a pouco. — E fechou a porta, me deixando com cara de tacho
olhando para meu amigo. Ainda bem que era um noivado de mentirinha.
— Roxy! — Ravi me puxou para dentro de um banheiro. — Porra,
Roxy. Você caiu na grelha de Gedeon nos primeiros trinta minutos? Minha
última namorada falsa levou mais tempo para cair.
— Não aconteceu nada. Seu irmão é um grande idiota.
— Não aconteceu nada? — O semblante de Ravi estava puramente
caótico, quase em pane. — O que estava fazendo presa no quarto dele, com
ele só de cueca?
Apoiada na pia, recuperando minhas funções cardíacas, olhei para
Ravi.
— Quando você foi atender o telefonema, eu espiei o quarto, Gedeon
chegou bem na hora e não deu tempo de fugir. Então me escondi no closet
dele, e quando fui sair, ele me pegou. Só isso.
Ravi assentiu, meio desconfiado. Com as mãos na cintura, andou um
pouco pelo banheiro, pensando.
— Ele teve uma má primeira impressão de você? — Parou de andar
para perguntar.
— Teve.
— Teve, Roxy?
— Sim, ué. E eu ainda olhei para o pau dele, e ele perguntou se eu
gostava do que via. — Com a mão tampei os olhos meio envergonhada. —
E eu gostei, mas não falei, claro.
— Meu Deus, estou fodido. Não vou conseguir arrumar outra noiva
em tempo recorde.
— E nem precisa. — Rapidamente segurei-o pelos ombros. — Sua
noiva está aqui. Eu dei um lacre na cara daquele jumento. E não vou ceder
tão fácil, eu prometo.
— Ah, querida Roxy. Conhece aquela planta comigo-ninguém-pode?
— Sim.
— Gedeon é pior. Com-ele-ninguém-pode. Vamos descer.
Cinco
CATARINA
Com-ele-ninguém-pode... uma porra.
Era o que íamos ver. Agora era uma questão de honra ganhar a
aprovação de todos e passar feito um trator em cima daquele churrasqueiro
de meia pataca que me tratou com desdém; um malcriado com síndrome de
dono do mundo.
Ok. Eu estava mesmo dentro do quarto dele, metida em um lugar que
não era da minha conta, que não me pertencia, mas ele não precisava ter
sido um babaca, não permitindo que eu me explicasse e ainda perguntando
se eu gostava do que via.
Ele não tinha um pingo de respeito pelo irmão, essa era a verdade.
Por causa da pressão de Gedeon, eu estava uma pilha de nervos ao
voltar para a mesa, na área de estar da fazenda, cercada por gaúchos
animados e risonhos.
A família de Ravi era apaixonante, e todos ali estavam dando o seu
melhor para me incluir. Era especial a forma como ele era amado. Isso
quase me fazia ter gatilhos e desbloquear lembranças ruins da minha família
aqui no Brasil e tudo que tive de fugir.
Meu passado me seguiu por todo caminho, desde quando consegui
atravessar a fronteira até me estabelecer em Nova Iorque, com ajuda de
Gus. Se eu me permitisse ser fraca o suficiente para olhar para trás, podia
ver o fantasma dos meus atos, dos meus segredos, de tudo que deixei no
Brasil.
Por isso Roxy surgiu. Ela tinha de ser forte, tinha de ser uma rocha, um
pilar de sustentação, sempre olhando para frente, nunca mirando o terror do
passado.
Enfrentei pai abusivo, enganei coiotes, fugi de policiais da fronteira,
me ergui numa boate americana. Não seria um gaúcho churrasqueiro que
iria arruinar minha chance de ganhar uma boa grana.
Eu já estava na segunda taça de vinho, embora lembrasse das
recomendações de Ravi para que tomasse cuidado, pois certamente Gedeon
estaria monitorando. E estava mesmo. Volta e meia, eu flagrava as olhadas
tortas em minha direção. Queria apontar o dedo do meio para ele a todo
instante que nossos olhares se trombavam.
Usando uma camisa jeans por dentro da calça, mangas dobradas e dois
botões abertos no peito, além de botas de couro e um avental também de
couro, próprio para churrasco, ele conseguia triplicar o charme másculo
natural.
O homem prometia mundos e fundos, no sentido sexual, só com um
olhar. Eu tinha certeza de que ele só saía de uma cama depois que
aniquilasse a felizarda da vez.
Era com certeza o vinho me fazendo pensar em sexo, quando eu
deveria estar focada.
Gedeon conduzia com maestria a área da churrasqueira, bastava que eu
olhasse de lado para vê-lo manipulando as carnes, espalhando sal grosso ou
rindo e conversando com os homens enquanto tomava um chope.
— Quer ir lá dar uma olhada? — Cassandra me cutucou, percebendo
que eu não parava de olhar naquela direção.
— Ah… não, estou bem.
— Vamos lá, tchê. É um espetáculo vê-lo fazer churrasco. As pessoas
pagam para ter o que você está desprezando. Vamos.
Ravi estava longe, conversando com o primo dele, não havia como me
safar. Então me levantei e a segui até a área do churrasco.
— Oi, maninho. — Cassandra se aproximou de Gedeon, que fingia
que não tinha notado minha presença.
— Oi, Cassie. Veio fazer um pedido?
— Estou esperando tua bendita costela. Já viu nossa cunhadinha?
Gedeon enfim deixou as carnes de lado e virou para mim, dando o pior
olhar do mundo. Não tinha mais jeito, ele já havia me colocado na gaveta
da desconfiança.
— Já fui apresentado a ela. Está se divertindo muito, Catarina?
— Sim, bastante. Obrigada.
— É o que você imaginava ou... não estamos cumprindo suas
expectativas? — Deu um gole no chope, sem parar de me olhar.
— É claro que é bem mais do que eu imaginava. Sua família é linda e
gentil.
— Eu sei que é. Além de termos... — Fez o gesto de dinheiro com os
dedos. Foi uma alfinetada muito escrota, eu não acreditava que ele tinha
feito isso nas costas da irmã, enquanto ela beliscava um pedacinho de
churrasco.
Estava me chamando de interesseira. E antes que eu pudesse dar uma
resposta atravessada, Ravi se aproximou.
— Meus irmãos e minha amada juntos. — Deu um beijinho furtivo nos
meus lábios. — Gostou de ver um pouquinho do show de Gedeon?
— Eu vi o suficiente. — Esnobei sem medo, me virei e saí em direção
à mesa, deixando que Ravi me seguisse.
— Ei, Ravi! — Gedeon gritou, vindo logo atrás. — Prepare tua
delicada noiva, que hoje ela vai provar a melhor costela assada da vida. —
Trouxe uma peça de costela, linda, perfeita, suculenta, tão cheirosa, que fez
meu estômago saltar. Eu queria chorar bem ali, pois seria capaz de brigar
por aquela peça assada, mas não podia provar.
Gedeon colocou a tábua com a costela sobre a mesa e, usando garfo e
faca de churrasqueiro, cortou uma fatia linda.
— Ela não come! — Marilia gritou. Eu estava quase fingindo que
tinha esquecido do vegetarianismo.
— Como é que é? — Gedeon parou de cortar e me olhou de uma
maneira como se eu tivesse lhe ofendido.
— Ela é vegetariana, como Ravi.
Primeiro, ele examinou meu rosto e até semicerrou os olhos,
colocando dúvida nesse fato. Em seguida, fingiu naturalidade.
— Barbaridade. Como a pessoa escolhe não saborear esta delícia? —
Ergueu o queixo, abriu a boca e abocanhou uma tira generosa da costela
fumegante. Em seguida, olhando para mim, passou o polegar no lábio.
Até comendo ele é sexy. Maldito.
— Você só precisa respeitar as escolhas das outras pessoas — eu disse.
— Há diversos motivos para alguém ser vegetariano.
— E qual é o seu? — indagou e rapidamente olhei para Ravi. A gente
não tinha discutido isso. Ele apenas tinha me dito em Nova Iorque algo
como: “Minha noiva vai ser vegetariana para me acompanhar, pois eu
também sou.”
— Ah... pelo bem dos animais. — Foi o que veio na minha cabeça.
Apesar de que eu gostava mais da opção ecológica.
— Tudo bem. Respeito seu estilo de vida. Só é meio irônico que você
tenha vindo justamente para a terra do churrasco.
— Não há somente eu de vegetariana aqui. Seu irmão, que é gaúcho,
também é.
Gedeon mastigou outro pedaço de carne, olhando fixamente para mim,
enquanto sua boca fechada, mas se movendo, parecia sorrir. As pessoas em
volta se serviam avidamente da costela, indiferentes ao nosso sutil
confronto.
— O Ravi come carne. — Pareceu que estava dando um xeque-mate,
saboreando cada palavra.
— Como é?
— Ele gosta de carne e não está nem aí para os bichinhos. Só evita por
uma questão de saúde. Você é noiva dele e não sabia disso?
Boquiaberta, muito chocada e desmoralizada pelo idiota na frente de
todo mundo, busquei o meu falso noivo, que estava de cabeça baixa.
Gedeon riu, balançando a cabeça.
— Vou voltar ao churrasco, a batata de alguém parece estar assando.

— Por que não me contou algo tão importante, porra? — berrei para
Ravi, novamente dentro do banheiro presa com ele.
— Eu meio que falei...
— Não. Você apenas disse que era vegetariano, não vegano, e que isso
tinha te dado uma qualidade de saúde melhor. — Surtada, apontei para a
porta. — Você viu a cara de vencedor dele?
— Não confronta Gedeon, é isso que ele quer.
— Eu não estou confrontando. Mas como vou reagir se ele me trata
com toda essa desconfiança, como se eu fosse uma bandida e ele estivesse
prestes a me pegar no pulo? Você quer a noiva, você precisa da noiva, então
você vai enfrentar seu irmão e não permitir que ele destrua o seu
relacionamento.
— Ok, escuta... — Veio em minha direção, mas dei um passo para trás.
— Me conta. Que merda é essa? Você come carne?
— Eu tive um problema intestinal. Se eu comer carne vermelha, meio
que não me cai bem. E desde então, vi que minha qualidade de vida
melhorou muito depois de tirar a carne da minha vida.
— Porra, Ravi.
— Roxy.
— Para de me chamar de Roxy, vai acabar deixando escapar num
momento que não deve. — Apesar do sermão, falei de forma compassada.
Não queria brigar com ele.
— Tem razão. Cate.
— Cate?
— De Catarina. — Sorriu, e acabei sorrindo um pouquinho também.
— Me chame de amor. É mais convincente. E por que me fez ser
vegetariana?
— Ideia do Juliano. Ele achou que meu irmão não poderia ter qualquer
aproximação com alguém que não come a maior especialidade dele, já que
a derradeira namorada minha foi atraída justamente com o maravilhoso
churrasco.
Essa merda nem fazia sentido. Como eles queriam enganar a família se
me treinaram da pior forma possível?
— Qual é o próximo passo dele? O que ele vai fazer para tentar me
desmoralizar?
— Ele só vai te ouvir, te analisar com calma. Mas vai apontar qualquer
inconsistência, se perceber. Vamos sobreviver a esse almoço. O vovô gostou
de você, temos meio caminho andado.
Depois do almoço, que estava uma delícia, mesmo que o meu prato e
de Ravi fosse vegetariano, nos sentamos em um círculo em uma área plana,
debaixo de árvores, para conversar e fazer a digestão da comida.
Logicamente, eu era o foco. Todos queriam saber sobre a minha vida
perfeita em Nova Iorque.
Contei sobre morar com uma amiga, o que era meio verdade. Minha
colega de apartamento fazia programas quando ofereciam um bom dinheiro.
Porém, na história que contei para a família Barreto, ela era uma brilhante
advogada.
— Não mostrou ainda o anel que o Ravi te deu — Viviane, a esposa de
Rony, disse bem alto, chamando a atenção de todos. E pelo interesse
estampado nos rostos, acho que era algo que todo mundo queria ver.
— Bem lembrado. — Cassandra logo se animou, de olhos saltados. —
Queremos ver o anel de noivado.
— Cassie, a Catarina não gosta muito dessa... exposição. — Ravi,
meio tímido ainda tentou conter os ânimos.
— Está tudo bem, amor — sussurrei para ele. — É mesmo algo lindo e
simboliza nossa união. — Dei um selinho nos lábios dele, e quando olhei
para a plateia em torno, Gedeon estava com a pior cara do mundo. Parecia
sentir repulsa enquanto me fitava sem piscar.
Eu me levantei, saltitando como uma princesinha meiga, e passei
diante de cada membro da família mostrando o anel em meu dedo.
— Barbaridade! — Marilia exclamou segurando minha mão — Que
bom gosto o meu filho tem. Olha isso, pai. — Mostrou ao seu Alberto,
sentado do lado.
— Esse guri é um verdadeiro Barreto. Marcou logo a sua prenda.
Gostei de ver.
Continuei mostrando a cada um deles, inclusive as crianças, que já me
chamavam de prima. Até chegar ao último do ciclo.
— Quer ver também? — Bem cara de pau, surgi na frente de Gedeon,
mostrando o anel na minha mão estendida.
— Muito sortuda, você — ele disse, sem nem olhar o anel, os olhos
malignos cravados nos meus.
— Eu sou. Ravi é uma pessoa maravilhosa.
— E herdeiro.
— Detalhe indiferente diante das qualidades dele.
— Qualidades não compram um anel tão lindo.
— Mas fazem uma mulher feliz e realizada. — Pisquei sutilmente e
me afastei, voltando a me sentar ao lado de Ravi.
— Você gosta do perigo, amor — Ravi sussurrou. — Você é teimosa.
— Bueno, vou preparar um mate dos bons. — Gedeon levantou-se, e
isso atraiu Ravi.
— Venha, vamos assistir como se prepara um autêntico chimas. —
Nem tive tempo de recusar, fui puxada até a cozinha, onde Gedeon
ostentava sua cara de poucos amigos.
— Irmão, deixa ela ver como se prepara. Tentei mostrar um dia, mas a
erva esparramou tudo.
— Tu sempre foi péssimo em preparar chimarrão, Ravi — Gedeon
disse e escolheu uma cuia grande dentre várias. Inclusive tinha até cuia
personalizada de time, do Grêmio, que provavelmente era o dele. — Se
aproxime, Catarina, fique do meu lado para não perder nenhum detalhe —
convidou, se fazendo de gentil. E eu me aproximei, me colocando ao lado
dele.
— Qual é o melhor horário para tomar o chimarrão? Perguntei.
— O horário que a pessoa quiser. — Gedeon falou. — Às vezes eu
tomo umas cinco vezes por dia.
— Cinco vezes? — Presta atenção. Erva mate na cuia. Preencha até
chegar nessa curvinha da cuia — começou a explicar enquanto ia fazendo,
usando um tom baixo e suave na minha direção, como se só nós dois
estivéssemos na cozinha.
Ravi, à nossa frente, assistia.
— Agora tu vira a cuia meio deitada e ajeita a erva com a mão ou
com esse círculo aqui, que uns chamam de vira-cuia. Vai ficar esse buraco
na erva e tu coloca água morna, só um pouco, e espera a erva absorver.
— Eu faço diretamente com água fervendo — Ravi falou.
— Por isso o teu não presta. Fica com gosto de erva queimada. Ajeita
a bomba dentro, dessa forma, com o dedo na ponta, para prender o ar. E
finaliza com água quente até preencher.
Quase soltei um riso por causa do sotaque de Gedeon, que eu achava
interessante, bem mais intenso do que o de Ravi. A entonação da letra ‘e’
no final das palavras dava personalidade à fala.
Ele levou o canudo de ferro aos lábios, chupou um pouquinho e deu
uma piscadinha para mim.
— Está pronto.
Voltamos para o pátio, onde as pessoas esperavam. Sentamo-nos junto
aos demais no círculo, e Gedeon entregou a cuia para Ravi. Pelo jeito era
costume do lugar, fazer roda de gente para beber chimarrão. Gedeon até
trouxe a garrafa térmica para continuar acrescentando.
— Faça as honras, Ravi. Deixe que tua noiva prove primeiro.
Ravi pegou a cuia e passou para mim.
Eu sabia o que era, tinha lido sobre, tinha assistido vídeos de como
tomar, mas ainda não tinha provado. Não foi um vacilo não ter provado
antes, Ravi disse que minha reação deveria ser real diante de todo mundo ao
provar um chimarrão pela primeira vez.
— Suga um pouquinho e não precisa mexer na bomba — instruiu e,
com cuidado, suguei para saborear a tão famosa bebida gaúcha. Então
chupei com força, e minha boca inundou de líquido quente e muito forte.
Porra, desculpa, mas era ruim. Estava amargo, mesmo que não
estivesse tão quente. Senti minha mão tremer, e uma lágrima quase desceu
do olho. Era o maior vexame da minha vida. Eu cuspi chimarrão na frente
de uma roda de gaúchos.
— Ai, porr... por... por Deus! Me desculpem. Foi o reflexo.
As pessoas não pareciam se importar, estavam rindo e falando que era
assim mesmo, que sempre ocorria com quem não tinha costume.
— Você vai se casar com um gaúcho, e nunca tinha provado um
chimarrão? — Era Gedeon, tentando me pressionar de novo. Eu poderia
perder a cabeça ou me fazer de sonsa. Escolhi a segunda opção.
— Não. Ele já fez para mim. Só não estou acostumada mesmo. Mas
vou tentar novamente, me dá isso aqui. Não sou uma donzela sensível.
— É isso aí! — Marilia e as outras mulheres aplaudiram.
Dessa vez, um pouco mais preparada, suguei pouco e fiz questão de
olhar para o “dono do mundo” enquanto fingia saborear.
— Hum... parece sim algo que dá para se apaixonar. O amargor é
viciante. Hum... seu chimarrão é uma delícia, Gedeon — eu disse,
agradando todo mundo. Menos alguém que me olhava com muita seriedade.

****

O almoço na fazenda do churrasqueiro foi um sucesso. Eu saí de lá


aclamada. Até o primo rabugento e sua esposa gostaram de mim, riram dos
casos que contei, alguns inventados, outros que nem aconteceram comigo.
E eu sabia que daqui para frente seria bem mais fácil, afinal não teríamos
mais de lidar com Gedeon.
A gente quase nem se veria na verdade.
A reunião para passar a direção da empresa seria no mês seguinte. Só
precisávamos ficar um mês de boas aparências. Ia dar tudo certo.
— O que achou? Gostou da minha performance? — indaguei a Ravi
quando chegamos ao apartamento dele. Atirei minha bolsa em uma poltrona
e me joguei no sofá em busca de liberdade para meus pés presos em sapatos
fofos.
— Apesar do contratempo inicial, quando você se enfiou no quarto do
meu irmão, foi tudo bem. Estamos no caminho certo. Você fez meu avô rir,
já está aprovada.
— Gedeon está intrigado. Acha que ele vai simplesmente engolir sua
nova noiva sem nem tentar algo? — Levantei, já descalça, indo até a
cozinha pegar água, e Ravi me seguiu.
— Gedeon está na casa dele, longe da gente. E eu estou aqui com
você. Só volto a trabalhar semana que vem, então não tem como ele colocar
as garras em você e tentar estragar nosso plano.
— Ah, liberdade! — Rodopiei na cozinha. — Juro que não duraria
dois dias diante daqueles olhos investigadores.
— Certamente meu irmão safado ia querer te atrair para a cama dele só
para fazer o teste se você é ou não fiel a mim.
O pior é pensar que talvez ele nem precisaria tentar muito, eu ia cair.
— Estúpido. Desculpa, é seu irmão, mas é um estúpido.
— Bom, não me interessa mais. Vou tomar um banho de banheira e ver
se Juliano quer me ver hoje. Fique à vontade, baby.
Nem tinha começado a arrumar minhas coisas no armário do quarto de
hóspedes, já que deveria dormir no quarto principal com Ravi. E agora que
tinha conhecido o famoso irmão mais velho, só aumentava a certeza de que
tínhamos mesmo de dormir juntos. Gedeon estava sedento por encontrar
falhas.
Da minha valise de viagem, tirei uma foto minha com minha mãe em
um porta-retratos que eu sempre carregava comigo. A única que tinha.
Acabei de colocar na prateleira do quarto quando Ravi apareceu usando um
roupão, com os cabelos molhados.
— Merda — ele resmungou.
— O que houve?
— Meu avô me ligou. Quer que eu comece amanhã bem cedo.
— Na empresa?
— Sim. Disse que precisa ver o meu desempenho junto com meu
primo. E ele já está trabalhando lá há um bom tempo.
— Tudo bem... eu posso ficar aqui. Vá e dê o seu melhor.
— Você pode pedir comida se quiser, pode dormir até tarde, pode usar
a academia do prédio.
— Tá. Fica tranquilo, saberei me cuidar. Manterei o personagem
enquanto você estiver fora.
Eu estava a salvo em uma cobertura de luxo. Que mal poderia me
atingir?
Seis
CATARINA
Acordei às oito, e Ravi já tinha saído.
Muito contente, já podendo sentir o gostinho de meu saldo bancário
superpositivo, rolei na cama grande e extremamente confortável quase me
convencendo de que eu era uma das Kardashians, nadando em riqueza e
conforto.
Era animador o fato de estar de férias da boate, passando um mês em
uma cobertura de luxo e esbanjando do melhor que o dinheiro poderia dar,
além de ter, no final do período, uma bolada que nunca pensei em conseguir
de maneira tão fácil.
No banheiro, passei um tempo cuidando do corpo, em um banho
relaxante de banheira, depois escolhi um vestido leve para ficar em casa.
Descalça, saltitei até a cozinha, encontrando um bilhetinho fofo de
Ravi. Ele tinha pedido algumas guloseimas para a gente, inclusive
cacetinhos, o que me tirou uma risada. Estavam sobre o balcão me
aguardando. O bilhete ainda dizia para preparar meu café na máquina e
pedir almoço, porque certamente ele almoçaria com o primo e com o avô.
Com os AirPods verde-claros nos ouvidos tocando Sza, tomei café na
cozinha fresca e arejada, me sentindo uma madame. Mais sortuda que uma
ganhadora da Megasena.
— Ah, Ravi! Bendita hora em que te encontrei. Porra, como é gostosa
a vida de rica.
Depois de comer, começou a minha playlist de músicas que eu
escolhia para os ensaios dos shows. Era justamente uma das minhas
favoritas, Alien Superstar, da Beyoncé.
Imaginando que estava no palco, girei pela cozinha espaçosa de Ravi.
Com agilidade, como era de costume, saltei sobre o balcão, rastejando de
quatro como uma gatinha manhosa, e no chão, sem parar de cantar a música
que explodia nos meus ouvidos.

Category: Bad bitch, I'm thе bar (ooh)


Alien superstar[1]
Como se flutuasse, selvagem e sensual, girei para a saída lateral da
cozinha em direção à porta que dava para a sala de jantar.
De olhos fechados, sentindo a batida envolvente, cantei:

I'm too classy for this world, forever I'm that girl
Feed you diamonds and pearls, ooh, baby[2]

Além de sensualizar como se estivesse no palco, inclusive puxei uma


cadeira e fiz uma performance abraçando-a, como se tivesse alguém ali
sentado. Deixei a vibe me levar, a cada passo, percorrendo a casa, sentindo
meu vestido voar com meus passos ousados, e os cabelos sacudindo
conforme ia cantando sobre ser única e que tinha diamante entre minhas
coxas.
Até que parei, dando um berro estrondoso ao ver Gedeon Barreto
parado na sala me assistindo.
Arranquei o fone, sem piscar ou sem esboçar qualquer reação, como se
estivesse diante de uma fera letal. A única coisa que ainda se movia eram os
meus seios subindo e descendo por causa da respiração rápida. O homem
continuava paralisado no mesmo lugar, parecia uma assombração, não
fossem os olhos percorrendo meu corpo para depois focar em meu rosto
novamente.
— Ah... o Ravi não está — foi o que saiu da minha boca. Mas, na
verdade, queria perguntar há quanto tempo ele estava me assistindo.
Gedeon deu alguns passos decididos enquanto olhava em volta, em
seguida parou bem perto de mim. Usava uma camisa polo, deixando
entrever os bíceps poderosos e braços bonitos com veias saltadas. Ele
parecia ter sido esculpido.
— Estaria se comportando diferente se ele estivesse?
— Ravi me conhece. — Meio abalada, permaneci no mesmo lugar.
— Hum... Espero que ele conheça a verdadeira Catarina e não uma
personagem.
— Eu não sou uma personagem, senhor Gedeon.
— Nunca imaginei que aquela doce certinha que se apresentou ontem
para a minha família fosse especialista em dança sensual assim. E que
tivesse um piercing no seio.
— O quê? — Rapidamente olhei para baixo enquanto tampava os seios
com as mãos.
— Mamilos marcando no tecido. — Com um gesto de queixo, apontou
para meu peitoral. — Pude ver que um deles tem um piercing. Ou estou
mentindo? — Sorriu de modo cínico, mas extremamente irresistível.
Atração era algo incontrolável e inexplicável mesmo, afinal, se dependesse
da minha racionalidade, jamais sentiria nada por esse homem.
No entanto, estava tranquila. Atração física tem prazo de validade.
— Isso não quer dizer nada. Uma pessoa correta, de boa índole, pode
dançar e ter um piercing. Isso não faz de mim uma personagem.
— Personagem ou não, você está gostando de usufruir do dinheiro do
meu irmão, não é?
— Como o senhor pode ser…?
— Cacete... Não me trate como burro. Só responda a minha pergunta.
— Eu seria uma hipócrita se falasse que não gosto dessa vida que o
meu noivo pode me dar.
Então ele se aproximou mais, ficou bem perto e segurou minha mão
enquanto acariciou com o dedo o lugar onde o anel de noivado estava.
— Gosta de dinheiro, de vida de rica. Eu sou mais rico que meu irmão.
— O... que... está dizendo?
— Eu vi como me olha. Tu pode ter o irmão mais guapo e com mais
dinheiro. — Tocou gentilmente no meu queixo e abaixou o tom de voz: —
Eu fiquei pensando em ti, desde ontem. Almoça comigo, hoje, por favor? O
que acha?
Não ia mentir. Era fácil cair nesse papinho, afinal o homem era a
própria tentação. Para minha sorte, e azar dele, Ravi tinha me precavido
sobre as armas de Gedeon.
O que estava em jogo, querido, era o montante de duzentos e cinquenta
mil dólares. Nem morta que eu trocaria isso por um macho.
Puxei minha mão, dando um passo para trás, enquanto me fazia de
ofendida.
— Como pode trair o seu irmão dessa forma? Eu sou a mulher dele!
Gedeon não retrucou, manteve-se sério à minha frente. Não parecia
desconcertado, apenas obstinado. Ele queria que eu fosse uma farsa, e se
descobrisse que eu era mesmo, ia acabar comigo.
— Eu vou contar para o Ravi.
— Não vai. — Ele me enfrentou. — Tu não vai querer ter uma queda
de braço justamente com o Barreto mais perigoso.
E eu não queria mesmo.
— Olha... Gedeon, eu não sei por que está pegando tanto no meu pé.
Eu sou uma moça de família, trabalhadora, amo seu irmão.
— Ou ama o dinheiro dele?
— Porr... Por Deus! — Elevei o tom de voz. — Por que você cisma em
bater nessa tecla? Só porque me flagrou dançando na casa? Por que estou
feliz com meu anel de noivado, quando qualquer mulher ficaria feliz?
— Porque eu ouvi você comemorar na cozinha sobre como é gostosa a
vida de rica.
Meu coração parou de bater. Eu tinha falado aquilo em voz alta?
Merda, que vergonha alheia pensar que ele estava me espionando havia
tanto tempo. Sem fala, boquiaberta, continuei o fitando. Mais uma vez com
uma expressão de vencedor. Ele se virou e andou em direção ao elevador.
— Você é interessante, Catarina. Muito interessante.
E entrou no elevador.
***

Decidi não contar a Ravi que Gedeon me flagrou dançando. Era bem
capaz do meu noivo falso dizer que eu fui meio culpada por estar fazendo
na sala dele o que deveria fazer só no palco.
Como eu não vi esse cara me espiando enquanto rodopiava feito uma
doida pela casa? Teve uma hora que até subi no balcão e fiz pose com a
bunda virada para a porta, onde com certeza ele estava parado me vendo.
Que ódio!
Ravi chegou antes do almoço, para me buscar para almoçar com ele, o
avô e o primo. Eu me senti orgulhosa: ele informou que o avô insistiu para
que ele viesse me buscar. Sinal de que outros membros da família gostavam
mesmo de mim, inclusive o avô, que era, na minha opinião, mais
importante que o Gedemônio.
Quando contei para Ravi que o irmão esteve aqui, ele pareceu não se
importar muito. Estava preocupado com algo referente a Juliano. O boy
dele se irritou por ter sido deixado de lado. Juliano deveria ser o primeiro a
entender a situação, mas vinha na contramão, cobrando alguma reação de
Ravi.

O almoço foi perfeito, em um restaurante bem gaúcho. Eu me diverti


muito com o senhor Alberto e com Rony, que era mais carismático quando
longe da esposa. Eu tinha quase certeza de que Ravi ia ser aprovado para a
nova direção da empresa, e ele e Rony tomariam a frente pelos próximos
anos.
Voltamos ao prédio de Ravi. Antes mesmo de subir, recebemos um
aviso da portaria de que algo tinha acontecido no apartamento.
Ele correu para o elevador praticamente desesperado, quase nem
consegui acompanhar. Então nos deparamos com todo o quarto alagado,
além da sala e o banheiro. Um cano simplesmente estourou no banheiro, e
ninguém tinha ideia de como aquilo tinha acontecido.
— Provavelmente alguma pressão interna fez o cano estourar e
inundar tudo — um dos funcionários opinou diante da aflição de Ravi. —
Vocês não vão poder ficar aqui, pois a água não poderá ser ligada nesse
apartamento até que consertem tudo.
— E quanto tempo vai levar para consertar?
O homem olhou em volta, coçou a barba e fez uma careta.
— Não sei. Ainda tem que chamar o engenheiro para entender o que
aconteceu. É bem possível que leve em média duas semanas.
— Duas semanas? — Ravi berrou na mesma intensidade que meus
pensamentos entraram em pane.
— Sim. Serviço de pedreiro não dá para fazer em cima do laço assim,
não. Mas se chorar e molhar a mão, eles devem abreviar para dez dias.

— Vamos para a casa de Juliano — foi a primeira coisa que Ravi


sugeriu quando ficamos a sós para decidir a questão.
— Você está louco? Você está se ouvindo? Quer ir para a casa de um
cara que sua família pensa que é apenas seu segurança?
— E o que tu sugere, tchê? — Ele me olhou com irritação. — Na casa
da minha mãe não dá. Eu não vou ficar lá tendo todos os meus passos
fiscalizados por ela e praticamente voltando a ser tratado como criança.
Embora Cassie fosse adorar a nossa companhia…
— Você é rico, vamos para um hotel.
— Um hotel?
— É Ravi. — Eu me aproximei, acariciando seu braço na tentativa de
aliviar seu estresse. — Podemos ter privacidade, além de refeições todos os
dias. E você pode ter liberdade para se encontrar com Juliano, basta que ele
se hospede em outro quarto do hotel. Imagine?
Nesse momento, ouvimos vozes. Ao sairmos da varanda de volta para
a sala, tomei um susto ao me deparar com Gedeon bem ali. Ele olhou nos
meus olhos, e eu soube naquele instante que algo maligno estava prestes a
acontecer.
— Gedeon? — Ravi caminhou na direção dele.
— A administração do prédio me ligou comunicando o acidente. O
que houve?
Rapidamente Ravi contou ao irmão o que tinha acontecido, além de
reforçar que a administração do prédio não precisava ter ligado, pois já
estava tudo encaminhado. Mas Gedeon explicou que, como ele é dono de
algumas unidades do prédio, inclusive fora antigo dono da cobertura, a
administração achou de bom-tom informar.
Parecia convincente, e Ravi nem mesmo questionou. Mas eu era
soldado velho de guerra, uma sobrevivente que conheceu muita merda na
vida; tinha malícia no olhar, conseguia ver segundas intenções nas ações
das pessoas. Toda essa história estava muito estranha.
— Vocês planejam ficar onde? — Gedeon perguntou. — Na mãe?
— Não. — Ravi trocou um rápido olhar comigo. — Em um... hotel.
— Tá se arriando comigo?
— Não estou zoando, é porque no hotel a gente tem privacidade.
— Capaz que tu vai ficar em um hotel quando tenho uma casa com
uma caralhada de quartos livres. Arrume tuas coisas, vai ficar comigo até a
obra ser concluída.
— Não... Gedeon... não precisa. A Catarina está comigo.
Recuse, Ravi. Pelo amor de Deus, recuse.
— E o que tem? Ela pode vir também, bah. Na verdade, será ótimo ter
vocês na minha casa. Quero conhecer melhor o grande amor da vida do
meu irmão.
E deu uma piscadinha para mim. Ele sabia que tinha vencido. Que
tinha todas as cartas nas mãos. Eu ia provar do teste mais difícil morando
com Gedeon Barreto.
Sete
GEDEON

Ainda sinto vestígios de amargor quando lembro da noite em que


recebi a notícia do noivado de Ravi. Porque eu sempre penso que poderia
ter feito mais, que poderia ter sido informado antes, que poderia ter
aconselhado melhor.
Eu tinha acabado de colocar uma peça linda de picanha na brasa e
acreditava que aquela seria a protagonista da noite. Iria levar pessoalmente
a uma mesa de uma família que comemorava um aniversário, pois
reservaram a minha presença exclusiva para servi-los. E então Ravi me
ligou dando a notícia.

Logo eu, que detestava celulares na cozinha de minhas churrascarias,


quebrei a regra quando vi o nome dele na tela.
— Noivo? Como assim, Ravi? Noivo de quem? — gritei, chamando
atenção de meus funcionários. Fiz gesto para um deles ficar de olho na
picanha enquanto eu ia para o lado de fora.
— Vocês vão conhecê-la. A gente já namorava há algum tempo, em
segredo, e eu decidi que quero ela como minha esposa.
— Meu irmão... — Eu estava atordoado, nem sabia o que dizer. — Me
conte mais, me dê mais detalhes. É americana?
— Essa é a melhor parte, mano. Ela é brasileira. Daqui a quinze dias,
vou levá-la para o Brasil e tu poderá conhecer.
Agora eu a quero... longe da minha família.
Não era fácil ser o pilar de sustentação de uma família. Tomei essa
missão para mim sem que ninguém tivesse me obrigado, porque eu sabia
que não poderia deixá-los sem uma bússola.
E por isso sinto que fracassei em relação a Ravi e sua escolha duvidosa
para uma esposa.
Depois de receber a notícia, tentei me encher de pensamentos
positivos, de coisas boas no coração relutante. Por Deus que morava no céu,
eu estava de peito aberto para conhecer a tal noiva de Ravi. Prometi que a
trataria muito bem, mesmo tentado a descobrir deslizes. Mas ia respeitar a
escolha dele, afinal, eu conhecia as qualidades de meu irmão. Era um
homem direito, trabalhador, guapo e de boa família. Tinha motivos de sobra
para que uma mulher gostasse dele de graça, sem segundas intenções.
Mas, daí, eis que eu flagro a safada bem dentro do meu quarto.
Porra, ali me acendeu a luz vermelha. Ela foi direto para o quarto do
irmão mais velho de Ravi, cuja fama ela já tinha conhecimento. E que, por
sinal, tinha um império próprio, independente. Modéstia à parte, meu
patrimônio era maior que o de Ravi. Eu seria a escolha certa para uma
interesseira.
E na hora do almoço em família, tudo começou a se encaixar de
maneira natural.
O jeito como ela desfilou mostrando o anel caro.
O jeito insosso que os dois tinham entre si, que não lembrava amantes
apaixonados. Além da historinha perfeita de conto de fadas, que até parecia
que foi ensaiada.
Eu tinha duas escolhas: ignorar os sinais do universo e deixar os dois
de lado. Ou dar um empurrãozinho no destino para que eu pudesse ter mais
chances de descobrir mais coisas.
Nada de investigação oficial para cima dela. Seria extremo demais e
meio desrespeitoso até. Porém, uma pequena curva no caminho poderia me
trazer as respostas que eu desejava.
Enquanto eles se despediam, após o almoço na minha fazenda, pensei
nas possibilidades.
O plano de Ravi era ficar na cobertura dele, que já tinha sido minha.
Vendi para meu irmão por um preço bem menor. Era uma fortaleza de
proteção para Catarina, um lugar que dificilmente eu teria acesso a todo
instante. Ela estaria segura e livre de qualquer julgamento.
Além do mais, com Ravi na cola dela dia e noite, seria difícil me
aproximar e encontrar brechas.
Primeiro passo: eu teria de afastar os dois.
E naquela tarde, quando todo mundo foi embora da minha fazenda,
restando apenas meu avô, eu me sentei ao seu lado para dar a minha
primeira cartada.
— Vai uma bergamota[3], vô? — Sentei ao lado dele na cadeira de
balanço no terraço da minha fazenda. Ele adorava passar um tempo ali,
assistindo a natureza. Provavelmente hoje ele pousará aqui.
— Jamais se recusa — falou, aceitando a tigela com duas tangerinas.
O vô gostava de ele mesmo descascar.
— Gostou da noiva de Ravi?
— Uma preciosidade, não acha? Eu vim sem expectativas e me
surpreendi. Além de bonita, é educada, tem história. E pelas ancas, parece
que é parideira, vai dar muitos filhos para seu irmão.
— Não é uma coisa gentil de se dizer — falei. — Guarde isso só para
o senhor.
— Eu sei, eu sei. O mundo mudou muito. Não aceitam mais as
opiniões de verdade. Antigamente, se falasse isso, era como um elogio para
a mulher.
Eu queria dizer que isso não era uma opinião de verdade, era só um
monte de falas retrógradas e rudes sobre mulheres, mas não ia dar lição de
moral no meu avô de oitenta e cinco anos. Minha intenção era outra.
— E o Ravi? Já vai voltar para o cargo dele na empresa? — questionei,
como quem não quer nada.
— Bah, não sei ainda. Se ele quiser... mas pensei em deixar ele de
folga esse mês.
— Não, vô. Faça isso não.
— Não? Tu acha?
— É claro. Ravi chegou com boas ideias dos cursos que ele estava
fazendo. Precisa voltar imediatamente para a empresa. Rony já está lá
dentro trabalhando, e se Ravi quiser lutar pela direção, precisa estar lá
dentro também.
— É verdade — concordou sem precisar de esforço. Minha família
sempre concordava comigo.
— Por que o senhor não liga agora para meu irmão e pede para ele
começar já amanhã?
— Amanhã? Mas ele não está cansado...?
— E dá tempo de descansar em uma batalha? Se Ravi quer vencer, ele
precisa mostrar força.
— Tu sempre tem razão, meu neto. Vou convocar ele agora mesmo.
Sem Ravi em casa, Catarina ia ficar sozinha. Era a minha chance de
fazer uma visita surpresa e talvez descobrir algo.
E eu a vi dançar.
E a coisa piorou mais ainda. Ela era uma mentirosa, tive certeza ao
assistir cada um daqueles malditos passos sensuais, ficando de pau
vergonhosamente duro quando, na verdade, só queria sentir desprezo.
Era uma aproveitadora, era nítido, e estava enganando meu irmão. Mas
tudo que eu queria era ver mais um pouco da beleza de seu corpo naqueles
movimentos suaves e selvagens ao mesmo tempo. Seu cabelo cor de mel
esvoaçava, e dos lábios sorridentes saiam frases cantaroladas da música que
só ela ouvia.
Maldita Catarina.
Não me orgulho do que fiz, das providências que tive de tomar. Mas
foi fácil manipular o destino para colocar aquela mulher debaixo do meu
teto, como um ratinho em uma gaiola, onde eu pudesse assistir tudo mais de
perto.
Bastou fazer umas ligações e foder com as tubulações do apartamento
de Ravi. Ok, vou custear a reforma depois — inclusive, vai demorar um
bocado, como eu pedi.
— Você não está sendo muito precipitado? — Santiago perguntou sem
me olhar, pois sua atenção estava nos alvos distantes que ele mirava antes
de atirar com arco e flecha profissional.
Usando calça preta de caçador, botas, um tipo de luvas pretas com os
dedos à mostra e um colete de postura sem camisa por baixo, meu amigo
parecia um assassino de aluguel letal manipulando essas merdas de flechas
pontiagudas, mas era só um juiz com um hobby estranho.
Santiago não era um gaúcho de nascença, chegou na cidade sozinho,
transferido, e aqui o acolhemos. Vez ou outra, ele vinha para seu rancho
afastado da cidade, onde poderia ser esquisito sem julgamentos da
sociedade.
— Só quero saber se não estou infringindo uma lei, tchê, e não quero
conselho.
— Onde está Bento, que não está te assessorando?
Bento era outro amigo nosso, delegado, mas estava em outra cidade no
momento.
— Viajando.
Santiago passou os dedos nos cabelos pretos e enfim me olhou, usando
um leve sorriso de incredulidade.
— Quebrou o banheiro de seu irmão para que ele fosse morar com
você?
— Sim, mas eu mesmo vou consertar.
— É só um dano leve a patrimônio. E acho que Ravi não vai querer te
processar. Qual é a tua loucura por essa tal noiva dele?
— Loucura? Nenhuma. Só precaução.
— Pra cima de mim, Gedeon? — Com toda concentração do mundo,
se posicionou, respirou fundo e segurou o ar, os olhos parados como de uma
águia, e atirou a flecha. Rápida e certeira. Bem no meio do alvo.
— Isso pode ferir alguém?
— Sim. — Ele riu.
— E para que você pratica isso?
— É perfeito para manter o foco e os pensamentos no lugar. Me fale da
treta entre você e a noiva do seu irmão.
Então rapidamente contei a ele, dei um resumo sobre Catarina. Dessa
vez, Santiago parou para me olhar, interessado na história.
— Detesto pré-julgar sem evidências robustas. E você ainda não tem
nenhuma. Só a dança e o piercing no seio não são indicativos de que ela
esteja enganando seu irmão.
— É por isso que quero levar a guria para dentro da minha casa. Tô
com as orelhas em pé.
— Justo. Não critico as formas de se obter evidências. Só tenha
cuidado, meu amigo. — Voltou a se posicionar em frente aos alvos.
— É claro que eu terei cuidado. Ela não vai me enganar fácil.
— Não estava falando disso. Cuidado com você próprio.
Oito
CATARINA
Eu tenho a lembrança bem viva de quando minha mãezinha faleceu de
alguma enfermidade que a colocou de cama. Só mais tarde descobri que era
câncer. Ela não teve chances. O homem que conheci como pai a matou
quando não a ajudou, não a levou para as sessões de quimioterapia, não lhe
dava os remédios. Porque para ele era mais lucrativo que ela morresse, lhe
deixando a pensão, do que se ela se curasse e certamente o abandonasse
depois.
Lembro de ter dormido com ela todas as noites antes do seu fim. Eu
tinha dez anos, nada podia fazer além de oferecer a minha presença. Mas
fico feliz de ter dado a ela todo carinho que eu podia. Eu não a deixei partir
sozinha.
“Assim que puder, fuja”, ela me disse no leito de morte. “Fuja,
Catarina, fuja para bem longe dele.”
Anos depois, levei uma surra do homem que estava se acabando em
jogos e bebida. Nem conseguia ver aquele bicho como pai, por isso não
olhei para trás quando peguei o pouco de coisas que me pertencia e saí para
ganhar a vida.
Hoje, conhecendo toda a riqueza e a união da família Barreto, não
tinha como não comparar com o meu passado sufocante. Mas ele não
poderia mais me ferir. Com certeza, minha mãe descansava em paz e estava
feliz por eu ter seguido em frente.
Era questão de honra vencer junto com Ravi, para ganhar minha parte
no acordo e enfim ter uma vida estável que vinha buscando desde que fugi
de casa aos quinze anos.
Ainda tentamos encontrar alternativa a fim de evitarmos uma arapuca
na casa de Gedeon, no entanto, ele fez questão de aniquilar todas as opções
que sugerimos.
Os apartamentos que ele tinha nesse prédio estavam alugados.
A casa do avô não ia nos dar privacidade, além de que seu Alberto
gostava de regras bem rigorosas.
Na casa da mãe, Ravi não queria, pois ela certamente o trataria como
uma criança.
E, no fundo, eu sabia que meu falso noivo ia encontrar brechas para
ver o namorado, coisa que seria mais difícil de acontecer na casa da mãe.
Ao lado de Ravi, no carro, íamos em direção a fazenda Barretão, após
perdermos a batalha. Estava preocupada. O que antes seria apenas uma
ocasional representação de um personagem, agora seria uma obrigação de
incorporar diariamente a imagem ilibada da bela e comportada Catarina,
para tentar convencer Gedeon, que já estava bem desconfiado.
Debaixo do mesmo teto que ele.
— Estou pensando... — Ravi disse repentinamente, ao volante,
seguindo a caminhonete luxuosa de Gedeon.
— O quê?
— Se Gedeon insistir em tentar encontrar defeitos em você...
— Ele vai fazer isso.
— É nítido que ele ficou com um pé atrás com você. E pelo que
conheço, vai começar a cavar defeitos. Se ele fizer isso, serei obrigado a
contar a verdade.
— Que é gay?
— Não, boba. Que isso é um noivado de mentirinha para conseguir a
direção da empresa.
— Parece uma boa opção. Para você. Espero, que mesmo assim, eu
ganhe o valor que combinamos. E eu deveria cobrar um bônus de
insalubridade, afinal sou eu que terei que aguentar esse homem dia e noite
me olhando torto.
Ravi riu, apesar de eu não achar graça. Eu falava sério, porque me
conhecia, Gedeon era perigoso, conseguia mexer comigo, conseguia
provocar o meu corpo.
Quando descemos do carro, Gedeon nos esperava animado demais.
Diferente de mais cedo, agora ele tinha um sorriso no rosto. Pediu que a
gente o seguisse, sem parar de falar, explicando que funcionários
transportariam nossas bagagens.
O homem tinha um conjunto de quadril e traseiro que... benzadeus. Era
uma coisa linda de se ver. E eu me odiava por ser tão suscetível.
— Não preciso mostrar a casa, pois vocês já fizeram a excursão ontem,
sem mim. — alfinetou enquanto nos guiava por sua casa luxuosa até a ala
de visitantes. Abriu a porta de uma das suítes para que entrássemos. — O
que acha desse? Escolhi um com vista para a fazenda. É terra a perder de
vista.
— Perfeito. — Ravi passou, entrando no quarto e me deixando para
trás. — Não precisava mesmo se preocupar — disse, conferindo a varanda,
e enquanto ele espiava a tal vista impressionante, o dono da casa me fitava
de modo desconcertante, informando com aquele olhar que a minha batata
estava assando na grelha dele.
Que Gedeon Barreto tinha planos contra mim, isso era nítido. Eu só
esperava saber revidar quando o momento chegasse.
Engoli em seco e desviei o olhar, pois eu ainda era fraca para esse tipo
de joguinho cara a cara. Entrei no quarto, indo atrás de Ravi.
— Gostou? — perguntou para mim.
— Só não gostei do dono — sussurrei para ele, mas o cão tem ouvidos
bons, pois pareceu ter me escutado e contado para Gedeon, que estava ainda
na porta do quarto.
— Vocês podem ficar à vontade, não se preocupem comigo. Eu nem
vou ficar aqui o resto da noite de hoje e o dia de amanhã inteiro.
— Não? — Ravi repetiu, perplexo, e eu comemorei soltando foguetes
por dentro.
— Pois é. Surgiu um probleminha para resolver na churrascaria de
outra cidade, algo que requer minha presença, e não sei quanto tempo vou
ter que ficar por lá. Terei que viajar daqui a pouco. — Com seu olhar sério,
parecia sentir desgosto com a viagem.
— Ah, que pena, mano. Mas não se preocupe com a gente...
— Ainda vamos jantar juntos. Às sete, vocês podem descer. Com
licença. — Acenou para nós dois e saiu.
Educado demais.
Comedido demais.
No instante em que Ravi fechou a porta e se virou, me encontrou com
um sorriso que era uma mistura de perplexidade com triunfo. Era muito
bom vencer, eu tinha me esquecido da sensação.
— Sem gritos — sussurrou para mim, suprimindo um sorriso e
colocando o dedo indicador nos lábios.
— É sério isso? — cochichei de volta. — A fazenda inteira para a
gente amanhã?
— Calma. Vamos torcer para que ele fique uns três dias longe. —
Tirou os sapatos e deu um pulo na cama, onde eu já estava rolando de
felicidade como uma criança.
Nós nos abraçamos rindo, contagiados pela felicidade, como se o
destino enfim tivesse sorrido para nós. Ofegantes, caímos nos travesseiros
lado a lado.
Eu simplesmente não conseguia entender esse sentimento que crescia
em relação a Ravi a cada minuto que passava. Torcia para que fosse
recíproco. Eu tendia a gostar demais de pessoas, e às vezes não era tão
correspondida ou acabava me machucando durante o processo.
— Não parece apropriado você comemorando que seu irmão vai se
ausentar.
— Eu o amo. Mas ele é um mandão. Eu preciso de espaço.
Sua fala me acendeu um alerta.
— Para quê? — Sentei-me na cama, fitando o belo homem deitado
com as mãos atrás da cabeça.
— Acho que vou sair para ver o...
— Nem pensar. — Neguei logo de cara, porque eu sabia o que ele
estava pensando.
— Roxy...
— Roxy?
— Cate. Por favor...
— Você é um louco se pensa que vai sair daqui, me deixando sozinha,
para ir trepar com seu namorado — falei baixinho, e para me precaver, saí
da cama, abri a porta e espiei o corredor vazio.
— Estou subindo pelas paredes. Quero pica. — Ravi sentou-se na
cama, sussurrando de volta para mim. E ao ouvir sua fala, o acertei com
uma almofada que havia caído no chão.
— Seu depravado. Contenha-se.
— Como se não fosse o que você quisesse também.
— Se enxerga. Eu sou muito controlada. — Em frente ao espelho, dei
uma olhada no meu visual, adorando a nova cor do meu cabelo, um tom de
castanho-mel com luzes perfeitas feitas por um profissional. — Consigo
passar meses sem, e nem tenho um macho fixo.
— Acho que porque não encontrou ainda alguém que vai te fazer
viciar. Poucos americanos sabem foder.
— Essa é a mais pura verdade. Sem falar que infelizmente a maioria
dos caras via as latinas como objetos sexuais. Saí com um que não me
deixava beijá-lo, acredita?
— Desgraçado nojento.
— Tudo bem. Eu sabia me impor. Por isso não fazia programa de jeito
nenhum. Jamais me venderia como objeto para aqueles inúteis.
— Se fizesse programa, ia ficar rica, porque tu é linda e tri gostosa,
viu?
— Obrigada, meu noivo. — Rindo, corri até ele, surpreendendo-o com
um beijinho nos lábios. — Mas nem adianta elogiar, não vou deixar você
sair.
— Catarina! — Fingindo choro abafado com uma almofada, caiu de
volta na cama. — Uma hora só, por favor.
— Não. O que vão dizer se te virem saindo sozinho?
— Que eu esqueci uma coisa no meu apartamento e estou indo buscar.
Por favor, uma hora. — O sujeito estava mesmo implorando. Eu não podia
impedir ninguém de ter prazer, já que eu não tinha há tempos.
— Tudo bem. Mas se algo der errado por sua culpa, eu vou querer a
minha parte no acordo mesmo assim.
— Feito. — Pulou da cama e me capturou com um abraço apertado. —
Te adoro.

Mais tarde, descemos e jantamos com Gedeon. Ele ia viajar mais tarde,
pois ainda tinha algumas coisas para resolver. E tudo que eu queria era vê-
lo partir logo.
Durante o jantar, que estava delicioso, ele foi bastante cordial,
principalmente comigo.
— Tomei cuidado em pedir um menu vegetariano para vocês —
informou ao nos apresentar porções de suflê de espinafre, arroz frito com
abobrinha e espaguete com cogumelos. Tudo estava muito bem preparado,
o sabor era deliciosamente requintado. Eu me senti em um restaurante de
luxo.
No entanto, eu salivava mesmo era pelo prato dele, que era nada mais
nada menos que um magnífico hambúrguer de picanha assada na brasa.
Gedeon escutava Ravi conversando enquanto saboreava o hambúrguer,
lambuzando a boca de molho picante e ketchup, e eu observando feito um
cachorrinho faminto espiando um forno com frango assado.
Logo o assunto se voltou para mim.
Falei sobre as noites em Nova Iorque em que Ravi e eu saímos para
assistir a algum musical ou visitar alguma exposição de arte, coisa que
jamais aconteceu. E Gedeon assentia, mirando meu rosto enquanto
saboreava sua refeição.
Ravi contou sobre seu dia a dia e sobre o curso de aprimoramento que
estava fazendo para conseguir a vaga na diretoria da empresa do avô. E
Gedeon calado, só comendo.
— E como era sua vida aqui, Catarina? — perguntou, limpando os
lábios com um guardanapo. — Antes de ir embora?
— Bom... eu estudei até o ensino médio, fazia balé e achava que essa
era a minha carreira. Dançarina. — Sorrindo, olhei diretamente para
Gedeon, tentando explicar por que estava dançando quando ele me
encontrou mais cedo. — Morava com meus pais. Minha mãe faleceu, mas
continuei com meu pai, e...
— Eu sinto muito — Gedeon interrompeu — pela sua mãe. O que seu
pai fazia?
— Ele era... contador. — Abaixei o rosto em direção ao prato. — Em
uma empresa... Lá na minha cidade.
— Hum... não é mais?
— Não. — Sorri, incomodada com medo de ser pega na mentira. —
Ele precisou se aposentar.
— Motivo de saúde?
Porra, o homem era uma máquina de perguntas. Deveria ser
investigador da polícia.
— Sim... meu pai... começou a ter... episódios de ansiedade.
— Ela não gosta de falar do pai — Ravi interveio rapidamente, o que
eu quase agradeci com um suspiro.
— Ah, desculpa. Mas ele está bem, não é?
— Sim. Está. Ele mora com um tio meu.
— Que bom. Foi em Nova Iorque ou ainda aqui que você optou pelo
vegetarianismo?
— Aqui — falei no ato, e minha mente elaborou, com rapidez, uma
historinha. — Em uma aula de biologia percebi que o ser humano pode
viver sem ter que se alimentar de outras espécies.
— Eu discordo. Mas todas as escolhas devem ser respeitadas.
— Sim. Melhor ainda que isso me deu um pontinho a mais em comum
com meu amor. — Sorri para Ravi, e quando voltei a fitar o outro lado da
mesa, Gedeon nos encarava, nem um pouco feliz e com o nariz franzido.
Ele pediu licença, se despediu e disse que ia se preparar para viajar. E
isso aconteceu bem rápido. Estávamos na sala de televisão quando ele
apareceu já pronto, lindo de doer, com uma bolsa a tiracolo, fazendo as
últimas recomendações.
Disse que teríamos uma cozinheira disponível, que Ravi já conhecia,
além de outros funcionários que já estavam avisados sobre nossa
permanência. E que qualquer coisa que precisássemos, era só falar.
Fomos até a porta, acenamos para ele enquanto entrava no carro com
um dos peões e enfim foi embora, nos deixando sozinhos.
— Livres! — Ravi berrou, me agarrando e me girando ali na sala
mesmo. — Agora vou tomar um banho, me preparar, pois minha noite
promete.
— Não demore, por favor. Vou ficar presa na sala assistindo televisão
até você voltar.
Livre do julgamento constante do churrasqueiro, me joguei na cama,
peguei o meu celular e liguei para minha amiga em Nova Iorque, enquanto
Ravi corria para o banheiro.
Nove
CATARINA
Ravi fez questão de avisar a um funcionário — aparentemente um
segurança ou algo do tipo — que ia dar uma saída rápida para buscar algo
que esqueceu no apartamento dele, e de lá ia passar na casa do seu guarda-
costas particular para resolver algumas questões. E na tentativa de parecer
mais coerente, fingindo que era um homem protetor, ainda pediu que ficasse
de olho, pois eu ia ficar sozinha em casa.
Já passava das onze. Eu tinha na cabeça que essa escolha de Ravi não
tinha sido a melhor. Mas o problema era dele, quem precisava enganar a
família era ele. Eu não estava lidando com uma criança; era um homem que
sabia dos perigos de suas decisões.
Às onze e meia, o tédio bateu, além da fome, já que eu tinha jantado às
sete da noite. Impressionantemente, a fome era a primeira ação do corpo
quando o tédio chegava.
Por isso é costume da humanidade abrir a geladeira para pensar.
Sentada no sofá, cansada de navegar pelos canais da televisão,
tamborilei os dedos, olhando para a porta. Provavelmente eu estava sozinha
na casa, já que Gedeon não disse se algum funcionário dormia aqui dentro.
Era reconfortante ao mesmo tempo que era amedrontador saber que estava
sozinha em uma mansão em uma fazenda.
Descalça, caminhei até a porta e abri, espiando o corredor.
Apenas silêncio.
— Olá! — gritei, parecia até com aqueles filmes de terror. — Tem
alguém na casa? — Nada. Cheguei à conclusão de que não seria problema
descer e assaltar a geladeira.
Na ponta dos pés, atravessei o corredor e observei a ala de Gedeon em
completo silêncio. Como deve ser feito, apenas ignorei aquela parte, indo
em direção a escada, descendo degrau por degrau, ainda chamando por
alguém. Nada. Eu estava mesmo sozinha.
Então relaxei, dando tempo para bisbilhotar as coisas da sala, que não
parecia tão fria. Tinha muita coisa íntima que contava a história do dono.
Gedeon era um homem de posses, além de ser rodeado de pessoas que o
amavam. Dava para ver nas fotos, nos prêmios de competição de polo e na
sua grande paixão, o churrasco.
Não pude deixar de me perguntar por que um homem com todos
aqueles predicados estava sozinho. A opção gay estava riscada. Eu sabia
que ele era mulherengo.
Será que a desconfiança impedia o homem de ter uma esposa e
constituir uma família?
Cheguei à cozinha, decidindo deixar acesas apenas as luzes laterais.
Ao abrir a geladeira, encontrei, logo de cara, um belo hambúrguer igual ao
que ele tinha comido no jantar.
Estava repousado em uma redoma de vidro, como se esperasse
alguém. Minha boca salivou junto com o ronco do estômago. Tinha Coca-
Cola também, e mesmo que houvesse sobrado parte do nosso jantar
vegetariano, era o hambúrguer que chamava a minha atenção. Fazia tempo
que eu não provava um bom lanche brasileiro.
Mas antes eu precisava armar um plano para encobrir meu roubo, já
que tinha dois vegetarianos na casa, então alguém teria de levar a culpa pelo
sumiço da carne.
— Vou dizer que fui tentar pegar algo, a vasilha com o lanche caiu e
precisei jogar fora.
Com o álibi em mente, cortei metade do hambúrguer, coloquei em um
prato e enfiei no micro-ondas.
— Vai, vai. Rápido. — Eu ia pegar e sair correndo para comer no
quarto. E quando o aparelho apitou, informando que estava pronto, tirei o
prato incapaz de me conter, aspirando o cheiro saboroso.
Era simplesmente impossível, meu estômago estava controlando a
minha mente. Então dei uma mordida farta, soltando um sonoro gemido de
satisfação no processo.
— Assaltando minha geladeira? — Ouvi atrás de mim e quase tive um
treco. A boca estava cheia, nem podia gritar. Então me virei, escondendo o
prato às minhas costas e parando de mastigar, com a mão na boca.
Ao olhar para o lado, vi ninguém menos que Gedeon, bem ali, na
passagem da porta da cozinha, me assistindo. De onde esse capeta surgiu?
O homem era como um encosto, uma assombração.
Sorrateiramente, ele se aproximou. Vestia apenas bermuda e camiseta
regata. Ficou tão perto, que conseguiu aniquilar qualquer reação minha. Eu
não passava de uma boneca inanimada, sem respirar, fitando-o de olhos
saltados, enquanto o bocado de hambúrguer continuava inerte na boca.
— Abre a boca. — Ordenou bem perto de mim. Apesar da voz ser
compassada, os olhos mostravam dureza.
Tentei escapar, mas ele me agarrou.
— Abre. A. Boca. — Tornou a mandar em um sibilo próximo. Não
abri, então ele me prendeu contra a bancada, segurou com força meu queixo
e forçou até minha boca abrir. — Bah, que tri safada! Comendo um bom
hambúrguer de picanha — zombou maldosamente — Eu sabia que ia
descobrir algo com meu plano da falsa viagem, só não imaginava que seria
isso.
Dei um solavanco, empurrando-o, e com a mão na boca, terminei de
mastigar e engoli. Estava tão desconcertada, que não sabia onde enfiar
minha cara. Gedeon se afastou um passo, me libertando de sua altura
intimidante.
— Por que está fingindo para meu irmão que é vegetariana? — A
arrogância de sua vitória estampada em seu rosto me incomodava. Eu dei a
ele exatamente o que queria: comprovação para suas indagações
estapafúrdias.
— Eu não... você não pode...
— Não posso o quê? Responde!
Na verdade, eu não tinha nada para contestar. Não tinha pontos fortes
para minha defesa. Ele me pegou no flagra, e a sensação era terrível.
— Fala! — rosnou, ameaçador — Por que está mentindo para ele e por
que ontem no almoço mentiu para minha família?
— Tá. Tá bom. — Eu o empurrei afastando uns passos ficando de
costas enquanto meu coração quase saia pela boca. — Eu... estou no
processo... de ser vegetariana por causa dele. Eu quero agradar o seu irmão,
e por isso... achei que teríamos pontos em comum se eu tivesse os mesmos
gostos que ele. É isso.
— Percebi ontem no almoço o olho gordo que tu colocaste na costela.
E à noite, fiz um hambúrguer só para tirar a prova. O que mais está
escondendo?
— Nada. Você que é um... dissimulado. Fez o seu próprio irmão achar
que você ia viajar só para descobrir algo de mim? Como diz que o ama se
não confia nele?
— Não tente virar esse jogo. — Cruzou os brações enormes e ficou na
minha frente, bloqueando o meu caminho. — Eu não confio é em você. Se
você é capaz de enganar seu noivo com essa ladainha de vegetarianismo, o
que mais não é capaz de esconder?
Ele teria um treco se descobrisse que o único a ser enganado aqui é ele,
e não Ravi.
— Eu não estou escondendo nada. Ravi me conhece muito bem, e
você não deveria ficar se intrometendo no relacionamento alheio, ele é um
homem adulto...
— E vai querer me dizer no que eu tenho e não tenho que me
intrometer? Ravi é bobinho, estou protegendo guri de interesseiras.
A raiva só aumentava conforme eu era pressionada e não via qualquer
meio de fugir daqui sem antes passar pelo troglodita. Dei uma boa olhada
nele, e não conseguia entender como meu corpo ainda sentia qualquer
atração por um cara que evidentemente me irritava. Eu passei a minha vida
sendo criteriosa com homens, e muitos deles cativaram meu desprezo
fazendo menos do que Gedeon fazia.
— Por que não vai procurar alguém para você? — eu alfinetei,
perdendo o medo do perigo. — Acho que é disso que está precisando.
Parece que tem inveja do que o seu irmão conquistou.
De uma forma surpreendente, minha flechada o atingiu em algum
ponto que não era do meu conhecimento. Quando a mandíbula enrijeceu, eu
soube que o feri.
— Inveja? Eu? Gedeon Barreto, o rei do churrasco, com inveja do meu
irmão mais novo? Você é uma piadista, Catarina.
Não é o que sua cara diz.
— Você é mal-amado — acusei em voz alta. — Ele tem um amor. É
disso que você tem inveja. — Eu estava atirando no escuro, rezando para
atingi-lo.
— Barbaridade, que grande amor esse, hein? Um amor que mente para
ele? Fosse eu, queria era distância.
— Não é uma mentira grave. Eu fiz isso para agradá-lo.
— Se precisa mentir para agradar o seu amor, então parece que não
sou eu o mal-amado.
— Vá se foder — saiu rápido, sem que o filtro pudesse impedir. Tentei
escapar com agilidade, quase correndo, mas o homem me segurou, me
jogando contra a bancada, e se posicionou quase em cima de mim. Fez
questão de pressionar seu corpo contra o meu.
— Ah, a bela e conservadora Catarina, que frequenta igreja, fala em
“foder”? Mas pelo que vejo, foder não é algo que Ravi faça tão bem com
você.
— Você tem que me respeitar. Eu sou a sua cunhada.
— Não ainda. Eu que vou decidir isso. Vamos, me mostre suas
asinhas.
— Você quer é palco. — Mais uma vez eu o empurrei, batendo a mão
no peitoral. — E eu não vou te dar o que você quer.
— É uma pena. Pois se você me desse o que eu realmente quero, eu
iria comer com força até você aprender a não mexer mais com a família
Barreto. Voltaria assada para Nova Iorque. Do jeito que um bom
churrasqueiro sabe fazer.
Chocada com as palavras, eu o observei se afastar de mim. Pegou o
prato com a metade do sanduíche que esquentei e o colocou ao meu lado no
balcão.
— Coma enquanto ele não volta. Será nosso segredinho. — Virou-se e
saiu da cozinha dizendo: — Estou te vigiando, Catarina. Estou te vigiando.
Ravi chegou pouco depois. Eu o ouvi conversar com Gedeon, que
deveria estar na sala aguardando. Se eu não estivesse tão tensa, teria
apreciado os dois irmãos mentindo um para o outro.
De um lado, Ravi dizendo que tinha esquecido a bolsa do notebook nas
coisas de Juliano, seu segurança particular. E que teve de esperar ele chegar,
pois não estava no apartamento. Meu noivo falso foi bem convincente.
Do outro lado, Gedeon mentia dizendo que nem chegou a sair da
cidade, pois não precisavam mais da presença dele, e que como amanhã ele
teria coisas importantes para fazer aqui, decidiu vir dormir em casa.
Eles se despediram, deram boa noite e, minutos depois, Ravi entrou no
quarto.
— Meu irmão está aí — de olhos saltados, anunciou.
— Eu vi. E me flagrou comendo um hambúrguer roubado e descobriu
que eu não sou vegetariana.
— Porra, Cate. Sério? Com tanta coisa na geladeira, foi comer justo
carne?
— Não me julgue, você inventou essa merda de ser vegetariana.
— O que ele fez? Você parece tensa...
— Aquele homem é um demônio. Ele me encurralou, abriu minha
boca à força e verificou. Então inventei uma história de que estava me
tornando vegetariana para te agradar.
— Ele caiu? — Com as mãos na cintura, Ravi estava regado de
expectativa, me olhando.
— Não sei. Mas tentou me humilhar e...
— E...? — A testa franziu conforme ele arrastou a vogal.
— E jogou indiretas bem pervertidas. Ele praticamente disse que quer
transar comigo, vê se pode?
E talvez eu desça a um nível decadente e queira também.
— Eu sabia. — Com o punho, bateu na palma da mão. — Percebi no
jeito que ele te olha. Você tem que ser forte, não pode ceder, está ouvindo?
— É claro que não vou ceder. Eu estou com raiva dele.
— Raiva e tesão andam juntos. Cuidado. Só tenha cuidado. — Sentou-
se na cama, começando a tirar os sapatos.
— E você tente não me deixar sozinha de novo, porra. — Saí da cama,
andando pelo quarto, odiando ainda estar mexida com as palavras de
Gedeon — Que merda. Esse mês vai demorar um ano para passar.
— Falamos disso amanhã. Estou exausto. Vou tomar um banho e cair
na cama.
— Ao menos está satisfeito?
— Demais. Estou destruído. — Arrancou a camisa, indo para o
banheiro. — Juliano não pegou leve.
— Seu pervertido!
Com uma risada, ele fechou a porta, e eu caí de costas na cama,
olhando para o teto e imaginando o churrasqueiro maldito não pegando leve
comigo.
Dez
GEDEON

E não deu outra, eu estava certo. O lado bom de ser racional, sem a
porra do coração metido no meio, é que a intuição sempre está certa. Na
primeira noite, já consegui descobrir coisas valiosas.
Eu a peguei com a boca na botija. Catarina: gostosa e mentirosa.
Estava enganando meu irmão com a história do vegetarianismo.
Minha vontade era de expor tudo para ele naquele momento.
Desmascará-la e arrastá-la para longe de nossas vidas, como eu deveria ter
feito com outra no passado. Mas havia um pequeno problema que não
cheguei a mencionar ainda.
Não paro de pensar em como seria tri gostoso poder dar um puxão na
cabeleira dela, colocá-la diante dos meus olhos e mostrar quem manda.
Tenho sede de ver aqueles olhos vívidos assustados em minha direção, por
ela saber que seu destino está em minhas mãos. Tenho desejo de ter aquela
sem-vergonha mentirosa nua, debaixo de mim, enquanto geme de modo
safado.
Eu a flagrei dançando, e aquilo foi o fim para mim. Eu vi aqueles
seios, um com piercing inclusive, eu vi aquelas curvas enquanto ela se
mexia de modo sensual, aquela bunda pidona exigindo uns tapas. Aquele
olhar de santinha que provavelmente ficaria minutos de joelhos na minha
frente.
Então percebi que o alerta de Santiago fazia sentido: o perigo maior
não era Ravi ser enganado. O perigo maior era meu pau e minha mente
serem arrastados pelo caminho da perdição. O perigo maior era ser traído
pelo meu próprio desejo.
Agora, estou aqui, investigando minha provável cunhada, querendo
desvendá-la ao mesmo tempo que seus lábios cínicos moram em meus
pensamentos. Eu vou virar o cão se tiver de bater uma em homenagem a
ela.
Mulher ruim a gente não homenageia, coloca para correr.
Se ela mexia tanto comigo, não deveria ser uma integrante da família
Barreto. Eu tinha de mandá-la embora.
Não tinha dado nem sete da manhã, e eu voltava para casa depois de
fiscalizar o transporte de alguns animais, quando o telefone tocou. Sobre o
cavalo, atendi, fazendo o animal diminuir os galopes.
Era o João Bento, um dos amigos — meu melhor amigo na verdade —
que coloquei para investigar a vida de Catarina.
Inicialmente resisti em investigá-la. Não parecia uma ação justa. Mas
depois de todas as implicações, eu tinha de saber quem estava dentro da
minha casa, com quem eu estava lidando. E como Bento era delegado, as
coisas ficaram mais fáceis.
— Bueno, Gedeon. Não encontrei nada tão forte, por enquanto.
— O que descobriu?
— É meio difícil, pois a vida dela está em outro país, e você não me
deu muitos detalhes. Mas descobri que ela abriu as redes sociais
recentemente. Se tu vir o Instagram dela, ele se tornou público há pouco
menos de um mês, justamente quando ficou noiva do seu irmão.
— Ok. Como está o Ig dela?
— Catarina Maria 25. Tudo junto.
— Certo. Vou olhar depois. Amigo, vê se consegue algum contato em
Nova Iorque para nos ajudar. Algum amigo do meu irmão, qualquer pessoa
que possa averiguar se a história dela é real.
— Tu vai enlouquecer com a vida dos outros, tchê. Relaxa.
— Eu te contei que a sujeita estava metida dentro do meu quarto
futricando minhas coisas, além de ficar exibindo anel caro e mentir que é
vegetariana. Preciso ter certeza.
— Vou ver o que consigo, e você vai ficar me devendo essa. Se tudo
estiver certo com ela, posso dizer que o seu irmão escolheu muito bem,
hein? Essa é tri gostosa.
Ouvir isso me deu uma espécie de lapso de raiva que fez o corpo
ferver.
— Se recomponha, porra. Respeita a mulher do próximo.
— Como se você não pensasse o mesmo, Barreto. Volto a te ligar
assim que tiver novidades.
Não que Ravi não pudesse se proteger, mas eu, como irmão mais velho
que já passou dobrado por causa de peste de mulher interesseira, tinha
obrigação de não só o proteger como proteger nossa irmã e o resto da
família de contratempos desnecessários.
As interesseiras tinham um método: iludiam o cara, depois faziam da
vida dele um inferno, tentando arrancar até as cuecas do sujeito.
Foi isso que fizeram comigo. Era isso que poderiam fazer com meu
irmão, bem menos experiente do que eu. E talvez o coração bondoso de
Ravi não fosse forte o suficiente para aguentar.
É triste quando o coração de um homem empedra por consequência da
morte do seu amor. O meu se tornou rocha cedo demais. Não havia chances
de reverter.
Deixei o cavalo com um peão e segui a pé até a casa. Após tirar as
botas, verificando que eu precisava de um banho, sentei em um banco da
área externa para espiar o celular. A curiosidade era tanta, que não
conseguia esperar.
Entrei no perfil da sujeita, e lá estavam as fotos dela. Bento estava
certo, era bonita mesmo, e disso eu já sabia. Parei alguns segundos,
admirando uma foto em que usava um vestido de alças finas, cabelos ao
vento, braços abertos, com a Estátua da Liberdade ao fundo. Fiquei tempo
demais preso ali, observando aquele sorriso, tentando sentir raiva, quando
na verdade sentia outra coisa.
Segui olhando as demais fotos e lendo cada uma das legendas,
enquanto ignorava duas fotos recentes em que ela estava com meu irmão.
Simplesmente não queria ver, meu coração disparando meio
insatisfeito toda vez que via os dois juntos. E eu julgava que era sentimento
de revolta por ver que talvez ele estivesse sendo enganado.
Terminei de bisbilhotar o perfil de Catarina vergonhosamente de pau
duro.
Maldizendo, tirei a camisa e me levantei, entrando na casa portando
uma senhora ereção. Como já deveria esperar das peripécias do destino,
quase topei de frente com a inspiração para meu pau duro. Catarina. Bela e
perigosa pela manhã. Vestida como uma professora boazinha de colegial;
vestido florido, sapatos vermelhos e uma faixa também vermelha nos
cabelos.
E não estava sozinha, minha mãe a acompanhava.
— Ah, Gedeon. Vim assim que soube que Ravi e Catarina vieram
pousar aqui na fazenda.
— Bom dia, mãe. — Recebi o beijo dela enquanto escondia o volume
na calça, que não passou despercebido pela minha cunhada. Levemente
perplexa, ela deslizou os olhos pelo meu corpo, parando por milésimos de
segundos na minha calça. E eu tirei a mão mesmo, para ela ter uma visão
completa.
Minha mãe falava pelos cotovelos já na cozinha, enquanto no meio da
casa Catarina e eu duelávamos com olhares. Nem pisquei enquanto a
encarava.
— Catarina, anjo, quer me ajudar a preparar o café? Acho que
Veridiana não vem hoje — minha mãe gritou, tirando a peçonhenta do
transe. Ela engoliu a saliva e falou:
— Bom dia, senhor Barreto.
— Sou senhor agora?
— Para mim, sempre foi. Quero pedir desculpas pelo inconveniente
ontem à noite.
— Qual o inconveniente? Ter roubado meu hambúrguer ou ter mentido
para meu irmão?
— Não acho que o senhor vá fazer conta de um hambúrguer...
— Eu preparei com muita dedicação. Talvez eu queira cobrar por ter
desperdiçado.
— Me cobrar por um hambúrguer? — Deu uma risada áspera.
— E por ter mentido para meu irmão. — Meus olhos fuzilavam o rosto
belo e cínico dela.
— Você não está se importando com nenhum dos dois. Quer apenas
afagar o seu ego.
A resposta estava subindo na minha garganta até sermos
interrompidos.
— Amor? — Ravi desceu a escada, olhando torto para nós dois, e eu
me afastei um passo. — Me abandonou sozinho na cama. — Aproximou-se
e abraçou Catarina por trás, deixando-me inexplicavelmente desconfortável.
Que maldita sensação era essa? Eu estava incomodado com meu irmão
abraçando a própria noiva? Só podia ser brincadeira.
— Bueno, mano. — Ainda abraçado com ela, olhou para mim.
— A mãe está aí. Vou tomar um banho e desço logo para tomar o café
da manhã com vocês.
Apaixonado. Burro. Enfeitiçado. Era assim que eu estava na época em
que pedi a mão de Nívea em casamento.
Mas quem diabos era a Nívea? Na opinião emocionada do Gedeon de
25 anos, era a mulher mais bonita que havia passado em frente aos seus
olhos.
Enquanto ensaboava meu corpo e ignorava a presença da ereção que
clamava por Catarina, me esbaldei em julgamentos impiedosos para a
minha versão jovem que deixou uma mulher chamada Nívea destruir para
sempre meu senso de confiança em outras mulheres.
Eu a conheci no Centro de Tradições Gaúchas, quando ela estava
turistando aqui com um bando de amigos, e seu ruivo ondulado — que
mais tarde descobri não ser natural — me instigou a tentar uma
proximidade. Porém, devido à minha aparência de jovem adulto ainda não
lapidada, não fui tão bem recebido.
Lembro do riso cruel que ela soltou quando perguntei se “a guria ruiva
queria provar um churras” da barraca de churrasco que eu trabalhava.
Paulista, era estudante de odontologia, mas não por paixão, tinha de
fazer algo por pressão dos pais. Amava festas, cinema e conhecer lugares.
Corria durante a manhã e adorava ver o sol se pôr. Tudo que se poderia
fazer fora de casa, Nívea apreciava. Ela definitivamente não era uma
mulher caseira. E isso não me incomodava, pelo contrário, me fez querer
viver com ela uma vida não tão introspectiva.
Fiquei enfeitiçado. Era a mulher que pedi a Deus. Eu ia lutar por ela.
Uma batalha que se mostrou vazia quatro meses após o casamento,
quando aspectos de minha vida se tornaram defeitos para Nívea.
Ela odiava meu dialeto gaúcho e se enveredou em uma missão de
tentar aniquilar esse traço da minha fala.
Ela odiava o modo como eu me vestia, porque parecia matuto demais.
Ela odiava que eu me interessasse tanto por churrasco.
Em uma carta, endereçada para um ex-namorado, mas que foi uma
facada para mim, li a confissão de que Nívea só aceitou se casar comigo
quando soube que eu era herdeiro de uma poderosa construtora.
Eu lembro de ter chorado, algo que hoje tenho vergonha de ter feito.
Ela estava me traindo com o ex-namorado toda vez que ia a São Paulo
fingindo que ia visitar os pais.
E eu? Bom, eu fui resumido a uma galinha de ovos de ouro que falava
estranho e tomava chimarrão, mas que não deu certo.
Meu coração acabou de se despedaçar quando a confrontei e ouvi
gritos revoltados por eu ter lido o que não era da minha conta. Mas já que
eu tinha descoberto, ela terminou de atirar sem pena palavras duras. E
concluiu que não tinha saído de São Paulo para ser mulher de pobre coitado
sem ambição.
Terminei o banho sem o pau duro e me sentindo mais intransigente em
relação à Catarina. Eu não era do tipo que reprimia lembranças ruins, ao
contrário, eu sempre as deixava me possuir, para endurecer ainda mais meu
coração, como uma forma de me alertar para não ser mole com pessoas
estranhas. Não ia me abaixar para qualquer um. E protegeria não só a mim,
como também os meus irmãos, de futuras Níveas.
No divórcio, Nívea não levou só metade dos meus bens. Levou um
pedaço do meu coração. Levou a parte boa.
Tomei café de pé, recostado na bancada, fitando de modo cortante a
mentirosa se fazendo de santa. O fingimento de Catarina despertava minha
revolta — como cutucar um leão com uma vara curta. Fiquei em posição de
alerta ao assistir a facilidade com que enganava minha mãe e meu irmão
com seu jeitinho meigo, quando na verdade era uma cobra na minha
presença.
Mas eu ainda não tinha nada suficiente contra ela, e se eu implicasse
assim, só com suposições, Ravi poderia se espinhar contra mim.
Santiago era a mente sensata do grupo, ele estava certo quando dizia
que precisava ter evidências robustas, e eu não tinha isso ainda contra
Catarina.
Depois de tomar café, pedi a Ravi para me acompanhar numa volta a
cavalo enquanto Catarina decidiu ajudar minha mãe na cozinha. Veridiana,
a cozinheira, tinha acabado de chegar e estava contando para elas o que
pretendia fazer para o almoço.
Lado a lado, cada um sobre um cavalo, Ravi e eu adentramos pelos
limites da fazenda, que estava tri bela, completamente verde-vivo por causa
da chegada da primavera. Os cavalos iam devagar, apenas trotando pelo
caminho que rodeava o curral.
— E então, como foi todo esse tempo que passou nos Estados Unidos?
— perguntei a Ravi, mesmo já sabendo, afinal a gente se comunicava
sempre por telefone durante a temporada que ele passou por lá para se
aprimorar. Ravi tinha força de vontade, e ia ser burrice se nosso avô não lhe
desse a direção da empresa. Ou ao menos parte dela.
— Foi bom. Novos ares, novos costumes. E você? — Olhou para mim
por baixo do chapéu. — Preso aqui, na Barretão, como sempre?
— A conversa não é sobre mim, sabe disso. Eu estou bem.
— Aos quarenta anos. Sozinho nesse palácio rústico... — instigou,
disposto a fugir mesmo da minha pontaria.
— Sozinho uma porra. Essa fazenda é mais frequentada que um
albergue. Já teve até suruba aqui.
— Você não tem jeito. — Riu da minha fala. — Espero não estar
tirando sua privacidade. Você que teimou para eu vir.
— Não está. É sua casa também.
Eu gostava que ele estivesse aqui, debaixo do meu teto. Eu me sentia
como uma galinha mantendo os pintinhos protegidos debaixo das asas.
Ravi foi quase como um filho que eu criei, pois quando o nosso pai
morreu, ele tinha só dez anos e colou em mim. Mesmo tendo a mãe, era eu
o homem adulto mais próximo. E ela tinha a Cassie, que era uma bebezinha
de três anos.
Sempre bem tímido e retraído, ele encontrou em mim apoio irrestrito.
Eu o ensinei a cavalgar, o ensinei a preparar churrasco, o ensinei a dirigir.
Além de todas as conversas e conselhos masculinos que sempre estavam
disponíveis para ele.
Era de um jeito, que, durante o colégio, ele preferia que eu fosse às
reuniões de pais. Por isso eu sabia que a minha opinião sobre seus
relacionamentos seria muito importante para ele.
Apenas o som dos cascos dos cavalos no chão embalava nosso passeio,
até ele me olhar por trás dos óculos escuros.
— Quer falar sobre minha noiva, não é?
— Você me conhece mesmo. Sim, quero. Ainda não tivemos
oportunidade de conversar sobre ela. — E pela postura relaxada de Ravi, eu
sabia que não era problema para ele.
— E o que quer saber? — Parou o cavalo debaixo de uma árvore, e eu
parei junto.
— Como é isso? É sério mesmo? — Desci do cavalo, ele desceu
também, e nos aproximamos da cerca que separava o pasto do gado.
Debruçamo-nos ali, lado a lado.
Dei tempo para ele, mas nem precisou, porque respondeu de prontidão:
— É, porra, é sério. Já coloquei um anel no dedo dela e a trouxe para
conhecer a vocês.
Era profundo para ele. Catarina tinha de ser boa gente, senão doeria
nele e em toda a família.
— E confiança? — Olhei na direção dos olhos dele, e mesmo estando
de óculos escuros, Ravi virou o rosto, observando o horizonte.
— Catarina é uma pessoa maravilhosa. Ela é engraçada, gentil e me
ouve. Ela me apoia nas minhas falhas.
— Desculpa dizer. Pareceu tudo tão falso... artificial, do jeito que ela
contava. Tudo tão perfeito. Gosta de arte, gosta de musical, frequenta igreja,
é vegetariana...
— O pior que é tudo verdade.
Não tudo. Eu sabia e fiquei com o coração apertado por ele. Queria
sacudir meu irmão e dizer que a flagrei dançando e comendo carne.
— Será que ela não armou essas coisas... essas qualidades, só para
tentar te agradar?
— Gedeon, por favor, vou te pedir aqui. — Ravi colocou a mão no
meu ombro enquanto olhava no meu rosto — Não se intrometa nesse
relacionamento. Os outros, eu não me importei, você provou seu ponto, e
foi até bom mostrar que aquelas outras só queriam meu dinheiro. Foi um
livramento.
— E essa não pode ser igual?
— Não. Não é. Catarina é uma boa mulher e quero ver se vamos dar
certo, sim. Não procure coisinhas mínimas sobre ela, eu não vou querer
saber. Me prometa.
Pensei por alguns segundos e assenti, sorrindo.
— Eu prometo, meu guri.

***

Infelizmente não pude cumprir a palavra que dei a Ravi. Na verdade,


eu estava de dedos cruzados quando prometi que deixaria quieto e não
procuraria nada sobre Catarina.
À noite, quando Bento me ligou, eu só entrei no carro e dirigi sem
qualquer tipo de remorso.
— É muito sério? — perguntei a Bento, espantado, na sala da casa
dele. Vim correndo assim que ele me chamou dizendo que tinha descoberto
algo que poderia ser uma bomba.
— Tô te falando. Foi de cair os butiá dos bolsos — reafirmou, me
entregando um copo com conhaque que era para me relaxar, mas engoli
num único gole, não dando a chance de aliviar meu nervosismo.
Ali era a virada de chave, pois dependendo do que eu ia escutar, uma
guerra na minha família seria erguida. E ninguém ia me vencer fácil.
Então se sentou ao meu lado. Eu conhecia esse homem, quase sempre
bem-humorado — aspecto que trazia simpatia ao seu rosto de boa
aparência, mas quase sempre rude. Agora, porém, sua expressão adiantava
más notícias.
— Não vai me dizer que é uma bandida criminosa? — No fundo,
torcia para que não fosse.
— Não. Quer dizer... não acho que seja.
— Fala logo.
— Eu liguei para um cara da polícia, muito bom em tecnologia.
Lembrei que ele sabia mexer num programa que procura semelhanças em
fotos para reconhecer algum suspeito... tipo, tem um retrato falado e quer
saber se tem semelhança com alguém...
— Ok. Eu já entendi. Continue.
— Então, jogamos fotos de Catarina e surgiu isso. — Ele pegou um
envelope enquanto meu coração parecia que ia sair pela boca. Nada passou
pela minha mente durante os milésimos de segundo em câmera lenta que
João Bento tirava algo do envelope. Colocou fotos diante de mim.
Três fotos.
Roxy’s Especial Performance. Era o que estava escrito em uma das
fotos que continha o rosto de uma mulher linda, com cabelos pretos, muito
maquiada, mas que era idêntica a Catarina.
— Pode não ser ela. Mas filtramos país, estado e cidade, e o programa
apontou semelhança com essa mesma mulher. Procurei pelo nome que está
na imagem e encontrei um clube noturno em Nova Iorque onde a tal Roxy
se apresenta. Ou estamos lidando com uma sósia, ou a Catarina não é quem
diz ser.
Enquanto Bento falava, fiquei de pé segurando uma foto da mulher.
Andei pela sala, olhando-a sem conseguir nem piscar.
Uma dançarina de casa noturna.
Se essa mulher fosse mesmo Catarina e estivesse enganando meu
irmão, o mundo ia acabar aqui no Rio Grande do Sul.
Onze

CATARINA
No sábado, eu sofri um grande desaforo quando fui retirada à força da
cama em plena seis da manhã, pois era dia de jogo de polo, algo muito
importante na família, e eu deveria estar lá para prestigiar o meu noivo, um
dos jogadores. Além dele, também havia o irmão e o primo dele, e mais um
monte de homem que eu não conhecia ainda, mas que certamente eram
iguais ou piores que Gedeon.
De mau humor, me arrumava em frente ao espelho quando Ravi saiu
do banheiro prestes a se vestir. Eu nem ia dizer que era um desperdício um
homem desse ser gay, porque, de qualquer forma, alguém estava
aproveitando. Só não me parecia justo que esse alguém fosse o chato do
Juliano.
Gedeon deveria era interferir no namoro deles e procurar um homem
melhor para o irmão dele, isso, sim.
— Eu queria matar quem inventou essa tradição de jogar polo em um
sábado tão cedo — murmurei, tentando tirar a aparência de morta-viva do
meu rosto com uma leve maquiagem. O pincel deveria ser uma varinha
mágica.
— Meu avô. Você terá a chance de assassinar ele hoje, se assim ainda
desejar.
Droga.
— Desculpa, falei achando que tinha sido um antepassado longínquo
seu. — Fiz silêncio enquanto pincelava a maçã do meu rosto com blush,
gostando do tom donzela-enrubescida-natural. — Você gosta disso? De
polo?
— Prefiro ir a um desfile de moda. — Ravi andou de cueca pelo
quarto, a bunda era uma atração à parte. — Mas gosto, não porque quero
agradar alguém, mas porque acho diferente.
— Bem diferente mesmo. Montar em cavalos e correr atrás de uma
bola segurando um taco. Só homem mesmo para inventar esses esportes
sem sentido.
Optei por usar uma calça de sarja belíssima que Gus me fez trazer,
camisa de botão, por baixo de uma jaqueta, botinhas de salto médio e, para
arrematar o look, prendi os cabelos em um rabo de cavalo baixo com um
chapéu por cima.
Ravi estava muito gato usando calça própria para o esporte, bem
agarrada ao corpo, além de camisa polo que dava uma visão avantajada de
seus bíceps. Eu não tinha atração nenhuma pela aparência do meu falso
noivo, mesmo que ele fosse lindo de morrer. Mas meus pensamentos
estavam prevendo a aparência do irmão, que certamente estaria usando uma
roupa igual.
Podia não parecer, mas eu estava levemente preocupada. Não contei
nada a Ravi. Gedeon saiu quinta-feira à noite, parecia apressado, e até
comentou com Ravi que estava indo rapidinho à casa de um amigo dele. Foi
algo que poderia ter passado despercebido, mas na sexta-feira quando eu o
revi, soube, pelo olhar, que algo tinha mudado.
O homem simplesmente estancou na cozinha, parecendo uma estátua
de um touro bravo, me olhando com rudeza na expressão, sem esconder que
atirava em mim o seu olhar de raiva. Não que antes ele tivesse sido mais
receptivo, porém aquele olhar era diferente de tudo que eu já tinha
presenciado.
E desde então, não o vi mais.
Ravi e eu descemos para tomar café antes de ir. Gedeon não estava
mais em casa, o que foi um alívio para mim. Consegui comer com
tranquilidade, escutando Ravi explicar tudo sobre o polo. Um esporte que
não necessariamente é uma tradição do estado, mas era da família Barreto.
O seu Alberto, avô dele, sempre amou esse tipo de esporte, por ter sido
atleta profissional na juventude. E em parceria com Gedeon, eles montaram
o Polo Barreto, time que ia competir no primeiro amistoso com times da
América do Sul, no ano seguinte.
Mas o jogo que veríamos hoje era apenas tradição da família, que
passou do avô para os netos. Uma tradição que apenas ricos poderiam
usufruir, concluí depois que soube, chocada, do preço da manutenção de
cavalos, campo e treinadores.
— Então o time é do seu avô? — indaguei.
— Sim. Mas hoje não iremos jogar com o time profissional. É só uma
diversão em família, amigos e simpatizantes.
— Seu pai jogava?
— Sim. Todo homem da família jogava. Só o meu padrasto que não
conseguiu se adaptar. Ele não é chegado a montar a cavalos.
Algo me veio à mente, um assunto que mal falamos desde que nos
conhecemos. E não acho que havia barreiras entre nós dois, sobre o que
poderia ou não perguntar.
— Como era sua relação com o seu pai?
Pelo jeito que parou de comer para me olhar, pareceu um assunto
inesperado para ele. Ainda assim, não havia sinais de censura.
— Não precisa falar... se não gostar.
— Não tenho problema em falar. Eu tive uma relação boa com ele. —
Ravi deu uma olhada em volta, como se para se certificar e voltou a falar
em um tom mais baixo: — Se estiver perguntando por causa da minha
sexualidade, ele não teve tempo de descobrir. Na verdade, nem eu me
entendia direito. Eu tinha só dez anos quando ele faleceu.
— Eu sinto muito.
— O Gedeon teve mais tempo com ele. Viveu longos vinte anos tendo
um pai. E pelo que sei dele, são bem parecidos. Acho que por isso meu
irmão tem toda essa obsessão por proteger a nossa família. Penso que ele
tem medo de que algo aconteça e o deixe com a sensação de que falhou
com nosso pai.
Entretida com o assunto, mas não relapsa, foi a minha vez de olhar em
volta antes de sussurrar para ele:
— Por que você acha que sua família te rejeitaria? Todos parecem tão
unidos e parecem amar uns aos outros incondicionalmente. — Ravi não
sabia o que era uma rachadura familiar. No meu caso, tinha sido uma
cratera irreversível. Todavia, não havia possibilidade de medir a experiência
dos outros usando a minha como base.
— Porque eu sei o que esperam de mim. — Seus punhos fecharam
sobre a mesa, não de raiva, parecia apreensão — Que eu tenha uma esposa,
que eu seja pai, que eu dê prosseguimento ao legado dos Barreto. E
infelizmente não poderei dar isso a eles.
— Dar prosseguimento ao legado não é necessariamente ter filhos,
ainda que você possa os ter mesmo não sendo hétero. — As mãos de Ravi
relaxaram quando me olhou. — Você pode fazer a sua própria história, e
assim, quando você se for, poderão dizer: aquele era Ravi Barreto, ele
deixou uma história, um legado. E muita gente poderá se inspirar no que
você deixou registrado. Elvis Presley não é lembrado por causa de sua filha,
mas sim por sua música.
Ravi colocou a xícara no pires enquanto me fitava meio surpreso, ao
mesmo tempo que a felicidade brilhava em seu semblante. Então ele sorriu
e assentiu.
— Belas palavras, Cate. Não tinha pensado por esse lado. Estou
gostando de ter uma amiga-psicóloga-stripper.
— Cala essa boca. — Eu me inclinei de volta na minha cadeira,
terminando o conteúdo de minha xícara enquanto escondia o sorriso.
— E você? Qual legado quer deixar? — perguntou.
— Não sei qual será, mas vou deixar algum. — Joguei o rabo de
cavalo de um lado para o outro — Um dia, um sábio me disse: vá e faça
geografia, mas eu estou aqui prestes a fazer história.
Ele gargalhou com minha fala e disse em meio à risada:
— Você é a minha diva pop preferida.
— Sei que sou. Agora vamos ver esse jogo e torcer para tudo sair
como nos nossos planos.
— Você vai torcer em segredo para que Gedeon caia de um cavalo, não
é?
— Você me conhece tão bem, amor. — Peguei no braço dele, e
caminhamos juntos em direção à saída, onde o carro nos esperava.
— Espere só até conhecer o amigo inseparável dele — Ravi falou e
terminou cochichando em meu ouvido: — João Bento, o delegado mais
gostoso que você vai ver em sua vida.
— Ah, que merda. É horrível ser santa e comprometida.

***

Chegamos ao clube, que era tão extenso, que me fez pensar que talvez
fosse do tamanho de uns dois campos de futebol; verde e plano, bem
semelhante aos campos de futebol. Fui recebida por olhares curiosos das
pessoas que eram convidadas para assistir ao jogo. Ravi tinha me avisado
de que eu era o assunto mais falado nas rodas da sociedade, por isso não
estranhei e me senti a própria celebridade.
Abraçando o meu corpo, como se me protegesse da tensão, admirei por
alguns segundos o verde a perder de vista da grama devidamente podada do
campo onde os cavaleiros disputariam a bola.
De um lado ficava a arquibancada onde as pessoas se sentavam para
assistir, e do lado oposto, os carros estavam estacionados de forma que
muita gente assistiria ao jogo sentada na carroceria de suas caminhonetes.
Para mim, tudo era uma novidade deslumbrante sobre as tradições da
família Barreto. Eles estavam me dando a minha primeira ligação positiva
com o Brasil, que não tinha sido um país amigável desde o meu nascimento.
Não construí tradições familiares e muito menos tradições com o estado
onde nasci, pois tudo que fiz foi sobreviver.
— Parece que a mulher de Rony não gosta de mim — sussurrei para
Ravi, agarrada à mão dele como se fosse um amuleto. — Virou a cara na
hora e fingiu que estava brincando com a criança.
— Ela tem um ciúme forte por esse homem. Relaxa, daqui a pouco ela
se acostuma.
— Já eu acho que ela nos vê como ameaça ao cargo do marido dela.
— Pode ser também. Rony já era considerado presidente da empresa
até eu anunciar que ia disputar a vaga também e que tinha uma noiva.
Respira fundo, meu irmão tá vindo.
E ele apareceu.
Engoli em seco quando vi Gedeon caminhar em nossa direção. Assim
como diziam minhas previsões, ele estava um arraso de gostoso na roupa
que marcava ainda mais o corpão de macho alfa.
Senti meu corpo gelar, as pernas fraquejarem, enquanto o coração se
dobrava para trabalhar.
Eu me empertiguei, ficando séria. Não queria graça com esse homem.
— Pode me ajudar? — Foi logo falando com Ravi, ignorando minha
existência bem ao lado.
— Claro. — Meu noivo encarou o irmão de modo prestativo, sem nem
saber do que se tratava. — O que houve?
— O carro do Bento deu tranco logo agora. Você pode ir buscá-lo?
Não vou porque estou recepcionando...
Aquele pedido me acendeu a desconfiança na hora. Como assim um
delegado não tinha um meio de vir sozinho até aqui?
— Claro. Vou, sim. — Ravi se prontificou sem pensar. Agarrada ao
braço dele, nem me abalei. E quando estava prestes a sair com meu noivo,
Gedeon me deteve.
— Fica aqui, cunhada. Vou apresentar o campo a ti, o local do jogo.
Estamos felizes que você vai presenciar um jogo da família.
— Ah... eu. — Porra, ele me pegou desprevenida e estava sendo gentil.
Ravi e eu trocamos um olhar. Eu queria que ele teimasse e dissesse que a
noiva dele ia com ele, mas sabia também que Ravi não ia rebater o irmão
em algo tão trivial.
— Está tudo bem para você? — perguntou para mim.
— É claro que está. — Gedeon quem respondeu, rindo mais falso que
nota de três. — Olha o tanto de gente aqui, ninguém vai roubar ela não.
Com o olhar, eu implorava para meu amigo não me deixar a sós com o
diabo.
— Tá bom. — Ravi concordou fitando meus olhos. — Volto logo, se
cuida.
Restou-me apenas sorrir educadamente para ele, acenando. E assim
que Ravi se afastou, não era mais o Gedeon simpático ao meu lado, era o
cão ameaçador que vi ontem.
— Você vem comigo — disse apenas e caminhou. Contei até cinco
buscando paciência e o segui, acenando para Marilia, que estava na
arquibancada com a irmã dela.
— Vem aqui depois — ela gritou. E eu respondi que ia.
— Bem grande o campo, não é? — falei com Gedeon, lutando para
acompanhar suas passadas. Eu tinha de tentar manter alguma civilidade
com ele. Se ele quisesse brigar, que brigasse sozinho. Eu não ia perder meus
dólares nem fodendo.
— É. — Rosnou. — Vamos andar no campo, cunhada, para alongar as
pernas. — Não estava sorrindo, mas sua proposta parecia inofensiva diante
de tanta gente de testemunha. Ele não ia tentar nada, apenas jogaria um
pouco de veneno, talvez.
Eu poderia me questionar se estava imune a qualquer veneno de
Gedeon, mas a resposta era óbvia: nunca estive imune. Em minha defesa,
gosto de usar a cartada da idade que cobria a minha experiência de vida.
Eram vinte e cinco meus contra quarenta dele.
Aceitei a proposta, caminhando ao lado de Gedeon, que diminuiu a
velocidade das passadas, me dando uma chance de acompanhá-lo sem
precisar correr. Fingindo-se despreocupado, dava um passo por vez,
chutando um montinho de grama aqui, outro ali.
Olhei para sua bota com cara de nova e ergui o olhar em direção aos
olhos que me fitavam. Mordi o lábio, atraindo peso daquele olhar todo para
minha boca. Então decidi nos distrair.
— Aqueles são os cavalos? — Apontei para o celeiro, mesmo de longe
dava para ver que estava repleto de animais.
— Sim.
— São muitos — falei o óbvio, sem parar de olhar naquela direção, o
que era mais cômodo do que olhar para senhor-desconcertante-Gedeon.
— Cada jogador precisa de pelo menos cinco cavalos — adicionou a
curiosidade.
— Nossa. Por quê?
— Os cavalos precisam ser trocados a cada intervalo de tempo, mesmo
que estejam bem, é a regra. Mas cada tempo dura em torno de sete minutos.
E nos distanciamos mais das pessoas, ao mesmo tempo que todos
poderiam nos ver andando lado a lado no meio do campo vazio. Era,
inclusive, um acaso estarmos no meio de um campo como duas pedras de
xadrez prontas para duelar. Eu ia evitar uma guerra, mas venceria caso
entrasse nela.
— Tá gostando da recepção que minha família está fazendo para ti? —
Gedeon perguntou.
— Sim. — Eu mentiria se falasse que não. O meu calor familiar
morreu quando eu tinha dez anos. De lá para cá, minha única família tinha
sido as meninas da boate de Gus. Eu gostava de estar com Ravi e a família
dele, quase me fazia sentir parte disso tudo, até eu lembrar que aquilo era
somente um negócio. — São pessoas maravilhosas. — Sorri cordialmente
para ele, que não me retribuiu.
— Gosta do que vê? — Parou de andar e apontou para tudo em volta.
O clube onde estávamos era simplesmente gigantesco. — Toda essa
opulência, todo esse poder. Aqueles cavalos são bem caros e até o time
inteiro é da família Barreto. Sabia disso?
— Ravi comentou — falei, tentando prever qual era a armadilha que
ele estava tramando. Não parecia uma conversa trivial.
— Mas nada disso é dele. — Cravou o olhar mortal em mim.
— O que está querendo dizer? — Parada no meio do campo junto a
ele, cruzei os braços, fitando-o.
— Que o time é meu em parceria com meu avô. Os cavalos que os
jogadores vão usar são meus. Eu não só faço churrasco, embora seja a
minha paixão. Sou um dos maiores criadores de cavalo de raça do país.
Ravi não tem nada aqui, ele depende do nosso avô.
Olhei para a grama, buscando controle para minha respiração. Eu sabia
o que ele estava tentando fazer, me fazer desistir do noivado ao mostrar que
o irmão não teria poder nem tanto dinheiro como muitos achavam.
— Não vai dizer nada, Catarina?
— E, ainda assim, ele parece bem feliz. — Cravei os olhos nos de
Gedeon. — Só quero que ele realize os sonhos dele. Não é o que queremos,
Gedeon? Afinal, nós dois amamos o Ravi.
— É. Amamos. — Riu cinicamente enquanto mantinha o lábio inferior
preso aos dentes. — Sabe, tchê, mudando de assunto, eu tenho uma égua
que está ficando na minha fazenda... — Voltamos a caminhar devagarinho.
O vento batia teimoso nos cabelos dele, desalinhando-os.
— E não trouxe ela para correr? — transpareci curiosidade, o cenho
franzido.
— Não. Ela não é de correr. Ela é mais de ficar na sombra e água
fresca. Ela gosta do bem-bom. Essa égua é indomável e também
manipuladora.
— Manipuladora? Com tantos atributos, você deveria levá-la a um
show de animais talentosos.
— É, estou pensando no que vou fazer com ela. Mas já tenho um nome
para dar, quer ouvir e dar uma opinião?
— Tem um nome? E qual seria?
— Roxy. — Seu semblante inteiro mudou para ameaçador ao falar o
nome. — O que você acha desse nome, Catarina, para a égua dissimulada
que está na minha fazenda?
Doze
CATARINA
Ele sabia. O desgraçado descobriu. Meu mundo caiu, e foi Gedeon
quem o derrubou.
Quase caindo dura aos pés dele, ainda fui forte para manter a pose
sofisticada, enquanto fingia absurdamente, mesmo que fosse impossível
ocultar o susto inicial. Eu não podia me entregar tão fácil, ia só negar até
meu último suspiro. Se ele tivesse alguma prova, eu ia retrucar dizendo que
era montagem.
Hoje, na era da tecnologia, tudo poderia ser explicado com uma
montagem.
Eu passei por trancos e barrancos durante minha adolescência, depois
fui obrigada a namorar um coiote xexelento para poder atravessar a
fronteira de graça. Tudo isso para agora perder para um cão gaúcho? Essa
vergonha não ia fazer parte da minha biografia jamais.
Empinei o queixo diante dele.
— Hum... Roxy. Parece tão requintado... Não achei que a tal égua seria
assim.
— Ela acha que é requintada. Mas é só uma fodida qualquer — foi
cruelmente escroto, me desafiando.
Quase saí da personagem, com vontade de apontar o dedo na cara dele
e pedir para me respeitar. Eu não podia tomar as dores de uma suposta égua.
E graças aos céus, fomos interrompidos. Cassandra nos viu de longe e
estava vindo em nossa direção.
Sorri, bem sonsa para Gedeon.
— Enfim, desejo tudo de bom para você e a égua, e que ela consiga o
que sempre quis. — Fiz uma carícia de leve no bíceps dele, e, porra, era
bem grosso e duro. Gedeon olhou surpreso para meu gesto. — Vou
andando, quero dar um olá para minha amiga Marilia.
— Sua cínica do cacete, se afaste da minha mãe. — Agarrou com força
meu braço, rosnando bem pertinho da minha nuca. Arrepiou tudo que tinha
poro em meu corpo. Um homem desse era castigo, não benção.
— É minha sogra — respondi de volta sem conseguir me calar.
— Te aguardo segunda-feira em meu escritório às nove da manhã.
Temos negócios a tratar. — Soprou no meu ouvido e se afastou de imediato,
usando uma máscara de bom moço só porque a irmã chegou.
— Oi, Catarina. — Usando botas, saia longa e um agasalho bonitinho,
Cassie estava fofa em plena manhã fria de sábado. Seu cabelo era mesmo
um espetáculo de cachos amarronzados esvoaçantes. Recebi seu abraço, e
ela logo olhou para o irmão.
— Onde está Ravi? — Seu olhar, carregado de desconfiança, pulou de
mim para ele.
— Foi buscar o Bento. O carro dele deu pau. Vamos para lá?
— Meu irmão não estava sendo um chato com você, fazendo um
questionário, não é? — Cassie abraçou o meu braço, e seguimos juntas em
direção à arquibancada.
— Sim, estava — confirmei, rindo.
— Eu sabia. Deixa de ser um chato de galochas, Gedeon! — ela gritou
para ele, que já se afastava da gente. — Eu sabia que ele ia fazer isso. Não
te deixou desconfortável, não é?
— De maneira alguma. Ele é assim com seus namorados também?
— Pelo menos se eu conseguisse chegar na fase de namoro... — falou
em meio a uma risada, tratando o assunto com humor. Mas eu sabia que, no
fundo, ela sofria por não ter liberdade de poder ficar com quem quisesse. Se
Gedeon pudesse, provavelmente teria enfiado a irmã em um convento.

***

Ele descobriu. O Gedemônio descobriu tudo.


Enquanto ouvia Marilia falar sem parar, me apresentando para as
amigas dela, eu decidia se contava ou não para Ravi. Achava que ele tinha
de saber dessa nova jogada do irmão, afinal éramos uma equipe, tínhamos
interesses nesse circo que montamos.
Meu cérebro estava sendo triturado em um liquidificador enquanto
tentava imaginar como Gedeon descobriu tão rápido. Um segredo lá do
outro lado do mundo, e ainda assim ele precisou só de três dias para
descobrir.
Se ele for tão obstinado desse jeito em outras partes da vida, com
certeza vai ter tudo que quiser.
Decidi que falaria com Ravi quando estivéssemos sozinhos em casa.
Por enquanto apenas me sentei com minha sogra e cunhada para assistir à
partida, que já ia começar.
Viviane, a esposa de Rony, se moveu de forma elegante com sua
beleza-loira-Barbie perfeita e cintura tão fina como sua personalidade,
sentando com a gente, porque Marlene, a sogra dela, sentou ali, e ela foi
obrigada a se enturmar também.
Marilia e Marlene eram irmãs. Únicas filhas do senhor Alberto, que já
era viúvo. Marilia era mais velha, tinha dado à luz a três filhos — a doce
Cassie, o meu falso noivo e o encosto que me perseguia.
Todo mundo achava que Gedeon seguiria os passos do avô e tomaria
posse de todo o império, sendo um imponente CEO respeitado e refinado.
Mas Gedeon preferiu outra área e se tornou um respeitado e não tão
refinado churrasqueiro. Pesquisei na internet, ele era tido como uma
celebridade na área. Ia até a programas culinários de televisão, além de
gravar vídeos ensinando a preparar carnes.
A outra filha de seu Alberto era Marlene, mãe de Rony e Debora, filha
mais nova que não morava na cidade. E, por enquanto, Rony era o único
que estava dando alegria ao velho Alberto, por ser casado com a nada
simpática Viviane e ter dado netinhos encapetados.
— O pai está tão realizado. — Marlene cutucou a irmã, apontando
para o senhor Alberto na arquibancada, feliz da vida em ver os netos no
campo.
— Está — Marilia respondeu. — Ravi está completando a felicidade
dele.
— E o Gedeon, minha irmã? Falta ele. — Marlene instigou.
— Bah, nem me fale. — Ajeitou os óculos escuros, se mostrando
aflita. — Me deixe quieta com minhas preocupações.
Marlene, levemente maliciosa, continuou:
— Um homem tão rico, de quarenta anos... casou uma vez só.
— Gedeon já se casou? — Isso me chamou atenção, e quase cuspindo
refrigerante, interferi na conversa delas. Todas as mulheres presentes
olharam para mim.
— Sim — Viviane quem respondeu prontamente. — Casou bem cedo,
aos vinte e cinco anos, e ficou só quatro meses casado. — Para fofocar, ela
era ótima, até esquecia a rixa de poder na família.
— Quatro meses? — Porra, Ravi é o pior gay que existe; fraquíssimo
em fofocas. Não me contou isso.
— Era uma interesseira em busca de vida fácil — Marilia falou com
asco na voz. — Deixou meu filho traumatizado.
Ah, então aí estava o cerne da questão. Gedeon era um homem
traumatizado com mulher interesseira. Por isso ele era tão obcecado em ter
certeza de que a mulher presta para ficar com o irmão dele, para não deixar
que a história se repita com o irmão. Ravi não me contou esse detalhe.
— Mas isso já tem quase vinte anos, minha irmã. Será que ele não vai
superar? Será que ele ainda gosta da ex-esposa? — Marlene, mais uma vez,
tocando na ferida.
Meu coração deu um solavanco ao ouvir essa indagação. Como se eu
me importasse com um babaca.
— Não sei, Marlene, não me preocupe mais, tchê. Olha lá, parece que
vai começar.
O jogo iniciou, a plateia estava até cheia, mas eu não sabia ao certo
quem estava torcendo para quem. Não era uma confusão de homens
montados a cavalo. Os times estavam separados por cor, um usava blusas
brancas, e o outro, blusas pretas.
No time de blusas brancas havia Ravi, Rony e dois homens mais
novos, que eu ainda não conhecia. Eram quatro jogadores de cada lado.
Detestei o time de blusa preta na hora que vi, por ter Gedeon no meio e
por ser o maior acúmulo de sex appeal masculino que meus olhos já tinham
visto.
Porra, se eu achava Gedeon um gostoso, imagina ter outros três
quarentões do mesmo patamar que ele e provavelmente com a mesma
índole? Teve um momento, antes do jogo começar, em que estavam os
quatro reunidos olhando ao mesmo tempo na minha direção. Certamente o
churrasqueiro maldito estava contando absurdos sobre a minha pessoa.
Era um esporte elitista, em meio a pessoas de classe social que jamais
tive a oportunidade de sequer conviver. Mas não levava qualquer tipo de
mágoa por isso, só estava admirada com o que via. Como, por exemplo, os
jogadores do time de preto.
Um deles eu conhecia: Gedeon, o churrasqueiro, meu pesadelo.
O outro, fui apresentada mais cedo, era João Bento, delegado gostoso
de morrer, expressão meio rude, cabelos baixos loiro estilo militar e mais
alto que os outros três. O peitoral do homem hipnotizante.
E ainda bem que eu tinha uma cunhada que era afeiçoada ao ramo da
fofoca. Cassie me deu o histórico dos outros dois homens.
— A nata da sociedade — ela disse, indicando os caras. — Está vendo
o moreno de cabelos pretos, de cara fechada?
— Sim. Bonitão.
— É juiz.
— Sério? — Virei de lado, fitando o rosto dela.
— Gedeon tem amigos em todo lugar — Marilia se vangloriou, e
Cassandra continuou:
— Se chama Antônio Santiago. É o mais novo do quarteto e muito
discreto. Mas considero meio agressivo. Já até entrou na casa de uma
pessoa para pegar um celular à força e destruir evidências de um flagra.
Não aconteceu nada com ele porque tem costas quentes.
Sabia que era da mesma laia de Gedeon.
— E o último, o guapo grisalho, é um chef renomado de cozinha. É
descendente de italiano, por aqui tem muitos. — Observei o homem com
aquela barba safada e bigode proeminente estilo derrete-bocetas.
— Chef de cozinha?
— Se chama Nero. Conhecido no Brasil todo. A comida vegetariana
que você comeu foi ele quem preparou.
Ótimo. Um time com um churrasqueiro, um delegado, um chef mal-
encarado e um juiz sombrio. Definitivamente eu não estava torcendo para
eles, embora, no fundo, minha vagina estivesse.
O jogo de polo basicamente consiste em pessoas montadas a cavalo
correndo atrás de uma bola pequena que eles precisam acertar no gol com a
ajuda de um bastão. A ferramenta é usada pelo jogador, que precisa ter
agilidade no manuseio. Eu já assisti jogo de hóquei nos Estados Unidos, e
por isso dava razão a Ravi quando disse que o polo era hóquei a cavalo.
Achei rústico e bem mais selvagem, por causa da velocidade dos
cavalos. Os homens montavam com experiência e entusiasmo, estavam
concentrados na disputa acirrada. Era sexy de assistir.
Quando enfim entendi as nuances, mergulhei de cabeça no jogo e
comecei a torcer fervorosamente pelo meu noivo. Seriam duas vitórias:
beijar o vencedor na frente de todo mundo, nos dando a cena perfeita de
casal apaixonado, e ainda poderia tripudiar de Gedeon.
E, por Deus, como eu queria ver a cara dele sabendo que perdeu, que
não era bom em tudo como fazia parecer.
Mas o time de blusa branca não tinha chance contra o quarteto de
machos alfas. O juiz era terrivelmente perfeito jogando no ataque junto de
Gedeon, habilidoso e concentrado a ponto de atrair para si a torcida da
plateia. A cor preta os deixava bem mais intimidadores conforme
avançavam contra os outros cavaleiros, tomando a bola em tacadas
certeiras.
— Eles são perfeitos — Cassie sussurrou para mim.
— São, é? — Joguei os cabelos com desdém, como se não me
importasse.
— Tu não está vendo? Os amigos de meu irmão são meu ponto fraco.
— São bem mais velhos que você.
— Essa é justamente a magia. — Piscou para mim, e rapidamente
suspirou, nadando num evidente mar de tristeza. Ela não disse, e nem
precisava. Os olhos claros de Cassie, que evocavam sua pureza, eram
também espelhos de seus sentimentos, estampando um aspecto que eu
conhecia: a sensação de impotência. A sensação de querer algo e nunca
poder alcançar.
Provavelmente ela sentia atração por um dos três amigos de Gedeon,
mas, se quisesse evitar uma tragédia, não ia dar espaço para esse
sentimento.
A tensão me tomava conforme o placar ia dando vantagem para o
quarteto. Os rapazes do time branco pareciam perdidos, e eu quase tive
vontade de xingá-los. Ravi e Rony iam perder por incompetência de seu
próprio time.
Em um dado momento, Ravi pegou boa velocidade, e esperançosa, eu
fiquei de pé na arquibancada berrando sem me importar com as pessoas ao
redor:
— Vai, Ravi! Vai, amor, vai! Essa é sua, vai!
Meus gritos chamaram a atenção de Gedeon, que olhou na minha
direção e galopou feroz na direção do irmão. Eu tinha certeza de que ele ia
deixar Ravi fazer aquele “gol” para que o irmão ficasse feliz, mas mudou de
ideia ao me ver dar forças ao meu noivo.
O homem era o cão.
Eu segurei a respiração enquanto Ravi corria em direção ao gol. Estava
quase chegando, ele só precisava dar uma boa tacada na bola, mas foi
alcançado por Gedeon, que tomou a bola com uma tacada poderosa, dando
a chance a João Bento de levá-la ao gol.
Oito pontos para os camisas pretas contra cinco dos camisas brancas.
O desgraçado arrancou a camisa preta, ficando de camiseta regata,
tomou velocidade, galopando em volta do campo em comemoração solo,
agitando a camisa no ar. Ele expôs minha fragilidade interna de não
conseguir ignorar aquela cena.
Gedeon voltou para o meio, mais devagar, trotando cheio de pose,
rindo e acenando para a plateia que o ovacionava.
A mãe dele berrava, aplaudindo e fazendo festa. Gedeon era uma
estrela por aqui.
O jogo acabou, os jogadores se cumprimentaram, rindo e debochando
como se nada tivesse acontecido, pois para eles era apenas diversão. No
entanto, para mim, era competição, e eu queria estar comemorando com
Ravi.
Marlene e Marilia saíram da arquibancada, me deixando com Cassie
ainda olhando a movimentação no campo. E nós duas acompanhamos com
o olhar quando um grupo de mulheres jovens e bonitas na primeira fileira
da arquibancada correu para o meio do campo, indo parabenizar os homens.
— Quem são elas? — perguntei a Cassie e Viviane.
— Umas oferecidas — Viviane rosnou e berrou: — Rony, venha cá,
amor. — Virou-se para mim, continuando em tom mais baixo — São as
convidadas VIPs, geralmente seu cunhado e os amigos dele mandam
convites para as selecionadas, para a comemoração particular depois do
jogo. E então elas vão se divertir. Mas é algo extremamente sigiloso. Eu sei
disso porque o Rony me conta.
— Uma festa... particular? Tipo essas coisas de subcelebridades que a
gente vê na internet?
— Sim. Da última vez, deu o que falar. As convidadas tiraram fotos
com os tacos deles e se filmaram na jacuzzi com os machos, acabou caindo
na internet. Todo mundo começou a falar que era o galinheiro dos tiozões.
— Rony não pode nem sonhar em participar dessa Sodoma e Gomorra
— Viviane indiciou, mostrando que tinha conhecimento de tudo que Cassie
acabara de contar.
Chocada, eu assistia — enquanto Cassie falava — Gedeon descendo
do cavalo, indo na direção do grupo que se reunia ali no centro. Então ele
começou a abraçar as mulheres, que estavam eufóricas como se fossem fãs
de algum ídolo. Esbanjando uma aura de machão educado e sedutor,
cumprimentou cada uma delas com um beijinho no rosto. E no final,
manteve o braço na cintura de uma morena, ouvindo-a falar algo.
Fiquei incomodada, de braços cruzados, observando a cena com pouco
caso. Não queria Ravi naquele meio. Mesmo que ele não fosse nada meu e
que elas não fossem conseguir nada com ele.
— Venha comigo. — Cassie ficou de pé ao mesmo tempo que estendia
a mão para mim.
— Onde você vai? — perguntei, dosando a surpresa junto com a
cautela.
— Vamos até lá, tchê. Teu homem está lá. — Desceu a arquibancada
me puxando, e chegamos à roda, acenando para as pessoas. Gedeon ficou
em alerta no instante em que Cassandra e eu chegamos. E ela me cutucou:
— Ravi perdeu, mas não acha que ele merece um beijo teu, pelo esforço?
Busquei com rapidez os olhos de Ravi e não quis raciocinar junto com
ele. Estava todo mundo olhando, esperando uma atitude da minha parte
depois do pedido de Cassandra. Eu tinha de ser a noiva que eles esperavam.
— Amor! — cantarolei, pulando nos braços de Ravi. Beijei seus lábios
antes de dizer: — Você foi perfeito, estou mais apaixonada ainda em te ver
todo lindo a cavalo jogando.
— Que bom que gostou, amor. — Ainda me abraçando, a mão dele
desceu, pousando em minha bunda. Também não precisávamos encenar tão
bem. — Pena que não consegui marcar o ponto que era pra ti.
— Não importa. Você já fez um ponto no meu coração. — Porra, que
brega. Eu queria me enterrar de vergonha. E Ravi se segurou para não rir.
Então olhei para o pessoal.
— Olá. — Acenei para os homens gostosos amigos de Gedeon, que
me assistiam com a mesma curiosidade que usariam para analisar uma
mulher que estivesse disponível.
— Pessoal, essa é Catarina, minha noiva — Ravi apresentou. Estendi a
mão para o juiz-vilão-gostoso. Em seguida, fiz o mesmo com o Nero, que
parecia o mais velho do quarteto; por fim, cumprimentei o delegado Bento,
que já havia conhecido mais cedo.
Olhei para Gedeon, o flagrando me encarando, com um semblante
mais carregado que o revólver de um bandido; parecia que queria me
expulsar dali a chutes. Ele sabia algo sobre Roxy e certamente tinha certeza
de que eu era uma pistoleira enganando as pessoas. Eu precisava ter certeza
do que ele sabia. Talvez ainda desse para contornar.
Como resposta ao olhar rude dele, joguei o rabo de cavalo de um lado
para o outro, agarrada ao braço de Ravi, e falei:
— Você também foi bom jogando, Gedeon.
— É claro que fui. Meu time ganhou. — E me fuzilou com o olhar.
— Está gostando da nossa querência, Catarina? — João Bento
indagou, atraindo os olhares cobiçosos das mulheres ali. E percebi, no
mesmo instante, como Cassie mordeu o lábio ao mesmo tempo que
direcionou o olhar para o chão, em um claro gesto de timidez. Ela tinha
interesse justo no delegado? Não era possível.
— Querência?
— Nossa terra natal. — Ravi interpretou logo.
— Estou achando tri legal — falei, arrancando risadas deles, menos, é
claro, de meu cunhado. — Me surpreendendo positivamente com o dialeto e
algumas comidas.
— Aqui faz frio de renguear cusco, mas isso tu já é acostumada, não
é? Lá no exterior é bem frio.
— Sim, estou acostumada ao frio, mesmo que ainda não saiba o que é
renguear e cusco. — Mais uma vez riram.
— Renguear é algo como entortar, e cusco é cachorro — Cassie
respondeu de imediato e trocou um olhar suspeito e furtivo com o delegado,
voltando a ficar enrubescida e tímida assim que os olhares trombaram.
Era nele mesmo que ela estava interessada. Coitada. É impossível.
Bento não parecia na mesma onda. Ele se portava com confiança e se
direcionou aos amigos:
— A conversa tá tri legal, mas precisamos decidir onde vai ser o
churras.
— Era o que eu queria saber, bah. Vai ou não acontecer o baile de
comemoração? — uma das piriguetes perguntou, animada, tocando no
braço de João Bento. Os homens automaticamente trocaram um olhar
suspeito.
— Hoje é sábado, perfeito para encher a cara, já que amanhã ninguém
trabalha — outra das garotas instigou.
— Vamos resolver isso logo. Está de pé para ti, Gedeon? — João
Bento perguntou.
— Não. Estou com visitas em casa e... — começou a responder,
rabugento, mas Ravi o interceptou:
— Ah... por nós, não precisa se preocupar. Inclusive, eu gostaria de ir.
Ou só pode ir o time vencedor?
— Todos podem ir, evidente — Bento, que parecia o organizador da
festa, foi um pouco mais cordial. — Só precisa tomar as devidas
precauções.
— Tu curte festas, Catarina? — Gedeon direcionou seu olhar para
mim, induzindo todo mundo a fazer o mesmo. — Pois quando almoçou
com minha família, disse que era mais caseira, não gostava de sair para
beber... então só me preocupo.
Que maldito!
— Confesso que sou mesmo um pouco fraca para festas. — Fiz uma
careta de sofrimento. — Minha rotina em Nova Iorque era muito regrada,
era de casa para o trabalho. Mas quero experimentar tudo que puder
enquanto estiver aqui. Por favor, eu vou adorar participar, mesmo que eu vá
dormir mais cedo, como uma senhora de idade.
E as pessoas riram da minha resposta, menos o insuportável, que achou
que iria cavar minha cova aqui diante dos amigos.
— Já que a Catarina e Ravi vão, eu posso... — Cassie começou, no
entanto, antes de terminar, Gedeon a cortou:
— Nem pensar. — Seu tom combinava exatamente com o seu olhar
rigoroso.
— Por que não? Ela pode ficar com a gente — Ravi intercedeu
imediatamente a favor da irmã.
— Você está doido, tchê? Levar essa guria para uma farra que só tem
bebedeira e baixaria?
— Eu não sou uma guria, porra! — Pronto, Cassandra fez um show. E
ela estava certíssima.
— Teu lugar é em casa com a mãe.
— Vá se foder, Gedeon. — Virou-se e saiu dali com rapidez. O
silêncio reinou por segundos, nem mesmo Ravi tinha coragem de ir contra
as decisões do irmão mais velho.
Acho que Gedeon estava precisando que massageassem o coração de
pedra dele com um amaciador de carne.
— Certo. Estamos combinados para hoje, a partir das nove — Gedeon
concluiu e saiu andando, levando com ele uma das garotas.
Treze
CATARINA
— Não é possível uma porra dessa. Como assim ele descobriu? —
Ravi andava aflito de um lado para outro no quarto. Sua reação diante da
hipótese de Gedeon ter descoberto minhas origens foi ainda pior do que
imaginei. Ravi estava transtornado. Raiva e desespero irradiavam do jovem
trambiqueiro.
E eu o entendia. O cara foi do outro lado do mundo buscar uma mulher
para que a farsa fosse perfeita, para então o irmão intrometido descobrir
tudo em poucos dias.
O mal do malandro é achar que todo mundo é bobo. Nós dois
subestimamos Gedeon.
— Eu não sei o quanto ele sabe, mas algo seu irmão descobriu. Ele
jogou o nome Roxy na minha cara com muita propriedade e certeza.
Ravi parou no meio do quarto para me fitar, e eu permaneci sentada na
cama.
— E disse mais alguma coisa?
— Que quer falar comigo segunda-feira, no escritório dele, pela
manhã.
— Ah, certo. — Acariciando o queixo, Ravi pensou um pouco,
franzindo o cenho. — Isso pressupõe que ele quer falar com você enquanto
eu estiver fora, trabalhando. E isso me faz pensar...
— Que ele não quer que você presencie?
— Sim. Tudo indica que Gedeon acha que você está me enganando.
— É o que eu acho também.
— É isso! — O sorriso que brotou no rosto de Ravi era até
reconfortante, quase me fazia ter esperança de uma saída, até lembrar que
eu estava na casa de Gedeon, presa na narrativa dele.
— Meu irmão não descobriu tudo. Acho que ainda temos chance de
sairmos ilesos.
Fiquei de pé, me aproximando dele.
— Calma. Quer dizer que ele acha que eu sou uma safada stripper... e
ele tem certeza que estou enganando o irmão dele e a família dele, e você
acha que vamos sair ilesos?
— Tu vai ter que enrolar um pouco, Cate. — O pedido saiu tão natural,
que nem percebeu o quanto era absurdo. Ravi nem mesmo se importou com
a incredulidade tirando o brilho dos meus olhos.
— Ravi, você conhece o seu irmão. Olha o que está me pedindo.
— E o que você sugere? É muito cedo para eu contar toda a verdade.
Juro que planejei ter essa carta na manga, de contar para meu irmão se algo
desse errado. Mas não imaginava que ele fosse descobrir com três dias de
estadia aqui. Eu preciso ao menos me estabilizar na empresa.
— Merda. Merda...
Agora era minha vez de andar em círculos. A sensação de estar perdida
era a pior coisa do mundo, ou pior, a sensação de me afogar em areia
movediça seria a melhor comparação para essa situação. E não havia um
galho sequer disponível para que eu pudesse me agarrar. Algo que nunca
tinha experimentado, afinal, até nos meus piores momentos, eu tinha uma
noção de que rumo tomar.
— Cate, escute...
— Enrolar Gedeon como?
— Não sei... Eu preciso de ideias também.
— O que você acha que ele vai falar comigo nessa tal reunião?
— Do jeito que eu o conheço? Vai te dar duas horas para sumir da
cidade me abandonando ou escolher ser torturada em algum plano diabólico
dele.
— Ele poderia ter falado isso hoje. Me enxotado de lá.
— Não. Daria tempo para você me contar, e eu poderia interferir. Ele
deve estar planejando um momento em que eu não esteja presente, um
momento em que ninguém possa te defender. Gedeon não dá ponto sem nó.
Desabei na cama, observando meus pés, enfim descalços e livres,
batendo no chão. O nervosismo me consumia, pois era meu destino em
jogo. Além disso, eu era competitiva e agora fazia questão de vencer nesse
farsa junto com Ravi.
— Certo. Ele vai me escorraçar daqui. — Decidi repassar as
informações que eu tinha até o presente momento. — E você quer que eu
lute contra isso, distraindo o seu irmão.
— Primeiro analise a situação. — Ravi sentou-se ao meu lado. — Veja
o que de fato ele descobriu. E então você vai ter que enfrentá-lo e não
permitir que ele te expulse.
Pensei um pouco, mordendo o lábio enquanto possibilidades passavam
na minha mente.
Meu cérebro se debruçou em alguns rascunhos de fanfic que ele tinha
feito e jogou uma cena fantasiosa na minha frente, em que Gedeon chegava
suado, sem camisa e com volume grande na calça, sendo completamente
atrevido, me pegando à força para me beijar. O motivo de eu ter chegado a
imaginar isso não era questão de debate no momento.
— E se ele quiser algo sexual comigo e eu acabar cedendo? — resumi
o conteúdo em uma pergunta para Ravi.
— Será a prova cabal que ele precisa para te taxar como uma
aproveitadora que não me ama. Resista, Catarina. Pelos seus dólares,
resista.

***

— Estou com pena da Cassie — relembrando os acontecimentos de


mais cedo, comentei para Ravi enquanto terminávamos de nos vestir para a
farra do quarteto.
— Meu irmão acha que está protegendo, mas isso só vai gerando
distância e rancor entre eles. Além disso, ele pode acabar reprimindo a
garota a ponto de a obrigar a conhecer caras em sigilo e acabar se metendo
em encrenca.
— Ele tem medo de quê? De que ela engravide...? — Girei em frente
ao espelho, adorando como minha bunda ficou linda na saia preta
levemente curta que escolhi. — Ou tem medo de que ela se machuque
emocionalmente? Ou que se aproveitem dela?
— Bah, que nada, é só ciúme besta mesmo. Implicância de achar que
homem nenhum é bom o suficiente para ela. Cassie já tem vinte e três anos.
— Assim como, na visão dele, nenhuma mulher é boa o suficiente para
você. Acho que o problema maior são as feridas não curadas de Gedeon, e
ele espelha esse medo em vocês.
— Esse é o ponto — concordou, puxando o ar em tom conformado. —
Vamos?
Saímos juntos do quarto. Ravi usava bermuda verde-rico, camisa de
linho bege-milionário e tênis branco-caro. Era engraçado o fato de que
quem já tinha nascido em berço de ouro nem precisava se esforçar para
parecer que tinha dinheiro.
Eu não me importava em tentar parecer algo, então escolhi o que deu
na telha; a essa altura do campeonato, Gedeon já achava mesmo que eu era
a própria Jezabel reencarnada, então coloquei sandálias baixas estilo
gladiadora e saia preta com comprimento acima do joelho. Parecia sensual,
mas contrastava com a blusa branca comportadinha. Era casual, ao mesmo
tempo que mostrava os meus atributos, que não eram poucos. Afinal, eu era
a estrela principal da boate de Gus. Tinha os meus predicados.
— Por que não me contou que ele foi casado?
— Gedeon?
— Sim.
— Ah... Acabei esquecendo, faz tanto tempo, que nem achei que seria
importante.
Por precaução, a festa não seria na fazenda. E eu achava uma grande
besteira ter todo esse sigilo e segurança só porque um juiz iria farrear. Por
isso, quando descemos as escadas, um funcionário estava na sala nos
aguardando para comunicar que seria o responsável por nos levar até o local
da festa.
E o pior: eu teria que ser vendada a pedido dos anfitriões.
— Como... assim? Vendada, tipo... uma coisa nos meus olhos? —
Estava atônita.
— É ordem do senhor Gedeon — o homem informou. — Todas as
mulheres precisam.
— Ravi. — Eu me virei indignada e olhei para o meu amigo. — Olha
isso!
— Ela não precisa. É minha noiva, não vai vender informação alguma
para páginas de fofoca.
— Um momento, senhor. — O homem de quase dois metros se afastou
já com um celular na orelha. Após alguns segundos, voltou sem demonstrar
qualquer mudança de expressão. — O senhor Gedeon permitiu. Podem
entrar no carro, por favor.
— Porra, estou me sentindo como se estivesse indo para o Big Brother
— cochichei para Ravi ao lado dele, no carro.
Era uma propriedade particular em um local afastado. A bela cidade
ficou alguns quilômetros para trás, o que deixava mais claro que sigilo era o
que o meritíssimo Santiago mais prezava.
Dois homens abriram um portão para o carro, que seguiu por mais uns
metros até parar na casa iluminada, tão formosa quanto a de Gedeon, porém
menor, evidenciando sua casualidade apenas para momentos, e não
moradia. E assim que descemos, percebi que outros carros estavam
chegando junto conosco. Eram as convidadas, e estavam mesmo vendadas.
Já tinha lidado com alguns ricaços em Nova Iorque, mas nenhum
tivera esse cuidado em não manchar a própria imagem diante da opinião
pública.
Inesperadamente, dois homens, acho que seguranças, receberam algum
comando de João Bento e foram rapidamente em direção às meninas. As
coitadas só queriam beber, transar e tirar algumas fotos para ganhar likes,
mas ainda estavam confusas quando tiraram as vendas e foram abordadas
pelos dois homens.
— O que eles estão fazendo? — questionei a Ravi.
— Tomando os celulares delas. Para evitar tretas como da última vez.
— O que houve?
— Vídeo do Antônio Santiago em uma jacuzzi com garotas. Não é
bom para a imagem dele.
As mulheres tentaram contestar, mas os seguranças venceram, e elas
foram obrigadas a entregar os celulares. E o mais absurdo é que logo em
seguida, vi João Bento fazendo sinal na minha direção, e os homens vieram
para cima de mim.
— Com celular não entra, senhorita.
E pelo olhar de Ravi, ele não ia interceder por mim dessa vez.
Observei as mulheres entrando animadas. Tive de entregar o meu.
— Engraçado que só pegou os das mulheres — observei, revoltada. —
Os seguranças não pediram o seu e provavelmente nem os dos anfitriões.
— Porque nenhum deles vai postar algo para foder com a própria
imagem. Vamos dançar. É até bom para nós dois, vamos nos divertir
sossegados.
Apertou a minha mão, me conduzindo para dentro da casa.
Quatorze
CATARINA
Era um churrasco de rico. Não era surpresa que houvesse churrasco em
uma festa aqui no Rio Grande do Sul, somado ao fato de que havia um
churrasqueiro entre os anfitriões. E o mais triste é que, depois de tanto
tempo fora do Brasil, eu não ia poder me divertir participando de um bom
churrasco com música brasileira e cerveja.
Por enquanto, eu tinha visto apenas João Bento, que tinha ido nos
recepcionar; me flagrei curiosa conforme me aproximava do pátio, como
Ravi havia informado. Música aparentemente sertaneja dançante veio ao
meu encontro, além do cheiro irresistível de alguma coisa assando,
provavelmente pelas mãos de fada do Gedemônio.
Paralisei, observando tudo. A arquitetura do lugar tinha sido pensada
propriamente para festas.
Primeiramente, saímos em uma área coberta, repleta de sofás da
melhor qualidade, poltronas fazendo conjunto, possivelmente para
conversas a dois, e mesinhas onde as pessoas poderiam comer, beber e
conversar. Mas, conhecendo aquelas pessoas, acho que usariam a área
aconchegante para baixaria.
A luz era baixa, perfeita para momentos mais íntimos.
A pista de dança foi dividida entre uma parte mais baixa e, três
degraus acima, a outra parte mais alta, além de um telhado de vidro
rodeando parte da pista e da área de lazer, que foi projetada oposta ao bar e
à cozinha, onde o churrasco era preparado por Gedeon e outros dois
auxiliares.
E, por fim, tinha a piscina, que ficava na lateral da casa, abaixo da
sacada de um quarto. Três degraus acima da piscina estava a famosa
banheira ofurô, onde cabia fácil umas oito pessoas.
Diferente da varanda confortável, o local de lazer era muito bem
iluminado, com varais de lâmpadas entrelaçados nas vigas grossas de
madeira e refletores na pista de dança.
Gedeon botou os olhos em mim na hora que chegamos a essa área, e
percebi quando seus olhos deslizaram exatamente para a minha mão
agarrada a de Ravi, então ele fingiu ignorar. Nem veio nos cumprimentar.
— Boa noite. — Acenei para todos, recebendo um olhar demorado
tanto das mulheres como dos homens.
— Até a meia-noite, um barman poderá servir vocês no bar, podem
pedir o que desejar — Bento avisou aos recém-chegados. Até agora, nem
sinal do poderoso Santiago. Bento continuou: — A carta de vinhos e o
menu estão no bar para a escolha. Depois da meia-noite, é por conta de cada
um, mas certamente ninguém vai saber mais o que está engolindo. — Ele
riu junto com os outros convidados.
Havia mais ou menos umas vinte pessoas. Ravi se prontificou a ir
buscar bebida para ele e para mim, me deixando sozinha com o delegado.
O delegado era um homem de presença, além de ser um gostoso. Sua
altura — possivelmente o maior do quarteto — era intimidadora demais,
além do fato de que ele parecia ler a alma da pessoa com os olhos. Engoli
em seco diante da expressão severa e meio desafiante dele. Talvez eu
estivesse enganada sobre Cassie ter interesse justo nesse homem, que era o
oposto de toda a delicadeza dela.
— Gostando do lugar, Catarina? — A voz me deixou arrepiada.
— Muito. Adorei. É algo que não fazia parte de minha rotina...
— Uma rotina bem restrita em Nova Iorque, não é? Bem diferente
mesmo. — Notei uma pitada de ironia. Bosta! Com certeza, ele também já
sabia, pois o linguarudo deve ter comentado. Na verdade, pelos olhares que
recebi, todos deviam achar que eu era uma prostituta enganando o pobre
Ravi.
— Pois é. Era tudo muito corrido. Não tinha tempo para nada...
— Imagino. Tu dava duro. — Outra alfinetada debochada, e ele quase
sorriu maldosamente.
Ravi chegou, me entregando uma taça de vinho, ao mesmo tempo que
Nero apareceu junto com Santiago. Eles cumprimentaram a todos apenas
acenando. Nero foi em direção a Gedeon, que estava cuidando do
churrasco, e Santiago veio em nossa direção.
— Catarina. Ravi — cumprimentou secamente, com as mãos nos
bolsos da bermuda preta, assim como a camisa de manga curta que continha
os três primeiros botões abertos. Porra, ele era um vampiro? Até a roupa de
banho era preta. — Sintam-se em casa. Nero está oferecendo um menu
vegetariano para vocês. Há quartos prontos no andar de cima, caso
precisem. Bento, preciso dar uma palavrinha com você. — E já foi se
afastando, levando o delegado.
— Qual é a desse cara? — sussurrei para Ravi. — Gostoso e lindo de
doer, mas me gelou o sangue quando começou a falar. Ele é o Drácula? —
Ravi riu, me levando para a área confortável das poltronas, onde a gente
podia apreciar a festa inteira.
— Apareceu por aqui há uns cinco anos. Mas logo fez amizades e
firmou raízes. É solteiro, tem mansões, carrões. Tem fama de ser pulso
firme, mas é elogiado por ser justo.
— Afinal, ele é um juiz, não é?
— Sim, é o que se espera de um juiz. Dizem por aí que muita gente
teme cair nas mãos dele no julgamento, porém Santiago jamais cometerá
uma injustiça no seu ofício.
— Interessante. — Tomei um gole de vinho e, me curvando em
direção a Ravi, confessei: — Eu teria medo de ser julgada por ele. Mas iria
fácil para a cama dele.
— Meretriz — Ravi cochichou, rindo.
— Você também iria, para de ser fazer de santo.
— Bah, tchê. — Rindo, brindamos.
— Também percebi que ele não tem sotaque gaúcho — comentei.
— Talvez uma ou duas palavras, pelo hábito. O Nero também não tem,
afinal é de família italiana.
— O Gedeon só tem amigo meio malvado, né? Porque esse Nero tem
cara de ser um tirano.
— Depois assista a uma edição do programa em que ele era jurado. O
homem era o próprio diabo. No entanto, tem mãos mágicas. Nunca comi
uma comida tão boa como a que ele faz. Você mesma experimentou. O
coração de Nero só se expressa na comida, nada mais.
— Muito boa mesmo. E por falar nisso, estou morrendo de ódio de
você por não poder experimentar o churrasco do seu irmão. Esse cheiro está
me matando. Daria tudo pela picanha do Gedeon.
Ravi gargalhou, como se tivesse contado uma piada muito engraçada.
Eu apenas sorri com ele, voltando a admirar a festa.
Conforme o tempo passava, a festa se tornava mais quente. Um grupo
de mulheres estava fazendo strip-tease para os homens. Tiravam a roupa,
mexendo sedutoramente o corpo, revelando biquínis minúsculos, para em
seguida entrar na banheira.
Se eu pudesse mostrar o meu dom, eles iam ver o que é dança
sedutora.
Todos estavam muito relaxados, curtindo a noite, e eu tinha certeza de
que a segurança por não ter um celular por perto para ameaçá-los os
deixava tranquilos e soltos.
A música não era nada muito elaborada, parecia um sertanejo animado
que eu não conhecia, mas gostava da batida. Mas ao ver Bento e Gedeon
cantando juntos a plenos pulmões tive certeza de que eram músicas
regionais.
Te quero tanto
Torrão gaúcho
Morrer por ti me dou o luxo
Querência amada
planície e serra
os traços que me puxa da linda mulher gaúcha
Beleza da minha terra!

— Meu irmão adora esse tipo de música gaúcha. Eu prefiro um bom


pop. —Ravi explicou ao meu lado também observando o delegado e o
churrasqueiro berrando a letra da música.
As garotas correram para o ataque. Havia outros homens, mas todas só
queriam um dos quatro amigos.
Uma mulher estava sentada no colo de Nero, bebendo a cerveja dele
no gargalo, a outra puxou Bento para dançar, tirando a camisa dele e
permitindo que ele desse uma chupada em seu pescoço enquanto dançavam
coladinhos.
O homem não era só enorme, aparentemente tinha uma pegada de
derreter. Ele segurou-a de jeito, correu a língua pelo ombro e pescoço,
afundando os lábios ali, em um beijo que marcava território.
Do outro lado, o juiz parecia ameaçar uma outra mulher, agarrando a
cintura dela enquanto falava alguma coisa no seu ouvido, o que a deixou
levemente surpresa.
Uma morena peituda esbelta estava colada em Gedeon desde o jogo.
Ela pescou uma cereja de seu drinque e colocou na boca dele. Revirei os
olhos sem perceber.
Joguei a preocupação para o ar, dando um puxão na mão de Ravi.
— Vamos dançar?
— Não parece apropriado para o seu personagem — gritou, meio
zombeteiro.
— Venha logo. — Tomei a taça da mão dele, deixei numa mesa junto
com a minha, e corremos para a pista.

Ir trabalhar amanhã é o cacete.


Hoje é só farra, pinga e foguete.

— Você é bom na pegada! — gritei no ouvido dele.


— Fiquei com um forrozeiro uma época — disse no meu ouvido,
arrancando uma gargalhada de nós dois.
Eu queria arrebentar na dança, porque era isso que eu sabia fazer. Ia
deixar todo mundo de queixo caído, mas tive de fazer a linha “bobinha sem
experiência”, pois sabia que tinha pares de olhos me vigiando. E como eu
previa, assim que fui buscar comida, o anfitrião se aproximou, depois de ter
me ignorado o tempo todo.
A comida estava distribuída em uma mesa de buffet na área coberta. E
como Santiago tinha avisado, havia uma plaquinha indicando aperitivos
vegetarianos.
— Nero providenciou do restaurante dele. — Ouvi a voz de Gedeon e
elevei o rosto, o encontrando bem ao meu lado. Um tesão, usando jeans e
camiseta regata preta. — Para o meu irmão, que é vegetariano.
Os cabelos lisos lindamente desgrenhados evidenciavam que já tinha
curtido bastante.
Em seu rosto, o convite para um duelo. Olhar parado, lábios apertados
em uma linha raivosa. Eu não ia dar o palco que ele queria.
— Eu também sou. — Dei de ombros e rapidamente escolhi um
canapé verde. Não era a picanha suculenta de Gedemônio, mas estava uma
delícia. — Gostei dos seus amigos. Parecem pessoas legais.
— Vindo de você, não consigo saber se é um elogio ou um desejo.
— E eu não consigo entender o que você tem contra mim. Se tiver algo
concreto, além de conjecturas de sua mente sórdida, por favor, me diga. —
Mastiguei vagarosamente, atraindo para meus lábios os olhos famintos dele.
— Não tenho nada contra ti. Tenho apenas o desejo de proteger meu
irmão.
— Engraçado que, nessa noite, essa casa está repleta de mulheres
evidentemente interesseiras, se atirando em você e em seus amigos, mas, na
sua cabeça, eu sou a ameaça.
— Não tenho com o que me preocupar quando conheço o inimigo. Sei
o que elas querem e o que procuram. Você, não.
Sorri de lábios fechados, fitando o homem à minha frente. Pela sua
fala, dava a entender que ele ainda não tinha certeza, não tinha nada
concreto sobre mim, o que era bom.
— Seria mais cômodo para você se eu me atirasse neles como uma
sirigaita?
— Bem capaz, tchê. Tu parece familiarizada nesse quesito, não é? —
Gedeon rosnou, ironizando bem na minha cara.
— Deveria se tocar e parar de ofender as pessoas gratuitamente.
— Se toca tu, pois...
— Não, Gedeon. Não me toco. Tenho meu noivo para me tocar por
mim. — Pisquei para ele e lhe dei as costas, cansada desse papo. Tanta
mulher se digladiando para ser notada por ele, mas o homem ficava no meu
pé.
Quinze
CATARINA
Depois de uma longneck e duas taças de vinho, eu sabia que tinha de
parar, ou acabaria dando vexame e colocando o plano de Ravi a perder. Eu
era a noiva modelo, precisa ter postura de noiva modelo.
Os caras se divertiram como se não houvesse amanhã. Beijaram as
garotas, tiraram a roupa e entraram na jacuzzi, dando amassos nelas na
frente de todo mundo. Vi o momento em que Santiago fez uma gozar.
A hipocrisia reinava ali, pois os mesmos que julgavam o
comportamento feminino eram os primeiros a descerem a ladeira da
perversão. Para se divertir com eles poderia ser qualquer uma, mas para
cogitar entrar na família, tinha de ser praticamente canonizada.
A festa era regada a bebidas da melhor qualidade. O lado bom é que
não eram ricos mão de vaca; Gedeon e os amigos ofereciam o melhor. E eu
estava impressionada, nunca imaginei que um juiz e um delegado podiam
ser tão safados daquele jeito.
Não era a toa que esse lugar foi batizado de galinheiro.
Ravi já estava bem tonto e se jogou na pista de dança com as outras
mulheres, inclusive entrando na brincadeira em que uma mulher colocava
um copinho de shot nos peitos e eles tinham de pegar com a boca.
— Tu nem se importa de ver teu noivo praticando essas bobeiras? —
Gedeon, mais uma vez, veio me azucrinar.
— Aparentemente você é que não se importa de ver seu irmão
comprometido participando dessa baixaria. Parece que sua régua moral só
funciona para mim.
— E talvez você não se importe, pois é o dinheiro dele que te
interessa.
— Não foi você que me disse que o Ravi não tem dinheiro? Só você, o
poderoso Gedeon ricão e cheio de posses? — Ouvi uma das meninas gritar
que queria brincar de “eu nunca”, e antes que Gedeon me respondesse, eu
levantei correndo gritando: — Eu quero, eu quero brincar!
Eles colocaram as bebidas no meio e sentamos em círculo. E até
fizeram um juramento, que Antônio Santiago, gostosamente só de calção de
banho, ordenou.
“Eu juro dizer somente a verdade e que as informações ditas aqui
ficam entre a gente. O que acontecer nessa noite fica nessa noite.”
E ele mesmo começou:
— Eu nunca fingi estar dando busca em prédio onde uma gostosa mora
para fugir do marido dela. — Tinha soado muito específico, ele não bebeu,
mas começaram a gargalhar, como uma piada interna.
— Vai se foder, meritíssimo — Bento disse, pegando um copo e
virando a bebida na boca. — Fez isso só para me delatar.
— Quer compartilhar a experiência com a gente, Bento? O corno
acreditou em você?
— Te apura, Nero. Depressa, é a sua vez — ele rosnou em meio a um
sorriso. As mulheres riam como hienas.
O próximo foi Nero. Ele era um homem muito elegante, discreto ao
mesmo tempo que bem sexy. O fato de ser levemente grisalho o deixava
ainda mais atraente. Colocou vodca em um copinho e o segurou indicando
que ia beber.
— Vou delatar metade dessa roda. Eu nunca fiz sexo a três. — Em
seguida, entornou a vodca na boca, e os amigos também beberam ao som de
risadas.
Bando de pervertidos.
— Todos vocês já fizeram ménage? — Ravi perguntou, chocado.
— Porra, você não, Ravi? Tem que experimentar — Gedeon gritou,
meio escandaloso. Ele não me respeitava como noiva do irmão.
— E quando é o único homem da equação, a coisa é ainda mais
saborosa — Bento respondeu, e os outros riram, concordando. As mulheres,
deslumbradas, como se não fossem vistas apenas como objetos. Eu já estava
com os nervos à flor da pele.
— Agora sou eu. — Uma loira-modelo-bronzeada chamou atenção
com o copo erguido. — Meninas, desculpem, vocês vão ter que confessar.
Eu nunca chupei e engoli. — Desesperada, olhei para as safadas, rindo feito
hienas e virando copos de bebida.
Acho que Ravi já tinha feito isso, mas eu, nunca. Jamais tive um
parceiro que me desse confiança o suficiente para isso. Quem nunca tinha
tomado um leite na cara que jogasse a primeira pedra, mas engolir, eu
estava imune.
E tinha um par de olhos bem ali esperando minha resposta. Ravi só
despistou, fingindo que não tinha ouvido, e eu iria sair por cima, encarando
meu julgador. Cruzei as pernas, colocando de lado meu copinho.
Postura de futura senhora Barreto, minhas queridas. A personagem
aqui não engolia leitinho de macho.
— A maioria dos caras estão bem servidos. Menos o Ravi! — alguém
gritou, era um cara que eu não conhecia.
Quase enrubesci, se eu não fosse tão descarada. Sorri sem graça.
— Mas por que isso é algo que importa para o homem? — indaguei,
levantando uma militância em meio a bêbados. — Sexo só é bom se a
mulher engolir?
— Lógico — o juiz afirmou em um tom muito confiante. — Que graça
tem ver a mulher cuspir o leite que a gente deu com tanto carinho?
— O gozo é precioso demais para ver elas jogando fora — Bento
concordou. — Tem que engolir tudinho, fazer a limpeza completa.
— Mas, para isso, o cara tem que fazer o serviço bem-feito, não é,
meninas? — gritei em direção às mulheres, que não pareciam querer
concordar comigo. Vacas que queriam agradar esse bando de macho.
— Algumas sugam com desejo cada gotinha, essa é a função delas e
ponto final. — Bento frisou e já emendou: — Já tive curiosidade de saber
qual o gosto de porra.
— Tem gosto meio salgado, com toques agridoce e meio metálico,
como se estivesse provando banana verde, mas sem o gosto de banana. Mas
varia de pessoa para pessoa. — Quem disse isso, acreditem, foi Ravi. Quase
morri ali mesmo. E todo mundo ficou calado, paralisado, olhando para ele.
Acho que Gedeon nem respirava. Só Nero que falou:
— Puta que pariu, até se parece comigo dando nota para algum prato
no programa em que fui jurado.
Mas meu noivo percebeu o fora que deu e rapidamente consertou:
— Palavras da minha noiva aqui.
E lá estava eu mais uma vez na fogueira da safadeza, com Gedeon me
julgando intensamente com seus olhos inquisidores.
— Então vai ter que beber a vodca — as mulheres gritaram fazendo
algazarra.
— Tentou trapacear, né, Catarina?
— Vira logo. Aqui ninguém vai te julgar por beber o leite do seu
noivo.
Calada, desmoralizada, tripudiada, tive de beber para não descobrirem
que meu noivo fazia essa modalidade com o namorado dele. Eu queria dar
uns tapas em Ravi.
— Será que o pobre Ravi está passando necessidade, com chupadinhas
amadoras no membro dele? — uma sujeitinha falou, levantando
gargalhadas na roda. Ela estava insinuando que eu não sabia chupar?
Os quatro desgraçados pareciam gostar de me ver avacalhada,
escolheram o lado do amigo Gedeon, que com certeza já tinha contado
absurdos sobre mim.
Então fiquei de pé e todo mundo se calou. Saí da roda, ouvindo Ravi
me chamar ao som do silêncio que se fez. Certamente achavam que eu
fiquei constrangida e estava me retirando, algo que, se eu fizesse, só me
daria um rótulo de chata fresca.
Mas minha ausência foi rápida. Foi o suficiente para ir até a bancada
onde eu tinha visto uma fruteira. Peguei uma banana e voltei.
Sentei-me de volta no meu lugar.
— Engana-se quem acha que mão é tudo. — Segurei a banana na
frente do meu rosto, tendo toda a atenção para mim.
— Não precisa fazer isso — Ravi sussurrou.
— Shiu. Escuta — cochichei para ele, voltando a explicar, confiante:
— O segredo de um boquete perfeito é a submissão do olhar e o desejo
explícito.
Gedeon nem piscava, me assistindo, assim como os amigos dele que
não riam mais. Com calma, descasquei a banana, que era grande e curvada.
— Então quando você ajoelhar em frente ao cara, de preferência
amarre os cabelos. Alguns vão tomar a iniciativa de amarrar, e, por favor,
deixe que façam isso. O tesão dele vai triplicar, pois vai sentir dominando a
situação.
Firme, mas com delicadeza, segurei a banana na minha frente, sem me
importar com o que estavam pensando. Não havia quase nada de
introspecção em Roxy, que ganhava a vida tirando a roupa para homens
estranhos. Diferente da personagem que eu tinha de interpretar. Catarina,
noiva de Ravi, deveria ter aceitado as risadinhas, mas eu estava deixando de
ser ela pouco a pouco.
— Se tiver bem duro como essa banana — falei, arrancando umas
risadas — você não segura imediatamente. Fique de joelhos em frente a ele,
segure nas coxas do homem e passe a língua assim, das bolas até a
pontinha, como se você estivesse tentando capturar aquela gotinha que
escorre em um picolé. Faça isso sem cortar o contato visual com o
felizardo; sério, eles piram só em ver a pessoa ajoelhada diante do pau e
olhando para cima como se implorasse. — A seguir, fiz na banana como
tinha acabado de falar, passando minha língua em todo corpo até chegar à
ponta. — Em seguida, ainda sem tocar, chupa a cabecinha. Assim. —
Chupei de leve a banana fazendo um biquinho com os lábios.
A plateia estava metade em silêncio, outra metade cochichando com
sorrisinhos, apenas Gedeon parecia prestes a interromper tudo e mandar
Ravi me tirar dali. Ele não conseguia esconder como minha performance o
afetava.
— E em seguida — eu continuei —, ainda sem usar as mãos, peça para
ele foder a sua boca. Mas atenção, só peça se você souber o que fazer. Ele
vai segurar seus cabelos e introduzir até onde sua agilidade permitir.
Quando fui fazer na banana, vi um vulto se erguer com truculência. A
banana foi arrancada da minha mão por Gedeon e ele a partiu no meio com
fúria.
O cara simplesmente interrompeu meu boquete cenográfico e ainda
partiu a banana que fazia o papel de rola.
— Os dois, aqui comigo agora. — Rosnou intimando Ravi e eu. Em
meio às risadas, levantamos, obedecendo-o.
— Isso que está fazendo, envergonha o meu irmão. — Apontou para
mim, raivosamente.
— Mano, ela só estava entrando na brincadeira.
— Não vi como brincadeira. Sua noiva precisa ter postura, as outras
gurias são solteiras e desimpedidas, ela é noiva de um Barreto e não pode
ficar fazendo essas coisas. — O homem estava puto. E eu não entendia o
motivo do surto.
Calada, eu apenas escutava o churrasqueiro espumando de raiva por
algo que a maioria das pessoas bêbadas nem tinham dado importância.
Depois do sermão, voltamos para a roda.
— É isso aí — Ravi falou, erguendo um copo. — Acho que sou o mais
bem chupado daqui. Não é à toa que vou me casar com ela.
O jogo continuou; após o meu show, Ravi e eu nos entrosamos mais na
brincadeira deles, o que nos levou a ingerir um pouco mais de álcool. Eu
ainda menti muitas rodadas, mas Ravi não estava nem ligando e acabou
dando vexame, caindo contra as pessoas e reclamando que ia vomitar.

Ele estava terrivelmente bêbado, quase vomitando as tripas no canteiro


de flores do belo jardim, pois não foi capaz de chegar até o banheiro. Eu o
ajudava, segurando-o para que não caísse de cara no chão. Não porque eu
queria me mostrar, mas porque era o meu amigo e não poderia deixá-lo
desamparado.
— Se sente melhor? — perguntei quando ele enfim parou de vomitar,
ajoelhando ali no chão.
— Ah, Roxy, meu amor, eu amo um homem e não posso falar para
todo mundo.
— Shiu. Você está doido, porra? — Dei um rápido cascudo nele
enquanto tentava colocá-lo de pé. — Não acredito que você é o tipo de
bêbado sincero.
— Não me xingaaa... por favor.
— E meu nome é Catarina. Seu irmão está vindo, fecha a boca.
— Ele está melhor? — Gedeon perguntou, trazendo uma toalha de
rosto e me entregando. Eu a usei para limpar a boca de Ravi.
— Ravi não sabe beber. É fraco para bebida, mas também muito
teimoso.
— Ao menos conhece ele em algum aspecto — Gedeon me alfinetou.
— Vou levá-lo para o quarto.
— A Catarina me bateu na cabeça, Gedeon — Ravi me delatou,
provocando em mim vontade real de bater nele mesmo, ainda mais porque o
churrasqueiro simplesmente direcionou seu olhar desconfiado na minha
direção. A única coisa que fiz foi revirar os olhos e ajudar a pegar Ravi para
o levar para o quarto.
Colocamos Ravi de pé e o arrastamos para dentro da casa, deixando a
festa acontecendo na área externa. Subimos a escada um degrau por vez,
levando Ravi, que aparentemente estava apagando, o que era bom; ia calar a
boca. E mesmo Gedeon sendo um touro forte, ainda era complicado arrastar
um homem do tamanho de Ravi desprovido de suas habilidades motoras.
Jogamos o bêbado na cama de um dos quartos. A casa, aparentemente,
era de Santiago, mas Gedeon parecia conhecê-la muito bem. Tirei a camisa
suja de Ravi enquanto Gedeon foi ao banheiro umedecer a toalha, para que
eu limpasse o resquício de vômito no rosto e no pescoço do irmão. Eu tirei
os sapatos dele e fiquei ao lado de Gedeon, observando nosso garoto
desmaiado.
— Houve episódios como esse enquanto estavam nos Estados Unidos?
— ele me perguntou.
Certamente, mas com Juliano sendo o responsável por ajudá-lo.
— Uma vez apenas — menti. Eu não sabia.
— Sinto falta de cuidar dele. — Gedeon suspirou, confessando.
— Ele é um homem adulto.
Lançou em mim pura repreensão com o olhar, como se eu tivesse
acabado de dizer um absurdo.
— Sinto falta de guiá-lo em um caminho de segurança — Gedeon se
corrigiu. — Tenho medo da maldade do mundo sobre meu irmão.
— Nunca te passou pela cabeça que precisa deixá-lo enfrentar a vida
sozinho? Errar, vencer, aprender, sofrer...
— Por que, se isso pode ser evitado?
— Evitar que seu irmão tenha uma história própria? As dores fazem
parte da construção de uma história.
Gedeon botou as mãos na cintura e meneou a cabeça enquanto me
julgava com o olhar.
— O que tu sabe sobre dores? Pela história que contou para minha
família parece uma guria que sempre teve tudo, exceto pelo problema do
seu pai. É fácil sentar em um trono impecável feito de pura sorte e dizer que
dores são necessárias.
Engoli firmemente a vontade de gritar que ele não imaginava um por
cento do que passei na vida. No entanto, não cabia aqui um espetáculo de
vitimismo da minha parte. Com a mesma medida que sofri, me ergui todas
as vezes sem precisar culpar ninguém.
— Não preciso te explicar nada. Há um mundo de segredos no coração
de uma mulher.
— É justamente esse mundo no coração delas que é a parte perigosa, a
parte que vai pegar o homem desprevenido. Porque eu acho que tá pra
nascer o cara capaz de entender o mundo secreto do coração feminino.
— Tá para nascer mesmo, afinal homens não entendem o que está a
um palmo à frente do nariz deles. Mas, voltando ao assunto Ravi, é estranho
e sufocante o que você faz com os relacionamentos do seu irmão.
Gedeon continuava me encarando bem interessado; as marcas de
expressões o deixando mais lindo.
— Tentando me convencer de algo, Catarina?
— Não preciso te convencer a nada. Meu compromisso é com ele, é só
a ele que devo alguma explicação.
— Bah! É uma pena para ti que eu tenha voz nessa família. Se eu
disser que não é boa para ele, então não será boa para ele. Ainda mais uma
sem-vergonha que simula boquete em meio a outras pessoas. — Virou as
costas e simplesmente saiu do quarto. E isso me irritou profundamente. Não
havia crianças aqui que precisassem de cuidados. Era até mesquinho que ele
espelhasse suas feridas nos relacionamentos dos irmãos.
Heróis não cobram pedágio. Mas Gedeon empurrava seu heroísmo
goela abaixo de todo mundo, enquanto alardeava aos quatro cantos sobre
seu altruísmo.
— Ok, agora você vai me dizer o que tem contra mim. — Eu o segui
pelo corredor.
Esnobando minha presença, ele nem mesmo se virou, nem parou um
segundo, continuou caminhando, reagindo como se eu fosse um mosquito
zumbindo ao lado dele. Abriu a porta de um quarto, espiou, fechou e foi
para o próximo.
— Gedeon, eu quero que me diga o que acha que estou escondendo.
Não acha que eu devo saber para ao menos tentar me defender?
Era como um deus poderoso que não dava satisfação a ninguém.
Continuou caminhando em direção ao próximo quarto. No meio do
caminho, arrancou a camiseta.
— Será que pode ser um pouco menos babaca…? Só me conte de uma
vez por todas, para que eu possa tentar me explicar.
Então estancou na porta de um quarto e me deu sua atenção como se
fosse um brinde de Natal.
— Por que acha que eu tenho algo contra você? Está escondendo
alguma coisa e tem medo de que eu descubra?
— Você está me induzindo a pensar isso desde que nos conhecemos, e
para completar convocou a minha presença segunda-feira no seu escritório.
— E como tem rabo preso já imaginou que eu descobri algo, não é? —
Cinicamente sorriu, me dando um xeque-mate. — Porra, Catarina, tu nem
se esforça para disfarçar.
Ele entrou no quarto, e completamente cega e irritada, eu o segui. Era
um quarto masculino, diferente dos outros, e Gedeon parecia conhecê-lo.
Abriu um armário, procurou até encontrar uma camiseta, mas não a vestiu,
jogou-a no ombro; então tirou o celular do bolso, mexeu em algo e me
entregou.
— Olhe — ordenou.
Tensa e muito cautelosa, dei um passo à frente, como se fosse cair
numa armadilha, e segurei o celular. Era eu, como Roxy. Não fazia ideia de
onde ele tinha conseguido, mas era real. Ele tinha uma prova concreta
contra mim.
Pairou sobre mim, como um espírito do mal. Senti a presença de
Gedeon bem colada ao meu corpo, por trás, e ouvi sua voz sussurrar de
forma contundente e maldosa:
— Eu ia te falar isso na segunda-feira, mas já que quis adiantar as
coisas, aqui vai: tu tem quarenta e oito horas para terminar com o meu
irmão e sumir da vida da minha família. Roxy.
— É só isso que tem contra mim? Uma foto? — questionei, olhando
fixamente para a foto no celular.
Gedeon o tomou da minha mão.
— E precisa mais do que isso? Acha que Ravi vai ficar feliz sabendo
que a noiva dele inventou uma vida falsa só para ludibriá-lo? Eu ainda estou
sendo benevolente de dar quarenta e oito horas.
— Eu não vou embora. — Virei-me para ele, enfrentando-o.
— Não vai? — A surpresa era quase engraçada no rosto de Gedeon,
parecia que eu era a primeira no mundo a contestá-lo.
— Não vou. Essa na foto não sou eu. — E não era mesmo. Era Roxy, a
personagem que eu interpretava. — Isso pode ser uma montagem de
computador, qualquer coisa.
— Sua cínica do cacete. — Rugiu com entonação no “e” por causa do
sotaque — Você está brincando com fogo em me enfrentar, guria. Pega tuas
trouxas e some da minha vida...!
— Sua vida? — Agora foi minha vez de dar a ele uma risada
sarcástica. — Eu não estou na sua vida, Gedeon Barreto.
Parecendo ter sido pego no flagra, ele ficou sem reação enquanto a
raiva sexy consumia seu olhar de lobo voraz. Eu continuei:
— Você se acostumou a ter o controle de tudo, mas não é dono do
mundo.
— Cala a boca, tu me irrita.
— Eu vou me defender dessas acusações infundadas. Mostre essas
fotos para todo mundo, diga a eles que eu sou o que você acha que sou...
— Não acho, tenho certeza. Uma stripper de quinta categoria que
ganhava a vida entretendo homens e agora enfiou as garras em um herdeiro
bobo. — Ao passo que destilava as acusações, ficava mais próximo, falando
bem perto do meu rosto. — Você inventou até mesmo um estilo de vida só
para agradá-lo. Diz que é moça direita, mas estava dançando mostrando o
rabo...
— Dançar agora é crime?
— Não, mas para ti, que fez a maior propaganda de guria certinha filha
de Deus, é bem duvidoso, sim. Tu não cansa de trovar[4] fiado por aí.
— Está tentando cavar defeitos em mim... só porque eu te irrito?
— Tu acha que aquela pouca vergonha que fez lá embaixo, usando
uma banana, é coisa de mulher de bem?
— Não estávamos todos falando do mesmo assunto?
— Deveria ter um pingo de postura e decência se quer usar o nome da
minha família. Coisa que não vai acontecer. Eu vou te expulsar da vida da
minha família por bem ou por mal. E eu te aconselho que escolha sair por
bem.
Então foi a minha vez de perder a fala ao absorver toda a presença
dominante dele sobre mim. Seu calor, seu cheiro, sua voz grossa e rude que
infligia emoções conflitantes em mim. Raiva? Medo? Tesão?
Respirei pausadamente, tomando de volta minha racionalidade, e
decidi revidar de modo que o desestabilizasse.
— Você ficou com tesão, não é?
— O quê? — Suas defesas caíram diante dos meus olhos.
— Ficou de pau duro ao me ver dançar e ao me ver usar a banana.
Gedeon estava incrédulo com a minha ousadia.
— Tu é baixa, Catarina, não vou descer ao teu nível. — Afastou-se de
mim.
— Ah, agora você é o santo aqui? O cara que me disse na cozinha que
gostaria de me comer até eu voltar assada para Nova Iorque? Você é mais
sujo que eu, Gedeon, e só está nessa obsessão para me mandar embora
porque não suporta mais a atração que sente por mim.
— Cala essa boca.
— Você coloca sua ex-esposa na pele de todas as mulheres. Foda-se
que uma te apunhalou, não somos todas iguais.
Imediatamente ele voou para cima de mim feito um rojão
desgovernado e me agarrou, como eu previa. Foi tão brusco, que caímos na
cama. Gedeon me segurou com força, cobrindo-me com seu peso; sua
pegada forte não era agressiva e me esquentou completamente. Até ofeguei
ao ser rodeada por seu cheiro e calor.
Gedeon Barreto, o churrasqueiro estrela, cheirava levemente ao
defumado do churrasco. Mas também tinha uma pitada de algo alcoólico, a
vodca que tomou há pouco, talvez. E, para finalizar, senti uma essência
máscula e não tão carregada, um perfume caro. Mesmo que eu não fosse
uma conhecedora de perfumes caros masculinos, sabia que o dele era. O
dele era perfeito para sua pele e irradiava junto com seu cheiro natural.
— Que merda você está falando? O que você sabe sobre minha vida,
sua interesseira desqualificada?
— Não sei nada da sua vida. Mas acho que você passa uma energia de
pau pequeno. — Saiu da minha boca sem eu sentir, e foi pior que um tiro no
peito dele. O homem foi desarmado na hora.
— O... o quê? O que disse?
— É o que acho. — Cheia de coragem, debaixo dele, mantive minha
palavra, mesmo que não fosse isso que eu achava. — Muito agressivo,
síndrome de dono do mundo, e mulher nenhuma fica com você. Acho que é
pau pequeno.
Antes que ele pudesse reagir ao que eu disse, se é que fosse reagir,
afinal, estava catatônico, ouvimos vozes e saímos da cama. Tinha gente
vindo, e o pior é que não era um dos amigos de Gedeon, porque esses
poderiam ser cúmplices dele. Era um dos caras que havia jogado no time de
Ravi, e estava trazendo uma mulher.
— Olha, ali é um quarto. Vamos até lá — o homem falou, caminhando
pelo corredor.
— Será que não tem gente ali?
— Vamos dar uma olhada e talvez ficar mais à vontade.
Não dava mais para a gente sair pela porta, e o local mais próximo de
onde estávamos era a varanda. E não seria de bom tom que qualquer
convidado flagrasse Gedeon e a noiva do irmão sozinhos no quarto.
Gedeon pensou tão rápido quanto eu e me puxou para fora, saindo para
a varanda, prendendo-me com um braço enquanto nos mantinha escondidos
atrás de uma pilastra.
— Porra, acho que é o quarto do juiz. — Ouvimos o homem dizer
baixinho. — Não mexa em nada, só vamos usar a cama um pouquinho.
Ainda com o braço em volta do meu corpo, mantendo-nos bem
colados, Gedeon abaixou os olhos na direção dos meus. Eu não sei por
quanto tempo nos fitamos calados, como se fôssemos cobaias fáceis do
destino.
Meu corpo, de repente, estava pulsando, pois desde que o vi por foto,
não tive mais sossego. Minha rotina, sempre tão pragmática, realista, longe
de romances e flertes gostosos, parecia ter ficado em outra época. Eu
sempre soube que momentos espontâneos e agradáveis jamais fariam parte
de meu destino, afinal, eu me encarregava de impedir qualquer coisa que
pudesse me enfraquecer.
Eu impedia que homens se aproximassem de maneira íntima.
Eu impedia que meu coração disparasse por qualquer um.
Eu impedia que a atração queimasse meu corpo e me deixasse
arrepiada.
Os que conseguiram chegar à minha cama tinham algo para me dar em
troca.
Mas quando despi minha fortaleza para voltar ao Brasil, não fui capaz
de me defender da bomba chamada Gedeon Barreto.
E era tão maravilhosamente bom experimentar todas as sensações do
corpo, as sensações que eu deveria ter sentido na adolescência ou quando
jovem adulta. Era gostoso experimentar as batidas velozes do coração
ecoando no pescoço, conforme o homem à minha frente me apertava mais
em seu braço.
Eu, a brutal e poderosa Roxy, me vi sensível como uma florzinha.
Sentindo tesão por um homem, de forma natural.
Sentindo desejo de beijá-lo, sem promessa de algo em troca.
Sentindo necessidade de experimentar um tiquinho mais, embora fosse
um erro.
Gedeon era esperto, pareceu ler as minhas vontades e me deu o que eu
queria; o que a gente queria. Segurou com força meu queixo, parou por
segundos, ofegando pertinho da minha boca, pronto para se apossar dela.
— Não faça isso — pedi fracamente. — Será impossível reverter.
Ele não parecia se importar. Fazia o que bem queria. E me beijou.
Eu perdi. Prometi a Ravi que não iria ceder. Mas perdi
vergonhosamente.
Agarrei o seu corpo forte, me odiando por permitir que a boca que
ainda há pouco me ofendia se colasse à minha enquanto nossas línguas se
encontravam, disparando eletricidade pelo meu corpo de uma forma tão
pungente e gostosa, que foi capaz de acertar precisamente minha vagina.
Os lábios macios e vorazes de Gedeon rodeavam os meus com
possessividade, como se me reivindicasse apenas para ele. Havia um leve
arrependimento ali, pude sentir, ele lutava contra si mesmo, lutava contra os
próprios desejos, assim como eu.
Nos lábios quentes como o inferno, encontrei a resistência da sua
racionalidade morrer, sendo pisada pela loucura do desejo. Era bom
reconhecer no outro o que eu mesma sentia.
A boca dele era gostosa, como eu havia previsto.
O desgraçado beijava muito bem, como eu também havia previsto.
Que pegada desgraçada de boa o churrasqueiro tinha. Minhas pernas
amoleceram no instante em que sua mão serpenteou para dentro da minha
blusa e agarrou o meu seio. A mão inteira o cobriu, mas sem desleixo ou de
modo grosseiro. Ele sabia como pegar, ele soube como envolver, me
jogando em um mar de prazer.
— Esses peitos não saem da minha cabeça, sua cobra mentirosa —
rosnou, passando a língua no meu pescoço e dando uma mordida forte no
meu queixo. Foi o suficiente para me despertar do transe. Empurrei o rosto
dele.
— Não... podemos. — Eu me afastei, recostando na grade de proteção
da varanda, ajeitando a roupa e tentando me recompor.
Olhei para ele. A calça jeans estava sem cinto e baixa, revelando um
pouco da cueca e do caminho em V da sua cintura.
— Você não é fiel ao meu irmão. — Gedeon apontou como se
descobrisse um trunfo, vindo até mim e segurando nas barras da grade para
me prender entre seu corpo e a grade de proteção.
— Vai contar para ele que me beijou? — ofeguei, perguntando
baixinho.
— Não.
— Não? — Até me assustei.
— Porque agora estou pensando em como seria bom te fazer engolir
suas palavras junto com meus vinte centímetros de pau, para aprender a
nunca mais ofender um homem nessa parte. Eu me apavoro com tanta falta
de respeito.
— Isso... não vai acontecer. — Eu o empurrei, e ele se afastou uns dois
passos, me olhando da mesma forma que olharia uma picanha suculenta.
— Não vai — concordou e enganchou o dedo no cós da minha saia.
Olhei para baixo, vendo-o brincar com o dedo e puxando a saia um pouco
para baixo.
Dei um tapa na mão dele para afastá-lo.
— Não.
Então a mão inteira enganchou no cós e me deu um puxão para cima
dele.
— Gedeon... porra.
— Você me deve essa.
— Te devo...?
— Por eu não avisar ao meu irmão o quanto infiel é tu, sua putinha de
quinta. — Agarrou minha cintura com brutalidade. Tentei lutar
freneticamente, mas ele foi mais forte. Então me colocou sentada na grade,
e eu envolvi automaticamente minhas pernas no dorso dele. Bastou
trocarmos mais um olhar para avançarmos novamente um contra o outro em
um beijo voraz, cheio de raiva e mais viciante que chocolate. E eu amo
chocolate.
Então ouvimos um barulho no quarto e lembramos que não estávamos
ali sozinhos; no impulso de nos afastar, a grade cedeu e acabei me
desequilibrando e caindo para trás. O grito ecoou da minha garganta, mas
eu estava segura.
Gedeon me agarrou pela saia e segurou com força minhas pernas.
Eu estava pendurada de cabeça para baixo, na varanda do quarto, e se
gritasse mais, as pessoas iam ouvir.
— Me puxa, Gedeon — implorei, desesperada. — Me puxa, pelo amor
de Deus, me puxa. — Gedeon olhou em volta e, do nada, ele me balançou e
me soltou no ar frio da noite.
Achei que seriam meus últimos segundos de vida, já estava quase
começando a me arrepender de meus pecados, quando fui engolida por
água.
A piscina ficava bem debaixo da varanda daquele quarto.
Dezesseis
GEDEON

— Que merda vocês estão fazendo nesse quarto? — Saí da varanda,


entrando no quarto e encontrando um casal quase fodendo na cama. Eu não
estava ligando para o que eles faziam, só tinha de fingir que me importava
para encobrir minhas ações.
Os dois pularam da cama, com os olhos arregalados, meio confusos,
porque a porta estava fechada; eles não faziam ideia de onde eu tinha saído.
Provavelmente se distraíram tanto nas preliminares, que pareciam estar em
outro mundo, o que honestamente era bom: não ouviram o grito de
Catarina.
— Eu estava aqui na varanda o tempo todo. Fora do quarto.
— Desculpa... Gedeon... — o cara balbuciou ainda muito confuso,
olhando para os lados, enquanto a garota já corria para a porta.
— Só saia, rápido.
Assim que eles saíram, vesti a camiseta limpa que peguei no armário
de Santiago. Essa era a casa de verão dele, conhecida carinhosamente como
galinheiro, onde os amigos sempre se reuniam para desfrutar do melhor que
o sigilo poderia oferecer. Depois que Santiago foi pauta em páginas de
fofocas, começamos a tomar mais cuidado.
Corri para a fora do quarto, preocupado com Catarina, que
provavelmente devia estar alimentando um ódio mortal contra mim. O que
não me importava muito.
Eu pensei com rapidez quando ela gritou. Notei que chamou atenção
de algumas pessoas na festa. Eu poderia lidar com meus três amigos; Nero,
Bento e Santiago entenderiam e guardariam segredo se me vissem em
alguma circunstância suspeita com a mulher do meu irmão. No entanto,
havia mais gente ali, praticamente todo mundo de fora do ciclo e ninguém
confiável.
Por isso, eu só pensei rápido, vi a piscina logo abaixo, e mesmo
sabendo que era perigoso, percebi que era a opção mais segura.
Lembrei que Bento já tinha pulado dessa varanda na piscina, não era
tão alto. Minha prece foi apenas para que Catarina soubesse nadar.
Cheguei à área externa da casa a tempo de ver as mulheres ajudando
Catarina a sair da água. Uma lhe deu uma toalha e a ajudou a ficar em pé.
— O que houve? — indaguei, chegando na pose de inocente. Recebi o
olhar mortal da noiva de meu irmão, mas só isso. Ela nada poderia fazer no
meio de tanta gente.
— Escorreguei, não tá vendo? — rosnou feito uma leoa furiosa.
— Escorregou e caiu na água? Eu ouvi um grito...
— É, Gedeon, eu escorreguei. Ou achou que eu caí do céu?
— Tudo bem, não precisa ficar brava. Precisa de alguma ajuda?
— Que você suma da minha frente — rosnou, me deu um empurrão e
passou rápido, indo em direção à casa. Ela precisava de um tempo, assim
como eu.
— Acho que ela bebeu demais. — Ouvi uma das mulheres deduzir ao
meu lado. — Mas acho que sou eu que estou vendo coisas, porque jurei ter
visto ela cair do alto.
— Não importa — eu disse. — Vamos voltar para a festa, que não
pode parar.
A festa não parou mesmo, meus amigos estavam completamente
loucos, curtindo pra valer, enquanto eu disfarçava o caos acontecendo
dentro de mim, remoendo o que aconteceu na varanda do quarto.
Mesmo ainda querendo Catarina longe de nossas vidas, eu não era um
monstro que não iria se importar caso ela se machucasse, então mandei uma
mensagem para ela.

EU: Está tudo bem?

Demorou um pouco, mas visualizou e respondeu.

CataPuta: sua preocupação chegou um pouco tarde.


EU: se eu não te soltasse, as pessoas iam nos flagrar.
CataPuta: e não seria bom para você? Afinal, iria sujar minha
imagem, o que ajudaria seus planos.
EU: não preciso de fofoca das pessoas para me livrar de você. Posso
fazer isso com meus métodos.
Eram tantas camadas, que não sabia como exatamente organizar meus
pensamentos.
Primeiro que mandei toda a razão se foder e fiz o que meu desejo
mandava desde que a vi pela primeira vez. Beijá-la, tocá-la, sentir o calor
do corpo sensual e o perfume feminino. Grande erro: ela só provou ser mais
gostosa do que minha imaginação elaborava, e agora eu queria mais.
Segundo, que fui desafiado com uma ofensa grave e bem idiota.
Quando Catarina botou dúvida no tamanho do meu pau, senti que atingiu
um local que antes era bem seguro, um local que jamais fora alvejado, ao
contrário, sempre inflado pelas mulheres que passaram pela minha cama. O
meu ego estava destruído por uma vaca insuportável e mentirosa.
Minha parte imatura queria revanche, queria provar algo que
tecnicamente não precisava ser provado. Eu sabia que tamanho não era um
problema para o meu pau. Mas a vontade era de fazê-la enxergar isso.
E em terceiro, e bem mais importante, tive a sensação bruta de estar
traindo o meu irmão, mesmo que ela fosse uma mentirosa e não fosse durar
muito na nossa família. A minha moral dizia para eu abrir o jogo com Ravi,
contar que Catarina o enganava seriamente e a observar indo embora para o
quinto dos infernos. No entanto, o egoísmo não deixava.
Ninguém é egoísta por querer realizar seus próprios desejos, mas sim
por ignorar as necessidades do outro.
E eu estava sendo egoísta ao ignorar que Ravi era o foco principal por
aqui, e não a minha vontade absurda de transar com a noiva dele.
E, para completar, o Gedeon mau sussurrava na minha orelha direita
que eu devia experimentar Catarina só uma vez antes de enxotá-la da nossa
família. Porque depois que passei a língua pelo pescoço cheiroso, depois
que encontrei o seio empinado debaixo da blusa dela, depois que a beijei,
quase perdendo o ar, o Gedeon mau não ia descansar até me ver praticar as
maiores atrocidades só para experimentá-la por completo.
Nero foi o primeiro a sumir da festa levando consigo uma das
mulheres. Ele só era um bom moço em público, no quarto era pior que
Satanás.
Santiago saiu da jacuzzi levando duas consigo, o que era comum para
o insaciável meritíssimo. Por fim, Bento pareceu prestes a se trancar
também em algum quarto com uma das mulheres, a mais jovem de todas.
Ele teria de levar a minha também, porque eu não estava no clima.
— Ei, meu chapa, está tudo bem aí? — Aproximou-se de mim, dando
uma batidinha nas minhas costas.
— Sim, está. Vou ficar mais um pouco aqui e depois vou conferir se
meu irmão melhorou. Leva a morena ali contigo, ela está desde cedo de
bico[5] em mim, mas hoje não rola.
— Porra, tchê? Como assim? Vai recusar boceta hoje?
A que eu quero é proibida.
— Cabeça cheia de caraminholas. Pode ser que eu passe vergonha.
— Acabou de chegar aos quarenta e já está dando defeito, Barreto? —
Riu, tripudiando de mim.
— Fala mais alto, pega um microfone e avisa para toda a cidade.
— Foi mal. — Continuou rindo. — É um papo que não quero
prolongar. Depois a gente se fala.
A gata que estava de olho em mim pareceu se ofender com a proposta
de João Bento e preferiu ir embora. Fiquei com pena, ela passou a noite
inteira achando que tinha me pescado, e não era culpa dela.
Pedi ao segurança que a levasse embora e fiquei sozinho na área
externa, ouvindo uma música qualquer, enquanto preparava um chimarrão
só para ajudar na digestão do churrasco que tinha comido mais cedo — e
porque não tinha coisa melhor para ajudar a raciocinar.
Terminei de preparar, suguei um gole e caminhei para o meio da área,
olhando para o que tinha sobrado de comida. Em seguida, sozinho com a
cuia de chimarrão, fiz pose de sofrência dançando a música que tocava em
volume mais baixo, e que não era do meu agrado.
Maldito modo aleatório da playlist de Bento.
Iêêê, infiel
Eu quero ver você morar num motel
Estou te expulsando do meu coração
Assuma as consequências dessa traição

— Que porra é essa? — Ouvi atrás de mim e encontrei Santiago


usando apenas uma cueca preta e um robe preto aberto por cima. —
Ganhou um fora e está fazendo drama?
— Não enche, cacete.
Ele só pegou um litro de bebida e, rindo, voltou rápido para dentro de
casa. Eu continuei sozinho na pista de dança com meu chimarrão.
A música terminou, começou outra que era boa.
Eu odiava estar nessa situação em que não tinha controle das emoções.
Quis voltar até o quarto de Catarina e chamá-la para terminar de resolver
nossas diferenças, mas eu deveria ter um pingo de respeito pelo meu irmão.
O que essa desgraçada tinha que conseguia me revirar do avesso contra
a minha vontade? Embalado agora pela música dos Monarcas e minhas
ponderações, voltei a dançar.

(Quando eu entro num surungo minh'alma fica serena


Me sinto dono do mundo bailando com esta morena
Me sinto dono do mundo bailando com esta morena)

Mexendo-me como se tivesse abraçado a alguém em uma dança


coladinha, eu me virei, dando de cara com Catarina, que me observava com
a testa franzida. Estanquei no mesmo instante, a fitando, e ficamos nos
olhando por segundos a fio. Então ela caminhou até a mesa de bebidas,
pegou uma taça para se servir da champanhe enfiada no balde de gelo.
— É mesmo vergonhoso estar dançando sozinho e ser flagrado — ela
disse, clara referência a ter sido flagrada por mim enquanto dançava.
Eu me aproximei, um passo por vez, notando que ela tinha trocado de
roupa, usava um roupão amarrado na cintura, os cabelos soltos ainda
estavam úmidos.
— Meu irmão melhorou?
— Em sono profundo. Você não tem vergonha na sua cara? Quase me
matou e está aí como se nada tivesse acontecido.
— Eu já te disse, não tive escolha. Se te vissem pendurada na sacada
seria pior. Mas não te fresqueia[6], guria, tu está bem, não é?
— Não graças a você.
— Deixa isso aí. — Tirei a taça da mão dela. — Toma um pouco do
meu mate.
— Eu não gosto — ela disse na maior cara de pau, sabendo que não se
diz isso para um gaúcho. Acho que só queria mesmo me azucrinar.
— Foda-se. Eu não perguntei se tu gosta. Abre a boca. — Catarina
olhou nos meus olhos, e ao perceber que eu não brincava, não se afastou,
deixou que eu colocasse a bomba nos lábios dela. Sem cortar o contato
visual, ela sugou um pouco. Em seguida, foi minha vez de sugar um pouco
também. Então deixei a cuia na mesa, segurei o rosto de Catarina com as
duas mãos, inclinando-me para um beijo em sua boca, fazendo com que ela
sentisse o chimarrão em nossos lábios.
— Que porra você está...?
— Venha aqui. — Segurei na mão dela e puxei-a para o meio da pista.
Agarrei Catarina do jeito certo para dançar coladinho, e ela se moldou com
perfeição ao meu corpo, me abraçando e olhando para cima em direção aos
meus olhos.
Eu gostava de como ela me olhava. Uma mistura de temor — sabendo
que eu era uma ameaça — e curiosidade. Ela tinha desejo de me conhecer
melhor, de experimentar os meus truques, e isso era impossível de esconder
nos olhos vividos cor de mel delineados por cílios longos.
Fitei seus lábios rosados e estremeci.
— Você... não pode fazer isso — ela se adiantou.
— O quê? Beijar a mentirosa que está enganando o meu irmão?
Ela tentou se afastar, mas a segurei com força. Catarina era a força
misteriosa que me fazia perder a cabeça e cometer as maiores loucuras. Até
semana passada, eu trocaria de calçada se visse uma mulher da índole dela.
E agora tudo que queria era continuar a agarrando.
— Por acaso tem uma câmera escondida aqui e você está registrando
provas para mostrar a Ravi o quanto eu sou má e não confiável?
Acabei rindo das palavras dela, um pouco mais atraído pela sua
postura corajosa.
— Não vou acabar com tudo agora, embora eu possa fazer isso. Mas já
que eu não vou contar para ele, você vai ficar me devendo.
— De novo com essa conversa?
— Preciso entender melhor que tipo de mulher é tu, e qual é a tua
motivação.
Catarina riu secamente, tratando minhas palavras como uma piada de
mau gosto, mas continuou abraçada a mim, dançando devagar uma música
que era dançante.
— Depois que eu cansar, eu vou contar tudo para Ravi e ele vai te
mandar embora das nossas vidas.
Ela estava sem fala, perplexa, encarando meus olhos. E eu gostei de
ver como ficou enrubescida com minhas palavras. Abri devagar seu roupão,
puxando uma faixa por vez, encontrando-a só de calcinha por baixo.
Meu coração se tornou um tambor, e meu pau era o maestro.
Linda. Incrivelmente linda.
Fascinado, sem nem piscar para não perder qualquer momento,
deslizei os nós dos meus dedos pelo mamilo dela, admirado com o piercing.
Eu queria vê-lo com mais calma, dar toda a atenção do mundo.
Não havia mais empecilho. Eu tinha quebrado todos eles. Então me
inclinei, dei um beijo de leve nos lábios de Catarina, sem aprofundar, mas
adorando o gemido que ela soltou quando mordi seu lábio inferior.
As mãos dela agarraram meu corpo, e eu soube que também estava
queimando de desejo quando deslizou as mãos por baixo de minha camiseta
e me apalpou.
Minha boca desceu por seu pescoço até encontrar os protagonistas de
meus pensamentos. E percorrer a língua em volta de seu mamilo foi o
mesmo que tomar um copo de água após dias vagando no deserto.
— Você quer ser o guardião da moral, mas é bem sujo — ela ofegou
quase perdendo a voz.
— Eu sou — concordei, me deliciando ao passar a língua no mamilo.
As mãos dela afundaram em meu cabelo enquanto minha boca passeava em
cada seio.
Ergui o rosto quando a mão de Catarina pousou no volume em meu
short. Ela apalpou o meu pau com gosto.
— E lembre-se que você também está traindo o seu irmão.
— Infelizmente, não sou gente que presta. — Eu beijei, e dessa vez
Catarina não tentou resistir, se entregou instantaneamente no beijo quente,
rolando sua língua em confronto com a minha.
Ela era o tipo de mulher que deveria ser apreciada por horas seguidas.
Não dava para continuar ali, parados no meio do nada, nos beijando
enquanto Os Monarcas cantavam no som. Alguém poderia ver, e mesmo
que esse fosse um erro tentador, ainda assim era um erro.
Eu estava prestes a arrastá-la para algum lugar reservado onde
pudéssemos ser indecentes e infiéis em paz. No entanto, ao ouvir uma voz,
meu sangue inteiro gelou.
— Cantarina...!
Era o meu irmão.
Dezessete
GEDEON

Para um homem que se dizia protetor da família, ser flagrado em uma


situação tão vexatória como essa era o fundo do poço. Eu tinha chegado ao
fundo do poço ao dar ouvidos a essa atração descabida, permitindo que a
cabeça do pau comandasse tudo a ponto de ferir quem mais eu queria
proteger.
É engraçado que o orgulho diminui na proporção que o tesão aumenta.
Eu diria que o homem está mais propenso a cometer loucuras no
momento de tesão do que chapado.
E sabendo que poderiam ser sensações momentâneas, não queria
levantar uma guerra com o meu irmão por causa de mulher. Deveria apenas
apontar os erros dela e torcer para que ele fizesse a coisa certa. Era assim
que nosso pai ia desejar, era isso que cabia a mim como irmão mais velho.
Proteção. Proteção a Ravi.
Negar a mim mesmo, aos meus desejos e colocar meu irmão em
primeiro plano.
A voz dele chamando por ela foi capaz de revirar tudo em mim em
segundos, e minha mente acordou do feitiço.
Mas não deu tempo de me afastar dela. Só consegui parar de beijá-la e
fechar o roupão de Catarina, mantendo-a ainda em meus braços, encenando
uma dança travada. Então Ravi cambaleou até o meio da espaçosa área de
festas, procurando em volta até colocar os olhos em nós dois.
— Não acredito — balbuciou, ainda bêbado, provavelmente. — Eu
não estou acreditando.
— Ravi. — Catarina se afastou rápido de mim. — Por que não se
senta? Você pode acabar escorregando.
Como eu tinha acabado de escorregar na minha falsa moralidade.
— Eu não acredito. — Ele então riu, batendo palmas e nos assustando,
provocando incômodo em todos os meus nervos. — Vocês dançando?
Enfim, meu irmão fez as pazes com minha noiva e são amigos agora? Vocês
estão se dando bem.
Ao ouvir isso, o alívio que me consumiu foi tão potente, que poderia
fazer uma usina funcionar. Foi tão libertador, que eu até consegui rir. Eu me
aproximei dele, coberto de culpa — o tesão pela mulher dele ainda existia
— e o abracei.
— Ainda estamos nos entendendo. Venha para a cozinha, vou fazer um
café bem forte para você.
— Gedeon... — Ele agarrou meu rosto. — Ela não é igual às outras.
Cate é especial. Trate ela bem.
Cruzei os meus dedos, devido à incapacidade de prometer algo que
não tinha possibilidade de cumprir. Talvez, para encobrir o meu desejo
proibido, eu tivesse de tratá-la mal, fingindo que não mexia comigo, como a
fábula da raposa que não conseguiu comer as uvas e foi embora
desdenhando e dizendo que nem queria, pois estavam verdes.
O café saiu rápido. Santiago tinha os melhores equipamentos na casa,
para que a nossa estadia no galinheiro fosse sempre confortável. Às vezes,
passávamos um final de semana inteiro aqui, pescando no lago, transando
com mulheres às quais esqueceríamos os nomes no dia seguinte e bebendo
tudo que não podíamos aos olhos da sociedade.
Servi uma xícara para Ravi, afaguei o seu cabelo e lancei um olhar
meio birrento para Catarina.
Eu tinha de dar um tempo a eles e a mim mesmo, para entender o que
vinha acontecendo dentro de mim. Deixei meu irmão aos cuidados de
Catarina e me retirei para o quarto que estava designado a mim.
Tive uma noite péssima, lutando contra uma ereção e a vontade de
tocar ao menos uma, enquanto deixava a minha mente se esbaldar com
imagens da vaca infiel. Eu queria abrir o Instagram dela e bater uma
punheta tão perfeita, regada a ódio e desejo, que seria capaz de secar
minhas bolas.
Ao mesmo tempo, eu me recusava a recorrer a esse artifício banal, que
nunca precisei, só mesmo na adolescência.
Apenas me enfiei debaixo da água fria e logo em seguida caí na cama,
escutando gemidos no quarto ao lado, onde um dos meus amigos se
divertia, terminando a noite com chave de ouro.
Acostumado a assar carne, naquele dia tive meus miolos assados.
Na manhã seguinte, a situação estava pior. Meu pau parecia ter sido
visto por Medusa e se transformado em rocha permanentemente. Estava
pulando para fora da cueca, estupidamente em protesto por não ter sido
usado.
Mas ele mesmo tinha sua preferência. Não queria ser usado com
qualquer uma, queria mesmo era afundar pulsante na garganta de Catarina,
para ela sentir cada centímetro e nunca mais ousar dizer o que não sabia
sobre o tamanho alheio.
Tomei outro banho gelado, o que ajudou pouco, e saí do quarto pronto
para ir embora.
Ravi e Catarina estavam calados no banco traseiro do carro enquanto
eu dirigia. Eu sabia que meu irmão estava quase enlouquecendo de dor de
cabeça, porque era fraco com álcool e sempre tinha a pior ressaca do
mundo.
Olhei para Catarina pelo espelho retrovisor, e ela virou o rosto. Estava
me evitando, o que era bom. Seria mais fácil para mim quando a mandasse
embora na segunda-feira. Afinal, depois de quase ter sido flagrado pelo meu
irmão, o que culminaria em uma rachadura entre nós dois, eu voltei atrás
com meu plano. Entendi que, para o meu bem, ela deveria sumir de nossas
vidas.
Mais tarde, naquele mesmo dia, me abri com Bento, por telefone,
contando a ele meus dilemas, e ele concordou comigo quanto à decisão de
dar o veredito à Catarina na segunda-feira, ameaçá-la do jeito que eu
pudesse.
Até que, no domingo à noite, Ravi, já aparentemente bem melhor, veio
falar comigo.
Fim de domingo era praticamente início de segunda-feira, dia de voltar
à labuta do trabalho, então estava resolvendo alguns percalços da empresa
já para iniciar a semana adiantado.
Ravi deu dois toques na porta do escritório ao mesmo tempo que abriu
e espiou.
— Interrompo?
— Ravi, pode entrar. — Eu me afastei do computador, me inclinando
sobre a mesa.
Ele entrou, meio contido, coisa que ele não era — pelo menos não
comigo — olhou em volta, analisou alguns objetos na minha estante e até
pegou um porta-retrato. Observou uma foto de nossa família, quando o pai
ainda era vivo.
— Depois quero uma cópia dessa.
— Vou providenciar. Sente-se, está precisando de alguma coisa? —
Olhei em meu relógio de pulso, voltando a fitá-lo. — Pedi para servir o
jantar um pouco mais tarde...
— Na verdade, preciso de algo, sim. — Puxou uma cadeira e se sentou
diante de mim. Sua expressão serena já me adiantava que não era nada
sério, ainda assim, me intrigava. Ravi não era tão expressivo, mas eu sabia
lê-lo. — Tem algum compromisso inadiável para amanhã?
— Eu? Não. Só o de sempre, inspecionar as churrascarias antes do
almoço. Por quê?
— Bom, eu estou bastante ocupado essa semana inteira, e parece que o
vô não vai me dar um pingo de folga. — Coçou o queixo, meio sem graça,
antes de continuar: — Na terça, a gente vai viajar para Santa Catarina e, na
quarta, tem três reuniões importantes, uma delas eu vou presidir.
— Isso é bom, Ravi. Estou gostando de ver.
— É. Rony e eu estamos dando o nosso melhor. O problema é a
Catarina, ela precisa de atenção.
Meu sangue gelou por completo ao ouvir isso.
— Atenção?
Mais uma vez, coçou a ponta do queixo. Ele fazia isso quando estava
desconfortável. Minha testa franziu ao limite, aguardando mais
informações.
— Eu vi que vocês parecem estar se entendendo, e estava pensando
que talvez vocês pudessem se aproximar mais. Quero que você a conheça
melhor para não precisar desconfiar da índole dela.
— Bah... meu guri...
— Espera, Gedeon. Ela tem algumas coisas para fazer, e eu queria te
pedir para acompanhá-la.
Acho que passei a porra de cinco horas encarando meu irmão sem
acreditar no que acabava de ouvir. Quase pedi para ele repetir, porque era
impossível crer que eu tinha ouvido isso mesmo. Acompanhar Catarina?
Ele está colocando a raposa para cuidar das galinhas. Meu lado
maligno fez questão de apontar isso.
— Claro, se não for incômodo, afinal você é o grande Gedeon Barreto.
— Ele riu da própria ironia. — Ou você pode designar algum funcionário
de confiança para cuidar dela.
Cuidar dela. Outro homem?
Ouvir isso não caiu bem em mim. Sentimentos desconhecidos
causaram solavancos de forma visceral. A sensação de posse quase me fez
cerrar os punhos.
— Acompanhá-la em que, na verdade?
— Ela quer conhecer sua fazenda. Quer se matricular em uma
academia, porque detesta ficar sedentária, e acha que se tiver o
compromisso das mensalidades, será um motivo para ela se esforçar e ir.
— Uma academia... — sussurrei, engolindo em seco ao pensar naquela
gostosa desgraçada malhando sozinha em alguma academia cheia de
gaviões.
Qual era o meu problema?
— Também tem uma lista de coisas que ela quer comprar em um
supermercado e me pediu para acompanhá-la...
— O que, por exemplo? Aqui na casa tem tudo.
— Não tem tudo que uma mulher precisa. Além do mais, ela ama
chocolate, e os dela acabaram. Eu agradeceria se você ao menos a levasse
em um supermercado bom. Ou... como eu disse, designasse alguém de
confiança para levá-la.
Esse pedido justo quando eu decidi expulsá-la daqui amanhã pela
manhã.
Era a minha chance de acabar com a imagem de Catarina. Pegar o meu
celular e mostrar para ele que encontrei uma tal de Roxy que possivelmente
é a noiva dele; era minha chance de dizer que ela era uma stripper em Nova
Iorque.
Também diria a Ravi que ela era uma infiel safada e que não passava
de uma interesseira. Era isso que eu deveria fazer.
Deveria.
Há tanta coisa que deveria ser feita, mas, por questões diversas, o
dever às vezes é enforcado pelo querer.
— Eu vou dar uma olhada na minha agenda de amanhã para ver se dá
para encaixar — respondi a Ravi como se fosse algo bem comum, fingindo
mais do que tudo enquanto por dentro eu me revirava. — Mas ela sabe que
está me pedindo isso?
— Sim, eu dei essa ideia. E ela não se importou, pois me disse que
você não iria aceitar mesmo. — Ravi riu, parecendo ingênuo.

Quando Ravi saiu, me deixou sozinho plantado no meio do escritório


olhando para o nada. Parecia que o universo estava moldando um caminho
que não era do meu agrado.
Ia pedir uma sugestão a Bento, mas, quando peguei o celular, uma
notificação no nosso grupo chamou minha atenção.
Grupo: De 4

Santiago: Alta madrugada, flagrei Gedeon dançando sofrência


sozinho abraçado uma cuia de chimarrão.

Bento: é sério?

Nero: Gedeon abichornado?


Santiago: tô te falando. O cara morrendo de dor de cotovelo enquanto
a gente se divertia fodendo.

Você removeu Santiago do grupo

Nero: agora sim vai ter briga. Era o que eu precisava para meu fim de
domingo.

Bento adicionou Santiago ao grupo

Santiago: se fizer isso de novo, Barreto, eu vou considerar desacato


contra autoridade.

Eu: Injúria para você tá de boa, não é, meritíssimo?

Santiago: injúria o cacete. Eu vi. Só não sei seus motivos, mas vi. A
música era essa.

Santiago: Link - Infiel - Marília Mendonça.

Bento: ele quer comer a noiva do Ravi. Ele estava dançando a música
que falava com ele mesmo.

Nero: Maledizione. Como é que é?

Santiago. Porra, eu já desconfiava disso.

Santiago: Meu chapa, bota na tua cabeça, ela é tipo seu pavê
Só para vê, não pode comer.

Nero: pavê, é foda. Kkk

Bento: o pavê mais gostoso do mundo debaixo do teto dele.

Eu: Obrigado, Bento, amigão.

Bento: A gente não tem segredo um com o outro, Barreto. Você me


pediu para entreter a morena ontem, porque não ia conseguir. Mas eu sei
que você está obcecado por sua cunhada desde que a viu.

Eu: Ela não é minha cunhada.

Nero: Noiva do seu irmão é o quê?

Eu: Não é ainda. Vão se foder.

Santiago: Mas convenhamos, eu até entendo o Barreto. A guria é


gostosa mesmo.

Você saiu do grupo

Nero: hahaha Ele não aguenta pressão.

Santiago te adicionou ao grupo

Santiago: O rei do drama começou cedo. Se você mexer mais uma vez
na estrutura do nosso grupo, a intimação vai comer bonito.
E, para completar, Bento teve a cara de pau de mandar um meme que
ele mesmo editou. Era uma imagem do Dick Vigarista, com a legenda: “Oi,
irmão, gostaria de saber se sua noiva está solteira”
Silenciei o grupo para tentar me concentrar no dia que estava por vir,
quando eu precisaria erguer mais ainda as minhas defesas e fazer o favor ao
meu irmão.
Dezoito
CATARINA
— Essa é a pior ideia que você já teve em sua vida.
Terminava de passar hidratante no rosto antes de ir para a cama onde
Ravi já estava. Olhei para ele sem sentir raiva, mas nutrida de algum
sentimento que não era agradável. Ravi não podia ter ido pedir um absurdo
desses a Gedeon sem ter conversado previamente comigo. Só depois que
teve a cara de pau de me avisar.
Ele estava me entregando de bandeja para uma fera.
— E o que você tinha em mente? Deixar que meu irmão te
pressionasse amanhã? — Ravi contestou. — Eu o ouvi falando com Bento
ao celular e decidi intervir...
— E como isso pode ajudar? Fazer com que ele seja a minha sombra...
Eu te contei que é perigoso, pois inevitavelmente há atração entre nós dois.
Decidi omitir um monte de coisas para Ravi. Não contei do beijo na
sacada, nem da queda na piscina e muito menos do outro beijo na pista de
dança. Apenas contornei por alto dizendo que Gedeon parecia mesmo
interessado em mim.
— É óbvio que pedir a ele um favor meio que vai prendê-lo. Gedeon
tem um forte senso de cuidado comigo, por isso que ele queria te expulsar
durante o meu expediente, para eu não sofrer tanto.
— Então você acha que, para te agradar, ele vai desistir de me expulsar
e aceitar ser meu guia por aqui?
— Eu tenho certeza.
Sentada na cama, olhei para meu falso noivo se acomodando melhor
contra os travesseiros, achando uma posição boa, pronto para dormir.
Respirei pesadamente. Eu ia entrar em um espiral de tentação sem fim, que
seria praticamente impossível de resistir.
Não parava de pensar no beijo de ontem.
Gedeon sabia jogar as cartas. E mesmo que eu fosse bem esperta, não
chegava perto da sua experiência.
Meu corpo me traiu duas vezes na noite passada, e se Gedeon forçasse
um pouco mais, meu corpo me trairia quantas vezes fosse possível.
Antes de dormir, pensei na Shelly do filme A Casa das Coelhinhas e
em como tinha sido fácil para ela deixar a vida de coelhinha da Playboy de
lado, pois sua nova motivação era ajudar as novas amigas.
Eu queria deixar tudo da Roxy para trás enquanto tentava ajudar Ravi
e, consequentemente, ajudar Maria Catarina.

***

Ao acordar, Ravi já tinha saído. Algo que era bem ruim devido às
circunstâncias que me aguardavam para o dia. Ele era o meu escudo aqui, o
irmão mais velho não tentaria nada se eu estivesse à sombra do meu falso
noivo.
Eu me vesti adequadamente, como mandava o manual de instruções
para noivas modelo comportadas, usando desde presilhas laterais nos
cabelos a sapatos de salto Anabela. Junto do vestido romântico, o look me
fazia parecer fofa e inofensiva.
Eu sentia que essa fantasia talvez estivesse sufocando Roxy cada dia
mais.
A casa estava silenciosa, o que era normal para uma segunda-feira às
oito da manhã, quando todo mundo já estava em sua devida função.
Desci a escada, um tanto cautelosa, como se algo pudesse me
surpreender a qualquer momento. E esse algo tinha nome. Eu estava com
receio de um reencontro com Gedeon depois da nossa noite ontem. Apesar
do beijo, não acredito que tenha acabado positivamente para ele.
E, para meu alívio, encontrei a cozinha completamente vazia e
silenciosa. Na mesa havia todo tipo de delícias convidativas para o café.
Sem titubear, sentei em uma cadeira para comer, pois, diferente de muita
gente, eu sempre acordava com um buraco gigantesco no estômago. E era
bom aproveitar enquanto tudo estava à minha disposição, sem ninguém por
perto para observar.
Alegria de pobre dura pouco. Gedeon brotou na cozinha uns dez
minutos depois. Eu ainda estava na fase da degustação antes de decidir o
que de fato ia comer.
Hoje, sim, ele parecia um legítimo milionário.
Calça preta evidenciando as pernas fortes, camisa de tecido escuro,
habilidosamente dobrada nas mangas, deixando à mostra os belos
antebraços e o relógio grande e caro. A camisa lhe caía com perfeição,
contornando o corpo forte, bem ajustada para dentro da calça. E os óculos
escuros estavam enganchados na gola.
Era completamente chocante como uma peça tão comum poderia
elevar o sex-appeal de um homem à décima potência. Ou pelo menos
aqueles como Gedeon.
— Você vem comigo — rosnou, sem parar de caminhar. Levantei-me
rápido da mesa, mal tendo tempo de limpar os lábios.
— É a tal reunião no seu escritório? — Corri atrás dele pela casa.
— Não se faça de desentendida — disse, sem parar de caminhar, a voz
reverberando pela casa. — Sabe que meu irmão veio me pedir um favor,
provavelmente depois que você o manipulou.
— Nunca achei que o grande Barreto poderia tirar um segundo do seu
tempo para...
Enfim parou de andar e se virou, quase me fazendo topar nele.
Estanquei, fitando os olhos vorazes do Gedemônio, que especialmente hoje
parecia mesmo o próprio demônio. Vi quando seu olhar deslizou
rapidamente pelo meu corpo. As sensações dessa encarada foram capazes
de endurecer a mandíbula e afinar os lábios, com direito a tudo se
intensificar quando os olhos fizeram o caminho de volta para meus lábios e
por fim pararam nos meus.
— Para ficar de olho em uma trambiqueira? Sim, eu posso. Esse é o
lado bom de ser bilionário. Eu posso tirar folga quando quiser.
— Como também não precisa fazer sacrifícios. Eu posso muito bem
me virar sozinha ou você pode pedir a um de seus funcionários para me
guiar.
— Ah-há...! — soltou uma imitação de riso de forma maldosa. — Vai
sonhando que vou te deixar ao deus-dará. Vamos.
— Para onde?
Não respondeu, voltou a andar em direção a porta da frente, me
deixando parada sem resposta no meio da sala ampla.
— Estou vestida adequadamente? Gedeon...! — Idiota do cacete. —
Vou pegar minha bolsa! — gritei, revirando os olhos antes de subir para o
quarto a fim de pegar uma bolsa.

Ele dirigia sisudo, me ignorando como se não tivesse ninguém ao lado


dele.
Cheiroso, cheiroso, cheiroso. De dar raiva.
Engoli em seco, tamborilando os dedos no encosto de braço e fazendo
o possível para demonstrar desdém, mas, como as coisas saíam sem
controle da minha boca, falei:
— Sobre ontem...
— Não fala sobre isso. — Foi firme e direto.
— Tudo bem. Eu só ia dizer para fingirmos que não aconteceu.
— Essa é a sua abordagem? — Olhou para mim se achando no direito
de ficar indignado. — Apronta e depois empurra para debaixo do tapete,
fingindo que não aconteceu, voltando a interpretar a moça modelo de bom
caráter?
— Você é simplesmente uma cobra peçonhenta. Acabou de dizer que
não era para tocar no assunto de ontem à noite.
— Eu posso, não sou comprometido, bah — falou todo bravo na
minha direção. — Tu que não pode agir como se nada tivesse acontecido.
Se possuísse mesmo um pingo de honestidade, contaria tudo para meu
irmão e terminaria o relacionamento com ele.
— Machista! — berrei no mesmo tom. — Você me agarrou, você
avançou primeiro para me beijar. Você não é comprometido, mas tem
compromisso com ele e errou também.
— E tu se provou uma putinha bem safada quando aceitou minhas
investidas na primeira oportunidade. É noiva de meu irmão e o traiu
comigo. Deveria ter vergonha.
Chocada, eu o fitei enquanto Gedeon voltava a prestar atenção no
trânsito à frente.
— Para o carro, vou descer.
— Uma bosta que vai.
— Eu não vou ficar aqui sendo ofendida por um troglodita hipócrita.
Para o carro, Gedeon.
— Estamos em um trânsito, não vai sair.
— Você não pode simplesmente ofender as pessoas e tirar toda a culpa
de você...
— Como se eu não fosse a porra do líder da família que você quer
entrar. Eu posso, sim, fazer isso. — A arrogância dele era irritante.
— Vai chegar o dia que você vai me implorar por perdão.
— Ah, rá, rá! — gritou, rindo de forma maldosa, provocando raiva
maciça em mim. — Uma stripper mentirosa? Pode ir tirando o cavalinho da
chuva.
Paramos em frente a um supermercado nada modesto. Parecia algo
bem caro, frequentado por ricos como ele.
Tirei o cinto e o fitei.
— Vai. Não era isso que queria? — falou, apontando para fora. — Ou
quer que eu te acompanhe para pagar tuas contas?
— Imbecil. — Bufei, revoltada, mas desci do carro.
Sem surpresa, era uma manhã fria. É um dos estados mais frios do
Brasil, e Ravi me preveniu sobre isso. Escolhi um casaco antes de sair de
casa, e agora tentava vesti-lo fora do carro.
— Venha aqui. — Ouvi a voz atrás de mim e imediatamente senti
mãos fortes ajeitando o casaco nas minhas costas.
— Não é necessário — rosnei, me afastando dele. Ajeitei a alça da
bolsa no ombro e marchei rumo à entrada da loja, deixando o homem
parado ao lado do carro, me olhando.
Eu nem precisava vir a um supermercado, Ravi que inventou essa
história para ter uma desculpa para o irmão dele me acompanhar e assim
desistir da ideia de me expulsar.
Para fingir, eu deveria escolher algumas coisas, o que era bom, já que
meus chocolates tinham acabado. Peguei um carrinho pequeno, joguei a
bolsa dentro e o empurrei pelos corredores, chocada com os preços das
coisas. O desgraçado me trouxe aqui de propósito, só para eu ser obrigada a
gastar horrores. Eram um roubo todos esses valores.
O corredor de produtos de beleza estava bem sortido e até chamativo.
Vi algumas marcas boas, não das que eu costumava usar, mas iam quebrar
um galho, já que não pude trazer uma mala com todos os meus produtos
preferidos.
Para o cabelo, escolhi uma linha completa, ficando feliz que teria um
desconto de dez por cento se comprasse toda ela.
Um sabonete para o rosto, para pele mista a oleosa.
Lenços umedecidos e não umedecidos.
Absorventes. Era bom comprar uns cinco pacotes. Não sei quando iria
voltar, e não gostei dos que vi na casa de Gedeon. Por causa da boate, me
acostumei com os internos.
— Vai se isolar numa montanha para precisar de tanto absorvente? —
Ouvi a voz atrás de mim, me assustando. Era o maldito. E ele tinha pegado
a embalagem dentro do carrinho e estava olhando.
— Veio averiguar se eu não estou roubando o supermercado? —
Tomei da mão dele e joguei de volta no carrinho.
— Quem sabe? Achei melhor não te perder de vista. Na minha casa
tem absorvente.
— Não são dos que uso. — Empurrei o carrinho, olhando as
prateleiras, e ele me seguiu. Abri um sabonete líquido e cheirei. — Me
pergunto por que tem absorventes na casa de um homem solteiro.
— Você é espertinha, sabe a resposta.
— Leva mulheres menstruadas para sua casa? — Voltei a andar, sem
nem olhar para Gedeon ao meu lado.
— Nunca se sabe do que uma mulher vai precisar. Sou um homem
precavido. E por falar em precavido. — Com um gesto, indicou os
preservativos na outra gôndola. — Apesar que na minha casa também tem
muitos.
— Eu não preciso disso.
— Que bom. Mas saiba que vai precisar suspender o anticoncepcional
assim que se casar. Meu avô quer netos. Está preparada para ser mãe?
— Não acho que esse assunto seja propício para você falar com sua
cunhada.
— Minha cunhada, aquela que chupei os seios? Acho que qualquer
coisa é propícia.
Eu o ignorei, enrubescida de raiva e sentindo um pingo de
constrangimento enquanto seguia direto para o corredor das guloseimas.
Escolhi algumas balas e uma caixinha de bombons Caribe, que me fez
sorrir na hora que vi. Uma caixa inteira de Caribe, porra. Estava morrendo
de saudades.
— Você está praticamente ao lado da capital do chocolate, tchê, e
compra essa droga de bombom?
— Caribe é o melhor bombom da caixa, respeita. E você deve estar se
referindo a Gramado, não é?
— Evidentemente. — Pegou a caixinha de bombons Caribe, abriu sem
se importar que alguém pudesse ver e pegou um.
— É uma pena que Ravi não tenha ideia de quando poderá me levar. O
avô de vocês está dando trabalho para ele.
— Quer conhecer Gramado? — Olhou para mim enquanto comia o
bombom calmamente.
— Com meu noivo, Gedeon.
— Seu noivo me deu sua tutela. Se eu quiser, você vai. Pega esse, esse,
esse, e claro, um Lindt.
Escolheu alguns chocolates na prateleira, os colocando no meu
carrinho sem nem olhar o preço. Ele era bilionário e o escambau, eu, não.
— Hum... nada mal. — Terminou de comer o bombom, enfiando o
papel no bolso. — Parece doce de banana. — Sorriu, e tinha um pouco de
chocolate em seu dente. Era uma das características do Caribe; grudava que
só.
Decidi apenas fingir que não vi. Era divertido vê-lo passar vergonha
com um dente preto.
Segui pelos corredores, tendo cuidado de manter alguma distância de
Gedeon. Estávamos em um local público, e as pessoas o conheciam na
cidade. Ele já tinha cumprimentado várias, e todo mundo acabava olhando
para a gente em algum momento.
Em um corredor de produtos culinários, parei, chocada com o que via
à minha frente.
— É você? — Apontei para um kit de churrasco Barretão, com
Gedeon na embalagem.
— Meio photoshopado, mas, sim, sou eu.
Peguei da prateleira para analisar. Vinha sal de parrilla, sal grosso,
tempero secreto Barreto, molho de pimenta e molho de cebola
caramelizada, fumaça líquida, além de uma faca e uma garra em uma
caixinha de madeira.
— Quer levar um para experimentar? Já que você adora comer carne
escondida.
— Vai se foder — resmunguei, e antes de devolver para a prateleira,
apontei para a garra, que parecia um soco inglês com dentes pontudos. —
Que merda é essa?
— Garra para churrasco. Muito melhor que o garfo, te dá mais
segurança e praticidade para cortar a carne. Você não me viu usando?
— Por motivos óbvios, tenho evitado me aproximar de você quando
está fazendo churrasco.
— Para evitar ter desejos pela carne e pelo churrasqueiro?
— Que cara insuportável, meu Deus. — Eu me afastei dele
rapidamente, com medo de que alguém começasse a falar coisas. Até
porque ele estava certo, eu tinha desejo pelos dois.
No corredor de bebidas, tentou arrancar um vinho da minha mão
quando o escolhi.
— O que está fazendo? — Tirou o vinho do carrinho, devolvendo à
prateleira. — Na minha casa tem uma adega inteira.
— Disse certo: sua casa. — Coloquei de volta no carrinho.
— Você pode beber se quiser, é minha hóspede.
— Ah, que bom, evolui de intrusa para hóspede. Eu quero ter o meu
vinho.
— Então escolha um melhor. Esse. — Trocou os vinhos, escolhendo
outro.
— Jamais vou comprar um vinho que seja mais de cem reais.
Gedeon desistiu, se afastando um passo. Ganhei a disputa, caminhando
em direção ao caixa, mas ele não me seguiu, foi conversar com alguns
homens que acenaram para ele. Então paguei o preço absurdo só para
manter a narrativa de Ravi coerente. Eu ia cobrar dele esse valor.
Além do mais, essa história de mandar Gedeon me acompanhar era um
tiro no pé. Muita gente estava olhando na nossa direção, e não ia demorar
para aparecer uma ou outra especulação.
— Poderia ter me esperado um pouco — disse, rabugento, ao chegar
perto do carro onde eu já estava com as sacolas. Pegou-as do carrinho e
colocou no porta-malas, voltando a tempo de me flagrar escondendo um
riso.
— Do que está rindo?
— Você não parece sério com esse chocolate no dente. — Saboreei ao
falar. Era a minha pequena revanche.
Rapidamente se aproximou do retrovisor do carro para verificar.
— Porra, você bem que poderia ter me avisado.
— Não sou babá de marmanjo. Não tenho obrigação.
Em um impulso, ele me pegou desprevenida, me jogando contra o
carro.
— Gedeon...? — Eu me debati tentando escapar, mas ele forçou seu
corpo contra o meu. — Para com isso...! Está louco? — Tentei afastar o
homem de qualquer jeito, mas ele era um touro de força.
— Gosta de arriar[7] de mim, não é?
Sua mão grande em meu pescoço era uma das coisas mais sensuais e
instigantes que eu já tinha experimentado. O jeito como Gedeon me pegava,
como prendia meu corpo contra o seu, me dava uma gostosa sensação de
adrenalina que nunca pensei que pudesse existir.
Na minha vida sexual, quase sempre sentia tédio com os homens que
viam em mim um produto fácil para diversão. Nenhum deles havia
colocado tanta emoção em uma única pegada.
De modo furtivo, Gedeon olhou para os lados, verificando se tinha
alguma testemunha para sua loucura. O ar de proibido era o mais excitante.
Então inclinou-se na minha direção, reivindicando um beijo. Não
qualquer beijo, era o beijo patenteado dele, só dele. O beijo possessivo e
punitivo ao mesmo tempo, o beijo que mais me prometia o inferno do que o
paraíso.
Suas mãos pareciam estar em todos os lugares, uma segurava com
força o meu maxilar, a ponto de eu sentir a frieza de seus anéis, enquanto a
outra apertava minha cintura, afundando os dedos na minha carne e
deixando claro que ele podia me pegar quando quisesse. Eu o agarrei mais
que depressa, porque era incapaz de ser prudente quando o assunto era esse
homem.
Não era um beijo apaixonado. Nós dois estávamos com raiva por eu
não conseguir me controlar. Eu sentia raiva enquanto ele movia seus lábios
contra os meus. Eu conseguia sentir que ele também tentava lutar, mas era
inútil.
Gedeon afastou um centímetro sua boca da minha, mantendo nossas
testas coladas.
— Acho que agora o chocolate saiu do meu dente. — Deu um beijinho
raso em meus lábios e rapidamente se afastou, me deixando com o coração
na mão, encostada no carro.
Dezenove
GEDEON

— Não deveria ter feito isso. — Catarina ofegou, sentada no carro,


imóvel, olhando para a frente.
Tanta coisa não deveria ser feita, mas o desejo que enchia minhas veias
era forte demais para segurar. Cercas não me prendiam.
— Me beijou em público. Você é louco?
— Está com medo de perder a mordomia, não é?
Eu estava com raiva. Muita raiva por não conseguir me controlar. Eu
só queria descontar nela essa raiva brutal, um sentimento capaz de me
arrastar para o fundo do poço. Porque fazia sentido que essa mulher fosse a
causadora de toda confusão em que eu me via metido nos últimos dias.
— Só me leve para casa — ela resmungou, e eu achei um grande
desaforo. Ela não ia simplesmente se ver livre.
— Não — neguei, virando para ela. — Tu manipulou meu irmão para
ele pedir que eu fosse teu guia, pois agora vai ter que me suportar. Não era
isso que queria?
— Eu não pedi nada, você só está procurando motivos para se eximir
de culpa...
— Era melhor ter escolhido ir embora da nossa vida. — Puxei o cinto
de segurança, passei no corpo dela e o afivelei. — Agora você está sob
minha tutela.
Coloquei o meu cinto e dei a partida no carro.
Eu frequentava uma academia de crossfit, mas sabia que não era
indicado para Catarina. Até pensei em contratar alguém para ir em casa dar
treinamento particular para ela, como eu fiz uma época, mas, a conhecendo,
certamente ia negar. Então a melhor coisa era não deixar brecha para que
ela pudesse recusar.
Marquei por telefone um horário para que Catarina pudesse fazer uma
avaliação antes de começar os treinos. E fiz questão de recomendar que a
colocassem em um horário da minha escolha, pois talvez eu pudesse
acompanhá-la uma vez ou outra, ainda que fosse estranho pra cacete.
Num instante, eu queria enxotar Catarina da nossa família, no outro,
estava mais preocupado em protegê-la de olhares cobiçosos. Não dava para
servir a dois deuses; ou eu me renderia à possessividade descabida ou à
racionalidade.
Enquanto isso, não cansava de me questionar: será que de fato eu
abandonei a ideia de expulsar Catarina só para ter umas migalhas junto a
ela? A proposta de Ravi, que eu fosse o guia dela, foi tão atraente a ponto
de consumir as minhas intenções, que eram racionalmente o mais correto a
se fazer?
— Quer conhecer algum lugar da cidade? — perguntei depois de
alguns minutos imersos em silêncio. — Tenho alguns em mente.
— Desde que não seja um teste mesquinho seu.
— O teste já começou há tanto tempo, e só agora tu se preocupa?
Alegrou-me o jeito preocupado com que ela me olhou.
— E até agora tu só reprovou. Demonstrou que não ama meu irmão e
está com ele por interesse.
— Você chega às conclusões assim do nada, segundo a sua mente meio
perturbada, não é?
— Bah, tu aceita meus beijos, mas eu que tenho a mente perturbada?
Além de uma interesseira inexperiente, é mentirosa.
— Se eu sou todas essas merdas, conta logo para o seu irmão, explana
para sua família. — Torceu o bico, olhando para o outro lado e evitando
contato comigo.
Inexplicavelmente, eu gostava de ter o poder de tirá-la do sério.
— Talvez eu queira me divertir com suas tentativas de parecer honesta.
É tão mentirosa, que tentou enganar na roda da brincadeira sobre nunca ter
engolido porra. — Consegui chamar a atenção dela novamente. Arredia, ela
se virou para mim.
— Eu não estava mentindo. Seu irmão que estava bêbado e deve ter
me confundido com outra mulher que ele pegou.
— Ah, então você, uma stripper...
— Eu já disse que não era eu naquela foto.
— Era, sim. Uma stripper em Nova Iorque, que respondia pela alcunha
de Roxy, nunca, nunca engoliu porra?
— Não. Nunca. Se por acaso eu fosse mesmo uma dançarina de boate
noturna, uma coisa não tem nada a ver com outra, afinal para dançar não
necessariamente precisa engolir sêmen.
Eu me calei, estranhamente feliz por querer acreditar nela, mesmo
sabendo que era impossível.
Eu a levei ao Mercado Público, que era um dos melhores locais para
ter um passeio cultural e gastronômico tipicamente gaúcho. Apesar de tudo,
ia tratar Catarina como uma turista que deveria sair daqui com uma boa
impressão da minha terra natal.
E ela sairia em breve. Isso eu ia garantir.
— Meu Deus, que lindo. — Estancou na frente do mercado,
admirando a fachada. — É o mercado, não é? Ravi me falou sobre ele. —
Esperei enquanto ela pegava o celular e tirava algumas fotos do prédio de
arquitetura antiga.
— Vai mandar para teu pai? — perguntei, seguindo ao lado dela em
direção à entrada.
— O quê...? Meu... pai? — Catarina adquiriu subitamente um tom
pálido no rosto, enquanto os olhos levemente saltados me fitavam. Eu tinha
a leve impressão de que ela enganava também o pai. Certamente mentia
para o pobre senhor, escondendo que era uma stripper.
— A foto que você tirou. Vai mandar para teu pai?
— Ah! Sim. — Riu, parecendo aliviada. — Sim, vou mandar. Ontem
mesmo falei com ele, está louco para conhecer meu noivo.
— Ah, meu irmão não o conhece?
— Pessoalmente não. Mas eles se falaram por vídeo.
— E quando vocês vão vê-lo? Ou vai trazê-lo até aqui?
Ela mexeu nos cabelos de forma agitada, pensando um pouco antes de
responder.
— Meu pai tem um quadro... de ansiedade. E não acho que ele vai
querer viajar. Então Ravi e eu vamos visitá-lo.
— E ele não virá ao seu casamento?
Após me fitar em silêncio com o lábio preso nos dentes, Catarina
mirou os pés enquanto caminhava. Era nitidamente um assunto delicado
para ela. Eu poderia atingi-la de outras formas, não assim.
— Esquece isso. Vem, vamos ver as bancas. Tem de tudo que você
imaginar.
Catarina estava extasiada, surpreendida com cada banca que
passávamos. Tinha peixaria, açougue, banca de frutas, incluindo algumas
exóticas.
Eu a fiz provar um jatobá, que é um fruto da região do cerrado, e não
vou negar que apreciei quando Catarina quase passou mal, tendo de engolir
para não fazer feio em frente às pessoas.
— Você fez de propósito, não é? — indagou baixinho, enraivecida. —
Vou ficar com esse fedor na boca para sempre? Isso é a pior coisa que já
experimentei.
— Riu de mim com chocolate no dente, mas quem está na pior agora?
— Você tem quantos anos? Dez? Vamos embora, tenho que escovar os
dentes.
— Toma. — Rapidamente descasquei uma tangerina para ela. —
Chupa uma bergamota, vai ajudar a tirar o gosto.
— Bergamota? Isso é tangerina.
— É. Chupa. E dessa vez, engula. — Sorri, cinicamente, enquanto ela
rolava os olhos.
Passamos numa banca de artigos gaúchos. Tinha todo tipo de cuia,
bomba, além de ervas diversas para chimarrão.
— Por que vocês amam tanto essa coisa? — Tocou na banca de ervas,
— Amarga e cheia de todas essas regras para tomar...
— Vai questionar o chimarrão aqui mesmo? Nesse lugar?
— Só curiosidade, ué.
— É gostoso, tchê. Além de ser estimulante, dá energia, ajuda na
digestão, é diurético, entre tantas outras coisas. Só tem a ganhar em beber
um bom mate. Eu tomo umas quatro dessas por dia.
— Quatro cuias por dia? Você está doido?
— Sou uma usina de tanta energia. Talvez um dia eu te mostre. — Dei
uma piscadinha, adorando ver o rubor que tomou suas bochechas.
Ela não aguentou e acabou sorrindo, escondendo a tempo para não dar
o braço a torcer. Catarina queria ser má comigo, no entanto não conseguia
esconder a atração que sentia.
E isso ia explodir entre a gente a qualquer momento.
Saímos da banca, onde comprei mais erva para minha casa. Enquanto
ela estava bisbilhotando as coisas nas prateleiras, comprei algo para
presenteá-la. Deixaria para dar quando chegássemos em casa.
Seguimos juntos, andando lado a lado, mas mantendo uma distância
segura. Era o mercado, muita gente me conhecia, e se soubessem que era
minha cunhada, as teorias maldosas começariam a ganhar força.
Vendo conhecidos em uma mesa de uma lanchonete, me aproximei
para cumprimentá-los. Eram três amigos, estavam reunidos tomando chope
e chimarrão e jogando uma partida de dominó.
Apresentei Catarina a eles e voltei a conversar com os caras, que
pareciam felizes em me ver, porém ansiosos com a partida.
— Algum problema, bela? — um deles perguntou à Catarina, que
olhava fixamente para o jogo na mesa.
— Alguém plantou um remendo bem aqui e ninguém percebeu. — Ela
apontou para uma peça errada no meio do jogo do dominó. Essa era uma
tática de trapaça para quem não tinha o número que a pedra na mesa pedia,
e acabava colocando outro número sem que os jogadores percebessem.
O silêncio era desconfortável entre os três homens, que se
entreolharam, tentando saber qual deles era o espertinho, enquanto eu fitava
Catarina, surpreso por ela saber algo assim.
— Sabe jogar isso?
— Uma dondoca arrumadinha dessa saberia jogar dominó? — um
deles tripudiou.
— Hum... tem razão, não sei quase nada... — ela estava nitidamente
sendo irônica. — Mas morro de vontade de jogar.
— Quer jogar uma partida com a gente, bela? — um dos homens
ofereceu e logo o outro complementou:
— Vamos ser bonzinhos contigo, te deixaremos ficar no terceiro lugar.
— Sim, tchê, não se dá uma surra em uma prenda tão bonita.
— Não caia em provocação, vamos embora. — Eu queria sacudir cada
um deles e levar Catarina embora, mas ela buscou em mim aprovação.
Antes que eu pudesse consentir, puxou uma cadeira na outra mesa, trazendo
para perto e se sentando.
— Catarina...!
— Pega uma cadeira e observa, Gedeon.
— Quer jogar em dupla comigo? — perguntei, sentando ao lado dela.
— Não. Se for para eu levar uma surra dos senhores, que seja sozinha.
E eu a observei, como ela pediu. Não estava concentrado no jogo, pois
eu só assistia uma Catarina que ainda não tinha visto. Acho que essa era a
real, e não a personagem como ela queria forçar.
Eu tinha tesão por todas as versões, mas algo maior que tesão brotou
enquanto a via jogar de maneira habilidosa, conhecendo as regras do jogo,
atenta a cada ação dos oponentes.
Catarina tinha desligado toda a existência à sua volta para focar
completamente no jogo, e comandava de forma extraordinária a partida.
Ela ria, falava alto, brigava com os oponentes pelas regras do jogo, e
até bebeu o chope de um deles. Num instante, eu estava sorrindo diante da
brecha que ela deu para que eu visse a verdadeira Catarina.
E quando a partida fechou naturalmente, e nenhum deles tinha pedras
para colocar em uma ponta ou na outra, devia partir para a contagem de
pontos para decidir quem tinha ganhado. Aquele que concentrasse o menor
número nas pedras restantes na mão era o vencedor.
Catarina ainda tinha três peças, enquanto os outros tinham menos que
ela.
O cara que tinha apenas uma pedra colocou-a na mesa. Era uma peça
de dominó com cinco pontinhos e zero.
— O primeiro lugar é meu — ele decretou, comemorando. — Vamos
ver quem de vocês fica por último. — Riu, zombando de Catarina. Ela
esperou que os outros colocassem as peças na mesa.
— Duas pedras com o total de oito pontos — o próximo revelou.
E o terceiro homem tinha duas pedras, com o total de seis pontos.
Catarina, com três peças, piscou para mim e colocou a primeira na
mesa. Zero. A segunda peça, um ponto e zero. E a terceira peça, três pontos
e zero. Ela tinha feito apenas quatro pontos, e por ter menos, ganhou a
partida, deixando os três mudos.
— Foi tão fácil fechar o jogo de forma forçada e fingir que tinha sido
natural — ela falou, se levantando e pegando a bolsa. Uma das regras do
dominó era clara: se fechasse o jogo de forma forçada, o jogador que fez
isso perdia pontos ou ficava uma rodada sem jogar. — O ego não deixou
vocês perceberem — ela continuou falando. — Nem perceberam que eu
estava com três pedras de zero na mão, guardando-as para contar ponto.
— Isso é trapaça, você sente orgulho de ganhar assim? — o mais velho
confrontou Catarina.
— Olha quem diz. Quando eu cheguei, vi que vocês estavam se
trapaceando, mas agora foram pegos por uma mulher. Infelizmente não
foram espertos o suficiente para descobrir minhas jogadas. Foi um prazer
ganhar de vocês.
— Onde aprendeu a jogar? — perguntei, andando ao lado dela na saída
do mercado.
— Com a vida. Eu aprendi com a vida, Gedeon.
— A vida que você apresentou a Ravi?
Catarina me olhou nos olhos antes de responder.
— Não. Outra — sussurrou, e dessa vez eu tive certeza de que era
sincero.
Dirigi calado na volta para casa. Já era quase hora do almoço, e Ravi
prometeu almoçar com a gente. Na minha cabeça, várias coisas se agitavam
bruscamente, uma delas sendo a frase que Catarina disse para um dos meus
amigos:
“Você não foi esperto o suficiente para descobrir a minha jogada.”
E ela mostrou como era boa em fingir e agir por trás. Incrivelmente,
isso não me deixou com medo, apavorado, doido para acabar com a raça
dela. Eu só estava admirado.
Era uma oponente de peso. Esperta. Ela não estava jogando por
qualquer coisa, como outras interesseiras faziam. A motivação de Catarina
parecia ser grande, muito grande.
Ao chegarmos em casa, dei a ela o que comprei na loja de artigos
gaúchos.
— Toma, comprei para você levar para Nova Iorque quando for
embora.
— Eu não vou embora — sussurrou, recebendo o embrulho. —
Obrigada... eu acho. — Abriu, encontrando um kit para chimarrão, com a
cuia que eu escolhi. Era personalizada, branca com manchas pretas, como
uma vaca malhada, e tinha uma vaquinha desenhada.
Ela riu, balançou a cabeça e me olhou.
— Uma vaca. Vá se foder, Gedeon. — Virou-se e caminhou em
direção à escada levando seu presente.
Vinte
CATARINA
Um pesadelo me acordou mais cedo do que o planejado. E com ele
vieram todas as lembranças traumáticas que costumavam empurrar meu
humor para baixo.
Eu nunca tinha corrido tanto na minha vida; precisei contar
bravamente com meu fôlego enquanto mantinha a pochete com documentos
agarrada a mim, pois minha bolsa já tinha se perdido no caminho escuro.
Sabia que já estava dentro dos Estados Unidos. Estava no Arizona,
mas ali, não encontrei o mundo cor-de-rosa que idealizei, foi só perigo
ameaçador.
Então fui pega e arrastada como se fosse um bicho, pelos cabelos e
depois pela roupa, levada junto com mais dez imigrantes que não
conseguiram escapar.
Não importava o quanto eu gritasse ou implorasse. Aqueles homens
armados e encapuzados nos viam como bichos.
O meu sonho de uma nova vida, a promessa de um futuro brilhante
longe do sofrimento brasileiro ficava para trás. No entanto, meu namorado e
os comparsas chegaram de última hora, trocando tiro com os caçadores de
imigrantes que tinham nos pegado.
Peterson era um brasileiro que ganhava a vida sendo coiote — nome
nada carinhoso para os contrabandistas de gente. Ele fazia isso há alguns
anos, ajudava pessoas a atravessar ilegalmente a fronteira para dentro dos
Estados Unidos.
Eu o conheci em um bar onde eu trabalhava meio período como
garçonete, quando tinha dezoito anos. E decidi que aquele homem
desprovido de beleza ia ser a porta para o meu futuro; ele seria o bilhete
premiado para me tirar da vida difícil do Brasil.
E para convencer Peterson a me atravessar de graça, eu lhe dei o que
estava guardando com tanto cuidado, a única coisa de valor que eu tinha.
Dei a oportunidade de ser o meu primeiro homem, e isso foi o bastante para
que ele se convencesse a me levar em uma aventura cujo planejamento
durou quase um ano, até, enfim, acontecer em uma noite quente de verão.
Eu estava nos Estados Unidos, fugindo de caçadores, junto com meu
namorado traficante. Uma jovem de dezenove anos que não sabia nada do
mundo. Eu não conseguia ver um futuro à minha frente enquanto o carro de
Peterson avançava na noite, a toda velocidade.
Tudo que eu via era minha mãe moribunda estendendo a mão para
mim. Eu ia morrer naquela noite e enfim encontrá-la no além.
Peterson tinha conseguido me salvar das mãos dos soldados ilegais
patriotas. Mas ele estava ferido e não podia ir muito longe.
Então tivemos de parar para que eu pudesse tomar a direção ou ajudá-
lo de alguma forma. No entanto, naquela noite, eu vi minha esperança ser
assassinada na minha frente. Peterson era a única garantia de sobrevivência
que eu tinha naquele país estranho.
Apesar de não o amar, de não me sentir atraída por ele, de não gostar
dele como namorado, ele era o meu amigo e protetor, e era a porta que iria
me levar ao meu sonho. E o mataram bem ali, a facadas, enquanto eu me
encolhia em um barranco do deserto à noite.
Essas imagens me perseguiram por todos esses anos, perturbando meu
sono, criando pesadelos e traumas que não foram curados. Na verdade, eles
produziram fortes travas em mim.
Estiveram comigo enquanto eu dançava na boate. Enquanto eu sorria
para os clientes. Enquanto eu buscava abrigo em mim mesma.
Eu estava a salvo agora, em uma cama de luxo, usando roupas caras,
em uma mansão segura no meu país natal. A única ameaça aqui era um
churrasqueiro gaúcho que queria me mandar de volta para o inferno do qual
saí.
A noite tinha sido péssima: além de ter sonhos com a morte de
Peterson, minha mente resolveu concentrar toda a energia na lembrança de
mais um beijo de Gedeon.
Ele queria me expulsar, mas não perdia a oportunidade de me punir
com seus beijos gostosos.
— Acordada tão cedo? — Ravi perguntou, de pé no quarto se vestindo
para sair. Ele ia viajar com o primo e com o avô, e voltariam só à noite.
Ficar sozinha nessa casa com Gedemônio não me preocupava mais, só
atiçava a minha ansiedade.
— Tive a merda de um pesadelo. — Espiei-o por debaixo dos
cobertores. — Está tão lindo. Queria ser sua noiva de verdade.
— E eu queria ouvir isso do meu namorado de verdade. — Ele
terminou de ajeitar a gravata e sentou na cama ao meu lado.
— Você tem que se valorizar, poxa. Juliano não vai encontrar outro
igual a você na vida dele.
— Um macho daquele tamanho fazendo birra, dá para acreditar? Quer
porque quer que a gente vá passear em algum lugar para ficar mais à
vontade, e, claro, te levar para fingir. E eu até entendo, ele só quer passar
um tempo comigo.
— Se você quiser, podemos planejar fazer isso algum dia. Quero
conhecer Gramado, poderíamos fazer esse passeio os três juntos.
— Faria isso por mim? — Um sorriso iluminou o belo rosto de Ravi.
— Claro. Conhecer uma cidade linda, me hospedar em hotéis de luxo e
comer chocolate? Quem não quer?
Ele riu, concordando comigo.
— Eu vou planejar com Juliano e te aviso. Hoje vou para Santa
Catarina com vovô e Rony. — Fez uma pose esnobe antes de finalizar: —
Vamos de jatinho.
— Que chique.
— Pois é. Vai ficar tudo bem por aqui? Entre você e Gedeon?
Contei para Ravi sobre termos saído juntos ontem, mas omiti,
novamente, sobre o beijo. E escondi o presente que Gedeon me deu. Não
sabia por que estava fazendo isso, Ravi era meu amigo, éramos uma equipe,
e ele deveria ficar a par de todos os acontecimentos.
Acho que eu tinha vergonha de parecer tão safada e fraca. Caí na lábia
do irmão dele com muita facilidade.
— Vai, sim. Vai ficar tudo bem. Eu sei lidar com Gedeon.
— Ele não disse mais nada sobre Roxy?
— Só disse que vai investigar. Vamos aguardar.
Ravi saiu, e gastei mais uns minutos na cama, olhando para o teto,
pensando em cada ponto dos últimos dias. A festa, os amigos pervertidos de
Gedeon, a família amorosa de Ravi.
Enfim tive forças para sair da cama, tomar uma ducha animadora e,
após escolher mais uma roupa para a personagem-noiva-modelo, desci para
tomar café. Dessa vez, encontrei a cozinheira. Se chama Veridiana, eu já
tinha sido apresentada a ela e ao seu obediente ajudante, que é sobrinho
dela.
— Bom dia.
— Bom dia, Catarina. Se quiser ovos, diga como prefere, e eu
preparo.
— Obrigada, dona Veridiana. — Escolhi um lugar à extensa mesa de
madeira e me sentei, já com o estômago roncando só de ver as opções
disponíveis. — Estou satisfeita com tudo isso aqui.
Eu me servi de café, que estava cheirando deliciosamente bem. Eu
amava café pela manhã, talvez tomasse outra coisa depois, mas sempre uma
xícara de café primeiro; era sagrado.
— Isso aqui é cuca. Acabei de fazer. — Veridiana apontou para um
bolo áspero. — Quer experimentar um pedaço?
— É doce ou salgado?
— Doce. — Ela cortou uma fatia e me entregou. — Faço sempre,
porque seu Gedeon adora. Essa é recheada com goiabada.
A mulher ficou parada me olhando, como se eu fosse uma jurada de
programa culinário, enquanto eu provava um pedaço. Para minha surpresa,
era bom. Provei mais um pedaço, adorando o sabor, e depois que balancei a
cabeça aprovando, Veridiana relaxou e sorriu.
— Muito bom — falei — Nunca tinha comido.
— Aqui a gente come muito isso, é da culinária gaúcha. Tu já comeu
arroz de carreteiro?
— Ainda não.
— Pois hoje vou preparar um delicioso, para tu provar. Só vou
conferir se seu Gedeon vai almoçar aqui.
— Ele não está em casa?
— Não. Tomou café e saiu ainda há pouco.
Ah! Graças a Deus. Liberdade.
Liberdade para poder comer em paz, liberdade para colocar os
pensamentos em ordem.
Comecei a comer tranquilamente, desfrutando do sabor de cada opção
disponível na mesa, mas minha alegria não durou dez minutos.
Um funcionário da fazenda entrou na cozinha e, meio constrangido,
me olhou.
— Dona Catarina, seu Gedeon pediu para eu vir buscá-la.
— Me buscar?
— Sim, agora. — Olhou no relógio de pulso e de volta para mim. —
Nesse exato minuto.
— Diga a ele que não vou — respondi calmamente, pegando outra
fatia de cuca. Estava mesmo divina. Moon adoraria experimentar todas as
guloseimas que eu estava conhecendo lá. Ela ia se fartar.
— Com licença — o homem falou, se afastando já com o celular na
orelha, e voltou dez segundos depois, estendendo-o para mim. Não recusei
em receber o aparelho, o funcionário não tinha culpa.
— Diga — falei ao celular.
— Quer que eu me zangue? Talvez meu avô ou Ravi ficarão felizes em
saber o que descobri. — Era Gedeon, e ele não parecia muito amigável.
Nem respondi, entreguei o celular ao homem, concordando que eu ia, sim, e
isso o fez soltar o ar numa respiração longa.
— Ele pediu para a senhorita levar um agasalho — comunicou e saiu.
Gedeon me tinha em rédea curta. E mesmo que eu detestasse ser
obrigada a qualquer coisa, o meu personagem exigia esse tipo de postura.
Eu só tinha de fazer o noivado falso durar o suficiente para Ravi conseguir
a direção da empresa, e eu, os dólares. Para isso, tinha de distrair Gedeon,
para ele não tentar algo. Então eu voltaria correndo para Nova Iorque, para
comandar a minha vida, e ninguém nunca mais mandaria em mim.
Terminei o café, peguei um casaco e uma bolsa, jogando dentro
algumas coisas que julguei necessárias e saí logo atrás do funcionário. Ele
dirigia calado um dos carros de luxo de Gedeon. Acho que o churrasqueiro
tinha uns três, mas sempre preferia usar a caminhonete.
O homem me levou até um heliponto, e quando desci do carro, meu
coração disparou de forma truculenta diante da visão à minha frente.
Eu me dei ao privilégio de parar por alguns segundos, só o necessário
para que minha memória registrasse aquela imagem. Uma imagem que, em
meus momentos mais deploráveis, apareceria como um pontinho
extraordinário só para me lembrar de que nada daquilo nunca poderia ser
para mim.
Gedeon, perfeitamente belo, completamente de preto — incluindo o
casaco estilo aviador e os óculos escuros — estava diante de um helicóptero
também preto. Não era só sobre dinheiro, era sobre se destacar de forma
natural, como se tivesse recebido dos deuses a dádiva de ser o destaque.
Assim que viu o carro parar, ele veio rápido na minha direção, me
encontrando quando saia do carro.
— Venha. — Tocou minhas costas, me guiando na direção da
aeronave. — Trouxe um casaco como instruí?
— Sim. O que é isso? Para onde vamos?
— Helicóptero, Catarina. Catarina, helicóptero — zombou como se
estivesse me apresentando. — Vamos voar.
— Para onde?
— Para onde eu quiser. — Ele me ajudou a entrar, e eu nem contestei,
aceitando a ajuda. Havia um homem pronto para pilotar, o que era menos
preocupante. Gedeon se sentou ao meu lado, e a porta se fechou, me
fazendo pensar que eu poderia morrer naquele dia mesmo e virar notícia em
algum jornal local.
Mas, no fundo, eu sabia que Deus não deixaria isso acontecer, era
muito injusto morrer depois de estar quase conseguindo alcançar minha
liberdade financeira.
O interior do helicóptero era sofisticadamente confortável, na cor
marfim e com seis poltronas. Três em frente de outras três. E a cabine de
passageiros era separada do condutor.
Deixei que Gedeon me ajudasse com o cinto de segurança e, em
seguida, com uma espécie de fone nas orelhas. Eu me flagrei tremendo,
morrendo de medo. Minha intuição dizia que essa coisa tinha mais chance
de cair ou dar uma pane do que um avião. E quando começou a tremer por
causa das hélices girando, imediatamente fechei os olhos, apertando a mão
que encontrei do meu lado.
A mão dele era muito boa de segurar.
Maldito Gedeon.
Ele riu, e o som saiu no meu fone.
— Eu vou te matar logo quando estivermos em terra firme — prometi.
E foda-se se o piloto estivesse escutando também.
— Vou gostar de te ver tentar. — Riu mais uma vez, provavelmente
saboreando meu sofrimento.
Vinte e um
CATARINA
— Espero que não esteja me levando para outro estado com a intenção
de me abandonar por lá — falei, olhando a cidade lá embaixo pela janela. A
aeronave tinha estabilizado, diferente do meu coração, que ainda lutava
inquieto, tanto pela viagem inédita quanto pela proximidade do homem que
tecnicamente era o meu adversário.
— Não. Quando eu for te tirar da nossa vida, serei mais criativo.
Eu até riria de suas palavras se não estivesse tão tensa.
— E para onde estamos indo? Alugou essa coisa só para me
impressionar? — Eu enfim me virei para ele. Gedeon tinha tirado os óculos
e estava com o olhar fixo em mim; os lábios sugerindo leve sarcasmo.
— Acha que eu preciso alugar algo? E você já está impressionada
comigo.
— Esse... é seu?
Sua resposta foi um sorriso com direito a sobrancelhas erguidas, como
se me achasse uma bobinha.
— Tem nome? — indaguei.
— O quê?
— O helicóptero.
— Sim, Bell 429.
— Não, estou falando sobre um nome. Um nome carinhoso, como se
dá a um cachorro. O helicóptero não tem um nome?
Quase sorri da cara de incredulidade que ele fez.
— Quem em sã consciência daria nome a um helicóptero?
E não estava errado.
Passei um tempinho calada, tamborilando os dedos, inquieta com a
situação. Eu acabei de fazer uma autoanálise, concluindo que era
definitivamente muito louca por ter entrado em um helicóptero com um
homem que nitidamente pensava mal sobre meu caráter, ainda mais após o
irmão dele avisar que ninguém podia com Gedeon.
Mas Gedeon não me dava medo, mas sim outra coisa.
Abri minha bolsa, peguei um espelhinho para conferir o batom
clarinho que passei como precaução, por não saber para onde estava indo.
Eu devia ter mandado uma mensagem para Ravi, para que ao menos uma
pessoa soubesse onde eu estava.
Pelo espelhinho, flagrei Gedeon me olhando, então guardei o acessório
e me voltei para ele.
— Vai me levar para longe e me deixar escondida até convencer seu
irmão a terminar comigo?
— Não. — Apesar de não rir, seu semblante era descontraído.
— Vai tentar armar algo vergonhoso para me expor para sua família?
— É uma boa ideia, mas não ainda.
— Então me conta para onde está me levando.
— Ao chegar, você vai entender.
E entendi quando o helicóptero pousou. Era Gramado. A gente estava
na cidade do chocolate, a qual eu planejava ir com meu noivo.
Incrédula, já fora do helicóptero, encarei Gedeon, que colocava um
boné e os óculos escuros, conseguindo ficar ainda mais bonito. Por isso ele
recomendou que eu viesse com um casaco. O dia estava frio, com nuvens
acinzentadas.
— Vamos? — Segurou meu cotovelo, me levando em direção a um
carro que estava nos esperando. Freei as passadas, obrigando Gedeon a
parar também.
— Eu ouvi certo? Estamos em Gramado?
— Sim. — Fez maior cara de sonso.
— Eu disse que iria conhecer esse lugar com o meu noivo.
— O seu noivo me deu tua tutela, então eu decido quando você vem.
— É muita presunção. Além do mais, você me odeia e me traz em uma
viagem de helicóptero para a cidade do chocolate? Não estou entendendo a
sua lógica.
— A lógica é simples, tchê. — Curvou-se para falar bem pertinho do
meu rosto. — O que eu puder fazer para boicotar momentos especiais e
felizes entre você e meu irmão, eu vou fazer. Pois assim será mais fácil para
ele quando as tuas mentiras te derrubarem. — Gedeon voltou a me segurar,
me levando para o carro, então abriu a porta e me encarou.
— Entra no carro. Agora.
Eu pretendia ser um porre, me tornar o maior desgosto para acabar
com o dia dele e fazê-lo se arrepender de ter me arrastado para essa cidade
sem ter avisado antes. Eu nem mesmo estava com uma roupa confortável
para um passeio.
No entanto, foi só ver a beleza da cidade, que esqueci completamente a
irritação. Meu coração disparava conforme o carro percorria as ruas. Era
como se estivesse em um cenário de um filme de fantasia da Disney.
Gedeon pediu ao motorista que parasse em determinado lugar, desceu
e demonstrou algum cavalheirismo abrindo a porta para mim.
— Para onde vamos? — indaguei, saindo do carro. Antes de me
responder, ele conversou com o motorista, que logo foi embora, nos
deixando na rua movimentada, que era inacreditavelmente fofa e charmosa,
marcada por uma arquitetura rústica no estilo europeu em cada prédio e
casa de pedra e madeira.
Eu nunca tinha ido à Europa, no entanto quase me sentia como se
estivesse lá.
— Você é turista, não vai conseguir aproveitar nada se estiver dentro
de um carro. Ali é a rua coberta, venha ver.
Eu não queria ter essa experiência justamente com o homem que não
escondia suas convicções ruins contra mim, todavia era impossível não
desfrutar.
E era mesmo uma rua coberta, com teto oval de vidro e com plantas
pendentes. Eu achei que parecia o corredor largo de um mercado. Tinha
lojinhas, lanchonetes e muita gente caminhando. Além disso, bem em frente
à rua coberta ficava o Palácio dos Festivais, onde acontecia o famoso
Festival de Cinema de Gramado. Era impressionante ver de forma concreta
algo que na minha realidade era apenas uma ideia.
Este era um mundo que nunca fiz parte e que não achava que faria um
dia. Mas isso não me chateava, pois eu estava tendo a minha experiência.
Entusiasmada e fascinada, até esqueci que o churrasqueiro
manipulador andava ao meu lado. E só quando ele tocou meu braço, a
realidade me deu olá.
— Quer tomar um chocolate quente?
Eu poderia recusar, tentar ser chata. Mas era a porra de um chocolate
quente em um cenário paradisíaco e frio. Como uma criança facilmente
subornada, indaguei:
— Onde?
— Ali, vem comigo.
Sentamo-nos a uma mesa de um estabelecimento que era uma graça;
de repente, me vi transportada para a Itália romântica. Eu queria suspirar,
tirar fotos, sorrir, mas guardei tudo para mim. E logo tínhamos canecas de
chocolate quente à nossa frente. E estava esplêndido; textura quase
aveludada e quente, mas não a ponto de queimar, era só para aquecer.
Gedeon, à minha frente, se mantinha sério, e por causa disso freei um
pouco a minha animação. Talvez isso fosse um teste, eu não poderia parecer
pinto no lixo, deslumbrada com riqueza e beleza material.
— Estou impressionada... com tudo. Eu sempre ouvi falar do Festival
de Cinema de Gramado, e acontece bem ali. Parece que acontecia em outra
realidade...
— Gosta de cinema?
— Não sou cinéfila. Mas assisto sempre que posso.
Ele se recostou, relaxando na cadeira e me estudando atentamente.
— Qual o seu tipo de filme favorito?
— Filmes... que eu mais gosto?
Assentiu, confirmando.
— Ah... — Ajeitei alguns fios de cabelo. — Gosto dos clássicos,
Casablanca, Cidadão Kane.
— Nem fodendo. — Gedeon riu.
— Por que não?
— Você não tem cara de ser esse tipo de gente que acha que filme bom
são só esses clássicos tediosos. Me conta uma verdade, ao menos uma vez.
Olhei para minha caneca de chocolate quente e de volta para o rosto do
homem sentado à minha frente, aguardando algum tipo de autenticidade que
eu tinha de sobra, mas Miss London me aconselhou a abafar. Mas ele já
pensava o pior de mim, eu não precisava mentir.
— Gosto de filmes de ação e comédia romântica.
— Sabia. — Ele riu. — Me diga um.
— Amo A Casa das Coelhinhas.
— Que merda é essa?
— Aqui. — Peguei meu celular na bolsa, acessei o YouTube e
entreguei a ele para ver o trailer do filme.
Tomando chocolate quente, eu observava o rei do churrasco com a
testa franzida, meio chocado, descobrindo um dos meus guilty pleasures. O
outro era ele mesmo. Gedeon era sem dúvida o meu maior prazer culpado.
— Sua heroína de filmes é uma garota da Playboy?
— Ela é mais do que isso.
— Porra, você é mesmo uma stripper. Isso aqui te entregou. Nem
fodendo que vou deixar você se casar com meu irmão.
— Chegou a essa conclusão só porque gosto desse filme?
— Lógico. Isso é sua playlist de filmes? — Continuou mexendo no
meu celular.
— Me devolve, Gedeon.
— Olha só isso, você tem um mau gosto terrível, por isso mente para
as pessoas dizendo que gosta de clássicos. Eu também mentiria se tivesse
esse gosto.
— Eu assisto filmes para me distrair, por isso gosto dos mais
descontraídos.
Ignorando-me, começou a bisbilhotar e ler os nomes dos filmes que eu
salvei na minha lista.
— As Bem Armadas, com Sandra Bullock. Como Perder um homem
em 10 dias...
— Não fala mal desse. É um ícone.
— A Proposta, com Sandra Bullock. Um Espião e Meio, com The
Rock. Bem-vindos à Selva, com The Rock. Você parece ter seus atores
preferidos. — Levantou os olhos do celular. — The Rock é o tipo de
homem para você?
— Seu irmão é meu tipo de homem.
— Aham, capaz. — Voltou a passar o dedo na tela, e isso já estava
acabando com minha saúde mental, pois bastava ele querer para começar a
descobrir mil coisas ali, naquele aparelho.
— Olha só, a playlist de músicas. Já imagino o que deve ser.
— Chega. — Voei na mesa, tomando da mão dele.
Gedeon bebeu seu chocolate quente, me olhando, e depois falou:
— Estou aqui pensando que você se moldou inteiramente para entrar
na vida de Ravi. Esconde dele até o gosto duvidoso por filmes? Porque isso
aí não é algo que Ravi apreciaria.
— É crime querer se adequar a vida do homem que se ama?
— Pra cima de mim com essa conversa, Catarina?
— Você nunca fez nada por amor, Gedeon? Nunca fez nada para
agradar a quem ama? — Curvando a cabeça enquanto o analisava, decidi
virar o jogo. A pergunta aparentemente o deixou levemente desconcertado,
mas o homem se recuperou a tempo.
— Não acredito nesse tipo de amor.
— Uau. Tão típico. Um bilionário que não acredita no amor, porque
aparentemente todas as mulheres são culpadas e nunca entendem o alecrim
dourado.
— Eu disse que não acredito nesse tipo de amor. No tipo igual ao seu,
que precisa esconder a si própria para que o outro te ame. Amor de verdade
aceitaria tuas falhas. Meu irmão ama uma ideia de uma Catarina perfeita
que você criou, mas que não existe.
Isso me amordaçou. O cretino era escorregadio como sabonete.
Eu bem que podia dizer que Ravi me conhecia, sim, que sabia, sim,
que eu era uma dançarina de boate e que sabia que eu amava comer carne e
assistir a filmes de comédia. Mas o Ravi que ele achava que conhecia
jamais se interessaria por uma stripper.
E, nesse momento, seguir com o plano era mais lucrativo do que
esclarecer mal-entendidos para um homem que não ia me dar nada em troca
nem mudar a minha vida.
Vinte e dois
GEDEON

Não sou um cara básico. Não cometeria a loucura de ser um homem


comum.
Acho que por isso me atraio fácil por quem tem a coragem de sair do
caminho certinho percorrido pela maioria.
E é por isso que Catarina ainda está aqui jogando o seu joguinho
mentiroso, enquanto se deslumbra com tudo que meu dinheiro pode
comprar. Eu não somente permiti que ela continuasse ludibriando minha
família, como estou dando corda, pois de uma forma estranhamente
viciante, eu gosto de admirar a coragem dessa perigosa interesseira
interpretando uma personagem.
Ela é grande em sua loucura arriscada, não conheço uma mulher que
teria sido capaz de jogar comigo por tantos dias sem desistir.
Como um cientista ficaria obcecado por estudar um espécime raro,
estou tentando decifrar a noiva do meu irmão, que agora, veja só, está em
minhas mãos.
— Você vem com frequência aqui? — perguntou, andando ao meu
lado na rua após sairmos da rua coberta. Olhei para Catarina e respondi:
— Em Gramado?
— Sim, é tão perto.
— Venho, mas porque tenho uma filial da churrascaria aqui. Venho
uma vez por semana.
— Nada de passeio? Apreciar essa beleza, curtir...
— Quase nunca. Não sou esse tipo de cara.
— Que tipo?
— Que sai nos momentos de folga para passear em locais turísticos, se
deslumbrar com coisas materiais bobas... passear em shoppings ou ruas...
— Afinal você já nasceu no meio disso tudo — soltou a crítica, que
não era algo ofensivo. — Você só enjoou de algo que sempre teve. Como
dizem, o dinheiro não tem muita importância se você já tem tudo.
— O que está insinuando?
Catarina elevou os olhos, encontrando com os meus, e deu de ombros.
— Nada. Mas... você tem tanto medo de que mulheres se aproximem
de você por causa do dinheiro, mas não parece usufruir com alegria desse
dinheiro, como um pobre raiz faria.
— Eu não trabalho duro para gastar meu dinheiro com... besteira.
— Não é besteira se te deixa feliz.
E ela estava certa. Havia tanta coisa que eu considerava besteira, mas
que para alguém era um sonho ou o ponto alto de felicidade.
— Além do mais, dificilmente seria legal fazer esse tipo de programa
sozinho — falei, me arrependendo de imediato, pois isso só revelava como
era solitária a minha vida íntima.
— Porra, mas Gedeon Barreto é um cara tão disputado por aqui.
Estava dando uma olhada nos comentários das safadas no seu Instagram.
Elas babam por você. Companhia não falta.
Acabei rindo ao ouvir isso, me perguntando se ela também estava
nesse grupo que babava por mim.
— Mulher para mim é do encontro para a cama e da cama para a rua.
— Clichê! — Catarina berrou a palavra imitando um espirro, o que me
divertiu.
— Eu sou clichê ou a minha postura?
— É a postura. Parece mesquinha e elitista.
— Elitista? — Acabei rindo alto. — Não vejo como.
— Porque vejo esse tipo de comportamento apenas com homens muito
ricos. Eles acham que todas as mulheres só os querem porque estão de olho
no dinheiro e acham que elas nunca serão capazes de amar na totalidade,
amar o homem por inteiro.
— É mais do que se proteger de golpistas. Veja bem, homens ricos já
têm tudo que o dinheiro pode comprar. Mas não se compra o amor, certo?
— Certo.
— E é decepcionante quando você ama alguém que está amando o que
você tem, a fama e o dinheiro.
— Deve ser terrível — ela sussurrou.
— Confesso, pode ser meio egoísta mesmo, mas não dá para arriscar
sempre e deixar que alguém ame mais a vida que meu dinheiro pode dar do
que todas as risadas e prazer que minha companhia pode oferecer.
Catarina estava me fitando calada, e quando dei por mim, estávamos
parados na calçada nos encarando. Pigarreei, fugindo da sensação de
compreensão banhando os olhos dela. Eu não queria isso, não queria
qualquer conexão com essa mulher, porque ela era exatamente tudo que eu
mais detestava.
Para ela, os bens financeiros importavam, e eu tinha de me lembrar
disso.
Preciso proteger meu irmão disso.
— Quer conhecer as fábricas e lojas de chocolate?
— Quero — concordou no mesmo instante, sem esconder o
deslumbramento.

***

— Isso tudo é chocolate? — Catarina paralisou, espantada, diante de


uma fonte de chocolate mais alta que ela.
— Sim. Toda de chocolate e com chocolate líquido jorrando — o
homem que nos guiava informou, cheio de orgulho.
— Mas... vai desperdiçar?
— Nada daqui de dentro desperdiça — ele riu ao responder. — Tem
outras esculturas de chocolate, vocês podem visitar. E podem degustar
alguns bombons aqui dessa seção. Fiquem à vontade.
Enfim, ele nos deixou a sós, e Catarina caiu de boca, degustando todos
que podia, enquanto eu observava em volta a uma distância segura. Apenas
olhava, pois não era novidade para mim. Já tinha vindo aqui outras vezes,
além de ter tido uma experiência não muito boa com Nívea.
— Vai com calma — sussurrei atrás dela quando Catarina pegava mais
um bombom.
— Você tirou a oportunidade de um passeio romântico meu com Ravi,
agora não vai ficar regrando o quanto eu como.
— Veja pelo lado bom: com Ravi você não poderia sair do
personagem. Comigo, você pode ser quem quiser. Não vou te julgar.
— Afinal, você já deu o seu veredito. — Ela deu de ombros. — Não
vai provar nenhum?
— Qual tu me indica?
Catarina se virou para me olhar, acho que se certificando de que eu não
estava fazendo algum desafio. Os lábios levemente sujos de chocolate me
deram vontade de limpar. Com a língua.
— Este tem um recheio delicioso de cupuaçu, mas esse aqui
praticamente derrete na boca. — Peguei um dos dois que ela apontou e o
joguei na boca, mantendo os olhos presos aos de Catarina. Ela pareceu
levemente ruborizada enquanto me observava comer. E tinha razão, parecia
derreter na boca. Acho que também sujei um pouquinho meu lábio.
Sem aviso, ela ergueu a mão, e como se fosse por puro reflexo, passou
o polegar na minha boca para limpar.
Ela adora mesmo se arriscar.
Catarina se constrangeu no mesmo segundo quando se deu conta do
que tinha feito, mas foi firme em não se afastar, mantendo a postura.
— Prova esse. É de café.
— Porra, chocolate e café? Deve ter um sabor horrível. — Joguei o
bombom na boca, só confirmando o que imaginava. — Não acho que café
seja um sabor para qualquer coisa. Para mim, só funciona sendo café
mesmo. Nem gelado presta.
— Melhor do que se fosse um bombom de chimarrão. Coisa amarga,
sem gosto — desdenhou.
— Bah, é melhor que tu pare de jogar ódio em cima do chimarrão em
plena terra gaúcha. Endoidou foi?
Agarrei o braço dela, já cansado de me controlar. Estava de saco cheio
de tanta vontade de fazer mil coisas com essa mulher. Mas não era coisa
ruim não, era coisa boa — que talvez depois traria consequências ruins, mas
as coisas que minha mente criava eram muito boas.
E a forma com que ela me atiçava só triplicava a intensidade do
desejo.
— Endoidei no momento que aceitei vir com Ravi para conhecer a
família dele — retrucou, com o rosto erguido em direção ao meu. Ela estava
pedindo. Fazia dias que Catarina estava doida para ganhar um pouco da
minha atenção. E aqui ela ia receber.
Olhei para os lados e me aproximei do ouvido dela para responder:
— Foi uma péssima ideia vir conhecer a família dele, mas vive
molhada de desejo pelo irmão dele.
— Em seus sonhos... — Rindo de forma cínica, Catarina se sacudiu,
tentando se libertar, mas a segurei com mais força, bem ali no meio da loja
de chocolates. E foda-se se alguém estivesse vendo.
— Detesta chimarrão, mas gostou quando te fiz provar mate da minha
boca — soprei contra os lábios dela. Catarina ofegou, cheia de desejo.
— Eu gostei? Tem certeza?
— Preciso te lembrar?
— Acho que sim — teve a coragem de falar.
Avançamos um contra o outro ao mesmo tempo. Envolvi sua cintura, e
Catarina agarrou a minha nuca. Meu pau ficou transtornado no mesmo
instante, e eu a apertei mais, degustando o sabor de chocolate em sua boca,
até nos darmos conta de que estávamos em local público, mesmo que
escondidos atrás de uma fonte imensa de chocolate.
Catarina foi a primeira a tomar atitude, me dando um empurrão ao
mesmo tempo que se afastava, colidindo com a fonte de chocolate.
— Puta que pariu! — berrei, e em câmera lenta vi quando ela
tropeçou. Eu poderia agarrá-la, poderia salvá-la de um desastre, se não
fosse sua mão, que agarrou o meu casaco e me puxou junto.
Bati a mão na fonte para me equilibrar, e como era uma fonte gigante
construída inteiramente de chocolate, ela cedeu, me derrubando junto com
Catarina e dando um banho de chocolate em nós dois.
***
— Veja no que tu me meteu, Catarina. É de cair os butiá dos bolsos,
viu?
— Eu te meti? Fui eu que te agarrei?
— Como se não estivesse doida para me beijar. Eu tenho uma imagem
de respeito a zelar, sou um dos homens mais ricos do estado e... eu não vou
me enfiar nisso. — Apontei para a fantasia de coelho da Páscoa, única
vestimenta que a loja aceitou me ceder para que eu não saísse todo
lambuzado.
Até tentei chamar meu motorista, mas foi inútil, não atendeu minhas
ligações. Com certeza já está demitido.
Ou Catarina e eu sairíamos cobertos de chocolate ou aceitaríamos as
roupas que a loja ofereceu. Um uniforme de funcionária para ela e uma
fantasia de coelho para mim. E eles ainda estavam sendo benevolentes, já
que destruímos a fonte e fizemos a maior lambança, obrigando-os a
interditar a ala para limpeza.
Com certeza tinha algo ali que me servia, mas eles queriam me ferrar.
— Você é meio dramático. — Ela já tinha se limpado e terminava de
vestir o uniforme composto por vestido e avental.
— É drama o fato de não aceitar entrar nessa merda que sabe lá Deus
quem usou? Deve feder a peido e suor.
— Então sai assim, só de cueca e lambuzado de chocolate. — Ela me
olhou de soslaio, dando uma risadinha cínica.
Eu estava mais sujo que ela. Tinha chocolate grudado em lugares que
até o cão duvidava. Só queria ir logo para o hotel tomar um banho, estava
sem saco para as provocações de Catarina.
Então peguei a fantasia fofa e comecei a me vestir.
— Deu sete mil e duzentos — a gerente disse para mim quando saí do
banheiro, fantasiado de coelho, carregando a cabeça da fantasia debaixo do
braço.
— Como é, querida? — Catarina respondeu na minha frente.
— Pelo estrago, pelas roupas e as compras de vocês.
— Mas foi um acidente... — Horrorizada, Catarina continuou
contestando. — Tipo, vocês não têm seguro?
A mulher fitou dentro dos olhos de Catarina antes de mandar a real:
— Vimos pelas câmeras de segurança o que houve de verdade.
— Está tudo bem, eu pago. — Entreguei meu cartão rapidamente. —
E, por favor, gostaria de pedir sigilo... sobre as imagens da câmera.
Sorrindo de forma gentil, ela assentiu, passou o valor no meu cartão e
o devolveu com um sorriso simpático.
— Isso foi uma extorsão na maior safadeza, eu estou em choque —
Catarina reclamou enquanto seguia ao meu lado na rua. — Ela te
chantageou na maior cara de pau.
— Ela não fez isso — resmunguei, incomodado com os olhares das
pessoas para cima de mim, fantasiado de coelho, levando várias sacolas da
loja. Em uma delas estava a minha roupa suja.
— Ah, claro! Ela só nos lembrou o que estávamos fazendo, como se
quisesse dizer: “a gente sabe que vocês estavam se pegando, então pague ou
vazaremos as imagens.”
— Bem perspicaz você. Como é uma golpista interesseira, reconheceu
outra.
— Vá se foder, coelho ridículo.
— Vou colocar essa merda para as pessoas não me reconhecerem. —
Enfiei a cabeça na do coelho, odiando o fedor de coisa suja mofada. Ao
meu lado ouvia o chiado da risada de Catarina.
O motorista enfim retornou minhas ligações, se desculpando por ter
precisado resolver um problema pessoal. Por sorte, eu já tinha feito a
reserva em um hotel antes mesmo de chegar aqui em Gramado. Tinha um
apartamento aqui, mas ainda estava sem mobília.
Parados no acostamento, esperávamos o carro que chegaria a qualquer
momento, quando ouvi:
— Mamãe, mamãe, é o coelho. — Olhei para o lado, vendo duas
crianças vindo correndo em minha direção. Os pais e mais algumas pessoas
se aproximaram também, era uma caravana de turistas da mesma família.
Todos sorridentes, idealizando gentileza e diversão da minha parte só
porque eu era um coelho.
— Fica perto do coelho, vamos tirar uma foto — o pai das crianças
comandou, mas como meu humor estava abaixo de zero, não ia permitir
isso, mesmo que fossem crianças.
— Não enche meu saco, não vou tirar foto com piá nenhum.
— O que disse? — Surpreso, o homem paralisou, olhando minha cara
de coelho.
— Que não vou tirar foto com piá nenhum, tchê. Some da minha
frente.
— Como que um funcionário de uma loja trata as pessoas assim? — a
mãe das crianças se indignou, já olhando para Catarina, que estava com o
uniforme da loja.
— Ah, minha senhora, não enche meu saco também. — Catarina
respondeu de forma malcriada. — Se quiser, pode ir reclamar na loja.
— E vou mesmo. Vocês serão demitidos.
O meu carro parou diante da gente bem na hora, como mágica.
— Vamos ser demitidos porcaria nenhuma, pode ir fazer sua
reclamaçãozinha — Catarina tripudiou. Abri a porta do carro, entramos
juntos e pedi ao motorista para arrancar.
— Sabia que longe de Ravi você tiraria a máscara e mostraria a
verdadeira Catarina — eu falei, tirando a cabeça de coelho. — Se é que esse
é seu nome mesmo. Estou animado para conhecer a verdadeira Catarina
entre quatro paredes, sem julgamentos.
Vinte e três
CATARINA
Não tinha como não ficar deslumbrada diante de tanto luxo. O quarto
do hotel era um lugar em que nunca sonhei botar os pés. Até nos meus
sonhos, eu certamente seria barrada de entrar num lugar assim.
Fiquei puta com Gedeon ao descobrir que não iríamos embora para
casa, e mais irritada ainda quando soube que ele nos colocou juntos em um
mesmo quarto de hotel.
O capeta é sujo e astuto, e Gedemônio era o melhor aluno dele.
A única cama chamou minha atenção de imediato, nitidamente para
um casal. Tinha até um raminho de flor no meio da cama, toda preparada,
com uma colcha muito fofa, verde-claro e branco, o que tornava o clima
ainda mais romântico. Combinava perfeitamente com a decoração do
quarto, de madeira e tons pastel, lembrando um belo chalé de montanha.
Quis me sentar na pontinha da cama para testar, mas tinha de
sustentar a cara feia de insatisfação por mais alguns instantes. Não podia
permitir que luxo e beleza me distraíssem tão fácil.
— Tu quer tomar um banho? Vou providenciar que lavem a nossa
roupa. — Ele estava tirando a roupa de coelho bem na minha frente. Evitei
olhar; luxo e beleza não iam me distrair, tampouco corpo gostoso de homem
babaca.
— Pode ser. — Andei rápido e me tranquei no banheiro, recostando
na porta por alguns segundos, com os olhos fechados.
No início, quando cheguei ao Rio Grande do Sul com Ravi, achei
que ia ser bem fácil, afinal quase não ia ver o irmão mais velho do meu
“noivo”. Teria apenas de encontrar casualmente com um ou outro integrante
da família. No entanto, agora simplesmente estava em outra cidade, presa
em um quarto de hotel com aquele que eu deveria evitar. E o pior de tudo: a
companhia desse maldito não era tão ruim.
Pensei em minhas amigas-irmãs da boate, que dariam tudo para ter
um momento como esse. E isso sem falar no fato de estar na companhia de
um homem como Gedeon: gostoso e rico. Sei que a Moon mataria para ser
notada por ele.
Pensando nisso, tirei uma foto minha dentro do banheiro e enviei
para ela, com os dizeres:

“Trabalhando pesado”
Ela me respondeu logo:
“Lucky bitch[8]”

Tomei um rápido banho, vesti um roupão limpo com apenas a


calcinha por baixo — já que meu sutiã estava sujo de chocolate — e saí do
banheiro, encontrando Gedeon na varanda, falando ao celular. Assim que
me viu, encerrou a chamada e me olhou de cima a baixo. Então passou por
mim e se trancou no banheiro.
Foi um alívio ficar sozinha no quarto, bisbilhotando tudo que podia.
Gedeon tinha trazido uma bolsa pequena. Fiquei tentada em dar uma
olhada, mas quando puxei o zíper um pouquinho, meu celular tocou. Eu me
afastei rápido e o peguei na minha bolsa. Era Ravi.
Corri para a sacada.
— Ravi?
— E aí, como estão as coisas? — Ele parecia exausto, e pelo leve eco
na voz, era provável que estivesse em um banheiro.
Era melhor contar para ele quando o encontrasse cara a cara. Não ia
deixá-lo preocupado imaginando como estariam as coisas entre sua noiva e
seu irmão em uma viagem a dois a Gramado.
— Está tudo bem. — Detestava mentir, mas fazia muito bem.
— E o Gedeon?
Espiei para dentro do quarto, vendo a porta do banheiro fechada.
— Distante, me dando um pingo de sossego.
— Amiga, desculpe, houve um imprevisto... — Ravi soprou um
lamento.
— Imprevisto?
— No jatinho. O piloto acabou de nos avisar, acho que é uma falha
mecânica. Provavelmente passaremos a noite aqui.
— Você não vem embora hoje?
— Tu vai conseguir sobreviver? Eu até pensei em pegar um voo
comercial, mas o vovô quer que fiquemos aqui com ele.
O leve desespero tomou conta do meu coração. Eu teria de passar
tanto tempo longe de meu escudo, que ia acabar caindo na tentação em
algum momento.
— Eu... farei o que for possível. Fique tranquilo.
— Não deixe o Gedeon te manipular. Basta ignorá-lo e se trancar no
quarto. Sei que você sente atração por ele, então, para evitar problemas, não
saia do quarto.
— É... o que farei.
— Ou prefere ficar com a Viviane? — Ele riu ao dar essa sugestão.
— Posso pedir a ela para ir te buscar.
— Prefiro lidar com seu irmão.
— Desde que se mantenha longe do pau dele...
— Meu sincero “vá se foder, Ravi.” — Gedeon saiu do banheiro,
olhando diretamente para mim. — Um beijo, amor. Fique com Deus... te
amo. Seu irmão — falei. — Teve uma falha mecânica no jatinho e vão ter
que dormir por lá.
— Bah, que ruim... — disse e veio caminhando na minha direção,
me encurralando.
— Escuta. Você nitidamente me detesta e está tentando acabar com
meu noivado com seu irmão porque me julga interesseira...
— Alguém que está mentindo para o noivo com certeza não é gente
que presta. — Jogou as palavras com tranquilidade, dando mais um passo.
Seu olhar antecipava suas motivações, e essas não eram nem um pouco
corretas.
— Ok. É a sua análise.
— Minha análise? — Ele gargalhou. — Barbaridade! Tu esconde do
cara o fato de que era uma animadora de casa noturna e agora age como se
fosse coisa da minha cabeça?
— Esse é o ponto que quero chegar. — Gedeon sabia o que causava
em mim, e sua aproximação me fez respirar pausadamente. — Você não
para de me acusar, mas sem mais nem menos me enfiou dentro de um
helicóptero de luxo e me trouxe para uma cidade turística onde eu poderia
comer todo o chocolate que tenho vontade... Por quê?
Seus dedos afastaram algumas mechas de cabelo do meu rosto. Ele
estava bem perto, o perfume do banho me rodeando, seu magnetismo me
prendendo com facilidade. Engoli em seco.
O medo se instaurou imediatamente. Mas não medo de que ele
pudesse fazer algo contra mim, medo das minhas emoções, medo das
minhas vontades, que gritavam alto demais e às vezes pareciam
incontroláveis.
— Porque eu quero te comer — Gedeon confessou em tom baixo,
cheio de desejo — Não ficou claro ainda, Catarina? Quero você só para
mim, longe do meu irmão, longe de qualquer empecilho.
— Você me trouxe para outra cidade só para... tentar me levar para
cama?
— E para que tu pudesse comer todo o chocolate que quisesse. — A
mão dele desceu pelo meu pescoço, encontrando a curva de meu ombro; em
seguida, começou uma breve massagem tentadora. Não desviamos o olhar,
e mesmo que eu quisesse gritar, brigar, correr, acho que meu desejo maior
era beijar a boca desse maldito manipulador.
A mão de Gedeon continuou sua viagem pelo meu corpo e abriu meu
roupão de forma ousada, me presenteando com o erotismo de seus dedos,
que correram leves, mas marcando como fogo, por entre meus seios, até
tocarem o meu ventre.
— E depois vai dizer ao seu irmão que eu o traí com você?
— Já disse que não vou contar para ele. — O lábio subiu levemente,
malicioso, mas verdadeiro.
— Por que não?
A mão desceu até chegar na minha calcinha. Agarrei seu pulso, mas
sem convicção suficiente para afastar a mão que massageou, com dolorosa
lentidão, o meu ponto latejante por cima do tecido, de leve, enquanto eu me
despedaçava de dentro para fora. O prazer fez meu coração disparar, ao
mesmo tempo em que minhas pernas perdiam a mobilidade.
— Porque você será a minha putinha particular. Tu não me engana, e
por isso, comigo, pode ser quem quiser.
Era tão degradante o fato de sentir tesão ao ouvi-lo se referir a mim
dessa forma. Mas eu sabia que entre a gente era baixaria pura.
— Você é a pior pessoa desse mundo — sussurrei quando os dedos
grossos invadiram minha calcinha e tocaram na minha boceta úmida.
— E, ainda assim, a pior pessoa do mundo te faz ficar de boceta
molhada.
Ele retirou os dedos, chupou brevemente e segurou meu maxilar,
acariciando de leve a minha bochecha. Estava me admirando, e isso era
mais do que eu esperava. Era palpável o desejo que Gedeon sentia por mim,
assim como eu sentia por ele.
Por isso, quando se inclinou e agarrou meu lábio com os dentes, em
um puxão forte, não me afastei. Eu permiti. Eu gostei da dor de sua mordida
erótica, assim como gostei do seu toque anteriormente.
Então avancei, tentando beijá-lo, cheia de raiva. Gedeon afastou a
boca da minha, rindo e apreciando minha vontade.
— Cachorro imbecil. Acha que vou implorar?
— Vai. Tu vai implorar — segurando com força meu maxilar, falou
pertinho dos meus lábios.
— Você não me conhece, porra — revidei.
— Mas eu me conheço, e tu vai implorar, sim. — Rapidamente me
suspendeu do chão; eu abracei seu corpo com pernas e braços e rosnei cheia
de tesão quando sua boca reivindicou a minha com possessividade,
despejando em meus lábios luxúria pura. A língua se moveu em sintonia
com a minha, e eu senti o maldito gosto viciante dele.
Gedeon era odiosamente gostoso. Esse maldito era a minha maior
fraqueza.
E eu era louca. Era completamente louca e desmiolada. Talvez
estivesse abrindo mão de minha liberdade financeira, trocando os meus
preciosos dólares por uma foda com um homem insuportável que não saía
da minha cabeça.
E pior que isso: talvez eu estivesse colocando Ravi em apuros, pois
ele precisava de uma noiva, e nossa farsa tinha de durar.
No entanto, meu corpo e mente se aqueciam de uma forma que eu
nunca tinha experimentado conforme Gedeon me beijava e tirava com força
o meu roupão.
Ele estava sentado na ponta da cama, me mantendo em seu colo, mas
ao me ver seminua, girou e me jogou na cama, contra os travesseiros
disposto a me apreciar.
De pé diante da cama, ele descartou o próprio roupão, me deixando
boquiaberta ao me deparar com seu tamanho real.
Era longo e lindamente meio curvado para cima, formato perfeito
para alcançar o ponto G da mulher. Ele tinha sido agraciado
anatomicamente. Estava bem ereto e cheio de virilidade, todo pronto para
mim. A cabeça rosada, meio úmida de lubrificação, convidava para uma
lambida; ele era do tipo de homem que babava de tesão nas preliminares.
Um joelho dele pousou na cama, e em seguida seu corpo se moveu
em minha direção, lento e sensual, impondo toda sua magnitude masculina
como uma fera predatória.
— Eu quis isso desde que te vi dançando, sua maldita safada —
confessou num sussurro enquanto segurava meu rosto.
— Saiba que não é recíproco — eu revidei. — Você não é o meu
desejo, é apenas uma consequência.
Ele captou minhas palavras como uma provocação. Eu podia ver no
olhar determinado.
— Capaz, porra. Nunca uma consequência te fará gritar tanto como
acontecerá agora. — Senti sua boca quase tocar a minha, o calor dos lábios
tão próximos, mas o beijo não veio. Gedeon passou a língua, apenas me
deixando sedenta, e desceu pelo meu queixo.
Lambeu meu pescoço como um lobo lamberia a presa antes de se
fartar.
Meus dedos mergulharam no lençol da cama quando a língua brincou
com o piercing em meu mamilo. Era extremamente sensível, e ele era o
primeiro a tocar depois que eu tinha colocado.
Não esperava que fosse tão gostoso o choque que atravessou meu
corpo, a língua no mamilo com piercing exigiu de mim todas as forças para
não gemer já na primeira lambida. Orgulhosamente, queria parecer forte e
não dar o braço a torcer.
Apreciei quando os dedos de Gedeon viajaram pelo meu ventre e se
aninharam entre minhas pernas, sem que a boca parasse de reverenciar
meus seios.
Sua mão entre minhas pernas proporcionava uma carícia
odiosamente gostosa, e o lamento saiu involuntário de minha garganta
assim que o dedo médio deslizou bem devagar, mergulhando na minha
boceta.
Gedeon ergueu o rosto, e eu notei seu sorriso quando me acariciou
sem pressa, e eu gemi. Ele queria ver a minha reação. O dedo curvado
dentro de mim tinha encontrado um maldito ponto de ebulição, e ele sabia o
que tinha causado.
Voltou a abaixar a cabeça para dar atenção aos meus seios sem parar
de me masturbar vagarosamente.
O dedo saiu completamente, me deixando carente por mais; passou,
em seguida, o polegar por fora, sendo um completo filho da puta, ignorando
meu clitóris. Deslizava o dedo bem perto, mas o evitava propositalmente.
— Que boceta quente e gulosa.
Dois dedos entraram, destruindo meu orgulho na hora.
Rebolei contra a vontade. Estava gostoso demais.
Gedeon parecia estar adorando ver a cena, porque segurou em meu
pescoço e me fodeu docemente com dois dedos. A expressão puramente
pervertida me deixava mole de tesão. Gedeon não parou de socar os dedos
em mim de uma forma que pudessem tocar no lugar certo. E a mão
apertando meu pescoço era só um aditivo no tesão.
Meu coração trepidava.
Meus pulmões pareciam bexigas furadas.
— Goza para mim, Catarina. — Ofegou, com a voz sexy.
— Não... pode achar... que vai ser tão fácil...
— Não? — Riu e então esfregou o polegar no clitóris ao mesmo
tempo que os dois dedos lá dentro me fodiam com propriedade de um
profissional. — Vai gozar sabendo que eu armei para cancelar o voo do meu
irmão.
— O quê? — Ergui a cabeça do travesseiro.
— Para ter você só para mim, na palma da minha mão. Então goza
para mim.
— Ah... seu... filho da puta.
Completamente satisfeito, Gedeon deu a cartada final. Segurou
minhas pernas, mantendo-as abertas para que pudesse enfiar a cara entre
elas, terminando de me aniquilar com uma chupada tão gostosa, que foi
capaz de tirar uma lágrima do meu olho.
Eu lutei. Não queria ser fácil. Mas a cada vez que a língua passeava e
que os lábios sugavam meu clitóris, não havia chance para mim.
Tremi vergonhosamente balançando o corpo, mas mordendo as
costas da mão para não gritar de prazer e dar a Gedeon o que ele queria.
Eu tive poucos parceiros de cama, mas nenhum deles tinha
conseguido chegar aos pés do que Gedeon acabara de fazer.
Ele ergueu o rosto, cabelos assanhados, olhar e sorriso de puto
safado; ele estava mais irresistível que nunca. Gedeon lambeu as pontas dos
dedos como se tivesse comido uma sobremesa.
— Poderia chupar sua boceta o dia inteiro. Mas temos outros
assuntos para resolver.
Rastejou para cima de mim e se encaixou perfeitamente sobre o meu
corpo. Minha perna rodeou seu quadril, e foi inevitável que seu pau se
posicionasse, pressionado meu ponto ainda sensível pelo orgasmo.
Gedeon manteve meu rosto seguro com uma mão, mas agora parecia
incrédulo ao fitar o meu rosto. Havia pura satisfação em seu olhar
conquistador.
E ao beijar minha boca, devagar, como se tivesse por mim um apreço
que merecesse um beijo lento, ele conseguiu novamente reacender meu
corpo.
— Por que... me disse aquilo? — indaguei, obrigando-o a se afastar,
mas não perdendo o clima. — Sobre o voo...
— Porque você precisa saber com quem está lidando. Eu dou as
cartas e movo o meu mundo conforme a minha vontade.
— Não sente remorso por estar fazendo isso?
— Não. Porque a partir do momento que você me desejou, você
deixou de ser dele. Acabou o seu noivado, Catarina. Acabou. — E voltou a
me beijar.
Não, Gedeon Barreto. O noivado não tinha acabado. E você não fazia
ideia de quem estava na verdade sendo enganado.
A mão dele deslizou entre os nossos corpos colados até alcançar
novamente a minha boceta, que já havia se reanimado, pronta para mais
uma rodada.
E, dessa vez, eu sorri com seu toque ousado. Porque eu estava
tranquila. Eu tinha confiança no meu jogo.
Vibrei no momento em que senti a pressão do pau na entrada, pronto
para me preencher. Segurei a respiração, achando que aconteceria, mas não
veio. Gedeon sorriu pertinho do meu rosto, adorando ver as minhas reações
a cada vez que ele manipulava o meu corpo a seu bel prazer.
— O que tu tá querendo? Fala.
— Não sei. Lavar... uma trouxa de roupa talvez?
Os dois dedos voltaram a se introduzir de maneira lenta e torturante,
me fazendo querer mais. Querer alívio para a gostosa sensação que Gedeon
cada vez proporcionava mais.
— Pede — sussurrou, se mantendo a centímetros dos meus lábios. —
Pede, porra. Porque eu preciso saber o que você quer.
Passei as mãos pelo corpo forte dele, percorrendo suas costas e
chegando à bunda. Que era uma poderosa bunda.
— Você prometeu que eu ia gritar, então dê o seu melhor, maldito.
Estou molhada implorando pelo seu pau, não é suficiente?
Ele riu, pegou minhas palavras como aprovação e selou com um
beijo de língua, que só foi interrompido pelo meu gemido, fruto da pura
liberdade deliciosa conforme ele se afundava em mim.
Meu interior ensopado o recebeu com desejo.
Adequando-se à sua grossura, pele com pele, meu corpo parecia fio
desencapado soltando faísca para todo lado. Era tão grosso e longo, parecia
me rasgar da maneira mais gostosa que poderia imaginar.
— Tu se arrepiou inteirinha. — Ele observou, ofegante. As pupilas
lindamente dilatadas, indicando que aquilo o afetava tanto quando me
afetava. — Diga que é pequeno agora, diga. — Concluiu se dando por
vencedor.
Ele tirou por completo e se afastou de nosso abraço, para poder me
chupar rápido e de modo muito eficiente. Deu um beijo de língua na minha
boceta e então, ajoelhado entre minhas pernas, voltou para dentro de mim.
Olhando nos meus olhos.
Éramos só nós dois ali, o prazer parecendo um ser materializado nos
abraçando.
O pau de Gedeon não era mesmo pequeno. Era grande, era mais que
o suficiente para me fazer engolir meu insulto. Era sem dúvida o maior
espeto do churrasqueiro; uma piadinha infame. Coube tão bem, que quando
ele remexeu o quadril, quase gozei.
Puta merda. Eu quase tive um orgasmo só porque o homem
encontrou o lugar certo dentro de mim e rebolou um pouco.
— Droga — arfei. — Uau.
Antes que eu pudesse raciocinar, a mão dele parou na minha garganta
e apertou como se fosse para me segurar; a partir daí o homem
simplesmente virou uma máquina mortífera, estocando forte e constante na
minha boceta loucamente fascinada por ele.
Ela o queria. Meu interior ansiava por mais a cada metida deliciosa.
Entrava tão bem, que parecia tocar uma campainha secreta dentro de mim
que só Gedeon tinha a senha.
Conforme sua mão apertava meu pescoço, seu olhar se tornava mais
sexy. Enquanto seu pau me preenchia vigorosamente, partes de mim se
dissolviam em torno dele.
E antes que eu pudesse interrompê-lo com um orgasmo de dar inveja,
Gedeon me puxou e sentou na quina da cama, para que eu pudesse cavalgar
no mastro delicioso.
Filho de uma puta irresistível.
De frente para ele enquanto o abraçava e cavalgava, reivindiquei um
beijo quase selvagem.
Ah... porra... que ódio... tinha que ser tão gostoso.
Eu rugia feroz, recebendo até o fim as arremetidas do pau. Gedeon
me agarrava com força, me fazendo sentir seu poder. E mais uma vez meu
corpo ia se desfazendo em uma explosão de prazer. Um orgasmo perfeito
com o combo beijo gostoso, cavalgada inacreditável e abraço selvagem.
Os braços me rodeavam com vontade. Então me forçaram para
baixo, me obrigando a parar com a festa de sentar nele.
— Não goza. — E me manteve parada em seu colo, sentindo-o todo
dentro de mim.
— Como... assim?
— Não vai gozar, caralho. A gente vai maratonar. — Ficou de pé,
me colocou de quatro na cama e, atrás de mim, segurou minha bunda
enquanto dava uma lambida, me fazendo implorar ainda mais, como ele
disse que eu faria.
Ele tinha razão, eu estava implorando.
Gedeon me preencheu novamente, de pé, atrás de mim; agarrou meus
cabelos e foi fundo. Dessa vez, gritei sem qualquer comoção. Gemi alto,
conforme ele me dava um prazer de arrancar os cabelos.
Talvez eu estivesse perdendo o valor do trato que fiz com Ravi, mas
nesse momento eu poderia lidar com ser egoísta comigo mesma, com meu
futuro, pois tudo que passava na minha mente era continuar a maratona com
Gedeon.
Ninguém pensa direito com tesão.
Vinte e quatro
CATARINA
Não tinha nem forças nas pernas para me levantar da cama. O cara
era bom. Na verdade, o churrasqueiro era perfeito na arte de finalizar uma
mulher na cama, deixando-a um trapo; completamente esgotada, dolorida,
com o corpo em perplexidade após a melhor surra de pau da vida.
Quando foi a última vez que transei tão gostoso assim?
Sinceramente, nunca.
Quando foi que tive o melhor orgasmo da minha vida? Sozinha com
um brinquedinho.
Quando foi que um homem me tratou como uma preciosidade e não
como somente um objeto sexual? NUNCA!
Enquanto me recuperava da dose cavalar de dopamina, comecei a
colocar os pensamentos no lugar, quando Gedeon rolou para cima de mim.
Estava sorrindo.
Oi? Ele estava sorrindo?
Acabou de trair o irmão e estava sorrindo?
— Tu fica tão bonita assim vermelhinha depois de ser bem fodida. —
Acariciou minha bochecha com o olhar de admiração cravado em meu
rosto, o que me deixou bem surpresa. Esperava ofensas, mas estava
recebendo carinho?
— Acha isso bonito?
— Acho. Pois fui eu que provoquei. É como a obra de um artista.
— Acha legal o que acabamos de fazer?
— Essa seria uma ponderação para antes de derramar o leite. O que
espera que eu faça? Chore por ter comido a mulher do meu irmão? —
Terminou de falar, me deu um beijo lento, segurando meu queixo, e girou
para o lado, saindo de cima de mim. Então vestiu a cueca e pegou uma
bolsa pequena que tinha trazido. Tirou algo de dentro e jogou na minha
direção.
— Toma.
Era um bombom Caribe.
Confusa, olhei para Gedeon, que havia voltado para a cama,
recostando no travesseiro ao meu lado enquanto já ia desembrulhando um
bombom para ele.
— Trouxe bombom Caribe para mim?
— Sim. Coma.
— Por quê?
— Para te convencer de que eu não sou tão ruim. Pelo menos não
enquanto estiver comigo. Depois eu posso te infernizar.
Revirei os olhos sem conseguir esconder totalmente o sorriso. Então,
mesmo preocupada, comi o bombom, porque eu jamais rejeitaria um
Caribe.
— Então... o que acontece em Gramado fica em Gramado? Certo? —
instiguei.
— É assim que tu quer? — foi o que me respondeu, mastigando
calmamente.
— É assim que tem que ser. Sou noiva do seu irmão.
— E vai ficar me lembrando disso a cada meia hora? — Prontamente
ficou irritado por ter ouvido um fato.
— Parece que sim.
— Bueno. E eu vou continuar lembrando a ti que sei teus podres. —
Terminou de comer e saiu da cama. Antes que eu pudesse responder, a
campainha do quarto soou. — Deve ser minha encomenda. — Gedeon não
explicou nada e correu para a porta, vestindo o roupão no caminho.
Eu o escutei falar com alguém, parecendo contestar algo, mas logo a
porta fechou e ele apareceu com algumas sacolas.
— Mas bem capaz! Este magrão não faz nada direito.
— Magrão quem?
— Pedi ao meu funcionário que comprasse roupa para a gente, e ele
me traz dois conjuntos de moletom de cores pastel. Toma o seu.
— Para quê? Não mandou lavar nossas roupas?
— Sim. — Começou a tirar a roupa da sacola. O dele era verde-
claro, e o meu, azul-claro. Graças a Deus não era rosa.
— Então podemos ficar aqui de roupão esperando — dei a sugestão.
— Não. A gente vai a um lugar. — Gedeon tirou o roupão e
começou a se vestir sob o meu olhar atento. Estava extremamente gostoso
só com a calça do conjunto, o que não era uma façanha difícil para ele.
Havia também um par de tênis branco, e ele se sentou para calçar, só então
reagi, saindo da cama para vestir o meu.
O mais grave já tinha sido feito, que era o sexo. Tudo que viesse a
partir de agora seria apenas uma consequência disso. Então, tomei uma
ducha rápida para me vestir e decidi aceitar sair com ele.
Entramos no elevador do hotel parecendo celebridades que tentavam
se esconder. Gedeon estava de boné e óculos escuros, assim como eu, que
tinha acabado de colocar os meus.
Só quando entramos na segurança do carro, que já nos esperava,
falei:
— Ainda estou incrédula que você armou para seu irmão passar a
noite por lá. Isso é imoral em níveis...
— Imoral? Eu o ajudei. Imagina voar à noite de volta para casa?
— Você pensou apenas em você — acusei, desprezando o sorriso que
ele me lançou.
— E em você. Porra, Catarina, tudo que fiz foi porque não consegui
parar de pensar em ti desde que botou os pés na minha casa.
Meu coração até poderia disparar com essa confissão. No entanto, eu
já era bem vacinada e sabia que ele não parou de pensar em mim com a
cabeça do pau, como a maioria dos homens fazia quando me viam no palco.
— Eu deveria ficar lisonjeada?
— Deveria. Pois se eu não estivesse pensando em ter você, já teria te
aniquilado.
O lugar para onde ele me levou era uma de suas churrascarias.
Gedeon me explicou que tinha uma filial em Gramado e que quase sempre
ia lá para atender aos clientes, que, pelo que parecia, pagavam caro para
serem atendidos pelo churrasqueiro estrela.
Especificamente aquele seria o dia em que a churrascaria estava
fechada, por isso estaríamos livres para aproveitar sem sermos vistos.
O estabelecimento cumpria os requisitos de arquitetura da cidade, o
design quase o fazia parecer um chalé serrano, com direito a lareira,
detalhes em pedra nas paredes e madeira no teto, lustres, mesas e molduras
das portas.
— É muito bonita! — exclamei de modo surpreso, parada em frente
à fachada.
— É uma filial menor — ele explicou. — Vamos almoçar. E aqui
você não precisa representar, eu sei das suas mentiras, pode comer carne à
vontade.
— Vegetarianismo não é uma chave que liga e desliga quando quiser.
— No seu caso é, sim, pois está tentando agradar uma pessoa. Não
faz isso porque acredita na proteção dos animais ou naquela coisa de
ecologia.
Não revidei, pois ele estava certo. Além disso, estava muito curiosa
para conhecer o interior do lugar, que era imenso e aconchegante, propício
para uma cidade fria. De boca aberta, observei cada parte do salão
aconchegante, com mesas de madeira clara e cadeiras acolchoadas na cor
verde-claro, combinando com as plantas do jardim interno lateral.
Havia uma vidraçaria enorme, para que quem estivesse dentro
pudesse admirar a paisagem. Em volta da churrascaria havia a varanda, para
as pessoas que preferiam desfrutar a refeição ao ar livre.
Como ele havia antecipado, não havia ninguém, exceto funcionários
necessários, como vigilantes, um barman e dois auxiliares de cozinha que já
estavam de saída. Provavelmente tinha ido ao restaurante apenas para
deixar o almoço pré-pronto para Gedeon.
Após conhecer o bar e o salão, ele me levou até a cozinha, onde a
magia acontecia. Gedeon virou a aba do boné para trás, arregaçou as
mangas do moletom e, sob o meu olhar quase deslumbrado, amarrou um
avental na frente do corpo.
— Está me olhando como se eu fosse um carro se transformando em
um Transformer.
— É sempre surpreendente saber que você vai cozinhar.
— Não acredita mesmo em meu potencial, não é? — disse de modo
divertido, ao mesmo tempo que começou a amolar uma faca enorme de uma
maneira que só um profissional faria.
— Não é isso... Ok, é também isso, afinal eu quero te detestar e não
quero dar o braço a torcer. Além disso, você não tem a postura de uma
pessoa que seja alguém capaz de lidar com algo tão delicado como comida.
— Churrasco não é delicado. É macho. É viril.
— Ainda assim é comida. E muita gente se expressa cozinhando,
como o seu amigo mal-humorado. — Antes que ele pudesse questionar,
conclui: — Vi uns vídeos dele, além de provar o que ele cozinha.
— Nero é outro nível de culinária. Nero domina tudo, mas tu tem
razão, ele se expressa muito bem na cozinha. Venha aqui, venha ver o seu
arqui-inimigo fazendo mágica.
Deixei meu orgulho de lado e me aproximei da bancada. Gedeon
tinha acabado de cortar dois pedaços generosos de uma peça de carne que
parecia bem fresca.
— Aprecie o marmoreio dessa carne, tchê, que linda.
— Marmoreio?
— Nada mais é que esses feixes de gordura entremeados na carne,
dando essa aparência como se fosse os riscos de um mármore. Isso deixa a
carne tão macia, que até velho sem dente come.
Em menos de segundos, eu já estava interessada, além de imersa na
forma com que ele lidava com as porções de carne. Meu maior medo estava
se concretizando: ter qualquer simpatia por Gedeon. E o pior é que agora eu
já simpatizava por ele em dois quesitos: na cama e na cozinha.
— O corte é algo bem importante — continuou explicando, com sua
voz mansa e sotaque gaúcho. — Contra a fibra da carne como fiz aqui. Isso
vai garantir suculência e maciez. E vê essa capa de gordura? Gosto de fazer
uns cortes sobre ela, para apurar mais o sabor.
— Tempero será só sal?
— Essa farei apenas com sal grosso, e farei aquela outra ao alho. E
pode jogar sal sem pena, porque é o fino que salga, o grosso como esse só
vai ressaltar o sabor. — Com prática, ele colocou a carne no espeto, salgou
e a levou para a churrasqueira grande de pedra, que já estava acesa. Essa vai
no espeto e aquela farei na grelha.
— Eu achava que o churrasco gaúcho era aquele de chão.
— Mas é sim, bah. Venha aqui. — Gedeon seguiu até a outra parte
da cozinha, abriu uma porta corrediça e me mostrou uma área coberta com
telhado bem alto e madeiras grossas. Ao redor, havia bancadas de pedra
com detalhes de madeira, como o resto do lugar, e bem no meio tinha uma
extensa fornalha retangular no chão. Acima, uma chaminé, que era por onde
toda a fumaça fugia.
— Aqui é onde fazemos o churrasco tradicional defumado, do jeito
que os clientes gostam. A costela é o carro-chefe. É uma pena que tu não
vai experimentar hoje, pois precisa planejar com antecedência.
Voltamos para a cozinha, e enquanto a carne assava, ele abriu um
vinho. Depois de servir em duas taças, as quais alcançou com agilidade na
cristaleira, me entregou uma.
— Não vai se acostumando — avisou sem deixar de sorrir.
— Jamais. Sei que cobra abraça antes de matar.
— Tu não presta mesmo, guria. — Riu de costas para mim,
verificando as carnes. — Gosta de bife? — Já foi pegando uma frigideira
grande de ferro.
— Gostava... mas agora estou tentando tirar a carne...
— Venha aqui, vou mostrar que não sou só churrasqueiro, faço todo
tipo de carne que tu quiser.
Eu me aproximei do fogão segurando a taça de vinho. O cheiro que
dominava a cozinha já estava fazendo meu estômago roncar.
— Sal e pimenta apenas — falou, girando os moedores sobre a carne.
— Frigideira quente, um pouco de óleo e carne dentro.
— Parece fácil.
— Só precisa de prática. Aqui vou apenas selar a carne. — Com
muita agilidade virou a carne para dourar do outro lado. — Tira e reserva.
Manteiga na frigideira. — Jogou dois cubinhos de manteiga e foi até a
churrasqueira dar uma olhada nas picanhas. Era odiosamente bom vê-lo
cozinhar. — Dois dentes de alho com casca para evitar queimar, dois
raminhos de tomilho da nossa horta. Carne de volta e vai regando com essa
mistura...
Gedeon tirou a carne, e após dois minutos de descanso em uma
tábua, ele a cortou e segurou uma tirinha com os dedos, aproximando-se da
minha boca.
— Experimente.
E eu provei. Era a primeira vez que provava carne desde que cheguei
aqui. E não qualquer uma, estava deliciosa, preparada pelas mãos de um
especialista.
— Não é de comer rezando? — Riu, esperando minha opinião.
— É. — Sorri, concordando. — E eu estou me sentindo horrível por
concordar com você.
Vinte e cinco
GEDEON

— Gostou do almoço? — perguntei à Catarina, que estava sentada do


outro lado de uma mesa no salão vazio, me fitando cheia de relutância,
apesar da evidente satisfação.
Eu tomava um bom chimarrão e ela preferiu vinho.
Ela se sentia culpada, e eu não era tolo para não perceber isso. Além
de ter ido para a cama com o irmão do noivo, tinha acabado de quebrar o
laço que eles tinham sobre o vegetarianismo.
E posso ser considerado maligno por pensar isso, mas gostei que ela
não se prendeu ao detalhe. Eu fiz quatro tipos de carne, além dos
acompanhamentos básicos que já estavam separados que o chef deixou
organizado. Era vinagrete, aipim frito - que ela achou a coisa mais deliciosa
do mundo - e arroz. E Catarina repetiu, porque estava com saudade de
comer churrasco brasileiro.
— Muito bom — confirmou o que eu já sabia. — Eu só estou triste
porque eu deveria ter sido mais resistente. — Ergueu a taça, tomando um
gole de vinho.
— Comigo ou com o churrasco?
— Os dois. — Suspirou, antes de imediatamente mudar de assunto.
— Vou dizer uma curiosidade do nada.
— Fale.
— Gosto que você fuja do clichê do milionário engravatado.
— Gosta em que sentido?
— No sentido de que eu acho interessante. Quando Ravi me falou
sobre você e contou que era empresário, eu imaginei um engravatado,
cabelo penteado com gel e óculos executivo.
— Parece meio broxante. Se dependesse da minha mãe e do meu
avô, era exatamente assim que eu seria.
— De onde surgiu sua paixão por churrasco?
— Do sangue gaúcho. Sempre foi meu prato preferido, e acho que
peguei costume com meu pai, que adorava fazer churrasco aos domingos.
E certamente tinha sido exatamente por causa das lembranças
nostálgicas que comecei a usar o churrasco como válvula de escape para os
meus momentos mais complicados.
— Não parece ser a mesma paixão dos seus irmãos, não é? — ela
comentou com aquele olhar que tentava me decifrar.
— Não. Não é. Ravi ama arquitetura, tanto que se formou nisso. E
Cassie está na área do direito, mas é uma cabecinha de vento. — Terminei
de falar rindo, reparando que ela não me acompanhou no sorriso.
— Desculpe me intrometer... — começou a falar, e eu como velho de
estrada já imaginava para onde ela queria conduzir a conversa.
Iria me aconselhar sobre minha irmã.
— Então não se intrometa — fui rude propositalmente.
— Vou falar, sim, e se não quiser ouvir, saia da mesa — devolveu na
mesma medida. — Sua irmã já tem vinte e três anos...
— Já conheço a ladainha que está prestes a iniciar.
— Não acha que seu modo de agir com ela só vai afastar vocês dois?
Você está impedindo uma mulher adulta de ser adulta. Ir a festas, namorar...
Catarina conseguia a proeza de ser a única a me contestar sobre esse
assunto, além de ser a única a quem eu me esforçava para dar uma
explicação. Eu não era um autoritário intransigente com minha irmã, só
queria livrá-la das dores que o mundo costuma causar.
— Não estou impedindo. Eu só pedi a ela que pensasse nisso depois
que se formasse. Não quero minha irmã se desviando da carreira por causa
de marmanjo e de festas...
— Mas ela está na fase de ter encontros e se divertir. Além disso, não
teria problema algum ela comparecer àquela festa no rancho do Santiago.
— Só tinha pervertidos lá, Catarina. Aquela festa era só para encher
a cara e foder. Não pode querer que um pai... que um irmão... permita uma
coisa dessas.
Ela entendeu o que falei, mesmo com minha correção imediata.
Bufei e escolhi o resto do vinho para virar na boca.
— Ravi e Cassandra não são seus filhos, Gedeon — disse de uma
maneira mais suave, como se fosse me acordar de uma fantasia.
— Obrigado por ter me alertado sobre isso. Juro que não sabia.
— Mas você os vê como tal. Precisa relaxar. Eu não sei nada sobre
sua vida, mas acho que tem a ver com o seu casamento...
Agora ela tinha tocado em uma ferida proibida. Quem ela pensava
que era para vir com esse papo tão íntimo, que nem pessoas de minha
família tinham autorização de tocar?
— Você tem razão. Não sabe nada da minha vida. Vamos, o almoço
acaba aqui. — Sem dar tempo de rebater, me levantei bruscamente,
caminhando pelo salão em direção a saída. Então a ouvi dizer:
— Me desculpe, fui uma idiota falando sobre isso.
Em um giro, me virei feito uma fera na direção dela, porque eu
achava um desaforo que ela tivesse tocado nesse assunto pela segunda vez.
— Cuidado com o que diz. Você não é nada para mim, não tem
intimidade comigo, além de estar aqui numa boa traindo o meu irmão.
— Você está fazendo o mesmo. Você o protege para que uma mulher
não parta o coração dele, mas veja só, é justamente isso que o correto irmão
mais velho pode acabar fazendo.
— Cala a boca, Catarina.
— Odeia ouvir verdades, não é? Corre e conta para ele que eu sou
uma vadia. Aproveita e conta também que você mexeu no horário de voo
dele só para ter mais tempo para me levar para cama.
— Como se tu não tivesse gostado — ironizei, puto de raiva, pois ela
era certeira nas palavras.
— Apesar de minha satisfação na cama, sua hipocrisia ainda
continua gritando. Acorda, homem. Nós dois estamos errados nessa.
Arranquei para cima dela, pois em uma coisa Catarina tinha razão:
verdades me atingiam dolorosamente. E acho que por ter passado a vida no
topo, construindo muros ao meu redor, acabei impedindo que pessoas
pudessem chegar tão perto, a ponto de apontar as minhas falhas.
— Tu acha mesmo que só porque me fez gemer na cama tem
liberdade para tocar na porra do assunto do meu casamento?
— Eu não acho nada. Só não sabia que você era tão dodói para
aceitar que a sua ex-mulher fodesse sua cabeça a ponto de desenvolver essa
personalidade de proteção.
E mais uma vez ela teimava em tocar na droga do assunto.
— Porra, guria, tu é mesmo tudo que eu abomino. — Sorri com
descaso.
— Que bom. Pois quando voltarmos para casa, eu volto a ser noiva
de seu irmão, e você volta a ser apenas meu cunhado, assim a gente pode só
se cumprimentar. Ou não, se você não fizer questão.
E ouvir isso me atingiu de forma inesperada. Não devia sentir nada,
mas me incomodou saber que ela voltaria a ser a noiva modelo de Ravi.
— Acha mesmo que eu vou permitir que meu irmão se case com
uma mulher que o traiu? Que mal o esperou virar as costas e se enfiou na
cama de outro?
— Não foi dessa forma e você sabe...
— Não? — sussurrei pertinho dos lábios dela. — E como foi? Eu te
obriguei?
— Não me obrigou porque eu faço o que quero — revidou, toda
brava. — Não foi você que conseguiu me levar para a cama, fui eu que cedi
ao meu desejo. — Catarina tentou escapar, mas eu a forcei contra a mesa.
— Ah, então tu é a grandona que comanda o jogo? Tudo aconteceu
por que você resolveu me dar uma chance?
— Exatamente. Se eu não te quisesse, não teria santo no mundo que
me faria ceder. Você, Gedeon — bateu o indicador no meu peito —, não é
tão especial assim não. É só mais um homem gostoso que despertou a
minha libido.
Mais uma vez ela quis dar por encerrado o papo, me empurrando,
mas a forcei contra uma das mesas do salão. Ouvir isso não foi legal.
— Sou só mais um homem, né? — Corri os dedos de maneira leve
para dentro do moletom dela, encontrando os seios perfeitos, os quais já
estavam me deixando com saudade, e depositando ali uma gostosa carícia.
— É — ela sussurrou, sustentando o olhar.
— Outros costumam despertar sua libido tão facilmente?
— Você não vai conseguir o que quer — desafiou.
Com o indicador e o polegar brinquei com o piercing, e isso a fez
arfar.
— Como não vou conseguir, se você já está toda pronta para mim?
— Ergui o moletom dela, libertando os seios deliciosos, e imediatamente os
cumprimentei com minha boca. Beijei um delicadamente e em seguida o
outro, aquele que continha o piercing poderoso o suficiente para me
enlouquecer a cada vez que eu via.
Rapidamente segurou meu rosto, me afastando para olhar nos meus
olhos.
— Eu não sou tudo que você abomina?
— Esse é o meu erro. Continuar querendo aquilo que abomino. — E
beijei os lábios dela, que, sedentos, não me repeliram.
Desci a boca em direção aos seios novamente, adorando o gemido
que escapou dos lábios dela quando acertei precisamente sua excitação.
Catarina inclinou-se para trás, gemendo sem me afastar. O mesmo fogo que
não me deixava em paz a consumia também. Senti o tesão percorrer minhas
veias, bombeando no meu corpo inteiro conforme minha língua venerava os
seios dessa mulher.
E eu queria mais.
Não havia ninguém ali no salão vazio da minha churrascaria. Por
isso, quando puxei a calça dela para baixo e me ajoelhei diante dela,
Catarina se assustou, tentando me afastar.
— O que está fazendo? Ficou louco?
— Vou te mostrar porque tu não vai entrar na minha família. Porque
não passou no meu teste.
— Seu cachorro... — começou o insulto, intercalando com um
gemido no momento em que minha língua encontrou o doce ponto entre
suas pernas.
Catarina era tri gostosa. Por Deus, eu nunca me senti tão alucinado
assim por uma mulher. E não foram poucas que passaram pela minha vida.
O ar de proibido ajudava muito a elevar minha obsessão, mesmo que
eu me visse preso a uma armadilha que eu mesmo construí. Não queria
abrir mão dela a expulsando, e muito menos permitir que continuasse no
relacionamento baunilha com meu irmão.
Senti suas mãos arrancando o boné da minha cabeça e os dedos se
prendendo aos meus cabelos à medida que minha boca saboreava a boceta
molhada que tinha se tornado meu vício.
Eu queria mais, e mais, e não tinha vergonha em realizar minhas
vontades.
As pernas de Catarina tremiam conforme meus dedos viajavam em
seu interior e minha boca percorria cada pedacinho latejante dela. Soquei
repetidas vezes os dedos, mas com carinho, ao mesmo tempo que meus
lábios chupavam o clitóris. Então ela se contorceu contra a mesa,
suprimindo um gemido.
Foi sexy a ponto de me fazer arrepiar.
Rapidamente me coloquei de pé, abaixando minha calça, para
libertar o pau que já babava de desejo.
— Gedeon... — começou a falar, mas eu já tinha agarrado os cabelos
dela por trás. Eu beijei sua boca, fazendo-a sentir o gosto de sua própria
excitação em meus lábios. Então a virei de costas para mim e a coloquei
com o rosto contra a mesa.
— Me diga, Catarina — sussurrei pertinho do seu ouvido, inclinando
meu corpo inteiro sobre ela. — Outro homem faz com que você se sinta
assim? — E a penetrei lentamente com dois dedos, mantendo-a inclinada e
com o rosto colado à mesa.
— Não vai conseguir o que quer... — rosnou, teimosa.
— Eu só quero que aceite a verdade, porra. — Fodi sua boceta com
dois dedos, indo e voltando no interior macio e quente, onde meu pau
clamava para estar. — Outro homem faz com que você se sinta assim?
— Ah... — gemeu, mordendo o lábio. — Não... seu... imundo. Só
você...
— Então eu sou, sim, especial. — Tirei os dedos, posicionei meu pau
na entrada, que implorava por alívio, e fingi que ia entrar só para vê-la
rebolar implorando para ser preenchida. — Agora vai ter que me falar o que
você quer.
— Nunca — gemeu.
— Nunca? — Eu me abaixei atrás dela e chupei vorazmente sua
boceta, a deixando a ponto de um orgasmo. — Nunca, Catarina?
— Me come logo, seu pervertido imundo. Pronto, falei.
Agarrei os cabelos dela e a fiz olhar para trás, para mim. E
observando os seus olhos, forcei meu pau na sua entrada, apreciando
quando seus olhos reviravam e os dentes prenderam o lábio conforme eu
avançava cada centímetro para dentro dela.
No momento em que estava completamente dentro, até o talo, mexi o
quadril de um lado para outro, sentindo toda sua boceta se apertar contra
mim de forma gloriosamente gostosa. Na mesma hora, ela não aguentou e
soltou um sorriso de prazer.
— Você adora isso, não é, sua vaquinha safada? — Rindo também,
dei um beijo de língua e empurrei novamente seu rosto para a mesa,
segurando a cintura curvilínea com a outra mão enquanto a comia de
maneira firme e selvagem.
A cada estocada, Catarina e eu éramos transportados para um mundo
paralelo de pura libertinagem e prazer.
Tapa na bunda e socada forte. A boceta parecia um punho quente me
devorando vorazmente.
Meus dedos afundavam em sua pele, agarrando Catarina como se ela
pudesse fugir de mim. Ela gemia, aguentando as socadas poderosas e
fundas até chegar ao orgasmo. Agarrada à toalha da mesa, rosnou insultos
direcionados a mim.
— Eu te detesto... porra... como eu te detesto… — Ofegante, ficou
caída sobre a mesa, até eu tirar o meu pau, ainda completamente duro feito
rocha, pois não gozei. Eu só conseguia pensar no que ainda estava por vir,
porque ainda tínhamos o resto do dia para aproveitar.
Rindo, beijei a bunda dela, antes de subir sua calça, e a virei de
frente para mim, com a intenção de abraçá-la. Catarina não recusou o
abraço; ficou uns instantes com o rosto enfiado no meu peito, até estar
recuperada o suficiente para levantar o olhar na minha direção.
— Estamos entendidos? — indaguei, fazendo um carinho em sua
bochecha.
— Talvez eu tenha blefado para conseguir o meu orgasmo.
— Nem adianta. Você foi bem verdadeira. Então não fica falando que
vai voltar a ser a noivinha santa do meu irmão, porque eu sei, e você sabe,
que ele não te deixa assim, vermelhinha após gozar.
— Está competindo com seu irmão?
— Não. Porque eu já ganhei. Vamos voltar para o hotel.
Vinte e seis
CATARINA
Naquele momento, eu me considerava a pior pessoa do mundo por
gostar de tudo que experimentei com Gedeon, mesmo que a única opção
correta seria me sentir horrível por enganar dois irmãos. Junto com Ravi, eu
mentia para Gedeon. E junto com Gedeon, eu escondia coisas de Ravi.
E enquanto isso, meu futuro ia ficando à mercê das minhas decisões.
Não dava para ser relapsa a essa altura do campeonato, ainda mais
depois de passar a vida dando cada passo de modo premeditado.
Precisei organizar minha vida para fugir de casa e sobreviver
sozinha, para namorar um traficante e entrar ilegalmente nos Estados
Unidos, e para morar lá por seis anos sem ser descoberta como imigrante
ilegal.
Nada tinha sido de modo relaxado e espontâneo, eu cronometrei cada
pequeno detalhe para continuar viva. E era justamente por isso que eu não
estava me preocupando em ter um caso com Gedeon. E não tinha nada a ver
com safadeza ou má-fé, era um raciocínio simples: ele me queria, e eu o
queria também, portanto enquanto isso durasse entre a gente, a farsa da
noiva de Ravi ia permanecer.
Manter Gedeon entretido para que ele não tentasse acabar com meu
noivado de mentirinha era a melhor saída.
Talvez eu fosse mesmo uma cachorra. Mas uma cachorra com boas
intenções.
E a melhor parte de tudo: não estava sendo obrigada a nada. Eu
queria. Caralho, eu queria muito cada beijo, cada pegada forte, cada olhar
possessivo. Eu queria Gedemônio tanto quanto queria os dólares do trato
com Ravi.
E, convenhamos, Gedeon sabia cavar a conquista. Não tinha uma
lista de mulheres na sua vida por acaso. Ele era um filho da mãe bem
esperto, obstinado, e tinha o poder da sedução. Como agora, que tinha
tirado um jogo de dominó de sua bolsa e estávamos sentados no meio da
cama jogando já a segunda partida.
Ele dizia que me detestava, ok, eu o entendia, mas me trouxe na
cidade do chocolate. Me deu orgasmos inesquecíveis. Trouxe bombom
Caribe, que é o meu favorito, fez churrasco só para mim. E agora
simplesmente tirou dominó da cartola, porque sabia que era algo que eu
gostava.
Embora só quisesse me comer de novo e de novo, estava sendo um
cafajeste carinhoso.
— Eu odeio tanto estar aqui despreparada, tendo que usar esse
moletom ridículo. — Soprei, voltando para a cama depois de me servir de
um pouco de vinho. Deixei a taça de lado e peguei minhas pedras de
dominó. — Bem que você poderia ter me avisado que estávamos vindo para
outra cidade.
— E o que faria se eu tivesse avisado?
— Sou mulher, Gedeon, e nenhuma mulher nesse planeta sai de casa
para ir para outra cidade sem ao menos umas duas calcinhas extras e uma
peça de roupa. Vai que aconteça uma tragédia.
— Vocês esperam por tragédias?
— O corpo humano está sujeito a tragédias. Uma dor de barriga, um
vômito, uma menstruação. E nem minhas coisas de higiene eu trouxe.
— Mulher é meio complicada, não é? — Ele riu enquanto jogava
despretensiosamente uma pedra no jogo. Usava só a calça do moletom,
exibindo seu corpo irresistível, o que me desconcentrava. — Nós, homens,
somos tão mais práticos. Com um jeans e duas camisetas, viajamos para
qualquer lugar.
— Homens são estranhos. Quanto tempo antes da viagem você
começa a fazer a mala?
— Mala? — Franziu o cenho. — Um dia antes?
— Meu Deus. Eu e muitas mulheres nos preparamos muito quando o
assunto é viagem. Uma vez viajei com amigas para outra cidade. Eu preciso
me sentar diante de um laptop, fazer uma checklist do que vou precisar e
passar a pesquisar preços na internet, para dar tempo de tudo chegar e poder
levar para a viagem.
— Coisas de que tipo?
— Roupas, sapatos, produtos em geral. Se o assunto é viagem,
preciso planejar com antecedência. Mesmo que provavelmente eu vá voltar
com a metade das coisas para casa.
— Comprou muita coisa para vir para o Brasil?
— Muita roupa comportada, para não assustar a família do meu
noivo. — Gedeon acabou soltando uma risada junto comigo. Alguns
segundos de silêncio depois, enquanto analisávamos o jogo, perguntou:
— Vai me contar quem eram as tais amigas americanas que jogavam
dominó contigo? Porque eu tenho certeza de que Ravi não joga isso.
Olhei para as pedras nas minhas mãos e, após escolher uma para
fazer a jogada, fitei Gedeon recostado na cabeceira; eu estava mais para os
pés da cama, e o jogo acontecendo no meio.
— Amigas comuns. — Dei de ombros. — Normais.
— Colegas de trabalho? Vizinhas? Irmãs da igreja? — Nós dois
rimos quando ele soltou essa opção.
— Eu conto algo da minha vida e você conta algo da sua, o que
acha? — sem qualquer expectativa, propus. Eu não ia confirmar para ele
que eu era uma dançarina profissional. Só estava mesmo curiosa para
conhecer melhor a mente do churrasqueiro.
— Da sua vida verdadeira ou da vida de plástico que mostrou a Ravi
e minha família?
— Aqui para você. — Mostrei o dedo do meio para ele, lançando
logo em seguida uma pedra na fila de dominó no meio da cama.
Gedeon fez sua jogada, e após pensar um pouco, direcionou um olhar
investigativo para mim.
— Qual bairro você morava em Nova Iorque?
— Upper East Side.
— Uma porra. Nem Ravi, que é herdeiro, morava lá.
Tomei um gole do meu vinho depois de rir e pensei rapidamente na
minha rotina em Nova Iorque. Eu morei inicialmente em um lugar bom,
porque quando Gus me ajudou, ele tinha amigos brasileiros que moravam lá
naquele bairro. Mas depois aceitei o convite de minha amiga para dividir
um aluguel.
— Primeiro em Astoria, Queens. Era um local com mais brasileiros.
Inicialmente fui bem acolhida, me sentia em casa...
— Mas depois...
— Me mudei para um lugar perto de onde seu irmão morava. —
Uma área mais próxima da boate de Gus.
— Por causa dele? — Gedeon posicionou a pedra de dominó e
recostou para me fitar.
— Mais ou menos. Era perto do meu trabalho e perto de onde Ravi
estava. — Antes que ele pudesse insistir na investigação, era a minha vez de
perguntar: — Me diga: aceitaria um dia um relacionamento aberto?
— Nem fodendo. — Foi firme, sem nem pensar direito.
— Mesmo que...
— Não. De maneira alguma. Capaz. O que é meu é só meu.
— Esse é justamente o ponto. Amor não pode ser prisão, tem que ser
liberdade. Dizem que monogamia é algo que o sistema criou para prender e
controlar pessoas.
O olhar que Gedeon disparou contra mim parecia quase ofendido, e
isso quase me fez rir. Eu também não teria um relacionamento aberto, mas
minha intenção era outra, só queria cavar mais um pouco nas entranhas da
mente dele.
— Pois eu ficaria bem feliz estando preso, tchê. Imagina o cara
abichornado[9] em casa vendo um jornal na televisão e sabendo que a
mulher dele está pegando outro em algum lugar? Isso é amor para você?
— Mas você também poderia fazer isso. — Joguei o cabelo para o
lado, observando-o ficar ainda mais exasperado.
— Bah, fica logo solteiro então. Que mania que as pessoas têm de
dificultar. O amor nunca é prisão, amor é ninho, aconchego compartilhado.
Se a pessoa não acha aquela relação suficiente e precisa procurar fora,
então, a meu ver, é um amor pequeno que não chega até a tampa, não
preenche.
— Bígamos podem amar. E por isso renunciam à exclusividade dos
corpos para verem o outro feliz.
— Então vá ser feliz no diabo que o parta. Se meu corpo, minha
companhia e meu amor não bastam, que me deixe só.
Acabei rindo de sua fala inflamada. Gedeon tinha algo pessoal contra
compartilhar uma relação, e eu queria saber se ele me deixaria chegar até o
cerne do seu trauma.
— Muitos homens pensam como você, mas traem as mulheres na
primeira oportunidade. Não seria melhor abrir a relação para ter essa
liberdade?
— Agora tu vai tentar me convencer que deixar outro tocar em
minha mulher é bom porque assim eu teria uma carta branca para um dia
ficar com outra se eu quisesse?
— Não é dessa forma, mas...
— Catarina, eu estou solteiro aos quarenta porque não quero
amarras. Eu aprendi com a vivência, e agora só faço de novo o dia que tiver
certeza. Mas o dia que for para firmar compromisso, ele será bem fechado,
tão fechado, que não vai passar nem sinal de Wi-Fi.
— E se você quiser trair?
— Então não é relacionamento fechado, é quebrado. Se eu chegar a
ponto de aceitar enganar e ferir minha mulher, não tem mais nada que pode
ser salvo. É só acabar de vez e voltar a ser solteiro.
— Nunca imaginei que um mulherengo seria tão rigoroso com
traições.
— O que eu não quero para mim, não quero para o outro. Toma, bati
nessa porra. — Ele jogou a última pedra de dominó, ganhando de mim, e
agora estávamos empatados. Fiquei tão distraída, que nem percebi o jogo
indo para o fim.
Gedeon saiu da cama, pegou um pouco de vinho e seguiu para fora
do quarto, em direção à varanda. Estava chegando ao fim da tarde e com
isso o fim da nossa viagem, o que na minha opinião era bom. Eu não queria
dormir com Gedeon, era íntimo demais, e talvez irreversível. Nunca
compartilhei a cama com um homem, e sabia que se fizesse com ele,
poderia acabar gostando bastante.
Fiquei um tempo sozinha no quarto, sentada na cama e observando o
nosso jogo de dominó. Soltei uma risadinha assim que descobri um
remendo no meio da jogada que ele fez sem que eu percebesse.
Caminhei até onde ele estava e parei de pé ao seu lado.
— Foi isso que aconteceu com você, não é? — falei, pois não estava
mais me importando com outro surto dele por tocar nesse assunto. Eu ia
embora em breve, e mesmo que não fosse da minha conta, não era legal que
Gedeon se acabasse por causa de um trauma. Que essa situação atingisse as
pessoas ao redor, como os irmãos, que ele tentava a todo custo controlar.
— Barbaridade, como tu é uma cretina safada. Jogou essa história de
monogamia só para cavar esse assunto, não é? — Ao olhar para mim, notei
que não estava bravo comigo, mas com ele mesmo por ter caído fácil na
armadilha.
— Não precisa falar se não quiser. Eu só sou mesmo curiosa e
teimosa.
— Fico admirado que não tenha conseguido saber sobre isso por
alguém da minha família.
— Eles te amam e respeitam sua decisão. Eu tentei, mas nem seus
irmãos ou sua mãe contaram nada.
Gedeon pareceu surpreso ao ouvir isso. Então desviou o olhar do
meu rosto e refletiu por segundos, remoendo algo que evidentemente o
fazia mal, visto que o maxilar estava tensionado e os lábios apertados em
uma fina linha.
— É isso aí. Eu fui corno. Satisfeita? Pode arriar a vontade de mim.
— Arriar?
— Rir, zombar. — Deu um gole no vinho, olhando para frente.
— Não vou zombar de você.
— E ainda me fez ler que só aceitou se casar comigo porque achou
que eu herdaria as coisas do meu avô. Na época, eu era um zé-ninguém.
Portanto, Catarina, pense duas ou três vezes antes de vir me pedir para ser
um pouco mais maleável com os relacionamentos dos meus irmãos...
— Só porque você passou, não quer dizer que eles também...
— Mas tem chance de acontecer. Somos ricos, isso chama
interesseiros, pessoas que vão agir de má-fé. Quando for amor de verdade,
eu vou saber. Eu tenho certeza de que eu vou saber.
— No caso deles, não é você que tem que saber isso, Gedeon...
Virou-se para mim com rudeza explícita, mas que não era suficiente
para me meter medo. Isso era só a defesa dele.
— Conversa encerrada. Você é a última pessoa a tentar mudar minha
cabeça, pois é uma interesseira que não ama meu irmão e só está com ele
por dinheiro. Tô mentindo ou não tô?
E ele não estava mentindo. Minha farsa com Ravi era baseada em
dinheiro.
— Eu gosto do seu irmão e me preocupo com ele. Mas você tem
razão, acho que a partir daqui terei que repensar muitas coisas. Talvez
aceitar minha derrota e ir embora da vida de Ravi, como você tanto quer. —
Eu me virei, pronta para voltar para dentro do quarto.
Gedeon não conseguiu esconder o susto.
— Ir embora...?
— De volta para minha vida, Gedeon. Eu sobrevivi até aqui, não vou
morrer só porque fui expulsa de uma família rica.
— Mais uma prova que não é um relacionamento forte entre ti e ele.
Na primeira oportunidade, já quer cair fora.
Incrédula com tanta hipocrisia, me virei de volta para o homem que
tinha dado passos em minha direção e se armou de uma expressão
hipnotizante de caçador. Até lambeu brevemente o lábio enquanto encarava
a minha boca.
— Você é muito cretino. Não sou eu que quero sair fora, você que
não me quer na sua família.
Ele se aproximou mais, passos leves, olhar obstinado.
— E tu já querendo abandonar tudo na primeira dificuldade. Não se
faça de leitoa vesga para mamar em duas tetas. Conheço pessoas como
você, guria. Isso só prova que esse relacionamento é mais furado que
peneira.
— Ah, senhor moral, o que acha que eu devo fazer? Continuar sendo
noiva dele enquanto transo com o irmão dele?
Gedeon chegou bem perto, pressionando seu corpo contra o meu.
Colocou uma mão na parede, ao lado da minha cabeça, com a outra, os
dedos passeando pelos meus seios por cima do moletom, atentando contra a
minha fraca resistência.
— Acho melhor repensar o papel de noiva dele mesmo. Mas vai
continuar dando para mim, afinal é isso que uma putinha particular faz.
— Não me chame assim. — Bati no peito dele, tentando empurrá-lo,
mas sua reação foi me suspender do chão. Era meio ridículo o fato das
minhas pernas rodearem sua cintura no mesmo instante. Seu perfume e o
calor de seu corpo me consumiram, e eu odiei gostar tanto dessa sem-
vergonhice.
— Chamo, pois é a verdade — rosnou pertinho da minha boca, o
hálito cheirando a vinho. — E você gosta. Gosta quando eu como sua
boceta te falando que é a minha vaquinha safada, só minha. Gosta quando
minha boca chupa seus peitos e quando senta na minha cara para gozar.
— Você é um cachorro sem um pingo de respeito.
— Sou. E acho que tu já notou que eu mando e desmando por aqui, e
por isso só vai embora quando eu quiser. — Abocanhou meus lábios em um
beijo, afastando-se rápido logo em seguida e me deixando no vácuo.
Quando avancei para beijá-lo, Gedeon desviou a boca, rindo satisfeito.
— Desgraçado — sussurrei ao som da risada dele me levando de
volta para o quarto.

***

Voltamos para casa sentados lado a lado no helicóptero, seu braço em


torno do meu ombro me mantendo bem perto, como se algo fosse me tirar
de suas mãos e ele estivesse pronto para impedir.
Tivemos uma conversa produtiva, apesar de tudo. Gostei de conhecer
um pouco mais das profundezas do churrasqueiro. E agora eu entendia os
motivos de sua obsessão contra interesseiras.
Suas intenções em relação aos irmãos eram altruístas, embora
sufocantes. Eu conseguia entender o peso que ele levava nos ombros, essa
coisa de ser a figura masculina para a família e não fracassar diante da
memória do pai.
Era uma pena que Gedeon não conseguisse enxergar as verdadeiras
necessidades dos irmãos. Ravi tinha medo de se revelar, e Cassie queria ser
independente.
E não cabia a mim mostrar isso a ele.
Chegamos na casa dele e entramos juntos, de mãos dadas e calados.
Eu, alguns passos logo atrás. Seguimos juntos pela escada, e ao chegar no
topo, nos olhamos antes de cada um tomar um lado. Ele indo para sua ala
exclusiva, e eu, de volta para o quarto que dividia com Ravi e que
simbolizava a volta ao meu personagem de boa moça.
Vinte e sete
RAVI

A viagem só não foi um tédio total porque fomos a trabalho, e eu


adoro fazer o meu trabalho. Arquitetura é uma das coisas mais importantes
na minha vida, desde que eu era ainda criança e me interessava por blocos
para montar ao invés de futebol. Na adolescência foi a arquitetura que me
acolheu nos meus momentos de confusão interna.
No entanto, ainda que fosse a minha maior paixão, quase me fez
pedir arrego. A viagem foi tão monótona, que só era mais legal que horário
político.
Era uma viagem dos sonhos para um homem gay de futuro
promissor. Jatinho particular e o caralho a quatro. Mas as companhias
afundaram meu momento.
De um lado, meu primo Rony, que era um cara legal, mas tinha o
péssimo hábito de tentar ser o astro na presença de nosso avô, e isso
consequentemente boicotava a nossa relação. Ele não era gentil comigo,
acreditava que precisava se mostrar superior; usava uma faceta arrogante,
que aparentemente nosso avô aprovava.
E do outro lado tinha um idoso com mais de oitenta anos que não
largava o osso dos negócios, brigando para continuar sendo o poderoso
chefão quando na verdade deveria estar em um rancho lagarteando[10] ou
tomando chimarrão.
Ok, ele tinha fundado uma das maiores construtoras do país lá nos
anos oitenta. É louvável, eu o admiro, e justamente queria continuar
levando o seu legado adiante.
Mas, ainda assim, ele não confiava, não passava o bastão.
“Só depois que juntar os trapos com uma mulher de bem.”, ele dizia,
apoiado em uma regra arcaica.
“Imagina minha empresa nas mãos de um solteiro? Não passaria
confiança.”
Como se ser casado fosse sinônimo de caráter. Já vi muito homem
casado fazendo coisas piores que solteiros.
Se ele ao menos sonhasse que a direção da sua empresa estaria na
mão de um neto que passava o dia pensando em rolas, certamente teria um
ataque.
Participei de uma reunião importante enquanto lutava com o
desconforto do terno errado que escolhi por descuido.
E Rony falava, falava, sendo o melhor. Palmas para ele.
Almoçamos com potenciais clientes, e eu fingi estar compenetrado
no assunto hétero que aqueles engravatados falavam.
Quem fala sobre diferenças entre SUVs durante um almoço?
Eu era um arquiteto de campo. Gostava de criar e visitar obras,
colocar a mão na massa. Ver o meu projeto ganhar vida em um terreno
vazio.
Se eu tivesse um pouquinho mais de notoriedade no mercado, criaria
um programa igual ao dos Irmãos à Obra, assim não ia depender de avô
nenhum.
E enfim visitamos duas obras. Repleta de operários gostosos, mas
que eu tinha noção o suficiente para não sexualizar corpos alheios.
Mas olhar de ladinho não matava.
Era um saco ter trinta anos, ser herdeiro e um grande gostoso sob a
rédea curta do avô.
Eu parecia um assistente de Rony e de vô Alberto, andando com
maletinha atrás deles. Uma piada.
E nem mesmo podia flertar com uns caras lindos que vi durante a
viagem. Mas isso já nem tinha a ver com vovô e Rony, tinha a ver com meu
estado civil: comprometido no sigilo.
Que, a propósito, era outra questão que fez minha viagem se tornar
tensa e cansativa.
Juliano tinha trinta anos, mas sua insegurança era como a de um
adolescente. Ele jurava que eu ia sair dando para qualquer cara que me
desse bom dia. E nem o fato de eu estar na companhia de um idoso
retrógrado convenceu o meu namorado de que eu não ia sentar em qualquer
pica.
E como se não pudesse piorar ainda mais a minha situação, eu tinha
um grande problema para resolver assim que pousamos.
— Você vai, eu tenho esposa e filhos — Rony comandou enquanto
descíamos do jatinho. — Preciso ir para casa. Vou te mandar por e-mail
todo o arquivo, dê uma lida antes de conversar com o responsável pela obra.
— Porra, acabamos de chegar, Rony. Isso não pode esperar?
— Você quer que nossos concorrentes consigam o cliente? —
Continuou andando rápido na direção dos carros que nos esperavam. Vovô
já tinha entrado em um para ir embora, Rony estava prestes a entrar no dele,
que era um senhor carro de luxo, muito melhor que o meu.
Meu primo tinha tudo bom e do melhor devido a sua alta posição na
empresa. E eu continuava precisando provar que era capacitado, além de ter
de exibir uma noiva como se fosse um passaporte para a terra prometida.
O caso era o seguinte: um cliente em potencial e muito precioso
estava buscando uma empresa para criar o projeto e reformar uma vila que
tinha acabado de comprar. O cara devia ser um bilionário, porque adquiriu
uma vila inteira em uma cidade pequena.
— E se você perder esse cliente... — Eu detestava o seu tom de
alerta, como se eu fosse um piá.
— Eu, Rony? Ou nós dois?
— Eu já tenho meu cargo garantido na empresa, primo. É você que
está sob observação. Se você perder, não vai ter noivado que te faça
escapar. O vovô tá de olho nessa vila há anos. — Ele ajeitou meu colarinho
e deu um tapinha no meu rosto. — Pegue seu carrinho, dirija até lá e
conquiste a confiança do dono para que nossa empresa esteja à frente nas
reformas. — Entrou no carro, me deixando parado no lugar enquanto se
afastava.
Eu não passava mesmo de um assistente para ele.
— Mas você está bem? — Catarina perguntou ao telefone enquanto
eu dirigia, já na estrada em direção à tal cidade. Contei para ela que tinha
acabado de pousar, mas não poderia encontrá-los agora por causa do
pequeno contratempo. Eu chegaria provavelmente na hora do almoço.
— Estou bem, sim. Missão dada é missão cumprida. Eu vou
conseguir a direção da empresa custe o que custar. Mas, me diga, como foi
com Gedeon?
Esse foi um ponto que me preocupou durante toda a viagem. Gedeon
era obstinado feito o cão e poderia usar seu charme para seduzir Catarina.
Depois sairia contando para todo mundo que ela era uma noiva infiel que
não me amava.
— Foi tudo bem — Catarina falou sem nem titubear. — Ele não
encheu muito o saco.
— Não tentou flertar com você?
Fez uma pausa, provavelmente escolhendo as palavras.
— Um pouco. Posso te contar quando chegar aqui.
— Se você o beijou, eu te mato, pois assim ele teria certeza de que
você não me ama. E eu preciso mais do que nunca desse noivado.
— Fica tranquilo, está tudo sob controle. Vou desligar, ele está vindo
— ela sussurrou e terminou se despedindo como uma noiva apaixonada,
provavelmente Gedeon estava por perto.
Acabei rindo de um pensamento. Minha mente tinha acabado de
insinuar Catarina como namorada de Gedeon. Eu gostaria muito de a ter
como cunhada.
Duas horas de estrada depois, cheguei à cidade, e após colocar o
endereço no aplicativo, cheguei à tal vila, que era um amontoado de
construções deterioradas ao redor de um vinhedo.
Estacionei em frente ao escritório responsável pelo pedido do
projeto, sendo recebido pelo senhor Pascoal, um homem de meia-idade com
barba grisalha, magro e de trajes simples.
— A história daqui é que o vinhedo foi desativado e comprado por
uma rede de resorts, por ficar próximo à serra e à cachoeira. E eles
pretendiam destruir a vila inteira ao redor do lugar.
— E tem gente morando nessas casas? — indaguei, sacando o meu
celular para tirar umas fotos das casas. Era um prato cheio para um projeto
lindo de restauração.
— Tem, sim, senhor. Os antigos trabalhadores do vinhedo, pessoas
simples que preferem ficar por aqui, num espaço mais rural. E como o dono
do resort foi impedido de passar o trator em tudo, ele vendeu as terras para
um novo comprador. Esse comprador vai reformar tudo e reabrir o vinhedo
para produzir espumante.
— Então é com esse comprador que devo conversar?
— Sim, é o seu Demétrio. Ele deve estar inspecionando a obra do
vinhedo, vou levar o rapaz até lá.
Entramos no carro de Pascoal, que era um jipe bem velho, já na capa
da gaita, eu diria. Sem cinto de segurança, bancos furados e ferro exposto
por toda a parte. Pegamos uma estrada íngreme em direção à grandiosa
propriedade mais próxima da serra do que o vilarejo que acabou ficando
para trás.
— Esse Demétrio é alguém de fora? — perguntei durante a viagem,
puxando assunto, na tentativa de amenizar o meu estresse. Estava com
medo de furar meu braço em um daqueles ferros enferrujados do jipe e
pegar tétano.
— É da cidade mesmo. Acabou de receber uma fortuna de herança e
está investindo nesse lugar que foi onde ele nasceu.
— Muita bondade da parte dele.
— Só tenha paciência com ele. Seu Demétrio pode parecer um
homem casca-grossa, mas tem coração bom. O pessoal fala umas coisas
erradas sobre ele, mas é gente boa.
— Que coisas erradas?
— Vou deixar de trovar fiado, né, tchê? Não é da minha conta. Olha
só, chegamos.
A viagem foi tensa por causa do carro velho, sem um pingo de
conforto e segurança. Eu me arrependi de não o ter seguido com o meu
carro.
Ele estacionou bem no momento em que Juliano me ligava, tirando
de mim algumas ofensas baixas.
— Vou atender aqui e já sigo o senhor. — Acenei para o homem, me
afastando um pouco e olhando ao redor antes de dizer: — Oi, Juliano.
— Por que me atendeu assim? Seco? — Revirei os olhos na hora ao
ouvir o tom mandão.
— Desculpa, estou inspecionando uma obra.
— Já pousou? Acabei de ver sua mensagem.
— Já, sim, mas tive que viajar novamente, estou em uma cidade
próxima, em breve te explico. — Olhei em direção à entrada da
propriedade, onde havia uns operários trabalhando na fachada.
— Cara, se tu tiver de conversa fiada para cima de mim...
— Não é, Juliano, pelo amor de Deus!
— Primeiro vai morar com o irmão, depois some por dias e só diz
que está indo para Santa Catarina de jatinho...
— Eu arrisquei tudo para ir te ver, não seja injusto.
— Injusto? Eu estou sendo injusto ou meu namorado está tentando
me dar um perdido?
— Ah, não venha com esse drama, porra. Você sabe que estou
lutando para conseguir meu lugar na empresa. Você deveria ser o primeiro a
me apoiar, é o meu sonho.
— Então me diga onde está agora, que eu vou te encontrar e a gente
pode almoçar juntos.
— Juliano, eu não posso, e você vai ter que entender. Um beijo, te
ligo daqui a pouco. Pode não parecer, mas te amo. — Desliguei na cara dele
e ainda coloquei o aparelho no silencioso.
Peste de homem surtado.
— Atrapalho? — Ouvi uma voz rouca e me virei, dando de cara com
uma visão abençoada para qualquer gay ou mulher que se interesse pela
classe masculina.
Era um tipo de Chris Redfield daddy e gaúcho que cheirava a
madeira recém-cortada. E para quem não sabe quem é Chris Redfield, foi
simplesmente minha primeira paixão adolescente quando Gedeon me deu
um videogame.
Garotos gays têm suas primeiras experiências atrativas pelas mídias
que consomem, televisão, livros ou jogos.
Além do Chris, do jogo Residente Evil, eu costumava ficar confuso
por achar o Wolverine selvagem demais e atraente ao mesmo tempo.
O operário à minha frente usava uma jardineira jeans sem camisa por
baixo, evidenciando os músculos fortes suados, o que me fez lembrar
imediatamente do Wolverine. Engoli em seco ao mirar o rosto.
Não era a maior perfeição, mas a barba e o olhar rude o deixavam
cem por cento irresistível. Com as mãos na cintura, me fitou, erguendo o
cenho enquanto aguardava uma resposta da minha parte. Eu precisei me
recompor diante da visão do trabalhador braçal mais excitante que eu já
tinha visto.
Mas me controlei e fingi perfeitamente.
— Ah... oi. Eu já estava indo falar com seu patrão, pode me levar até
ele?
— Meu patrão?
— É. — Olhei o arquivo no celular e elevei o rosto para ele
novamente. — Demétrio Belmonte.
— Tu deve ser o arquiteto que mandaram, certo? — Ele me mediu de
cima a baixo com uma evidente sombra julgadora no olhar, o que me
deixou desconfortável.
— Exatamente. Ravi Barreto, da construtora Barreto.
— Me siga, sou o mestre de obra, posso te mostrar algumas coisas do
planejamento. — Virou-se, pronto andar, achando que eu ia segui-lo.
— Não, obrigado — falei, e ele voltou a me fitar. — Eu prefiro falar
especificamente com o dono. É porque vou tratar de negócios, ver quais são
as ideias dele, para saber se nossa empresa vai pegar a obra.
— Ah, então vocês ainda estão pensando se vão pegar a obra?
— Acho que esse assunto não é da conta do senhor. Mas obrigado de
qualquer forma.
— Bem arrogantezinho o rapaz, hein?
— Olha, cara, escute aqui, não fale assim... — Parei imediatamente
ao me deparar com as feições frias do homem me encarando de maneira
muito confiante. Ele não era um simples operário, e eu fui burro ao não ter
sacado. — A não ser que você seja o próprio Demétrio, não é? — Cocei o
queixo meio sem graça, me vendo em um enredo de filme da Sessão da
Tarde. Não acredito que confundi o dono.
O lábio dele se ergueu rapidamente para cima em uma clara
expressão de vitória.
— Perdeu um pontinho comigo, guri. Detesto gente de nariz em pé.
— Eu não sou assim, seu Demétrio...
— Vamos, vou te mostrar os projetos que tenho em mente e ouvir a
proposta da sua empresa, e então vou decidir se eu quero contratar vocês.
Andou em direção a entrada do vinhedo, e eu bufei profundamente
enquanto o seguia.
Vinte e oito
GEDEON

Print de uma postagem de Bento contendo a seguinte legenda “Só


mais um dia comum” acompanhada de quatro imagens:
Ele malhando. Ele segurando as mãos algemadas de um homem
enquanto seu braço cheio de veias saltadas está à mostra. Ele ao lado de um
cachorro pastor alemão. E um prato considerável, repleto de proteína e
salada.
Sorrindo sozinho por causa das mensagens no grupo, deixei o celular
de lado e me sentei para tirar o tênis. O personal acabou de sair da fazenda,
me deixando moído após uma sessão de duas horas pegando pesado nos
exercícios.
Virar pneu de trator não é fácil, porém era mais fácil do que aguentar
a barra que é desejar minha cunhada.
O sol nem tinha nascido, e minha mente já começava a entrar em
pane com o tesão absurdo que parecia um baita encosto ruim no corpo.
Foi difícil deixar Catarina dormir sozinha.
Foi muito difícil dormir debaixo do mesmo teto que ela e não invadir
aquele quarto para arrastá-la para a minha cama.
Por isso, nada melhor que forçar os músculos como se fosse me
preparar para segurar um helicóptero com a mão, tal qual o Capitão
América no filme.
Eu precisava despejar toda minha energia em alguma outra coisa
para aguentar o momento que meu irmão voltasse, e ela se transformasse
novamente apenas no meu pavê.
Só vê, sem tocar. Sem comer. Sem poder lamber todo seu corpo
ouvindo o som de seus gemidos.
Era prova de resistência.
Tirei a camiseta regata, e usando apenas o short de treino, fui em
direção à casa, na intenção de tomar um banho demorado e esperar Ravi,
que certamente chegaria pela manhã.
Atravessei a cozinha, entrei em uma das salas e me deparei com
Catarina vindo na direção oposta. Ela brecou instantaneamente ao me ver.
— Ah... bom dia.
— Bueno — sussurrei, e meu pau respondeu também, elevando-se e
fazendo uma barraca no short. Não fiz questão de esconder dela, eu era puto
e pronto.
— Ravi... chega agora às oito. — Catarina lutava para olhar apenas
para o meu rosto. Então mordeu o lábio inferior e o soltou lentamente em
seguida.
— Isso é um alerta ou um convite?
— Convite? — Riu nervosamente. — Convite a quê?
Caminhei até ela e segurei sua mão, pouco me importando se alguém
fosse nos flagrar. E a fiz segurar meu pau por cima do short.
— Um autoconvite para se ajoelhar e engolir meu pau até ficar sem
ar e depois o sentir te matando de prazer enquanto arranha o azulejo do
banheiro.
Não disse nada, mas seus olhos diziam tudo. Ela não os desviou dos
meus nem afastou a mão. De mansinho, senti seus dedos deslizarem pela
barraca imensa no meu short, e então devolveu:
— Parece que o convite está vindo de você. Mas nem sonhando que
vamos fazer isso aqui.
Não tinha outra resposta senão agarrar com força os cabelos de
Catarina pela nuca, puxando seu rosto para perto do meu. Então eu sorri na
cara dela.
— Na minha casa, Catarina? Na minha casa, onde eu pego o que
quiser?
— É sua casa, mas a decisão é minha.
— Assim como é a sua decisão continuar segurando minha pica, sua
safada fingida. — E antes que pudesse contestar, abocanhei seus lábios, em
um beijo fogoso, que logo evoluiu para beijo de língua. Ela queria tanto
quanto eu, mas dava para sentir o seu receio, que eu devia quebrar aos
poucos, mesmo que tivéssemos algo a perder.
Ela queria a segurança do relacionamento com Ravi, mas não resistia
a cair na farra comigo.
Afastei nossas bocas, admirando Catarina ofegante. Então ela olhou
para meu peito nu, levemente suado pelos exercícios que fiz a pouco.
Surpreendendo-me, se aproximou e passou a língua do peito ao ombro e
deu uma mordida, sendo o bastante para provocar meu coração, que
triplicou a velocidade dos batimentos.
— Gostar do seu corpo não significa nada. Eu te desprezo, Gedeon.
Te desprezo.
— Sem problemas. Quando eu estiver procurando empatia e
amizade, eu te aviso. Agora eu só quero ouvir você berrar feito uma cabrita
enquanto eu te como no banheiro.
— Eu estou te avisando, eu sou boa, sou muito boa no que faço, e
você não vai me esquecer tão cedo. Mas é você que está pedindo para
repetir algo que evidentemente não podemos — ela falou na minha cara,
mas se foi um aviso, não importei. Agarrei sua mão, levando-a para o andar
de cima.
Era mais gostoso experimentar o tesão quando evidentemente me
colocava em risco. Nos colocava em risco. O sabor do proibido triplicava a
satisfação, tornando tudo muito intenso, como se fosse um prato de comida
para quem tem fome.
Quando bati a porta do quarto, Catarina me empurrou contra a parede
e se afastou um passo, para me olhar da mesma forma que olharia para um
bombom Caribe, aquele que ela tanto ama.
A excitação a dominava, era visível naqueles olhos cor de mel
acesos. E eu queria logo desfrutar do seu sabor, estava impaciente, numa
sede desgraçada de deitar e mandar que ela sentasse sem pena na minha
cara, como se fosse me sufocar. Porque ninguém nunca morreu sufocado
por boceta.
Catarina estava sintonizada comigo, hoje seu desejo também era
lamber. E fez isso agarrando meu corpo, para passar os lábios e língua em
meu peito, em direção ao umbigo.
Ela ajoelhou diante de mim e olhou para cima, deixando que eu visse
seu olhar pervertido. Em seguida, passou a língua no meu short estufado.
Arfei, mas sem fazer escarcéu. Segurei as pontas, como se fosse comum me
sentir assim.
Meus dedos correram pelos fios dos cabelos castanhos, e minha mão
se alojou na sua nuca, no momento em que ela tirou uma pontinha do meu
pau pela perna do short e a chupou brevemente, para em seguida girar a
língua em volta.
Então, sem mais delongas, puxou o short de tecido fino para baixo,
liberando o monstro. Fiquei orgulhoso ao me deparar com a satisfação em
seus olhos. E quando o segurei e dei duas batidinhas na bochecha dela,
Catarina lutou contra o sorriso que acabou escapando.
— Talvez você seja mesmo especial — ela disse. — Pois eu
dificilmente me ajoelho na frente de um homem.
E quase me matou ao lamber meu pau da base até a cabeça
lubrificada.
Com as costas coladas na parede, as pernas abertas em um ângulo
propício, a observei de cima. Catarina fez uma obra de arte, a mais deliciosa
do planeta com seus lábios bonitos, que costumam estar curvados em um
sorriso carismático.
Agora eles rodeavam o meu pau, abocanhando-o, deixando que
deslizasse para fora, até estar só a cabeça presa em sua boca. Catarina
chupava de maneira enlouquecedora.
— Barbaridade, como tu é gostosa, guria — falei no meio de um
suspiro, ouvindo uma risada dela.
Estava rindo de mim?
— Adoro todo esse sotaque. Agora, me faça engolir.
Abriu a boca, deixando a língua para fora, esperando como se eu
fosse lhe dar um presente. Bati a cabeça do pau na língua dela e introduzi
devagar, não encontrando resistência de amadora.
Catarina sabia o que estava fazendo. E ela me impressionou de ir
fundo, em mais da metade do meu pau.
Então eu a fiz ficar de pé e a puxei em direção ao banheiro. Nem
conseguimos nos despir direito, meu short e cueca estavam embolados nos
joelhos, e o vestido leve e solto que ela usava embolado na cintura.
Eu a coloquei sentada na pia, puxei a calcinha pelas pernas, quase
rasgando a peça no processo, sem tempo de admirar que era uma bela peça
de renda.
Mergulhei meu rosto e a beijei com todo o desejo que me consumia.
Sua boceta me recebeu tão gostosa e quente que quase pude gemer
ao passar a língua e deslizar o meu dedo para dentro, louco para sentir seu
interior quente pulsar em volta do meu pau.
— Sua boca é maravilhosa... sua língua, meu Deus! — Ela sussurrou
afogando os dedos em meus cabelos.
— Segura. — Ordenei, enquanto minha língua fazia a festa. E no
momento em que percebi o orgasmo dela se aproximar, afastei o rosto de
dentro das pernas esbeltas onde eu queria fazer morada, beijei sua boca
ofegante e a peguei no colo.
— Segure em mim. — comandei, empurrei-a com as costas contra a
parede de dentro do box e a penetrei fundo e forte. Catarina soltou um grito
arranhando minhas costas. Estávamos cara a cara, olhos nos olhos,
assistindo às emoções de cada um ao passo que nos alinhavamos no êxtase
perfeito.
Outra estocada forte, outro grito. Então me encantei com o fogo
ardente em seus olhos e a comi com força e desejo, arrancado os gritos mais
sinceros que já pude ouvir.
— Porra, que delícia! — Ela gritava com as unhas em meus ombros
e a boca percorrendo em toda parte de mim que ela conseguia.
Foi uma explosão de gozo, tanto dela como para mim, e eu não fiz
questão de esconder o meu gemido grosso junto à boca de Catarina, que
pareceu se encantar com a minha entrega na nossa gostosa safadeza.

***

Era mesmo a porra de uma competição com o meu irmão?


Porque eu tentava me convencer de que tudo era um caso simples e
premeditado para desmascarar Catarina e expulsá-la da nossa família. No
entanto, eu sentia uma necessidade egoísta de tirá-la de casa só para retardar
um pouco mais o encontro dela com Ravi.
O que meu pai acharia dessa pouca vergonha? Que moral eu teria
para aconselhar a minha família?
Quando me tornei esse cara maluco e egoísta?
Catarina parecia imersa em um inferno particular, cheia de
questionamentos, assim como o meu. Pensativa, mordia o lábio olhando
pela janela do carro. O clima era tão pesado quanto um touro; nada que eu
não pudesse amenizar. Suspirei profundamente, arrependido de não ter
lutado mais contra mim mesmo quando tive a ideia de trazê-la para um
almoço no clube.
— É onde aconteceu o jogo de polo? — ela indagou assim que
passamos pelos portões.
— Sim, aqui é um clube particular, e como o time vai treinar hoje,
viemos almoçar.
Parei o carro e fui rápido saindo para abrir a porta para ela. Linda.
Ela sabia ser bonita com força, e isso me motivava a ser canalha, porque eu
queria que apenas eu pudesse tocar nela.
Os cabelos voaram ao vento, me dando vontade de tocá-los.
Se ela fosse minha, eu poderia.
Se ela fosse minha...
A única coisa que pude fazer foi oferecer o meu boné.
— Toma, coloca. — Catarina fitou o boné por segundos, então o
aceitou e colocou sobre os cabelos.
Caminhei paralelamente a ela, sem demonstrar qualquer proximidade
suspeita. Estávamos em público, e apesar de todos os desejos, o status dela
era noiva do meu irmão.
E o diabo da minha mente tem que ficar me lembrando disso.
Entramos na mansão que era a sede do clube. Na casa, havia uma
sauna, dormitórios, refeitório, vestiários. Tudo para garantir conforto aos
frequentadores e aos jogadores.
Meu avô vez ou outra gostava de passar o sábado e o domingo aqui,
por isso planejou o casarão para pouso; o lugar recebeu recentemente uma
reforma desenhada por Ravi, para o garoto mostrar que tinha potencial.
Atravessamos a casa e saímos nos fundos, onde tinha piscina, quadra
de tênis e o campo verde a perder de vista, com as arquibancadas e as baias.
— Seu Gedeon. — Zé Pedro, o cuidador dos cavalos, veio em minha
direção. — Veio ver o treino?
— Vim, sim. Já começou?
— Ainda não. O campo e os cavalos já estão prontos — disse,
voltando o olhar curioso para Catarina ao meu lado.
— Esta é Catarina, minha cunhada. — Não perdi tempo em deixar
claro o nosso nível de relacionamento. — Avise que vamos almoçar hoje
aqui.
— Bueno. Vou avisar. Fiquem à vontade.
— Parece difícil jogar essa coisa — Catarina comentou quando
chegamos ao campo. Além dos cavalos posicionados já aguardando,
estavam ali alguns jogadores profissionais prontos para treinar; eu os
cumprimentei com um aceno, depois iria falar com eles.
— Controlar o cavalo e ainda segurar o bastão... — Ela continuava
impressionada com a dificuldade do polo. — E ainda por cima acertar a
bola.
— Tem que pegar o jeito — expliquei, trazendo sua atenção para
mim. — É treino. É um jogo de corpo, tem que movimentar junto com o
cavalo.
— Foi assim que você conheceu os outros três? Por causa do polo?
Gritei para um dos treinadores me trazer um cavalo e olhei para
Catarina ao meu lado. Presumi que ela se referia aos meus amigos, o que
me deixou de orelha em pé.
— Não. Bento sempre foi amigo da minha família e
consequentemente sempre gostou do esporte. O pai de Nero é amigo do
meu avô. E Santiago chegou por último, aprendeu polo por nossa causa,
porque já praticávamos.
— De onde ele veio? Esse Santiago?
— Desse Brasilzão afora. Ele não fala muito sobre a vida fora do
Sul. — Não falava mesmo, e a gente insistia. Apenas contou que os pais
morreram quando ele era criança e que foi criado pelos tios no Rio de
Janeiro. Antônio Santiago era um homem íntegro e confiável, e sua
obsessão por discrição era sem dúvida um ponto positivo para a gente, os
amigos que viviam na companhia dele.
— Veio sozinho? Sem família, sem ninguém? — Catarina continuou
sondando.
— Sim. Chegou sozinho e fincou as raízes aqui. É um juiz, tem
imagem limpa, não há o que suspeitar.
— Nada de casamento?
— Não. Tá querendo saber demais, tchê. — Dei logo uma cortada,
mesmo que eu tenha detectado que as perguntas não passavam de
curiosidade. Catarina era uma mulher decidida, ela sabia o que queria. E no
momento era por mim que sua boceta latejava.
— Porra, quatro homens na casa dos quarenta sem casamento? —
criticou, olhando para o treinador que vinha trazendo um cavalo. E mesmo
que não me importasse com esse tipo de crítica, fiz questão de retrucar.
— Casamento não é tudo. E dois de nós já experimentamos. Eu,
como você já sabe, e o Nero, que ficou viúvo com um filho pequeno.
— Nero tem filho? — Catarina me olhou com surpresa.
— Tem. Um piá de quatro anos. — Recebi o cavalo que o treinador
trouxe e me virei para Catarina. — Quer tentar?
— Tentar o quê?
— Bah, treinar polo.
— Ai, meu Deus, não sei. E se eu cair? Nunca subi em um cavalo.
— Mas sabe cavalgar que é uma beleza. — Pisquei para ela,
recebendo um sorrisinho cúmplice. Catarina até tentou balançar a cabeça
negativamente, como se desaprovasse minhas palavras, mas eu pesquei o
sorriso.
— Você implora para ser odiado — esnobou sem muita convicção, o
que era divertido de assistir.
— Fingir que me odeia é uma boa maneira de aliviar a culpa pelas
suas ações e pelos seus pensamentos pervertidos sobre mim.
— Além de churrasqueiro, consegue também ler pensamentos?
— Não preciso ler pensamentos. — Olhei para o lado, antes de
prosseguir em um tom mais baixo. — Basta ter um pau grande que você
acha irresistível e não consegue dizer não.
Catarina não me encarou e, de braços cruzados, fingiu estar distraída.
— É uma correlação idiota da sua parte.
— Você está viciada em trepar comigo, Catarina. Assim como eu não
consigo pensar em outra coisa. Você está louca para que eu te leve até um
lugar discreto e te dê mais um orgasmo dos bons, dos melhores, igual aos
outros que a gente consegue alcançar juntos.
— Ah, você supõe que eu quero...
— Eu posso sentir sua excitação, e não tem problema, porque é o que
eu quero também. Mas fingir que me detesta pode ser que alivie um pouco a
culpa que você sente por adorar tanto transar comigo. — Eu acabei sendo
bem claro com ela, e geralmente nunca fazia isso com mulher nenhuma.
Esperava que tivesse entendido que deixei subentendido, que não ia
expulsá-la porque estava viciado.
— Caralho, Gedeon Barreto, você é o único que consegue me deixar
molhada e irritada ao mesmo tempo.
— Sou um bom churrasqueiro, sei usar os temperos na quantidade
certa. Venha montar. Esse cavalo é próprio para treino. Ele vai ter paciência
contigo. Vou te ajudar a subir.
Catarina não negou dessa vez. E mesmo que lhe custasse o seu
orgulho, se aproximou, pronta para experimentar.
— Pisa aqui, eleva o corpo para cima e passa a perna sobre ele.
Armada de todo receio possível, Catarina fez como instrui e ainda
recebeu o impulso que dei ao segurar em sua cintura. Acomodada sobre o
cavalo, me fitou fascinada, apesar do medo ainda visível. Apenas montar no
cavalo foi uma conquista para ela.
Caminhei, puxando a rédea do cavalo em direção ao campo plano.
— Não parece tão alto como imaginei — disse ela.
— Os cavalos próprios para polo não são muito altos — expliquei,
caminhando com a rédea nas mãos. — E não são selvagens. Eles são ágeis
na corrida e nunca vão estranhar o cavalheiro em cima deles.
— O que acho mais impressionante é a destreza em mover o taco
enquanto o cavalo corre — Catarina falou, dura de medo em cima do
cavalo.
— Fica um instante aí, vou te mostrar.
— Gedeon! Não me deixe aqui sozinha.
Sem dar ouvidos ao clamor, abandonei Catarina sobre o cavalo,
montei em outro e alcancei um taco de polo. Com algumas trotadas,
cheguei aonde Catarina estava, tremendo de medo sobre o cavalo.
— Essa correia de couro na ponta do taco é enroscada no pulso, para
melhor segurança — expliquei enquanto demonstrava.
— Ok. — Assentiu, atenta aos meus movimentos.
— E agora segura com força no cavalo, eleva o corpo um pouquinho,
para ter mais firmeza, e dá a tacada, arremetendo o braço para frente. —
Para que ela tivesse uma melhor visão de minha aula teórica, fiz o cavalo
correr pelo campo, demostrando algumas jogadas em uma bola imaginária.
Voltei até Catarina, para que ela tentasse.
— Gostou?
Ela estava impressionada, sem se importar com o sorriso de
aprovação.
— Você é um maldito gostoso.
— Eu sei. — Ri, piscando para ela. — Quer tentar? — Aproximei
meu cavalo do dela e lhe entreguei o taco. Meio sem jeito, Catarina o
segurou da forma que ensinei.
— Agora, o seu cavalo vai apenas caminhar. Segure na rédea com
uma mão e mantenha o bastão firme na outra.
Ela fez como instruí e girou o taco, que quase a levou para o chão
junto com o movimento.
— Vai ficar mais fácil quando eu aprender ao menos a montar no
cavalo. — E ela tinha total razão. Antes de praticar polo, a pessoa deveria
ao menos ser íntima do animal.
Catarina me entregou o taco de volta, eufórica, compartilhando sua
alegria genuína comigo. E eu me flagrei considerando-a mais do que um
corpo gostoso.
Seu sorriso transbordava e respingava alegria em lugares que
pareciam estar fechados em mim. Eu gostava de trepar com ela e gostava de
a ter ao meu lado, pois mesmo sendo uma possível interesseira, era
verdadeira em suas ações.
Seguimos juntos, com os cavalos apenas caminhando lado a lado, em
direção aos treinadores que nos aguardavam. E eu sabia que possivelmente
estavam intrigados com a intimidade que demonstramos.
Mas eu nem me importei. Se meu irmão terminasse com ela por
causa de conversas maldosas, talvez fosse algo bom para todos...
Ou para mim.
Vinte e nove
GEDEON

Santiago e Bento chegaram para almoçar com a gente. Apenas Nero


não pôde vir, afinal era um horário em que ele estava à frente da cozinha do
seu restaurante.
Catarina parecia confortável na presença dos meus amigos. Embora
eu percebesse curiosidade nos olhos dela para saber mais sobre eles.
— Tá atucanado desde que chegou. Aconteceu algo? — indaguei,
Bento mantinha a cabeça baixa olhando o celular, uma carranca rude na
cara como se alguém aqui fosse inimigo dele.
— A serpente de farda voltou — Santiago delatou apontando para
Bento com um gesto de queixo. Como um lorde, Santiago, sentado à
cabeceira da mesa, comia de forma elegante, cortando a carne como se
fosse uma arte que não quisesse danificar.
Como de costume, usava preto. Camisa, calça e terno.
Às vezes, a gente brincava que ele era o Bruce Wayne durante o dia,
sendo um bom juiz. Mas à noite era o Batman, fazendo algo à espreita.
Bento lançou um olhar de alerta para Santiago, que nem se importou,
em seguida me fitou, sabendo que eu tinha pescado a referência. Serpente
de farda. Era a Ana Maura, uma policial, o grande amor de Bento, aquela
que fodeu a cabeça dele uns anos atrás ao ir embora daqui para ser feliz em
outro lugar, deixando-o com a aliança de noivado na mão. E agora parece
que voltou. E eu não estava sabendo dessa novidade.
— Sério? — sussurrei.
Ele olhou para Catarina, pesando na balança se poderia falar na
frente dela, mas acabou decidindo que não tinha problema.
— Sim. Mas isso não quer dizer nada.
— Não dê chance a ela, porra — aconselhei.
— Eu falei isso — Santiago resmungou, voltando a comer em
seguida.
— Lógico que não vou dar. Nem estou pensando nessa maldita.
— Ex-namorada, Bento? — Lá vinha a curiosa Catarina sondar uma
história. Ela amava saber da vida dos outros, porra. Devia ter virado
jornalista.
Estava prevendo a hora que ele ia dizer “Não é da sua conta”. Mas
Bento parecia mais educado que os palpites da minha mente.
— Tudo bem — Catarina gesticulou sem graça. — Foi só
curiosidade inadequada mesmo.
— Não é nada de mais — Bento disse, bem-educado. — Uma ex-
namorada que resolveu reaparecer.
— Ex em geral é uma praga. Se fosse bom, não era chamado de ex
— ela respondeu, arrancando uns risinhos dos dois homens. Fiquei na
minha.
— E você coleciona alguns ex, Catarina? — Santiago bebeu um gole
de vinho com os olhos nela. E rapidamente, como um ímã, minha atenção
foi para a cara dela. Essa foi uma pergunta boa, era algo que eu gostaria de
saber.
— Se for considerar relacionamento sério, um apenas. — Trocou
rapidamente um olhar comigo.
— E o que aconteceu com ele? — Bento entrou na conversa.
— Morreu. — A resposta foi tão rápida, que não nos preparou para o
impacto. — Mas eu já planejava terminar com ele antes da sua morte. —
Em seguida, se benzeu, dizendo: “que Deus o tenha”.
— Morte que você não teve nada a ver, não é? — Santiago indagou,
semicerrando o cenho para ela e brincando de detetive. Catarina riu.
— Felizmente, não. E você? Posso te chamar de você, não é?
— Claro, por que não poderia?
— Sei lá, ser presa por desacato. — Ela riu, e nós três a
acompanhamos rindo também. — Você não tem listas de ex-namoradas
defuntas, não é?
Ela estava mesmo tentando fuçar toda a privacidade e rigidez de
Santiago.
— Ah, não. — Santiago gesticulou, descontraído. — Tudo que tenho
é uma fila de mulheres satisfeitas que sonham em repetir a dose.
— Isso foi bem arrogante — Catarina classificou.
— E isso talvez seja desacato — ele devolveu, a fazendo rir.
Eu admirei a postura tranquila de Catarina à mesa com a gente.
Queria que o tempo parasse e eu pudesse guardar esses minutos que
inexplicavelmente me davam conforto.
E meu lado biruta soprou no meu ouvido que Catarina combinava
comigo e com meus amigos. Combinava com polo, com chimarrão e
churrasco. Combinava muito no sexo.
O lado biruta da minha mente só estava ignorando um pequeno
detalhe: essa mulher ia se casar. Com o meu irmão. E talvez estivesse o
enganando para se dar bem. E era a minha obrigação detê-la.
Mas ainda assim ela combinava com a minha vida.
E como se quisesse me punir, o destino tratou de agir imediatamente
e Ravi apareceu. Veio acompanhado de Cassie.
Minha irmã se aproximou primeiro, me abraçou por trás, me
cumprimentando carinhosamente com uma beijoca na nuca enquanto
sussurrava: “chatão”. E depois acenou para os meus amigos, beijou o rosto
de Catarina e tomou o lugar ao lado de Bento.
— Me sirva um pouco de vinho, delegado — pediu, sorridente, mas
Bento não estava na mesma sintonia que ela e apenas lhe passou a garrafa.
— Olá, viventes — Ravi cumprimentou a todos, acenando, até seus
olhos pousarem em Catarina. — Amor, que saudade. — Foi até ela, dando
um beijinho em seus lábios, e eu virei o rosto na hora. — Eles estão te
pressionando com perguntas?
— Eu estou conseguindo me virar nas garras do delegado e do juiz
— ela disse, esbanjando simpatia — Senta aqui, meu querido, almoça com
a gente.
— Claro, vim para isso. — Sentou-se e olhou para mim. — Mano,
como foi o dia? Espero que ela não tenha fervido sua cabeça.
Ela ferveu meu corpo, minha mente e coração. A gente passou um
dia bom em Gramado; e agora não aguento vê-la sendo de outro.
— Foi tranquilo, Ravi. Vá pegar comida para ti. Eu achei que tu
vinha, então pedi que preparasse algo vegetariano. Vou fazer um chimas
para mim. Licença. — Saí da mesa sem olhar para trás, mas escutando Ravi
contar sobre sua viagem.
Na cozinha, eu parecia um completo ignorante enquanto preparava
um simples chimarrão. Como se eu não fosse um gaúcho que prepara isso
desde que era um piá. Não estava conseguindo de jeito nenhum. A erva
virava, coloquei água muito quente logo de cara e praguejei, fazendo uma
pausa para respirar.
Pior tipo de ciúme é aquele que se sente de uma pessoa que nem é
tua.
Eu caí na armadilha que eu mesmo criei.

***

CATARINA

— É sem dúvida o homem mais insuportável que já vi em toda a


minha vida, Catarina. Meu Deus, como eu odeio aquele cara. Zombou de
mim o tempo inteiro. — Observei Ravi andando de um lado para outro no
quarto enquanto expressava toda a sua raiva com um cliente que ele tinha
ido visitar.
E ele mal podia imaginar que eu tinha uma bomba para soltar em seu
colo. Decidi não contar que transei com Gedeon, mas contaria que a gente
se aproximou e rolou algo a mais, para que Ravi começasse a encarar os
fatos se por acaso a bomba explodisse.
Estava me sentindo uma cachorra safada por enganar meu amigo,
mas para o bem da sua saúde mental eu precisaria omitir alguns fatos.
— Você poderia passar esse cliente para o Rony — opinei, tentando
amenizar toda essa inquietação. — Se esse cara te faz tão mal...
Usando apenas calça, ele se sentou na poltrona, apoiando os
cotovelos nas coxas. Então balançou a cabeça negando e olhando para um
ponto fixo no chão.
— Ravi...
— Não. É um desafio, eu tenho trinta anos e sou capaz de cumprir e
mostrar ao meu avô.
— Mesmo que isso custe sua saúde mental?
Ele pensou um bocado e, em vez de responder meu questionamento,
entrou com outra teoria.
— Será que ele percebeu que eu sou gay e estava fazendo isso por
preconceito?
— Quem? O tal Demétrio?
— Sim, ou talvez seja preconceito por eu ser jovem. Ou por ter essa
carinha de que fui alimentado com leite Ninho.
Acabei tendo de esconder a boca com a mão para não ser uma
completa insensível rindo na cara dele. Então me aproximei e me agachei
na sua frente, segurando em suas pernas.
— Pelo que você me contou, ele é um homem mais velho, de um
lugar mais rural. Você precisa ser frio e profissional para não surtar. Só não
leve para o pessoal.
— Sabe o que é pior, Catarina?
— O quê?
Ravi fez uma pausa e soprou ruidosamente ao mesmo tempo que
salientava a raiva passando as mãos no rosto. Então se inclinou na minha
direção para falar algo bem mais íntimo e sigiloso.
— É um maldito gostoso. E eu detesto me sentir atraído por um
hétero que me trata mal.
A informação me pegou desprevenida. Eu já estava imaginando um
velho encurvado e rabugento com base na narração dele.
— Tudo bem. Vamos trabalhar nisso. É normal sentir atração por
quem a gente deveria odiar.
— O que me sugere? — Fez olhar de coitado para cima de mim. —
Que eu me dê uma surra para aprender a não ser tão promíscuo?
— Não. Não fale isso.
— Como posso fingir que meu pau não ficou duro toda vez que ele
apertava meu ombro e me chamava de Barretinho?
Mais uma vez tive de rir.
— Esse seu fogo está descontrolado, hein? — falei em meio ao riso.
— Vou pensar em algo para te ajudar. Mas se você quer esse cliente, vai ter
e vai fazer o melhor trabalho para tapar a boca desse Demétrio xucro, do
seu avô e do seu primo.
Até eu estava admirada com minha confiança, como se tivesse a
resposta para tudo. Mesmo que eu mal soubesse como seria o meu
“amanhã”.
— Você é a melhor noiva do mundo. — Curvou-se para cima de mim
e me abraçou.
— Não sou.
— É, sim. Te amo.
— Não sou. Inclusive tenho algo para te contar.
— Ai, meu pai amado. — Ravi se afastou no mesmo instante. Seu
olhar preocupado me paralisou. — O que você aprontou? Foi com meu
irmão? Brigou com ele ou beijou o homem?
Eu fiquei de pé, buscando uma pose mais branda para continuar
passando confiança para ele. Eu queria mostrar que tudo estava sob
controle, mesmo que eu me sentisse dentro de um carro desgovernado
descendo em direção a um vulcão.
E, no fundo, acho que Ravi já sabia o que eu tinha feito.
— A gente se aproximou e acabamos... trocando alguns beijos e...
— Catarina, pelo amor de Deus! — Nem esperou que eu terminasse.
— E depois sou eu que tenho um fogo descontrolado?
— Não me julgue. Você é capaz de me entender.
— Eu posso sentir tesão pelo hétero xucro. Você só tinha que se
controlar. Pronto, acabou, Gedeon vai armar o bote. Vai te expor na frente
de todo mundo e me obrigar a defender minha honra terminando com você.
— Ele não vai fazer isso.
— É, não vai, porque vou agir primeiro. Eu tenho um plano.
— Um plano? Que plano?
Ravi se apressou em pegar algo em sua bolsa e entregou para mim.
Quase tive uma síncope ao ver um teste de gravidez usado. E marcava
positivo.
— Que merda é essa, Ravi?
— Juliano comprou e me mandou. Essa é nossa carta na manga, se
Gedeon tentar qualquer coisa, eu vou apelar para isso.
— Ravi! Não.
— Vamos fazer isso, sim.
— E depois? Sua família inteira vai ficar esperando um bebê...
— A gente inventa qualquer coisa, Catarina. Eu não vou perder a
minha chance na empresa só porque você não conseguiu resistir à sedução
de um churrasqueiro.
As palavras de Ravi chicoteavam além da minha pele, tocavam em
algo mais profundo que eu não sabia explicar, mas tinha a ver com o sorriso
de Gedeon, aquele que não saía da minha cabeça.
Abraçando meu corpo como se pudesse me proteger de qualquer
ameaça, tomei alguns segundos enquanto buscava compreender minhas
emoções.
— Não — sussurrei, achando que foi em pensamento, mas tinha
escapado de fato. Ravi ouviu.
— Não?
— Não. — Girei nos calcanhares e me deparei com a expressão de
surpresa dele. — O dinheiro não compra tudo. Eu não vou ferir sua família
os enganando em um assunto tão sério.
Não ia enganar Gedeon mais do que já estava enganando.
— Catarina... eu assumo a responsabilidade.
— E está disposto a passar por cima de todo esse afeto que eles têm
por você? É linda a forma como eles te amam, eu não tive isso na minha
vida, portanto não vou te ajudar a estragar o laço entre vocês.
— Você está aqui para ir até o fim comigo, Catarina.
— Sim, estou. — Agarrei os ombros dele. — E vamos fazer o
impossível, mas sem apelar. — Tomei o teste de gravidez da mão dele, fui
até o banheiro e joguei na lixeira. Ao voltar para o quarto, Ravi parecia
desesperado. — Confie em mim, você não vai perder a sua chance na
empresa do seu avô.

Ravi acabou aceitando o meu conselho e confiou em mim,


consequentemente aumentando minha responsabilidade para que ele
alcançasse seu objetivo. E eu ia cumprir a minha palavra mantendo esse
noivado até o momento em que ele conseguisse a benção do avô.
Como a tarde estava linda e felizmente ensolarada, planejamos
passar um tempo na piscina de Gedeon, que, por sinal, tinha desaparecido.
Na verdade, nem veio ficar com a gente depois do almoço. Disse que
precisava ver algumas coisas na churrascaria e saiu apressado sem olhar
para ninguém.
Eu não estava necessariamente preocupada com ele, apenas intrigada
com sua mudança brusca de humor quando Ravi chegou para almoçar com
a gente.
Vesti um biquíni azul-escuro do tipo um pouco mais comportado. E,
por cima, uma saída de praia que, por ser transparente, não cumpria o papel
de cobrir, mas sim acabava deixando o look mais sexy.
Peguei óculos escuros e o boné que Gedeon me emprestou hoje mais
cedo. E ao descer para o segundo pavimento, dei de cara com Gedeon e sua
mãe acabando de chegar em casa.
— Catarina, querida. — Marilia veio em minha direção, me
cumprimentando com alegria.
— Oi, Marilia. — Olhei por cima do ombro dela, me deparando com
as feições tensas de Gedeon. Ele me olhava como se eu estivesse prestes a
cometer um crime, e acho que era por causa do biquíni, por isso tive de
explicar.
— Ravi está na piscina e... vamos aproveitar o sol.
— Que programa perfeito — Marilia aprovou, deixando a euforia
transparecer no olhar. — Eu vou ficar com vocês, tudo bem?
— Claro.
— Não vou atrapalhar o namoro do casal não, né?
— Lógico que não. — Sorri para ela, aceitando o seu braço. Nós nos
afastamos juntas em direção ao pátio externo. Olhei brevemente para trás, e
o homem parecia um gavião intimidador. Os olhos me fuzilavam, me
deixando ver o que ele estava sentindo.
Não era bom, era algo que ele não tinha direito de sentir em relação a
mim.
— Eu vim avisar a Gedeon que haverá dois eventos muito em breve.
E vocês vão também — Marilia falou ainda de braços dados comigo.
— Eventos?
— Hoje à noite, um jantar na minha casa.
— Enfim vou conhecer a casa da minha sogra — falei em tom
divertido.
— Já devia ter ido antes, confesso que isso me deixou triste, mas
meus filhos são tão desligados nessa parte. E o segundo evento será daqui a
três dias, baile de aniversário do meu pai. Será no clube que ele tanto ama.
— Ravi comentou sobre esse baile, e eu trouxe um vestido especial
para essa data.
— Mal posso esperar para ver. — Deu alguns tapinhas em minha
mão. — Vou dar um beijo no meu menino. — Afastou-se de mim e foi em
direção a piscina para cumprimentar Ravi, que estava relaxando na água.
— Já mataram a saudade na cama? — Ouvi atrás de mim, e mesmo
que a voz parecesse de um encosto vindo direto do inferno, sabia que era
Gedeon antes mesmo de me virar.
— Não começa. Não aqui — alertei.
— Ou será essa noite? Depois de ter transado comigo pela manhã?
— Algo que eu já estou arrependida de ter feito.
— Escute bem, Catarina... — falou bem pertinho da minha orelha. —
Tu já está metida em um beco sem saída. Sugiro que você o evite. Invente
qualquer desculpa.
— O que está me pedindo?
— O que você entendeu. Amanhã cedo, quando meu irmão for
trabalhar, a gente conversa melhor. E, a propósito, odeio esse biquíni, me
faz querer arrancá-lo com os dentes e te chupar até que tu não pense em
mais nada.
Não tinha clima para entrar na piscina, eu só queria ficar bem
coberta, com minha saída de praia transparente. Por isso aceitei apenas
tomar um refresco junto com Marilia nas espreguiçadeiras.
Ela falava bastante, característica que me colocava no papel de
ouvinte. Isso foi bom, porque me livrou de ter de falar algo e acabar me
contradizendo, mesmo que eu tivesse o script na ponta da língua.
A conversa com ela também me enchia de informações sobre a
família Barreto, principalmente sobre a infância de Gedeon e Ravi, assunto
que ela parecia adorar reviver. E eu a compreendia. Deve ter sido os
melhores momentos para ela, quando ainda tinha o pai dos filhos e achava
que ia ser a herdeira natural dos negócios do pai.
Assim que Marilia se levantou para ir buscar o meu protetor solar,
que esqueci no quarto e Ravi saiu e em busca de alguns petiscos para nós
dois, o demônio, ou melhor, Gedemônio, apareceu.
E surgiu com a porra de uma sunga sexy.
Ele se alongou na beira da piscina e pulou na água, mergulhando
como uma fera ameaçadora para emergir do outro lado.
Até tentei ignorar, mas ele estava se mostrando de bandeja para mim.
E cá entre nós, mulher sabe observar um corpo gostoso sem ser flagrada. A
gente tem prática nessa modalidade. Ao mesmo tempo que finge desdém,
consegue captar até a cor do olho do cara.
Por trás da revista que eu fingia ler, admirei Gedeon dar mais uma
volta na piscina, desaparecendo em algum canto. E então surgiu bem na
minha frente, de modo repentino.
Tão molhado quanto minha calcinha sempre ficava por ele.
Passei os olhos pelo seu corpo, subindo pelas pernas fortes, aquelas
que eu sabia que aguentavam muito bem o tranco. Parei por dois segundos
na sunga recheada, que mesmo sendo preta, ainda deixava visível o volume;
suspirei com o “v” de sua cintura, lembrando de como eu lambi essa região
como se fosse uma sobremesa. Olhei o peitoral sarado e bronzeado,
finalizando minha viagem no rosto que se voltava para mim.
Então, sem dizer nada, tomou a revista de mim, jogou do lado e me
agarrou.
— Gedeon!
— Shiu!
Ergueu-me no colo e pulou na água, me levando junto.
Eu o detestava. Meu ranço estava transbordando por esse homem.
Mas no momento que emergimos na água e ele me beijou
vorazmente, não parecia ranço o que eu sentia.
— Seu irmão e sua mãe estão aqui. — Afastei-o, trêmula e sem ar.
— Me larga.
— Se eu não fizesse isso, poderia encomendar o caixão, tchê, pois eu
ia morrer. — Ofegante, me beijou mais uma vez, e além do desejo no beijo
de língua gostoso, havia um pingo de aflição, sabor esse que não passou
despercebido por mim.
Mas rapidamente ouvi as vozes de Marilia e Ravi, então empurrei
Gedeon e saí da piscina, pegando a toalha depressa. E foi por pouco que
Marilia não nos flagrou.
— Querida. — Veio caminhando até mim. Os olhos lacrimejando,
algo que me assustou. — Ah, minha querida.
— Marilia... Está tudo bem?
— Venha aqui. Só preciso te dar um abraço. Estou muito
emocionada. — E me abraçou, sem explicar a causa da repentina mudança
de humor.
Ela estava emocionada. Pelo quê?
Não deu maiores explicações, apenas sorrindo muito feliz foi passar
o protetor solar. E Gedeon mergulhando numa boa fingindo normalidade.
Trinta
GEDEON

Falei com Ravi para seguir com Catarina em um carro para a casa da
nossa mãe, onde um jantar nos esperava, eu apareceria por lá depois.
Inventei um monte de compromissos que não poderiam esperar, justificando
assim a minha recusa de ir com eles.
Como se fosse um guri de treze anos, eu estava me esquivando de
ficar próximo ao casal por mera dificuldade em ser maduro o suficiente
para apenas ignorar.
Na teoria era simples: ignorar uma mulher que despertava desejos
pervertidos. Porra, eu já tinha feito isso outras vezes. Meus amigos faziam
isso sempre.
A gente queria, mas se não podia, tocava o barco adiante. Vida que
segue.
Quem nunca quis alguém que não pode ter?
Todavia, com ela a banda tocava diferente. O sentimento não era
mais só desejo pervertido, tinha subido um degrau — perigoso pra cacete,
eu sei —, parecia me ferir como um ferro quente de marcar gado.
Terminei de me vestir, optando por uma roupa mais aprumada. Era
um jantar na casa da minha mãe, mas talvez eu pudesse sair com Bento pela
noite para tentar limpar esses pensamentos ruins.
Escolhi uma calça de alfaiataria cinza-escuro, uma peça que tinha
ficado reservada apenas para ocasiões mais formais, afinal eu não era fã
delas. Camisa simples preta por dentro da calça, o que dispensava cinto e
sapato de couro.
Que guapo, porra, pensei em frente ao espelho antes de sair do
quarto. Tomara que Catarina pense o mesmo.
Mas ao chegar à casa da minha mãe, aparentemente não foi só
Catarina que pensou o mesmo.
Era uma cilada. Minha própria mãe armou uma armadilha para mim.
Minha irmã parecia tensa, e quando nosso olhar trombou, havia um
claro pedido de desculpas por provavelmente não ter me avisado. Nossa
mãe deve ter impedido Cassie de dar com a língua nos dentes.
Donato, o padrasto, deu um olhar de revesgueio[11], tirando o corpo
fora.
Ravi parecia levemente compadecido, e Catarina estava pálida feito
papel, além de não esconder o desespero nos olhos saltados.
— Aí está ele. — Minha mãe veio logo ao meu encontro. — Hum,
está lindo e cheiroso, sabia que tu não ia decepcionar — sussurrou apenas
para que eu ouvisse, me levando pela sala até estar de frente para as visitas.
Era uma pretendente para mim. E estava acompanhada do pai e da
mãe.
Um breve parênteses para explicar por qual motivo uma mãe arma
um jantar de encontro às cegas para o filho de quarenta anos que tem toda
uma vida independente.
Dona Marilia tinha colocado na cabeça que era vergonhoso, tanto
para mim como para ela, um homem bem-sucedido sem uma mulher ao
lado. E mesmo que eu tenha explicado os meus pontos, parecia um
fracassado na concepção dela por ainda não ter lhe dado netos.
O outro ponto é que ela queria uma nora que fosse de uma família
amiga. Voltamos então ao presente, comigo usando minha máscara de
gentileza para cumprimentar Luana Maia, a bela pretendente filha de um
casal de amigos de minha mãe.
Luana não era culpada disso tudo. Quem sabe um pouco culpada,
porque ela me queria e nunca conseguiu esconder. Se eu investigasse mais a
fundo, quiçá descobriria que ela estava por trás da armação desse jantar.
Com vinte e seis anos, cursando medicina e vindo de uma família
tradicional, Luana era, sem dúvida, o sonho de nora para minha mãe. Além
de ser disputada por grande parte da classe masculina.
E se não fossem inúmeros motivos, eu até a levaria para transar
depois desse jantar.
Mas não tinha como fazer isso. Tudo que meu corpo captava era a
presença de Catarina na mesma sala que eu.
— Filho, abra o vinho para a gente e nos sirva. — Minha mãe se
sentou ao lado do meu padrasto. Ela poderia ter pedido a ele, que é o dono
da casa, mas queria me exibir como se eu fosse o objeto de um leilão.
Quem dava mais pelo churrasqueiro quente feito fogo e que sabia
usar o espeto como ninguém?
A sala de estar da minha mãe era bem grande, tinha sido projetada
pelo meu pai, que sempre gostou de receber amigos para jogar baralho nas
noites de sexta-feira. E agora havia lugar para todos sentar e jogar conversa
fora até o jantar ser servido.
— Luana, querida, ajude meu filho com as taças. Ele é melhor nos
espetos, por isso precisa da delicadeza feminina.
Porra, ela é o cão. É minha mãe, mas é o cão.
Ouvi os saltos atrás de mim me seguindo para a cozinha.
— Ela é uma figura. — Luana riu docemente.
— Bah, e como é.
Entrei na copa, adorando o cheiro bom da comida. Minha mãe
sempre gostou de cozinhar, assim como meu pai, que era um ótimo
churrasqueiro. Eu tive a quem puxar.
— E como você tem passado, Gedeon? — Luana me perguntou
enquanto eu procurava um saca-rolhas.
— Bueno. Pode pegar as taças naquele armário? — indiquei, e assim
que ela se virou, dei uma olhada no traseiro dela para conferir.
Luana pegou as taças, colocando uma por uma na bandeja.
— Então seu irmão vai se casar. Adorei a noiva dele.
Eu também adorei.
— É, talvez.
— Talvez?
— Ninguém sabe o dia de amanhã, não é? — Sorri para ela.
— Pura verdade, por isso temos que aproveitar cada dia sem se
importar com o que o amanhã vai nos trazer. — Gostei das palavras nível
“status de Facebook” que ela soltou. Até parei para observá-la, mas a
realidade veio logo em seguida, com um assunto tão raso quanto piscina de
plástico.
— Percebi que você não me segue no Instagram, pode me seguir de
volta?
— Agora?
— Trocar follow é um dos primeiros sinais.
Sinal de que, porra? Da chegada do apocalipse? Pois só isso me
salvaria dessa saia justa.
— Bah... — A contragosto, peguei o celular, mas antes de realizar
qualquer movimento, ela tomou da minha mão, entrou no perfil dela,
seguindo-o e ainda curtiu o último post. Então, com o mesmo sorriso doce,
me entregou o aparelho. Olhei para meu celular, surpreso com o que acabou
de acontecer, e o guardei de volta.
— Antigamente, na sua época, era troca de telefone fixo, não é? —
Ela riu parecendo se divertir. — Ou eram os bilhetinhos?
Ela estava tripudiando da minha cara?
— Não sou tão velho assim.
— Bom, quarenta anos, então você viveu os anos oitenta e noventa.
Viveu toda a ascensão da tecnologia. É bem velho, sim. Mas acho legal, e
sexy. — Deu uma piscadinha maliciosa. — Você é um daddy, Gedeon. E eu
amo um daddy.
— Daddy?
— Papai em inglês. — Ergueu os ombros orgulhosamente, algo que
me irritou.
— Eu sei o que a palavra significa, só não acho legal ser chamado de
papai por alguém que pretende chupar meu pau.
Ela enrubesceu no mesmo instante, se calando. Gostava de zoar de
um quarentão, mas não aguentava o tranco de volta. Catarina teria me
respondido na mesma moeda.
— Ah... vamos levar o vinho, não é? — sussurrou, quase sem voz.
— Toma. Leva a garrafa, e eu levo as taças.
Comecei a servir o vinho, e minha mãe fez o maior espetáculo para
que Catarina provasse um suco que ela tinha preparado em vez do vinho.
Atitude bem estranha que a fez ficar confusa e sem graça, aceitando
substituir o vinho só para experimentar o tal suco que minha mãe tinha
feito.
E durante o jantar, ela continuou no papel de apresentadora da noite,
expondo minhas qualidades e quase dando o lance inicial para começar o
leilão.
— Gedeon é independente e gosta de ter as próprias coisas dele
desde pequeno — explicou para as pessoas à mesa, que a princípio
pareciam mais preocupadas em se deliciar com o banquete. — Tanto que
recusou entrar na briga pela direção da empresa de papai.
— Então você... não tem qualquer envolvimento com a construtora?
— O pai de Luana me olhou com curiosidade. Todo mundo sempre se
surpreendia com isso, como se o caminho para ser rico fosse apenas por
meio de herança.
Eu assava carne, tchê, picanha e costela da melhor qualidade, e
parecia que as pessoas não enxergavam isso.
— Talvez se um dia houver uma partilha, eu deva receber alguma
porcentagem conforme manda a lei. A não ser isso, não tenho nada a ver
com a construtora.
— Então seus negócios te deixam seguro a esse ponto? — o pai de
Luana insistiu.
— Eu não asso picanha só por diversão — respondi, arrancando
umas risadas no mesmo instante que trocava um olhar com Catarina. Ela me
fitava com um puta olhar de orgulho.
— A vida dele é a churrascaria. — Minha mãe tomou a palavra. — E
morre de ciúme dos seus negócios, tem capricho com tudo, como se fosse
um filho, até entra em qualquer briga para defender a marca dele.
— A minha marca é minha filha — concordei, limpando os lábios
antes de tomar um gole de vinho.
— Você deveria ter uma filha real, de carne e osso. Estou implorando
por um netinho há anos. Mas acho que vou pedir ao meu outro filho, que já
tem meio caminho andado.
As palavras dela causaram susto em mim a ponto de deixar meu
corpo inteiro travado. Foi Cassie quem indagou no meu lugar:
— Meio caminho andado? — O tom de Cassie foi desconfiado.
Notei que seu olhar passeava entre Catarina e Ravi.
— Porque eles já estão noivos, bah — minha mãe respondeu.
— Já tem planos para o casamento? — a mãe de Luana perguntou, e
Ravi pigarreou, pronto para responder. Meu coração acelerou enquanto os
segundos corriam, minha visão não desgrudava de Catarina.
— É um assunto que vamos tratar com calma. — Ele se limitou a
responder algo básico, o que me agradou. Tranquilizado, voltei a comer,
escutando a conversa à mesa que, ainda bem, não estava mais focada em
mim ou no casamento de Catarina.
E mesmo assim minha inquietação só estava começando nesse
inferno de noite. Após o jantar, Ravi teve a brilhante ideia de levar Catarina
para ver o antigo quarto dele de solteiro, que minha mãe ainda mantinha
quase do mesmo jeito por puro saudosismo.
Eu imaginava que eles não iam olhar quarto coisa nenhuma, iam dar
um amasso na cama de solteiro dele.
Então mais que depressa, na tentativa de impedir que ele tocasse na
própria noiva, pedi licença, subindo atrás, não dando nem cinco minutos de
folga para os dois.
O meu caso parecia obsessão, os caras chamariam de doença.
— Tudo tão lindo, Ravi. — Era a voz de Catarina. — Pelo que vejo,
você era um jovem fofo...
— O Ravi sempre foi muito organizado — falei, brotando na porta
do quarto e dando um susto nos dois.
— Ela queria ver seu quarto, mas não existe mais nada — Ravi disse,
tranquilo com o fato de eu ter aparecido. Enquanto Catarina exibia surpresa,
quase evoluindo para irritação.
— Não fazia sentido a mãe manter meu quarto. — Com as mãos nos
bolsos, eu me aproximei deles. Ravi estava sentado na antiga cama dele, e
Catarina, embravecida, permaneceu recostada na escrivaninha.
— Por que não fazia sentido? Era um quarto muito visitado pelo
gênero feminino. É por isso que sua mãe não queria essa lembrança?
Ravi gargalhou diante da alfinetada.
Ah, entendi. Sabia por que ela estava brava. Estava com ciúme por
causa da Luana. Gostei de saber que não era só eu nesse maldito barco.
— Não. Eu me casei cedo e a trouxe para morar aqui. Era um quarto
que não trazia boas lembranças para todos.
Catarina desarmou no mesmo instante, ficando sem resposta. Mas
nossa troca de olhar dizia tudo. Era incrível como eu poderia olhar para ela
a noite toda. Apenas olhar.
Olhar... só olhar e não cansar.
E depois tocar.
Porque era como um ímã me atraindo.
Eu queria cheirá-la. Queria que ela brigasse comigo. Queria que ela
risse de alguma merda que eu dissesse.
E isso me dava medo, porque parecia mais do que sexo pervertido.
— O que foi, cunhado? Perdeu algo na minha cara? — ela falou,
toda malcriada e debochada.
— Acho melhor a gente voltar — Ravi disse. — Daqui a pouco sua
pretendente vem te procurar, Gedeon.
E ela veio mesmo. Ouvimos a voz de Luana nos chamando enquanto
se aproximava. Catarina deu um sorriso meio vitorioso e se afastou,
abraçada a Ravi.

A noite transcorreu bem, dentro das possibilidades. Chegamos até a


sobremesa sem nenhum desconforto maior, ainda que o jantar em si fosse
desconfortável, porque todos ali sabiam qual era a sua finalidade.
E mais uma vez minha mãe armou para mim.
O inferno do jantar tinha acabado, mas ela insistiu para que eu
levasse Luana para conhecer a minha casa. Convenientemente, era o sonho
de Luana conhecer a famosa fazenda Barretão.
— A gente pode marcar para que ela apareça por lá. — Fui bastante
amigável na tentativa de me esquivar. — As portas estão abertas.
— Essa guria não para de falar nisso. — A mãe dela ajudou a colocar
lenha na fogueira. — A gente vai, visita e volta em cima do rasto.
— Ela vai, sim. Agora. — Minha mãe comandou sem nem tentar
perguntar a minha vontade. Era a porra da minha casa, da minha vida, e eu
decidia o que ia acontecer.
— Não, ela não pode ir agora. Vamos marcar outro momento. —
Endureci o tom. Era algo que dificilmente usava em vão.
— Não me faça passar essa vergonha, Gedeon — minha mãe me
puxou para um canto, ralhando baixinho. — Você não é mais criança.
— Por isso mesmo, dona Marilia. Eu não sou a porra de uma criança
que pode ser controlada. Ela não vai para minha casa.
Se não estivesse tão tenso, poderia apreciar o meio sorriso de
Catarina adorando toda a situação.
Eu me despedi de todos e de Luana de forma respeitosa, sem dar
qualquer esperança futura.
E então dirigi sozinho e tranquilo de volta para casa. Ia só trocar de
roupa, vestir algo mais informal e ver se Bento poderia me receber. Mas
assim que cheguei, um carro parou atrás de mim. Era minha mãe e Donato,
e trouxeram Luana com eles.
Trinta e um
CATARINA
— Sua mãe é bem insistente, hein? — pontuei a realidade, mas com
tom de crítica. Ravi dirigia, pensativo, mas consciente da minha presença
ao seu lado. Eu estava de saco cheio por ter de ficar na casa de Marilia
enquanto ela e Donato foram levar Luana para ver a casa de Gedeon.
Marilia gritou que o filho tinha aceitado mostrar a casa àquela hora
da noite e por isso eles iam rapidinho levar Luana.
— Ela é um amor — Ravi respondeu, achando divertido. — Nós três
a amamos, mas ela sabe ser persistente como ninguém.
Nisso, eu concordava.
Além do tédio de ter de entreter os pais de Luana, enquanto ela vinha
fazer um tour na casa de Gedeon, a preocupação começou a beliscar cada
parte de meu corpo.
Adivinha quem ficou com ciúme quando chegamos hoje mais cedo à
casa de Marilia, encontrando uma armadilha para Gedeon?
Pois é, a burra aqui. Que não tinha nada a ver com ele.
A gente transou, se deu bem, brigou, riu e compartilhou algumas
intimidades. Mas eu não tinha direito de me sentir dona dele.
E ver aquela bonequinha sentada ao lado dele, roçando a mão nele a
todo instante, não foi nada bom para meu coração, que nunca tinha sido de
ninguém. Que, sempre pisoteado, aprendeu a só ser mera bomba de sangue.
Ele era feliz e não sabia sendo só uma bomba de sangue.
E foi o desgraçado do Gedeon que o acostumou mal e o ensinou a
sentir. Agora o coração estava ali batendo apressado achando que tinha o
direito de sentir algo.
Eu ia sobreviver no fim. Não importava qual fosse meu destino. Eu
sempre sobrevivia; era nisso que eu me agarrava conforme o carro se
aproximava da mansão de Gedeon.
Ravi parou o carro, e eu desci antes que ele abrisse a porta para mim.
Não tínhamos plateia aqui, desse modo, não precisava manter a encenação.
Eu o ouvi vindo atrás de mim, e ao olhar rapidamente, observei que
seus passos diminuíram por causa de algo interessante que ele via no
celular.
— Vou entrar, meus pés estão me matando — sussurrei, recebendo
um aceno positivo dele. Provavelmente Juliano estava sugando a energia de
meu amigo.
Com os ombros caídos e cansada da noite terrível, empurrei a grande
e pesada porta dupla de madeira e entrei. Jamais imaginei que era tão
cansativo sentir coisas e ter que sofrer calada.
Uma namorada para Gedeon... arf, piada. Ainda bem que ele não
queria.
Atravessei a primeira sala, despreocupadamente, só querendo tirar
meus sapatos. Entrei na segunda, onde ficava a escadaria, paralisando
bruscamente ao me deparar com um bolo de gente no sofá.
Gedeon e Luana embolados se beijando.
Olhei aquilo por mais dois segundos, ao mesmo tempo em que
espadachins me apunhalavam sem pena pelas costas, perfurando meu
coração, derramando sangue e decepção pelo meu vestido.
Mesmo que não fosse meu direito ficar decepcionada. Ele era
solteiro, e eu era aparentemente comprometida.
Andei depressa rumo à escada inevitavelmente fazendo barulho com
meus saltos.
— Catarina?
Parei na metade da escada e me virei. Gedeon tinha se livrado de
Luana, que ainda há pouco estava em cima dele, e ficou de pé, me fitando
com a costumeira cara de alguém que foi pego no flagra.
— Desculpa atrapalhar vocês. Só estou passando — falei, fuzilando-
o com olhar.
— Cadê o meu irmão?
— Já vem. Está ali fora falando ao celular. Uma boa noite para
vocês.
— Boa noite, Catarina. — Luana cantarolou enquanto se enroscava
no braço de Gedeon.
Porco maldito.
Ok, a gente não tinha nada, eu não podia cobrar nada. Mas em mim
ele não tocava mais.
Eu me dei o direito de chutar o ar com raiva, de tirar minhas
sandálias de salto e atirá-las no chão e também de acertar a bolsa na
poltrona ao som de meus ruídos, que seriam gritos, mas estavam abafados
pelos dentes cerrados.
Ainda teve a cara de pau de me cobrar para não ficar com meu
próprio noivo.
Então escutei barulho de carro, e ao correr até a sacada, vi que ele
estava saindo com Luana.
Que você se foda, Gedeon.
Entrei no banheiro, passando longos minutos sentada no vaso
sanitário para pensar com clareza nessa situação. Ele poderia me ameaçar o
tanto que fosse, eu não ia mais ceder.
Roxy estava de volta, ela era meu modo sobrevivência, e agora tudo
que me apetecia era ajudar Ravi a conseguir o cargo dele. Então eu teria
meu dinheiro e iria construir a minha vida enfim independente. E tudo isso
o mais longe possível daqui.
Gedeon não demorou a voltar, e, quando chegou em casa, recebi uma
mensagem no meu celular.

GEDEMÔNIO: Pode sair para conversar comigo?


EU: Não. Estou deitada com meu noivo.
GEDEMONIO: diga que vai beber água e desça aqui.

Como resposta, eu tive a ousadia de bloqueá-lo no aplicativo. O


sentimento foi o mesmo de ter batido a porta na cara dele. Ravi estava no
banheiro tomando uma ducha. Deitada na cama, esperei Gedeon aparecer
feito uma fera, mas uma notificação apitou em meu celular.
Era a caixa de mensagem comum do aparelho.
“Não me provoque. Depois não venha chorar as pitangas. Me
desbloqueia, Catarina.”
Então bloqueei o número dele.
Outra notificação, agora do Instagram.
“Tu só quer me irritar. Mas não vai conseguir. Amanhã às oito da
manhã a gente conversa, e se tu não sair do quarto, eu mesmo vou te tirar
daí a força.”
Ravi saiu do banheiro usando um roupão, nem imaginava o que
estava acontecendo.
— Amigo, você me disse que vai amanhã cedinho para o tal povoado
para encontrar de novo com o Demétrio, não é?
— Sim, nem me lembre desse inferno. — Abriu o armário,
escolhendo uma cueca samba-canção.
— Eu vou com você.
— Vai comigo? Por quê? — Ele me encarou enquanto vestia a cueca
por baixo do roupão.
Porque eu não quero conversar com seu irmão amanhã e espero que
ele tome um susto por não me encontrar em casa.
— Porque eu quero te ajudar a ter esse cliente. E porque eu quero
sair um pouco dessa fazenda, acho que será bom para você ter uma
companhia de confiança.
— Faria isso mesmo? — Um sorriso brincou em seu rosto.
— Sim, claro. Eu quero ir.
— Perfeito. É bem cedinho. Marquei com ele às nove.
— As nove estaremos lá.

Não posso dizer que dormi feito um anjo, porque a maldita imagem
de Gedeon e Luana se beijando não saía da minha cabeça. A cena me
infernizou por tempo o suficiente para começar a me irritar.
Acho que não dormi mais do que quatro horas. A impressão é que
tinha acabado de sucumbir ao sono quando Ravi me despertou.
— Cate, amore, você ainda quer ir comigo? — Ele já estava de pé e
arrumado.
— Oi... que horas...?
— Já são seis. Temos que sair agora.
— Claro. Eu vou. — Levantei num pulo, afastando cobertores e
recebendo o ar frio cortante da manhã do sul.
Em quinze minutos me preparei, escolhi uma bolsa maior e coloquei
algumas coisas que seriam possivelmente necessárias, como uma muda de
roupa para eventuais desastres.
Estava de calça e tênis, o que garantia mobilidade e conforto, já que
ia visitar uma obra. E era mais fácil para pisar leve no chão de madeira,
assim evitava fazer qualquer barulho que pudesse acordar o demônio.
Se é que ele já não estivesse acordado.
E por isso meu coração batia descompassado, imerso em tensão, até
entrar na segurança do carro de Ravi e sair da propriedade de Gedeon sem
ser vista.
Queria ser uma mosca para ver a reação dele quando fosse me
procurar e encontrasse apenas vento.

***

GEDEON

Minha mãe achou que era uma ótima ideia destruir a minha paz
ontem à noite. Não satisfeita com o jantar, ela me seguiu e jogou a guria nos
meus braços praticamente. Antes de ir embora, ainda resmungou algo do
tipo: “seja homem e cumpra seu dever”.
Eu fiquei bem furioso com ela, de um jeito como nunca tinha ficado
antes. Não são só os filhos que devem respeito irrestrito aos pais. A
reciprocidade é necessária para a boa convivência familiar. Estar na posição
de mãe não lhe dava o direito de passar com um trator por cima da minha
vontade.
Eu tinha a opção de mandar um funcionário levar Luana para casa ou
engolir o vulcão de raiva, fazer das tripas coração e recepcioná-la com
simpatia.
Eu devia ter escolhido a primeira opção, pois a guria era uma pirada.
No entanto, quem construiu um triplex na minha cabeça foi Catarina.
Nem dormi direito à noite depois do desaforo dela quando me bloqueou.
Ela vai me pagar. Ah, se vai!
Eu rolei de um lado para outro na cama, que começou a parecer
grande demais só para mim, como se faltasse algo. Algo que nunca esteve
nela além de mim, ainda assim, eu me senti solitário.
Ia dar seis da manhã quando acordei antes do despertador realizar
sua função básica que era me acordar.
Eu me sentia sonolento e de pau duro. E a cama ainda parecia
gigante demais.
Tinha alguns compromissos durante o dia, principalmente na
churrascaria a qual lamentavelmente vinha recebendo minha negligência
por esses dias. Mas tudo que me preocupava era a conversa que eu teria
com Catarina às oito.
Enquanto a água do chuveiro caía sobre o meu lombo, minha mente
fazia festa com todas as suposições do que eu poderia fazer com Catarina
no nosso encontro logo mais às oito.
Eu mal podia esperar.
Era seis em ponto quando desci com uma bolsa de academia nas
costas, pois antes de iniciar a labuta do dia, havia um encontro com os caras
no treino de Muay Thai. Tínhamos acabado de chegar aos quarenta, não
dava para acomodar. E como Bento já fazia esse tipo de luta, por causa da
profissão, ele nos convenceu a participar.
— A guria me pediu para seguir a porra do perfil dela — relatei para
os três que se preparavam para o treino. Sentado ao meu lado, Bento
enrolava as faixas nas mãos. Nero chegou mais cedo, com o intuito de
despejar sua revolta cotidiana no saco de pancadas.
Era capaz de amassar uma frigideira na mão se fosse enfrentar a
cozinha sem antes extravasar o nervosismo.
— Agradeça por ela só pedir isso e não exigir que tu dançasse um
TikTok — Bento zombou.
— Está cada vez mais difícil comer boceta da geração Z hoje em dia
— Nero reclamou, chegando mais perto da gente e ficando de pé ao meu
lado.
— Z de que? De zumbi?
— Pior que é um bom nome — ele concordou, rindo. — É quem
nasceu de noventa e cinco para cá. É a geração da internet e que chama a
gente de tiozão.
— Ela me chamou de daddy.
— Eu amarrava no pé da cama e ensinava a respeitar os mais velhos.
— Santiago se aproximou, dando sua cartada de bizarrice. A gente nunca
sabia se ele fazia essas merdas mesmo ou era só conversa fiada.
— Eu não fico com mulher com menos de trinta nem fodendo —
Bento ficou de pé, se alongando. — A não ser que já tenha uma maturidade
para a idade. Não tenho mais paciência para ensinar, gosto de chegar e já
começar a brincadeira com quem sabe das regras.
— Tipo a cascavel de farda? — Santiago alfinetou.
— Quer perder esse narizinho bonito, Santiago? — Foi o que Bento
respondeu, indicando o tatame em um claro convite para um duelo.
— Vamos. Vou te ensinar a respeitar uma autoridade. — Santiago já
caminhou em direção ao tatame, demostrando indiferença à ameaça que era
João Bento.
— Eu também sou autoridade, caralho — Bento reclamou, pegando
pilha com a fala de Santiago.
— Eles vão se matar — Nero observou.
— Aposto em Bento — Eu me aproximei para ver o treino dos dois.
— Olha o tamanho dele.
— Aposto em Santiago — Nero falou. — Perde na altura, mas ganha
no sadismo.
— Ei, amigos, isso aqui é treino, não é para resolver pendências não
— o instrutor veio logo avisando, mas Bento e Santiago já estavam
centrados nos golpes.
— Deixa os dois, tchê. — Eu o cutuquei com o cotovelo. — Vamos
nos divertir um pouco.

***
Passava das oito quando consegui escapar da academia e voltei para
casa usando toda velocidade que podia. Eu ainda não sabia o que ia dizer,
só queria que ficasse tudo bem, porque já começava a sentir sintomas de
dependência. Entrei na cozinha, esperando encontrar Catarina tomando
café, mas não estava lá.
— Bom dia, Veridiana.
— Bueno, meu filho. Acabei de coar um cafezinho.
— Viu se a Catarina já se levantou?
— Tô aqui há mais ou menos uma hora, e ela não desceu ainda.
Ótimo. Eu vou pegá-la na cama mesmo.
Subi quase voando em direção ao quarto deles. Dei uma batidinha na
porta antes de girar a maçaneta e empurrar.
— Catarina?
Ninguém na cama.
— Catarina? — Entrei e me deparei com silêncio. Pé ante pé, fui até
a porta do banheiro.
Vazio.
No quarto, havia sinais de que eles tinham se trocado. Saí rápido, já
fervendo por dentro. Com o celular na orelha, esperei que ela atendesse.
— Oi, amiga. — Atendeu, me chamando assim porque
possivelmente Ravi devia estar por perto.
— Onde você está? — De olhos fechados, recostei na parede.
— Ah, eu dei uma fugidinha com meu noivo. Vamos passar o dia
juntos curtindo em outra cidade.
— Que porra você está falando? Ravi está na empresa. Onde você
está?
— Beijos, querida, me ligue depois. — E desligou na minha cara.
Passar o dia juntos? Foi uma facada certeira no meu coração. Para
averiguar, liguei para Rony. E ele confirmou que Ravi não tinha ido
trabalhar.
Ao menos me deu mais informações. Tinha ido para uma cidade
próxima resolver um problema com um cliente.
Trinta e dois
CATARINA
O lugar era lindo. Era um paraíso ao pé da serra, com um delicioso
clima frio propício a noites agradáveis ao pé da lareira, com um bom vinho,
uma companhia gostosa ou um bom livro.
Era tentadora a ideia de vir para cá para tentar reconstruir a minha
vida, quando Ravi alcançasse o seu objetivo.
Não queria sair do Rio Grande do Sul. Esta vila doce era o lugar
perfeito para que eu curasse minhas feridas de anos.
— Quando reformar tudo isso... vai ficar muito lindo — comentei
com Ravi ao meu lado, que também admirava a beleza do lugar. As
construções estavam bem deterioradas, mas nada que um bom projeto não
resolvesse.
— Eu me apaixonei assim que vi, e agora desejo mais do que tudo
vencer a disputa para assinar o projeto. Isso se o cão soberbo permitir. E por
falar nele...
— Meu Deus — sussurrei ao me deparar com o homem que andava
em nossa direção. Era mesmo tudo que Ravi tinha comentado, o tipo que
atraía olhares e que não se importava com isso. Demétrio era um homem
mais velho e discreto, que nem imaginava que seu jeitão rústico era tão
interessante.
Ou talvez imaginasse e se fingisse de bobo.
— Me entende agora? — Ravi cochichou.
— Completamente. Quem não ficaria mexido com esse nobre senhor
gostoso?
— Ravi Barreto. — Demétrio foi logo falando e apertando a mão de
Ravi, que tomado pela atração, não conseguiu esconder o rubor que o
tomou.
Notei que meu amigo até enrijeceu a postura, a fim de reafirmar a
masculinidade. Demétrio não pareceu captar a reação que provocou em
Ravi e logo se virou para mim.
— Senhorita.
— Esta... é... Catarina, minha noiva — Ravi apresentou.
— Seja bem-vinda, Catarina. — Franziu o cenho para mim. —
Nunca achei que esse guri estivesse prestes a se casar.
— Bueno, Demétrio, eu não sou mais um guri, e como prova estou
aqui representando a empresa com um relatório...
— Não quero falar de negócios. — De soslaio, fuzilou Ravi com o
olhar. — Vocês sempre com o mesmo disco arranhado. Por que não mostra
o lugar para sua noiva e fala sobre a beleza disso tudo sem que envolva
valores e propostas?
— Mas...
— Bah, tu tem um projeto pelo menos?
— Ainda não, mas... tenho a proposta que meu avô mandou...
— Não quero ver — interrompeu Ravi com sua voz grossa. — Pode
ir embora.
— Certo, o que tu pretende então? — Ravi suspirou, lutando para ser
paciente.
— Tu passou algumas horas aqui, e agora não sabe o que eu
pretendo?
— Não, não sei. Não leio mentes. Não estou aqui para passear, estou
aqui a trabalho. Se você deseja um ouvinte, contrate um psicólogo.
— O que disse, guri?
— Ok, rapazes. — Dei um passo, entrando entre eles. — Tudo bem,
a gente pode resolver isso sem estresse. Ravi, vamos sentir o que o lugar
quer nos dizer, o que você acha?
— É disso que eu tô falando. — Como se tivesse recebido uma
resposta divina, Demétrio comemorou. — Obrigado, Catarina. Já vi quem
vai ser a mente pensante nesse casamento.
— O senhor não precisa me desrespeitar...
— Te apura, guri. E não me atucana. — E já virou as costas para a
gente, deixando Ravi bufando enraivecido.
— O que ele quis dizer? — sussurrei para Ravi, seguindo Demétrio
que já tinha tomado distância com suas passadas largas.
— Te apura é algo como “se apresse”. E não me atucana é algo
como... “não me incomode”.
— Você está excitado, não está? — cochichei, cutucando-o.
— Cala essa boca, Catarina.
Ravi estava sofrendo com uma atração indesejada, e embora
caçoasse dele, eu sabia perfeitamente o que estava se passando. Atração
indesejada era justamente como ser contaminado com um vírus que você
lutou para se proteger. Uma vez no organismo, pode até tomar os remédios
para combater, porém os sintomas vão logo começar.
Eu não queria lembrar de nada que envolvesse Gedeon, queria
expurgá-lo do meu organismo, queria tomar um antibiótico bem forte para
que ele não tivesse mais efeito em mim.
No entanto, bastou vê-lo para saber que eu estava completamente
perdida no ninho de gavião que ele armou para mim.
Gedeon era um vírus sem cura.
Estávamos visitando a vila que necessitava de restauração, ouvindo
Demétrio explicar sobre a história do lugar, quando um carro parou,
acabando com minha paz.
Minha paz é igual calcinha, não é qualquer um que tira.
Gedeon conseguia tirar as duas.
Ele estava detestavelmente gato, com jeans, camisa polo e botas.
Tirou os óculos escuros e sorriu assim que nossos olhares se cruzaram.
— Droga, será que aconteceu algo? — Ravi questionou, cheio de
temor ao ver o irmão chegar do nada.
— Não aconteceu nada, ele só é exibido mesmo.
— Bueno dia, pessoal — Gedeon cumprimentou cheio de simpatia,
que lamentavelmente não era forçada. Ele tinha um carisma natural.
Demétrio sorriu na hora e foi na direção dele.
— Seu Gedeon Barreto. Que honra tu por aqui. Sou Demétrio,
proprietário do lugar.
— Fiquei sabendo brevemente do seu trabalho aqui e fiquei
orgulhoso de sua atitude, Demétrio.
— Aconteceu algo? — Ravi indagou, desconfiado.
— Não. Eu acabei encontrando o Rony e ele comentou sobre esse
lugar, disse que você tinha vindo e eu fiquei curioso para conhecer.
Mentiroso safado. Olhei bem para a cara de sonso dele, me irritando
mais ainda, porque lembrei do que vi na noite passada. Ele que fosse atrás
da pretendente.
Gedeon ficou com a gente o tempo todo enquanto Demétrio
mostrava, com orgulho, cada parte da vila, indicando o que esperava da
restauração. O vinhedo acima, as casas abaixo, e até uma pracinha com uma
igreja.
Aqui teria armazém, pronto-socorro e uma linha de ônibus que
levaria até a cidade.
Ravi anotava tudo com atenção, e até deixou as provocações de lado
para conversar com Demétrio sobre os planos para o projeto.
Os dois iam à frente, falando sobre os projetos, quando senti a
presença ao meu lado.
— Gosto de ver meu irmão trabalhar. Ser independente, profissional
— comentou. De braços cruzados, indicando estar fechada para conversa,
continuei observando Ravi e Demétrio.
— O que está fazendo aqui? — Fui direto ao ponto. — Veio tentar
acabar com o meu dia com o meu noivo?
— Quase isso. Vim ser inconveniente mesmo, segurar vela para
vocês, me intrometer para impedir que ele toque no que é meu.
O arrepio no meu corpo foi incontrolável.
— Seu? — Ri secamente. — Eu não tenho cara de Luana. Ela é que
é sua.
— Ela me pegou desprevenido e me agarrou, se é que importa para
você — salientou com voz baixa.
— Não, não me importa. Você é solteiro, faz o que quiser da sua
vida. Eu sou comprometida com seu irmão. — Levantei a mão para ele,
mostrando a aliança de noivado que hoje fiz questão de colocar.
Não olhei, mas era bem possível haver desconforto no rosto de
Gedeon.
— Não pensou nisso quando estava gemendo no meu pau, não é?
— A sua atitude ontem me fez rever algumas coisas.
— Então está mesmo com ciúme pelo beijo. Se eu quisesse aquela
guria, nada me impediria, nem você, nem ninguém. Foi algo acidental, sem
qualquer importância.
— Ok. Eu já entendi. Ainda assim, em mim você não toca mais.
— Catarina...
Eu me afastei, indo na direção de Ravi.
Demétrio levou a gente para conhecer o vinhedo que ele pretendia
reativar com uma nova safra de uvas a ser plantada em breve, com isso
levaria trabalho para as pessoas que ainda moravam na vila.
Pensar em vir morar aqui, sozinha, reconstruindo a vida, me trazia
dois sentimentos: alívio, por enfim encontrar a paz, e desalento, por estar
sozinha.
Não dava para imaginar uma vida com o homem que mexia com meu
coração. Ele era imune a relacionamentos, e se um dia optasse por um, não
seria com uma mulher como eu. Por isso era melhor cortar desde já
qualquer interação entre a gente, qualquer aproximação que pudesse me
machucar mais tarde.
E o fato de Gedeon ter vindo só para se certificar que eu não ia ficar
com ninguém me deixava ainda mais encucada.
E não só ter vindo, ele estava se sentindo como se de fato fosse o
meu namorado ou noivo.
Demétrio era cortês, apesar de rude, o que fazia parte do seu charme.
E isso parecia incomodar Gedeon.
Demétrio serviu espumante para todos, bebida que, segundo ele, foi
de uma safra produzida nesse vinhedo. Ele me deu a taça primeiro, para que
eu experimentasse, e esperou minha opinião.
E então ouvi Gedeon alertar Ravi com seu sotaque acentuado:
— Este cara tá de olho grande para cima de Catarina, não tá vendo?
Tome uma providência, tchê.
Eu quis rir, porque na realidade ele que estava de olho em mim
enquanto Ravi lutava contra a atração pelo xucro.
— Não, mano — Ravi desconsiderou na hora. — Não acho.
E Gedeon ficou mais desconfortável ainda por ser apenas o cunhado,
sem poder interferir em nada.
Ou quase nada.
Ninguém podia com aquele homem. Mostrando do que era capaz,
fingiu se perder no casarão do vinhedo, me levando junto
compulsoriamente.
Ele fez tudo de modo bem rápido e eficiente.
Só precisou de um segundo de distração de Ravi para me arrastar em
direção a uns corredores em ruínas, me encurralando quando tentei escapar.
Gedemônio me encurralou com o corpo contra uma parede e,
tampando minha boca com a mão, pegou o celular e ligou para o irmão
dele.
— Me perdi, Ravi. Tô no segundo pavimento, em uns corredores
abandonados.
— Catarina está com você?
— Não — mentiu, olhando nos meus olhos.
— Tá bem. Demétrio vai te buscar.
Gedeon desligou, enfiando o celular no bolso, mas não se afastou de
mim.
— Eu já desconfiava que você era louco, mas... — comecei a falar e
fui interrompida por um beijo aniquilador. Eu seria hipócrita se dissesse que
não estava com saudade da boca dele.
Ainda assim, tive força para empurrá-lo bruscamente.
— Não vai tocar em mim, eu já disse.
— Por causa de um beijo ontem, Catarina? O que quer que eu faça?
Que ajoelhe e te peça perdão?
— Não quero que faça nada, porra. Você faz o que quiser da sua
vida...
— Eu não quis beijar a guria.
— Bem intrigante que um homem do seu tamanho consiga ser
dominado por uma franguinha igual a ela.
— Bah, tchê. — Esfregou a mão na barba, completamente
impaciente. — Ok, a surpresa me paralisou, e eu não reagi de imediato.
— Ainda assim, não quero mais nada. Não quero mais enganar meu
noivo, e seria melhor que você seguisse sua vida.
— Não vou seguir nada quando tem uma pilantra interesseira
tentando cravar as unhas no meu irmão.
— Já que sou uma pilantra interesseira, o que veio fazer aqui, atrás
de mim?
— Porque mesmo gostando de planejamento e controle, sou viciado
em provar um pouco de impulsividade. Eu mal dormi essa noite, Catarina...
— Não é problema meu.
— É, sim. Porque eu quero minha vaquinha interesseira de volta. E
quero só para mim.
Antes que ele pudesse me beijar novamente, Demétrio surgiu no fim
do corredor, nos obrigando a nos afastar um do outro com um pulo.
Olhei sem graça para o homem, que percebeu na mesma hora que
algo estava acontecendo.
— Ah... venham por aqui. Só me seguir — ele disse e se virou,
deixando que a gente o seguisse.
Voltamos para casa mais cedo do que o esperado. Demétrio tinha um
compromisso e não poderia mais nos recepcionar. No entanto, eu achava
que tinha a ver com o flagra que ele deu.
Talvez fosse muito rígido com infidelidade e não queria mais olhar
para minha cara.
E como forma de manter Ravi e a mim por perto, Gedeon convidou o
irmão para dar um pulo na churrascaria, dizendo que era para eu conhecer
um dia de trabalho dele.
E Ravi aceitou, sem perceber quais eram as segundas intenções do
irmão.
Chegamos à cidade no ponto alto do almoço, seguindo direto para a
churrascaria, que impressionantemente estava lotada.
E diferentemente da que eu visitei com Gedeon em Gramado, essa
era simplesmente um exagero de tão grande e bonita.
— Puta que pariu. — Fiquei admirada diante da fachada. — Não
achava que era tão bonita assim.
— O palácio precisa estar à altura do rei — Gedeon respondeu.
A churrascaria ficava em um lugar privilegiado, com uma estrutura
imponente de dois pavimentos, desenhada para trazer conforto aos clientes.
Não adiantava comer o melhor churrasco em um lugar decadente.
Por dentro, detalhes em madeira, clara e escura, predominavam.
Ravi ia explicando que o irmão quis colocar um toque rústico ao
ambiente, sem perder o visual elegante e bem iluminado à noite. Os lustres
pretos pendentes combinavam com as cadeiras de madeira, ao mesmo
tempo que trazia o contraste fascinante com toda a parede de vidro com
vista para o lago.
O bar ficava na área com a claraboia. Vidro no teto proporcionando
claridade natural durante o dia e um belo céu estrelado à noite. E quando
chovia, era ainda mais fascinante assistir à chuva na claraboia.
Havia as mesas da área externa, ao ar livre, tanto no primeiro como
no segundo pavimento. Ravi disse que esse era o espaço mais disputado,
por ter uma vista magnífica do lago; o anoitecer daquele ponto era quase
um cartão-postal.
As pessoas pareceram atônitas e felizes com a chegada da estrela do
churrasco. E mesmo que eu já tivesse visto Gedeon comandar uma
churrasqueira, não pude deixar de ficar fascinada com sua habilidade na
cozinha.
E a gente nem ficou lá dentro. Era proibido a presença de visitas
durante o serviço. Preferimos escolher uma mesa para almoçar e observar o
churrasqueiro dar o seu show.
— Os clientes pagam mais caro para isso, sabia? Para que ele vá
pessoalmente à mesa — Ravi informou, assistindo maravilhado enquanto
Gedeon servia uma costela assada em uma mesa. Era incrivelmente
habilidoso, tirando os ossos limpos da costela tão bem assada, que dava
água na boca só de olhar.
Depois ele usava a garra para segurar a peça e fatiar, para que as
pessoas na mesa pudessem se servir.
E tudo isso sob câmeras de celular apontadas para ele.
Gedeon passou por entre as mesas, voltando para a cozinha com dois
ajudantes atrás; teve ainda a ousadia de lançar um meio sorriso com uma
piscadinha para mim.
— Meu irmão tá muito a fim de você. — Ravi riu, degustando seu
vinho. — Ainda acho milagre que ele não tenha tentado nada muito sério
até agora.
— Ontem ele estava com Luana. Não acho que me queira —
desdenhei.
— Gedeon não a quer. Ele detesta mulheres como ela, você o instiga.
— Mulheres como ela...?
— Luana é controlada pelos pais, mimada e não consegue esconder
que só está atrás dele porque ele tem tudo isso aqui. Quando nosso acordo
finalizar, se você quiser investir nele, eu posso ajudar.
Não respondi. Não havia nada que pudesse ser feito depois que o
acordo acabasse. Gedeon iria descobrir a verdade, o que me tornaria a
última pessoa no mundo que ele iria querer ver.
Trinta e três
GEDEON

As circunstâncias comeram meu rabo da maneira mais ridícula.


E pensar que dei brecha para isso acontecer.
Primeiro dei ouvidos ao meu tesão.
Em seguida, eu o alimentei achando que era inofensivo.
Então concordei com meu pau quando ele dizia querer só se fosse
Catarina.
Mas que barbaridade! Tinha quarenta anos de estrada e do nada me vi
numa novelinha de obsessão.
Só depois descobri que o coração estava trabalhando em conluio com o
pau, e era daí que vinha essa ideia de exclusividade.
Quando descobri isso? Quando saí de casa bem cedo para correr atrás
de uma mulher em outra cidade só para impedir que ela tivesse um dia lindo
e romântico com meu irmão.
E agora vem as circunstâncias se esbaldando no bolo que criei,
dificultando todas as minhas chances de ter uns minutos a sós com ela.
O fato é que como Ravi estava desenhando um projeto para Demétrio,
ele não precisava bater ponto na empresa e consequentemente ficando em
casa o dia todo, se tornando assim, o escudo perfeito para Catarina.
E a esperta não dava brecha. Mesmo que eu tenha tentado chamar a
atenção dela de todas as formas possíveis. Até mesmo as refeições ela fazia
ao lado dele e não dava bobeira sozinha por um minuto sequer.
Por hora, larguei de mão. Foi melhor focar nas minhas coisas ficando
fora de casa o maior tempo possível.
Bento foi almoçar comigo na churrascaria. Queria desabafar,
certamente. Além de que, claro, ele era o maior carnívoro que eu já tinha
conhecido e sempre aparecia ao menos uma vez por semana. Quando não
pedia para entregar.
Me sentei com ele para fazer companhia, me divertindo com sua
irritação para cima dos meus funcionários cada vez que lhe ofereciam
linguiça.
— Se alguém vier me oferecer linguiça mais uma vez, saco a arma e
dou voz de prisão.
— Eles só estão cumprindo ordens.
— Cadê a picanha, porra? Tua churrascaria é de primeira, tem que tirar
linguiça do cardápio.
— Tem gente que gosta, tchê.
— Tem gente que gosta de jiló. Faz aquela lá, no capricho, com alho.
Teus churrasqueiros tão deixando a desejar.
Eu mesmo preparei a picanha para ele e só após satisfeito, contou que
abriu as pernas para a cascavel de farda e transou com ela.
— Ah, vai se ferrar. Você é fraco demais, Bento.
— Quando a porra do coração atinge esse nível de safadeza, só
transplante mesmo, amigo. Ela sabe mexer comigo. — Confessou conformado.
Esperava que dessa vez ela não o machucasse como antes. Bento podia
até parecer um cara rude devido a sua cara fechada e o trabalho que exercia,
mas tinha um coração grande.
Depois do almoço fui me encontrar com minha mãe. Tinha um assunto
inadiável com ela, e como eu vinha evitando minha própria casa, era o
momento certo de colocar minha mãe contra a parede e dar o meu recado.
— Oi, meu filho. Que surpresa agradável. — Dona Marilia veio ao meu
encontro secando as mãos em um pano. Então me abraçou e deixei que me
desse um beijo.
Fizemos chimarrão e nos sentamos nos fundos aproveitando os raios
de sol que não eram fortes o suficiente, escondidos por nuvens. Nos últimos
dias a temperatura caiu um pouco mais, anunciando a chegada do outono.
Tempo perfeito para lagartear ao sol com um chimarrão.
— Você faz o melhor chimarrão. — Ela elogiou tomando um pouco e
passando a cuia para mim.
— Obrigado. Minha passagem aqui é rápida.
— É? Algo importante? Como estão seu irmão e Catarina?
— Estão bem. — Cocei a cabeça sem querer pensar neles.
— Catarina está se alimentando bem?
— Pelo que eu saiba sim. — Franzi o cenho para minha mãe — Quero
falar sobre Luana.
— Ah, que ótimo. — Até colocou a mão no peito — Tem falado com
ela, filho?
— Não. Não estamos falando e nem darei esperanças para ela.
— Gedeon, não faça essa estupidez, ela é de boa família.
— A senhora ao menos quis saber sobre o meu desejo?
— Que desejo? Homem não tem que ter desejo. Mulher é tudo igual,
tanto faz uma como outra. Hoje em dia elas até se parecem na fisionomia.
— Essa não é uma fala boa. — Não era legal tomar chimarrão no meio
de uma discussão, então afastei a cuia. — Mulheres não são todas iguais.
Viu o que Nivea fez comigo? E sei que existem outras melhores que ela.
Minha mãe fez uma pausa e após puxar o ar com força soltando com
alívio, me fitou deixando transparecer uma tristeza que não estava ali
quando cheguei.
— Seu avô está doente.
— Doente?
— Ele começou a fazer os exames, e estamos torcendo para não ser
nada grave. Ainda assim, ele já tem oitenta e cinco anos, está chegando a
hora de partir.
— Mãe, não pense nisso. O vô…
— Ele me pediu… me implorou, que tudo que gostaria era de ver o
neto mais velho se casar antes de ele partir.
Fiquei de pé na mesma hora enfiando as mãos nos cabelos, penteando-
os para trás. Segurei a nuca por um instante olhando o céu.
— Não pode jogar esse peso em mim. — falei para ela que lamentava
com o olhar na tentativa de me amolecer. — Eu já fui casado, o vovô sabe
disso.
— Filho… tente ir adiante com Luana, pelo menos um noivado, para
alegrar um idoso. Amanhã é aniversario dele, e pode dar essa notícia a ele
como presente. Eu a convidei…
— A senhora o quê?
— Gedeon, me escuta. — Subitamente tentou agarrar minha roupa. Me
afastei colocando o chapéu na cabeça e entrando na casa para ir embora.
— Nem pensar. Não posso trair o que sinto, os meus desejos.
— Que desejo? — Veio quase correndo atrás de mim.
— Talvez eu tenha outra pessoa. Já imaginou isso?
— E quem é? É mulher?
Ouvir essa pergunta me fez virar no meio da sala de estar para encarar
minha mãe.
— Tenho que ir agora. Depois passo na casa do vô para visitá-lo. Eu só
vim aqui para dizer justamente que não gostei daquele circo mascarado de
jantar.
— Eu não faço nada que seja ruim para meus filhos.
— Não importa se foi de boa intenção, mãe. Eu não gostei do jantar
para me empurrar uma pretendente. — Endureci o tom de voz antes do
recado final: — e vou avisar uma única vez, se isso se repetir, não serei
nada gentil.
— Isso é um cúmulo. — Minha mãe gritou no seu costumeiro tom de
quase choro, que ela usava para amolecer eu, Donato ou o vovô. —
Quarenta anos nas costas, tem toda essa fortuna e não namora sério desde
que separou daquela oportunista?
— Mãe, eu sei da minha vida. Não preciso de uma casamenteira.
— Meu pai está doente, Rony deu alegria para ele, mas o neto mais
velho que ele mais ama não pode também trazer paz para aquele senhor?
— Eu não posso ajudar o vô nessa parte. Sinto muito.
— Qual o seu problema? Me diga. — Suspirou cansada. Eu queria que
ela parasse, daqui a pouco ia ter uma crise de pressão alta e eu ia me sentir
culpado.
— Não tenho problema nenhum.
— Me fala, eu aguento. Quarenta anos, não tem uma namorada, foi
casado uma vez e durou meses só. Me fala.
Com as mãos na cintura, a encarei intrigado.
— Que conversa torta é essa? Eu não tenho nada para falar.
— Você é invertido, não é? — Quase chorou.
Apesar do choque, tudo que fiz foi soltar uma risada alta.
— De onde tirou isso, mãe?
— Saio na rua e o que ouço são conversas maldosas de que você é gay
enrustido, o que quer que eu faça? — Mostrou sua fúria batendo as mãos na
cintura.
— É só não sair mais na rua, que não vai ouvir essas conversas. O povo
fala o que bem entender.
— Não é o que bem entender. Isso entristece o seu avô e sua mãe.
Ouvir que você preferiu abdicar da disputa da empresa a ter que se casar
com mulher. E que só está esperando seu avô e eu morrermos para assumir
o teu homem.
Uma nova risada foi espontânea, não consegui segurar.
— Bah, agora eu já tenho um homem.
— Sim, falam de ti e do João Bento.
— Eu e Bento? — Exclamei ainda mais pasmo. Os caras iam adorar
saber disso.
— Como dois homens de quarenta, guapos e bem-sucedidos, não tem
mulher e só andam juntos? Todo final de semana ele está metido na tua
fazenda e até dorme lá.
— Bom, pelo menos tenho bom gosto, a senhora deve concordar. João
Bento é um partidão, é delegado e de boa família.
— Eu não ouvi isso. Quer me matar de desgosto, Gedeon?
— Quero que pare de intrometer na minha vida. Eu já fui casado, já dei
espaço para o amor e ele falhou comigo. Não me peça para ter uma mulher
só por ter, prefiro mil vezes ter fama de gay que namora um delegado do
que me enfiar num casamento só para agradar outra pessoa.
Girei e saí rápido, não lhe dando chance para argumentar.
A conversa com minha mãe foi produtiva, eu sei. Ela não vai mais
fazer isso. Além de que me deu uma ideia quando falou sobre o baile do vô
amanhã.
Será justamente a oportunidade para encurralar Catarina e eu já até
sabia o que fazer.
Trinta e quatro
CATARINA
Às vezes eu me sentia como a Shelley de A Casa das Coelhinhas,
quando encontrou o seu propósito ajudando as meninas da república Zeta
Alpha Zeta.
Enfim, após anos, minha vida não era só sobreviver, vender o almoço
para pagar a janta. Agora tinha uma responsabilidade em minhas mãos.
Ajudar Ravi era o meu propósito.
Vê-lo realizado e me realizar também.
Especialmente hoje, no entanto, me sentia como a Andie Anderson de
Como Perder Um Homem em Dez Dias, minha comédia romântica favorita.
Ela aceitou uma proposta e em meio a sua mentira algo sério começou
a brotar pelo cara que ela deveria enganar.
Eu tinha que seguir um propósito. Devia enganar um homem, mas
acabei gostando demais dele.
Gostando muito mesmo, mais do que qualquer previsão poderia ter me
preparado.
Essas reflexões me fizeram chorar no banho. Chorei sentada no chão do
box, odiando com força a sensação de falta que ele fazia — mesmo estando
tão perto — e de como eu não conseguia imunidade alguma contra aquele
homem.
A maneira que ele me olha me desarma totalmente. Gedeon parecia
cansado pela manhã quando me viu tomando café com Ravi. E não
conseguiu esconder como nossa distância o feria.
Ele é um homem possessivo e intenso. Era provavelmente
desesperador não poder tomar nenhuma atitude enquanto eu tivesse Ravi ao
meu lado.
Mais tarde, Cassie chegou com Marilia e todo seu ânimo foi
contagiante, menos para o emburrado Gedeon que parecia sofrer ainda mais
olhando como Ravi me abraçava.
No início pareceu divertido vê-lo assim, confesso. Para puni-lo por
beijar Luana, mesmo que aparentemente foi contra a vontade dele. No
entanto, todos seus olhares tristes e ansiosos começaram a me atingir de
maneira bizarra. Eu gostava dele. E não era legal ver alguém que a gente
gosta sofrer calado.
Depois do choro compulsivo no banho, sequei os cabelos e planejei
uma maquiagem para a noite. Ravi já tinha tomado banho e estava se
arrumando para podermos ir ao baile do avô dele.
Inicialmente achei que teria que usar um vestido de gala, até descobrir
que baile era o nome que eles davam para festas.
Desliguei o secador assim que ouvi batidas na porta.
— Catarina.
— Oi!
— Vou precisar ir agora. — Ravi comunicou — Houve um problema
com o bolo, vou levá-lo.
Assustada, deixei o secador na bancada da pia e alcancei o roupão
antes de abrir a porta. Ravi já estava pronto.
— O que houve?
— Acredita que mandaram o bolo para cá e não para o clube? — Riu,
achando a situação divertida — Vou levá-lo, minha mãe precisa dele agora.
Com batimentos acelerados na mesma velocidade que minha mente
montava o quebra cabeça, saí do banheiro seguindo-o para o quarto.
Nem precisava pensar muito para entender que merda estava
acontecendo. Sabia que isso tinha dedo de uma pessoa.
— Posso arrumar rapidinho.
— Venho buscar você. Não tem ninguém em casa, Gedeon saiu.
— Saiu?
— Sim, foi resolver algumas coisas das carnes para o churrasco do vô,
por isso eu que preciso levar o bolo.
— Tem certeza de que ele saiu? — Tentei não parecer uma doida
desconfiada.
— Lógico que sim. E mesmo se ele estivesse, qual o problema? Vocês
já ficaram sozinhos outra vez.
Como eu ia dizer para meu amigo que o irmão dele estava doido por
um acerto de contas comigo? Eu escondi muita coisa de Ravi, era inútil
tentar elucidar tudo agora, então, apenas o deixei partir.
Pela sacada, vi o carro de Ravi sair. A caminhonete de Gedeon não
estava estacionada. O que me fazia pensar que talvez eu estivesse criando
teorias furadas na minha mente, ou me dando importância demais, como se
ele fosse se dar o trabalho de armar uma arapuca para mim.
Ainda usando apenas roupão, saí do quarto e espiei. A casa silenciosa.
— Olá! — Gritei. Nada. Nenhum barulho. — Oi, Gedeon?
Dei alguns passos andando pelo corredor claro até chegar na outra
ponta. Tudo absolutamente quieto, confirmando mais ainda a suposição de
que meu receio vinha de teorias infundadas.
Dei alguns passos até a ala privativa de Gedeon só para ter certeza de
que estava sozinha. Suspirei ao ver tudo escuro. Então me virei dando de
cara com um peito largo despido.
O susto foi tanto que quase tive um ataque cardíaco, além de ter sido
impossibilitada de gritar com uma mão em minha boca.
Com muita facilidade o cão ruim me arrastou em direção ao seu
quarto, jogou-me lá dentro e fechou a porta atrás de si. Usava apenas um
robe preto e por baixo cueca boxer, e no rosto ferocidade que foi capaz de
me arrepiar completamente.
Eu estava certa, porra. Meu instinto nunca falhava.
— Você armou tudo isso, não é? — Dei um passo para trás sabendo que
estava encurralada.
— Sim armei. — Confirmou, com a cara mais deslavada do mundo.
Gedeon caminhou na minha direção e eu dei um passo para trás. — A gente
precisa se acertar.
— Acho que já estamos acertados.
Ele chegou até mim e suas mãos agarraram meus ombros, subiram até
meu pescoço para em seguida aninhar o meu rosto, segurando com firmeza,
para que eu encarasse os seus olhos.
— Eu não queria que você fosse… noiva justamente da pessoa que
mais amo. Seria fácil para mim só me afastar ou te aniquilar, mas não
consigo. — Sua sinceridade era quase dolorosa. Ele deixava transparecer o
amargor dos últimos dias.
Juro que gostaria de tirar o peso dessa culpa de cima dele. Gedeon
amava Ravi e se odiava por desejar justo a noiva do irmão.
E eu me odiava por mexer com os sentimentos de uma pessoa.
— Vamos conversar com ele, contar tudo para ele, Catarina. — Propôs.
— Não. — Tentei me afastar, mas ele segurou-me com mais força. —
Não, Gedeon, não posso.
— Não pode ou não quer? Seja interesseira comigo, porra. Eu tenho
mais dinheiro que ele. — Ouvir isso me paralisou, quase deixando-me sem
fala. Era o maior medo da vida dele, o maior trauma, e mesmo assim ele
estava disposto a aceitar uma interesseira.
— Não é sobre isso, caramba! — Agarrei seus pulsos na tentativa de
afastá-lo.
— É sobre o que então?
É sobre ter minha dependência, sobre refazer minha vida com paz, sem
o medo de ser capturada pela polícia da imigração.
— Eu não posso… e você só está cheio de atração, daqui a pouco
passa. Ravi é minha garantia de futuro.
— Quanto você quer? Me diga? E eu garanto o seu futuro.
— Não, Gedeon. — tentei mais uma vez empurrá-lo — Não faça isso.
Me larga.
— Sou eu que dilato suas pupilas, porra. Que te deixa corada. Que te
faz arrepiar. Vai se foder, Catarina. Vê se seu coração dispara com outro
como dispara comigo.
Suas palavras colidiram brutalmente contra a minha fraca proteção.
Comecei a ofegar como se tivesse acabado de correr uma maratona. Ele
estava muito perto e era um convite irresistível para o conforto que meu
corpo buscava.
— Além disso, — ele disse enfiando a mão no bolso do robe — Sou o
único que te traz um bombom para que coma depois que eu te comer.
Olhei para o bombom Caribe na mão dele e fui incapaz de segurar um
sorriso com vestígios de lágrimas.
Em silêncio decidi que essa noite mesmo conversarei com Ravi,
colocarei tudo em pratos limpos e tomaremos um novo caminho no nosso
trato. Porque era impossível resistir a Gedeon.
Eu o beijei. Dessa vez partiu de mim o impulso do beijo.
Eu sabia que não estava traindo meu noivo e sabia que Gedeon não
estava traindo o irmão. Eu não era uma cadela totalmente.
Ele recebeu meu beijo com breve suspiro de alívio, tirando meu roupão
com ânsia enquanto eu fazia o mesmo com o robe dele. E quando o tirei por
completo afastei dos lábios — que me causaram saudade nos últimos dias
— e admirei fascinada o corpo escultural de Gedeon.
Com as duas mãos percorri seu abdômen forte trincado subindo até o
peitoral firme. Passei a língua ali subindo pelo pescoço até chegar na boca
que demostrava sua felicidade aberta em um sorriso.
Dei um selinho nos lábios e desci imediatamente sentando-me na cama
diante dele já puxando a cueca para baixo. O homem estava pulsando de tão
duro.
Tão lindo inteirinho para mim.
— Puta que pariu…!
A mão de Gedeon agarrou meus cabelos me fazendo olhar para cima.
Havia mais que faíscas de desejo em seus olhos, pude ver um milhão de
promessas.
— Estava com saudade dele, sua safada?
— Estava. Morri de saudade. — Falei e o abocanhei, só a cabeça, a
molhando bastante em uma chupada gulosa. Tirei-o da boca, lambuzei-o
inteiramente para sugá-lo novamente e engolir, cravando minhas unhas nas
coxas de Gedeon.
Ele manteve as mãos em meus cabelos enquanto bombava devagar
para dentro da minha boca, socando quase todo, até que eu me engasgasse
rindo, adorando toda a diversão, desligando o mundo lá fora e vivendo esse
momento aqui como se fosse o nosso último.
Ele curvou-se, me deu um beijo na boca e seguiu dando selinhos em
meu nariz, olhos e testa, para logo depois segurar o pau e me dar uma boa
surra de pica no rosto, o que inevitavelmente arrancou-me um sorriso.
— Gosto de como tu é pervertida e nem tenta esconder.
— Se gostar de rola for um crime, então que me prendam
imediatamente.
Ele agarrou meu rosto com as duas mãos.
— Gosta de qual pau?
— Do seu, apenas do seu, churrasqueiro puto. — Elevei meu rosto
deixando a língua para fora implorando por mais. Gedeon pareceu ficar
louco instantaneamente, e deu-me mais, me fazendo engoli-lo até a metade.
Em seguida, terminou de tirar a cueca e sentou-se na cama puxando-
me para seu colo. Completamente nua, me sentindo como uma deusa sexy e
desejada, montei nele com elegância jogando os cabelos para o lado,
encaixando seu pau na minha entrada ensopada e quente de desejo, mas não
sentei.
Mordi o queixo dele e rebolei.
— Maldita. — Sussurrou.
Forcei um pouco mais para baixo, senti a cabeça preencher meu
interior que vibrava de excitação, mas voltei, não indo até o fim. Estávamos
nós dois sem ar, cravados nos olhos um do outro.
— Vai apanhar tanto na bunda quando eu te pegar de quatro.
Rindo, sentei-me lentamente gemendo ao passo que seu pau me abria
preenchendo o vazio que senti por esses dias. E quando estava todo
completamente dentro, mexi o quadril, conseguindo arrancar um gemido de
Gedeon.
— Quase gozei agora. — Ele confessou rindo. Segurando minha
cintura, manteve-me parada para que sua boca matasse a saudade de meus
seios. Então foi a minha vez de sentir a onda de puro prazer arrepiando meu
corpo inteiro.
Eu o cavalguei com força, com paixão, expressando em cada sentada o
desejo que tinha por ele. Beijei Gedeon, cobrindo meus gemidos que eram
altos, livres, sem importar com nada.
Eu queria viver esse momento para sempre. Ter o calor dos braços
dele, o sabor de seus beijos enquanto o pau me abria num vai e vem
delicioso capaz de aniquilar qualquer um dos meus problemas.
Nos braços de Gedeon eu me sentia viva, única, me sentia pertencente,
coisa que jamais fui em minha vida.
Não era sexo artificial. Era sexo com desejo, mútuo. E isso era
fascinante para quem só experimentou prazeres mecânicos.
Ele cumpriu o que prometeu quando me jogou na cama, de quatro,
mandando em ficar com a bunda para cima, e chupou-me da maneira mais
gostosa que um homem poderia chupar uma mulher.
A boca dele era o fã e minha boceta seu ídolo. Arrancou-me os
melhores gemidos com o nome dele brotando docemente nos meus lábios.
Então, antes que eu dissolvesse, ele se posicionou atrás e meteu com
força, gostoso, me levando ao paraíso onde ele era o rei.
A estocada foi até o fundo, provocando novamente ondas de arrepios
pelo meu corpo. E para completar recebi alguns tapas bem fortes na bunda.
Foi tapa e estocada gostosa até eu não aguentar mais e ter o orgasmo
mais fabuloso, com direito a travesseiro mordido e olhos revirados pelo
prazer que me golpeou.
Terminamos no banheiro, debaixo do chuveiro.
De pé, contra a parede, agarrada ao corpo molhado dele, chegando
mais uma vez a outro orgasmo, dessa vez, com Gedeon.
Ficamos um pouco ali, em silêncio, abraçados, sentindo a água cair em
nossos corpos. E não estávamos refletindo sobre que fizemos, apenas não
queríamos nos distanciar.
De volta dentro do meu roupão, me sentei na cama de Gedeon olhando
para seu quarto. Foi aqui que nos conhecemos, aqui que eu o vi pela
primeira vez. E jamais ia imaginar que hoje estaria aqui dentro transando
justamente com o cara que eu deveria me manter longe.
Gedeon saiu do closet usando uma cueca e vestindo uma camisa. Então
pegou o bombom no chão, o qual eu havia esquecido, e me entregou.
Sentou-se ao meu lado na cama.
— Minha ex-esposa se chamava Nivea.
— Já a detesto só de ouvir o nome. — Abri o bombom começando a
comê-lo.
— É de São Paulo e estava aqui a passeio. Eu era magro demais e meio
esquisito. Quando não estava fedendo a esterco por adorar mexer com
vacas, estava fedendo carne por adorar auxiliar no açougue de um amigo do
meu pai.
Por isso aprendi desde cedo a nunca desdenhar de ninguém por causa
de beleza ou situação financeira. O mundo dá muitas voltas.
Atenciosamente, comendo o bombom, escutei a confissão de Gedeon.
— Mas ainda assim ela me quis. Só para eu descobrir quatro meses
depois do casamento que ela tinha um homem em São Paulo e só casou
comigo devido à fortuna de meu avô. Na época eu era um fodido.
Passei meus dedos na mão dele e a segurei entrelaçando nossos dedos.
— Atualmente é gostoso, cheiroso e rico. Que bom que ela se revelou
uma piranha cedo demais e não aproveitou nada de sua melhor fase.
— Isso é justamente algo que eu esperaria que você dissesse. — Ele
riu.
— Às vezes você sabe me ler muito bem. Não deixe de viver e de amar
novamente só porque aquela vaca te apunhalou. E não faça isso com seus
irmãos também. Porque a apunhalada que ela deu, talvez tenha sido o ponto
necessário para te fazer evoluir.
— As dores fazem parte da construção de uma história. — Ele falou,
repetindo algo que eu tinha lhe dito um tempo atrás, na noite da festa no
rancho de Santiago.
Terminei de comer o bombom e olhei por um tempo nossas mãos
entrelaçadas. Então as palavras vieram automáticas em um murmúrio.
— Eu dançava em um palco de uma boate fazendo strip-tease para
sobreviver nos Estados Unidos. E era chamada de Roxy. Mas era só dança,
nada de sexo. — Ergui meus olhos amedrontados em direção ao rosto de
Gedeon.
Ele pareceu surpreso, mas não furioso. Me fitou por alguns segundos e
ficou de pé.
— Bueno, temos que nos vestir. O baile do vô já vai começar.
Trinta e cinco
CATARINA
Terminei de me arrumar em tempo recorde, preocupada que Ravi
pudesse aparecer a qualquer momento para me buscar. Além de que me
sentia naturalmente agitada depois do sexo e da conversa com Gedeon.
O homem que aprendeu a ser frio e precavido contra mulheres
suspeitas, estava se abrindo inteiramente para mim.
Justamente para alguém que lhe escondia algo. Hoje, sem falta, eu
deveria ter uma conversa séria com Ravi.
Dei uma última olhada no espelho, adorando como o vestido me fazia
parecer elegante e romântica assim como a maioria que tive que trazer. Era
verde, com saia esvoaçante que chegava no comprimento dos joelhos.
Os cabelos presos em um rabo simples, mas os brincos ajudavam a
elevar ainda mais a elegância do visual.
Saí rápido do quarto e ao chegar na escadaria deparei-me com Gedeon
lá embaixo aguardando meio impaciente, olhando no relógio. Ao detectar
minha presença, pareceu pasmo, aproximando-se da escada para me assistir
descer.
Me senti a Rose, no Titanic, descendo a escada em direção ao Jack.
Mas nenhum de nós estávamos sorrindo. Ele parecia assustando, como se
tivesse acabado de perceber algo, combinando exatamente comigo, também
assustada com as emoções que me preenchiam.
— Eu disse para Ravi... que não precisava vir te buscar. — Gedeon
comunicou.
— Tudo bem. — Assenti para ele, caminhando paralelamente em
direção à porta.
— Não vou te dizer que está gostosa, pois tu sempre está.
— Não começa. — Rosnei e ele riu, abrindo a porta do carro para mim;
em seguida deu a volta assumindo o lado do motorista.
Gedeon dirigiu para fora da sua propriedade e pegamos a estrada em
meio ao anoitecer frio. Ainda bem que não esqueci de pegar um casaco.
O silêncio pairou sobre nós dentro do carro e foi impossível não tocar
no assunto.
— Sobre aquilo que te falei... sobre dançar...
— Não vamos tocar nesse assunto hoje, ok? Gosta de música?
Sorri com lábios fechados para Gedeon e assenti aliviada por ele não
querer desenvolver o assunto sobre Roxy. Certamente eu me sentiria tensa e
a rápida viagem até a festa não seria suficiente para que eu me explicasse
completamente.
Uma música animada soou quando ele tocou em uma tela no painel
super tecnológico do carro.
— Forró? — Olhei para ele.
— É Zé vaqueiro. Um estilo que se chama piseiro. — Gedeon explicou
e me surpreendendo começou a cantar com a música: — “Longe da cidade,
pouca vaidade. Alma e um coração sem dor...”
E eu estava abobalhada admirando-o até cair na real e desviar o olhar
surpresa comigo mesma por me sentir tão bem e tão... pertencente ao lado
dele. Foi como se isso aqui fizesse parte da minha vida, coisa que nunca
será.
— É... esse estilo que vocês ouvem? Os gaúchos...?
— Aqui é diversificado. A gente ouve sertanejo, outras pessoas gostam
das tradicionais. Os Monarcas, Baitaca...
— O que é Baitaca? Um estilo musical?
— É um cantor tradicional gaúcho. Tocar Baitaca. — Gedeon falou
acionando o comando de voz. Outra música começou.
Essa, sim, parecia um forró modão antigo com uma batida própria que
me remetia a algo já conhecido, provavelmente por eu já ter escutado tocar
em algum lugar.
Franzindo o cenho fitei Gedeon que sorrindo aguardava minha
aprovação.
— Acho que vi você e Bento cantando essa naquela farra no rancho.
— Provavelmente. E o vô é fã. Hoje tu vai ouvir umas duas do Baitaca
e do Gaúcho da Fronteira também, te prepara.
E pensar que a Miss London me induziu a aprender Elis Regina e
Chico Buarque para impressionar o velho. Culpa do Ravi que foi péssimo
em criar um personagem plausível para eu interpretar.
Chegamos ao local da festa que era no clube onde tinha acontecido o
jogo de polo. Tornando-se um lugar muito mais deslumbrante a noite
devido às luzes, fazendo parecer um local que saiu de um filme de grande
orçamento.
Detectei muitos carros estacionados, mesmo que Ravi tivesse me
tranquilizado que ia apenas parentes e amigos próximos.
Repentinamente estava muito nervosa torcendo os dedos, desejando
que não levantassem qualquer suposição maldosa entre mim e Gedeon
quando descemos do carro e caminhamos juntos em direção à entrada.
A sorte é que Ravi já me esperava no hall do casarão, acenou para o
irmão dele e me puxou para um canto.
— Acho que estou numa enrascada. — Foi logo dizendo para mim
arrastando-me para um corredor um pouco mais discreto. Ao olhar para
trás, ainda pude ver Gedeon completamente inquieto nos observando.
— O que houve, Ravi?
Ele espiou uma porta, me empurrou para dentro e entrou logo atrás.
Era um banheiro.
— Juliano me traiu, acredita?
— O quê? Como assim...? Quem te disse?
Meu amigo sendo soterrado pela raiva e aflição andou no banheiro
com as mãos na cabeça.
— Ravi, acalme-se e me conta isso.
— Recebi um vídeo nojento... — revelou arfando — e droga, fui atrás
dele, a gente brigou e agora ele não aceita o fim do namoro.
Caiu como uma bomba em mim. Por ser o meu amigo sofrendo e por
talvez respingar em nossos planos. Juliano era uma peça perigosa, eu previa
desde o início.
— Meu Deus, Ravi. Logo hoje? Não dava para você ter aguentado só
mais um pouco?
— Eu não aguentei, Catarina. Quando vi o vídeo, corri para lá.
— Senta aqui. — Fechei a tampa da privada e o fiz sentar — E o que
ele quer agora?
— Se eu não for encontrar com ele e ouvir o que ele tem a se explicar,
vai contar tudo para minha família. É a pior merda que podia acontecer. Eu
estou com tanta raiva daquele miserável... ele estava comendo um cara...
que eu detesto. Foi só para me punir.
Juliano filho de uma égua. Não fui com a cara dele desde o primeiro
momento.
Tão desesperada como Ravi, tentei raciocinar com rapidez a fim de
nos tirar desse rolo.
— Tá bom, me escuta. Nós vamos resolver isso. Você vai mandar uma
mensagem e marcar de conversar com ele amanhã. Marque um horário,
assim vai deixá-lo mais tranquilo.
— Eu não quero olhar para a cara dele.
— É só para ganharmos tempo hoje e ocorrer tudo bem na festa do seu
avô.
Ele concordou com meu conselho e enquanto escrevia uma mensagem
para Juliano, falei:
— Depois você e eu precisamos conversar. Quero colocar algumas
coisas a limpo.
— Que tipo de coisas?
— Sobre o nosso trato... sobre Gedeon.
— Meu irmão? O que ele aprontou? — Indagou sem tirar os olhos do
celular, não dando muita importância ao assunto.
— Quando chegarmos em casa a gente conversa.
— Tudo bem. Pronto enviei.
— Agora jogue água no rosto, se anime e vamos comemorar o
aniversário de seu avô.

De mãos dadas, parecendo o casal "atração do momento", chegamos


ao salão onde a festa acontecia. E estava bem animada, o que não era nada
estranho, eles adoravam diversão.
Apreciei a decoração exuberante que ia do rústico ao elegante com
cores azul e dourado. O bolo parecia uma obra de arte azul com detalhes
dourado, centralizado numa mesa grande de madeira sem toalha, rodeado
de bombons azuis e dourados que combinavam com os arranjos de flores da
mesma cor.
Não consegui me segurar e catei um chocolate quando passei ali por
perto.
Marilia e Donato dançavam um modão que eu podia apostar ser do tal
Baitaca que Gedeon mencionou mais cedo.
Passei os olhos em volta detectando também Nero tentando controlar
um menino pequeno, o qual dava indícios de que poderia explodir em uma
birra a qualquer momento. Então Nero ficou de saco cheio e largou o
menino que correu na direção de outas crianças.
Bento tomava a direção de um corredor, sendo seguido logo depois
por Cassie.
Aquela garota poderia arrumar problema. Na verdade, os irmãos
Barreto pareciam atrair problemas.
Ainda observando em volta, detectei Gedeon que me fitava de longe
segurando um copo. Então desviei o olhar dele e fui cumprimentar seu
Alberto, cheio de felicidade admirando a movimentação, sentado em uma
poltrona confortável e tomando um chimarrão.
Aprendi que aqui não tinha regra para chimarrão. Eles tomavam em
qualquer momento e em qualquer ocasião.
Ele era o único que estava usando um traje tradicional gaúcho, que
Ravi teve o prazer de me explicar:
— Chamamos o traje típico de pilcha. O vô sempre comemora
aniversário usando um.
— Vi uma foto de Gedeon usando algo assim. — Comentei,
terminando de comer o bombom que roubei.
— Ele usa em ocasiões especiais. É composta por chapéu, lenço no
pescoço, o do vô sempre é vermelho, cinto grosso, bombachas largas...
— Bombacha?
— Calças. Com pernas largas por dentro de uma bota. — Ele parou de
falar quando chegamos perto para cumprimentar o aniversariante.

A festa procedeu tranquila e muito animada, me fazendo esquecer das


preocupações. Juliano não ia se aproximar daqui, pelo menos essa noite eu
sabia que divertiríamos em segurança.

E Gedeon era um assunto que eu trataria mais tarde com Ravi.


Dancei com Ravi, tomei vinho e enchi a barriga de arroz carreteiro,
mesmo que não fosse vegetariano. Simplesmente abandonei as precauções
sobre manter a personagem, o cheiro estava enlouquecedor impossibilitando
a minha coerência ensaiada.
Na parte do fundo tinha churrasco com o selo Gedeon Barreto, ainda
que ele não estivesse liderando. Eram funcionários dele com uniformes da
churrascaria. Evitei essa parte, pois ainda estava fingindo vegetarianismo
para a família. O arroz dava para passar, mas a carne não.
— Oi, guria linda. — Aproximei de Cassie, sozinha em um canto
acompanhada apenas de uma taça de vinho, não se importando em esconder
expressão de derrota.
— Meu irmão te largou de mão?
— Ravi precisa de uns minutos sozinho.
— Tô falando do Gedeon. — Cassie continuava olhando as pessoas se
divertirem. Tomou um gole de vinho e então fitou meus olhos. — Eu sei
como é terrível. Querer alguém e não poder.
Abaixei meu rosto instantaneamente, dando a ela certeza para suas
suposições.
— Por acaso está se referindo a um dos três? — Com minha taça
apontei para a panelinha de Gedeon, aproveitando para tirar o foco de cima
de mim. Hoje não eram só os quatro juntos, havia mais homens e algumas
mulheres com eles. Pareciam felizes, rindo, falando provavelmente os
piores impropérios.
— O pior de todos. — Soltou com amargor.
— Santiago?
— Bento é pior, pois o Antônio Santiago teria me tratado com educado
desprezo pelo menos. Bento foi cruel.
Agora dava para entender porque o costumeiro brilho da jovem feliz
tinha dado lugar a dolorosa amargura.
Tomei um susto quando ela deu uma risada sofrida quase evoluindo
para choro, mas conseguiu segurar as pontas.
— O aniversário dele está chegando e eu achei que seria uma boa
ideia... assei e confeitei um minibolo... aqueles bentô cakes. — Ela voltou a
rir amargamente antes de concluir: — escrevi com glacê: Um bentô para
Bento. E ele amassou, jogou fora e me ameaçou, que se eu continuasse
inventando problemas, ia contar para meu irmão. E disse até que... meus
cabelos cacheados só me fazem parecer mais ainda uma guria.
— Ah, meu Deus. Cassie...
— Está tudo bem. Eu tenho vinte e três, ele quase quarenta. É só fetiche
de guria mesmo. Daqui a pouco passa.
— Aquela mulher ao lado dele...
— Policial, ex-noiva dele. O abandonou uns anos atrás e agora está de
volta e o pegou novamente. Se merecem. Que sejam felizes.
— O que é seu, o destino está guardando, acredite.
— Eu sei. Vou focar na minha carreira. — Ela tentou sorrir falhando
miseravelmente. — E você, lute por sua felicidade e continue sendo minha
cunhada, não importando por qual caminho. — Tocou a taça dela na minha
como um brinde e afastou-se acenando com falsa alegria para algumas
pessoas.
Como era festa de um idoso, e ele precisava se retirar para descansar,
Marilia e Marlene convocaram as pessoas para aproximar para cantar os
Parabéns.
Seu Alberto não se cabia em felicidade esbanjando um largo sorriso
entre as duas únicas filhas.
Depois fez um discurso emocionante dizendo como sentia falta de sua
esposa que falecera uns anos antes, mas que logo ia encontrá-la, só
precisava deixar a família organizada antes de partir. E o legado dele estava
garantido pelas mãos dos netos, principalmente Rony, já casado, e Ravi, que
estava noivo.
Quando cortou o bolo, ele dividiu o primeiro pedaço e deu para as duas
filhas. Achei emocionante todo amor em torno daquelas pessoas.
O homem idoso lembrando da esposa falecida, sendo grato pelas filhas
e pelos netos, e recebendo deles o mesmo amor de volta. Eu achava tudo
muito lindo, quase nem pisquei apreciando amor verdadeiro tão perto, de
um jeito que jamais imaginei experimentar.
Era algo que o dinheiro jamais compraria. Eu poderia sair daqui com
duzentos e cinquenta mil dólares, comprar uma casinha e trabalhar em
alguma coisa. Mas talvez jamais pudesse compartilhar todo esse afeto.
Limpei uma lágrima furtiva em minha bochecha e fui surpreendida ao
flagrar Gedeon me fitando de longe. As palavras dele para mim hoje mais
cedo iluminaram em minha memória.
“Vê se seu coração vai disparar com outro como dispara comigo.”
Era afeto. Era paixão. O que eu sentia por ele não era apenas atração.
Assustada com isso, tentei me afastar rápido para algum lugar
sossegado, mas Ravi entrou na minha frente puxando-me para um local
mais afastado das pessoas que se reuniam para parabenizar seu Alberto.
— O que houve, Ravi?
— O Rony... aquele filho de uma puta. Veio me falar que permitiu que
um cara entrasse na festa.
— Um cara? — Agarrei a roupa de Ravi para que parasse de se mover
inquieto.
— O juliano.
— Como? Como o Rony permitiu? — Apavorada, mirei os olhos de
meu amigo tendo a minha resposta. Rony sabia. Juliano provavelmente
tinha contado para ele. — Tudo bem, tudo bem. Temos que encontrar
Juliano antes que ele faça uma merda maior. Depois a gente pode lidar com
Rony, desmentir, sei lá.
O destino, no entanto, não parecia querer jogar do nosso lado. Antes
que pudéssemos sair a procura do maldito Juliano, Marilia nos interceptou.
Por cima dos ombros dela vi Gedeon olhando em nossa direção com
curiosidade.
— Ravi, o pai está tão feliz, — ela já veio dizendo com um tom de
felicidade emocionada — complete a felicidade dele, dê um presente a ele,
por favor.
— Mãe. Catarina e eu estamos resolvendo um assunto. Eu... já dei o
presente do vô.
— Não é isso. Eu sei o que vocês estão escondendo, por favor, dê essa
notícia aqui, no meio de todo mundo, o pai vai ficar muito feliz. Eu mesma
não estou aguentando de felicidade.
Diante do olhar quase choroso de Marilia, Ravi e eu nos entreolhamos
confusos sem saber do que ela falava.
— Não sei do que a senhora está falando! Andou bebendo demais?
— Está tudo bem, pessoal? — Gedeon aproximou-se ao detectar
movimentação suspeita. E Marilia, que não estava bêbada, continuou sua
viagem maluca agora na presença de Gedeon.
— Eles estão guardando uma notícia fantástica e estou tentando
convencer seu irmão a revelar agora, aqui na festa, para ser o presente do
pai.
— Mãe, a gente não tem notícia... — Ravi elevou a voz perdendo a
paciência — a única notícia é que vamos nos casar em algum momento,
mas nem marcamos nada.
— Eu vi o teste de gravidez no banheiro de vocês. — Ela enfim
esclareceu de forma taxativa paralisando todos os meus músculos. — Eu vi
quando fui pegar o protetor solar de Catarina. Eu vi o teste de gravidez
positivo. Tu só precisa anunciar que Catarina está grávida e dar esse
presente ao meu pai.
Com a mão na boca, aterrorizada e sem um batimento cardíaco para
contar história, eu olhava sem piscar Gedeon dolorosamente pálido feito
papel.
— Mãe! — Ravi gritou chocado. — Não é nada disso que está
pensando...
— Eu vi o teste de gravidez, Ravi. Sei que vocês que decidem a hora de
revelar, mas pode falar agora, seu avô não vai surtar por ela ter engravidado
antes do casamento.
— Mãe, eu vou explicar...
Eles começaram a falar alto chamando a atenção das pessoas,
principalmente de seu Alberto que se aproximava devagar, com cenho
franzido tentando descobrir o que estava acontecendo.
— É verdade? — Gedeon indagou para mim, indiferente a todo o
reboliço ao redor, isolado em um mundo particular só nosso.
— Gedeon... é complicado, mas aqui não é o momento.
— Tem chance de ser meu? — Elevou a voz me perguntando.
— Como é que é? — Ravi olhou na mesma hora para o irmão e para
mim.
— Tem chance de ser meu, Catarina? — Gedeon tornou a perguntar em
um tom mais desesperado me fazendo perceber que ele torcia para que eu
dissesse que tinha chance sim de ele ser o pai.
— É claro que... não. — Respondi quase sem ar.
Eu não estava grávida de ninguém, nem de Ravi que nunca transou
comigo e nem dele, pois estou usando contraceptivo. Estava prestes a gritar
isso, que eu não estava grávida de ninguém quando Ravi direcionou para
mim a expressão de choque.
— Você transou com meu irmão? — Perguntou, não com raiva, mas
pasmo por eu ter escondido tal fato. Mais pessoas se aproximavam, Marilia
completamente transtornada com as mãos na cabeça e seu Alberto ouviu
essa última fala de Ravi.
Antes que eu pudesse gritar e tentar consertar a bagunça, Gedeon se
virou abruptamente saindo aos tropeços, movendo-se como se tivesse tonto,
quase derrubando uma mesa no caminho.
As pessoas estavam chocadas, se não fosse a música tocando na pista
de dança, o silêncio seria sepulcral. Percorri o olhar em volta encontrando
os amigos de Gedeon.
— Bento, vai atrás dele, por favor. — Implorei para o delegado; ele
nem tentou argumentar, saiu correndo atrás de Gedeon.
Todas as correntes que seguravam nossa mentira estavam se partindo
em minhas mãos; compreendi que eu não era poderosa o suficiente para
estancar a ferida que se abria prestes a abalar uma família.
Parece que eu ouvia meus saltos no chão junto com as batidas do
coração, conforme me reaproximava de Ravi pedindo a mãe para manter a
calma.
Eu queria tentar abafar a grande bagunça quando vi Juliano se
aproximando. Sem pensar em nada, me joguei na frente dele.
— Juliano, aqui não. Aqui não, juliano, vamos resolver isso lá fora. —
Tentei impedir, mas levei um empurrão caindo contra uma mesa. Não tive
como salvar meu amigo do ataque do ex-namorado louco.
Juliano o pegou desprevenido acertando um soco no rosto de Ravi.
Alguns homens avançaram para segurar Juliano, mas não conseguiram
impedir que ele berrasse:
— Ravi Barreto é gay, ele era o meu namorado. E aquela mulher é a
noiva de mentira dele. Ele está enganando a família para conseguir a
direção da construtora do avô dele.
E para completar, a cereja no bolo, o vô colocou a mão no peito e caiu
desacordado no chão.
Trinta e seis
GEDEON

Então era isso que a impedia de deixar meu irmão.


Agora tudo fazia sentido. Catarina estava presa na relação devido a
uma gravidez.
Eu jamais achei que sentiria novamente a dor da apunhalada como
senti com Nivea, pois eu me precavi, lutei para garantir um coração duro e
fechado, no entanto, aqui estava novamente a sensação sendo capaz de me
cegar.
O tempo que gastei dirigindo do clube até minha propriedade pareceu
nem existir, me sentia um robô no piloto automático.
Tive consciência, no entanto, que um carro me seguia e ao caminhar
em passadas rápidas em direção à porta principal, notei que era Bento ao
meu encalço. Entrei em casa sabendo que ele me seguia.
Atravessei as três salas ao mesmo tempo que desabotoava a camisa,
descartando-a já na cozinha. Só caminhava, sem ter um destino em mente.
— Barreto. — Ouvi Bento me chamar. Não parei. Saí da casa,
atravessei todo o pátio de lazer indo em direção à estrada iluminada por
postes e ladeada de árvores que levava a fazenda.
— Gedeon. — Bento tornou a me chamar e só conseguiu me alcançar
quando parei ofegante na cerca branca. Com os dedos afogados nos cabelos,
elevei meu rosto para o céu escuro, buscando ar. Estava frio, mas meu corpo
parecia pegar fogo.
A escuridão da fazenda nos envolveu, o céu, o pasto adiante, o curral;
escuridão devorava tudo, como o meu coração no momento.
— Que merda aconteceu? — O tom preocupado de Bento pareceu ter
me trazido para a realidade. Não queria que sentissem pena de mim, mas
também não precisava guardar segredo. Olhei para meu amigo, com as
mãos na cintura me encarando. Havia postes pela fazenda, mas ainda assim
não havia claridade o suficiente para ler a expressão de Bento.
— Catarina e eu estávamos transando… — debrucei na cerca fitando a
imensidão de minhas terras — inclusive hoje antes da festa. E agora ela
revela que está grávida do meu irmão.
— Porra. — Ele bufou.
— Grávida, cara. Fiz de tudo para ela ficar só comigo, porque… acabei
gamando pela desalmada. Agora larguei de mão, não quero ver a cara dela.
— Tchê, ela que falou para ti?
— Não. Descobri por acaso. Ela não ia me dizer, pois é uma
interesseira desgraçada.
— Talvez ela planejasse contar…
— A sem-vergonha poderia ter me contado e então eu nem tocaria mais
nela. Hoje mesmo, antes da festa, a gente… — engoli as palavras com o
desgosto — Me iludia enquanto metia chifre no meu irmão.
— Tu vai superar.
Eu não ia e nem queria. Não ia superar, pois era definitivo, teria que
aceitar Catarina eternamente na minha família por ser mãe de um Barreto. E
não queria superar, afinal assim a maldita dor poderia me fortalecer ainda
mais.
Os olhares dela para mim… enquanto estávamos nos amando hoje
mais cedo. A raiva me fazia ranger os dentes.
— Um filho…! O que faço agora, Bento? Eu gosto da desgraçada e ela
esperando meu sobrinho. — Dei um chute na madeira da cerca que
obviamente não cedeu. Dei outro e mais outro, até estar em fúria, gritando
na noite tentando quebrar a cerca que levava ao curral.
— Já chega com essa porra. — Bento tentou me fazer parar, mas eu lhe
dei um soco que quase pegou no queixo, se ele não tivesse se desviado a
tempo. Tentei me afastar, sendo em vão; por ele ser maior, conseguiu me
segurar.
— Chega. Acabou. As coisas acabam e tu precisa superar. — A raiva e
a tristeza me fizeram encostar a testa no ombro dele e chorar parecendo um
trouxa.
O Gedeon que passou anos se fortalecendo, acabou se apaixonando e
se fodendo em dez dias.

∞∞∞
CATARINA
— Ei, olha para mim. A gente vai dar um jeito. — Segurei Ravi, que
atormentado andava de um lado para outro na sala da cobertura dele.
Interessantemente, descobrimos que o problema do banheiro já tinha sido
resolvido, mas não nos informaram.
Ainda assim era um detalhe sem importância no momento.
— Que jeito, Catarina? — Sentou-se desolado no sofá. No olho, um
hematoma quase tão grande como minha aflição. — Minha família já sabe,
todo mundo acha que você é vadia e estão com raiva de nós dois por quase
matar o vô. Tia Marlene me falou barbaridades, disse que se o vô morrer ela
vai me processar.
Me sentei ao lado dele, com o meu alerta ligado. Eu estava no modo
batalha, disposta a lutar contra o que viesse para vencer, da forma que lutei
quando a patrulha da imigração matou Peterson na minha frente.
Nada de emoção agora. A frieza era necessária para limpar a merda
que ajudei a criar.
— Ravi, eu sobrevivi a coisas que você não imagina. Nem que eu não
ganhe um centavo, mas não saio dessa cidade antes de te ajudar.
— Está fazendo isso como uma forma de se redimir da culpa? —
limpando uma lágrima, disparou leve rancor para mim. Não permiti que seu
olhar me machucasse. — Transou com Gedeon e nem me contou?
— Eu ia te contar hoje. Fui para a cama com ele, tive momentos ótimos
com ele, e quase me convenci de que estava apaixonada por seu irmão.
— E está?
— Se houver a possibilidade de se apaixonar em dez dias, acho que é
provável que eu esteja.
A resposta pareceu o incomodar, algo que não fazia sentido já que ele
mesmo disse que poderia me empurrar para o irmão dele. Ravi levantou-se
e deu alguns passos indecisos pela sala, aparentemente refletindo sobre
algo.
Então direcionou para mim um olhar que ele daria a uma sabotadora e
não a uma aliada.
— Eu gostaria de ficar sozinho.
— Ravi.
— Por favor, Catarina. Você agiu como uma aproveitadora às minhas
costas e ainda brincou com os sentimentos do meu irmão.
— Não brinquei com os sentimentos dele.
— Me deixe sozinho, por favor. E fique tranquila, pelo menos metade
do valor que combinamos você receberá.
Ele não ia se virar contra mim justo agora. Ainda que eu tivesse
mesmo uma parcela de culpa por esconder dele o meu caso com Gedeon.
— Não venha me colocar nesse papel de interesseira, Ravi.
— E por qual motivo você está aqui, se não pelo dinheiro? Hein? Foi a
minha proposta que te trouxe para cá. Não precisamos fingir.
— Vou para o quarto de visitas, não discutirei. Mas entenda que você e
sua família só serão de fatos realizados quando parar de achar que todo
mundo quer o dinheiro de vocês. — Peguei meus sapatos e a bolsa indo em
direção ao quarto.
— Quem é você para falar isso? O que você entende de família para vir
dizer algo sobre a minha?
— Eu não sou ninguém! E não tenho ninguém! — Girei-me
bruscamente nos calcanhares — E talvez por isso eu queira tanto ajudar
você a consertar essa cagada, porque eu vi como é precioso e lindo o amor
que essa gente tem por você e cada um tem pelo outro. Você, Gedeon e
Cassie tem histórias lindas de pai e mãe, tem amigos, primos, tios e avôs.
Vocês têm tudo que o dinheiro nunca poderá comprar. Tem tudo que eu
jamais terei, vendendo a imagem do meu corpo.
— Eu não quis dizer que...
— Vim para cá por dinheiro mesmo, Ravi. Pois diferente de você, essa
é a minha única chance de ter uma mínima vida digna e cumprir a promessa
que fiz a minha mãe que eu seria feliz. — Deixei uma lágrima rolar em
minha bochecha ao mesmo tempo que sorri para ele: — Um sábio me disse
uma vez para fazer geografia e aqui estou eu tentando fazer história.
— Catarina, me desculpa.
— Agora eu que preciso ficar sozinha.

∞∞∞
Revirei os olhos ao perceber que agora eu estava bloqueada por
Gedeon em todos os aplicativos possíveis. Eu não ia julgar os sentimentos
dele e nem chorar um pingo. Minha cota de choro já tinha sido preenchida
hoje quando me debulhei em lágrimas no banho antes da festa.
O momento requeria cabeça fria para bolar estratégias.
Sabia que não dava mais para sustentar o noivado falso, e como seu
Alberto estava hospitalizado, a direção da construtora passava
automaticamente para Rony, um grande pé no saco. Eu quase podia apostar
que Rony permitiu a entrada de Juliano na festa só para provocar a confusão
que aconteceu e assim eliminar concorrência.
Essa era a minha luta antes de me resolver com Gedeon; se é que
pudesse resolver.
E corroborando minha tese de que seria bem difícil colocar tudo em
pratos limpos com Gedeon, recebi uma ligação de um número
desconhecido.
Era Bento. Cumprimentou frisando a formalidade. Eu quis ser
antipática com ele pelo que fez com Cassie, todavia eu precisava de notícias
de Gedeon; só por isso engoli meu ranço.
— Oi, Bento, tudo bem? Aconteceu algo? Ele está bem? — Nem
consegui me sentar, caminhei nervosa pelo quarto.
— Gedeon está bem. Ele ficará uns dias fora da cidade…
— Onde?
— É uma informação que você não precisa saber. Ele pediu que você
fosse à casa dele buscar todas as tuas coisas.
— Olha, tudo foi um grande mal-entendido. Poderei me explicar…
— Catarina, sinceramente? Não tente. Ele não quer nada contigo, nunca
quis. Tu não passou de diversão.
— Ele te falou isso?
— Falou. Siga tua vida. — E desligou.
Que puto malcriado!
Ok, não ia surtar. Jamais iria surtar. Embora me subisse o desejo de
falar poucas e boas para os dois. Nunca precisei de ninguém para
sobreviver. Um coração ferido de paixão seria só mais uma ferida junto às
várias que carrego.
Não dormi nada durante a noite. As cenas da confusão na festa eram
desastrosas e barulhentas demais para deixar minha mente apagar.
Depois que Juliano expôs tudo sendo retirado pelos seguranças, Ravi
passou segundos, feito estatua, como se tivesse medo de olhar para os lados.
Entre os gritos de desespero pedindo ambulância para seu Alberto,
ouvi burburinhos enquanto olhares de choque e julgamento eram disparados
contra Ravi e eu.
— Mãe…! — Ravi sussurrou tentando chamar atenção de Marilia, que
não se movia. De pé, olhava para o pai caído no chão sendo socorrido por
outras pessoas. — Mãe… eu não queria…
Marilia fitou Ravi, em seguida correu os olhos na minha direção. Sem
ódio, sem julgamento, apenas choque. Então se virou e caminhou ereta na
direção oposta.
Além disso, teve Rony e sua mãe gritando acusações contra Ravi e eu.
Santiago interveio tirando nós dois do olho do furacão, mandando a gente
vir para casa.
Agora, no quarto, essas cenas na minha cabeça pareciam mais um
filme do que a realidade. Andei, deitei, falei com minha amiga que até
tentou me convencer a voltar para Nova Iorque nem que fosse escondida
em um porta-luvas de um carro.
Essa não era mais uma opção para mim.
Tomei um banho. Pensei em vários caminhos para ajudar Ravi, não
chegando a nenhuma ideia promissora, até ver o sol nascer, sentada no chão
da varanda enrolada em um cobertor muito fofo, imaginando como se fosse
o abraço do miserável pelo qual me apaixonei.
A gente nem chegou a dormir juntos. Droga, eu não tive a
oportunidade de experimentar uma conchinha com Gedeon Barreto, o rei do
churrasco. Isso era injusto em níveis…
Antes que Ravi acordasse, eu já estava deixando a cobertura.
Botas brancas lindas que combinavam com minha jaqueta quentinha.
Blusa e calça pretas dando um tom bem sério com os óculos escuro e rabo-
de-cavalo. Eu parecia importante indo resolver um assunto importante.
Pedi um Uber direto para a propriedade Barretão. Nem quis pensar que
provavelmente seria a última vez que entraria ali.
Ninguém tentou bloquear minha entrada, indicando assim que já
tinham recebido ordens do dono para liberar minha passagem para a casa
encoberta de frio e silêncio. Era uma casa arejada, com direito a jardim
interno e portas laterais que levavam ao gramado bem cuidado, por isso era
tão gelado e cheirava a natureza crua.
— Bom dia, dona Veridiana. — Cumprimentei entrando na cozinha. A
senhora, rezando um terço, ocupava uma cadeira diante da mesa. Ela olhou
para mim e quase sorriu, mas lembrou-se de alguma coisa e enrijeceu.
— Bom dia, Catarina. Gedeon pediu para você pegar suas coisas e ir
embora. — Seus olhos me fitavam com pena.
— Sim, recebi esse recado. Estou aqui para isso.
— Ele não... deixou recomendação se você podia ou não comer, por
isso quero te oferecer uma boa uma cuca. Se tu quiser.
Um sorriso espontâneo esticou meus lábios.
— Obrigada, eu quero sim. Só pegarei minhas coisas e desço.
Subi sozinha para o quarto. Não imaginei que poderia. Saí da cobertura
de Ravi imaginando que teria seguranças na minha cola para não me deixar
roubar nada de Gedeon. Ele era um cão quando queria ser.
Antes de ir para nosso quarto, joguei para trás a prudência, desfrutando
de ousadia em cada passo em direção ao quarto de Gedeon.
Empurrei a porta deparando-me com a cama ainda desarrumada com
vestígios de nossa paixão desenfreada ontem, denunciando assim que ele
não dormira aqui. O papel do bombom ainda estava ali no pé da cama.
Abaixei, peguei-o e juro que quase vacilei em choro.
Quando foi que um homem se lembrou de algo que eu gostava e trouxe
especialmente para mim? Nunca.
E agora eu tinha a sensação de que havia perdido tudo. Mesmo que, na
verdade, nunca tivesse sido meu.
Saí do quarto dele e antes de chegar ao que eu dividia com Ravi, minha
atenção foi atraída para uma porta entreaberta. O quarto onde Ravi, nos
últimos três dias, vinha trabalhando no projeto da vila e vinhedo.
O ar gelado me recebeu quando empurrei a porta. A janela aberta trazia
vento frio da manhã.
Sem vacilar um passo sequer, aproximei da mesa deparando com
rascunhos do trabalho dele ainda ali na escrivaninha.
Em três dias ele havia executado boa parte de um projeto para mostrar
a Demétrio. Eu era leiga no assunto, mas achei excelentes as ideias de Ravi.
Não eram os originais, pois certamente estavam no computador, ainda
assim, tudo que consegui ver, era perfeito. Uma ideia brotou em minha
mente.
Mas antes eu estava faminta e teria que saborear uma deliciosa cuca
feita por Veridiana.
Trinta e sete
GEDEON

Não quero nem lembrar que chorei. E não era para Bento ter visto. Não
era para ninguém ter visto minha vulnerabilidade tão exposta. Por isso corri
em direção ao ermo da fazenda, para ter a minha privacidade garantida na
noite escura, para que eu não precisasse ser uma rocha forte que sempre
sustentou a família.
A vida foi uma cadela da pior espécie ultrapassando o limite comigo.
Me pisoteou bonito e apreciou a minha queda.
Depois colocarei a culpa no álcool. Dizer que bebi demais no baile do
vô, por isso chorei. Então tocarei o barco fingindo que nada aconteceu.
Serei um bom tio para o filho de Ravi e Catarina.
Vou fingir muito bem a cada evento de família que a gente se
encontrar.
E por dentro eu desejarei que ela se foda.
E odiarei bombom Caribe para sempre.
Meio infantil, mas que se foda. Só eu saberei.
Vou trepar com todas que me quiserem, mas sem dar moral. Mulher
nenhuma terá chance comigo. Fui apunhalado por duas, não sou trouxa de
dar oportunidade para uma terceira fazer o mesmo.
Terminei o preparo de um chimarrão e me sentei numa cadeira de
balanço no terraço do rancho de Santiago, para assistir o pôr do sol. Estou
há um dia metido no galinheiro, sendo um frouxo escondendo-me de não-
sei-o-que.
Os demônios estão aqui comigo, nem me deixaram dormir. Pensei a
noite toda quase explodindo a cabeça. Portanto, do que eu me escondia
afinal? Da realidade?
Sorvi o líquido quente suspirando por ter meu coração aquecido pelo
mate.
Um gaúcho com seu chimarrão não quer guerra com ninguém.
Um gaúcho sem sua paixão perde o ânimo.
Rosnei um xingamento para minha mente e aproveitei o fim do dia, na
calmaria, sem celular, pois fiz questão de desligar o meu; sem qualquer
problema para resolver. O mundo não ia acabar se eu ficasse um tempo
sumido. Então ouvi atrás de mim:
— Porra, que susto. Você está aqui?
Era Santiago. Parecia que tinha acabado de sobreviver a um acidente.
Fiquei de pé para olhar o homem que arrancava a roupa preta do tipo que
parecia um agasalho de manga longa e gola alta.
Ao ver o corpo dele, estranhei ainda mais. Detectei hematomas e
arranhões. E eu sabia que não eram do treino de muay thai. Ninguém se
machucava assim treinando numa academia. Mesmo quando ele e Bento
resolviam se enfrentar.
— Barbaridade, tchê! Tu está todo esgualepado*. O que houve?
Machucado, ferido*
— O que você está fazendo aqui, Barreto? — Se esquivou de minha
pergunta jogando outra para mim.
— Passando um tempo. Estava treinando? — O observei despencar,
parecendo cansado, em um banco. Usava calça tática, estilo militar e botas.
Não parecia mesmo roupa de treinar muay thai.
— É. Foi isso. — Deu um breve sorriso sem credibilidade — Fui
inventar de treinar com uns caras clandestinamente.
— Um juiz lutando clandestinamente? Cuidado, porra.
— Pode deixar, mamãe, anotei o seu conselho. Agora me diga, o que
faz aqui?
Voltei a me sentar disposto a deixar a vida alheia de lado. Antônio
Santiago era adulto, eu já tinha problema demais para preocupar.
— Precisando de um tempo sozinho, para espairecer as ideias. Ontem a
noite a coisa não ficou boa para mim, me arranquei da festa cego de raiva.
— Sobre o seu avô?
— Meu avô? Não, a Catarina…
— O que houve com ela?
— Bah... — Soltei todo o ar do peito em uma soprada, olhando para
meus pés. — Ela está grávida, do meu irmão... e pior que eu estava
começando a...
— Espera. Grávida? Do Ravi?
— Sim.
— Algo não está bem contado nessa história. — Santiago se
empertigou no banco e interessado, mirou-me — Ontem teve o maior
quebra pau na festa, pois, um cara apareceu, agrediu Ravi e contou para
todo mundo que eles são namorados.
Dei um pulo, me levantando de novo, e passei um minuto encarando
Santiago esperando que ele soltasse uma risada sarcástica enquanto
revelava estar debochando da minha cara. Mas continuou sério aguardando
minha reação.
— Que porra… como assim…?
Santiago notou que talvez eu não soubesse mesmo a informação,
assumindo uma postura cautelosa, ficou de pé diante de mim.
— Pelo que foi revelado ontem, Ravi é gay.
— Mas... ele tá noivo.
— O cara que invadiu a festa ainda revelou que Catarina é só noiva de
fachada do Ravi. E aí seu Alberto não aguentou e desmaiou. Agora se
encontra hospitalizado.
— O vô está hospitalizado?
— Porra, Barreto, achei que você estava metido aqui fugindo disso
tudo.

∞∞∞
Tentava falar com minha mãe enquanto dirigia quebrando recordes de
velocidade. Ela não atendia o celular de forma alguma. E minha paciência
se esgotava diante do desespero inundando meu coração e mente.
Diferente da minha mãe, Donato atendeu de imediato.
— Gedeon?
— Onde está minha mãe? O que aconteceu?
— Tchê, as coisas não estão nada bem, viu? Marlene acabou de sair
daqui e falou umas poucas e boas com tua mãe. Onde tu se meteu?
— Estou chegando, precisei resolver uns problemas. E o meu vô?
— Ainda no hospital. Foi só um mal súbito, agora está de observação.
— E o Ravi?
— Preso na cobertura dele. Não quer ver ninguém. Rony veio aqui e
disse que seu irmão não pode mais ter um cargo alto na empresa.
— Daqui a pouco apareço aí.
Jurei que o mundo não ia desabar se eu ficasse um tempo sumido. Foi
só virar as costas que o diabo fez festa. Antes de ver minha mãe ou o vô, eu
tinha que conversar com Ravi para entender melhor que porra é essa de ser
gay nessa altura do campeonato.
Ou será que sempre foi, mas fui relapso demais para não ter auxiliado
o meu irmão?
Fui direto para a cobertura de Ravi, onde Donato disse que ele estava.
Além de que eu tinha deixado ordens para os dois saírem da minha
casa. Arrependo de ter feito isso, mas agora não era momento de chorar o
leite derramado.
Ravi permitiu minha entrada e quando saí do elevador entrando no hall
da cobertura, ele me esperava de pé no meio da sala, bem assustado.
Usando pijama, cabelos assanhados e o rosto marcado por hematomas.
Ele deu um passo para trás praticamente indicando estar com medo de mim
e isso quase me matou.
O meu irmão achava que eu tinha vindo lhe fazer mal?
Foi só agora que a ficha caiu para mim. Gay. Meu irmão era gay. E eu
não pude perceber mesmo batendo no peito que era o protetor supremo dele
e de Cassie. O olhar assustado dele implorava para que eu não o odiasse e
não o maltratasse.
Me veio à mente o menino pequeno sem pai que ajudei nossa mãe a
criar. Percebi que o amor que sinto é tão grande que o fato de ele preferir
homens, não faz a mínima diferença para mim.
Caminhei até ele, Ravi se encolheu e acho que até parou de respirar.
Então eu o abracei sem dizer nada.
Seu corpo estava rígido, mas acabou cedendo e retribuindo o abraço
enquanto chorava no meu ombro.
— Achei que tu nunca fosse... me perdoar.
Me afastei do abraço, segurei com força seus ombros, obrigando-o a
me olhar.
— Acho que errei contigo, meu irmão, na tua criação.
Ravi limpou os olhos e afastou-se de mim.
— Por favor, Gedeon, não venha com essa balela se perguntando onde
foi que você errou para eu ter me tornado um gay. Eu sempre fui. Apenas
aprendi a esconder melhor do que a maioria.
— Bah, eu estaria me perguntando onde errei se tu estivesse assaltando
gente ou matando. Errei em não ter te dado confiança o suficiente, para que
não se sentisse amedrontado, achando que eu te faria mal. Me entristece
saber que tu pensou que eu iria te bater ou te jogar os pés. Errei quando não
demostrei a ti que não era tudo só proteção, era amor mesmo e você poderia
ter contado comigo.
Ravi estava abismado me fitando. Então deu um grande sorriso e
suspirou aliviado. Aproximei dele novamente para segurar seu ombro.
— É uma novidade para nós, tenha paciência com tua família. Com o
tempo a gente vai se acostumar. E não deixarei ninguém te azucrinar por
causa disso.
— Obrigado. — Voltou a me abraçar, agora bem mais aliviado e falou
baixo:
— Desculpe por… ter armado todo esse circo, com a Catarina. — Foi
só tocar no nome dela que meu coração pulou ensandecido. Empurrei Ravi
mirando seus olhos.
— Me conte isso direito.
Ele sentou-se e eu fiquei de pé, pois a ansiedade era demais para me
deixar relaxar. Ravi contou em detalhes sobre um amigo americano que tem
uma boate, e por intermédio dele, conheceu uma brasileira que dançava nos
palcos.
Como ela tinha necessidade de voltar para o Brasil e se estabelecer
aqui, Ravi fez a proposta:
Duzentos e cinquenta mil dólares para que ela fosse a noiva perfeita,
enganasse o meu avô para que Ravi ficasse com a direção da construtora.
Eles me enganaram muito bem. E agora todas as peças se encaixavam
e fazia sentido. Por isso ela foi para a cama comigo, ela não estava traindo o
noivo.
Em meio a tanta confusão, um golpe de felicidade. Não havia gravidez,
tudo não passou de um mal-entendido de nossa mãe.
— Catarina não é uma interesseira. — Ravi disse. — Ela é uma mulher
corajosa e resiliente, tudo que ela sabe é lutar e sobreviver. Me deu apoio de
todas as maneiras possíveis. O azar dela foi não conseguir superar a paixão
que sentia por você. E isso ela me contou.
— Ela… disse que sente paixão por mim?
— É. Me falou ontem depois da festa. Que se for possível se apaixonar
em dez dias, então ela estava apaixonada.
— E onde ela está? — Olhei em volta como se pudesse vê-la espiando
em algum canto.
— Não sei. — Ravi deu de ombros. — Quando acordei, ela não estava
mais em casa. E até agora não apareceu. Tentei ligar, mas o celular dela está
fora de área.
— Onde você acha que ela foi? Será que está na minha fazenda?
— A gente discutiu... e ela ficou meio magoada. Eu a chamei de
interesseira e disse que ela não tinha uma família para tentar falar da minha.
Puta que pariu.
Agora, sim, aflição insuportável tomou conta do meu coração.
Minha mãe, meu avô e Ravi estavam bem. Mas e Catarina? Não ia
conseguir me perdoar se algo acontecesse com ela.
Trinta e oito

GEDEON

— Já é noite, Bento. Ela saiu pela manhã e nada até agora. — No


escritório da minha casa, saboreava uma boa dose de impaciência enquanto
tentava fazer meu amigo me ajudar. Ele era delegado, porra. Ia me deixar na
mão justo agora?
— Não é assim que funciona. — A serenidade na voz dele me irritava
profundamente — Eu não posso mobilizar a brigada para procurar uma
mulher adulta.
— E o que você sugere que eu faça, senhor delegado?
— Que se acalme, bah, e aguarde até amanhã cedo. Ela foi
desmascarada, tu me fez ligar para ela expulsando de sua casa, queria que
ela fizesse o quê? Ela está no direito de se afastar de tua família.
— Obrigado pelo afago na minha aflição. — Desliguei e quase joguei o
celular pela janela. No entanto, entrei no Instagram dela e digitei outra
mensagem.
“Quero conversar com você. Já sei de tudo, me ligue.”
Parecia muito formal, quase como uma convocação para uma vaga de
emprego. Apaguei. Como poderia ser um pouco sensível se nunca precisei
ser?
Massageei os olhos procurando me acalmar pausando a respiração. Ela
não pode ter simplesmente virado as costas para tudo sem se importar em
aparar todas as arestas. Eu a mandei embora da minha casa, mas não era
para ter seguido literalmente.
Relembrei de nossa viagem para Gramado e como fui feliz.
Transamos. Jogamos dominó. Causamos um acidente com chocolate.
Tomamos chocolate quente.
Involuntariamente acabei sorrindo diante da lembrança de nossa
conversa sobre os filmes que ela amava, os quais jamais seriam minhas
opções para assistir.
A Casa das Coelhinhas…
Como Perder um Homem em Dez Dias…
Abri os olhos ao ter um lapso que iluminou toda a desordem em minha
mente, como uma lâmpada brilhando acima da cabeça, igual nos desenhos
animados.
Então escrevi para Catarina:

“É, sim, possível se apaixonar em dez dias.


Fale comigo, por favor.”

Acordei assustado com o celular tocando. A claridade de um novo dia


banhava o cômodo; acabei dormindo sentado no escritório. Dei um pulo de
susto, o celular voou longe e parou de tocar. Perdi uma batida cardíaca ao
ver que era Catarina e chamara até desistir.
Antes que eu pudesse retornar à ligação, uma notificação de mensagem
apareceu.
“Preciso mesmo falar com você. Esta é a minha localização. Se
possível, traga Ravi.”

Eram seis e meia da manhã quando tirei meu irmão da cama, fiz com
que se vestisse em dez minutos saindo correndo atrás de mim sem ter
muitas explicações.
— Você vai assim do nada para uma localização que te mandaram por
mensagem? E se for golpe? — Ravi balbuciou ainda meio grogue ao meu
lado no carro, sendo incapaz de furar minha bolha de otimismo.
— Não é. Eu confio nela.
Ele colocou óculos escuros e se acomodou melhor no banco do carro,
pronto para dormir.
— Mas e se alguém a sequestrou e está te atraindo até ela?
— Aí, eu vou ter que matar quem pegou a minha mulher.
Virou-se para mim com brusquidão.
— Ah, agora ela é sua mulher?
— Sim. Sempre foi. — Apesar da confiança, lancei um pingo de dúvida
em um olhar semicerrado — Só para saber... vocês não chegaram a...
— Tu sabe qual a definição de ser gay.
— Ótimo. — Sorri amplamente — Tri legal.
— Tá feliz por eu ser gay?
— Sim. Estou muito feliz.
No fundo, eu sabia que a preocupação de Ravi tinha um fundo de
coerência, talvez fosse uma cilada. Pensei em mil coisas ruins que poderiam
estar nos esperando, mas a curiosidade e a vontade de ver Catarina eram
bem mais fortes.
Além de que eu conhecia a localização que ela me mandou e foi
justamente isso que me deixou ainda mais de orelha em pé. O que essa
mulher fora fazer justo naquele lugar?
Acho que nunca tinha sentido tanto desassossego até chegar ao
vinhedo de Demétrio, onde parei o carro de qualquer jeito e nem esperei por
Ravi.
— Gedeon, espera. — Ele gritava, mole feito uma tartaruga para
caminhar, bem atrás de mim.
Uns homens que estava ali, possivelmente funcionários, disseram que
eu poderia entrar, Demétrio estava nos fundos nos aguardando.
Cheiro de café recém-coado dava boas-vindas, trazendo um pouco de
vida para o casarão em ruínas.
Fui cego de ansiedade na direção que me foi informada, ouvindo os
passos rápidos de Ravi bem perto de mim, e eu sabia que ele estava
disposto a tentar me segurar se caso precisasse.
E quase precisou.
Paralisei ao ver a cena de Catarina toda faceira tomando café com
Demétrio.
— Me chamou aqui para que, Catarina. — Não consegui controlar a
rispidez. Os dois pararam de conversar, olharam para mim e ambos ficaram
sérios no mesmo instante.
Cadê as risadinhas que eu estava vendo antes? Podem continuar com
o café da manhã descontraído.
— Bueno dia, Ravi. — Demétrio cumprimentou meu irmão primeiro e
em seguida estendeu a mão para mim. — Bueno, Gedeon.
— Bueno. — Peguei rápido na mão dele, pois também não era nenhum
malcriado. — E então, Catarina, diz logo o que quer, sou um homem
ocupado.
— Vocês podem ir para o terceiro piso. Terão privacidade. — Demétrio
informou e já olhou para meu irmão mudando o semblante na mesma hora,
para algo mais agradável. — Ravi, que bom que veio. Podemos falar sobre
negócios?
— Ah... não sei se ainda estarei na construtora.
— Venha, pegue um pouco de café, vamos conversar.
Deixei os dois na cozinha improvisada e subi calado com Catarina.
Apenas nossos passos rangendo no assoalho velho de madeira. Deixei que
fosse um passo na minha frente, até chegarmos ao terceiro piso. Ela
empurrou uma porta e me deixou passar.
Não tinha móveis no quarto, mas era um cômodo melhor que o resto
da casa. Possuía cortinas desbotadas e uma porta que parecia ser de um
banheiro. Havia um colchão no chão, sapatos dela e a bolsa.
— Você dormiu aqui? — Fui logo perguntando.
— Sim. — Caminhou até a outra extremidade do quarto cruzando os
braços enquanto me fitava.
— Dormiu aqui, com esse cara?
— Por quê? — Fez uma careta com ar atrevido — Tem algum
problema com isso?
— Sim, Catarina, eu tenho muitos problemas com isso. Você
simplesmente some e o primeiro lugar para onde corre é a casa de um
solteiro que evidentemente está salivando por você.
— Salivando por mim?
— Esse cara se faz de vesgo para mamar em duas tetas, Catarina.
Percebi logo de cara.
Ela levantou o dedo e abriu a boca prestes a discutir, mas tomou fôlego
e se acalmou.
— Eu só vou aturar esse chilique sem sentido, porque eu me sinto em
dívida com você e sua família. Acho que já deve saber sobre Ravi e eu.
— É, eu sei. Você foi paga para enganar a mim e minha família.
— É por aí. Quero te pedir desculpas por isso, apesar de não me
arrepender. E desculpas também pelo que aconteceu na festa que fugiu do
meu controle.
Enquanto ela se vestia de humildade, meu sangue borbulhava quente.
Eu queria reação, queria chumbo trocado para ter a chance de acertar os
ponteiros ardentemente.
— Me chamou aqui só para me pedir desculpas? — Retruquei chutando
as desculpas dela — Podia ter feito isso pelo celular.
— Porra, você está extremamente insuportável. Que droga de homem
chato. — Catarina perdeu a compostura na hora. Assim que eu gostava.
Queria intensidade. E era incrível como a gente combinava tão bem. Um dia
cheguei a pensar que morreria velho rabugento sozinho, pois nenhuma
mulher conseguia me deixar interessado por mais de alguns dias.
Todas pareciam iguais e enfadonhas ao tentar de tudo para me agradar.
Todas que entravam em minha vida, pareciam preocupadas em serem
perfeitas para mim.
E então chega Catarina com sua petulância, seu charme, esperteza e a
fraca atuação em tentar se passar por mocinha. Ela era a tampa da minha
panela que nem se importou em tentar se adequar a mim, e ainda assim,
coube perfeitamente ao meu redor desde o primeiro momento.
— Por que você está rindo…? — Indagou e eu nem percebi que sorria
para ela.
— Estou rindo, pois no final de tudo, eu que ganhei. — Aproximei-me
dela encurralando-a entre meu corpo e a parede.
— E o que você ganhou, Gedeon? — Foi seca, ainda tentando ser
indiferente, mesmo que seu corpo a entregasse reagindo facilmente a mim.
— Minha felicidade de volta, tchê. Em dez dias uma guria fez meu
coração balançar novamente após quase vinte anos endurecido. Foi como se
ela fosse o desfibrilador que o fizesse reviver. E agora tudo que penso é em
passar meu tempo com ela, conhecer tudo sobre ela, ser o motivo dos
sorrisos dela.
Mesmo com uma lágrima despontando, evidenciando a emoção dela,
Catarina suspirou tentando parecer durona.
— Desculpe... é tudo que uma mulher gostaria de ouvir. Mas não estou
pronta, eu não sou o tipo de mulher ideal para ser a companheira
perfeitinha.
— Para com esse tipo de merda. Eu não quero companheira perfeitinha,
quero você.
Impaciente, Catarina limpou os olhos e tentou escapar da barreira entre
meu corpo e a parede. Não permiti.
— Gedeon... eu não posso ser o que quer que você esteja propondo. Eu
era ilegal nos Estados Unidos...
— Foda-se, na minha propriedade tu é legalizada.
— Eu menti sobre meu pai. Ele era um estúpido e me agredia após a
morte de minha mãe, então fugi de casa aos quinze anos para me virar por
conta própria. Não tenho uma história bonitinha de família estruturada.
— Por mim tudo bem. Posso sobreviver ao fato de que tu não tem
família, só não quero viver sem ti. E eu posso ir atrás desse seu pai e dar
uma surra nele, mesmo se tu não quiser.
— Cacete, me escute. Eu não sou a mulher boazinha que Ravi tentou
pintar para sua família.
— E ele não conseguiu. Na hora que te vi percebi que não era flor-que-
se-cheire. Estava mais para uma... “comigo ninguém pode”.
— Ok. Eu não sou fã de jazz e nem pinturas famosas. Não frequento
igreja e prefiro filmes de comédia aos clássicos. Jogo dominó e não sou
vegetariana. Posso ser debochada, não fujo de uma briga, posso ser má às
vezes, dançava numa boate, gosto de beber cerveja e adoro sexo depravado
com você.
— Deus, eu pedi um simples alimento e tu me deste um banquete? —
Segurei o seu rosto limpando mais uma lágrima com meu polegar. —
Acabou para ti, Catarina. Acabou a luta pela sobrevivência. Tu acaba de
encontrar o seu lar.
E ela não aguentou, depois de um sorriso, pulou em mim envolvendo
meu pescoço com os braços de uma maneira tão forte que era como tentasse
nos fundir. Meus braços a acolheram na mesma intensidade, rodeando seu
corpo, erguendo-a do chão.
— Só não me machuque nunca, pois estou depositando tudo que tenho
em você. Na verdade, você, agora, é tudo que eu tenho.
Afastei do abraço para olhar no rosto dela.
— Prometo a ti, minha guria. — Falei antes de beijá-la vorazmente,
como se fosse água para minha sede.
Trinta e nove
CATARINA
Deliciosamente preenchida. No coração, na alma e na boceta. O pau de
Gedeon ainda pulsava dentro de mim após nós dois atingirmos o gozo
perfeito que foi como a cereja do bolo para o melhor sexo de reconciliação
da vida. O melhor e único, afinal eu nunca tive sexo de reconciliação com
ninguém.
Soltei o corpo, deitando-me sobre seu peito ainda ofegante, após a
minha longa cavalgada da paixão.
Transar apaixonada, após receber uma declaração de amor? Não havia
dinheiro que pudesse pagar.
Ainda podia sentir cada gota de êxtase em minhas veias quando o pau
deslizou para fora de mim. Não consegui conter o sorriso de satisfação.
— Ah... — gemi, evolvendo-o com braços e pernas. — Como eu
precisava disso.
— O amor é mais gostoso depois que se deita e abraça. — Respondeu
cantando e eu levantei o rosto do seu peito para fitá-lo.
— O quê?
— Uma música do Baitaca que me veio em mente. — Gedeon apertou-
me com mais força girando no colchão e jogando-me por baixo dele,
acomodando seu corpo incrivelmente gostoso sobre o meu.
— Do churrasqueiro, tu sempre prefere o espeto, não é?
Após a gargalhada, concordei.
— Com certeza. — Ergui a mão acariciando seu rosto. — Temos que
descer. Seu irmão nos espera. Estamos aqui em cima há quarenta minutos.
— Eles já imaginam o que estamos fazendo.
— Vou ficar com muita vergonha quando vocês forem embora, eu ficar
com o...
— Que conversa doida é essa? — Gedeon interrompeu-me na hora —
Não vai voltar conosco?
— Bom, eu estava para te falar. Talvez eu fique por aqui... algum
tempo.
Surpreso, Gedeon interrompeu o abraço saindo de cima de mim para se
sentar.
— Aqui onde?
— Aqui, Gedeon. Vim dos Estados Unidos, por isso, não tenho onde
morar. Não tenho casa, então comentei com Demétrio e ele disse que eu
poderia ficar aqui.
— Mas beeem capaz.
Gedeon saiu rapidamente do colchão e em dois segundos vestiu cueca
e calça. Sentei-me também puxando o lençol para me cobrir.
— Gedeon…
— Acabou de aceitar minha proposta. Já era, bah, não tem mais volta.
Eu não imaginava que ia receber um pedido de namoro de um
churrasqueiro famoso de quarenta anos que tinha alergia a relacionamentos.
Por isso aceitei o convite de Demétrio para trabalhar aqui com ele.
Eu teria enfim minha vida e meu dinheiro, sem depender de ninguém.
E nem precisaria me esconder.
— Mas isso não vai interferir em nada. São poucas horas de viagem e
você pode vir sempre me ver. — Opinei. Ele continuou se vestindo
raivosamente.
— Tchê, quer saber? Não quero nem pensar que tu esteja levando a
sério esta bobagem. Aquiete o facho, arrume tuas coisas, pois voltará
comigo.
— Demétrio me ofereceu um emprego…
— E vai morar onde, Catarina? Me responda isso.
— Aqui. — Mostrei em volta.
— Morar sozinha numa casa com um cavalo daquele tamanho...
solteiro, e distante de mim? Nem se me matar que tu consegue isso, bah.
Fiquei de pé, ainda enrolada no lençol, e mesmo que eu não fosse lutar
por essa vaga de emprego — afinal as coisas não são mais iguais eram
horas atrás — tinha que deixar algo bem claro:
— Não serei uma encostada. Mulher–troféu de homem rico.
— Posso te oferecer um emprego.
— E o que seria?
Ele aproximou-se silencioso feito uma águia.
— Sei lá, qualquer coisa. Dançarina particular talvez? E o pagamento
será em pica e Caribe, o que acha? — Piscou de forma safada, arrancando
um sorriso de mim.
— Está me fazendo te detestar. — Sorri, já nos braços dele.
— Eu sei. Por isso a gente dá certo. Se vista logo — tapa na minha
bunda — senão vou ter que descer baixo nível e armar um sequestro contra
você.

Ravi e Demétrio pararam de conversar, ou discutir, assim que nos


viram despontar na escada.
— Ainda é futura senhora Barreto? — Ravi perguntou-me sorrindo
feliz ao fitar minhas mãos dadas com Gedeon.
— O futuro nos dirá. — Eu disse, mas fui corrigida rapidamente:
— Prazer, meu nome é futuro. — Gedeon revidou olhando fixamente
para Demétrio. — E eu digo que ela é, sim, futura senhora Barreto.

∞∞∞
Eu não ia aceitar que Ravi fosse derrotado. E conforme meus
pensamentos se encaixavam, mais ainda tinha certeza de que Rony quis que
houvesse a confusão na festa para que seu maior oponente, fosse
aniquilado.
Por causa disso, tive a ideia de trazer os esboços da ideia de Ravi antes
que a construtora fechasse negociação com Demétrio, sem Ravi presente
para chefiar a obra.
Demétrio gostou dos esboços que viu e após saber de toda história,
inclusive sobre o noivado falso, aceitou dar a oportunidade exclusivamente
ao projeto de Ravi.
Então eu tinha um trunfo contra qualquer imposição de Rony ou de seu
Alberto — que, atualmente, não apitava nada.
Tudo que eu precisava era de uma voz poderosa para falar por Ravi.
Nada melhor que Gedeon, sempre respeitado por toda a família e
principalmente pelo avô.
Então o chamei no vinhedo apenas para tentar convencê-lo a ajudar o
irmão. Não fazia ideia de que eu ia voltar para casa com um namorado a
tiracolo.
Foi terrivelmente satisfatório ir até a empresa falar com Rony. Ele já
estava na sala da presidência, se sentindo o CEO, quando aceitou receber
Ravi.
E antes que Ravi pudesse se defender, Rony em seu terno
estupidamente caro, cabelos bem penteados e postura prepotente, foi
taxativo dizendo que não iria ficar bem para a empresa tendo alguém como
Ravi em um cargo alto, uma vez que a construtora presava pela tradição e
moralismo.
E foi então que Gedeon entrou dando o seu show.
— Primo, o Ravi vai ficar no cargo dele e tu ficará quietinho no cargo
anterior até que o novo presidente seja escolhido. E quem está dizendo isso
é alguém que tem mais ações do que você aqui dentro.
— Gedeon, desculpe, não quero pegar peleia* contigo. Só estou
cumprindo a vontade de nosso avô.
— Eu sei, também não quero briga. Gedeon apoiou as duas mãos na
mesa enfrentando Rony — Isso é uma conversa de família.
Rony olhou para mim, como se quisesse apontar que eu não era da
família, mas acho que não teve coragem de expressar os pensamentos.
— Gedeon, eu estou apenas tentando estancar o sangramento. Ravi se
meteu em um caso chamativo, saiu até na impressa nacional. Não é de bom-
tom que ele continue em um cargo alto, ou a frente de obras de relevância.
E nem pode ser cogitado para assumir a presidência da construtora.
— O caso é o seguinte, Rony. Se eu souber que estão impedindo meu
irmão de exercer um cargo o qual ele é capacitado, devido à sexualidade…
— Não é por isso, Gedeon. — elevou o tom de voz — É uma tática
para estancar o escândalo que Ravi criou quando aquele cara fez aquelas
declarações na festa.
— Então entramos no nosso segundo ponto. — Gedeon interpelou
cheio de confiança deixando Rony mais nervoso — Tenho imagens das
câmeras de segurança do clube que mostram a ti deixando o Juliano entrar.
Quem foi que provocou o escândalo então?
— Está disposto a sujar a empresa de sua família?
— Foda-se, eu tenho a minha, não dependo disso aqui. Mas meu irmão
ama, é isso que ele quer, e eu farei de tudo para que ele seja realizado aqui
dentro.
— Obrigado, mano. — Ravi falou e deu um passo na direção de Rony
— E por derradeiro, e não menos importante, Demétrio Montebelo assinou
um contrato de exclusividade com o meu projeto. — Com calma,
saboreando o momento, Ravi empurrou sobre a mesa a pasta com a
proposta para Demétrio. — Se eu sair daqui e for para uma concorrente,
posso levar Demétrio e o projeto da vila, o qual era o grande objetivo do vô.
Rony estava derrotado. Respirando pesado, olhou para a pasta diante
dele sem nem ter coragem de tocar e virou-se para Gedeon.
— Quando o vô voltar...
— Ele não vai mais voltar para cá. — Gedeon deixou claro — Quando
o vô melhorar, encontrará a ti e Ravi, juntos a frente da empresa. Os dois
primos trabalhando felizes, para que eu não tenha que interferir novamente.
Está tudo bem, primo?
Após puxar o ar com força, ele meneou a cabeça forçando um sorriso.
— Está. Ravi, você pode voltar para o seu cargo e chefiar a obra da
vila.
Ao saímos do prédio monumental da construtora Barreto, deslizei
minha mão pelo braço de Gedeon até encontrar a mão dele e agarrá-la
entrelaçando nossos dedos.
— Você foi magnífico. Fez o Rony até sorrir.
— Gostou?
— Estou tremendo de tesão por você. — Confessei, sussurrando para
ele.
— Hoje você não dorme, minha putinha. — Retrucou arrancando uma
risada de mim.

Levamos Ravi até a casa de Marilia. E dessa vez, ela não fugiu da
realidade. Exibia olhos inchados de tanto chorar por causa de algo que nem
ela e nem ninguém tinha controle. E que não era da conta de ninguém
exceto de Ravi.
Ela o abraçou, chorou mais um pouco e quis escutar dele cada
momento em que ele passou escondido dentro de si com medo da
repreensão da família.
Gedeon me puxou, cochichando que era um momento deles e por isso,
fomos embora os deixando a sós enquanto reviviam todas as fases da vida
de Ravi.
— Eu não sei se quero ficar aqui com você. — Falei, entrando na casa
dele, agora como namorada. Gedeon já se virou puto.
— Bah, que guria chata de galocha. Aceitou ser minha mulher, mas não
quer ficar na minha casa?
— Namorados não moram juntos, Gedeon. O que as pessoas da sua
família vão dizer?
— Fodam-se as pessoas? Que vantagem tem em estar namorando e não
poder segurar seus peitos quando eu for dormir?
— Meu Deus, homem!
Veio até mim, agarrando-me pela cintura.
— Catarina, tu não tem casa, não tem para onde ir, e eu possuo essa
casa desse tamanho. A gente já juntou os trapos e tu nem se deu conta
ainda.
— E se a gente cansar um do outro muito rápido?
Jogou a cabeça para trás rindo.
— Porra, tu não se deu conta ainda de onde se meteu, né? Venha,
vamos conhecer seu novo quarto.

∞∞∞
Naquela noite eu estava no quarto de Gedeon não mais como uma
intrusa ou visitante. Ele me fez sentir parte daquele ambiente, me fez
entender que meu lar agora era onde ele estivesse. E tudo que passei a vida
procurando, acabara de encontrar.
Minha mãe estaria feliz e enfim poderia descasar pela eternidade por
eu encontrar o meu porto seguro com segurança.
Não era ainda o meu final feliz, mas eu torcia com todas as minhas
forças para que fosse o início. Para que meu destino fosse ao lado do
homem mais original e excitante que pude conhecer.
Gedeon fugia de todos os estereótipos clichês, e ainda assim conseguia
a façanha de ser o candidato perfeito a marido e futuro pai de meus filhos.
Nessa noite dormimos juntos pela primeira vez.
Tinha banheira na suíte dele onde pude realizar minhas fantasias de
sexo safado sem limites. Depois do banho, fomos para a cama.
Deitamos de frente um para o outro, ocupando um travesseiro apenas.
Tão pertinho que dava para sentir as respirações se encontrando.
Parecíamos pombinhos bobos e apaixonados.
Apesar de minha vida dura, nunca fui descrente com amor e
sentimentos de afeto entre pessoas. Ao contrário, eu adorava admirar casais,
adorava admirar famílias felizes fazendo compras de Natal ou Ação de
Graças; uma data muito importante nos Estados Unidos.
Nada de inveja, apenas fascínio por algo que eu sabia que existia, mas
não fazia parte de minha vida.
E hoje, parecia que o destino estava me dando de presente a semente
para eu conseguir a minha própria família.
— O que está pensando? — Ele indagou baixinho.
— Que sou trouxa por ficar com o homem que me chamava de puta e
interesseira.
— Não era puta, era putinha. Tinha carinho adicionado. — Ele se
desculpou rindo.
— Na minha cabeça eu te chamava de Gedêmonio.
Deu uma sonora gargalhada enquanto afastava para pegar o celular ao
lado.
— Tchê, dei uma gaitada daquelas. — Ele falou rindo, mexeu em algo
no celular e me mostrou. — Olha como salvei seu nome.
Peguei o celular dele caindo na risada ao ler CataPuta.
— O que é isso? Catarina com puta?
— Putinha. — Tentou tomar o celular da minha mão, mas me sentei e
aproveitei para entrar no Instagram dele.
— O que está fazendo? Me dá isso aqui, Catarina. — Tentou tomar, no
entanto, fui mais rápida afastando o aparelho das garras dele.
— Você seguiu aquela lambisgoia no dia do jantar. Eu vi.
— Estava bisbilhotando minhas redes?
— Claro. — Encontrei o perfil de Luana e dei unfollow na hora. Em
seguida, fui ao meu perfil, o qual ele já seguia, e curti as minhas últimas
fotos.
— Para que isso?
— Dando sinais de que logo a gente vai anunciar que estamos juntos.
Gedeon arrancou o celular da minha mão, jogou do lado e me puxou
para si. Aninhei em seu corpo seminu com a perfeição de uma luva
encaixando na mão.
— Sim, estamos juntos. E eu não canso de ficar feliz. Bendita hora que
Ravi te trouxe para mim.
— Ele não me trouxe para você.
— Trouxe sim.
Estávamos deitados de frente um para o outro, abraçados
confortavelmente. A mão dele desceu pelas minhas costas encontrando
minha bunda.
— Quase vinte anos sozinho, é porque eu estava esperando por você.
— Passei quase a vida toda fugindo até encontrar aqui o meu abrigo. —
Sussurrei como resposta recebendo o beijo dele.
Quando acordei ainda estávamos abraçados, dessa vez, numa
conchinha perfeita. De olhos abertos, ouvi o canto dos pássaros, senti o
cheiro da manhã junto ao conforto gostoso da cama e dos braços de
Gedeon.
Sorri ao lembrar que ele detestava a ideia de ter um relacionamento
aberto e agora eu entendia perfeitamente. Morreria, mas não o dividiria com
ninguém. Ele e o seu amor bastavam para mim.
Quarenta
GEDEON

Três meses tinham se passado e tudo havia entrado nos eixos.


O vô não voltou mais para a empresa e em uma reunião solene em que
participei, ele deu a direção para os dois netos que demostravam toda
vontade de continuarem ali.
Rony por ser mais velho, ter mais experiência e ser casado, ficou,
inevitavelmente, com a presidência. Mas isso não abalou Ravi, ele queria
liberdade para dar vida às suas ideias, para colocar em prática tudo que
estudou. E por isso ficou contente com a vaga de vice.
Apesar dos acionistas e diretores, a construtora seguia na família
Barreto.
Vovô não teceu comentários sobre a vida íntima de Ravi, ainda que
demostrasse desgosto. Apenas me disse poucas palavras a respeito:
“Não me peça para entender. Mas vou, sim, aceitar.”
E sua reação foi bem melhor do que cada um de nós esperava. O velho
é tradicionalista, mas conseguiu colocar o amor por Ravi a frente de
qualquer decisão ruim.
A vida de Ravi não parecia mais o centro de conversas na nossa
família e na sociedade em geral. É século vinte e um, isso não é algo que vá
chocar tanto as pessoas além de que meu irmão sempre soube ser discreto,
não ia mudar sua maneira de agir.
No entanto, o noivado entre mim e Catarina foi, sim, motivo de
falatório.
A internet hoje em dia é coisa do capeta. Todo mundo fica sabendo de
tudo e mesmo que eu já fosse bem familiarizado com redes sociais, foi um
susto grande ao perceber o quanto as pessoas estavam interessadas em meu
relacionamento.
“O churrasqueiro que ficou com a noiva do irmão que era gay.”
Isso dominou os assuntos mais comentados de redes que eu não
importava como Twitter e TikTok, antes usadas apenas pela equipe de
marketing da churrascaria. Catarina até ganhou mais um monte de
seguidores.
A mulher estava se tornando uma máquina de chamar atenção. Postava
sobre a fazenda, filmava os pratos saborosos que Veridiana fazia, me
flagrava em momentos furtivos quando estava seminu — e isso lhe rendia
milhares de visualizações.
Em uma ocasião recente em que ela se filmou maquiando em frente ao
espelho, acabei aparecendo, por descuido, atrás dela apenas vestindo uma
cueca. Por causa de Catarina, parte de minha bunda tinha se tornado
pública; isso viralizou como gripe.
E os comentários eram coisas do tipo:
“Obrigada, diva. Eu sempre quis ver esse homem sem roupa.”
“Catarina, mostre o espeto do churrasqueiro por descuido para a gente”
E enquanto ela ganhava seguidores, quem ganhou uma boa surra foi
Juliano, o ex-namorado do meu irmão; porque ele foi doido o suficiente
para continuar atormentando o meu irmão, mesmo depois da bobeira que
fez no baile do vô.
Escutei Ravi comentar com Catarina sobre a perseguição descabida
tirando seu sossego.
Eu já estava até a garganta com raiva daquele miserável, e ele me deu
mais motivos. Não tinha como deixar barato.
Falei com Bento a respeito e ele me ajudou na tocaia, fora de seu ofício
como delegado.
Juliano estava passando de carro, Bento o fez parar, o algemou e o
enfiou no carro. Então o levou para um local ermo onde eu esperava.
O homem se tremeu inteiro ao me encontrar aguardando.
— Acho que temos um acerto de contas, Juliano. Tu agrediu meu
irmão, traumatizou um idoso na festa de aniversário dele e continua
enchendo o saco.
— Você é um delegado, porra. — Gritou para Bento. — Me trouxe para
cá para ele me matar?
— Não. Estou aqui para não deixar tu ser morto. — Meu amigo soltou
as mãos de Juliano e permitiu que a gente rolasse no chão.
Ele era um homem enorme e não foi fácil como eu previa. Acho que
ganhei um ou dois socos, mas no fim ensinei uma lição, para que ele
mudasse de calçada se visse Ravi na rua.
Agora minha preocupação era com os futuros namorados de Ravi. O
bom de serem homens é que eu poderia ter uma abordagem mais firme, e
talvez fosse até mais fácil detectar se era ou não fiel a Ravi. Bastava
xavecar o cara e se ele caísse, eu iria saber que não prestava.
Meu irmão ia ter que encontrar um príncipe recatado para namorar,
senão eu teria que interferir.

Em três meses muita coisa pode acontecer, no entanto, parecia que a


gente já morava juntos há anos.
Catarina quis trabalhar, ser independente, ser dona de suas próprias
decisões e eu jamais a impediria de algo assim, a não ser que fosse querer
dançar em algum lugar noturno, aí não ia ter conversa.
Por enquanto, a coloquei como minha assistente pessoal. Tinha acesso
a minha agenda, poderia viajar comigo, estaria onde eu estivesse, e eu
mesmo a ensinaria.
Além de que, qual mulher não gostaria de comandar os compromissos
do noivo?
E ela estava levando muito a sério seu novo cargo. Até mesmo quando
eu pedia para que deixasse outra pessoa fazer, ela ainda insistia em
organizar minha agenda de cada dia, sempre deixando um tempinho para
nós dois.

Entre mim e Catarina as coisas pareciam melhores a cada dia. Era


impressionante como combinávamos perfeitamente, em opinião, em
atitudes e até nossos gostos pareciam se moldar.
Acabei assistindo uns dois filmes de comédia romântica com ela, mas
a fiz assistir algo do meu interesse depois, só para discutirmos sobre qual
era melhor e terminarmos transando enlouquecidos na sala de televisão.
A gente combinava no ciúme que sentia um do outro e combinava
perfeitamente na intimidade.
O jantar, quase que religiosamente, era preparado por nós dois.
Confesso que tinha se tornado o meu novo passatempo preferido: cozinhar
com Catarina, mesmo que ela não soubesse cozinhar quase nada, porém
adorava dar ordens e dizer a mim, um mestre do churrasco, o que deveria
ou não fazer.
— Gedeon, na receita aqui no YouTube não fala para cortar a carne
assim. — Tentou me impedir, ficando sem paciência.
— E eu lá acompanho receita, porra? Vai descascar uma cebola, cortar
um pimentão e não enche meu saco, meu amor. — Inclinei-me dando um
beijinho nos lábios dela.
— Sou tua empregada agora?
— Empregada não, auxiliar, é diferente. Agora veja como farei esse
bife ancho que tu vai se lambuzar. — Separei dois cortes perfeitos de carne,
e com o braseiro bem quente, coloquei as duas partes sob o olhar atento
dela.
— Gosta do que vê? — Indaguei, abraçando-a pela cintura.
— Amo o que vejo. E estou me referindo a carne.
— A carne na brasa e o espeto do churrasqueiro, não é Cataputinha?
Rindo, me empurrou afastando para voltar a descascar as cebolas.

∞∞∞
— Como estou? — Quis saber minha opinião após se vestir para uma
noite especial que teremos no restaurante Costello, do meu amigo Nero. Ele
mesmo fez o convite deixando Catarina ansiosa para conhecer o lugar.
O vestido que ela me mostrava era muito decotado, vermelho, colado
ao corpo e de cumprimento talvez um pouco curto. Sexy de doer. Minha
mulher foi desenhada especialmente para mim. E esse era o problema, só eu
queria ter o privilégio de ver.
— Barbaridade! Acho que vou arrumar uma boa briga no restaurante
chique do meu amigo. Pois vou querer bater em qualquer um que te olhar.
— Me olhar? — Ela deu um giro em frente ao espelho. — Estou tão
gostosa e chamativa assim?
— Sim, Catarina. Já sinto palpitação só em pensar naquele tanto de
olho gordo em cima de ti. Que bunda gostosa, meu Deus.
Ela riu da minha aflição e para pirraçar, correu os dedos pelos seios ao
mesmo tempo que mordia o lábio em um sorriso safado.
Sem sutiã? O piercing, que era minha propriedade, aparecendo?
— De maneira nenhuma! Isso só quem vê sou eu. Pode me chamar de
tóxico, mas vai ter que trocar esse pedaço de pano que você chama de
vestido.
Ela gargalhou enlaçando meu pescoço, gesto que era estranho, afinal,
não estava brigando por eu ter pedido para trocar de roupa.
— Do que está rindo?
— Eu usava esse vestido quando era Roxy. Lógico que não vou a um
restaurante de luxo usando isso.
— Porra, que cagaço eu tive viu. — Suspirei com alívio observando-a
voltar para o closet, com aquela maldita bunda empinada. — Não teria uma
roupa bem evangélica aí não?
— Não, Gedeon.

O restaurante de Nero tinha que ter reservas para comparecer, pois,


figurava entre os melhores do Brasil. O italiano era especialista em massas,
do pão ao macarrão, ele era o rei.
Fez questão de nos receber pessoalmente e pediu desculpas por não
poder nos mostrar a cozinha, já que ninguém entrava lá quando estava em
funcionamento. E eu compreendia, era uma regra que adotei em minhas
churrascarias também.
— É fantástico, Nero. — Catarina disse a ele sobre o lugar em geral.
— E a comida melhor ainda, Catarina. Mas isso tu já sabe, não é?
— Sei sim. Ansiosa para experimentar algo com carne dessa vez.
— Estou muito feliz por vocês. — Nero falou batendo em meu ombro.
— Principalmente por você, meu amigo, que já estava desenganado em
questão de amor.
— Digo o mesmo para ti, gringo. É hora de deixar de chorar as pitangas
e abrir seu coração.
— A cozinha é minha fiel companheira. fiquem à vontade.
— Há quanto tempo ele é viúvo? — Catarina indagou olhando o
cardápio quando ele se afastou.
— Quatro anos, a idade do filho. Ela morreu no parto.
— Ah, que pena. Nero é tão lindo, educado e tem um dom
maravilhoso...
Pigarreei interrompendo os elogios dela.
— O quê? — Levantou o rosto na minha direção — Só estou
elogiando, não quer dizer que eu o prefira. Minha mente e coração estão
inteiramente preenchidos com uma única pessoa. — Piscou para mim
sorrindo antes de concluir: — e aqui embaixo mal pode esperar para
também estar preenchida quando chegarmos em casa.
— Safada. — Soprei escondendo os lábios numa taça. — Bah, mas não
canso de te amar.

∞∞∞
Levei Catarina pela primeira vez no Centro de Tradições Gaúchas, e
fui, como sempre, ao estilo gaúcho tradicional, usando pilcha com direito a
chapéu e lenço no pescoço. Mas não me limitei a ficar só na barraca do
churrasco Barretão.
De mãos dadas com minha prenda, andei por ali cumprimentando as
pessoas, apresentado ela a alguns conhecidos, mostrando a Catarina a
tradição gaúcha no melhor lugar que havia para se deliciar com a
regionalidade do estado.
E então topei com alguém que jamais imaginei ver novamente.
Era Nivea. Não mais com seu ruivo encaracolado, agora exibia um
loiro escorrido. Não era mais a mesma de antes, apesar de ainda manter a
beleza. Um amigo de São Paulo que a conhecia me disse um tempo atrás
que ela havia se divorciado do segundo marido.
Não me importava mais qualquer coisa sobre sua vida.
Ao vê-la cara a cara, enfim eu parecia curado. Porque agora eu tinha
um amor preenchendo a ferida que ela deixou. Aquela mulher a minha
frente, meio perplexa, era uma desconhecida, apesar de já ter usado a minha
aliança.
— Oi... — Ela cumprimentou. — Vim trazer meus filhos para
conhecer… o lugar. Jurei que te encontraria por aqui. — Olhei para onde
ela apontou, vendo dois jovens distraídos com uma barraca. Eu estava
tranquilo, não havia nenhuma possibilidade de ela vir requerer paternidade,
já que fez teste de gravidez antes do divórcio.
Nivea olhou para Catarina, de cima a baixo. E então se apresentou:
— Sou a ex-esposa dele.
— Este é um lugar perfeito para turistas, tchê. Fique à vontade e
aproveite. — Respondi como responderia a qualquer turista e ainda fiz
questão de puxar bastante o sotaque.
— Adoro o sotaque do meu noivo. — Catarina disse rindo para Nivea.
— Vamos, amor. Estou doida para te fazendo um bom churrasco. —
Acenou para ela me puxando dali.
— Você, como sempre, foi na mosca. — Falei com Catarina.
— Está tudo bem?
— Estou. Provavelmente ela veio por ver sobre meu noivado em algum
lugar. Pois fazia anos que não pisava aqui. É passado, agora você e eu
somos presente e futuro.
E o futuro era mais belo do que eu poderia imaginar.
Um dia notei que Catarina acordou estranha. Recusou nosso sexo
matutino, não quis ir comigo para a fazenda, algo que ela se acostumara a
fazer porque gostava.
Eu tinha que sair para compromissos e liguei para Cassie pedindo-a
para vir ficar com Catarina na parte da tarde, mas não pode atender ao meu
pedido por estar atolada de trabalhos da faculdade.
Foi o jeito antecipar tudo que eu tinha para fazer e voltar ferrado de
preocupação para casa o mais rápido possível. Eu conhecia Catarina, e se
ela estava triste, passava esse sentimento para mim automaticamente, só
com o olhar, sem precisar dizer um “a”.
— Catarina? — Cheguei em cima do laço em casa. Subi as escadas a
cada dois degraus e a encontrei deitada de lado no sofá da sala de televisão.

— Ei! — Ajoelhei diante dela. — O que houve? Tá abichornada?[1]


Ela riu, parecendo assustada e abalando meu coração ao deparar com
uma lágrima em seu olho.
— Catarina, porra, o que está me escondendo? Já digo logo que não vai
embora, nem se me matar.
Ela sentou-se e olhou-me ali agachado diante do sofá. Limpou a
lágrima antes de começar a falar.
— Eu descobri uma coisa. E estou com medo, mas é a coisa mais linda
de toda a minha vida. O choro não é de tristeza.
— O que foi...?
Ela segurou minha mão e com calma a pousou em seu ventre sem
quebrar o contato visual entre a gente. Como se fosse em câmera lenta,
deslizei meus olhos até onde minha mão estava.
— Ala-putcha-tchê! Não me diga que...
— É isso aí, Gedêmonio. Nós dois estamos ligados para sempre agora.
— Pegou ao seu lado um teste de gravidez e me entregou. Eu nem vi
direito, pulei em cima dela abraçando-a com todo amor e surpresa que eu
sentia.
— Porra, eu te amo. — Beijei-a sem parar enquanto Catarina ria
enchendo os olhos mais ainda de lágrimas. — Te amo, Te amo.
— E se eu for uma interesseira?
— Então você escolheu o cara certo para enfiar suas garras, pois sou
rico, gostoso, e agora serei pai e o homem mais feliz do Sul!
Ela segurou meu rosto, parou de rir e após um beijo, sussurrou:
— Obrigada por ter me dado tudo. Eu te amo, Gedeon Barreto.

[1] Triste
Epílogo

— O que houve com seu cabelo, Cassie? — Fitei minha cunhada


exuberante em seu vestido de madrinha para o meu casamento. O vestido na
cor verde-claro, com decote em “V” e alças finas ressaltava sua
feminilidade, tornando-a um mulherão.
Cassie vinha focando nos estudos nos últimos meses e focando em seu
corpo, nas suas coisas, nas suas redes sociais. Desejava concluir a faculdade
de direito e se tornar delegada. E eu podia imaginar por qual motivo.
Agora, me deixava perplexa ao deparar com sua nova aparência. Ela
fez a besteira de alisar o cabelo que era a sua identidade. Seus cachos lindos
deram lugar a fios escorridos artificiais, uma pena.
— Tentei uma mudança apenas para ver como ficava. Gostou? —
Girou graciosamente diante do espelho.
— Por favor, que não seja por causa daquela opinião idiota que o
Bento...
— Catarina — veio rápido até mim, com medo de que a mãe escutasse
o teor do assunto. — vamos preocupar com o seu dia, ok? Você é a noiva
mais linda do mundo e meu irmão terá um treco lá embaixo se você não
descer logo.
Afastei-me de Cassie para me olhar no espelho. Modéstia a parte, eu
estava mesmo linda. Atrás de mim, vi Marilia e Viviane ainda envolvidas
com o vestido de dama de honra da filha de Viviane.
Era o meu dia. O dia em que selarei minha felicidade que já tinha se
tornado real desde o dia em que Gedeon me propôs namoro. Hoje era mera
formalidade para decretar o que nós dois já tínhamos firmado.
O vestido era um sonho. Corte em “A” com cintura e corpete justos e
saia ampla criando um efeito triangulo. Nada muito luxuoso, pois era um
casamento em fazenda, e, porque, eu carregava nosso Barretinho de dois
meses de gestação.
Gus veio ao meu casamento e devia estar em algum lugar com Ravi.
Mas nenhuma de minhas antigas amigas da boate puderam vir. O dia quase
estaria completamente perfeito com elas.
Eu sabia, com dor no peito, que com o passar do tempo, aquela seria
uma vida que eu ia deixar para trás.

— Vou me casar, mas não estou ótima com seu irmão. — Cochichei
para Cassie.
— O que ele aprontou?
— Os amigos de má índole que ele tem, o arrastaram para uma
despedida de solteiro, acredita? Fiquei sabendo ontem por acaso.
Eu era a assistente pessoal de Gedeon, por isso tinha acesso ao seu e-
mail e ao notebook, onde ele sempre deixava o WhatsApp aberto. Detesto
olhar coisas sem permissão, pois não quero ser o tipo de mulher espiã.
Quero confiar nele. Então vi a foto de mulheres usando fantasia de policial
passando a mão nele.
E isso foi justamente ontem. A gente está praticamente sem se falar a
vinte e quatro horas.
— O que esperar daquele bando de canalhas, não é? — Cassie
desdenhou.
— Não posso deixar isso se tornar comum. — Falei — Gedeon tem
que entender que ele pode fazer parte daquele quarteto de galinhas, mas
tendo restrições. Eu não vou me casar para ser feita de trouxa.
— Mas... ele fez algo? Com mulheres?
— Jurou para mim que não. Vou confiar, no entanto, quero castigá-lo
um pouco.
— Tirando meu irmão, eu desprezo todos eles. Não quero nem olhar
para cara e só aceitei ser sua madrinha porque irei com Ravi. Senão, jamais
seria par de um dos três idiotas.
Ao ouvir isso, me virei para Cassie.
Bento será padrinho com a nova namorada. E eu sabia da paixonite
platônica que Cassie tinha pelo amigo de Gedeon, não queria vê-la sofrer
por ver Bento com a namorada oficial.
— Você está mesmo bem?
— Perfeitamente bem. Sou forte, tchê.
— Ótimo. O que acha de zoar com a cara de Gedeon para ele aprender
a não ir mais em festinhas pervertidas de Santiago?
— Meu Deus, eu te amo. — Festejou com palmas — Em que está
pensando?
— Procure o Ravi, traga-o aqui.

∞∞∞
GEDEON

Santiago e Bento iam me pagar caro. Nero nem tanto, pois ele apenas
comparecia quando era convidado para as festinhas de putaria.
Eles armaram uma comemoração surpresa para mim, conseguiram me
atrair até o local sem que Catarina fosse comigo, com a desculpa deslavada
de que era apenas para eu dar uma opinião em um cavalo que Bento ia
comprar.
Achei muito estranho, eu criava cavalos de raça, Bento poderia
comprar diretamente comigo. Ainda assim, eu fui.
Ao chegar a casa de meu amigo, deparei-me com o maior fandango
armado. Só tinha homem e bebida.
Era bizarrice pura. Que macho iria querer festejar com machos?
E não tinha mesmo só machos. Bento saiu e voltou dizendo que a festa
ia ser interrompida, pois a brigada militar estava lá. Então ele ordenou que
todo mundo encostasse na parede para que fossemos revistados.
Juro que estava quase acreditando no sujeito, mas ao abrir a porta, um
bando de mulheres usando fantasias sexy de policial entrou no recinto
batendo na gente com cassetete falso e nos algemando com algemas rosas
de pluma.
Isso foi há cinco dias, mas só ontem Catarina descobriu, por acaso, ao
ver uma foto que Santiago achou por bem mandar em nosso grupo no
WhatsApp.
Justo na véspera de nosso casamento. Eu ia matar Bento se algo desse
errado.
Santiago e Nero, usando ternos de padrinho, prenderam um riso ao
olhar minha ansiedade como noivo diante do altar e dos convidados
esperando a noiva que já deveria ter descido.
O casamento estava acontecendo em minha fazenda. A decoração
havia sido meticulosamente pensada por Catarina, minha mãe e Cassie.
Esse casamento era a cola unindo toda a minha família novamente. O bebê
que Catarina esperava era o meu legado vindo ao mundo, e todo mundo
contava os dias para a criança nascer.
Tudo tinha que dar certo hoje.
Com cagaço de medo, deparei-me com Ravi e Cassie cochichando,
ambos meio apreensivos antes de meu irmão tomar a dianteira para vir até
mim. A cada passo que ele dava se aproximando, meu coração perdia uma
batida.
— O que está havendo? — Bento também percebeu e aproximou-se.
— Não sei, mas se algo acontecer, tu me paga. — Ameacei no mesmo
instante.
Ravi chegou perto e cochichou para mim e os padrinhos que, curiosos,
se aproximaram.
— Ela desistiu.
Não perguntei os motivos, não quis saber onde ela estava, não dei
tempo nem mesmo de ele terminar de falar. Saí correndo rumo ao interior
da casa.
— Onde ela está, Cassie? — Gritei para minha irmã assustada com meu
rompante.
— Mano, deixa ela. Amanhã vocês conversam.
— Um caralho. — Corri em direção à escada, avancei pelo corredor
como se tivesse superpoderes e entrei no meu quarto. Catarina não estava
lá.
— Onde ela está, Cassandra? — Meu berro reverberou pela casa
inteira.
— Devia estar desesperado assim quando foi farrear com seus amigos.
— Cassie jogou na minha cara mostrando que sabia os motivos da
desistência de Catarina. Eu seria capaz de arrastá-la algemada para o altar,
mas não a deixaria fugir tão fácil assim. Era o nosso dia, porra, e eu não fiz
nada com as mulheres de Bento.
Talvez só fui um pouco massageado.
— Não fala merda, guria. Onde está aquela… — enfiei as mãos nos
cabelos, deixando evidente a minha aflição, implorando com o olhar para
que Cassie me ajudasse.
Ravi apareceu e me segurou pelos ombros.
— Catarina é a mulher perfeita para tu, mano. E agora sei que você a
ama. Está lá embaixo e se você não aparecer nos próximos segundos, ela
vai embora.
Saí correndo em completo alvoroço do quarto topando com Bento que
veio me chamar.
— Ela está lá. Ela está lá com um cronômetro, Barreto. Corre. — E eu
corri mais que o Usain Bolt, o atleta.
Atravessei minha casa inteira em segundos, chegando ofegante no
início do caminho que levava ao altar.
Então todos se levantaram, a marcha nupcial começou e eu andei pela
passarela até onde Catarina me esperava deslumbrante de noiva.
Quase colocando o coração pela boca, a segurei com força diante do
juiz de paz.
— Você tentou me matar, não é, putinha? — Sussurrei para apenas ela
ouvir. Catarina riu.
— Só uma brincadeirinha, amor. Como você fez com seus amigos.
— Como posso amar uma mulher dessa, meu Deus? — Segurando
firme na mão dela, me virei para o juiz.
— Me casa logo com essa... guria que amo, tchê.
Eu ansiava para dizer “sim”, tirá-la daqui e enfim poder dar o troco
que minha amada merecia.

∞∞∞
No dia do meu casamento levei dois sustos.
Um deles, achando que minha noiva tinha desistido. E após a longa e
animada festa, quando tudo estava preparado para a nossa noite de núpcias,
percebi que a minha esposa não estava pronta para entrar ao meu lado no
carro.
Onde estava Catarina?
Dessa vez, no entanto, ela deixou uma pista para eu seguir.
Não imaginava que era tão distraído até perder de vista uma noiva e
grávida ainda por cima.
Já anoitecia, eu só desejava tirar minha roupa e tomar um champanhe
em uma banheira na companhia de minha esposa. Era pedir muito?
Parecia que era, sim, pedir muito para meus três padrinhos que
vendaram meus olhos, quase contra minha vontade, pois eu não confiava
mais neles, e me levaram para supostamente encontrar Catarina.
O local? O clube privado de polo.
Bento tirou minha venda, me empurrou para a entrada e acenou,
deixando claro que dali em diante seria eu por conta própria.
Um passo por vez, meio cauteloso, entrei no casarão onde apenas
minha respiração e passos podiam ser ouvidos.
Cheguei ao salão principal e tomei um baita susto quando uma música
começou a tocar ao mesmo tempo que as luzes se apagaram, restando
apenas as luzes do palco.
Paralisei no meio do salão e quase saí correndo no instante em que a
silhueta de uma mulher entrou usando saltos vermelhos, cinta liga da
mesma cor e ainda por cima arrastava uma cadeira.
Achei que ia dar ruim para mim, ia novamente ser acusado de algo.
Todavia, esse medo se dissipou e permaneci no mesmo lugar assim que
reconheci aquele corpo e aqueles cabelos.
Catarina?
Sob meu olhar petrificado e incrédulo, começou a dança mais incrível
e sensual que eu já tinha visto na vida.
Roxy e Catarina eram uma só, e agora ambas eram minhas. Sorri
impressionado com a habilidade dela, entendendo agora o porquê de ser a
melhor da casa noturna em Nova Iorque.
Ela veio até mim, puxou a minha gravata e me fez sentar na cadeira.
— Queria ter uma despedida de solteiro? Pois deveria ter chamado
uma profissional qualificada.
E quase me levou a loucura dançando em meu colo, fazendo mais do
que mágica.
Depois fomos juntos para um dos diversos quartos que havia
disponíveis no casarão do clube e passamos ali a nossa noite de núpcias.
Sozinhos, onde poderíamos gritar a vontade.
∞∞∞

Não havia fuga para Catarina, assim como não houve para mim. E se
casamento fosse uma prisão como diziam, eu gostaria de passar mais um
tempo preso com ela.

Um tempo bem longo.

Um bom tempo em que faremos de tudo para sempre renovar nossas


forças e nunca deixar o amor esfriar.
Havia também outro detalhe que iria nos manter ainda mais unidos e
ele nasceu meses depois em uma manhã fria de sábado.
Era um menino e decidimos batizá-lo de Dante.
Catarina havia me contado a sua triste história de vida. Era mais do
que justo que agora ela tivesse sossego e muito amor daqui em diante para
desfrutar do que sempre sonhou.
Santiago me disse que se apaixonar é fraqueza para o homem, mas eu
discordava. Não existia gesto mais forte do que aceitar uma paixão e lutar
por ela. Um homem, para ser homem, não precisa ser durão, deve apenas
ser sincero com seu coração.
Catarina e eu nos apaixonamos em dez dias.
E teremos a vida inteira para cultivar nosso amor junto a nossa
pequena família.
Voltaremos em breve

Olá, querido(a) leitor(a)


Espero que tenha gostado do livro. Essa não é uma despedida. Você
acaba de ler o primeiro livro de uma série (em que cada livro contará a
historia de um casal diferente).
Convido você a me seguir nas redes sociais, para saber de mais
novidades que vem por aí.
Obrigada por ter lido!
Gedeon &
Nero &
Bento &
Santiago
[1]
“Categoria: Fodona, eu sou a referência (ooh)/ Alienígena superstar”
[2]
“Sou sofisticada demais para esse mundo, sempre serei aquela garota/ Te dou diamantes e
pérolas, ooh, amor.”
[3]
Tangerina
[4]
Mentir. História aumentada.
[5]
De olho. Interessado(a)
[6]
Pessoa que reclama de tudo. Fresca, exigente.
[7]
Zombar
[8]
Vadia sortuda.
[9]
Triste, amuado
[10]
Ficar no sol
[11]
Olhar de lado, soslaio.

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