ResidênciaMultiprofissionalVivencias Dantas 2021
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CURRAIS NOVOS/RN
2020
MARCELLA MOARA MEDEIROS DANTAS
CURRAIS NOVOS/RN
2020
É tempo de caminhar em fingido silêncio,
e buscar o momento certo do grito,
aparentar fechar um olho evitando o cisco
e abrir escancaradamente o outro.
(Conceição Evaristo)
SIGLÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7
2. DA RESIDÊNCIA AO QUILOMBO: UM DIA DE VIVÊNCIA NA
COMUNIDADE NEGROS DO RIACHO/RN.................................................. 10
3. “A LIBERDADE É UMA LUTA CONSTANTE”: I ESTÁGIO DE VIVÊNCIA
NO QUILOMBO RIO DOS MACACOS/BA................................................... 14
4. NECROPOLÍTICA E POPULAÇÃO NEGRA EM TEMPOS DE
PANDEMIA........................................................................................................20
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 23
6. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 25
7. APÊNDICE ....................................................................................................... 27
7
1. INTRODUÇÃO
É nesse cenário da região potiguar que o PRMAB vem realizando, desde o ano de
2016, um trabalho de promoção e prevenção à saúde na atenção básica da cidade de
Currais Novos/RN. A aproximação do programa de residência com as necessidades de
saúde do quilombo Rio dos Macacos/BA, através da participação no estágio de vivência
em comunidade e do quilombo Negros do Riacho/RN, à nível regional, através de
participação em ação intersetorial, fortalece o papel político do programa de residência
na defesa do SUS, o qual tem como princípios a equidade, integralidade e universalidade.
A abordagem do relato deu-se a partir da minha vivência nos quilombos, por meio
do programa de residência multiprofissional, reconhecendo que meu lugar de fala não é
capaz de representar por meio da escrita a vivência destes grupos, pois meu olhar está
permeado pelos privilégios dos brancos. Nesse sentido, minha tarefa é tecer reflexões
sobre este lugar que é ao mesmo tempo incômodo e fecundo para o aprendizado da
alteridade.
capítulo será analisado o contexto atual de pandemia causada pelo novo coronavírus
(Sars-Cov-2) e sua relação com as implicações da necropolítica para as comunidades
negras rurais.
caminhão que faz a linha, pagando-se por pote e mais a passagem, ou aluga-se um burro
ou então se vai a pé com o pote na cabeça”. (p. 71).
Eu não fazia ideia do que era uma fosse verde e como ela poderia contribuir para
a comunidade e para o meio ambiente. A engenheira nos explicou que a BET é um sistema
ecológico de tratamento de esgoto doméstico, as águas provenientes do vaso sanitário
iriam nutrir a fossa que, após concluída, seria coberta por um jardim. Entender sobre como
a construção civil poderia ser elaborada visando um menor impacto ao meio ambiente e
mais ainda, sobre como o esgoto doméstico (fezes, urina) pode servir de adubo para
plantação de bananas, por exemplo, era novo para mim. O que eu ouvia nos eixos teóricos
do PRMAB sobre fazer saúde a partir das reais necessidades da comunidade, com a
construção da fossa verde fez muito sentido. Estávamos promovendo saúde em sua
condição social e ambiente, a partir das necessidades de vida e de saúde do quilombo,
tendo em vista que nenhuma das casas da comunidade rural possuía esgotamento sanitário
adequado, inclusive em um dos diálogos durante a vivência foi relatado que moradores
do quilombo já haviam morrido por causa de doenças provocadas por vermes.
trabalho organizado e a atribuição das atividades ajudaram para que a nossa experiência
fosse mais bem aproveitada e para que a construção da fossa ocorresse no tempo
determinado. Estudantes de Psicologia, residentes multiprofissionais em saúde,
profissional de Nutrição, estudantes de Medicina, profissional de Engenheira, professores
universitários, estudante de Serviço Social... em muito aquela equipe se assemelhou a
equipe multiprofissional a qual trabalho no Programa de Residência da UFRN/EMCM.
Descascando as batatas para o almoço, conversando com uma das moradoras, ela
falou que nasceu e se criou no quilombo e que muita coisa do que precisavam para se
alimentar encontravam ali, na natureza. Foi lá que provei a fruta Cacau, principal matéria-
prima do chocolate. Lembro de uma manhã na vivência que estávamos cavando o buraco
na terra para colocar o cano, por onde o esgoto iria passar e vi a felicidade estampada no
semblante de um dos moradores, ele falava “que bom que vocês estão construindo história
no quilombo, Quilombo Rio dos Macacos”. Se a construção da fossa era importante para
o programa Bahiana em Defesa da Vida, muito mais para a comunidade, que há décadas
possui histórico de negligência, negação de direitos básicos, descaso por parte das
autoridades e poderes públicos e violação de direitos humanos por parte da Força Naval
brasileira.
Há uma série de negação de direitos que passa desde a falta de saneamento básico,
de acesso à água potável, à energia, a burocratização e negação de entrada de qualquer
iniciativa de melhoria de vida para a comunidade. A exemplo da proibição da entrada de
professores para realizar trabalho de alfabetização na comunidade. Conforme dito na
territorialização, as crianças andam vários quilômetros para pegar água no rio, tomar
banho e depois ir para a escola, a qual fica localizada fora do quilombo. Nos foi relatado
que muitas casas do quilombo caem, por terem uma estrutura antiga, algumas eram de
taipa e a Marinha do Brasil, através de seus comandantes e generais, proíbem que os
quilombolas construam novas casas. A tentativa é de negar qualquer iniciativa de
evolução e crescimento para o quilombo Rio dos Macacos.
mais valor que a gente”. Todas essas graves violações de direitos humanos são
denunciadas no documentário: “Quilombo Rio dos Macacos – O filme”, publicado no
YouTube no ano de 2017, dirigido por Josias Pires.
O Quilombo Rio dos Macacos possui mais de 200 anos, conforme relato de
moradores. Segundo o Artigo 68° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
“às comunidades remanescentes de quilombo será garantido a propriedade definitiva das
terras”. Nesse sentido, a União e o Governo Federal têm o dever de realizar o
procedimento de identificação e de demarcação da terra para os remanescentes
quilombolas. Desapropriar famílias quilombolas das terras da União em prol de interesses
particulares se configura como violação de direitos humanos.
20
mais de 200 mil mortes por COVID-19, conforme dados do Ministério da Saúde
(atualizados na data 22/02/2021), o Governo assinou decreto que implica na remoção de
quilombolas, sem diálogo com as comunidades afetadas, como determina a Convenção
169 da Organização Internacional do Trabalho - OTI, tendo como objetivo de promover
interesses próprios e econômicos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em que medida a luta dos quilombos por melhores condições de vida e igualdade
de oportunidades está inserida na agenda política dos residentes multiprofisisonais em
atenção básica? Qual o papel político do PRMAB frente às desigualdades sociais
vivenciadas pelos quilombolas diariamente? Participar de ambas as vivências no
quilombo possibilitou repensar o lugar de privilégio branco que ocupo dentro de um
sistema excludente, racista e desigual, refletindo sobre o meu lugar de fala, a partir da
experiência de extensão.
populações mais vulneráveis. Quem são essas pessoas? Qual a cor dessas pessoas? Qual
o território que esses grupos ocupam?
A vivência nos quilombos, por meio da residência, também traz a reflexão do que
foi defendido por Sérgio Arouca na 8° Conferência Nacional de Saúde: “saúde não é
simplesmente ausência de doença... é bem-estar mental, social, político”. Em resumo, a
negação das liberdades individuais, a falta de condições dignas de vida, a violência em
todas as suas dimensões, a negação dos direitos humanos, são aspectos que participam do
cotidiano dos quilombos e que geram processos de adoecimento coletivos; o racismo
estrutural e suas implicações são, portanto, fatores de adoecimento.
REFERÊNCIAS:
ARAÚJO, Mateus. O que necropolítica tem haver com a pandemia e com falas de
Bolsonaro. TAB, 2020. Disponível em:
<https://tab.uol.com.br/noticias/redacao/2020/04/03/o-que-necropolitica-tem-a-ver-
com-a-pandemia-e-com-falas-de-bolsonaro.htm> Acesso em 05 de Maio de 2020.
BARBOSA, Catarina. Acordo entre Brasil e EUA ameaça cerca de 800 famílias em
Alcântara, no Maranhão. Brasil de Fato, 2020. Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2020/02/08/acordo-entre-brasil-e-eua-ameaca-cerca-
de-800-familias-em-alcantara-no-maranhao> Acesso em 04 de Maio de 2020.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Constituição. ADCT de 1988, 2020. Disponível em:
<https://www2.camara.leg.br/legin/fed/conadc/1988/constituicao.adct-1988-5-outubro-
1988-322234-publicacaooriginal-1-pl.html> Acesso em 03 de Maio de 2020.
APÊNDICES:
Fotografia 4: Escavação da fossa verde no Estágio de Vivência no Quilombo Rio dos Macacos/BA, 2019.
Fonte: Acervo pessoal.
Fotografia 5: Escavação do buraco no solo para o círculo de bananeiras durante o I Estágio de Vivência
no Quilombo Rio dos Macacos/BA, 2019. Fonte: Acervo pessoal.
Fotografia 8: Construção da câmara de pneus que possibilita a ação das bactérias anaeróbicas, 2019.
Fonte: Acervo pessoal.
Fotografia 9: Fossa verde concluída: sistema ecológico de tratamento de esgoto doméstico, como
iniciativa de saneamento básico no Quilombo, 2019. Fonte: Acervo Pessoal.
Fotografia 11: Fruta Cacau produzida no Quilombo Rio dos Macacos/BA, 2019.
Fonte: Acervo pessoal.