COM Marcelo Alves
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COM Marcelo Alves
Introdução
São eles os responsáveis pela qualidade da matéria final, bem como a relação com o
público leitor. A noticiabilidade de um acontecimento é negociada entre jornalistas, chefias e
todos os envolvidos no processo produtivo. Os valores notícias são aprendidos por “osmose”
nas redações. Eles também fazem parte da política editorial de um dado veículo de
comunicação.
Segundo Lage (2004), apesar de toda reportagem pressupor apuração e investigação, a
denominação jornalismo investigativo se tornou constante na bibliografia sobre o assunto. De
uma maneira sintética, é possível entender o jornalismo investigativo como uma forma de
reportagem extensa que exige longo tempo de trabalho na apuração das informações por parte
dos repórteres.
Por produzir grande efeito junto ao público leitor, traz benefícios não somente para a
carreira do jornalista que a produz quanto para o jornal. O jornalista fica famoso e passa a ser
reconhecido por seus parceiros de profissão e o jornal tem a sua tiragem de venda aumentada.
Geralmente esse tipo de publicação constitui bom retorno financeiro para o jornal.
Essa maneira de se fazer jornalismo teve grande impacto nas mídias impressas
mundiais após a Segunda Guerra Mundial, especialmente dentro do contexto de Guerra Fria.
Chamado de jornalismo democrático, seu divisor de água foi o caso Watergate, que levou à
queda do presidente norte americano Nixon.
Dessa maneira, a imprensa investigativa, por princípio, não se limita a ser
intermediária entre os canais oficiais de informação e a opinião pública. Não reproduz
releases e comunicados. Questiona versões oficiais dos acontecimentos. Instala dúvidas nas
versões oficiais e indaga fatos ocultos.
No desenrolar do texto será exposto que os jornais em questão, além de construírem
reportagens utilizando-se diversas fontes, também utilizam técnicas como a RAC
(Reportagem Assistida por Computador). Esta última bastante apreciada pelos jornalistas do
jornal O Globo. Além da RAC igualmente pôde-se identificar operações típicas do chamado
Jornalismo de Precisão.
As relações entre o profissionalismo, a hierarquia e a exaustiva testagem dos dados
investigados, garantem o sucesso deste processo de construção de reportagem. Esse fato pode
ser verificado através do grande número de prêmios, principalmente, os Prêmios Esso e
Embratel, que essas reportagens ganharam por escolha da própria comunidade jornalística.
Os critérios de noticiabilidade
constatação que os fizeram debruçar sobre os métodos utilizados pelos jornalistas para
construírem sua matérias jornalísticas.
Esses elementos são chamados noticiabilidade. Esta última seria um conjunto de
operações que destacam a aptidão de um acontecimento vir a ser tratado pelos jornalistas. São
formados por conjuntos de valores-notícia. Para Sousa (1999),
Ou Traquina (2005):
Sobre o fatora “Ação social”, o autor explica que a notícia são resultantes de
constrangimentos só sistema social. “Ação pessoal”, as notícias resultam parcialmente das
pessoas e instituições. Ação ideológica, as notícias são resultantes de forças de interesses que
dão coesão aos grupos sociais. E por fim, a “Ação cultura” revela ser a notícia um produto
cultural, é produzida dentre de um dado sistema cultural.
Assim diversos autores como Wolf (2003), têm os valores-notícias como elementos
constantes no processo de construção da notícia. São utilizados pelos jornalistas quando estes
se colocam como gatekeeper, levando a narrativa os elementos mais significativos de um
dado acontecimento.
Wolf (2003) tem os critérios de noticiabilidade como “conjunto de operações e
instrumentos” com os quais a imprensa seleciona, dentro de um conjunto infinito de
acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias. Vincula-se com
a estrutura de trabalho da empresa jornalística e com o processo de estandardização das
práticas produtivas. A produção de notícia seria planejada do mesmo modo de uma rotina
industrial.
A aplicação dos critérios de noticiabilidade está baseada aos valores-notícias. Segundo
Tuchman (1978) os valores-notícia constituem resposta ao principal problema do jornalismo.
Ou seja, respondem à pergunta quais são os acontecimentos considerados suficientemente
interessantes, significativos e relevantes para serem transformados em notícia.
Para Traquina (2005) os valores-notícia são parte constituintes da própria cultura
profissional do jornalista. Para Golding e Elliott (1979), são importante elemento de interação
profissional constituem dispositivos práticos sobre a natureza e os objetos das notícias. São
importantes porque são utilizados para facilitar à complexa e rápida elaboração da notícia.
Através dessas ideias, Mauro Wolf (2003) expõe que uma publicação está
condicionada a uma série de acontecimentos. Para ele:
critério da frequência. As notícias negativas são consensuais e quase inequívocas. São mais
consonantes, já existem pré-imagens estabelecidas. São mais inesperadas que as positivas.
São mais raras.
Sousa (1999) revela que as lista de critérios de noticiabilidade proposta por Galtung e
Ruge (1965) ainda continuam atuais. Para isso, o autor volta-se para a história. Ele recorre a
Stephens que afirma que os valores-notícia são historicamente estáveis. “Privilegia-se o
extraordinário, o insólito, a atualidade, a referência a pessoas de elite, a transgressão, as
guerras, as tragédias e a morte”.
Também os canadenses Ericson, Baranek e Chan (1989) deram-se a pesquisar o
processo de construção da notícia. Os autores classificam os valores-noticia em
Simplificação (clareza de Galtung), Dramatização, Personalização, Continuidade
(consonância de Galtung), Consonância (“eterna repetição” de fatos previsíveis), Inesperado
e Infração (de leis).
A simplificação para os canadenses está ligado a possibilidade de um acontecimento
tornar-se significativo, e claro naquilo que ele significa. Para Traquina (2005), a simplificação
está ligada à proximidade cultural do acontecimento. Ambiguidades tanto no acontecimento
quanto no relato deve ser afastada.
Ainda levando-se em conta a proximidade cultural, a noticiabilidade também depende
de certa dramatização. Este seria um limiar, um limite que julga até que ponto algo pode vir a
ser noticiado. A dramatização para os autores liga-se a personalização. Isso porque os
acontecimentos são retratados em termos de personalidades-chaves. Quando as notícias
retratam organizações, estas são personificadas pelos atores envolvidos.
Sobre a continuidade em Ericson, Baranek e Chan (1989) tem-se que o
acontecimento quanto mais próximo daquilo que já se conheceu, ou seja, com algum fato que
já fora noticiado anteriormente, melhores são as chances de que a notícia se perpetue no
tempo, pelo menos até que outro acontecimento surja como mais importante para o momento
presente e também faça o mesmo.
Traquina citando os autores canadenses revele que “o acontecimento específico é mais
noticiável se for contínuo a acontecimentos prévios”. O valor não estaria, assim, no novo e
sem na possibilidade de haver continuação dentro de algo que já se coloca como familiar.
Rock (1973) citado por Traquina revela:
Os autores defendem a ideia de que mesmo o jornalismo buscando algo que possa ser
visualizado pelo leitor, o inesperado é sempre algo positivo de ser noticiado. Se o inesperado
for um acontecimento negativo o valor-notícia atinge seu clímax. Esse acontecimento não
pode deixar de ser noticiado. Para Ericson, Baranek e Chan (1989) “as más notícias são boas
para o discurso noticioso”.
Outro valor-notícia importante para os canadenses é a infração. Eles revelaram em
seus estudos que a infração das leis, a má gestão, o mau comportamento e os desvios por parte
dos governantes, funcionários públicos, e demais autoridades possuem grande noticiabilidade.
Como afirma Traquina, através desse modelo os autores defendem a função de policiamento
do jornalismo sobre a sociedade.
Continua Traquina,
Departamento de Comunicação Social
Wolf (2003), e também Traquina (2005), discorre sobre a relevância da notícia. Esta
variável aponta para a quantidade de pessoas envolvidas em um acontecimento seja como
atores ou espectadores. Citando Golding e Elliott, Traquina afirma:
Dessa forma, como afirma Tuchman (1977: 94), a notícia constrói uma representação
da realidade social; ou seja, a notícia é não se põe a refletir pura e simplesmente os
acontecimentos. São interpretações, não reflexo do real, como um espelho. Reforçando a ideia
principal da teoria do Newsmaking.
Baseado neste argumento Leonel Aguiar revele que:
Toda reportagem investigativa tem em comum o fato de ser provocada por algum
elemento externo, seja uma notícia, reportagem ou séries. Porém ao surgir a pauta
investigativa, esta é diretamente negociada, em sigilo, com os editores. O sigilo é o grande
segredo do sucesso de intensa investigação. Ele garante uma boa preparação, organização,
diálogo com as hierarquias e, principalmente, que a reportagem atinja seu objetivo, a
denúncia. “Até mesmo um colega de redação ao comentar com alguém sobre a investigação
pode levá-la à ruína” comenta João Antônio Barros, o jornalista com mais Prêmios Esso do
jornal O Dia.
Foi dessa forma que João Antônio Barros na manhã do dia 8 de julho de 2008 abalou
as estruturas da cúpula da máfia das milícias no Rio de Janeiro. Nesse data o jornal O Dia
dava início a série Dossiê Milícia, uma complexa e completa reportagem sobre a existência e
atuação de grupos paramilitares na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Depois de meses
de muita investigação, negociação com os setores hierárquicos, anotações, diálogo com o
1 A descrição da prática jornalística fez parte do texto “Construção da reportagem investigativa: uma análise
das séries de reportagens vencedoras de prêmios publicadas pelos jornais O Dia e O Globo” apresentado no
XVIII Seminário de IC da PUC-Rio.
Departamento de Comunicação Social
Cristiano Girão era conhecido como “rei” das danceterias, adorava a noite e as casas
noturnas da Barra de Tijuca. Após lançar-se em candidatura foi eleito vereador, tomou posse
e, meses depois foi preso dentro da câmara por pertencer à milícia o bairro Gardênia azul e ter
vida de milionário com apartamentos de luxo à beira mar, mansões, fazenda e gado, carrões
importados e à prova de balas e iates.
Nos textos publicados ficou claro que a maioria dos envolvidos gostava de ostentar
poder por ter a nítida certeza de impunidade. A maioria dos, já criminosos, permaneceram no
poder das milícias por mais de uma década. Grande parte residia no mesmo bairro, a Barra da
Tijuca. Somente o PM Dilo Pereira Soares Júnior comprou um apartamento, em 2008, que
vale mais de dois milhões e fica em um dos metros quadrados mais caros do Rio de Janeiro. O
apartamento que só o valor da entrada foi 300 mil prometia vista para praia, lagoa e Pedra da
Gávea.
Um dos casos mais inusitados que os jornalistas se depararam durante a exaustiva
investigação foi o do ex-policial “Enio” que mesmo expulso da corporação foi capaz de
comprar um apartamento de mais de duzentos e cinquenta mil reais. De acordo com a
documentação encontrada, consta que no 6º Ofício de Distribuição, “Enio” mantém uma casa
na Rua Lucio Alves, na Favela do Catiri, comprada em 2004. Ainda de acordo com os
registros encontrados, o ex-sargento já fora dono de um imóvel na Avenida DW, no Recreio,
outra área nobre da cidade, mas o vendeu um mês antes da compra do apartamento na Estrada
do Pontal, no mesmo bairro.
Na Junta Comercial e no Cartório de Pessoa Jurídica do Rio de Janeiro os chefes das
milícias aparecem registrados como profissionais de sucesso. Somente Girão, possui no bairro
onde atua, um Lava a jato, o Mister M Ltda, que faturava oficialmente R$ 26 mil por ano.
Com a descoberta pela Cedae de uma ligação clandestina de água estimulou -se que o
faturamento seria o dobro do declarado. Mas as empresas que mais traziam lucros para o
bombeiro eram a C. Fort Lajes e Girão madeiras que chegaram a lucrar mais de R$ 300 mil
(o que foi declarado) em 2006. Os empreendimentos do militar chamaram a atenção da
Polícia Federal (PF) que passou a investigar se as empresas eram usadas para lavagem de
dinheiro.
A investigação do jornal O Dia descobriu, ainda, uma empresas credenciada para ser
uma factoring, mas que praticava agiotagem. A Areal Cred, criada em 2004, na favela Rio das
Pedras, pelo major Dilo Soares e o sargento reformado Dalmir Pereira faturou cerca de R$ 50
mil (declarado) somente em 2007. É bem provável que essa cifra seja bem maior, porque
segundo um morador endividado com a financeira e que não quis ser identificado, “Lá não
tem SPC. Se não pagar, não fica com crédito sujo. Morre”.
A série Dossiê Milícia, mostrou que milicianos do Rio de Janeiro desfrutavam de uma
vida de luxo. A equipe de reportagem se dedicou por três meses a fazer um levantamento
completo dos investigados pela Secretaria de Segurança. Foram analisadas desde a pauta até a
publicação da matéria 131 certidões de 22 cartórios de registro de imóveis. Os jornalistas
cruzaram informações próprias com dos disponíveis em órgãos como o Serasa, Corregedoria
da PM, Detran, na Prefeitura do Rio, Bombeiros, Tribunal de Justiça e Junta Comercial, além
de visitar imóveis na capital e no Interior.
As reportagens no O Dia são assinadas e ainda trazem o endereço eletrônico dos
autores. As caixas de e-mail de João Antônio Barros e Thiago Prado ficaram lotadas. Desde
agradecimentos, passando por novas denúncias até ameaças.
O conjunto intitulado “Os brasileiros que ainda vivem na ditadura”, publicada pelo
jornal O Globo faz parte de um total de três outras em que o assunto central é a favela. Entre a
publicação da primeira edição, da série supracitada e o restante da mesma foram cinco meses
de trabalho intenso. A ideia da coordenadora da equipe Angelina Nunes, jornalista vencedora
de diverso prêmios, era mapear as principais vias dessa verdadeira ditadura.
Departamento de Comunicação Social
circular milhões de reais, que como em todo o país, acaba por determinar, em um
microcosmo, a existência de um abismo social, tão grande como o existente na comparação
entre a favela com outras áreas da cidade.
A última série da trilogia sobre favelas foi intitulada “Democracia nas favelas”. Após
realizarem dois especiais sobre o tema criminalidade e favela, a equipe do jornal O Globo
debruçou-se sobre o processo de democratização desse espaço onde o próprio Estado não
dava conta. Tudo começou com a criação das chamadas Unidades de Polícia Pacificador
(UPPs) em favelas que antes eram dominadas pelo tráfico de drogas. A série exalta a entrada
do Estado nessas regiões da cidade, bem como as possíveis melhorias.
A reportagem via esse momento, o da ocupação das favelas pelas UPPs, como o
nascimento da nova “Constituição” que baniu a possibilidade de existência de ditaduras no
país. Pode-se dizer que em algumas áreas os “ditadores” semente mudaram de nome. Saíram
os militares e entraram os traficantes e milicianos, o que tornou as favelas um lugar preterido
por boa parte da população.
O confronto de ideias também fez parte da série. Essa divergência foi registrada no
especial produzido somente para a Internet. No vídeo sobre o Morro Santa Marta, em
Botafogo, zona sul do Rio de Janeiro, a opinião do Estado sobre o funk, na figura da Capitã
da Polícia Militar (PM) Priscilla Azevedo, o DJ e morador Thiago Firmino, o morador Alan
Barcelos e Sabá, presidente da Associação de Moradores divergem em muito.
Para a policial o funk como era realizado, na quadra da escola de samba do morro,
mesmo tendo saída de emergência e extintores não poderá mais ser realizado por existir
exigências específicas, como autorização da Polícia Militar, Polícia Civil, juizado de menores
etc. Para os moradores essa seria uma forma de cerceamento da liberdade.
Todo o processo produtivo durou quatro meses. Os principais títulos produzidos ao
longo das publicações mostram como o Estado vem tentando se aproximar da população.
Entre eles destacamos: “Controle de PMs em Realengo, Jacarepaguá e Catete mudam a rotina
de moradores”; “Apesar da proibição de bailes funk, outros direitos passaram a ser
respeitados”; “Moradores expulsos pelo tráfico já ensaiam volta para casa” “Parentes de
bandidos não são perseguidos”; “Serviços saem das mãos de bandidos e relação de consumo
mudam”; “No Batan, PMs cuidam até de poda de árvores”, entre outros. Palavras como
ocupação, controle, direitos, e deveres apareceram em toda a série.
A transição traficante-Estado percorreu todas as páginas publicadas. Para isso, a
equipe do jornal O Globo esteve em cinco favelas onde as UPPs já estavam ou seriam
instaladas: Tavares Bastos, que desde 2000 abriga a sede Batalhão de Operações Policiais
Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (Bope) e é cenário de filmes como
Hulk e Tropa de elite, Santa Marta, favela que recebeu Michael Jackson, Batan, onde os
jornalistas do jornal O Dia foram torturados por milicianos e Babilônia e Chapéu Mangueira,
em Copacabana.
Os jornalistas buscaram histórias que tivessem alto valor notícia. Dessa forma,
contaram nas páginas como eram as ações do tráfico sobre a vida dos moradores das favelas,
o que os moradores esperavam para o futuro, como viviam os parentes de traficantes. Como é
comum nos trabalhos relacionados as comunidades carentes, o grande desafio estava pautado
nas fontes. Muitas pessoas achavam que a presença da UPP seria algo passageira, daí a
persistência do medo.
A trilogia publicada entre 2007 e 2009 pelo jornal O Globo tem como fio condutor
histórias sobre uma parte da população quase sempre excluída do processo democrático e,
dessa forma, vivem em condições desumanas, sem direitos, exploradas por traficantes e
milicianos. As séries sagraram-se vencedoras, entre outros, dos prêmios Vladmir Herzog de
Anistia e Direitos Humanos, concedido pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, e do
Departamento de Comunicação Social
iam o dinheiro que esses grupos ganhavam. Todos enriqueceram ilicitamente e ostentavam a
nova riqueza. Compravam carros de luxo, apartamentos que custavam milhares de reais e até
fazendas. Sendo que o salário médio dos acusados não passava de R$ 3.000,00.
Os eventos noticiados pelos jornalistas do jornal O Dia acabou por ganhar
notabilidade junto às diversas editorias do Rio de Janeiro, veículos de comunicação nacional,
internacional e a sociedade pelos excessos realizados pelo denunciados. Os grupos de milícias
impunham toque de recolher, obrigavam a compra de gás uma vez por mês, cobravam
impostos além do Estado, cerceavam a vida das pessoas subjugadas a eles e cometiam
assassinatos a qualquer hora do dia. Os denunciados são suspeitos de mais de 100 homicídios.
Assim como os traficantes, os milicianos denunciados, possuía um verdadeiro arsenal de
guerra. A cada prisão, segundo as matérias, mais armas de uso exclusivo das forças armadas
eram encontradas pela polícia.
A grande surpresa das reportagens dá-se pelo número de denunciados e a importância
dos mesmo na sociedade. Em países como o Brasil acostumados com a impunidade, boa parte
da população não acreditou quando o jornal publicou as denúncias. A população vitima dos
milicianos não esperava que o rosto dos mesmos fossem estampar as páginas dos jornais. E,
principalmente, ter o desfecho que teve, a denúncia pelo Ministério Público e a prisão da
cúpula. Além de conseguir provar que um dos vereadores preso por fazer parte da milícia da
zona oeste negociou a venda de um apartamento de dentro da cadeia, o que prova a
conivência e a corrupção por parte de alguns servidores públicos.
Os critérios contextuais também estão presentes nas matérias. O trabalho somente foi
possível ser realizado devido a proximidade e a disponibilidade de se pesquisar sobre a vida
dos acusados. Em pouco mais de noventa dias foram consultados diversos documentos, entre
certidões, IPTU, IPVA, e CNPJ. Descobriu-se que um major da PM comprou imóvel de R$
2,2 milhões. Um capitão mora em condomínio com heliporto e é vizinhos de jogadores
ilustres. O bombeiro Cristiano Girão que ganha R$ 12 mil por ano, mora de frente para o mar
e que um sargento pagou R$ 300 mil em dinheiro por apartamento na Barra, zona nobre da
cidade do Rio de Janeiro.
Para dar mais impacto sobre o noticiado nas páginas do jornal foram utilizados um
grande número de fotografias e infográficos em que se comprovava a discrepância entre o
salário e a quantidade de bens possuído pelos denunciados. As fotos revelavam a vida de rico
que um simples bombeiro ou PM vivia. Carros, mulheres, festas e passeios, tudo foi
registrado pelos jornalistas. Boa parte do que fora noticiado, por mais que o tema fosse
recorrente na imprensa (valor-notícia frequência), era inédito e exclusivo. A forma com que as
reportagens foram construídas passaram a pautar a própria imprensa. Aumentando a
concorrência entre os jornais com a mesma linha editorial que O Dia, ou seja, mais popular.
Sobre o conjunto de reportagens intitulada “os brasileiros que ainda vivem na
ditadura” publicada pelo jornal O Globo, também pairam diversos valores-notícia. O
primeiro que fica evidente pelo próprio título “Ditadura” é a violência e morte. A reportagem
tinha como foco a favela. Mas o texto repleto de “cenas” de tirania podia atingir a qualquer
um, por isso, interessava a todo os leitores.
A opressão exercida por traficantes e milicianos sempre transborda para fora da
favela, o que também define o valor-notícia proximidade. Em uma cidade como o Rio de
Janeiro todos acabam por morar próximo a uma favela. O assunto, segundo os jornalistas,
tem interesse pleno para a sociedade.
Por se tratar de uma área carente, os interlocutores, ou melhor os atores envolvidos na
reportagens não são de destaque na sociedade, não possuem notoriedade pública. Porém sua
histórias são repletas de relevância para a sociedade. A novidade da série reside em
justamente dar voz àqueles que os jornalistas, por questão de critérios de noticiabilidade,
acabam por excluir das linhas dos textos.
Departamento de Comunicação Social
A exploração de um assunto como favela e violência é recorrente por parte dos jornais
carioca. Nesse caso as reportagens não fugiram do esperado. Não houve ruptura com o
tradicional. Contudo o modo com que a série foi construída, fazendo-se um paralelo entre
uma ditadura e a favela também trouxe bastante notabilidade para o conjunto. Mais de uma
milhão de pessoas estavam envolvidas no contexto mostrado pelas reportagens.
A construção das reportagens estão de acordo com os valores-notícia infração e
conflito. Os fatos publicados nas páginas costumam representar rupturas na ordem social. São
baseados na violação de direitos, transgressão de regras, especialmente quando se trata de ato
criminoso.
O jornal O Globo, por possuir mais recursos do que o O Dia 2, consegue ter uma
equipe muito maior, mais dinheiro para se construir as matérias, disponibilidade de material,
carros a disposição e fotógrafos. As reportagens podiam ser lidas nas versões on line e
impressa. Aumentando o campo de atuação e garantindo audiência através de diferentes
meios. Fotografias sobre a presença dos jornalistas nas favelas citadas podiam ser
acompanhadas no site do jornal.
O valor-notícia da série Favela S/A que mais chama atenção é o inesperado, ou seja,
aquilo que rompe com a expectativa do público leitor e a própria comunidade interpretativa.
Quando se pensa em favela o que é mais comum entre os jornais é o aspecto violento e a
pobreza que envolvem as mesmas. Dessa vez a equipe de Angelina Nunes trouxe à tona o fato
de que pela favela circulam milhões de reais.
Na página 18 do dia 24 de agosto de 2008, os infográficos traziam os números do
capitalismo em que estavam envolvidas as favela. As cifras davam maior visibilidade a
reportagem, bem como notoriedade ao jornal e jornalistas. Nem mesmo o Estado dava conta
dos números obtido pela técnica da Reportagem Assistida por Computador. Os 1,3 milhão de
pessoas geravam R$ 4,9 bilhão em salário, oito por cento das famílias que viviam em favela
eram da classe média, comércio legal e informal lucram R$ 3 bilhões. O dinheiro circulantes
nas favelas vinham de fontes diversas desde venda de drogas até exploração sexual de
menores.
Em reportagem sobre favela o critério contextual disponibilidade é o mais complicado.
Nem mesmo os dados da prefeitura, IBGE e Estado são uníssonos. Os jornalistas tiveram que
criar diversas tabelas para se tentar chegar a um número razoável que para eles estava
próximo da verdade. Além disso, as fontes que moram em comunidades carentes têm medo de
conceder entrevistas, pois vivem sobre o princípio da autoridade de traficantes e milicianos.
O valor substantivo notoriedade igualmente não é o mais aparente nas reportagens, a
não ser pelo fato de a mesma citar traficantes e milicianos famosos. Não se baseia na fala de
autoridades, pelo contrário, os dados informados pelas mesmas foram desconstruídos. Os
valores relevância e proximidades são constantes em toda a série, já que somente se fala sobre
as favelas da cidade do Rio de Janeiro. Essa série teve uma audiência grande. Também teve
sua versão on line, pautou os concorrentes, e se construiu com a apresentação de um texto
final repleto de furos.
Por fim, a analise dos critérios de noticiabilidade existentes no conjunto de
reportagem denominado “Democracia nas favelas”. Fazendo um trocadilho com a frase de
final da ditadura no Brasil “Abertura lenta e gradual”, a série trouxe a frase “Cidadania lenta e
gradual”. O valor tempo, ou seja a atualidade dos fatos e disponibilidade para a construção
foram importantes para o êxito do trabalho. Foram quatro meses de intensa pesquisa sobre
qual seria o dever do Estado após a implantação dos Unidades de Polícia Pacificadora nas
favelas que antes eram dominadas por traficantes e milicianos.
Era uma série muito notável, pois não se sabia se as UPPs dariam certo ou não, quais
eram as formas que a polícia, muitas vezes vistas com desconfiança por parte dos moradores,
iria utilizar para se fixar nas comunidades. Publicar uma reportagem com o tema democracia
nas favelas requer lembrar seu oposto, o abuso de poder, o desvio de conduta, a ausência do
Estado, enfim, tudo aquilo que envolvem o valor conflito e infração.
As reportagens baseiam-se no critério equilíbrio, ou seja, diversas editorias
publicavam matérias jornalísticas parecidas. Para garantir maior audiência as páginas estavam
traziam cenas com apelo dramático, fotos com policiais armados e crianças brincando aos
lado, a extensão da favela, o contraste entre favela e asfalto, entre outras. A série foi inserida
em um contexto já conhecido, valorizando o valor consonância.
Por contar com muita experiência a equipe do jornal O Globo consegue conjugar soft
news e hard news, ou seja, possuem estratégia para tornar o trabalho possível de se realizar
dentro de um cronograma em que outras funções típicas dos jornalistas não sejam
prejudicadas. A divisão de tarefas, o controle do que se está sendo apurado, levantado em
campo e o diálogo com as hierarquias são primordiais para se concretizar esse tipo de
trabalho. Os jornalistas primeiramente foram às comunidades, fizeram um breve levantamento
daquilo que poderia render matérias e depois decidiram realizar a série.
Considerações finais
Os jornais para informarem aos leitores contam com a construção de gráficos, tabelas
e fotografias. O objetivo, em ambos, é facilitar a compreensão do assunto em questão. Essa
técnica é mais utilizada no jornal O Globo do que no O Dia.
No O Globo os infográfico são mais presentes por que a equipe liderada por Angelina
Nunes está acostumada a cobrir constas e gastos públicos. Esses assuntos por si só necessitam
de tabelas e boxes de explicação para serem entendidos. No jornal O Dia, João Barros dá
preferência ao clássico foto e texto.
Tanto na redação do O Globo quanto na do jornal O Dia, desde a pauta até a
publicação, os jornalistas tiveram o apoio incondicional de seus superiores da a construção
das reportagens. Lidar com as hierarquias é muito importante para se concretizar uma matéria
investigativa. Sem o apoio do Mr Gate não existe reportagem investigativa.
A testagem exaustiva dos dados que foram levantados durante a ida a campo é uma
das condições primordiais para o sucesso e diminuição da possibilidade de ocorrência de erros
de investigação e abertura de processos contra jornalistas. Muitos profissionais, na ânsia de
apresentar o mais breve possível a sua apuração, podem comprometer a qualidade do trabalho.
Os cuidados por conta da construção de matérias investigativas devem-se ao grau de
importância dada ao conteúdo da mesma. Quanto mais complexas foram os assuntos
investigados maiores devem ser os cuidados com a mesma. Essas reportagens são construções
narrativas da realidade, produziram sentido para o leitor.
Todo jornalista que se lança a realizar essa modalidade de reportagem servem de
inspiração para os novatos. Já que para se chegar ao status de realizar determinadas
investigações somente tendo alguns anos de carreira e que esta seja reconhecida pelos
próprios companheiros de profissão.
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