Weber
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Introdução
Weber não era apenas um homem de ciência. Desde cedo, ele pensava em seguir uma
carreira política. Seu interesse pela coisa pública o leva a refletir sobre as relações
entre as ações científicas e políticas. Nas conferências que dá em 1918, na
Universidade de Munique, sobre a profissão e a vocação do homem de ciências e do
homem, ele se declara a favor de uma clara cisão entre os dois tipos de atividade e
procura, para tanto, separar ciência de opinião.
LALLEMENT,Michael. História das ideias sociológicas. op. cit. p 262.
Jean-Gabriel de Tarde
Nasceu em Sarlat, França, de uma família de origem nobre.
Iniciou· os seus estudos em· Sarlat, obtendo um bacharelado em letras. Depois estudou direito em
Toulouse, terminando o curso em Paris. Iniciou a sua carreira no judiciário como
secretário-assistente até chegar a juiz de Instrução. Especializou-se em pesquisa na criminologia,
uma ciência nova desenvolvida pela escola antropolóigica, no final do século XIX.
Polemizou muito com Durkeim a respeito da definição de sociologia e do modo de trabalho. Ele
defendia uma sociologia feita a partir do comportamento e das ações do individuo, sustentando
assim a análise social da subjetividade, como da relação entre emoção e sociedade.
O contraste entre o positivismo e o idealismo se expressa, entre outros elementos, nas maneiras
diferentes como cada uma dessas correntes encara a história.
Para o positivismo, a história é o processo universal de evolução da humanidade, cujos estágios o
cientista pode perceber pelo método comparativo, capaz de aproximar sociedades humanas de
todos os tempos e lugares. A história particular de cada sociedade desaparece, diluída nessa lei
geral que os pensadores positivistas tentaram reconstruir. Essa forma de pensar torna
insignificantes as particularidades históricas, e as individualidades são dissolvidas em meio a
forças sociais impositivas.
Ao definir o que é uma espécie social, Durkheim, em nota de pé de página de seu livro As regras do
método sociológico, alerta para que não se confunda uma espécie social com as fases históricas
pelas quais ela passa. Diz ele:
Desde suas origens, passou a França por formas de civilização muito diferentes:
começou por ser agrícola, passou em seguida pelo artesanato e pelo pequeno
comércio, depois pela manufatura e, finalmente, chegou à grande indústria. Ora, é
impossível admitir que uma mesma individualidade coletiva possa mudar de espécie
três ou quatro vezes. Uma espécie deve definir-se por caracteres mais constantes. O
estado econômico tecnológico etc. apresenta fenômenos por demais instáveis e
complexos para fornecer a base para uma classificação.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico, op. cito p. 82.
Fica claro que essa posição anula a importância dos processos históricos particulares, valorizando
apenas a lei da evolução, a generalização e a comparação entre formações sociais.
Max Weber, figura dominante na sociologia alemã, com formação histórica consistente, se oporá a
essa concepção. Para ele, a pesquisa histórica é essencial para a compreensão das sociedades.
Essa pesquisa, baseada na coleta de documentos e no esforço interpretativo das fontes, permite o
entendimento das diferenças sociais, que seriam, para Weber, de gênese e formação, e não de
estágios de evolução.
Portanto, segundo a perspectiva de Weber, o caráter particular e específico de cada formação
social e histórica deve ser respeitado. O conhecimento histórico, entendido como a busca de
evidências, torna-se um poderoso instrumento para o cientista social.
Weber consegue combinar duas perspectivas: a histórica, que respeita as particularidades de cada
sociedade, e a sociológica, que ressalta os elementos mais gerais de cada fase do processo
histórico. Na obra As causas sociais do declínio da cultura antiga, por exemplo, Weber analisou,
com base em textos e documentos, as transformações da sociedade romana em função da
utilização da mão-de-obra escrava e do servo de gleba, mostrando a passagem da Antiguidade
para a sociedade medieval.
Weber, entretanto, não achava que uma sucessão de fatos históricos fizesse sentido por si
mesma. Para ele, todo historiador trabalha com dados esparsos e fragmentários. Por isso,
propunha para suas análises o método compreensivo, isto é, um esforço interpretativo do
passado e de sua repercussão nas características peculiares das sociedades
contemporâneas. Essa atitude de compreensão é que permite ao cientista atribuir aos fatos
esparsos um sentido social e histórico.
A tarefa do cientista
Weber rejeita a maioria das proposições positivistas: o evolucionismo, a exterioridade do cientista
social em relação ao objeto de estudo e a recusa em aceitar a importância dos indivíduos e dos
diferentes momentos históricos na análise da sociedade. Para esse sociólogo, o cientista, como
todo indivíduo em ação, também age guiado por seus motivos, sua cultura e suas tradições, sendo
impossível descartar-se de suas prenoções como propunha Durkheim. Existe sempre certa
parcialidade na análise sociológica, intrínseca à pesquisa, como a toda forma de conhecimento. As
preocupações do cientista orientam a seleção e a relação entre os elementos da realidade a ser
analisada. Os fatos sociais não são coisas, mas acontecimentos que o cientista percebe e cujas
causas procura desvendar. A neutralidade durkheimiana se torna impossível nessa visão.
Entretanto, uma vez iniciado o estudo, este deve se conduzir pela busca da maior objetividade na
análise dos acontecimentos. A realização da tarefa científica não deveria ser dificultada pela defesa
das crenças e das ideias pessoais do cientista.
Portanto, para a sociologia weberiana, os acontecimentos que integram o social têm origem nos
indivíduos. O cientista parte de uma preocupação com significado subjetivo, tanto para ele como
para os demais indivíduos que compõem a sociedade. Sua meta é compreender, buscar os nexos
causais que deem o sentido da ação social.
Explicar um fenômeno social supõe sempre que se dê conta das ações
individuais que o compõem. Mas que é "dar conta" de uma ação? Pode-se
continuar seguindo Weber nesse ponto. Dar conta de uma ação, diz ele, é
"compreendê-la" (Verstehen). O que significa que o sociólogo deve poder ser
capaz de colocar-se no lugar dos agentes por quem ele se interessa.
BOUDON, R. e BOURRICAUD, F. Dicionário crítico de sociologia.
São Paulo: Ática, 1993. p. 4.
Qualquer que seja a perspectiva adotada pelo cientista, ela sempre resultará numa explicação
parcial da realidade. Um mesmo acontecimento pode ter causas econômicas, políticas e religiosas,
sem que nenhuma dessas causas seja superior à outra em significância. Todas elas compõem um
conjunto de aspectos da realidade que se manifesta, necessariamente, nos atos individuais. O que
garante a cientificidade de uma explicação é o método de reflexão, não a objetividade pura dos
fatos. Weber relembra que, embora os acontecimentos sociais possam ser quantificáveis, a análise
do social envolve sempre uma questão de qualidade, interpretação, subjetividade e compreensão.
Assim, para entender como a ética protestante interferia no desenvolvimento do capitalismo, Weber
analisou os livros sagrados e interpretou os dogmas de fé do protestantismo. A compreensão da
relação entre valor e ação permitiu-lhe entender a relação entre religião e economia.
O tipo ideal
Para atingir a explicação dos fatos sociais, Weber propôs um instrumento de análise que chamou
de "tipo ideal" . Assim, por exemplo, em As causas sociais do declínio da cultura antiga, ele procura
entender o que teria sido o patrício romano no auge do império, o aristocrata dono de terras que
constituía a elite política e econômica de Roma:
Trata-se de uma construção teórica abstrata a partir dos casos particulares analisados. O cientista,
pelo estudo sistemático das diversas manifestações particulares, constrói um modelo acentuando
aquilo que lhe pareça característico ou fundante. Nenhum dos exemplos representará de forma
perfeita e acabada o tipo ideal, mas manterá com ele uma grande semelhança e afinidade,
permitindo comparações e a percepção de semelhanças e diferenças. Constitui-se em um trabalho
teórico indutivo que tem por objetivo sintetizar aquilo que é essencial na diversidade das
manifestações da vida social, permitindo a identificação de exemplares em diferentes tempos e
lugares.
O tipo ideal não é um modelo perfeito a ser buscado pelas formações sociais históricas nem mesmo
em qualquer realidade observável. É um instrumento de análise científica, numa construção do
pensamento que permite conceituar fenômenos e formações sociais e identificar na realidade
observada suas manifestações. Permite ainda comparar tais manifestações.
É preciso deixar claro que o tipo ideal nada tem a ver com as espécies sociais de Durkheim, que
pretendiam ser exemplos de sociedades observadas em diferentes graus de complexidade num
continuum evolutivo.
O tipo ideal
O tipo ideal de Max Weber corresponde ao que Florestan Fernandes definiu como conceitos
sociológicos construídos interpretativamente enquanto instrumentos de ordenação da realidade. O
conceito, ou tipo ideal, é previamente construído e testado, depois aplicado a diferentes situações
em que dado fenômeno possa ter ocorrido. À medida que o fenômeno se aproxima ou se afasta de
sua manifestação típica, o sociólogo pode identificar e selecionar aspectos que tenham interesse à
explicação, como, por exemplo, os fenômenos típicos "capitalismo" e "feudalismo".
1.A relação entre a religião e a sociedade não se dá por meios institucionais, mas por intermédio de
valores introjetados nos indivíduos e transformados em motivos da ação social. A motivação do
protestante, segundo Weber, é o trabalho, enquanto dever e vocação, como um fim absoluto em si
mesmo, e não o ganho material obtido por meio dele.
2.
3.O motivo que mobiliza internamente os indivíduos é consciente. Entretanto, os atos individuais
vão além das metas propostas e aceitas por eles. Buscando sair-se bem na profissão, mostrando
sua própria virtude e vocação e renunciando aos prazeres materiais, o protestante puritano se
adapta facilmente ao mercado de trabalho, acumula capital e o reinveste produtivamente.
3.Ao cientista cabe, segundo Weber, estabelecer conexões entre a motivação dos indivíduos e os
efeitos de sua ação no meio social. Procedendo assim, Weber analisa os valores do catolicismo e
do protestantismo, mostrando que os últimos revelam a tendência ao racionalismo econômico,
base da ação capitalista.
4.
5.Para constituir o tipo ideal de capitalismo ocidental moderno, Weber estuda as diversas
características das atividades econômicas em várias épocas e lugares, antes e após o surgimento
das atividades mercantis e da indústria. E, conforme seus preceitos constrói um tipo gradualmente
estruturado a partir de suas manifestações particulares tomadas à realidade histórica. Assim, diz
ser o capitalismo, na sua forma típica, uma organização econômica racional assentada no trabalho
livre e orientada para um mercado real, não para a mera especulação ou rapinagem. O capitalismo
promove a separação entre empresa e residência, a utilização técnica de conhecimentos científicos
e o surgimento do direito e da administração racionalizados.