Tese de José Jacinto Dos Santos Filho
Tese de José Jacinto Dos Santos Filho
Tese de José Jacinto Dos Santos Filho
CENTRO DE EDUCAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Educação
Recife
2015
José Jacinto dos Santos Filho
Recife
2015
A todos os Professores e Professoras
que dedicam a sua existência à prática
da formação humana.
AGRADECIMENTO
Uma vez, não me lembro do ano, quando eu ensinava no ensino médio de um colégio público
do Estado de Pernambuco, tivemos uma aula de encerramento de uma turma de concluintes
do curso de enfermagem, e todos os professores dessa turma estávamos no auditório para
comemorar. No meio da cerimônia, houve um momento em que os alunos resolveram prestar
homenagens aos professores e agradecer o empenho de todos aqueles que colaboraram para
que aquela turma chegasse ao fim de uma etapa de sua formação. Assim, lembro-me bem,
uma aluna, que morava num bairro bem distante do colégio e costumava vir a pé para estudar,
porque não tinha dinheiro para pagar o ônibus, tomou a palavra e disse para todos, muito
obrigada, e completou, dizendo que gostaria de dar um presente a todos que estavam ali, mas
a única coisa que poderia dar, de forma simbólica, era um lacinho de fita vermelha. E foi
entregando um a cada professor. Essa foi uma imagem que nunca saiu de mim, permanece até
hoje, porque foi uma experiência que me transformou para sempre. A única coisa que pude
fazer como gesto possível à altura daquele foi ir até ela, dar-lhe um abraço e agradecer. Todos
nós recebemos presentes, todos nós somos, de alguma forma, presenteados na vida. E aquele
lacinho de fita foi meu presente que me fez ver que sou professor a fazer história na vida de
muita gente. Sei que muitos de nós professores foram presentes na vida daquela aluna.
Assim, começo agradecendo à Vida, por todas as chances de ter recebido muitos laços de
afeto e aprendizado de todos que são muito representativos na minha história de vida.
Portanto, muito obrigado aos meus professores e professoras, parceiros do passado e do
presente, que colaboram e colaboraram com minha jornada em busca do conhecimento. Muito
obrigado, em especial, a Dr.ª Lívia Suassuna, minha orientadora, que tudo fez para este
momento de doutoramento acontecer, abraçando comigo o desafio deste projeto. Muito
obrigado aos professores Dr.ª Eliane Yunes e o Dr.º Ferdinand Röhr, componentes da banca
de qualificação, pela relevante contribuição dada à minha tese. Muito obrigado aos
professores e professoras Dr.º Aldo de Lima, Rosângela Tenório, Dr.ª Maria do Carmo Nino e
Dr.ª Lucinalva Ataíde, componentes da banca de defesa, pelas importantes contribuições
dadas à minha tese. Muito obrigado a meus pais, Jacinto e Marlene. Muito obrigado às minhas
filhas, Joanna e Andréa, e à minha neta, Maria Clara. Muito obrigado aos meus irmãos e irmã.
Muito obrigado a Piedade de Sá (in memoriam), pelo muito que aprendi sobre literatura.
Muito obrigado à UPE/Campus Mata Norte, por tudo que venho aprendendo nesse espaço
acadêmico. Muito obrigado à FACHO, por também colaborar com meu crescimento
profissional. Muito obrigado, carinhosamente, à Ir. Glicéria, pelo espaço cedido na FACHO
para o curso de formação para professores. Muito obrigado à GRE Metropolitana Norte, pelo
imenso apoio que me foi dado no curso de formação para professores. Muito obrigado,
Sinésio Monteiro, Marta Aguiar, Patrícia Mesquita. Muito obrigado aos amigos professores
da GRE Metropolitana Norte, que estiveram junto comigo, colaborando nas minhas reflexões:
Hugo Bulhões, Sandra Helena, Maria do Carmo, Pollyanne Carlos, Magda Silvana, Ezequias
Felix, Salatiel Costa, Janaína Maria. Muito obrigado, Rennan Peixe e Mitsy Queiroz, pelo
apoio importantíssimo que tive nas filmagens realizadas durante o curso de formação para
coleta de dados. Muito obrigado às minhas grandes amigas Cristina Botelho, Rosário
Barbosa, Maria das Dores de Miranda (Lila), que marcaram minha vida. Muito obrigado,
Jonas Lucas, pelo apoio à minha tese e também pela grande força que me tem prestado nas
horas mais impactantes da vida. Muito obrigado às minhas professoras queridas: Dona
Darluce, minha alfabetizadora; Nancy Farias, que foi de extrema importância na minha
formação inicial; Maria José Luna e Gilda Lins (in memoriam), por terem me ajudado a dar
importante salto acadêmico. Muito obrigado a todas e todos os outros meus amigos e amigas
que muito torceram por mim e me deram muito incentivo: Edvânea da Silva, Luciana
Marinho, João Martins (Johnny), Bruno Siqueira, Germana Cruz, Oscar e Reges, Emanuel
Carneiro, Cecília Oliveira, Mônica Gaspar, Fernanda Araújo e Katia Gajete, Ângela Gandier,
Ângela Mendonça, Zirlana Teixeira, Joelma Santos. Muito grato a todos os meus colegas do
doutorado, aqui representados na pessoa de Enivalda Vieira. Muito obrigado a todos os meus
alunos e alunas, por terem contribuído largamente com meu aprendizado. Muito obrigado a
todos que têm me ajudado a narrar tantas histórias de aprendizado.
Literatura, para mim, é mais do que um traço
riscado no papel, versando ou narrando, e sobre o
qual se teoriza; ela é leitura em movimento
contínuo, em observância à vida.
Esta tese tem como ponto central de discussão a formação do professor de língua portuguesa
enquanto formador de leitor dos textos literário, pictórico, fotográfico e fílmico, tendo em
vista as relações intersemióticas entre eles. Sabemos que cada vez mais são exigidos do
professor conhecimentos específicos que o façam ler e também ensinar a leitura do texto
literário, relacionando-o com os demais textos que fazem parte dos contextos diversos
socioculturais. Esta tese trata do tema em pauta, porque há uma gama muito grande de
produções textuais que são resultantes das traduções ou adaptações intersemióticas e
entendemos que muitos docentes não estejam preparados para uma leitura que considere esses
aspectos intersemióticos implicados nos textos. Assim, este trabalho foi construído a partir de
um curso de formação específica para professores de língua portuguesa do ensino médio da
rede estadual de Pernambuco. Para realizar este estudo, traçamos o seguinte objetivo:
investigar as contribuições que um curso de formação específica pode trazer para professores
de língua portuguesa para estabelecer relações intersemióticas entre os textos em questão na
nossa tese e quais seriam os possíveis impactos dessa formação em suas concepções de leitura
e práticas docentes. E para que nosso intento fosse alcançado, recorremos a autores como
Larrosa (2003), Josso (2004), Cosson (2011), Nóvoa (1992), Tardif (2010), Zeichner (1993) e
muitos outros que nos ajudaram em nossas reflexões. Quanto à metodologia adotada, esta é
qualitativa, considerando o caráter interpretativo dos dados e envolvimento do pesquisador
com o trabalho. E, como perspectiva de análise dos dados, recorremos à análise da narrativa,
porque contamos, para a coleta de dados, com as narrativas das histórias de vida e
experiências dos professores envolvidos na pesquisa. A aproximação com os professores,
ouvindo-lhes as histórias e as suas experiências, levou-nos a perceber alguns desdobramentos
do trabalho realizado de leitura do texto literário na relação intersemiótica com textos não
verbais. Vimos também que o curso de formação para professores, em que discutimos textos
verbais e não verbais, deu-nos a chance de perceber o quanto uma formação continuada
significa enquanto canal de diálogo entre professor e texto. No desenvolvimento do curso, os
professores perceberam que os textos literário, pictórico, fotográfico e fílmico não são
meramente decodificados; no processo de leitura, o leitor se inter-relaciona com o texto, tendo
como referência a própria relação dele com o mundo ao seu redor, porque nisso estão
implicadas as experiências socioculturais de cada um. Outro aspecto a ressaltar é que não
basta só instrumentalizar os professores para que eles realizem na sua sala de aula a leitura
intersemiótica do texto literário na relação com o pictórico, o fotográfico e o fílmico, como se
o trabalho com esses textos contasse apenas com o aparelhamento teórico dos professores
sobre o assunto; há, junto a isso, a necessidade de uma discussão sobre as práticas de leitura
considerando as inter-relações textuais em cursos de formação para formadores de leitores.
Portanto, é de extrema pertinência realizar, nos espaços de formação para professores, um
trabalho de reflexão que conte com a experiência do professor.
This thesis has as its central point of discussion the formation of a Portuguese teacher as an
educator of readers of literary, pictorial, photographic and filmic texts, considering the
intersemiotic relationships among these languages. It is known that an expertise have been
increasingly required from teachers in order that they can read as well as can teach the reading
of literary texts, relating them to other texts that are part of the various socio-cultural contexts.
That issue is discussed in this thesis, because there is a very wide range of textual productions
that are resulting from intersemiotic translations or adaptations and we understand that many
teachers are not prepared for a reading that considers these intersemiotic aspects involved in
the texts. This thesis was built from a specific training course for Portuguese teachers of
public high school of the state of Pernambuco. To conduct this study, the following objective
was drawn: to investigate the contributions that a specific training course can bring to
Portuguese teachers to establish intersemiotic relations between the texts in question in our
thesis and what would be the possible impacts of such training in their conceptions of reading
and teaching practices. To reach such a goal, we turned to authors like Larrosa (2003), Josso
(2004) Cosson (2011), Nóvoa (1992), Tardif (2010), Zeichner (1993) and many others whose
works helped us in our reflections. As for the methodology, this is qualitative, considering the
interpretative nature of the data and the involvement of the researcher with the work. And as
data analysis perspective, we turned to the narrative analysis, because, for data collection, the
narratives of stories of life and experiences of teachers involved in the research were taken
into account. The approaching to the teachers by listening to their stories and their
experiences led us to realize some developments of the work of literary text reading in
intersemiotic relation to non-verbal texts. We also realized that the training course for
teachers, in which we discussed verbal and nonverbal texts, gave us the chance to perceive
how much a continuing education means as a channel of communication between teacher and
text. In the progress of the course, the teachers realized that literary, pictorial, photographic
and filmic texts are not merely decoded; in the process of reading, the reader interrelates with
the text, by having as reference his own relation to the world around, for socio-cultural
experiences of each one are implicated in it. Another aspect to point out is that it is not
enough to equip teachers for them to perform in their classes an intersemiotic reading of
literary texts in relation to the pictorial, photographic and filmic text, as if working with these
texts would deal only with teachers' theoretical framework on the subject; there is, along with
it, the need for a discussion of the reading practices considering the textual interrelations in
teachers training courses to the formation of readers. It is therefore of utmost relevance,
within teachers training courses, a development of reflections that relies on the teacher's
experience.
Esta tesis presenta como eje de discusión la formación del profesor de lengua portuguesa
como formador de lector de textos literario, pictórico, fotográfico y fílmico, considerando las
relaciones intersemióticas entre ellos. Sabemos que cada vez más son exigidos del profesor
conocimientos específicos que lo hagan leer y también enseñar la lectura del texto literario,
relacionándolo con los demás textos que hacen parte de los diversos contextos
socioculturales. Esta tesis trata de dicho tema, pues hay una diversidad de producciones
textuales que son resultantes de traducciones o adaptaciones intersemióticas y entendemos
que muchos docentes no están preparados para una lectura que considere esos aspectos
intersemióticos implicados en los textos. Así, este trabajo fue construido a partir de un curso
de formación específica para profesores de lengua portuguesa de la enseñanza media de la red
estadual de Pernambuco. Para realizarlo, delimitamos el siguiente objetivo: investigar las
contribuciones que un curso de formación específica puede traer para profesores de lengua
portuguesa para establecer relaciones intersemióticas entre los textos en cuestión en nuestra
tesis y cuáles serían los posibles impactos de esa formación en sus concepciones de lectura y
prácticas docentes. Para eso, recurrimos a autores como Larrosa (2003), Josso (2004), Cosson
(2011), Nóvoa (1992), Tardif (2010), Zeichner (1993) y muchos otros que nos ayudaron en
nuestra reflexión. Cuanto a la metodología adoptada, esta es cualitativa, considerando el
carácter interpretativo de los datos y envolvimiento del investigador con el trabajo. Y, como
perspectiva de análisis de los datos, recurrimos al análisis de la narrativa, pues contamos, para
la recogida de datos, con las narrativas de las historias de vida y experiencias de los
profesores involucrados en la investigación. La aproximación con los profesores, oyendo sus
historias y experiencias, nos llevó a percibir algunos desdoblamientos del trabajo realizado de
lectura del texto literario en la relación intersemiótica con textos no verbales. Vimos también
que el curso de formación para profesores, en lo cual discutimos textos verbales y no
verbales, nos permitió percibir cuanto una formación continuada significa como canal de
diálogo entre profesor y texto. En el desarrollo del curso, los profesores percibieron que los
textos literario, pictórico, fotográfico y fílmico no son solamente descodificados; en el
proceso de lectura, el lector se inter-relaciona con el texto, teniendo como referencia su propia
relación con el mundo a su alrededor, porque en eso están implicadas las experiencias
socioculturales de cada uno. Otro aspecto a resaltar es que no basta con instrumentalizar los
profesores para que realicen en sus aulas la lectura intersemiótica del texto literario en su
relación con el pictórico, fotográfico y fílmico, como si el trabajo con esos textos contara
solo con el embasamiento teórico de los profesores sobre el asunto; hay, junto a eso, la
necesidad de una discusión sobre las prácticas de lectura considerando las inter-relaciones
textuales en cursos de formación para formadores de lectores. Por lo tanto, es de extrema
pertinencia realizar, en los espacios de formación para profesores, un trabajo de reflexión que
cuente con la experiencia del profesor.
uma formação específica para tratar das relações entre os diferentes textos nos seus processos
intersemióticos dificulta o desenvolvimento de práticas de leitura por esse viés. Enfatiza-se
também o quanto o planejar deve fazer parte da autoformação do docente: nossos sujeitos
perceberam que a condução de sua prática de formador de leitor deve ser acompanhada de um
planejamento que organize seu trabalho na sala de aula. E outro dado importante destacado
pelos professores foi a relevância de uma formação entre pares – professor formando
professor.
19
Toda rede de conhecimento necessita de fios que lhe deem uma boa sustentação para
aquilo a que se destina: inter-relacionar as ideias. Assim, neste capítulo, discorreremos sobre
linguagem, leitura, ensino de leitura intersemiótica e sujeito-leitor. Veremos percursos
tramados que nos ajudarão a dizer que, para refletirmos sobre a leitura do texto literário numa
relação intersemiótica com a pintura, a fotografia e o cinema, os conhecimentos sobre essa
relação são imprescindíveis no que tange à formação do formador do leitor do texto literário.
20
humana. A linguagem está no movimento, no gesto, na ação; ela nos faz perceber o dito e o
não dito das coisas, porque destas apreendemos sentido e significado em decorrência das
relações socioculturais que mantemos com ela. Somos, pela linguagem, afetados,
sensibilizados, então ela passa a significar e, consequentemente, fazer sentido.
A linguagem tem uma dinâmica que acompanha o movimento do sujeito. Mesmo que
ela seja amparada, regulamentada num espaço sociocultural, o sujeito que dela faz uso a
particulariza, desenvolve seus próprios mecanismos de uso dessa linguagem. Quanto a isso,
afirma Certeau (2014, p. 87):
É preciso, portanto, especificar esquemas de operações. Como na literatura
se podem diferenciar “estilos” ou maneiras de escrever, também se podem
distinguir “maneiras de fazer” – de caminhar, ler, produzir, falar etc. (...)
Assimiláveis a modos de emprego, essas “maneiras de fazer” criam um jogo
mediante a estratificação de funcionamentos diferentes e interferentes.
Entendemos que, para um indivíduo estabelecer uma comunicação com um outro, será
necessário que ele transforme os elementos que compõem a realidade ou os elementos de seu
cotidiano em signos articulados entre si, a ponto de fazer com que seja coerente o que ele
procura comunicar a partir das interações estabelecidas entre as partes. Essa organização
sígnica que possui significado, que faz sentido é o que podemos dizer linguagem. E essa
linguagem apresenta-se das mais diversas formas para que os indivíduos se expressem,
comuniquem-se e interajam.
Geraldi (2006, p. 41), tratando de concepções de linguagem, faz três destaques: a) a
linguagem como expressão do pensamento – esta é basicamente vinculada aos estudos
tradicionais; desta forma, segundo essa concepção, pensa-se que, se o sujeito não se expressa
bem, ele não pensa; b) a linguagem como instrumento de comunicação – esta tem vínculo
com a teoria da comunicação, na qual a língua é vista como código para transmissão de
mensagem; e c) a linguagem como forma de interação – nesse caso, a linguagem é
compreendida para além da capacidade de transmissão de informações, muito mais como
lugar de interação entre sujeitos.
A partir dessa concepção interacionista apresentada por Geraldi é que nortearemos
nossas ideias sobre linguagem no âmbito do verbal e do não verbal.
É interessante notar que a linguagem do universo literário, como arte, dá um
tratamento todo especial ao signo que está sendo veiculado, sendo, também, uma forma de
inter-relacionar o sujeito ao signo. Os arranjos desses signos se fazem imagens, ampliando,
assim, as possibilidades de sua significação, ou seja, esse signo que faz parte da vida cotidiana
passa a ter outras significações no espaço da literatura. Não mais temos os signos com as
mesmas obrigações de falar do real do mundo factual, mas signos-imagens que falam a outras
imagens que os indivíduos têm em sua memória imaginante. Esta que consideramos a
agenciadora que organiza as muitas imagens do imaginário. Como podemos perceber, esse
signo-imagem não só revela um mundo que está na exterioridade da vida humana, mas
também na sua interioridade, ou, mais precisamente, no imaginário de cada sujeito leitor.
O contato com a linguagem literária se faz por intermédio do ato da leitura, mas não é
exclusivo dela. Esse ato implica o deslocamento do leitor para o espaço onde a literatura se
realiza e, nesse espaço, esta será compreendida. O espaço literário é, pois, mimético, assim a
sua “verdade”, frente ao mundo objetal, é fazer com que os signos-imagens sejam possíveis,
tendo em vista o contexto sociocultural. E o contexto em questão se evidencia pelo jogo de
representação da realidade que é próprio da literatura. Um jogo de realidade que só é possível
24
no campo do texto literário, que requer compreendê-lo, como enfatiza Iser (2002, p. 107),
“não como realidade, mas como se fosse realidade”. Por certo, um jogo ambíguo, complexo,
operacionalizado pelo leitor numa relação com o autor e com o texto literário. Percebemos
então, que, no espaço de representação da realidade literária, o que estará valendo são as
imagens que proliferam num espaço semiótico de signos-imagens que interagem com os
signos-imagens dos leitores, enfatizando possibilidades que se descortinam pelas relações que
eles mantêm com pontos de mirada que são suas experiências vividas na sua cotidianidade.
É bem verdade que o texto literário não se obriga a ter compromisso com a realidade
factual, mas o leitor o afirma como possibilidade quando consegue perceber vínculos com
suas experiências de mundo. Como se observa, no espaço da linguagem literária, “é-nos
absolutamente indiferente saber que tudo não passa de lenda, que é tudo ‘mentira’”
(AUERBACH, 2007, p. 10). O que de fato conta, assim entendemos, é a interação entre as
linguagens, a do mundo constituído e a do mundo das possibilidades imagéticas, a qual
favorecerá o sentido que se espera de um texto, seja ele verbal ou não verbal.
Enfatizamos também a relevância do estudo da linguagem não verbal para a
compreensão das dimensões das imagens para além dos aspectos verbais, porque entendemos
que as imagens-signos, sejam elas na pintura, na fotografia, no cinema ou noutras
manifestações visuais, não só existem para sensibilizar a visão, mas também para comunicar
ou expressar os movimentos da experiência humana. Isso já é mais do que suficiente para
empreendermos esforços para uma reflexão sobre a sua importância no meio onde nos
encontramos.
A linguagem não verbal nos leva a um pensar, não um pensar distanciado de nossos
sentidos, de nosso corpo, mas um pensar de corpos que se inter-relacionam, de corpos que
despertam os outros corpos e com eles se associam. Dessa forma, destaca Merleau-Ponty
(2004), agimos como um pintor, que oferece seu corpo ao mundo para que o mundo se
transforme numa pintura, ou numa imagem-signo que faz sentido, porque a presentificamos
quando a olhamos e, assim, juntamo-nos a ela.
Tornamo-nos cientes da imagem-signo quando passamos a perceber que ela habita a
nossa memória imaginante, isto é, a imagem se torna evidente para o sujeito quando ele
consegue por ela imaginar outras imagens, dando-se ao poder da criação. No momento em
que ela se mostra como uma visagem da linguagem não verbal, passamos a entender que a
imagem-signo tem sua existência na memória, porque, como sujeito, “imerso no visível por
seu corpo, ele próprio visível, o vidente não se apropria do que vê; apenas se aproxima dele
25
pelo olhar, se abre ao mundo” (MERLEAU-PONTY, 2004, p. 16). Isso implica reconhecer
que, quando vemos uma pintura, uma fotografia ou uma imagem fílmica, delas nos
aproximamos e vivemos sua textura, profundidade, cor, luminosidade etc. para que façam
sentido aos nossos sentidos. Ao vermos o mundo e suas coisas feitos em linguagem,
experimentamos as suas integridades.
O mundo é feito em linguagem, quer seja em sua concretude ou em sua abstração,
quer seja em sua exterioridade ou em sua intimidade, ou seja, através dela, ele se faz imagem
como representação. E, quando ele se permite a representações visuais, não podemos deixar
de perceber, como consideram Santaella e Nöth (2001), que as imagens visíveis surgem como
produções das imagens mentais dos que as executam, como da mesma maneira tais imagens
têm sua origem no mundo de nossas experiências cotidianas.
Lemos o mundo visível como linguagem não verbal quando interagimos com as
criações artísticas como a pintura, a fotografia, o cinema e outras. Esse mundo feito
linguagem se revela como signo ou representamen no momento em que “representa algo para
alguém” (PEIRCE, 2010, p. 46). Quando esse signo se projeta na mente do leitor, deparamo-
nos com o interpretante e, no instante em que algo é representado, constitui-se, para Peirce,
no objeto. Mas ressaltamos que esses três componentes do signo peirceano também são
perfeitamente perceptíveis aos signos-imagens da linguagem verbal.
O que nos chama atenção da linguagem verbal e da linguagem não verbal são as
capacidades de interação que elas nos favorecem em todo o processo de comunicação e
expressão humana. Elas dão condições ao indivíduo de agir em consonância com as mais
variadas formas nas quais se apresentam, e, assim, esse indivíduo passará a compreendê-las
em suas especificidades. As linguagens se revelam com um ou mais sentidos (são
plurissignificativas) e estes variam de acordo com as experiências de cada indivíduo. Os
sujeitos, em todas as suas organizações do agir pela linguagem, são favorecidos com a
capacidade múltipla das linguagens e, por elas, expandem as relações e inter-relações com seu
meio.
O diálogo produtivo entre as artes, ou entre as linguagens, enfatiza o poder de criação
que uma favorece à outra, ou seja, potencializa o poder de criação de cada uma delas. Suas
interseções ou suas intersemioticidades são fontes de criação ou recriação de linguagens a
partir das tensões com as quais os artistas da palavra ou das imagens tendem a representar o
mundo como sentem, percebem ou vivem esse mundo e suas experiências. Dá-se, então, uma
transformação do mundo pelo imaginário do artista. Como bem destaca Silva (2002, p. 19), “é
26
da transformação que o imaginário impõe à representação do mundo que nasce a obra. Assim
como é da transformação que outros artistas impuseram ao mundo que nasce uma outra
transformação”. Isto é, uma criação colabora para outra criação infinitamente, facultando-nos
a percepção de suas correspondências, de seus cruzamentos. Ou seja, as criações artísticas
favorecem a todos
ler para escrever. Citar para reescrever. Ver para recriar. A biblioteca e o
museu, ou seja, esses espaços privilegiados em que se desenvolve ou se
desenrola uma significação das obras são, pois, sobretudo, formas de diálogo
entre as obras que, para significar, se iluminam umas às outras. (SILVA,
2002, p. 22).
Tendo em vista esses fios da linguagem, vejamos como eles se enovelam com os fios
da educação.
1
Entendemos por humanização “o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais,
como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das
emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, senso da beleza, a percepção da complexidade do
mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura [acrescentamos aqui as outras artes] desenvolve em nós a
quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o
semelhante”. (CANDIDO, 2012, p. 29).
28
de ampliar suas relações pessoais e interpessoais pelas linguagens, mais ele responderá de
forma satisfatória quanto às suas ações socioculturais em decorrência da sua sensibilização
frente à natureza criante.
Ao promovermos um ato de leitura em que se consideram as relações entre as artes,
estamos sem dúvida estimulando os leitores a também serem motivados à criação por essas
linguagens que fazem parte de sua vida social e cultural. Somos seres sensíveis e nos
deixamos afetar em nossa sensibilidade pelas criações artísticas, porque
inata ou até mesmo inerente à constituição do homem, a sensibilidade não é
peculiar somente a artistas ou alguns poucos privilegiados. Em si, ela é
patrimônio de todos os seres humanos. Ainda que em diferentes graus ou
talvez em áreas sensíveis diferentes, todo ser humano que nasce, nasce com
um potencial de sensibilidade. (OSTROWER, 2010, p. 12).
Isso implica que as nossas práticas pedagógicas tradicionais de leitura, nas quais
impera largamente a linguagem verbal, necessitam ser revistas em decorrência das
multilinguagens que estão cobrando uma nova postura no quesito leitura e suas práticas.
Muitos podem alegar que suas formações não os habilitaram a isso, que não foram
instrumentalizados a respeito de uma prática de leitura intersemiótica; isso é fato, mas
também não se pode mais ignorar essa realidade quando o aluno se vê diante da necessidade
29
Esse posicionamento leva-nos a considerar que uma educação que valoriza a leitura do
texto literário favorece uma atitude participativa do leitor frente à realidade cotidiana, porque
o ato de ler desperta consciência sobre a complexidade da vida e de como agir diante das
muitas questões que possam se apresentar. Então, articular, fazer dialogar o texto literário
com as outras linguagens é reforçar a relevância da linguagem literária como importante
mediadora das outras linguagens da natureza criante.
Observemos, portanto, que lidar com a linguagem literária é lidar com um importante
e poderoso arsenal de imagens que se permitem interagir com as outras imagens como as que
já anunciamos anteriormente. Horácio (2005, p. 65) já dizia em sua Poética que “poesia é
como pintura”, mas, bem sabemos, ele não falava de uma relação ao livre sabor do artista,
mas sob os critérios de uma linguagem que tinha como modelo a vida, ou seja, tratava-se de
“imitar”, à custa de um rigor de formalidade em que ele, no seu tempo, acreditava. No
entanto, apostamos numa poesia que é como pintura, sobre a qual prevalece a liberdade
imaginativa e que favorece a criatividade. Como podemos notar, a discussão sobre as relações
entre as artes já vem de bem longe no tempo.
Também sobre a relação entre as artes, Souriau (1965, p. 7) argumentou: “nada mais
evidente que a existência de uma espécie de parentesco entre as artes. Pintores, escultores,
31
músicos, poetas, são levitas no mesmo templo. Se não servem às mesmas divindades, servem
desde logo a divindades análogas”2. Isso implica entender que o grau de parentesco ou de
intersemioticidade entre as artes é uma evidência irrefutável e, por essa razão, urge estudá-las
e discuti-las em nossas salas de aulas.
O exercício da linguagem literária é imprescindível para a maturidade da humanidade,
dizemos isso por entendermos que o diálogo com a realidade cotidiana nos faz chegar ao
espaço da literatura por intermédio de nossos próprios espaços de experiências e vice-versa.
Dessa forma, revemo-nos, reencontramo-nos por entre as fissuras dessa linguagem. Por isso,
ancoramo-nos no que fala Barthes (1997, p. 18):
Se, por não sei que excesso da socialismo ou de barbárie, todas as nossas
disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto numa (sic), é a
disciplina literária que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes
no monumento literário.
Essa declaração de Barthes ainda mais motiva nossos argumentos sobre a relevância
de um ensino pautado numa prática de leitura do texto literário articulado a outras linguagens,
possibilitando ao sujeito-leitor mais chances de interação com a sua existência.
Refletindo sobre as formas de articulação entre as artes verbo-visuais em práticas
didáticas, Roiphe (2011) estabeleceu três categorias de análise: 1. articulação determinada,
que é aquela em que o texto literário já traz uma imagem não verbal na constituição de seu
gênero; 2. articulação referida, a que se refere a uma imagem não verbal de forma direta ou
indireta no texto literário; e 3. articulação proposta, que é aquela cuja imagem não verbal é
posta numa relação intertextual com o texto literário, por uma escolha do professor,
objetivando alargar os sentidos da leitura.
A partir do que deixa dito Roiphe (2011), acrescentamos ser de grande importância o
conhecimento das linguagens não verbais para maior aproveitamento de uma prática de
leitura. Neste trabalho, chamamos atenção, particularmente, para as que são de nosso
interesse: a pintura, a fotografia e o cinema. Adverte-nos Dondis (1991) que o significado de
uma imagem visual não se encontra exclusivamente na sua representação, na informação do
ambiente, nos símbolos, ou na própria linguagem, mas também nas formas das composições
existentes e coexistentes com o que está expresso factual e visualmente, isto é, uma imagem
2
“nada más evidente que la existencia de uma especie de parentesco entre las artes. Pintores, escultores,
músicos, poetas, son levitas en el mismo templo. Si no sirven a las mismas divindades, sirven desde luego a
divindades análogas”. (SOURIAU, 1965, p. 7, tradução nossa.).
32
visual é uma forma com conteúdo, mas esse conteúdo é influenciado pelo que o constitui,
como cor, tom, textura, dimensão, proporção, além das relações de composição com o
significado.
Esses aspectos devem ser observados quando estudadas a pintura e a fotografia. E,
além dos aspectos apontados, ao estudarmos com os alunos as imagens do cinema, atentemos
para o movimento de câmera, pois neste incide sua linguagem em particular quando ela
conduz nosso olhar nos aproximando ou distanciando de alguma coisa; posicionando nossa
visão de cima para baixo ou de baixo para cima; fazendo-nos acompanhar sua movimentação
ao ponto de interesse que está a nossa frente.
Um dado significativo no trato com todas essas linguagens em destaque é que elas não
devem ser tratadas em sala de aula de modo a hierarquizá-las, como se uma tivesse de se
sobrepor a outra. Todas têm sua participação relevante para uma prática de leitura do texto
literário, que leva em conta que tudo na vida está integrado, os seres e as coisas não estão
isolados no mundo. Tudo dialoga com o desenvolvimento do mundo. Assim, percebemos que
tudo tem sua razão de ser e acontecer em nosso meio sociocultural e tudo colabora com a
formação humana.
Como podemos notar, há uma ênfase no que diz respeito à semelhança, conduzindo a
nossa compreensão de imagem a partir das afinidades entre dois ou mais corpos que, em dada
circunstância, se refletem e passam a manter relações de identidade. É a aparência das coisas
que dá relevo aos sentidos, mesmo as abstrações, porque “a semelhança de uma coisa, assim
posta em relevo, é sua direta qualidade estética” (LANGER, 1980, p. 52).
Para Santaella (2012, p. 16-17), a palavra imagem tem um caráter que é ambíguo e
polissêmico, porque, necessariamente, não se atém unicamente ao visual. Quanto a isso, ela
apresenta três principais domínios da imagem: o domínio das imagens mentais, imaginadas e
oníricas; o domínio das imagens diretamente perceptíveis; e o domínio das imagens como
representações visuais. Além desses domínios, mais outros dois podem ser reconhecidos,
como o domínio das imagens verbais, construídas por meios linguísticos, tais como as
metáforas, descrições; e o domínio das imagens ópticas, tais como espelhos e projeções.
Ainda destaca Santaella (2012, p. 19) que há três modalidades de imagens:
Primeiro, as imagens em si mesmas, que se apresentam como formas puras,
abstratas ou coloridas. Segundo, as imagens figurativas, que se assemelham
a algo existente no mundo, ou supostamente existente, como são as figuras
imaginárias, mitológicas, religiosas etc. Há ainda as imagens simbólicas.
Por isso, percebemos que a imagem não só se aplica à esfera do natural, mas também
se remete àquelas que são criadas para significar a partir de seu efeito estético. Dessa forma, o
34
sentido de uma imagem não está nela, mas no que ela significa para quem a vê, porque o que
é visto se esquematiza a partir das relações socioculturais experienciadas.
No que compete à imagem verbal, especificamente à literária, Paz (1982, p. 119)
considera que toda forma verbal é imagem e cada imagem “contém muitos significados
contrários ou díspares, aos quais abarca ou reconcilia sem suprimi-los”. Ele destaca que a
imagem, no universo da literatura, “diz o indizível”, isso porque “há que retornar à linguagem
para ver como a imagem pode dizer o que, por natureza, a linguagem parece incapaz de dizer”
(PAZ, 1982, p. 129). E ele ainda diz que “as imagens poéticas têm a sua própria lógica”
(Idem, p. 131), cujo sentido está nela mesma, ou seja, “a imagem explica-se a si mesma”
(Idem, p. 133). Nesse sentido, entendemos que uma imagem literária exige a participação de
nosso imaginário para que as muitas imagens de nossas experiências interajam com aquela e
signifiquem.
A imagem, assevera Metz (1973, p. 10),
não constitui um império autônomo e cerrado, um mundo fechado sem
comunicação com o que o rodeia. As imagens – como as palavras, como
todo o resto – não poderiam deixar de ser “consideradas” nos jogos do
sentido, nos mil movimentos que vêm regular a significação no seio das
sociedades. A partir do momento em que a cultura se apodera do texto
icônico – e a cultura já está presente no espírito do criador de imagem –, ele,
como todos os outros textos, é oferecido à impressão da figura e do discurso.
mediadas pelo imaginário e estas só são possíveis quando o leitor as entende pelo pacto do
como-se proporcionado pelo texto imaginativo, ou seja, há uma necessidade de estabelecer
relações com o que circunstancia a vida humana para que as ações das personagens façam
sentido. As ações das personagens são simbolicamente constituídas e, como tais, devem ser
compreendidas. A mesma coisa acontece com a imagem da pintura de Munch, “O grito”, que
só significará quando interagirmos com a expressão de horror da figura central da tela pelos
nossos esquemas simbólicos e imaginativos, os quais são compactuados no ato da leitura pelo
leitor de imagem.
Sobre a mimese III, Ricoeur (1994, p. 110) diz que esta “marca a intersecção entre o
mundo do texto e o mundo do ouvinte ou do leitor”. Essa mimese se caracteriza pela sua
presença entre o mundo das experiências práticas e o mundo das experiências imaginativas da
arte, incidindo sobre o leitor a responsabilidade de interseccionar o mundo da arte
(configurado) com o mundo onde as ações mundanas se efetivam. Observamos que a mimese
III delega ao sujeito-leitor contatar as suas próprias experiências pelas experiências
configuradas. Então, “o ato da leitura é assim o operador que conjuga mimese III e mimese
II” (RICOEUR, 1994, p. 118). Para exemplificar essa mimese, recorremos ao romance de
Graciliano Ramos, “São Bernardo”, cujo protagonista, Paulo Honório, começa a narrar sua
trajetória de vida, escrevendo uma carta. O leitor, para interagir com as imagens dessa
narrativa, recorre aos seus esquemas simbólicos, que vão desde a produção de uma carta até
como se deram a ascensão e a queda do protagonista com a compra de uma fazenda, passando
por seu casamento com a personagem Madalena. Para que tais esquemas simbólicos se
realizem como imagem para o leitor, é necessário que ele recorra ao seu imaginário,
estabelecendo uma relação entre os elementos e as ações desenvolvidas na trama e a sua
própria realidade factual de forma sequenciada temporalmente. Isso porque as imagens do
romance não são frutos de arranjos aleatórios de imagens numa obra, mas sim das relações ou
interações que o sujeito-leitor mantém com a sua cultura; só assim elas fazem sentido.
Podemos também dizer, por exemplo, que a pintura “Guernica”, de Pablo Picasso, cuja
imagem expõe o horror de um bombardeio numa vila da Espanha, é uma obra que, para ser
compreendida como tal, exige uma certa experiência do leitor com fatos da história que foram
ocorridos num dado tempo. O leitor recorre aos seus símbolos, buscando na história
elementos que deem suporte à compreensão do que se passa naquela tela. Os fatos históricos
fazem parte do passado do leitor, o que lhe resta é contar com seu imaginário para alocar as
imagens que digam a ele o que ele está vendo na pintura para que esta possa fazer sentido.
37
Todo ser humano é um ser de natureza poética porque ele naturalmente narra, conta as
suas experiências de vida e a deseja fazer eterna. Ler o texto literário é isto, desejar (re)ver a
vida eternizada nas imagens que dormem no silêncio de nossa mais secreta intimidade. E a
leitura é nosso percurso antropológico para nos fazer chegar até a esse outro lado do mundo
das imagens e despertá-las, re-animá-las para, assim, ouvirmos nossos cantos de vida
primeira, nossa ancestralidade.
Pelo texto literário, nós nos permitimos chegar a nós mesmos como imagem através
das nossas próprias imagens. A literatura é mundo de imagem que se apresenta e se re-
apresenta com uma forma tramada por palavras. Estas são nossos fios de Ariadne, que nos
permitem percorrer o labirinto de uma vida, lutar com o Minotauro e retornarmos fio a fio
com mais outros fios de palavras-imagens para darmos sequência a nossa existência. Temos
em Ariadne o fio da esperança, do retorno e do porvir, e, na contramão, o Minotauro
ameaçador, a morte personificada, uma imagem que ameaça a outra, inquieta e, ao mesmo
tempo, causa curiosidade; e Perseu, a promessa da continuidade da vida, é o leitor, que
adentra no grande labirinto das imagens munido das armas da imaginação para a luta contra o
inusitado, o Minotauro e, de lá, retorna vitorioso aos braços da esperança e cheio de outras
imagens.
38
Provavelmente nos perguntemos o que vem a ser um texto, e, como uma possibilidade
de resposta, Kothe (1981, p. 17) replica:
O texto equivale à partitura musical; a leitura equivalente à execução. A obra
não é, porém, apenas o texto executado: é preciso ouvi-lo também. O texto, o
artefato, é como Lázaro no túmulo: a leitura é a sua ressurreição. Textos são
cadáveres que ressuscitam de seus túmulos ao toque das mãos e dos olhos do
leitor. Cada texto é uma fênix pronta a renascer das cinzas. Texto é textura;
tecido é textura. Um tecido posto no microscópio aparece como uma rede:
essenciais à rede não são apenas os seus fios, mas também os seus vazios.
E como se tecem esses fios? Tecemo-los com nossas imagens, preenchendo esses
possíveis vazios entre os espaços dessa rede na medida de nossas leituras. Por esse ato de
leitura, ouvimos e vemos as imagens e fiamos com elas mais outras imagens numa roca que
nunca para; há sempre um porvir de imagens.
É-nos, mais das vezes, estranho esse mundo das imagens, que ora se narra, ora verseja
sobre quem somos e como vivemos. Mas é próprio da sua natureza provocar estranhamento,
porque a única certeza que temos desse mundo-imagem são as suas provocações para atirar-
nos de frente com as nossas próprias imagens e confrontar-nos com as nossas verdades mais
íntimas. Esse espaço provocador é o mundo de nosso devaneio, como declara Bachelard
(1988, p. 8), “um mundo [que] se forma no nosso devaneio, um mundo que é o nosso mundo.
E esse mundo sonhado ensina-nos possibilidades de engrandecimento de nosso ser nesse
universo que é o nosso”.
O texto literário é feito de imagens, é o mundo, como já dito, dos nossos devaneios
poéticos; é, como destacado por Bachelard (1988, p. 13), “uma abertura para um mundo belo,
para mundos belos. Dá ao eu um não-eu que é o bem do eu: o não-eu meu. É esse não-eu meu
que encanta o eu do sonhador e que os poetas sabem fazer-nos partilhar”. Como se percebe,
temos um mundo que se faz mundo com nossas experiências, em todos os sentidos. Ele é um
espaço que nós leitores realizamos pelas fímbrias mantidas com os espaços do mundo objetal
a partir do momento em que agimos pela leitura. Esta é a chave de acesso ao outro lado, o
lado das imagens.
E o que é ler o texto literário? Para podermos tentar responder a essa pergunta,
supomos que seja necessário dizer o que entendemos por literatura. É evidente que não
estamos querendo conceituar literatura, pois a teoria já o vem realizando a contento, mas
apontar uma ideia que nós perseguimos para mais adiante discutirmos o que compreendemos
sobre leitura do texto literário e seu ensino.
39
Como vemos, nossa compreensão sobre literatura aporta-se nos arranjos significativos
com os quais as palavras-imagens se ordenam no instante do ato de interseção com a palavra
do leitor, isto é, elas copulam, fazendo vir outra palavra-imagem infinitamente plural e
resultando dessa cópula outros textos, outras relações criantes. O ato da leitura do texto
literário é também o de copular. A partir dessa compreensão de literatura que temos, podemos
partir para uma reflexão que nos ajude a dizer o que é leitura do texto literário.
Manguel (1997, p. 42) argumenta que “a leitura começa com os olhos”, ou seja, com
um dos órgãos dos sentidos importante para a percepção humana, mas que não é exclusivo
para fazer compreensível o que é visto por ele. Há mais que olhos para compreender o mundo.
Ele acrescenta que, para Aristóteles, o olho era comparado a um camaleão, que assume a
forma, a cor do que é visto e, assim, estabelecem-se conexões dele com os outros órgãos,
como o coração, o fígado, os pulmões, a bexiga e os vasos sanguíneos, gerando movimentos e
sentidos. Ainda Manguel (1997) diz que, para Aristóteles, o observador era um ser passivo3;
recebendo o visto pelo ar, que era, em seguida, recepcionado pelo coração, entendido como o
centro de todas as sensações. Como podemos perceber, tal compreensão aristotélica sobre a
receptividade do olho é de extrema visceralidade. Por outro lado, um médico grego, seis
séculos depois de Aristóteles, chamado Galeno, disse que o observador, por tornar o ar
3
Na poética de Aristóteles (2005), embora não esclareça com maior profundidade a ideia de catarse, esta se
encontra na contramão desse ser “passivo” que é apresentado por Manguel (1997). Diz Aristóteles (2005, p. 24):
“É a tragédia a representação duma ação grave, de alguma extensão e completa, em linguagem exornada, cada
parte com o seu ativo adequado, com atores agindo, não narrando, a qual, inspirando pena e temor, opera a
catarse própria dessas emoções”. Podemos observar que a catarse indica uma reação emocional provocada por
uma ação imitada (mimese) por um ator, artista ou escritor no espectador, observador ou leitor. A imitação, por
sensibilizar, ativa a emoção.
40
sensível, passa a ter um papel ativo; assim, a raiz da visão estava no cérebro. Mas sabemos,
pelo que nos diz Manguel (1997, p. 54-55),
que a leitura não é um processo que possa ser explicado por meio de um
modelo mecânico; sabemos que ocorre em certas áreas definidas do cérebro,
mas sabemos também que essas áreas não são as únicas a participar;
sabemos que o processo de ler, tal como o de pensar, depende da nossa
capacidade de decifrar e fazer uso da linguagem, do estofo de palavras que
compõe texto e pensamento.
O ato de vermos o mundo e as suas coisas, naturalmente, já nos impõe uma leitura,
porque, para nos relacionarmos com o que está sendo visto, é necessário que o mundo e as
suas coisas sejam transmutados em imagens, assim, elas interagirão com as muitas outras
imagens que nós leitores já temos em nossa memória imaginante. A leitura do texto literário é
atitude, é gesto de ler aproximando-se da obra e vendo as suas imagens. Tais imagens foram
desenvolvidas pelos nossos envolvimentos socioculturais.
A história aponta para três revoluções significativas em termos de leitura, assim
destacadas por Chartier (1999): a primeira ocorreu na Idade Média, quando a leitura passou da
prática oral para a silenciosa, surgindo com isso outras perspectivas de compreensão da leitura
como ato livre, íntimo, reservado; a segunda aconteceu nos séculos XVIII e XIX, na era da
impressão, quando proliferaram jornais, livros e espaços de leitura, que trazem consigo o
surgimento de novos leitores, ávidos pelo consumo do livro, graças ao desenvolvimento de
escolas; e a terceira revolução acontece na nossa época, com o advento da tecnologia
eletrônica, que faz surgir no mundo o texto eletrônico, ampliando o acesso dos leitores aos
textos em seus diferentes gêneros. Nesse caso, observa-se que os leitores passaram a interagir
de forma mais incisiva com o texto, podendo alterá-lo, participar como coautores, imprimir-
lhe nova configuração, diferentemente do que poderia ser feito com o texto impresso, que
impõe limites ao leitor.
Em qualquer circunstância, “a leitura é sempre produção de sentido”, como alega
Goulemot (2011, p. 107), e com ele concordamos porque, a partir do momento em que a
leitura nos envolve, ela vai favorecendo o surgimento de novas produções em decorrência do
caráter polissêmico do texto. E, no caso da leitura do texto literário, ela favorece a produção
de mais outros textos a partir dos muitos que temos por nossa experiência cultural.
Destacamos ainda que o jogo polissêmico do texto literário incita, por suas imagens, a
criações de outras produções criativas, como a pintura, a fotografia e o cinema.
41
À medida que a leitura do texto literário vai se desenvolvendo, o leitor vai criando
novas perspectivas significativas e de sentidos que vão além dos que foram articulados pelo
autor da obra. Isso reforça o caráter sempre original do texto literário, ou seja, por mais que
pareçam um déjà vu, as imagens nas narrativas ou em um poema são sempre novidades,
porque a sua leitura “é uma revelação pontual de uma polissemia do texto literário”, ressalta
Goulemot (2011, p. 108).
A leitura do texto literário se desenvolve em meio ao enfrentamento de corpos, isto é,
quando estamos lendo, movimentamos nosso corpo em direção ao livro, seguimos suas trilhas
com nossos olhos, ficamos ansiosos, sorrimos, choramos, abraçamos o livro, beijamos,
cheiramos as suas páginas, sentimos a sua textura, sentamos com ele, deitamos com ele, e
desejamos que o tempo não nos impeça de continuar a sua leitura até chegarmos ao fim
daquelas páginas de prazer. Nosso corpo interage com o outro, dialoga com ele; vamos até a
sua intimidade e compartilhamos a nossa com a dele, em imagens. Assim estabelecemos
contato com o outro à medida que transpomos a fronteira de nossa realidade até a realidade do
outro, e nos fazemos temporariamente iguais, como imagens tão verdadeiras quanto as que
vemos refletidas no espelho de nosso quarto. Isso porque o texto literário é o espaço do
speculum onde tudo se vê em reflexo, está à vista, mas nada do que é visto o é, porque tudo é
tão somente possibilidade de imagem.
O texto literário é, por essência, intertextual, ou é, como diz Goulemot (2011), a
biblioteca. Abrimos as suas portas e adentramos num universo com arranjos especiais de
outros textos, com os quais nos identificamos. Eles fazem parte de nosso acervo, eles
compõem nossa história de vida, nossas experiências sobre o mundo e tudo que neste temos
como nossas referências socioculturais. E (re)lemos nessa biblioteca não o livro passado, mas
o livro presente, isso porque nossas relações já possuem novas características, novos valores,
novos sonhos e desejos. O texto de ontem é o ponto de partida, o que perseguimos é a
sequência desse ponto que se realiza com aspectos de nossa contemporaneidade.
A literatura, na concepção de Samoyault (2008, p. 47),
se escreve com a lembrança daquilo que é, daquilo que foi. Ela a exprime,
movimentando sua memória e a inscrevendo nos textos por meio de um
certo número de procedimentos de retomadas, de lembranças e de re-
escrituras, cujo trabalho faz aparecer o intertexto. Ela mostra assim sua
capacidade de se constituir em suma ou em biblioteca e de sugerir o
imaginário que ela própria tem de si. Fazendo da intertextualidade a
memória da literatura, propõe-se uma poética inseparável de uma
hermenêutica: trata-se de ver e de compreender do que ela procede, sem
separar esse aspecto das modalidades concretas de sua inscrição.
42
Essa ideia de intertextualidade como memória da literatura alarga a nossa visão sobre
o que venha a ser leitura do texto literário, porque o que está na nossa memória são as
inúmeras imagens de nossas experiências vivenciadas em todos os contextos: sociais,
culturais e históricos. No ato da leitura, as imagens se conectam, elas respondem aos apelos
das outras imagens e vêm com elas interagir e se fazerem outras. Isso nos deixa confortável
para afirmar que os intertextos, no espaço do texto literário, são resultantes das interconexões
e interações estabelecidas entre as imagens nos atos de leituras com as imagens de nossa
memória imaginante, assim, as imagens-signos são interconectadas para que o texto faça
sentido. Por essa razão, entendemos que as imagens têm carências umas das outras, como
numa rede; elas são interconectadas, infinitamente, porque uma imagem significa em função
de uma outra.
Observemos que, para Cosson (2014), há caminhos de leituras para o texto literário,
sendo quatro os elementos para esse percurso: leitor, autor, texto e contexto; e três objetos:
texto, contexto e intertexto. No entanto, devemos observar que, para cada objeto, há quatro
modos de ler. Vejamos:
Para o contexto, temos: leitura do contexto-autor, que procura observar a relação da
obra literária com o seu autor; leitura do contexto-leitor, que traça um paralelo entre a obra e a
história de vida do leitor; leitura do contexto-texto, que procura ver no texto elementos do
contexto que indiquem temática, estilo ou gênero; e leitura do contexto-intertexto, nesse caso,
a obra é lida como um documento pelo qual o leitor é levado a conhecer ou discutir questões
da sociedade ou algo de seu saber.
Quanto ao texto, temos: leitura do texto-autor, esta trata do estilo do autor, de sua
identidade de escrita; leitura do texto-leitor, em que as imagens sensoriais encontradas na
trama afetam diretamente o leitor, sensibilizando-o, provocando a sua emoção, assim, tem-se
o efeito da obra sobre o leitor; leitura texto-contexto, esta está relacionada à forma material de
feitura da obra, projeto de editoração e os paratextos; e leitura texto-intertexto, esta está
relacionada à linguagem literária, levando a perceber a organização dos recursos estilísticos
para construir os seus sentidos.
E, para o intertexto, temos: ler intertexto-autor, observa-se que o leitor busca na
biografia do escritor, na sua formação cultural e nas leituras de textos lidos que deixaram
rastros na sua obra, elementos que o ajudem a dialogar com autor; ler intertexto-texto, o leitor
identifica na obra outros textos que colaboraram para a sua feitura; ler intertexto-leitor, as
43
A semiologia foi concebida por Saussure, que a entendia como ciência que estuda os
signos pelas dinâmicas que são estabelecidas nas relações sociais, ou seja, como “uma ciência
45
que estude a vida dos signos no seio da vida social” (1995, p. 24). E a respeito dessa ciência
Barthes (1992, p. 11) ressalta que
prospectivamente, a Semiologia tem por objeto, então, qualquer sistema de
signos, seja qual for sua substância, sejam quais forem seus limites: imagens,
os gestos, os sons melódicos, os objetos e os complexos dessas substâncias
que se encontram nos ritos, protocolos ou espetáculos, se não constituem
‘linguagem’, são, pelo menos, sistemas de significação.
Outro possível conceito de semiótica que corrobora nossa busca por compreender as
trajetórias dos signos ao nosso derredor é o que nos apresenta Nöth (1995, p. 17) ao dizer que
“a semiótica é a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na
cultura”. Tal posicionamento nos faz perceber que o signo tem sua significação e pertinência
na mobilidade da natureza humana, das coisas, das ideias, dos animais, pois tudo é visto e
compreendido pelos sistemas de signos em suas relações sociais e culturais. Assim, nossa
concepção de semiótica está ancorada nas ideias apresentadas por Nöth.
Em observância a essa compreensão a respeito de semiótica e semiologia é que
chegaremos a entender o que é intersemiótica. É Jakobson (1995) quem primeiro nos dá um
direcionamento sobre o assunto, ao tratar de tradução. Ele estabelece três tipos de tradução: a
intralingual, a interlingual e a inter-semiótica4. E é esta última que nos interessa discutir. Para
ele, “a tradução inter-semiótica ou transmutação consiste na interpretação dos signos verbais
por meio de sistemas de signos não verbais” (1995, p. 65).
Com isso, fica evidente que as relações entre sistemas sígnicos distintos, presentes na
literatura, na pintura, na fotografia, no cinema, na música e em tantas outras expressões da
4
A grafia da palavra “inter-semiose” como palavra composta ligada por hífen está de acordo com a escrita do
autor referido.
46
linguagem, são observáveis pelos estudos da tradução intersemiótica. A esse respeito, Júlio
Plaza (1987, p. 30) declara que “numa tradução intersemiótica, os signos empregados têm
tendência a formar novos objetos imediatos, novos sentidos e novas estruturas que, pela sua
própria característica diferencial, tendem a se desvincular do original”.
As relações entre sistemas sígnicos diferentes são relações intersemióticas, as quais
produzem um terceiro, que deverá ser compreendido em observância às especialidades de
cada signo em interação dialógica. E é por essa interação dialética que se darão nossos
apontamentos sobre leitura intersemiótica.
O leitor lê signos e com estes se relaciona constantemente para entender o mundo que
o cerca e poder assim interagir com ele. O signo se constitui em linguagem verbal ou não
verbal para poder dizer ao leitor o que propõe comunicar, fazendo-o participar de seu meio
sociocultural com elaborações e reelaborações de formas de linguagens que se inter-
relacionam permanentemente. A linguagem é múltipla. Pignatari (2004, p. 100) diz que
A multiplicação e a multiplicidade de códigos e linguagens criam uma nova
consciência de linguagem, obrigando a contínuos cotejos entre eles, a
contínuas operações intersemióticas e, portanto, a uma visada
metalinguística, mesmo no ato criativo – ou, melhor, principalmente nele,
mediante processos de metalinguagem analógica, processos internos ao ato
criador.
Ao ler, o leitor arranja as imagens-signos que traz consigo com as que ele vê no texto.
Por uma “ação do signo”, à medida que ele vai lendo, opera-se uma transmutação de uma
imagem-signo em outra, estabelecendo-se uma compreensão significativa do texto. Esse
procedimento leitor, entendemos como um ato de leitura intersemiótica. Assim dizemos, em
razão do que afirma Plaza (1987, p. 18) sobre tradução:
Por seu caráter de transmutação de signo em signo, qualquer pensamento é
necessariamente tradução. Quando pensamos, traduzimos aquilo que temos
presente à consciência, sejam imagens, sentimentos ou concepções (que,
aliás, já são signos ou quase-signos) em outras representações que também
servem como signos. Todo pensamento é tradução de outro pensamento,
pois qualquer pensamento requer ter havido outro pensamento para o qual
ele funciona como interpretante.
Pelo que se percebe, o leitor está inteiramente comprometido com as imagens em seus
aspectos visuais, linguísticos e também sonoros, sendo estes inseparáveis para que se tenha o
49
sentido de um texto. Entendemos que ler o texto literário é ler a imagem em suas mais
variadas características, porque, durante a leitura, vamos criando, ou melhor, vamos nos re-
interconectando, por analogia, com imagens de pessoas, elementos da natureza, animais etc.;
todas elas estão na nossa memória imaginante, ou fazem parte de nossas experiências de vida,
portanto, urge uma atenção para as inter-relações entre os vários sistemas sígnicos dos textos.
Mas isso desde que entendamos texto como todas as organizações compostas pelos sistemas
sígnicos, quer de ordem verbal quer de ordem não verbal, que fazem parte de nosso domínio
cultural como literatura, pintura, fotografia, cinema, arquitetura, música etc.
De acordo com Perrone-Moisés (2005, p. 85), “o que hoje verificamos não é só uma
dissolução das fronteiras entre os gêneros literários mas também uma abolição das fronteiras
entre as diferentes artes”. Isso implica termos a responsabilidade de uma prática de leitura do
texto literário atentando para as possíveis ocorrências intergêneros e interartes. Outro que
também demonstra não ter mais essa preocupação com as fronteiras entre as artes é Butor
(1974, p. 242), ao declarar que:
Podemos ter hoje a ideia de uma literatura de não sei que século futuro que
seria ao mesmo tempo arquitetura e livros: sítios, monumentos trabalhados
de tal forma que aí pudessem ocorrer acontecimentos admiráveis, nos quais a
linguagem apareceria sob todos os seus aspectos, mas não fechados sobre si
mesmos, em comunicação com toda uma rede de ressoadores imóveis ou
móveis, portanto ao mesmo tempo localizados e difusos, ao mesmo tempo
destrutíveis e permanentes.
À medida que vamos lendo um texto literário, vamos interagindo com suas imagens-
signos, cruzando imagens e interconectando outras, as outras de nossas experiências
imaginantes, de nossas vivências de imagens, como numa grande rede. Por esse jogo de
relações, vamos percebendo que uma leitura intersemiótica do texto literário vai apontando as
transformações, ou as transmutações que foram operacionalizadas durante o processo de
tradução intersemiótica de uma obra. Esse procedimento leva-nos a perceber que “a tradução
é um processo mimético entre sistemas de signos” (KOTHE, 1981, p. 129), porque,
conscientes de como ocorreram as articulações, no ato da leitura, veremos que os processos
intersemióticos fazem gerar outras obras.
Chamamos atenção para outro aspecto da leitura intersemiótica que é o de esclarecer o
leitor sobre os processos adaptativos que são operacionalizados pelas traduções
intersemióticas dos textos verbais e não verbais, destacando que adaptação, como esclarece
Hutcheon (2011), será pensar uma obra como um palimpsesto, ou seja, entender que uma obra
sofreu transformações miméticas sem negar ou mostrar-se mais significativa que a outra que
serviu de base para a nova obra. Quanto a isso, a autora argumenta que “a adaptação tem sua
própria aura” (2011, p.27), considerando a existência da obra adaptada em seu tempo e
espaço.
É preciso notar que o novo texto que surgiu de um outro não deve ser lido nem
compreendido como o de origem, isso porque
A adaptação é repetição, sem replicação. E há claramente várias intenções
possíveis por trás do ato de adaptar: o desejo de consumir e apagar a
lembrança do texto adaptado, ou de questioná-lo, é um motivo tão comum
quanto a vontade de prestar homenagem, copiando-o. (HUTCHEON, 2011,
p. 28).
Aquele que adapta uma obra é livre no processo criativo, sem compromisso com
“fidelidade” ao texto que motivou a nova criação. O que está valendo são os ganhos que o
leitor tem ao vislumbrar um novo texto com as características peculiares de seu novo suporte
ou meio, com os usos da linguagem que lhe são próprios. Disso salientamos que os processos
adaptativos, ou de transcodificação, ou de tradução intersemiótica, são formas de leituras
sobre as quais predomina o ponto de vista ou perspectiva do leitor/adaptador, isto é, o leitor-
51
adaptador, ou autor do novo texto, desenvolve a leitura a partir de seu olhar em razão das
condições socioculturais em que se encontra.
Como vimos, a leitura intersemiótica do texto literário aponta outra perspectiva de
leitura e interação com o texto.
ao exercício da leitura. O que o formador de leitor necessita desenvolver na sua sala de aula é
o gosto da leitura a partir do prazer que o texto literário provoca em razão do que ele pode
significar para o aluno-leitor, mas isso só é possível se o leitor perceber o sentido do texto,
porque “ou o texto dá um sentido ao mundo, ou ele não tem sentido nenhum. E o mesmo se
pode dizer de nossas aulas” (LAJOLO, 1993, p. 15).
Cremos que uma possibilidade para levar o aluno-leitor a perceber o sentido do texto
literário, entendido o literário, como diz Magnani (1989, p. 6), como “algo vivo e dinâmico,
em constante transformação”, pela mediação do professor, esteja, primeiramente, na ideia de
ensino de literatura e, segundo, na concepção de leitura desse texto que norteia esse formador
na prática de leitura na sala de aula.
Leite (2006, p. 21) apresenta algumas bases conceptivas sobre a ideia de literatura que
marcará sua significação por parte do professor: 1. a literatura como instituição nacional,
como patrimônio cultural; 2. a literatura como sistema de obras, autores e público; 3. a
literatura como disciplina escolar que se confunde com a história literária; 4. cada texto
consagrado pela crítica como sendo literário; e 5. qualquer texto, mesmo não consagrado, com
intenção literária, visível num trabalho da linguagem e da imaginação, ou simplesmente esse
trabalho enquanto tal. A partir disso, Leite percebe que a escola tem desenvolvido uma prática
de ensino de literatura tradicional, enfatizando a literatura como um bem nacional e cultural.
Os agentes desse ensino estão preocupados com a história da literatura e com a manutenção
de texto canônico referendado pela crítica. A autora não está, com isso, desconsiderando uma
prática tradicional de ensino de literatura, mas chamando atenção para a importância de o
aluno-leitor ter contato mais significativo com o texto literário, sendo conduzido a fazer uma
reflexão sobre a escrita desse texto em seus aspectos teóricos e históricos e como processo de
experiência criativa da linguagem e de livre expressão.
Com esse mesmo cuidado quanto ao ensino de literatura na escola, Cosson (2011, p.
21) diz:
No ensino médio, o ensino da literatura limita-se à literatura brasileira, ou
melhor, à história da literatura brasileira, usualmente na sua forma mais
indigente, quase como apenas uma cronologia literária, em uma sucessão
dicotômica entre estilos de época, cânone e dados bibliográficos dos autores,
acompanhada de rasgos teóricos sobre gêneros, formas fixas e alguma coisa
de retórica em uma perspectiva para lá de tradicional. Os textos literários,
quando comparecem, são fragmentos e servem prioritariamente para
comprovar as características dos períodos literários antes.
53
Um ponto mais preocupante levantado por Cosson (2011) está no fato de alguns
professores, para fugir do texto canônico, se valerem de outros textos ou de outras linguagens,
como filmes, seriados de TV, canções populares e outros meios culturais, acreditando que seja
a melhor forma de aproximar os alunos de um mundo onde a imagem é marcadamente intensa
e dinâmica. Nós apostamos numa prática que não descarta qualquer possibilidade de interação
do aluno com os mais variados textos ou linguagens para o desenvolvimento de sua leitura,
mas ressaltamos que o nosso interesse está mais nas convergências entres textos e linguagens,
não fazendo valer um mais do que o outro. A literatura não deve ter seus textos consagrados
relegados a uma segunda opção de uma prática de leitura de texto; pelo contrário, o texto
canônico necessita ser lido e discutido como referência para os novos textos que vão surgindo
e os nossos leitores na sala de aula necessitam interagir com essas referências.
O estudo da literatura na sala de aula necessita integrar o leitor ao texto; fazer com que
ele crie vínculos com o texto literário a partir da experiência que tem na sua vida
sociocultural. Diz Silva (2005, p. 57) que
a literatura deve ser discutida com o aluno, a fim de que este possa
experienciá-la e entendê-la como uma forma de representação social, ou
ainda como uma manifestação artística de cunho interdisciplinar,
intimamente atrelada à realidade.
Por essa ideia de Silva (2005), acreditamos que a literatura como representação se
justifica a partir do momento em que entendemos representação como aquilo que se
assemelha a, que toca a realidade como se a fosse, isso porque, conforme Iser (2002, p. 110),
no espaço do texto literário, em razão de seu jogo, o significante se apresenta fraturado,
assim, “perde sua função designante de modo a poder ser usado figurativamente, por efeito da
indicação ficcional do texto, segundo a qual o que é dito há de ser tomado como se
pretendesse o que disse”. Por essa razão, o denotado no espaço da representação abandona
temporariamente sua significação do mundo constituído por um significante com significado
do mundo configurado. Quanto à ideia de representação, Foucault (1987) a reconhece pelo
seu caráter duplo, ou seja, “é preciso que haja, nas coisas representadas, o murmúrio insistente
da semelhança; é preciso que haja, na representação, o recôndito sempre possível da
imaginação”. Como podemos perceber dessa ideia, a literatura tem essa dupla face da
semelhança e da imaginação para que se nutra de possibilidades significativas e de sentidos
para o leitor. E, quanto a seu caráter de arte, a literatura possui um valor estético que se
justifica pelo que provoca no leitor como emoção, sentimento, encantamento; um deslocar
54
para viver uma experiência de imagem pela experiência que tem o leitor com as imagens de si
mesmo frente ao mundo.
Se partirmos do pressuposto de que literatura é corpo sensível que sensibiliza o
sujeito-leitor a compreendê-lo também pelos sentidos, perceberemos que é necessário nos
deixar afetar por ele, permitir-nos viver temporariamente na sua intimidade de corpo-imagem
para que possamos tornar visíveis as tantas imagens de seu corpo na nossa interioridade
corpórea. Partindo dessa ideia de relação entre corpos, Cosson (2011, p. 16) destaca:
O corpo linguagem, o corpo palavra, o corpo escrita encontra na literatura
seu mais perfeito exercício. A literatura não apenas tem a palavra em sua
constituição material, como também a escrita é seu veículo predominante. A
prática da literatura, seja pela leitura, seja pela escrita, consiste exatamente
em uma exploração das potencialidades da linguagem, da palavra e da
escrita, que não tem paralelo em outra atividade humana.
A partir dessa colocação de Cosson, podemos ver que a atividade de leitura do texto
literário é um exercício de desvelar a imagem do corpo literário a partir das potencialidades
que as imagens-corpos proporcionam frente ao contexto do cotidiano humano. As imagens
literárias são tão presentes, como presente é a rotina e todas as suas experiências. Por isso,
acreditamos que o ensino da leitura do texto literário deva ser um ato que permita o aluno-
leitor ler esse texto como ele sente seu próprio corpo, como imagem que possui volume, cor,
sabor, perfume etc. Nessa perspectiva, a leitura do texto literário na sala de aula requer do
formador de leitor do texto literário uma prática que leve o leitor a sentir que o texto convive
com ele, faz parte da rotina do mundo.
Cosson (2011, p. 26) destaca algumas pressuposições sobre leitura e literatura que são
motivos para o travamento do processo de letramento literário na escola. Uma primeira está
na ideia de que “os livros falam por si mesmos ao leitor”, com isso, o leitor fica livre para ler
pelo prazer, sem as exigências estratégicas da escola para tais leituras. Mas não se pode
esquecer que a escola influencia exatamente o modo como esse leitor lerá o texto fora dela.
Por isso, é importante que o leitor compreenda algumas estratégias de interpretação para bem
aproveitar o que o texto literário tem como contribuição para a sua formação. Outra
pressuposição está em argumentar que a leitura é um ato solitário e o tempo na escola deve ser
bem aproveitado para o aprendizado do aluno. Pensar dessa forma é um grande equívoco,
porque faz parte do processo de ensino-aprendizagem a leitura do texto literário em razão de
ele contribuir para que o aluno-leitor contate a sua própria experiência de vida pelas
55
Dois pontos consideramos a partir do que diz Petit, o ensino da leitura do texto
literário é um ato solidário, porque aproxima as pessoas; e também quem lê abre-se para o
outro no lugar onde esse outro se encontra, porque a leitura não segrega as pessoas, ela
possibilita ao leitor contatar o seu mundo e o mundo do outro.
Outro aspecto que observamos em Cosson (2011) é a ideia de acharem que o leitor
jamais terá condições de expressar o que sente do ato da leitura do texto literário, pois os
sentimentos provocados pelos textos literários são inatingíveis, não havendo condições de se
dizê-los. Tal posicionamento poria por terra qualquer tentativa de o leitor se aproximar do
texto literário usando os seus sentidos. E, por fim, concordamos com Cosson quando ele
questiona o argumento de que a tentativa de analisar o texto literário a partir de pressupostos
teóricos impediria o leitor de viver o encantamento desse texto. Como se percebe, isso seria
uma tentativa de sacralização da literatura, atitude que não ajudaria em nada a aproximação
do leitor com relação ao texto literário, pelo contrário, impediria o leitor de compreender os
mecanismos de feitura desse texto e, assim, de interagir com ele com proficiência.
Insistimos, em nossas discussões, em que o ensino de literatura na educação básica
necessita ser entendido/praticado como uma prática de ensino da leitura do texto literário, ou
seja, “ensina-se um saber sobre literatura, e não se propicia uma vivência com o texto de
modo mais livre, em que o leitor possa fazer inferências, questionar o que está sendo lido e
questionar-se, ter, enfim, uma atitude de sujeito”. (ALVES, 2014, p. 20). Alves (2014) ainda
acrescenta a urgência de uma metodologia que faça com que o aluno-leitor dialogue com o
texto literário e o professor-formador seja então o mediador dessa prática.
Há uma necessidade de considerar o ensino de literatura e, consequentemente, o
ensino de leitura do texto literário como uma experiência prática, de caráter interacionista, que
leva em conta o leitor e o professor-formador-mediador, envolvidos ambos com o texto
literário, levando em conta que
56
Dessa forma, o que está em jogo no ensino da literatura e da leitura do texto literário é
a sensibilidade tanto do professor quanto do aluno-leitor, para que ambos estejam
apaixonados pela literatura e desta partam para a produção de novas criações imaginativas e
também possam estabelecer comparações ou relações com outras artes.
Algumas posturas de leitura do texto na escola podem ser observadas, de acordo com
Geraldi (2006, p. 92-98), e nestas também se inclui o texto literário: a leitura – busca de
informações: nesse caso, o leitor pode explorar a estrutura do texto, visando, por exemplo, a
obter informações quanto à personagem em seu contexto espaço-temporal ou elementos
históricos presentes na narrativa etc.; a leitura – estudo do texto: visa, por exemplo, a
perceber, na narrativa, pontos de vista de personagens etc.; a leitura do texto – pretexto: o que
se pretende é que o leitor interaja mais efetivamente com o texto literário, dramatizando-o,
desenhando ou pintando as imagens desse texto, criando outros textos verbais ou não verbais;
e a leitura – fruição do texto: parte da ideia de fazer o leitor viver o texto pelo prazer de sua
leitura, viver a experiência que ele proporciona com suas imagens e experienciar a intensidade
do texto. É conforme esse último tipo que compreendemos a leitura do texto literário.
Para Yunes (2002, p. 27),
o movimento que a literatura desencadeia, de natureza catártica, mobiliza os
afetos, a percepção e a razão convocados a responder às “impressões”
deixadas pelo discurso, cujo único compromisso é o de co-mover o leitor, de
tirá-lo de seu lugar habitual de ver as coisas, de fazê-lo dobrar-se sobre si
mesmo e descobrir-se um sujeito particular. O processo não é tão simples e
rápido, mas uma vez desencadeado, torna-se prazeroso e contínuo.
Pelo que propõe Rouxel, o ensino de literatura necessita primar por um sujeito-leitor
engajado com o texto literário, receptivo a esse texto de forma sensível, sem perder de vista a
criticidade. Para isso, é imprescindível um formador de leitor do texto literário comprometido
com um ensino de literatura que provoque o aluno-leitor a contatar o texto literário e
identificar neste as suas peculiaridades genéricas, poéticas, discursivas etc., percebendo o
quanto a literatura é rica em experiências imagéticas que são familiares à própria rotina do
aluno e este pode compartilhar suas experiências de leitura em conjunto com os demais
leitores da sala de aula.
Um ponto relevante que Cosson (2014) vem discutindo é o lugar da literatura devido
aos novos formatos e veículos de circulação do texto literário, porque isso repercute
consideravelmente no ensino da leitura e na relação que o leitor passa a ter com esse texto,
alargando a sua forma de interação e compreensão dessa leitura. Como exemplo, vemos a
literatura na relação com a música, com o filme, com os seriados da TV, nos jogos eletrônicos
etc. Então, pensar o ensino de literatura na atualidade é levar em conta também como ela está
sendo apresentada ao leitor hoje. Cosson (2014, p. 18-19) faz a seguinte declaração:
O fenômeno é tão comum que já não conviria identificar determinada obra
como literatura, antes se deveria buscar verificar como a literatura atravessa
as várias manifestações que transitam pelo seu espaço discursivo. Tal
postura está mais de acordo com a própria forma de existência das obras que
se entrecruzam e se reconstroem sem limites outros que o meio e sem um
centro único que as defina como singular.
Dessa forma, depreendemos que o ensino de literatura e de seu texto não mais conta só
com a palavra pela palavra, mas investe nos modos como essa palavra-imagem transita, se
relaciona, dialoga com os vários meios.
Levando em conta a relação entre as concepções de literatura e de seu ensino, chama-
nos atenção a forma como Candido (2012, p. 23) a compreende:
Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de
toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade,
em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, até as
formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes
civilizações.
58
Essa ideia de Candido faz a literatura ser compreendida como mais próxima da
realidade humana, em razão de ser uma criação acessível a todas as camadas sociais, porque
por ela interagimos e dialogamos sobre os mais diversos problemas da existência humana.
Esse caráter solidário da literatura, por permitir uma interação entre leitor e texto, justifica seu
aspecto humanizador, porque ela faculta ao leitor ver a si mesmo a partir de suas múltiplas
imagens.
Por essa concepção de literatura, entendemos que o seu ensino, a partir do texto, deve
ser pautado nas aproximações afetivas e emocionais, num primeiro momento; primar pelo
envolvimento com o texto, escutando-o para que também se escute a si mesmo. Isso nos
permite conceber a literatura e seu texto como um fenômeno, porque ela se oferece como uma
experiência que se realiza na intimidade do leitor.
O ensino de literatura na sala de aula deve fazer o aluno-leitor ver que o texto literário
faz parte do cotidiano do mundo onde ele vive; que a criação do texto literário tem como
ponto de partida a relação que o autor tem com o seu entorno sociocultural. Como afirma Iser
(1996, p. 11):
o texto literário se origina da reação de um autor ao mundo e ganha o caráter
de acontecimento à medida que traz uma perspectiva para o mundo presente
que não está nele contida. Mesmo quando um texto literário não faz senão
copiar o mundo presente, sua repetição no texto já o altera, pois repetir a
realidade a partir de um ponto de vista já é excedê-la.
Isso implica considerar a relevância do ato receptivo do texto literário, porque, no ato
da leitura, não se conta apenas com aspectos esquemáticos ou estruturais; assim, é
imprescindível levar em conta a forma como o leitor se relaciona com esse texto, de onde
59
partem as imagens que ele traz em sua memória para ler o texto e para com este pactuar as
“verdades” nele contidas. O formador de leitor, nesse caso, precisa compreender, na ótica de
Iser (1996, p. 50), que “a obra se realiza então na convergência do texto com o leitor”, isso
porque a leitura, enquanto processo, só se efetiva quando há um leitor realizando esse ato.
A escola cumpre um papel relevante no processo de formação do leitor do texto
literário, assim, o professor-formador deve considerar que
um leitor literário bem formado lê qualquer coisa, mas o mesmo não se pode
falar do inverso; um voraz leitor de textos técnicos, conteúdos virtuais sobre
atualidades etc. pode não conseguir enxergar, compreender e experimentar a
complexidade e a beleza de uma grande obra literária. (LOYOLA, 2013, p.
115).
Isso porque o texto literário exige do leitor um envolvimento maior com ele dada a
complexidade de seu discurso, que requer uma escuta atenta das múltiplas vozes que dele
provêm, como também dos arranjos imagéticos presentes no texto literário. Nesse caso, o
formador de leitor precisa mediar essa leitura, dando a chance ao aluno-leitor de acompanhar
os vários movimentos estabelecidos pelos signos-imagens e seu contexto e, assim, ter a
chance de perceber a largueza de significados e de sentidos desse texto.
Candido (2002, p. 82) destaca que um dos aspectos da literatura é sua função
humanizadora, como já destacamos anteriormente, em decorrência de ela ser “algo que
exprime o homem e depois atua na própria formação do homem”. Essa função se cumpre
quando ela satisfaz a fantasia, contribui com a formação da personalidade dos sujeitos-leitores
e também colabora para o conhecimento do mundo. No primeiro caso, ela provoca o
imaginário do leitor, deslocando-o para os espaços das imagens ou dos mundos oníricos pela
poesia e ficção, aproximando-o, dessa forma, da sua própria realidade objetiva e subjetiva.
Desse modo, ela também está alimentando o poder criativo do leitor. No segundo, ela
colabora com a formação educativa, mas não nos moldes de uma pedagogia oficial, que
ressalta os ideais de verdade, de bom e de belo instituídos pelas classes dominantes, como
acentua Candido; na verdade, “ela age com o impacto indiscriminado da própria vida e educa
com ela – com altos e baixos, luzes e sombras” (CANDIDO, 2002, p. 84). E, no terceiro, pelo
fato de ela se apresentar como um produto que aborda, de forma representativa, problemas de
âmbito social, conferindo maior clareza frente às questões da realidade concreta.
60
do texto verbal, quer do não verbal, não é fruto de abstrações delirantes de imagens
irrealizáveis, mas resulta da inserção do sujeito-leitor em sua realidade para, a partir daí,
apreender sentido das imagens-signos que o mundo faz ver e que o leitor percebe no ato da
leitura. Sabemos que as imagens poéticas no espaço das artes são resultantes dos devaneios do
sonhador, como inferimos de Bachelard (1988), mas elas advêm da consciência do artista
sobre sua realidade, isso porque “ininterruptamente a imaginação reanima a memória, ilustra a
memória” (BACHELARD, 1988, p. 20), assim o mundo se realiza em imagens que convidam
imagens para as práticas de leitura. E esse ato de ler, como coligimos de Freire (2001), é
constituído ao longo das experiências do leitor.
Ensinar leitura do texto verbal e não verbal em suas convergências intersemióticas é
fazer o aluno perceber e imaginar. Freire (2001), quando fala “palavramundo”, demonstra sua
incursão pela “sementeira” da palavra que dá ao leitor o direito ao reencontro com a palavra-
imagem de sua experiência mundana para a compreensão da leitura. É esse o reencontro com
a imagem que faz o leitor interagir com as muitas imagens adormecidas na trama dos textos,
as quais reconfiguram seus sentidos quando animadas pela leitura. O leitor revive a
experiência da palavra-imagem quando a sente e a sonha na intimidade de sua memória.
Então, ensinar a ler texto verbal e não verbal nas suas inter-relações é provocar nos alunos-
leitores o desejo do encontro com as imagens pelas imagens vividas.
Resaltamos dois aspectos discutidos por Silva (2005, p. 16) ao tratar da leitura na
escola: o primeiro diz respeito à natureza interdisciplinar do ato de ler, que “é influenciado
por estratégias cognitivas, linguísticas, metalinguísticas, conhecimento do policódigo literário,
noção de gênero literário, estilo de época no qual o texto está inserido, enfim, um conjunto de
noções determinantes na interação do leitor com o texto”; e o segundo refere-se ao fato de a
significação do texto literário ser constituída pela relação que o leitor mantém com ele ao
recepcioná-lo, isso faz com que haja um envolvimento dinâmico entre a literatura e o leitor.
Por esses destaques, em razão do caráter interdisciplinar do texto literário e também pela
efetiva participação do leitor na interpretação desse texto, ao propormos práticas de leitura do
texto literário, vemos a importância de chamar a atenção do aluno para as imagens-signos que
nos levam a interagir com outras imagens-signos, presenciadas no texto literário em
decorrência dos policódigos semióticos. O leitor, ao interagir, ao se envolver com esses
códigos-imagens-signos, os traz para a sua realidade e disso extrai significados e sentidos do
texto.
63
É fato que, para tal prática intersemiótica de leitura do texto literário, o professor-
formador de leitor deva estar devidamente formado, de posse dos conhecimentos necessários
para essa prática, a fim de ajudar seu aluno-leitor a perceber as inter-relações ou
interconexões que os textos mantêm entre si. Para isso, é necessário que a escola favoreça
uma prática de leitura que dê tempo ao aluno de estabelecer as devidas convergências
síginicas entre os textos, oportunizando a “troca de experiências, as discussões sobre a
diversidade de interpretações e a valorização das leituras dos alunos” (SILVA, 2005, p. 17).
Se assim não acontece, o processo de escolarização da leitura do texto literário não cumpre
com o seu compromisso de incentivar uma prática de leitura crítica, gerando a artificialidade
das atividades de leitura. O que defendemos é uma prática de escolarização do texto literário
entendida como aquela que faz o aluno-leitor perceber as dimensões simbólicas do texto, as
quais extrapolam o espaço escolar.
Quanto a esse processo de escolarização, Silva (2005, p. 18) comenta:
O que nós, professores, podemos fazer é direcionar nossos esforços para
desenvolver atividades capazes de ampliar a escolarização adequada do ato
de ler e da leitura literária, vinculando o ensino-aprendizagem às
necessidades que os alunos encontram fora da escola, nos usos sociais das
práticas de leitura.
tendo por base o interculturalismo; ter clareza das diversas correntes teóricas que se
dedicaram a discutir a literatura; saber distinguir teoria da literatura, crítica literária e história
da literatura; e fomentar estudos intersemióticos, que têm em mira as relações da literatura
com as outras artes. É essa última abordagem destacada por Silva (2005) que,
particularmente, motiva nosso interesse em discutir uma prática de leitura do texto literário.
Ressaltamos que uma abordagem de ensino de leitura do texto literário não deva servir
de camisa de força a ponto de engessar a criatividade do aluno-leitor ao expor a sua leitura;
nem tão pouco se pretende fazê-lo só repetir fórmulas prontas. Kefalás (2012, p. 3) enfatiza
que:
Uma abordagem do ensino de literatura que se limite a uma concepção
informativa, estreitando o trabalho com os textos a quadros históricos ou
estéticos de forma que cristalize as eventuais leituras em padrões prévios,
não permite, ou permite em segundo plano, uma aproximação efetiva do
leitor com a obra.
Como podemos ver, o trabalho de leitura do texto literário necessita ser desenvolvido
por meio de uma prática que convide o aluno a vir para junto do texto e com ele interagir. O
aluno necessita ser provocado pelo texto e este o desloca e o transforma. Mas, para isso, ele
precisa perceber sentido no que está lendo. Infelizmente ainda presenciamos práticas de
leitura em que o aluno é engessado, fica sem poder dar asas a sua imaginação criante e não
desenvolve a leitura como ato de produção, isso porque, como enfatiza Suassuna (2010, p.
49),
a leitura/interpretação se dá num quadro em que tudo é previsível. Anula-se,
assim, o leitor-produtor, pois o objetivo é o leitor-reprodutor. Lê-se para se
entender o que já está traçado; o exercício de interpretação resume-se à
busca de uma resposta já dada.
leitura, em que o aluno-leitor possa ter o texto literário como ponto de partida para contatar as
muitas imagens de seu imaginário e, a partir delas e com elas, perceber as relações com as
outras imagens dos textos não verbais e também o quanto os textos não verbais contribuem
com a proliferação de novas imagens-signos.
Lembra-nos Yunes (2003, p. 8) que
antes de escrever com letras, os homens escreveram com imagens, rituais,
costumes e deram legibilidade ao caos (não é sinônimo de desordem, já
aprendemos com a física) interior e exterior, através de legisladores que
eram a um só tempo profetas e criadores.
Essa colocação de Yunes reafirma a forte relação que temos com a imagem em todos
os seus aspectos, pois, quando lemos o texto literário, é uma imagem que nos comunica a
existência do que experienciamos no ato da leitura. Ela faz parte de nossa ancestralidade. Não
vemos palavras, mas imagens em profusão. É isso que nosso aluno-leitor deve ser motivado a
perceber nas aulas de leitura em nossas escolas.
Ainda acentua Yunes (2003, p. 12):
A leitura do texto funciona, pois, como um ensaio de “vida”. Ela pode vir
expressa em linguagens das mais diversas, do poema à canção, da fotografia
ao cinema, da música ao plano arquitetônico de uma cidade, do cardápio ao
arranjo de uma mesa, de uma jarra de flores: a “textualidade” da leitura se
materializa em uma forma gráfica, ou dela parte, em um incessante
recomeçar.
Ler o texto literário é ter consciência de que o ato da leitura requer participação
integral na ação exercida. E, na contemporaneidade, que contém uma diversidade de recursos
imagéticos, o sujeito-leitor necessita realizar o ato da leitura do texto literário envolvendo-se
com esse objeto estético, que lhe exige conhecimentos para estabelecer as inter-relações entre
as imagens-signos, resultando isso numa leitura significativa.
Neste subcapítulo, temos a intenção de refletir sobre a complexa relação que o sujeito-
leitor mantém com o texto literário na contemporaneidade, tendo em vista a dinâmica das
experiências vivenciadas por ele, num mundo que vive em plena transformação, em todos os
seus aspectos: social, cultural e histórico. Situar-se como leitor frente a esse complexo
mecanismo de transformação desafia o sujeito-leitor a um diálogo permanente com a
“experiência de si” ante a necessidade de conhecer-se, experimentar-se, desafiar-se etc., tendo
em vista que o texto literário exige mais experiência e desafios desse leitor.
Ao pensarmos o sujeito-leitor do texto literário como aquele que integra o
conhecimento vivenciado ao longo de sua vida com as imagens literárias, fica evidente que
esse leitor em destaque está por romper a barreira entre os limites espaciais da ficção e da
realidade constituída. Isso porque o que é constituído socioculturalmente é também uma
experiência imaginária, desde que entendamos as obras do imaginário como resultantes das
ações humanas. Esse leitor percebe em si mesmo, em suas experiências, que o que ele lê
reverbera tanto de fora para dentro, como de dentro para fora, ou seja, são forças centrípetas e
centrífugas que atuam em simultaneidade com o movimento das tessituras sociais.
Para compreendermos a dimensão desse sujeito-leitor, resolvemos dividir este item em
duas partes. Na primeira, trataremos do sujeito-leitor e sua complexidade frente às dimensões
das redes sociais e culturais em que ele se situa; na segunda, refletiremos especificamente
sobre esse mesmo sujeito diante da leitura do texto literário.
68
5
Para Larrosa (2011, p. 42-43), “(...) a própria experiência de si não é senão o resultado de um complexo
processo histórico de fabricação no qual se entrecruzam os discursos que definem a verdade do sujeito, as
práticas que regulam seu comportamento e as formas de subjetividade nas quais se constitui sua própria
interioridade. É a própria experiência de si que se constitui historicamente como aquilo que pode e deve ser
pensado. A experiência de si, historicamente constituída, é aquilo a respeito do qual o sujeito oferece seu próprio
ser quando se observa, se decifra, se interpreta, se descreve, se julga, se narra, se domina, quando faz
determinadas coisas consigo mesmo etc.”
70
6
Para que la lectura se resuelva en formatión es necesario que haya una relación íntima entre el texto y la
subjetividad. Y esa relación podría pensarse como experiencia, aunque entendiendo experiencia de un modo
particular. La experiencia sería ló que nos pasa. No ló que pasa, sino lo que nos pasa. (LARROSA, 2003, p. 28,
tradução nossa.).
71
Havemos de considerar, como já visto, que duas forças agem sobre o sujeito-leitor,
conferindo-lhe mobilidade para a compreensão de um texto: as forças centrífugas e as
centrípetas. Essas forças atuam de maneiras opostas, uma se movimenta de fora para dentro e
a outra, de dentro para fora. No entanto, considerando os trajetos socioculturais e históricos
do sujeito-leitor, entendemos que elas não entram em conflito, porque essas forças se ajustam
à realidade do conhecimento do leitor, assim ele filtra o que lê a partir de suas experiências
individuais e de condicionantes socioculturais.
7
Entendemos desejo na concepção de Dewey como “atividade que procura agir no sentido de romper o dique
que a retém. O objeto que se apresenta no pensamento como meta do desejo é o objeto do ambiente que, se
estivesse presente, garantiria a reunificação da atividade e a restauração de sua unidade”. (apud ABBAGNANO,
2012, p. 283).
73
contexto à palavra, o sentido vai cristalizar-se. Por outras palavras, a inserção no texto e no
contexto é uma necessidade cognitiva evidente” (MORIN, 2009, p. 51). Isso significa que,
para que um texto literário faça sentido, é necessário que haja uma interação com a palavra-
imagem e com a rede de relações que ela estabelece. A palavra-imagem não faz sentido ao ser
isolada do texto, pois não diria nada, nada representaria, ela só faz sentido a partir das
conexões contextuais possíveis.
As obras literárias, sejam romances, novelas, contos, poemas e outras, não passam de
um grande fragmento de representações imagéticas. Dizemos isso tendo em vista a dimensão
da vida humana, pois tais obras querem representá-la em imagem, são partes que falam de um
todo e por esse todo são compreendidas. Um texto literário não diz tudo a respeito das
experiências de uma personagem de uma narrativa, ou sobre o eu lírico de um poema, porque
não passa de um recorte, de um instante de uma determinada situação experienciada pelo
leitor.
O sujeito-leitor lê o texto literário como se estivesse num caminho com várias
bifurcações, logo, as escolhas do trajeto da leitura dependem do potencial de experiência
desse leitor. Percebemos que ele, em consonância com o texto literário, transforma-se, desde
que o ato da leitura seja uma experiência formativa, atravesse os limites das imposições
institucionais e ele passe a compreender a si e ao mundo por novas perspectivas. O ato leitor
só é produtivo quando possibilita ao leitor ver e sentir o novo, não o continuísmo caduco.
Disso entendemos que o texto literário contribui com novos paradigmas ao proporcionar ao
sujeito-leitor outras possíveis matrizes para o conhecimento da experiência humana.
O ato da leitura é ação; força que inter-relaciona a interioridade com a exterioridade
das práticas socioculturais e engendra outras relações e, consequentemente, a produção de
novos textos, que asseguram o desdobramento de novos conceitos, concepções, modelos,
ideais, crenças, valores etc. à experiência de si do sujeito-leitor. E o texto literário permite
toda essa gama de novas experiências em virtude de seu caráter polissêmico e plurivocal,
pois, a cada retomada da leitura desse texto, uma outra perspectiva se configura em razão da
própria dinâmica social em que vive e atua o sujeito-leitor.
75
A formação do professor tem estreita relação com o que ele desenvolve como prática
de sala de aula. Então, uma formação por uma prática reflexiva norteará o professor a rever
sua prática e reelaborar estratégias que o ajudem na sua profissionalidade. No caso específico
deste estudo, a formação de formadores de leitores do texto literário numa relação com a
pintura, a fotografia e o cinema dependerá, além dos conhecimentos específicos de tais textos
e respectivas linguagens, da experiência do formador quanto à prática de leitura na escola.
Para que a experiência seja entendida como experiência, faz-se necessário que ela seja
transformadora, assim como deve ser a formação dos formadores de leitores.
76
Iniciamos esta parte do texto afirmando que formar professor é fazê-lo perceber a si
mesmo, a sua história de vida; reconhecer-se como professor-sujeito de suas ações face a
muitos outros sujeitos em processo de formação. O professor, ao (re)conhecer a si mesmo
como sujeito de ação em permanente reflexão de sua ação para a ação, tornar-se-á mais
consciente de suas práticas formativas, mas, para isso, faz-se necessário contatar a sua
experiência vivida, que é singular.
Acreditamos que um processo formativo necessita provocar o professor para que ele
mesmo entenda que um dos parâmetros para a sua formação está em perceber-se integrante de
suas práticas e como o próprio modelo do que ele realiza ou realizará nas salas de aula com os
seus alunos. Isso porque, se o professor conhece ou reconhece o seu ofício e as ferramentas de
que dispõe para o trabalho, compreenderá os direcionamentos e os meios para a formação do
outro.
É importante destacar o que diz Tardif (2010, p. 31): “um professor é, antes de tudo,
alguém que sabe alguma coisa e cuja função consiste em transmitir esse saber a outros”. Esse
saber é a sua ferramenta, é o que ele possui para desenvolver sua tarefa como formador. E
como se constitui esse saber? Respondemos que, em primeira mão, a partir da experiência; em
segundo, da prática; e em terceiro, da teoria. Assim, passemos a tecer considerações a respeito
do que venha a ser essa experiência que leva ao saber.
A experiência, na atuação profissional do professor, faz diferença quando
consideramos o seu envolvimento com as ações que são/serão desenvolvidas no seu campo de
atuação, no direcionamento das tarefas com seus alunos. Vale salientar que não estamos
falando de técnica ou de manejo dos instrumentos para fazer um trabalho de sala de aula
“exemplar” ou vivenciar algo; estamos falando de experiência como movimento subjetivo do
professor ao longo de sua formação em todos os ciclos da existência, isso porque entendemos
que a experiência vai sendo adquirida através das relações vividas e partilhadas com o mundo
no qual se encontra o sujeito, e é ela que fará diferença no momento em que o professor
77
enveredar por um processo de formação. Ele irá intermediar a sua experiência com outras
discussões a respeito dos conhecimentos advindos das formações das quais participará.
No ensaio “Experiência e pobreza”, Benjamin (1994) argumenta que, após a primeira
guerra, o desenvolvimento tecnológico acentua uma nova “miséria” em virtude da busca de
soluções imediatas que resolvam as angústias deixadas pelo pós-guerra. A isso ele chama de
“pobreza de experiência”, porque esta não mais implementa resoluções duradouras ou
permanentes, mas superficiais. A pobreza de experiência é tanta, que esta não mais
proporcionará narradores como nos tempos dos viajantes, dos aventureiros, dos camponeses
sedentários e marinheiros comerciantes, que contavam suas experiências e estas passavam de
boca em boca. Como podemos notar em Benjamin, o nosso dia a dia é rico em eventos
significativos, no entanto, distanciamo-nos de viver as suas intensas transformações.
Sobre essa profusão de eventos cotidianos que não motivam experiências, Agamben
(2005, p. 21-22) enfatiza que
(...) nós hoje sabemos que, para a destruição da experiência, uma catástrofe
não é de modo algum necessária, e que a pacífica existência cotidiana em
uma grande cidade é, para esse fim, perfeitamente suficiente. Pois o dia a dia
do homem contemporâneo não contém quase nada que seja ainda traduzível
em experiência: não a leitura do jornal, tão rica em notícias do que lhe diz
respeito a uma distância insuperável; não os minutos que passa, preso ao
volante, em um engarrafamento; não a viagem às regiões ínferas nos vagões
do metrô nem a manifestação que de repente bloqueia a rua; não a névoa dos
lacrimogêneos que se dissipa lenta entre os edifícios do centro e nem mesmo
os súbitos estampidos de pistola detonados não se sabe onde; não a fila
diante dos guichês de uma repartição ou a visita ao país de Cocanha do
supermercado nem os eternos momentos de muda promiscuidade com
desconhecidos no elevador ou no ônibus. O homem moderno volta para casa
à noitinha extenuado por uma mixórdia de eventos – divertidos ou maçantes,
banais ou insólitos, agradáveis ou atrozes –, entretanto nenhum deles se
tornou experiência.
saber desejado para a realização das coisas. Isso seria o mesmo que arrancar um fruto de uma
árvore sem que ele antes estivesse suficientemente pronto para ser saboreado. Dessa forma, o
saber, para ser proveniente da experiência, tem que marcar o sujeito, ou seja, é preciso “dizer
que a experiência é ‘isso que me passa’. Não isso que passa, senão ‘isso que me passa’”, como
declara Larrosa (2011, p. 5). O que implica essa afirmação? Vejamos a seguir, a partir do
“isso”, do “me” e do “passa” de sua afirmação.
Larrosa destaca que o “isso” está ligado a um acontecimento, alguma coisa que não é o
“eu”, que está alheio ao “eu”, seja em representações, sentimentos, palavras, ideias etc. Nesse
caso, “isso” implica, para ele, os princípios de alteridade, de exterioridade ou de alienação. Há
princípio de alteridade quando “isso” é o “outro”; de exterioridade, quando “isso” está fora,
no exterior do eu; e de alienação, quando não pertence ou não é de propriedade do eu.
No caso do “me”, o acontecimento está em mim, ele afeta o “eu”; esse “eu” é o lugar
da experiência. Então esta compreende minhas palavras, ideias, representações, sentimentos
etc. Há, nesse caso, o princípio de subjetividade, de reflexividade ou de transformação. Dá-se
o princípio de subjetividade em razão de ser o sujeito o lugar da experiência, porque ela é
subjetiva. No princípio de reflexividade, por esse “me” ser um pronome reflexivo, a
experiência gera um movimento de ida e vinda, ou seja, ida ao exterior; e volta, porque afeta o
“em mim”. E, no princípio de transformação, o sujeito encontra-se aberto, exposto ou
propenso a transformar a si mesmo.
Quanto ao caso do “passa”, esse passar está relacionado a passagem, a percurso, a
caminho, a travessia, ou seja, uma saída do sujeito para o que pode ser uma aventura, um
perigo. Assim, tem-se o “princípio de passagem”, que implica passar por algo que deixará
marca, vestígio, rastro ou ferida. Ou, como ainda esclarece Larrosa, há o “princípio da
paixão”, por ser a experiência não o que se faz, mas aquilo de que o sujeito pode padecer.
A experiência constituirá o saber quando for ela, à luz de Larrosa (2011), “isso que me
passa” no momento em que nos relacionamos com o outro, com o que transforma o sujeito e
com o que marca a nossa existência. Portanto, o professor fortalece seu saber quando este
advém da experiência que o mobiliza ou através da qual ele se deixa mobilizar pela
participação com o outro, transformando a si e ao outro com o que ambos vivenciaram ou
vivenciam, desde que a vivência8 se transforme em experiência. Ainda destacamos, pelo que
8
Entendemos por vivência aquilo que diz Jorge Larrosa (2002, p. 23): Tudo o que se passa passa
demasiadamente depressa, cada vez mais depressa. E com isso se reduz o estímulo fugaz e instantâneo,
imediatamente substituído por outro estímulo ou por outra excitação igualmente fugaz e efêmera. O
79
fala Tardif (2010, p. 38-39) sobre a experiência dos professores, que eles, “no exercício de
suas funções e na prática de sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu
trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio”.
Outro aspecto que leva ao saber e seu consequente fortalecimento é a prática. E,
quanto a esta, percebamos que sua natureza faz sentido por aquilo que ela é – ação. No
“Dicionário de Filosofia”, de Abbagnano (2012, p. 921), “prático” tem três significados: o
primeiro – “o que dirige a ação”; o segundo – “o que pode traduzir-se em ação”; e o terceiro –
“o que é racional na ação”. Essas significações, portanto, vinculamos à ideia de prática.
O primeiro tem vínculo significativo com a filosofia tradicional. Assim, a prática é
tudo aquilo que pode fazer a ação, que pode comandá-la, como a política, a economia etc. No
segundo caso, tem-se uma ideia de prática ligada ao senso prático, isto é, aquela ação que
pode ser realizada na execução de uma tarefa por aquele que detenha um certo conhecimento.
Nesse caso, todo aquele que bem souber agir com habilidade na resolução de uma dada
situação é considerado prático e se projetará além daqueles que não souberem solucionar um
determinado problema. E, no terceiro, podemos perceber que a ideia de ação está atrelada a
quem só admite um fato mediante provas racionais que satisfaçam a sua realização. Nesse
caso, qualquer atividade será prática desde que, racionalmente, possa se aplicar, justificando a
ação realizada.
É bem verdade que os modelos de práticas educativas são pautados em argumentos os
quais o professor acredita ser possível traduzirem-se em ações que satisfaçam suas crenças em
um dado modelo. Por outro lado, também observamos crenças de que o modelo prático dirija
uma ação aparentemente satisfatória, ou de que este procure objetivar a prática do professor,
racionalizando as suas ações.
Destaca Tardif (2010) que o cotidiano do professor, na sala de aula, confere-lhe uma
prática que o fará acreditar que ela tem mais sentido do que a experiência vivida nos cursos de
formação inicial e nas formações administradas pelos órgãos governamentais, como as
secretarias de educação, porque esse professor passa a ver que a sua rotina profissional vem
lhe dando condições para que as suas representações de sala de aula sejam compreendidas
como ideais, em razão de terem sido desenvolvidas pelo habitus, isto é, “certas disposições
adquiridas na e pela prática real” (TARDIF, 2010, p. 49). Então, os docentes passam a achar
que tais representações práticas sejam mais representativas do que aquelas impostas com
acontecimento nos é dado na forma de choque, do estímulo, da sensação pura, na forma da vivência instantânea,
pontual e fragmentada.
80
técnicas, métodos ou modelos ideais, os quais talvez não lhes digam aquilo que eles tenham
como verdade a partir de sua crença profissional adquirida na rotina de sala de aula. Nessa
situação, podemos perceber que o professor passa a entender que a sua prática é aquela capaz
de ser traduzida em ações experienciadas a partir de seu senso prático.
Por outro lado, quando esse professor partilha saberes práticos com os outros colegas,
ele “é não apenas um prático mas também um formador” (TARDIF, 2010, p. 52). Dessa
forma, começamos a entender que a prática cotidiana se apresentará como um saber advindo
de uma experiência, esta que arregimenta saberes para a ação, mas desde que haja uma
reflexão sobre a ação desempenhada porque
[...] a experiência provoca, assim, um efeito de retomada crítica
(retroalimentação) dos saberes adquiridos antes ou fora da prática
profissional. Ela filtra e seleciona os outros saberes, permitindo assim aos
professores reverem seus saberes, julgá-los e avaliá-los e, portanto, objetivar
um saber formado de todos os saberes retraduzidos e submetidos ao processo
de validação constituído pela prática cotidiana. (TARDIF, 2010, p. 53).
Disso resulta a nossa crença de que, quando uma prática é capaz de transformar a
própria prática, ela gerará novo saber. Contudo, é necessária uma ação reflexiva sobre a
prática, que conduza o professor a tomar consciência de seus saberes.
Quanto ao fato de a teoria se constituir em saber, primeiramente, destacamos o que diz
Pereira (1986, p. 7): “os dicionaristas em sua maioria identificam este termo com
contemplação, ato contemplativo, ou mesmo beatitude”. Isso pode ser conferido no dicionário
de Houaiss e Villar (2001, p. 2697), no qual se afirma que, na filosofia grega, teoria é
“conhecimento de caráter estritamente especulativo, desinteressado e abstrato, voltado para a
contemplação da realidade, em oposição à prática e a qualquer saber técnico ou aplicado”.
Essa compreensão dicionarizada de teoria nos faz remeter a certos procedimentos de
alguns professores que, presos a essa concepção restrita do termo, rechaçam-na em razão de
só a compreenderem no par opositor “teoria X prática”, e conferem a suas práticas um valor
acima do que deveriam, por acharem que a teoria se encontra no plano da abstração,
distanciada da realidade da sala de aula. Como podemos perceber, isso pode até ocorrer, se
considerarmos que a teoria, como abstração, não aponta para uma apreensão dos fatos que o
cotidiano da aprendizagem necessita fazer visível. Pensar dessa forma é um equívoco, é
desconhecer que a teoria é parceira indissociável da prática. Uma tem apoio na outra, isto é,
dão-se suporte para que o conhecimento seja difundido com maior esmero no espaço escolar.
Quanto a isso, Pereira (1986, p. 70) coloca que há:
81
9
TORRINHA, Francisco. Dicionário latino-português. 8. ed. Porto, PT: Gráficos Reunidos, s/a. p. 344.
82
professor, que o ajude agir na sala de aula. Para que isso seja feito, faz-se necessária, acusa
Serres (idem, p. 426), uma formação de alto nível intelectual, proporcionada pelas
universidades. No entanto, ele chama a atenção para a necessidade de justapor os saberes da
esfera universitária com os construídos pelos profissionais nos seus locais de atuação, ou seja,
na escola.
Ainda alega Serres (2011) que a formação docente necessita de uma articulação dos
aspectos teóricos e práticos. Para ele, há quem tenha por base uma concepção de formação
como aquisição de saberes primeiramente pela teoria, sendo as disciplinas a “raiz da
competência pedagógica” proveniente da universidade; outros têm focado a “prática
profissional”, vivenciada no trabalho com foco na experiência.
Observamos em Tardif (2010) que a formação de professores deverá considerar o
envolvimento desse profissional com sua formação. Assim, três aspectos devem ser
valorizados: primeiro, os professores são profissionais que detêm conhecimento e, por essa
razão, necessitam manifestar o que pensam sobre sua própria formação profissional,
independentemente de que ela se dê na universidade ou noutros órgãos de formação. Nesse
caso, os professores são motivados a se reconhecerem competentes para atuarem na própria
formação. Isso faz perceber que está havendo uma transformação positiva na concepção de
formação: os professores passam à condição de parceiros dos professores universitários,
colaborando com os outros futuros companheiros de profissão.
Segundo, entendendo-se que o trabalho dos professores tem como exigência
conhecimentos especializados advindos de sua profissão, a formação deveria bastar-se com
esses conhecimentos. Assim, alega Tardif (2010) que é inoportuna uma formação de
professores baseada em “conteúdos e lógicas disciplinares” que não atendam às demandas
desses profissionais em razão de, muitas vezes, ser proposta a aplicação de teorias por pessoas
que nunca viveram a experiência de uma escola. No entanto, se se deseja saber como se
realiza determinado trabalho num espaço escolar, é de bom tom que se saiba diretamente de
quem sabe desse trabalho, o próprio professor.
E, terceiro, compreende-se que a formação direcionada ao ensino ainda é estruturada
em torno de coerências disciplinares especializadas e fragmentadas, as quais não se
relacionam entre si. Dessa maneira, tal formação segue um “modelo aplicacionista do
conhecimento”. Entretanto, destaca Tardif (2010), é necessária uma lógica profissional que se
baseie
83
Pelo que se evidencia das colocações do autor, faz-se necessário que a formação
docente prime por um processo formativo reflexivo, que dê ao professor a chance de analisar
suas ações enquanto profissional, contatando tudo que diz respeito à sua rotina e que o afeta
em seus aspectos cognitivos, sociais e afetivos.
Na mesma linha de pensamento de Tardif, entende Pimenta (2012, p. 34-35) que a
formação do professor deve considerar “um projeto de ação”, logo, essa formação de
professores reflexivos abarca um “projeto humano emancipatório”, pois estará sendo
enfatizada uma política de educação que visa os “professores como autores na prática social”.
Assim, a formação de professores estará proporcionando a eles “consciência e sensibilidade
social”. Com base nessa perspectiva,
a formação de professores na tendência reflexiva se configura como uma
política de valorização do desenvolvimento pessoal-profissional dos
professores e das instituições escolares, uma vez que supõe condições de
trabalho propiciadoras da formação como contínua dos professores, no local
de trabalho, em redes de autoformação, e em parceria com outras instituições
de formação. (PIMENTA, 2012, p. 35).
profissional a enfrentar uma sala de aula e responder às demandas que daí emergem. No
trabalho, o professor também conta com o conhecimento tácito que a sua rotina, a sua
vivência prática ajudam a construir para que ele bem desenvolva suas tarefas profissionais.
Assim, esclarece-nos Contreras (2012, p. 120) que
como produto da repetição dos casos, [o professor] desenvolve um repertório
de expectativas, imagens e técnicas que lhe servem de base para suas
decisões. Aprender o que buscar e como responder ao que encontra. Essa
experiência é a que alimenta seu conhecimento na prática.
Por essa ideia, a formação deve primar por uma prática reflexiva do professor partindo
daquilo que ele tem enquanto reserva que é a sua experiência do aprender por suas práticas.
Isso se reforça quando se entende que no trabalho de formação “o conceito de professor como
prático reflexivo reconhece a riqueza da experiência que reside na prática dos bons
professores” (ZEICHNER, 1993, p. 17). Nesse caso, a reflexão sobre o ensino necessita da
atenção do professor à sua própria experiência, entendendo ele que essa reflexão o ajudará na
sua prática. O professor que não reflete sobre sua prática, argumenta Zeichner (1993),
facilmente abraçará o que os outros, que estão distantes de sua realidade, façam-no realizar
como ideal de ensino. Ou seja, a formação de um professor prático reflexivo deve considerar a
necessidade de esse profissional se questionar e também questionar o que está sendo feito na
sala de aula.
À medida que o professor reflete sobre suas ações em sala de aula, quer sozinho ou em
grupo, sua prática o ajudará nas elaborações de teorias sobre sua própria experiência de
professor e formador. Pelo que percebemos, “ele se encontra na situação que quer
compreender, pois entender a situação é entender também a forma com que se relaciona com
ela, como atua nela, como define seu papel e que consequências tem na prática”
(CONTRERAS, 2012, p. 124). O professor necessita compreender que ele faz parte de todo o
complexo de sua prática.
Para falarmos sobre formação voltada para uma prática reflexiva na perspectiva de
Zeichner (1993), antes é preciso entender que ele não abandona as ideias da tradição sobre a
formação do professor porque considera que elas são também importantes no processo.
Assim, ele aponta quatro tradições históricas dessa prática: 1. a tradição acadêmica, centrada
nas disciplinas que traduzirão o saber para os alunos; 2. a tradição de eficiência social, que
tem por base os estudos científicos do ensino, dos quais são estabelecidos os
desenvolvimentos dos currículos de formação de professores; 3. a tradição
85
sua profissão e se desdobrar para bem exercê-la, mais ele ganhará em resultados satisfatórios
com os educandos; b) a cultura profissional – o professor se reconhece como tal quando passa
a compreender qual o sentido do espaço educacional e o compromisso que tem a sua
profissão; a partir do momento em que o professor interage com os seus pares na escola, troca
experiências em relação às práticas, reflete sobre as atividades e ações de sua profissão, mais
ele se desenvolve no seu ofício; c) o tato pedagógico – é fulcral para o bom andamento da
profissão do professor a capacidade de saber se articular com o outro do processo educativo,
isto é, saber se relacionar, comunicando-se de maneira harmônica, tranquila e com respeito
àquele que está sob a sua orientação escolar; d) o trabalho em equipe – o caráter de
profissionalidade do professor passa por atitudes participativas para com aqueles que
comungam do mesmo ofício; um professor precisa andar lado a lado com os seus pares para
que os projetos do universo escolar se desenvolvam a contento, mas não só isso, o trabalho
coletivo partilhado entre todos fortalece os objetivos das ações pedagógicas; e, e) finalmente,
o compromisso social – a prática educativa do professor passa pela conscientização e
responsabilidade do compromisso social que ele tem com a formação dos alunos; o ofício do
professor, nesse caso, é o de bem exercer sua tarefa em prol das necessárias transformações
sociais e culturais que o aprendizado irá conferir aos alunos.
Como se pode notar, o conjunto de características que compõem o quadro que define o
professor apresentado por Nóvoa (2009) serve de base para o que ele propõe como formação
de professores. Assim, em síntese, as suas propostas são as seguintes: primeiro, a formação de
professores deve ser de cunho prático, direcionada ao aprendizado dos alunos e baseada no
estudo de casos concretos, focando o trabalho escolar. Segundo, a formação de professores
deve ser exercida entre os próprios professores em atenção à cultura de sua profissão,
conferindo aos mais experientes a função de formar os mais novos professores. Terceiro, a
formação de professores deve atentar de forma pontual para as questões pessoais da
profissionalidade do professor, primando por um bom relacionamento e uma comunicação
que bem projete a pessoa do professor, o qual deverá refletir sobre si e sobre sua profissão.
Quarto, a formação de professores deve pôr em relevo o trabalho em conjunto dos
professores, valorizando as iniciativas coletivas dos projetos de educação da escola. E quinto,
a formação de professores deve primar por um compromisso de responsabilidade social, em
que a comunicação e o engajamento profissional na esfera pública da educação sejam uma
prioridade.
87
10
Ao nos referirmos sobre saber teórico, consideramos o que diz Tardif (2010, p. 38) sobre os saberes
disciplinares: “estes saberes integram-se igualmente à prática docente através da formação (inicial e contínua)
dos professores nas diversas disciplinas oferecidas pela universidade”. Assim, entendemos que os
conhecimentos, objetos de estudo das diversas disciplinas, são resultantes das teorias a elas vinculadas.
89
pelo contrário, elas coexistem. Então, essa coexistência deve ser considerada no momento de
pensar a formação profissional do professor.
“matéria de ensino” e os transpõem didaticamente. Sabemos que nenhuma ação deve ser
destituída de uma reflexão sobre essa ação, isso porque “a prática reflexiva não pode ser
desvinculada do conjunto da prática profissional” (PERRENOUD, 2002, p. 72). Portanto, ao
pensarmos a transposição de um componente, (no caso em pauta o ensino da leitura dos textos
verbais e não verbais), necessitamos considerar, conforme Perrenoud (2002, p. 73), os
“esquemas de ação e de pensamento, os quais formam o habitus do sujeito”. A razão disso
está em percebermos que, através do habitus formalizado pelo professor a partir de suas
experiências, ele vai realizar suas ações na sala de aula. Entretanto, defende o autor, “não
devemos esquecer que o estudante só se apropria dos saberes por meio de uma atividade,
orientada por condições e situações de aprendizagem” (2002, p. 77). Isso implica
compreender que não basta transmitir conteúdo, mas é preciso saber aplicá-lo nas mais
variadas situações como um projeto didático, uma sequência didática etc.
Pensar uma formação de formadores de leitores é também espaço para refletir sobre
como estamos nas nossas salas de aula trabalhando com o aluno-leitor as nossas práticas de
leituras. Assim, defende Silva (1998, p. 3) que
O discurso e o bom senso nos mostram que a leitura é importante no
processo de escolarização das pessoas (para muita gente, “ir à escola” ainda
é sinônimo de “aprender a ler e escrever”); os recursos reais para a prática da
leitura na escola podem, entretanto, contrapor-se àquele discurso, pois que
revelam a condição de sua possibilidade. Assim, a dimensão quantitativa
(mais leituras ou menos leitura) e a dimensão qualitativa (boa leitura ou má
leitura) do processo dependem da existência de condições escolares
concretas para a sua produção.
Por esse posicionamento de Silva, podemos dizer que não basta ter um discurso do
valor e da pertinência da leitura, e desenvolvermos práticas apenas para quantificar as vezes
que o aluno-leitor leu ou lê na sala de aula. Há que pensar numa real condição para a leitura
do texto na escola e isso é possível quando se pensa na escolarização da leitura a partir do seu
planejamento, do tipo de projeto didático ou sequência didática que serão desenvolvidos para
essa finalidade.
O professor formador de leitor necessita fazer com que o aluno-leitor compreenda a
relevância do que ele está lendo, e que isso faz parte de seu contexto, desde o momento em
que o professor lhe apresenta o que será feito com o texto verbal ou não verbal na sala de aula
a partir de um planejamento bem estruturado, fazendo o aluno-leitor perceber sentido naquilo
que lê, até a avaliação do processo de formação do aluno-leitor. Ou seja,
91
O autor deixa claro que nenhum plano é absoluto, fechado, sem possibilidades de
mudanças, isto é, há nisso uma necessária flexibilidade que deve ser considerada na hora de
pensar ações que atendam às reais necessidades do aluno. E, como sabemos, a experiência do
professor é um caminho proveitoso para prever o melhor meio de exercer seu trabalho na sala
92
de aula. Entendemos, à luz de Sacristán (1998, p. 203), que “a utilidade do plano está em nos
ajudar a dispor de um esquema que represente um modelo de como pode funcionar a
realidade, antes de ser uma previsão precisa dos passos a serem dados”. Como vemos, não há
uma precisão quando se pensa um plano, porque devemos contar com as possibilidades de sua
execução frente àquilo que mais interessa no processo, que são as condições de aprendizagem
do aluno.
Os espaços de formação de professores são propícios à troca de experiências quanto ao
que deverá ser realizado na sala de aula, tendo em vista a viabilidade de um projeto ou de uma
sequência didática. Isso consideramos relevante porque faz parte do processo formativo
refletir sobre a didatização dos saberes, pensar qual o caminho a seguir que garanta ao aluno a
apreensão do conhecimento vivenciado na sala de aula. E, em uma formação de formadores
de leitores, salientamos a pertinência de discutir as experiências das práticas de leitura dos
textos verbais e não verbais, tendo em vista um planejamento que contemple a transposição
dos saberes sobre o ensino da leitura de tais textos.
Entendamos, assim, que
Todos os formadores teriam de se preocupar com a articulação dos saberes e
dos habitus, conscientes de que, se os professores utilizam bastante pouco os
saberes didáticos, psicopedagógicos, ou psicossociológicos que adquiriram,
isso acontece, principalmente, porque não conseguem vinculá-los às
situações e, portanto, mobilizá-los com discernimento para agir.
(PERRENOUD, 2002, p. 84).
ouvimos isso de um professor de língua portuguesa, justamente pelo fato de ele lidar com a
leitura do texto literário e ainda cobrar tal leitura do aluno. Sobre essa questão da leitura do
professor, conjectura Almeida (2010, p. 17):
Mas, se o professor, de qualquer que seja a área, cobra leituras de seus
alunos, pressupõe-se que, pelo menos, ele seja um leitor iniciado. Entretanto,
este “leitor iniciado” é tão volátil, tão confuso, tão sem cristalinidade que
acaba considerando o aluno um leitor como ele.
Mas também é verdade que o professor lê, até porque ele lê os informativos de sua
unidade de ensino, lê as provas dos seus alunos, lê o diário de classe, lê o jornal do dia, a
revista predileta, lê os sites, os blogs, os conteúdos das redes sociais na internet etc. Ele lê o
que diretamente lhe interessa, ou seja, “a maioria de nós [professores] que somos leitores
habituais lê muito, mas pulamos a maior parte do que não nos interessa e não somos
condenados por agirmos dessa maneira”. (KLINE, 2001, p. 24-25). E Almeida (2010) resalta
que muitos professores leem “tessituras”, isto é, textos que não são da sua área de formação.
Por outro lado, percebemos que é comprometedor para a imagem de quem se propõe a
ser formador de leitor do texto literário posicionar-se de forma antagônica à exigida por seu
ofício, porque o texto literário é ponto de interesse de sua matéria, faz parte do processo de
formação dele e daqueles cuja leitura ele mediará. Mas, para que o trabalho de mediação se dê
a contento, faz-se necessário não só provocar o prazer do texto literário no aluno, mas
também, na esteira de Almeida (2010), aliar esse prazer ao conhecimento de condições
técnicas para a leitura, justamente para evitar uma superficial formação de leitor. Mas
entendamos, com isso, que a “leitura técnica ou pertinente é aquela voltada ao campo de
94
vontade pessoal diretamente relacionada à formação” (ALMEIDA, 2010, p. 21). Essa leitura
dará respaldo ao professor para instrumentalizar seu aluno-leitor à proficiência leitora.
Ressalta Silva (2004, p. 26) sobre o compromisso do professor que,
para promover verdadeiramente o conhecimento junto aos seus grupos de
estudantes, em um determinado contexto escolar e no decorrer do tempo, o
professor tem de ensinar bem, e para ensinar bem ele deve aprender sempre
e ler continuamente ao longo da vida.
Podemos dizer, a partir dos argumentos de Silva, que ensinar a leitura do texto verbal
ou não verbal requer o compromisso do professor de avaliar o seu próprio processo de
aprendizado como formador de leitor, mantendo-se responsável por seu ofício, ensinando
aquilo que ele sabe, que deve ser de seu domínio. Isso significa que o professor deve ter
clareza de que ensinar é também aprender a ensinar o que sabe. Dessa forma, se nos
propomos a ensinar leitura do texto literário, pictórico, fotográfico, cinematográfico ou
outros, faz-se imprescindível o conhecimento dos procedimentos de leitura de tais textos e
suas respectivas imagens.
E, pensando sobre a imagem não verbal, afirma Buoro (2002) que muitos educadores
não estão preparados para ensinar leitura de imagem justamente porque não tiveram formação
sobre isso ou pouco investiram nesse tipo de leitura; assim, defende a autora:
(...) cabe a nós, educadores, adotar a mesma postura inquieta de pensadores e
pesquisadores permanentes, devendo para isso buscar formação contínua e
investimento em novos conhecimentos, uma vez que só podemos ensinar
aquilo que efetivamente sabemos. Será necessário, pois, que o educador seja
capaz de construir sua própria competência, movido por ações de querer,
95
Então, só nos tornamos professores capazes de ensinar o que propomos (e essa é uma
tarefa inerente ao nosso ofício) se tivermos competência para isso e esta nos é conferida
quando há interesse e busca por formação que cumpra com esse papel importante de subsidiar
o professor, dando-lhe meios que o façam interagir com tais variedades de textos verbais ou
não verbais.
A imagem do professor-formador de leitor do texto verbal e não verbal está
comprometida com o significado do ofício que ele exerce. Entendemos por ofício o que sobre
ele diz Arroyo (2013, p. 18):
O termo ofício remete a artífice, remete a um fazer qualificado, profissional.
Os ofícios se referem a um coletivo de trabalhadores qualificados, os mestres
de um ofício que só eles sabem fazer, que lhes pertence, porque aprenderam
seus segredos, seus saberes e suas artes.
dos textos-imagens produzidos por outras tecnologias como a TV, a internet etc., porque,
conforme Fernandes (2009, p. 77), a leitura propicia a atualização de um texto para outros
suportes. Assim:
A atualização é sempre provisória e sempre renovada a cada nova leitura
trazendo novos sentidos. Em nossa sociedade multimídia qualquer produção
ou criação pode ser atualizada de diferentes formas. Uma experiência torna-
se um filme, transforma-se em livro, vira um jogo que depois dá origem a
uma história em quadrinhos e a outros textos e filmes “adaptados”,
“inspirados” uns nos outros. Nem sempre se percebe onde essa cadeia de
atualizações começou. As criações podem ser simultâneas e uma alimenta a
outra.
Dessa forma, à medida que o professor colabora com a formação do outro, explorando
e partilhando seu conhecimento, seus saberes, estará contribuindo com sua própria
autoformação.
O autoaprendizado se realiza quando temos conhecimento do que seja aprender, isto é,
“aprender não é apenas adquirir saberes, no sentido escolar e intelectual do termo, dos
enunciados. É também apropriar-se de práticas e de formas relacionais e confrontar-se com a
questão do sentido da vida, do mundo, de si mesmo” (CHARLOT, 2003, p. 32). Dessa forma,
97
com a sua prática de sala de aula. Sobre esse tipo de formação, Zeichner (2003, p. 37)
considera que:
É raro os planejadores educacionais, assim como os órgãos do governo,
encararem os professores como agentes importantes no processo de reforma
educacional. Pelo contrário, a abordagem dominante consiste em treiná-los
para que sejam implementadores eficientes de políticas desenvolvidas por
outros, que nada têm a ver com a sala de aula. Em muitos projetos de
reforma educacional de todo o mundo, a meta é ter professores-funcionários
irreflexivos e obedientes, que implementem fielmente o currículo prescrito
pelo Estado, empregando os métodos de ensino prescritos.
Dessa maneira, muitos professores não conseguem gerenciar sua própria imagem de
formador, porque os órgãos aos quais eles estão vinculados não abrem espaço para essa
possibilidade. Consequentemente, a imagem do professor é forjada por interesses outros que
não representam a realidade da sala de aula. Isso irá resultar em professores desestimulados
para refletirem sobre a sua prática.
E, ao refletirmos sobre professores como formadores de leitores do texto verbal e não
verbal, notamos a falta de uma política de formação de leitores que os faça vivenciar o texto
em sua plenitude, os deixe se reconhecerem, verem-se no texto, de modo a que seus alunos-
leitores passem a tê-los como leitores preparados. Se os formadores de leitores não fazem o
que ensinam, ou seja, não leem com assiduidade, não poderão contribuir com uma imagem de
leitor para seus alunos-leitores como aqueles que experienciam o texto em suas mais variadas
formas e suportes.
Afirmam Bordini e Aguiar (1993, p. 17):
Para que a escola possa produzir um ensino eficaz da leitura da obra literária,
deve cumprir certos requisitos como: dispor de uma biblioteca bem
aparelhada, na área da literatura, com bibliotecários que promovam o livro
literário, professores leitores com boa fundamentação teórica e
metodológica, programas de ensino que valorizem a literatura, e, sobretudo,
uma interação democrática e simétrica entre alunado e professor. (Grifo
nosso).
como aquele que traz para o aluno os conhecimentos necessários para a prática social da
leitura.
Dito isso, chegamos ao segundo aspecto de uma imagem negativa percebida pelo
professor a respeito da formação institucional, considerando que tal imagem repercutirá na
configuração da imagem que ele faz de si mesmo. Tal formação é a que não conduz os
professores a rediscutirem e ampliarem os conhecimentos teóricos e práticos necessários a sua
função.
Os professores sentem necessidade de uma formação que os faça refletir sobre as
experiências de sua prática, mas sem perder de vista os conhecimentos teóricos que a
validarão e vice-versa, porque “as teorias práticas que residem nas práticas do educador
(conhecimento na ação) hão de contribuir com o processo de desenvolvimento do professor”
(ZEICHNER, 2003, p. 43). Uma formação não deve negligenciar as reflexões teóricas sobre o
que acontece com as práticas experienciadas pelos professores em suas ações de sala de aula,
porque, como afirma Tardif (2010, p. 228), “os professores de profissão possuem saberes
específicos que são mobilizados, utilizados e produzidos por eles no âmbito de suas tarefas
cotidianas”. Então, percebemos que há uma necessidade de o professor se ver projetado ou
contemplado nas formações que contem com a sua experiência, com a sua participação, com o
seu envolvimento sociocultural.
Apostamos numa formação que provoque um debate com os professores-formadores
de leitores do texto verbal e não verbal, tendo em vista aspectos ligados à sociologia, à
semiótica, à teoria da recepção, à teoria da arte; discussões sobre as várias linguagens, sobre
antropologia, imaginário, teoria da literatura etc., que ajudarão os professores a ampliarem
suas experiências, seu arcabouço de conhecimentos que nortearão o desenvolvimento de suas
práticas de leitura na sala de aula. Tais conhecimentos fazem com que os formadores de
leitores conheçam, além de sua matéria, outros saberes que fazem parte de seu contexto
social, cultural e político, contribuindo, dessa forma, para que suas práticas de leitura na sala
de aula favoreçam uma leitura proficiente da parte dos alunos.
O que o professor deseja ver em seu cotidiano e nas formações de que participa?
Possivelmente ver a si mesmo. Dizemos isso porque a nossa “autoconsciência” ou “identidade
pessoa”, como diz Larrosa (2010, p. 22), faz-nos narrar o que habita em nossa própria
história, assim:
talvez os homens não sejamos outra coisa que um modo particular de
contarmos o que somos. E, para isso, para contarmos o que somos, talvez
100
A partir do expresso por Larrosa, percebemos que a imagem que fazemos de nós
mesmos como formadores de leitores é tramada considerando as muitas imagens que se
cruzam em decorrência de nossas experiências. Narramos nossas experiências de vida através
das imagens que projetamos de nós mesmos. Essas imagens seguem uma sequência coerente
de acordo com o contexto de nossa história pessoal e coletiva. Tais imagens se configuram na
identidade do professor. Assim, o que os professores desejam ver é a sua imagem-identidade-
pessoa projetada nas formações das quais eles participam.
Os professores-formadores de leitores necessitam ver nos processos formativos suas
próprias imagens servindo de base para a sua reflexão a respeito das imagens que eles
projetam de si mesmos. Acreditamos que, nas formações, seja necessário o professor
compreender a si mesmo, compreender suas ações, visitando sua pinacoteca de experiências e,
das muitas imagens que lá se encontram, outras serão reelaboradas e ressignificadas
sucessivamente. Compreendemos que essa necessidade de se ver seja a de se descobrir na sua
profissionalidade, o momento em que é tocado pelo que ele vivencia e experiencia na sala de
aula como formador de leitores. Essa formação necessita ser aquela que provoca a autocrítica
do docente, que instiga a sua autoconsciência.
E podemos perceber essa autoconsciência quando é dada ao professor a oportunidade
de ser ouvido em suas narrativas, de narrar suas histórias de vida, suas experiências
profissionais, porque o professor está tendo a oportunidade de refletir sobre sua própria ação.
Assim, à medida que o professor vai contatando sua maneira de ensinar ao falar de si mesmo,
ele vai tendo a chance de se perceber como parte do processo. Ou seja, “a maneira como cada
um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando
exercemos o ensino (...). É impossível separar o eu profissional do eu pessoal”. (NÓVOA,
2013, p. 17).
Endentemos que as narrativas das ações dos professores são projeções das muitas
imagens adquiridas ao longo de suas experiências, e tais imagens compreendemos como
imagens narradas de suas experiências palimpsestuosas. Adotamos o termo palimpsesto a
partir do que conceitua Genette (2006) na epígrafe do seu livro “Palimpsesto: a literatura em
segunda mão”:
Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se
traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por
101
transparência, o antigo sob o novo. (...) Um texto pode sempre ler um outro,
e assim por diante, até o fim dos textos.
Como podemos observar, por meio da atividade psicossomática, o professor narra suas
experiências de atuação em sala de aula sob os mais variados pontos de vista de acordo com o
que ele recorda e com aquilo que mantém vínculo com a sua formação. Ou seja, o que o
professor apresenta de “novo” na sua história de vida está marcado pelo que fora vivenciado
outrora, assim, uma imagem experienciada pelo professor suscita outra imagem e mais outra
sem perder coerência com as narrativas de sua vida.
E o que os professores desejam que seja visto ou contemplado nos processos de
formação? Acreditamos, primeiramente, que seja a sua história de professor, porque “as
histórias de vida [desse profissional], no verdadeiro sentido do termo, abarcam a globalidade
da vida em todos os seus aspectos, em todas as suas dimensões passadas, presentes e futuras e
na sua dinâmica própria” (JOSSO, 2004, p. 31), a sua imagem-fragmento narrada naquilo que
ele faz periodicamente nas suas aulas. Mas também que seja vista a imagem daquele que vive
em processo permanente de formação, porque o professor-formador se faz em contato com
seu ofício, contatando, com isso, sua identidade. Dessa forma, “os profissionais são chamados
a desempenhar, simultaneamente, o papel de ‘objetos’ e de ‘sujeitos’ da investigação.”
102
(NÓVOA, 2013, p. 22). Disso se evidencia que a pessoa do professor encontrará em si mesmo
sua própria referência profissional.
Um outro aspecto que deve ser salientado nessa busca da imagem do professor-
formador é o reencontro consigo mesmo enquanto aprendiz, ou, mais especificamente,
aprendente, como enfatiza Josso (2004, p. 19), porque esse termo “quer enfatizar o ponto de
vista daquele que aprende e o seu processo de aprendizagem”. Mas o que significa aprender?
Para Josso (2004, p. 39) “aprender designa, então, mais especificamente, o próprio processo
de integração”. Percebemos com isso que aprender significa aprender a aprender o ofício pela
experiência, considerando a interação do professor com os seus pares, com os conhecimentos,
com o saber-fazer, e integrando a pluralidade dos registros sociais, culturais, políticos,
antropológicos, educacionais etc. Conforme Josso (2004, p. 41), “se a aprendizagem
experiencial é um meio poderoso de elaboração e de integração do saber-fazer e dos
conhecimentos, o seu domínio pode tornar-se um suporte eficaz de transformações” (no nosso
caso, aprender a aprender a leitura dos textos verbais e não verbais).
Há uma necessidade de percebermos a complexidade de nosso ofício e suas exigências
para o desenvolvimento da imagem do ser professor. E isso é possível nos processos
formativos, porque
(...) a formação descreve os processos que afetam as nossas identidades e a
nossa subjetividade. Ela indica, assim, um dos caminhos para que o sujeito
oriente, com lucidez, as próprias aprendizagens e o seu processo de
formação. Se a aprendizagem experiencial é um meio poderoso de
elaboração e de integração do saber-fazer e dos conhecimentos, o seu
domínio pode tornar-se um suporte eficaz de transformações. (JOSSO, 2004,
p. 41).
É importante saber que o que internalizamos durante nosso processo formativo, que
vem se desencadeando desde o tempo de nosso convívio com a família, com nossas
experiências de estudante no ensino básico (que marcaram as nossas identidades), vem
contribuir com nossa experiência e nos fazer ver quem somos enquanto professores. As
nossas lembranças, as nossas histórias de nossos primeiros professores ou professoras são
marcas de quem somos hoje, colaboram para a nossa compreensão sobre as transformações
que ocorreram e que ocorrem ao longo de nossa existência. Dessa forma, o nosso aprendizado
de professor tem uma raiz profunda firmada na sociedade e na cultura da qual fazemos parte.
Nesse processo de aprendizado contínuo no qual vivemos, não podemos nos furtar da
responsabilidade de “aprendente”. Especialmente porque estamos nos propondo ser
formadores de leitores, nesse caso, o nosso compromisso é com a leitura, aprender com a
103
leitura, não apenas porque é uma exigência da disciplina da qual nos ocupamos, mas por fazer
parte do nosso próprio processo formativo. Sobre isso, Magnani (1989, p. 94) argumenta:
O professor é, concomitantemente, alguém que participa ativamente desse
processo; alguém que estuda, lê e expõe sua leitura e seu gosto, tendo para
com o texto a mesma sensibilidade e atitude crítica que espera de seus
alunos. Para seu trabalho prático, os critérios de seleção de textos pelo
professor devem ser, entre outros aqueles decorrentes da sua “frequentação
de leitura”.
Nesse caso, Josso enfatiza que as nossas vivências só passam a ser consideradas
experiências a partir do momento em que refletimos sobre o que foi vivido, observado,
11
Consideramos o conceito de consciência a partir do que defende Josso (2004, p. 50): “Consciência é a
‘presença atenta’ a si próprio, aos outros e ao seu ambiente e está ligada aos graus de sensibilidade de cada
pessoa no que se refere aos seus sentidos, tais como o tato, o olfato, a visão, o movimento etc. Sem essa presença
atenta não há qualquer percepção do mundo”.
104
percebido e sentido. A ideia que ela levanta sobre experiência formadora se efetiva no
momento em que conseguimos articular conscientemente atividade, sensibilidade, afetividade
e ideação. Disso entendemos a relevante contribuição da metaformação, que parte da reflexão
de nossas ações para ação, para que a experiência do professor seja uma referência que o
ajudará a avaliar os acontecimentos de sua prática na sala de aula.
A imagem de formador de leitor se configura quando ele se compromete com sua
prática, não deixando de considerar a necessária reflexão sobre a sua ação voltada para a ação.
Dessa forma, o professor compreenderá que contatar com sua experiência é a chance de
compreender as ocorrências da vida profissional, as quais são marcadas por situações inéditas
e significativas; haverá momentos em que ele perceberá que a própria experiência o auxiliará
a solucionar problemas; e que é relevante ele refletir sobre sua experiência, percebendo as
contribuições que ela lhe confere, transformando-o.
12
Mostrar una experiencia no es enseñar el modo como uno se ha apropriado del texto, sino cómo se le ha
escuchado, de qué manera uno se ha abierto a lo que el texto tiene que decir. Mostrar una experiencia es mostrar
una inquietud. (LARROSA, 2003, p. 44).
105
mundo pode ser comum a todos, mas o sentido que cada ser humano possui sobre ele é
peculiar.
Para pensar a formação de formadores de leitores numa perspectiva intersemiótica,
envolvendo o texto literário e outras artes como pintura, fotografia e cinema, faz-se necessário
considerar que todas essas artes lidam com imagens que foram produzidas a partir da relação
com o mundo-imagem-signo que o autor de tais imagens tenha experienciado no ato de sua
execução, entretanto, a experiência do criador de uma imagem não é a mesma que será
experienciada pelo leitor. Então, o primeiro passo a ser considerado na formação de
formadores de leitores são as experiências deles como leitores. Quem é que está lendo o
texto? Como está sendo lido o texto? Como se dá a relação do formador de leitores com os
mais variados textos?
Faz-se mister considerar que
A sala de aula, o salão de leitura não podem ser apenas lugares de tarefas e
avaliações; cabe-lhes sobretudo o empenho em co-mover as experiências
mais pessoais do aprendiz no resgate do texto e da palavra do outro, de modo
a lograr que a intimidade, ao ser partilhada, supere seus limites
individualistas e alcance uma dimensão que seja a um só tempo singular e
plural. Singular porque original (que escapa do óbvio) e plural porque em
diálogo com a diversidade (que não se confunde com o senso comum).
(YUNES, 2003, p. 13).
Tal consideração tem sua pertinência porque, no processo de formação leitora, está-se
dando ao professor formador de leitores a chance de ser ouvido naquilo que ele escuta, vê e
sente, porque essas percepções fazem coro com as experiências que ele tem em razão das suas
mais variadas convivências no âmbito social, cultural, ideológico e religioso. Essas
experiências de convívio farão com que o professor possa expor o que o texto literário e o não
literário têm a lhe dizer. Isso dá a chance, a quem está à frente da formação do professor
formador de leitores, de conhecer-lhe a realidade a partir do que este traz para dialogar com o
texto. Mas não podemos deixar de considerar que essa experiência de leitura está
condicionada não apenas à exterioridade do mundo do leitor, mas também às mais íntimas
vividas por ele.
O formador de professores necessita conhecer as experiências de quem está em
formação porque elas direcionarão formas de mediar a prática de formação de professores-
leitores. Estão na experiência de cada indivíduo as peculiaridades que o farão leitor em
potencial a partir de sua relação com o mundo vivido em todos os seus contextos. É por esses
contextos que o professor como formador de leitores deverá ser orientado e compreendido
106
quando no ato de sua leitura, isto é, é preciso ver o formador de leitores a partir de suas
perspectivas, percebendo como o mundo se apresenta para ele e como esse mundo repercute
como significado em sua intimidade.
Conduzir o processo de formação de formadores de leitores exige um olhar além da
mera visibilidade aparente das coisas e do mundo experimentado pelo professor, isso porque,
como diz Merleau-Ponty (2005, p. 44),
Vejo, sinto e é certo que, para me dar conta do que seja ver e sentir, devo
parar de acompanhar o ver e o sentir no visível e no sensível onde se lançam,
circunscrevendo, aquém deles mesmos, um domínio que não ocupam e a
partir do qual se tornam compreensíveis segundo seu sentido e sua essência.
Compreendê-los é surpreendê-los, pois a visão ingênua me ocupa
inteiramente, pois a atenção na visão, que se acrescenta a ela, retira alguma
coisa desse dom total, sobretudo, porque compreender é traduzir em
significações disponíveis um sentido inicialmente cativo na coisa e no
mundo.
relações entre esses diferentes textos, tendo como ponto de partida a percepção desse
professor frente ao texto-mundo. O professor formador de leitor necessita ser convidado ao
texto, como expressa Larrosa (2010), vivendo na hospitalidade do texto o gozo do que este
tenha a lhe oferecer. O formador de formadores de leitores precisa fazer o professor se
envolver com o texto e se entregar a ele como se entrega a uma paixão. Uma entrega de
ensinar e aprender, porque “a experiência da leitura, quando está envolvida com o ensinar e o
aprender, implica a relação de cada um consigo mesmo e com os outros” (LARROSA, 2010,
p. 140). No entanto, essa entrega não implica aprisionamento do sujeito-leitor, mas sim viver
a liberdade de uma experiência positiva. É positiva porque não cerceia, não limita, não priva o
professor-leitor de viver o direito ao texto literário e não literário, com todas as suas nuances e
possibilidades interpretativas.
O formador de formadores de leitores é aquele, como inferimos de Larrosa (2010), que
presenteia o texto ao professor como se remetesse uma carta de amor para alguém que ama,
porque, a quem se ama verdadeiramente, só se presenteia com o que é bom. Isso implica a
ideia de que o formador dá ao outro aquilo que também gostaria de receber, porque gosta do
que faz; e a leitura do texto literário e não literário (pintura, fotografia e cinema) também
necessita ser, para o professor, a sua paixão para o êxito da prática leitora na sala de aula.
Para Larrosa (2010), o professor também é leitor, é aquele que lê escutando o que o
texto tem a dizer, a anunciar, a comunicar e a compartilhar. E, nesse movimento de escuta,
também o professor ouve a si mesmo e aos outros, esses outros mundanamente ativos como
são seus alunos-leitores, estes que (re)produzirão o texto, as vozes do mundo que se
encontram ecoando no espaço dos textos, comunicando, multiplicando e transformando.
Assim, a prática da escuta é fundamental no processo formativo.
O formador de formadores de leitores necessita entender que, “se a face exterior do
texto é uma – a que podemos denominar ‘o dito do texto’, aquela que contém seu significado
dado, fixado, literal, mais ou menos transparente e idealmente homogêneo para todos os
leitores –, sua face interior é necessariamente múltipla” (LARROSA, 2010, p. 141). Isso
implica que a tarefa de formação de formador de leitor, necessariamente, deve considerar o
espaço do texto verbal ou não verbal como democrático, permitindo que as vozes que dele
ressoem interajam com as tantas outras vozes que compõem o mundo onde se encontra o
professor formador de leitor. Então, o que disso deve ser evidente para o formador de leitor é
que ele lida com linguagem tecida em texto, e esta é plural em seus sentidos e significações.
108
Larrosa (2003) considera que toda produção escrita pode ser tida como uma nota, um
prólogo à escrita do porvir, porque essa escrita, quando acabada, não passa de uma máscara
de morte que dê margem a outra e a outras, sucessivamente. Levando em conta essa escrita
em devir, Larrosa entende que há nesse texto duas faces, a leitura como formação e a
formação como leitura. Essas faces estão relacionadas à subjetividade do leitor, porque se
deve “pensar a leitura como algo que nos forma (ou nos de-forma ou nos trans-forma), como
algo que nos constitui ou nos põe em questionamento com aquilo que somos”13 (LARROSA,
2003, p. 25-26). Então, na visão do autor, a leitura não é tão somente um mero passatempo ou
algo que sirva de escape para as tensões do mundo e suas verdades factuais. E também não
pode ser reduzida a um meio de transmissão de conhecimento. Isso tudo por duas razões,
conforme inferimos do filósofo e educador. A primeira é que a leitura não nos afeta em nosso
lugar somente nos momentos em que estejamos gozando do ócio, do sonho, ou no nosso
mundo de imaginação, porque tudo isso está imbricado na subjetividade que movimenta a
realidade sociocultural de cada sujeito-leitor, não nos distancia da vida cotidiana. Em segundo
lugar, a leitura também não nos afeta em nosso próprio lugar, isso porque o que sabemos se
mantém fora de nós, em nosso exterior, ou seja, toda leitura feita apenas para adquirir
conhecimento na ótica do científico ou tecnológico apenas nos faz adquirir saberes que antes
não tínhamos, sem, necessariamente, nos modificam no que somos, porque, para Larrosa
(2003), a leitura é transformadora do que somos desde que ela seja compreendida como
“formação”, em razão de esta ter a ver com o que somos.
O formador de formadores leitores do texto literário, do pictórico, do fotográfico e do
fílmico necessita ter em mira que as experiências imaginativas intermedeiam o sensível e o
inteligível, o visível e o invisível, o subjetivo e o objetivo. Impor limites entre um e outro é
querer fazer valer um posicionamento ideológico, ou uma visão particular. Apostamos numa
formação de formadores de leitores que rompa tais fronteiras e perceba a leitura como
formação, porque isso é perceber a leitura como ação transformadora.
Possivelmente, o que pode garantir a uma formação de formadores de leitores ser
exitosa, na esteira de Larrosa (2003), poderá estar no fato de entendermos que uma
experiência formativa de leitores dar-se-á a partir do momento em que se perceba que há uma
relação de intimidade entre o texto e a subjetividade. A razão disso está em que, para que uma
experiência resulte numa formação, é necessário que ela seja “o que nos passa” (LARROSA,
13
(...) pensar la lectura como algo que nos forma (o nos de-forma o nos trans-forma), como algo que nos
constituye o nos pone em cuestión em aquello que somos. (Tradução nossa)
109
2003, p. 28), porque tal experiência é transformadora; é a que resulta do que marca o
formador de leitor. Assim, considerar a formação de formadores de leitores como uma
experiência formativa implica, por essas ideias, evidenciar que há nisso um rompimento de
fronteiras entre o que sabemos do mundo e de suas coisas e o que somos enquanto sujeitos na
relação entre subjetividade e objetividade.
O texto literário e os demais textos como a pintura, a fotografia e o cinema devem ser
lidos como uma escuta atenta aos seus sentidos. Por essa forma de mediação de leitura, o
formador de formadores de leitores estará conferindo aos professores a chance de interagirem
com o texto, considerando-o como o outro da relação em que ambos se tocam e se permitem
uma experiência íntima que resulta em uma transformação. Mas vale salientar que essa
relação cumpliciosa do ato da leitura não se dá na negação nem na apropriação de um e de
outro, mas sim, em um admitir a presença do outro no que se tangenciam; a negação de um ou
outro, assim, não resultaria na trans-formação.
Entendemos ser necessário que o formador de formadores de leitores medeie a ação
leitora, considerando o potencial sociocultural do professor formador de leitor, dando-lhe a
chance de se postar diante do texto como esse outro que tem muito a lhe dizer, que não
desdenha o outro que é o texto. É importante o professor perceber que o texto tem sempre
algo a lhe propor, quer seja necessário ou não, mas esse professor precisa estar receptivo à
transformação. Como se pode notar, essa ideia de formação deixa margem à liberdade criante,
esta que realiza a integralidade do ser como aquele que vive a potencialidade de suas criações
imaginativas sem perder de vista a realidade factual; que sabe que tanto o visível quanto o
invisível convergem entre si, que há nisso uma interseção.
Declara Blanchot (1987, p. 191) que “música, pintura, são mundos em que penetra
aquele que possui a chave para eles. Essa chave seria o ‘dom’, esse dom seria o encantamento
e a compreensão de um certo gosto”. Isso equivale a dizer que é preciso uma entrega tanto
para ouvir como para ver; dessa entrega resulta o prazer do permissivo mergulho no espaço
do que se está lendo. Pelo que percebemos, na formação de formadores de leitores, o
formador experiente necessita incitar o professor à experiência de ler pelos sentidos. Nesse
caso, um trabalho de formação que permite a liberdade dos sentidos empreendida pelos
professores-leitores do texto literário, pictórico, fotográfico e fílmico cumpre aquilo a que se
destina toda obra de arte – ser lida pelos olhos da sensibilidade.
Pela ótica de Blanchot (1987, p. 195), “o livro que tem sua origem na arte não tem sua
garantia no mundo, e, quando é lido, nunca foi lido ainda, só chegando à sua presença de obra
110
no espaço aberto por essa leitura única, cada vez a primeira e cada vez a única”. E, nessa ótica
dizemos também, que, como arte, a pintura, a fotografia e o cinema não têm sua garantia no
mundo, pois, a cada leitura realizada, novos detalhes, novas nuances, novas perspectivas
imagéticas são percebidas, isso considerando que uma imagem convida outra,
sucessivamente. Entendamos, portanto, que a leitura também é única, porque o formador de
leitor que lê nunca é o mesmo, em razão de suas novas experiências.
Dizemos que formar um professor-leitor para ler o texto literário e também o pictórico,
o fotográfico e o fílmico é ter em mira que estamos formando leitores para estes contatarem
imagens, para perceberem-nas através de suas múltiplas significações e para vivenciarem a
experiência do texto a partir das suas próprias experiências de leitores. Para isso, o formador
de formadores de leitores deve direcionar sua prática estimulando o professor a sentir o texto
na plenitude do seu inusitado, o texto como sempre uma novidade, quer seja este de ordem
imaginativa, quer seja de ordem perceptiva. Tal prática formativa de leitura exige que o
professor saia de onde se encontra para viver o inesperado, isso porque os textos que resultam
do imaginário de um artista/escritor estão sempre em devir, não se encerram no instante de
sua criação. Esses textos são uma experiência criativa e, como tal, estão sempre a revelar, a
surpreender.
A formação de formadores de leitores do texto verbal e não verbal necessita ser
pensada como um jogo de relações entre seres que dialogam e se permitem a experiência da
escuta. O professor como formador de leitor necessita viver uma prática de leitura que o faça
interagir com o texto como se interagisse com sua própria existência; perceber que sua
história de vida se estende ao longo do tempo e, cada vez, ele se depara com uma outra
história, com um outro acontecimento a surpreendê-lo, isso porque ela está em permanente
devir. Por esse aspecto, essa relação com o texto ocorre como são nossas experiências com o
nosso corpo: a cada dia, uma novidade é nele evidenciada pela passagem do tempo. Merleau-
Ponty (2006, p. 105) faz uma colocação interessante – que incorporamos a estas ideias –
quando diz:
o horizonte é aquilo que assegura a identidade do objeto no decorrer da
exploração, é o correlativo da potência próxima que meu olhar conserva
sobre os objetos que acaba de percorrer e que já tem sobre os novos detalhes
que vai descobrir.
perspectiva adotada pela direção do olhar, isso porque não se vê o texto-corpo por inteiro,
antes se experiencia o que se faz evidente de acordo com interesses, prioridades, sensibilidade
etc. Primeiro se vê uma parte desse texto-corpo, depois outra, assim, à medida que uma
esconde a visibilidade da outra, a outra parte destaca-se, mas sem negar as outras existências
que compõem o texto-corpo, porque elas coexistem. Esse texto-corpo é o sensível que é
perceptível não pelos lados isolados, mas em sua amplitude, no conjunto das partes. Essa
existência de mundo-texto é situada social e culturamente e, por esse prisma, a leitura se
efetiva, pois o texto-corpo é um ponto de vista dentre outros pontos de vista, daí por que
entendemos a leitura como uma experiência.
É muito importante que o formador de formadores de leitores não intente tratar o texto
literário, pictórico, fotográfico e fílmico como textos de caráter técnico ou científico; estes
têm como características e finalidades comunicar ou informar um experimento,
diferentemente dos textos com características artísticas, os quais decorrem de experiências
criativas de diversas leituras, desde que entendamos que “a experiência da leitura é também o
acontecimento da pluralidade, mas de uma pluralidade que não pode se reduzir a um
conceito”14 (LARROSA, 2003, p. 40). Os textos de arte são múltiplos em sentidos, não são
textos que evidenciem uma racionalidade objetiva na produção de sentido ou de significado.
Assim, reivindicamos uma formação reflexiva de formadores de leitores que
desenvolva uma prática de leitura que vise a uma intersecção das experiências perceptivas e
imaginativas do formador-leitor, ampliando-lhe, dessa forma, a compreensão leitora dos mais
variados textos.
14
La experiencia de la lectura es también el acontecimiento de la pluralidad, pero de uma pluralidad que no
puede reducirse a um concepto. (Tradução nossa)
112
presente social e culturalmente, essa presença repercutirá na forma como ele passará a ler os
textos verbal e não verbal.
Ainda mais, como também diz Merleau-Ponty (1990, p. 47), “é preciso que a
significação e os signos, que a forma e a matéria da percepção sejam aparentadas desde a
origem e que, como se diz, a matéria da percepção esteja ‘grávida de sua forma’”. Por essas
ideias, entendemos que a condução da formação de formadores de leitores terá sentido para o
professor quando o formador (o formador de formadores de leitores) mediar sua prática
fazendo aquele compreender que a unidade matéria e forma vive a gravidez do mundo com
todas as suas manifestações culturais, esse mundo que é fundo de uma experiência espaço-
temporal. Nesse caso, ficam patentes duas sínteses, estas, na ótica merleau-pontyana, são a
“síntese de transição”, que antecipa o lado não-visto; e a “síntese de horizonte”, que é aquela
também referente ao lado não-visto, mas que anuncia a sua presença visível noutra parte para
os nossos sentidos, no tempo presente e apenas iminente. Tais sínteses são estabelecidas no
momento em que o professor começa a se relacionar com o texto, ou seja, esse formador de
leitor, em certa medida, vai antecipando o que vai lendo no texto e experienciando o porvir ao
tocar com os sentidos o que ainda não está visível, mas que se faz presente imediato. O
professor necessita ter clareza de que a ação prática da leitura se estabelece por um sujeito-
leitor que assume um ponto de vista e por este direciona sua compreensão do que está lendo a
partir dos seus sentidos, conferindo ao leitor a ideia do todo do objeto-texto.
A tarefa de formação de formadores de leitores do texto verbal e não verbal atinge o
esperado quando o formador adota junto a seus professores uma atitude perceptiva, tendo em
vista que o texto existe quando o leitor pode percebê-lo. Isso implica desenvolver uma prática
de leitura que faça o professor se deslocar para o mundo do texto para viver sua experiência;
sem essa presença, a leitura não se consolida como desejado. Evidentemente, mesmo que o
professor se desloque para o texto para conhecê-lo e compreendê-lo, nem tudo será
plenamente evidenciado, pois isso depende da perspectiva adotada por ele (professor) e
também nem tudo é plenamente dado porque alguns detalhes podem estar além do que pode
ser apreendido do texto.
Acreditamos que a formação de formadores de leitores dos textos literário, pictórico,
fotográfico e fílmico não pode desconsiderar, primeiramente, o grau de experiência que o
professor tem e de que faz uso para a leitura do objeto-texto, pois essa experiência o balizará a
compreender o que lê. Depois, o objeto-texto tem sempre algo a mais que contribuirá com a
experiência do docente.
114
Formar formador-leitor é dar a este espaço para que sua visão, seu ponto de vista a
respeito do texto não seja silenciado. Então, como podemos ver em Merleau-Ponty (1990, p.
50-51):
É preciso pois que pela percepção do outro eu me ache colocado em relação
com um outro eu que esteja em princípio aberto às mesmas verdades que eu,
em relação com o mesmo ser que eu. E essa percepção se realiza, do fundo
de minha subjetividade vejo aparecer uma outra subjetividade investida de
direitos iguais, porque no meu campo perceptivo se esboça a conduta do
outro, um comportamento que eu compreendo, a palavra do outro, um
pensamento que eu abraço e de que aquele outro, nascido no meio de meus
fenômenos, se apropria, tratando-o segundo as condutas típicas de que eu
próprio tenho a experiência.
O nosso interesse é por uma formação de formadores de leitores que vise à disposição
do professor de interagir com o texto de onde se experiencia uma acoplagem de imagens em
sua interioridade e exterioridade, sem que haja uma sobreposição de interesses de uma e de
outra. Uma acopla de corpos-imagens que se intumescem de imagens.
Já dissemos aqui que, para Larrosa (2003, p. 28), a experiência é aquilo “que nos
passa”, assim, por essa ideia de experiência, aproveitamos para dizer que a formação de
formadores de leitores do texto literário, pictórico, fotográfico e fílmico não é só uma
experiência perceptiva, mas também uma experiência do imaginário que nos marca, que nos
intumesce. Se o mundo nos deixa cheio de imagens, então o trabalho de formação de
formadores de leitores não deve se descuidar das questões do imaginário como contributo
para a formação dos formadores-leitores em razão de sua função simbólica.
Entendemos que seja relevante uma formação de formadores de leitores em que o
professor participe das imagens como ele participa de sua própria existência no mundo,
contatando permanentemente com sua própria dentre tantas outras. Cada encontro de imagem
é motivo de maravilhamento, ou, como destaca Bachelard (1988, p. 3), entender “a sutileza de
uma novidade reanima origens, renova e redobra a alegria de maravilhar-se”. Isso implica
assumirmos a necessidade de preparar o formador-leitor a maravilhar-se sempre com as
imagens e por elas deixar-se sensibilizar. Essa é uma proposta de formação de formadores de
leitores que tem em vista o professor que experiencia a imagem participando da imaginação
criante. Por essa compreensão imagística, vislumbramos uma formação de formadores de
leitores que faça o professor transpor os limites da materialidade das coisas, vivendo a
imagem na sua imanência, porque
a imagem só pode ser estudada pela imagem, sonhando-se as imagens tal
como elas se acumulam no devaneio. É um contrassenso pretender estudar
objetivamente a imaginação, porque só recebemos verdadeiramente a
imagem quando a admiramos. (BACHELARD, 1988, p. 52).
Entendemos por objeto, amparados nas ideias de Peirce, as imagens tanto dos textos
verbais, quanto dos não verbais. Assim, compreendemos que as imagens-objetos são
perceptíveis pelos sentidos e imagináveis pelas tantas imagens que animam e compõem a
intimidade de cada sujeito-leitor. Nesse caso, o leitor, ao se deparar com as imagens do texto
literário, pictórico, fotográfico e fílmico, desde que sejam experiências que transformem o
sujeito-leitor, as lê, não como uma simples representação de alguma coisa, mas como a
experiência de sentir o próprio corpo em sua integridade.
A partir do momento em que o formador de formadores de leitores motiva seu
professor a articular as linguagens e as imagens dos textos em destaque, percebendo e
imaginando o que está lendo, esse formador de formadores proporciona ao professor
(formador de leitor) uma experiência de leitura que vai além daquela vivenciada no cotidiano
em que se leem as coisas indistintamente, sem que se percebam as contribuições das
linguagens verbais e não verbais e suas respectivas imagens. As linguagens possuem pontos
em comum, que são os signos-imagens, os quais se atraem justamente por serem resultantes
do poder sensível e criante, vivenciado pelo artista. Mas não só isso, as relações
118
Assim, tendo um olhar sensível para as contribuições que os textos dão com suas
imagens para a formação dos formadores de leitores, entendemos que o professor, na sua sala
de aula, desenvolverá uma prática de leitura com tais textos, compreendendo os arranjos que
os signos-imagens estabelecem entre si e o quanto estes signos se potencializam para o
surgimento de muitos mais outros.
120
Neste capítulo, apresentamos os passos decisivos que nos levaram a compor uma
investigação a respeito de uma formação de formadores de leitores do texto literário numa
relação intersemiótica com a pintura, a fotografia e o cinema.
121
Traçaremos neste momento a trajetória da definição de nosso corpus. Sua gênese já foi
pré-anunciada na introdução desta tese, mas vamos agora situar como tudo começou para que,
a partir dos objetivos, fiquem evidentes as razões deste estudo. Objetivamos investigar as
contribuições que uma formação específica pode trazer a professores de língua portuguesa
para relacionar intersemioticamente o texto literário com a pintura, a fotografia e o cinema,
discutindo os possíveis impactos dessa formação específica nas concepções e nas práticas de
leitura desses professores. E, como objetivos específicos, temos:
a) verificar como o formador de leitores lida com as imagens do texto literário;
b) verificar como o formador de leitores interage com as imagens-textos da
pintura, da fotografia e do cinema;
c) verificar como o formador de leitores articula as imagens literárias numa
relação intersemiótica com a pintura, a fotografia e o cinema;
d) verificar como o formador de leitores, durante e após uma formação específica
sobre leitura do texto literário, numa relação intersemiótica com a pintura, a
fotografia e o cinema, pensa, reflete e reelabora as suas práticas e concepções
de leitura.
Temos, até o momento, uma experiência de 30 anos de sala de aula. Numa busca
constante do melhor caminho para lidar com o ensino de literatura e, consequentemente, com
o ensino da leitura do texto literário, fizemos mestrado em Teoria da Literatura, na UFPE.
Isso foi uma experiência significativa, pois representou uma formação que não tínhamos até
então sobre literatura e sua relação com outra arte, no caso específico, o cinema. Os
conhecimentos lá adquiridos foram proporcionados pela disciplina Literatura e Intersemiose e
fizeram bastante diferença em nossa formação acadêmica e profissional, porque nos fizeram
repensar o direcionamento de nossas práticas de leitura do texto literário enquanto professor
do ensino básico da rede pública do Estado de Pernambuco.
122
Foi um grande desafio na ocasião rever práticas de leitura do texto literário, em razão
de não termos sido preparados para isso quando estávamos ainda na graduação, em meados da
década de 1980. E vimos, na ocasião da pós-graduação stricto sensu, o quanto é relevante
uma boa compreensão das relações entre as artes, porque ela contribui largamente para a
percepção da dimensão do texto literário e do que podemos fazer em sala de aula, munidos
das ferramentas apropriadas para uma leitura intersemiótica.
Após ter concluído o mestrado, nossa inquietação tornara-se maior, por sabermos que
os livros didáticos destinados ao trabalho com os alunos da educação básica traziam imagens
de toda ordem como ilustrações dos textos literários, mas quase nunca se dava a elas a devida
importância; ficavam como um mero adorno de tais livros. Os nossos colegas de língua
portuguesa também não interagiam com essas imagens fotográficas, imagens de pinturas, de
esculturas, fotogramas de filmes e outras, porque também não foram formados para isso e não
tinham, portanto, condições de estabelecer uma relação entre elas e as imagens do texto
literário.
Um ano e meio depois de concluído o mestrado, recebemos um convite para
montarmos uma disciplina para dois cursos de especialização em língua portuguesa na UFPE.
Isso foi motivo de grande satisfação, pois era a chance de pensarmos uma forma de
compartilhar com os colegas da rede pública do Estado de Pernambuco, a quem o curso era
dirigido, o que havíamos aprendido na nossa formação de mestrado. Elaboramos o plano de
curso da disciplina com total liberdade e confiança das coordenadoras na época e ministramos
a disciplina “Leitura de textos verbais e não verbais”. Essa experiência também nos trouxe
enorme satisfação, por percebermos o grande interesse de todos os participantes do curso, a
ponto de termos uma procura de 20 alunos-professores interessados em que os orientássemos
na escrita de suas monografias, as quais versavam sobre variados temas ligados à leitura.
Conseguimos acompanhar 15 deles, obtendo bons resultados.
No ano de 2009, recebemos um convite para ministrar na Universidade de
Pernambuco – UPE/Campus Mata Norte, no curso de Letras, a disciplina Teoria da Literatura,
ficando à disposição da instituição até a presente data. Essa experiência também foi muito
positiva para podermos dar seguimento ao amadurecimento de nossa formação como mestre
em Teoria da Literatura. Com isso, pudemos incrementar no curso de Letras da referida
universidade as discussões a respeito das relações intersemióticas do texto literário com as
outras artes. Ainda na UPE, tivemos a grata satisfação de ministrar, além de Teoria da
Literatura e Literatura Brasileira, a disciplina de Leitura e Produção de Texto para turmas do
123
segundo período de Letras. Essa oportunidade foi significativa, em virtude de podermos levar
para a sala de aula da graduação do curso de Letras uma discussão sobre a leitura do texto
literário numa relação intersemiótica com o cinema, a pintura e a fotografia; essa experiência
também nos rendeu bons frutos, na medida em que tivemos muitos alunos que terminaram por
desenvolver seus trabalhos de conclusão de curso nessa perspectiva de leitura e, mais ainda,
alguns deles ingressaram no mestrado em Teoria da Literatura da UFPE e vêm desenvolvendo
suas dissertações na linha de pesquisa Intersemiose.
Relatamos todas essas motivações para mostrar de onde parte a ideia da construção e
concepção de um projeto de curso de formação para formadores de leitores do texto literário
numa relação intersemiótica com a pintura, a fotografia e o cinema, curso esse que será objeto
de nosso estudo exploratório e a partir do qual coletamos os dados para a nossa investigação
de doutoramento.
15
GRE Metropolitana Norte.
124
juntos aos professores ligados àquela gerência. Na ocasião, a coordenadora entrou em contato
com o gerente da GRE e ele nos recebeu em seu gabinete, também dando-nos a oportunidade
de detalhar o curso de formação. Ele também elogiou a proposta, pois via nela uma chance de
articular uma maior aproximação da universidade com aquela regional. Assim, ficou aprovado
o nosso projeto e começamos a aplicá-lo a partir do dia 22 de agosto, indo até 28 de
novembro de 2013.
No momento em que expúnhamos à coordenação como seria o andamento do curso,
não sabíamos ainda onde seriam realizados os encontros de formação. Algumas propostas
surgiram na hora para viabilizar o acesso dos professores-cursistas da região metropolitana do
Recife, que, em sua maioria, eram oriundos das cidades de Paulista e de Olinda, então,
ocorreu-nos a ideia de realizar o curso na Faculdade de Ciências Humanas de Olinda,
FACHO, por ser de fácil acesso para eles e também porque havia uma chance de que a
FACHO nos cedesse o espaço para os encontros de formação, já que éramos também
professor daquela instituição. Entramos em contato com a direção da faculdade e tivemos a
grata satisfação de sermos atendidos em nossa solicitação, ficando reservada uma sala de aula
climatizada com todos os equipamentos necessários como retroprojetor, computador, quadro
branco; foram definidos os dias de quintas-feiras, pela manhã, para a realização dos trabalhos
de formação.
Após a aprovação da realização do curso, combinamos com a coordenação técnica do
ensino médio da GRE Metropolitana Norte como faríamos para lançar o convite aos
professores de língua portuguesa que atuassem do ensino médio. Assim, decidimos elaborar
uma carta-convite que seria enviada para os e-mails de todos os professores sob a tutela
daquela regional. Na carta-convite, expusemos o curso de formação e seus objetivos, o perfil
do professor requerido, a carga horária, o local de realização; dizíamos também sobre a
certificação dos participantes e que as aulas do curso seriam filmadas por se tratar de um
projeto piloto de formação para coleta de dados para a nossa pesquisa de doutoramento.
Tivemos vinte e três professores-cursistas inscritos para começar o curso, mas, no
primeiro dia do módulo I, compareceram quinze deles. No fim do módulo I, permaneciam
onze professores. No módulo II, continuamos com a presença de onze cursistas. Já o módulo
III foi concluído com a presença de oito professores-formandos. Por essa razão, e pelo fato de
estes mostrarem maior interação no curso de formação de leitores, em nossa análise narrativa,
centramos atenção especial nesses oitos participantes, que são nossos professores-personagens
125
e aos quais demos os seguintes nomes fictícios: Guilherme, Vanda, Luís, Joana, Andréa,
Clara, Vitor e Neide. E quem são eles? Vejamos.
Guilherme é professor da rede estadual de ensino de Pernambuco há 9 anos e formado
em Licenciatura em Letras, com habilitação em Português/Inglês pela Universidade de
Pernambuco (UPE/Campus Mata Norte). Como formação complementar, ele tem
especialização em Língua Portuguesa/Produção de Texto, pela Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE) e, atualmente, está cursando pós-graduação stricto sensu, na modalidade
de mestrado em Linguística e Ensino, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Vanda é
professora há 24 anos; formada em Licenciatura em Letras pela Universidade Católica de
Pernambuco (UNICAP), tem especialização em Língua Portuguesa. O professor Luís é
formado em Licenciatura em Letras pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP),
com habilitação Português/Inglês; possui especialização em Linguística aplicada ao Ensino da
Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); tem 10 anos de
carreira no magistério; é professor contratado do ensino básico de Pernambuco e efetivo do
ensino básico da Prefeitura da Cidade de Recife. A professora Joana possui Licenciatura em
Letras, com habilitação em Português/Inglês, pela Fundação de Ensino Superior de Olinda
(FUNESO); tem 10 anos de magistério no ensino básico do Estado de Pernambuco e, como
formação complementar, fez especialização em Alfabetização e Letramento, na Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE). Andréa é professora há 8 anos; formada em Letras pela
Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), é contratada pela rede estadual de ensino
de Pernambuco; possui especialização em Cultura Pernambucana pela Faculdade Frassinetti
do Recife (FAFIRE). A professora Clara é formada em Letras; tem 27 anos de experiência em
sala de aula; possui mestrado em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco
(UFPE); é especialista em Linguística Aplicada ao Ensino da Língua Portuguesa e em Leitura
e Produção de Texto. O professor Vitor é formado em Licenciatura em Letras pela Faculdade
Frassinetti do Recife (FAFIRE); é professor há 29 anos; está cursando o mestrado em
Linguística e Ensino pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); é especialista em
Políticas Educacionais, Ensino, Aprendizagem e Avaliação em Língua Portuguesa pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). E Neide é professora há 10 anos; é efetiva da
rede estadual do ensino básico de Pernambuco; formada em Letras pela Fundação de Ensino
Superior de Olinda (FUNESO), tem especialização em Práticas Pedagógicas Aplicadas à
Língua Portuguesa.
126
leituras efetuadas, ação seguida de uma discussão; procedemos, após algumas considerações
teóricas sobre imagem, a uma revisão e discussão dos conceitos de imagem, imaginário,
ideologia e percepção visual; revimos e discutimos o conceito de leitura de imagem pictórica
a partir de um determinado referencial teórico. Em seguida, discutimos e aplicamos um
roteiro de leitura de imagem-texto pictórico, pedindo a todos uma nova leitura da imagem
pictórica lida no início da aula, considerando os conceitos e o roteiro de leitura de imagem, e
finalizamos essa etapa com apresentação e debate das leituras no grande grupo.
O nosso instrumento de avaliação desse dia consistiu na leitura de uma imagem
pictórica em grupo, considerando a aplicação de um roteiro de leitura e depois foi feita a sua
apresentação no grande grupo; na ocasião, procuramos verificar se os professores interagiam
com a imagem pictórica a partir das concepções discutidas.
O terceiro dia do módulo I foi pensado objetivando que os professores-cursistas
conhecessem e discutissem o conceito de uma relação intersimiótica, bem como
compreendessem e discutissem o conceito de leitura intersemiótica do texto literário e
pictórico. Então, solicitamos aos cursistas que, em grupo, fizessem a leitura de um texto
literário e o relacionassem à imagem de uma pintura. Feito isso, pedimos que socializassem as
leituras e, em seguida, realizamos um debate. A partir daí, revimos com eles o conceito de
relação intersemiótica visto na teoria exposta anteriormente; debatemos sobre o conceito de
leitura intersemiótica/intertextual; rediscutimos a realização de uma leitura intersemiótica para
que eles procedessem a uma nova leitura do texto literário, inter-relacionando-o com uma
imagem pictórica. Concluímos as atividades do dia com apresentação e debate das leituras no
grande grupo.
Como instrumento de avaliação desse dia, propusemos a seguinte atividade: os
professores leram um texto literário, tentando relacioná-lo com uma pintura. Assim, pudemos
verificar se os cursistas compreenderam como estabelecer essa relação do texto literário com
o pictórico a partir da concepção de intersemiose.
No quarto dia do módulo I, procuramos caracterizar o verbal e o não verbal,
considerando tudo que já havíamos discutido com os professores sobre o texto literário e a
imagem pictórica. A partir disso, chamamos a atenção deles para a compreensão do leitor do
texto literário e pictórico como sujeito coparticipante desse ato de leitura, bem como
procuramos fazê-los compreender e debater a relação entre leitor e leitura frente aos textos
verbais e não verbais, tendo em vista as interações entre a pintura e a literatura.
129
Como procedimento didático, solicitamos aos cursistas que apontassem aspectos que
diferenciassem o verbal do não verbal e, em seguida, revimos com eles as características do
texto verbal e não verbal. Depois, solicitamos a todos que apresentassem suas ideias sobre o
leitor do texto literário e pictórico. Feito isso, debatemos sobre concepção de leitor do texto
verbal e não verbal. Prosseguindo, discutimos a respeito das interações da leitura e do leitor
do texto literário e pictórico. Na sequência, solicitamos aos participantes que elaborassem
uma sequência didática, considerando a relação intersemiótica do texto verbal com o não
verbal e, depois, socializassem as sequências didáticas, ao que se seguiu um debate no grande
grupo. Assim, pedimos a todos que aplicassem a atividade elaborada com os seus alunos da
educação básica para que apresentassem o resultado dessa experiência no encontro seguinte.
Para avaliá-los, usamos como instrumento a elaboração de uma sequência didática
aplicada à leitura do texto verbal e não verbal, por meio da qual verificamos como se deu a
compreensão da interação entre esses textos.
No quinto e último dia do módulo I, tivemos como meta de aprendizagem fazer com
que os professores-cursistas analisassem a imagem pictural e a imagem literária em busca dos
sentidos daquelas imagens. Dessa forma, estávamos retomando com eles tudo que já fora
discutido ao longo do módulo I.
Para esse fim, pedimos aos professores que fizessem a leitura de um conto e de uma
pintura para discutir o sentido das imagens na literatura e na pintura. Feito isso, solicitamos a
eles que socializassem os resultados da sequência didática de leitura do texto literário em
relação com a pintura aplicada anteriormente com seus alunos. Depois, abrimos um debate
para refletir sobre as experiências relatadas. Em seguida, discutimos com os cursistas o(s)
sentido(s) da imagem-texto e do texto-imagem a partir das atividades realizadas com os seus
alunos. Finalizando as atividades do dia, distribuímos uma avaliação com quatro questões que
versavam sobre a vivência da primeira etapa do processo de formação.
A nossa avaliação do aproveitamento deles nesse dia se deu pela experiência da leitura
do texto literário e pictórico vivenciada na sala de aula. Assim, verificamos com eles como
havia sido aplicada a atividade de leitura do texto literário em relação com o texto pictórico
junto aos seus alunos.
130
Com esse propósito, solicitamos aos cursistas que interagissem com o texto literário e
o texto fotográfico, numa relação intersemiótica. Depois solicitamos que eles socializassem e
debatessem as leituras dos textos literário e fotográfico. Feito isso, pedimos que elaborassem
uma sequência didática, levando em conta a relação intersemiótica do texto verbal com o não
verbal, para ser aplicada com seus alunos. Em seguida, solicitamos que socializassem as
sequências didáticas, para em seguida fazermos um debate no grande grupo. Por fim, pedimos
a eles que aplicassem a sequência didática elaborada junto aos seus alunos para que, no
encontro seguinte, eles apresentassem o resultado do que foi feito em suas salas de aulas.
O instrumento de avaliação empregado foi uma leitura intersemiótica do texto literário
e fotográfico e a elaboração de uma sequência didática, objetivando verificar a coerência entre
a leitura intersemiótica realizada pelos cursistas e as sequências didáticas elaboradas.
O quinto dia do módulo II teve como meta analisar a imagem fotográfica e a imagem
literária em busca dos seus sentidos.
Para iniciar, solicitamos aos cursistas que lessem um texto literário e uma imagem
fotográfica e discutissem seus sentidos. Lidos os textos, pedimos a eles que socializassem os
resultados da sequência didática de leitura do texto literário em relação com a fotografia que
havia sido aplicada com seus alunos. Na sequência, debatemos os resultados da experiência
de aplicação da atividade em sala de aula com os alunos e discutimos o(s) sentido(s) da
imagem-texto e do texto-imagem. Para concluir o dia, solicitamos a todos os presentes que
avaliassem a experiência vivenciada no período da formação do módulo II.
Com a finalidade de avaliar o desempenho deles nesse dia de formação, elegemos
como instrumento o relato do resultado da experiência de leitura do texto literário e
fotográfico em sala de aula, com a intenção de verificar a aplicabilidade da atividade.
O módulo III foi pensado em torno das relações estabelecidas entre o cinema e a
literatura; por essa razão, a temática foi “A formação do leitor do texto literário em relação
com o cinema”. Procuramos nesse módulo fazer com que os professores-cursistas se
familiarizassem com a linguagem cinematográfica, compreendessem o que é a imagem em
movimento e entendessem como o texto fílmico pode estabelecer uma relação intersemiótica
com a imagem literária. Para isso, elencamos os seguintes conteúdos:
o que é cinema;
133
a linguagem fílmica;
a leitura da imagem fílmica e a significação de sua linguagem;
a leitura do texto em movimento (cinema) e seu contexto: ideologia, imaginário e
percepção visual;
a leitura do texto literário e sua relação intertextual/intersemiótica com o cinema (a
adaptação fílmica);
leitura e leitor de imagens verbais e não verbais: interações – cinema e literatura;
imagem-texto e o texto-imagem: construção de sentido entre cinema e literatura.
tempo para que isso fosse feito com mais propriedade e por contarmos com limite de material
que ajudasse nesse propósito. A oficina também foi realizada nas dependências da FACHO.
A oficina de tradução teve como conteúdo trabalhado: “A leitura do texto literário e a
tradução intersemiótica da imagem literária para a fotografia e a pintura”. E a meta de
aprendizagem traçada foi levar os professores-cursistas a terem uma compreensão dos
processos de tradução intersemiótica da imagem literária para a fotografia e a pintura.
Para isso ser alcançado, primeiro, solicitamos aos cursistas que lessem e interagissem
com um texto literário e o traduzissem em imagem pictórica. Depois, solicitamos a eles que
socializassem e debatessem a leitura do texto literário e o traduzissem da imagem verbal para
a pintura. Em seguida, solicitamos que lessem e também interagissem com outro texto
literário e o traduzissem numa imagem fotográfica. Para finalizar a atividade, solicitamos que
eles socializassem e debatessem a experiência vivenciada da leitura dos textos literários e o
processo da tradução da imagem verbal para a pintura e a fotografia.
A oficina teve como instrumento de avaliação a leitura e a tradução intersemiótica do
texto literário para a fotografia e a pintura e, como critério, elegemos a verificação da
coerência da tradução da leitura intersemiótica realizada.
A seguir, apresentamos o tear metodológico utilizado para o manejo da análise dos
dados.
Nessa perspectiva é que procuramos nos ater a meios que validem o que apresentamos
como direcionamento teórico-metodológico para uma pesquisa em educação. Esperamos que
seja possível a sua aplicabilidade metodológica a outras investigações da área abraçada
porque
o grande desafio com que a pesquisa em educação se defronta hoje é
conseguir aliar a riqueza proporcionada pelo estudo em profundidade de
fenômenos microssociais, contextualizados, à possibilidade de transferência
de conhecimentos ou mesmo de hipóteses para outras situações semelhantes.
(ALVES-MAZZOTTI, 2003, p. 38).
Nos dias de hoje, o pesquisador das chamadas ciências humanas “é mais que um
observador objetivo: é um ator aí envolvido”, como assinalam Laville e Dionne (1999, p. 34).
Isso se percebe por algumas características importantes no que diz respeito à pesquisa
qualitativa:
a) por sua flexibilidade de adaptação durante seu desenvolvimento; b) por
sua capacidade de se ocupar de objetos complexos; c) por sua capacidade de
englobar dados heterogêneos; d) por sua capacidade de descrever em
profundidade vários aspectos importantes da vida social concernentemente à
cultura e à experiência vivida; e) finalmente, por sua abertura para o mundo
empírico. (PIRES, 2012, p. 90-91).
138
Como se pode notar, isso aponta para o tipo de nosso trabalho de investigação, cuja
abordagem metodológica é a de uma pesquisa qualitativa, pois “é uma pesquisa interpretativa,
com o investigador geralmente envolvido em uma experiência sustentada e intensiva com os
participantes” (CRESWELL, 2007, p. 188). Isso se justifica pelo fato de termos desenvolvido
um curso de formação para formadores de leitores do texto literário em sua relação com a
pintura, a fotografia e o cinema, o qual serviu de base para a coleta de dados de nossa
investigação. Ou seja, o nosso interesse foi, pela interação com os participantes do curso de
formação, investigar como eles inter-relacionavam as artes em foco com o texto literário.
Assim, estabelecida uma relação entre as partes envolvidas na investigação, houve um desejo
de compreender, pelas interpretações feitas do texto literário e dos textos não verbais (pintura,
fotografia e cinema), o sentido ou os sentidos dos símbolos que fazem parte do mundo,
porque
na vida cotidiana, os indivíduos constroem ativamente o sentido da própria
ação, que não é mais somente indicado pelas estruturas sociais e submetido
aos vínculos da ordem constituída. O sentido é sempre mais produzido
através de relações e esta dimensão construtiva e relacional acresce na ação
o componente de significado na pesquisa. Isto muda a atenção para as
dimensões culturais da ação humana e acentua o interesse e a importância da
pesquisa de tipo qualitativo. (MELUCCI, 2005, p. 29).
Nesta nossa investigação, temos consciência de que não fomos isentos de participação
ou de envolvimento no desenvolvimento do curso de formação. Compreendemos esse curso
como um fenômeno com o qual nos inter-relacionamos, ou seja, não há neutralidade em
absoluto, porque formulamos um projeto de intervenção (ver apêndice) com o propósito de
fazer as partes envolvidas refletirem sobre suas realidades enquanto formadores de leitores
nas aulas de língua portuguesa do ensino médio da rede pública de ensino de Pernambuco.
139
Isso fica claro pelo que nos coloca Flick (2009) sobre o desejo do pesquisador de querer
“transformar o mundo” com a realização de sua prática de investigação, porque “os
pesquisadores qualitativos não agem com neutralidade invisível, e sim tomam parte quando
observam” (p. 22), podendo também conduzir os envolvidos a refletirem sobre a realidade ao
seu redor, no nosso caso, a prática da leitura do texto literário numa relação intersemiótica.
No entanto, nosso envolvimento não nos desobrigou de cumprir com o rigor necessário à
investigação proposta.
Na nossa prática de pesquisador, procuramos a participação efetiva de todos os
envolvidos no processo a fim de que refletíssemos sobre o fazer pedagógico dos formandos
em sala de aula, sabendo que
A prática da pesquisa educacional deve ser emancipadora. Dependências do
professor em relação ao pesquisador devem ser evitadas e a relação entre
ambos deve funcionar no sentido de produzir contextos nos quais o professor
possa adquirir instrumentos e desenvolver a prática da reflexão e o
desenvolvimento de ações voltadas para a melhoria de seu trabalho
pedagógico em sala de aula. Há linhas de pesquisa educacional nas quais o
objetivo da relação pesquisador e professor não é só informar, mas produzir
a independência e desenvolver a capacidade de reflexão deste último.
(TELLES, 2004, p. 45).
ideológicos de como deve ser o mundo. Isso é determinante para o norteamento da pesquisa,
tendo em vista que “nós, cientistas sociais [pesquisadores da educação], sempre atribuímos,
implícita ou explicitamente, um ponto de vista, uma perspectiva e motivos às pessoas cujas
ações analisamos” (BECKER, 2007, p. 33).
Necessitamos nos aproximar dos professores-formadores de leitores para
compreendermos como eles estão desenvolvendo as suas práticas de leitura do texto verbal e
não verbal; o que estão fazendo para interpretar os textos, considerando a reflexão de suas
ações enquanto formadores e leitores; e como eles, a partir de suas experiências pessoais e
sociais, lidam com suas práticas de sala de aula. Entendamos, como argumenta Becker (2007,
p. 33), que, “quanto mais perto chegamos de apreender as condições em que elas [as pessoas]
realmente atribuem significados aos objetos e eventos, mais precisa será nossa descrição
desses significados”. Se não chegarmos perto das condições de desenvolvimento das práticas
dos professores-formadores, não teremos um conhecimento consistente de suas
representações imagético-simbólicas de sua atuação enquanto docentes.
Para conhecermos as práticas dos professores, não é bastante só destacarmos o que
elas significam para as suas ações, mas, sobretudo, é preciso também salientar a relevância de
conhecermos a vida do professor-leitor antes de sua prática de formador de leitor, exatamente
porque “precisamos de saber mais sobre as vidas dos professores”, como refere Goodson
(2013, p. 66). Disso resulta uma compreensão alargada do que o professor é como formador.
Para que assim aconteça, precisamos, como assevera ao autor, “assegurar que a voz do
professor seja ouvida, ouvida em voz alta e ouvida articuladamente” (idem, 2013, p. 67). A
“voz do professor” é o “ingrediente principal” para entendermos a significância das imagens
dos professores. Assim, o que trazemos em nossa pesquisa são as vozes dos professores,
dizendo para os próprios professores como desenvolvem suas práticas de leitura do texto
literário, como interagem com as imagens dos textos verbais e não verbais.
Percebamos que imagens/representações equivocadas podem acontecer numa pesquisa
se não tivermos o devido cuidado de analisar as significações do que estamos vendo quanto às
experiências dos professores-formadores ao tratarem de sua prática de formadores de leitores.
Precipitamos nossas leituras interpretativas por equívocos de nossas experiências sobre o
objeto de análise. Dessa forma, acabamos impondo nossos conceitos e valores pessoais sem a
devida atenção aos fatos e às pessoas de nossa pesquisa. É necessário averiguarmos
diretamente algo, antes de tecermos sobre ele qualquer interpretação apenas por especulações,
porque, no mais das vezes, atribuímos aos professores-formadores o que pensamos, sentimos
142
e compreendemos sobre eles por suposição. Esse é o perigo das representações sem a devida
investigação, tornando-as fantasiosas. Para que isso não ocorresse, foi fundamental que
elaborássemos um curso de formação que nos deu oportunidade de contatar diretamente as
experiências dos professores da rede estadual e, dialogando com eles, pudemos perceber que
imagens de professores são projetadas, e perceber também como eles lidam com as suas
próprias experiências de formadores de leitores dos textos literários e não literários, como
pintura, fotografia e cinema.
Essa nossa busca de compreender a imagem dos professores-formadores de leitores
fez-nos contatar com histórias de leitores e com experiências de leitores de textos literários,
pictóricos, fotográficos e fílmicos. Histórias e experiências narradas a partir das relações deles
com tais textos. Narrar essas histórias é uma oportunidade de também contatarmos com a
nossa própria história de formador que tenta compreender as nuances de tal processo
formativo. Há uma reflexibilidade entre as histórias – formador e formando se (re)-
apresentam. Essas histórias que foram transcritas das gravações dos vídeos durante o curso e
também das avaliações feitas no final de cada módulo nos deram condições de analisá-las,
refletir sobre elas e interpretá-las a fim de alcançarmos o proposto nos objetivos de nossa
pesquisa.
Há uma passagem em Becker (2007, p. 38) em que ele diz:
(...) tentamos construir uma história sobre nosso tema, uma história que
inclua tudo que pensamos que ela deve ter (do contrário, será incompleta de
alguma forma crucial) e reúna isso de uma maneira que “faça sentido”. Não
é óbvio o que “fazer sentido” significa aqui. O que eu pelo menos quero
dizer é que a história deve corporificar algum princípio, ou ser organizada
segundo algum princípio que o leitor (e o autor) aceite como razoável para
relacionar as coisas.
As narrativas nos ajudam, através do que se conta pelas tantas histórias de vida, a ter
uma compreensão das singularidades e peculiaridades das experiências, das histórias, das
memórias dos sujeitos-professores em seus contextos socioculturais e históricos. Por elas,
temos uma visão de suas práticas de sala de aula, de convívio com a leitura dos textos verbais
e não verbais. Podemos observar através das narrativas/discursos dos professores as
particularidades e sutilezas do uso do texto junto com seus alunos nos momentos de leitura
em sala de aula.
O narrar uma história, para Jovchelovitch e Bauer (2008, p. 94), possui três princípios
de um esquema autogerador: textura detalhe, que se presta a apresentar informações
detalhadas para escalonar um acontecimento a outro; fixação da relevância, quando o
narrador destaca os acontecimentos mais pertinentes, conforme sua perspectiva; e fechamento
144
da gestalt, nesse caso, um fato central narrado deve ser contado, considerando a sua
totalidade, num começo, meio e fim. Assim, iremos analisar as narrativas dos professores-
formadores tendo em vista detalhes, relevância e seu desfecho, partindo do inicial de um
episódio ao fim do conjunto da narração.
Teremos em mira, na esteira de Souza (2007, p. 66), que
narrar é enunciar uma experiência particular refletida sobre a qual
construímos um sentido e damos um significado. Garimpamos em nossa
memória, consciente ou inconsciente, aquilo que deve ser dito e o que deve
ser calado.
O enigma consiste em meu corpo ser ao mesmo tempo vidente e visível. Ele,
que olha todas as coisas, pode também se olhar, e reconhecer no que vê
então o “outro lado” de seu poder vidente. Ele se vê vidente, ele se toca
tocante, é visível e sensível para si mesmo. É um si, não por transparência,
como o pensamento, que só pensa seja o que for assimilando-o, constituindo-
o, transformando-o em pensamento – mas um si por confusão, por
narcisismo, inerência daquele que vê ao que ele vê, daquele que toca ao que
ele toca, do senciente ao sentido – um si que é tomado portanto entre coisas,
que tem uma face e um dorso, um passado e um futuro... (MERLEAU-
PONTY, 2004, p. 17).
O que veremos neste capítulo serão experiências que se tornaram visíveis dos
professores na qualidade de formadores de leitores do texto literário numa relação
intersemiótica com a pintura, a fotografia e o cinema. O processo de formação é também um
instante de reavaliação e reencontro com as práticas da profissionalidade do professor. Assim,
conectar-se a sua própria experiência de formador é uma oportunidade de olhar para si e ver-
se por inteiro, lendo-se à medida que são lidos os textos para o exercício da formação de
leitores.
148
A vida humana é tecida por linguagens que a enlaçam, a tecem e a arrematam por
intermédio das experiências. Por ela, elaboramos as nossas imagens de ser. No nosso caso, de
ser professor. E o somos quando temos oportunidade de sermos ouvidos sobre aquilo que
temos para contar, porque o que contamos são as nossas histórias de professor. Será isto que
iremos encontrar nesse tecido: vozes falando de seus feitos, anseios, percursos, trajetórias,
formas de ver por aquilo que sabemos fazer, pois são nossas experiências, nossas verdades
dentro do ofício que ocupamos.
Tudo que expomos neste momento são frutos de uma história de formação que tem
raiz na própria experiência do formador. E entendemos que não poderia ser diferente do que é,
do que pode ser, porque formação não começa e finda apenas num espaço reservado para esse
fim. A formação é sempre um acontecimento a cada descoberta, a cada reencontro com o
nosso ofício. Assim, o nosso cuidado a partir de então é narrar o que é que representa uma
formação de formador de leitores dos textos literário, pictórico, fotográfico e fílmico para os
professores que viveram essa experiência. Portanto, permitamo-nos ouvir as vozes das
tessituras que se seguem.
texto literário, eles iam mesclando seus conhecimentos sobre leitura em seu aspecto geral com
aquela mais específica do espaço da literatura. Portanto, as ideias ou concepções de leitura do
texto literário apresentadas pelos professores-cursistas resultam dessa relação entre o texto e o
cotidiano da sala de aula, fruto da vivência de cada um. Nessa ocasião, o professor Guilherme
iniciou sua fala dizendo:
Eu vejo leitura de forma mais abrangente que normalmente a gente ouve
comentar, como competência, por exemplo, de decodificação, competência
de ligação de frase, ou de parágrafo, mas acho que é uma forma de
enxergar o mundo, de certa forma não só a parte verbal, como a leitura de
um cartaz, de uma intenção comunicativa, inferência que se faz num texto,
porque a leitura, ela antes de ser, como Paulo Freire diz, uma leitura de
códigos, é uma leitura de mundo. Eu acho que uma pessoa letrada é uma
pessoa que tem uma relação boa com a leitura, ela enxerga o mundo
totalmente diferente, ela consegue se ler mais fácil. Eu acho uma forma bem
mais abrangente do que só a formalidade da escrita. Entendo a leitura dessa
forma mais pessoal.
À medida que Vanda ia apresentando sua relação singular com a leitura, íamos
percebendo que a leitura, para a professora, é algo visceral; é uma necessidade do corpo para
que este compreenda o mundo a sua volta. Vanda entende que a leitura é orgânica, tem sua
coerência na existência do leitor, porque ela mesma é leitora. A professora percebe que a
leitura não se realiza fora de seu corpo como algo mecânico, mas na sua intimidade, no seu
sonho, nos seus gestos, ou seja, a leitura é para ela uma atitude do sujeito que interage
150
cumpliciosamente com o texto. Esse é seu objeto de desejo e de prazer. Ela sente necessidade
de tocá-lo como se toca o seu corpo e o do outro, porque isso a nutre; isso é seu jouissance,
como defende Barthes (2002).
A partir do que foi dito por Vanda, o professor Guilherme teceu outra consideração
sobre a relação da leitura do texto literário com a vida humana, conjecturando:
E talvez a leitura do texto literário trouxesse até uma sensibilidade maior às
pessoas, que talvez elas não tomassem certas atitudes. Eu acho que
metaforizar a vida, entender doutro modo, eu acho muito importante,
valoriza a gente. Entender melhor o outro seria bem melhor.
recorte do material de leitura, bastante comum, desintegrando o original, é uma solução muito
fácil e popularizada no ensino de massas, pois permite a reprodução pouco onerosa, mas
atenta ao direito do aluno de conhecer a obra no seu todo”. Ainda sobre essa mesma ideia,
Lima (2012) entende que isso é uma “prática da digest reading” porque descumpre o direito
do aluno de contatar o texto literário em sua integridade.
Aproveitando-se das colocações de Luís, a professora Clara fez várias considerações a
respeito da leitura do texto literário:
A gente está considerando o texto literário, essa condição está dada.
Quando eu discuto outros gêneros, que não literários, aí sim, eu tenho uma
coisa mais pontual. Agora, por exemplo, eu acho que ler é produzir sentido,
independente do objeto em que estou lendo. Agora, eu tenho uma questão
interessante, é que, quando a gente fala de leitura do texto literário, isso só
é pensado no ensino médio. No ensino fundamental, você não tem a
discussão da leitura do texto literário. Ele aparece um poeminha ali, um
negocinho ali, mas nada que possa despertar no aluno o prazer por esse tipo
de leitura. E outro problema que eu acho, que é sério, os livros didáticos,
eles não trazem o texto literário, eles trazem fragmentos dos textos
literários. Como é que eu estou dizendo que para se compreender esse texto,
eu preciso ver todo esse universo, aí eu preciso vê-lo inteiro. Eu tenho no
livro um pedaço de Iracema, um pedaço de O Guarani. Bem, como é que eu
quero que esse aluno desperte qualquer coisa? E aí esse livro traz um
pedaço, porque quer mostrar uma característica do estilo, ou uma
característica do autor e descarta a possibilidade da leitura, da produção,
ou da formação de um leitor de um texto literário, que é um problema que a
gente tem. Aqui eu estava obervando, cada um colocou uma questão
relacionada à leitura, que é problema pra gente em sala de aula. Despertar
o prazer pela leitura, considerando o texto literário, despertar o aluno, ele
perceber o mundo que está vivendo e lendo as coisas que ele... podendo ler
de forma crítica uma televisão, por exemplo. E aí está na mão da gente uma
série de questões que a gente não está conseguindo dar conta. E não dá
conta pelo tempo, pela formação, pelos instrumentos que estão na mão da
gente, que é o livro didático, que sempre, sempre é problema.
A narração da professora Clara nos leva a refletir sobre alguns aspectos significativos
no trato do texto literário. Primeiramente, ela destaca que o tratamento dado ao texto literário
é diferenciado dos demais tipos de textos em razão daquilo que esses tipos podem abordar,
pois exigem uma leitura pontual sobre o que está escrito. Quanto ao texto literário, há uma
necessidade de despertar o prazer por sua leitura, conferindo ao leitor um posicionamento
crítico frente às questões percebidas no mundo onde ele vive. Ela destaca que a leitura é
produção de sentido, independentemente do tipo de texto. E, na sequência de seus
pensamentos, ela vai questionando o porquê de se enfatizar a leitura do texto literário mais no
ensino médio e não no ensino fundamental, porque ela entende que essa leitura se restringe a
152
alguns poucos gêneros da literatura como, por exemplo, o poema. Clara acredita que o leitor
deve ser convidado ao prazer de tal leitura.
Outra preocupante inquietação apresentada por Clara está no que é visto no livro
didático, apontado como um problema pelo esfacelamento do texto literário através dos
fragmentos, não permitindo ao leitor a chance de ser despertado para a leitura do texto
literário na íntegra, isso porque esse tipo de livro apenas usa o texto como pretexto para
mostrar estilo e características de autores, privando o leitor de também ser produtor e ser, por
esse texto, formado. Essa sua colocação nos lembra o posicionamento de Larrosa (2003) ao
argumentar que a literatura também tem um importante papel quanto à formação do leitor;
assim, entendemos que, se o texto está fragmentado, ele deixa de cumprir seu papel de ajudar
na formação do leitor. Ainda sobre essa questão da fragmentação do texto literário, Lima
(2012, p. 45) destaca que “(...) quanto mais a escola e o professor adaptam, condensam ou
resumem o texto literário, tanto mais alienam a Literatura do aluno no ensino médio, tanto
mais excluem das suas práticas pedagógicas o letramento literário”. A prática do fragmento
do texto literário na sala de aula descumpre o compromisso formador dessa leitura, impedindo
o posicionamento crítico do leitor em formação. Clara encerra sua fala ainda mais inquieta,
por ver que existe uma série de questões que, pelo tempo, pela sua formação e pelos
instrumentos inadequados para a leitura na sala de aula, não dará conta de resolver.
Em dado momento, a professora Vanda faz outra intervenção para nos contar um fato
ocorrido com ela sobre uma aluna-leitora interessada em ler um livro de literatura. Vanda diz:
Esta semana, na escola onde eu trabalho, uma aluna veio até pedir
um livro a mim, porque, veja, entre outras coisas, uma bem simples
que vou dizer pra vocês. Eu estava conversando... “minha amada tem
os olhos de esmeralda”. E aí eu disse que Castro Alves tinha usado
essa expressão muito forte pra dizer que a amada tinha olhos caros,
brilhantes. Aí a aluna chegou e disse assim: “Professora, e raros”. Aí
eu disse: “Poxa, eu nem tinha pensado nessa possibilidade, não, não
pensei”. Porque eu faço assim, com a leitura, ela tem a palavra, ela
tem vários significados. Eu disse pra eles o seguinte, que eu me
descobri que sou inteligente por conta da matemática, que o professor
passava um exercício, eu era a primeira, “é quatro!”, os outros
queriam achar o quatro, mas eu achava primeiro. Então, eu descobri
que era inteligente em matemática, mas em Língua Portuguesa, a
gente não pode dizer isso com todas as letras, porque um verde pode
ser verde pra você, pode ser azul pra outro, porque há possibilidades
da língua fazer isso. E é nisso que você começa a descobrir o mundo,
porque você... Eu fui por este caminho, mas há muitas outras formas.
Então, sempre que eu estou fazendo esta leitura de desmontar o texto,
não coloco só a minha posição, eu coloco, eu vou primeiro, eu tenho
153
16
Jorge é um personagem relevante na formação inicial da professora Vanda. Ele representa uma grande
referência na vida dela quando era estudante de Letras.
154
melhor, a transformou em leitora proficiente. Dessa forma, como ela mesma declara, “pegou a
chave”, ou seja, o leitor compreende como ler e interpretar um texto, como perceber o seu
sentido, assim como ela “pegou a chave” com seu ex-professor.
Em meio à discussão sobre o envolvimento do aluno-leitor com o texto literário, a
professora Clara pede a palavra para fazer a seguinte consideração:
Agora deixa eu colocar uma questão, que, às vezes, me questiono. Muitas
vezes você quer despertar esse prazer da leitura, do gosto pela literatura,
mas acho que é opção também. Eu vou encontrar naquela turma ali aquele
que já tem aquela predisposição; vão encontrar esse gozo, esse prazer e
outros vão encontrar esse prazer em outras formas de leitura. A gente às
vezes quer despertar o que não existe no cidadão. Ele não vai jamais
despertar o gosto pela leitura de texto literário, quando o prazer dele vai ser
em outras leituras. Eu compreendo dessa forma, às vezes, a gente quer que
todos se tornem leitores de textos literários ou encontre esse gozo, que não
vão, porque não é o gosto, opção, prazer. O gozo dele não vai ser no texto
literário, vai ser no cinema, vai ser no filme.
da gente se enxerga. Às vezes, a gente manda ele ler o livro mais clássico;
ele lê porque a gente diz que é importante pra ele, mas depois que ele entrar
ali, não vai ler mais... ela [leitura] é montada naquela hora porque é
importante, mas depois aquilo ali não fica para ele. É como eu, não tomei
mais aquele vinho... e existe aquela questão que acho que é valorativa. Se a
gente pegar os nossos alunos e perceber assim quem são os modelos, os
heróis para esses alunos, quais deles estão ali por causa da leitura; se a
gente perceber direitinho, porque o professor lê, tanta gente lê e eu vejo
essas pessoas que eles dão mais valor, não leem. A leitura não é importante
pra eles. Mas eu digo assim, uma forma de vocês... e até a gente mesmo
professor quando não se coloca como leitor. “O professor também não lê,
manda a gente ler, mas ele não comenta, ele não tem o gosto de ler, o
feedback não vem”. Então eu fiz essa metáfora do vinho até pra eles. Se
tiver aquele vinho, não vou tomar; eu vou tomar meu vinho doce, que é o
vinho doce, como Harry Potter, como os outros livros. Mas qualquer livro,
ele tem a competência de fazer essa cadeia, essa interpretação. Não que eu
tenha que chegar numa conclusão se Capitu traiu ou não Bentinho. Não é
essa a relação, mas é conseguir entender o percurso da leitura e conseguir
dali trazer alguma coisa. E, às vezes, ele encontra isso em Harry Potter. Às
vezes leio Harry Potter e não acho graça, e ele pode achar coisas e ser
muito inteligente pra falar muitas coisas. Eu acho que a relação é essa.
Guilherme faz uso de uma metáfora sobre o vinho para expor as suas considerações a
respeito do gosto pela leitura. Ele lança mão de uma experiência para falar sobre quantas
vezes o professor impõe certo gosto de leitura do texto literário, como os clássicos, para o
aluno quando este ainda não está pronto para viver a experiência de tais leituras. Pelo que
Guilherme demonstra, faz-se necessário antes contar com o gosto de leitura do aluno, ir pelo
que o leitor valoriza inicialmente para que, depois, ele faça o percurso de chegada aos
clássicos da literatura, ou seja, o professor compreende que o processo é muito mais relevante
até que o aluno-leitor venha a ler um clássico. Outro ponto de destaque do professor está
relacionado à falta de referência de leitores “modelos” para o aluno-leitor, os quais poderiam
ser os professores, mas muitos deles, geralmente, não gostam de ler. Se os professores não
gostam de ler obras literárias, ou pelo menos não demonstram isso para o aluno-leitor, fica
difícil formar um leitor proficiente, aquele que possivelmente estará preparado para ler
interagindo com o texto, analisando, interpretando, compreendendo significados no texto.
Na sequência das atividades, após algumas considerações teóricas sobre o que é o
texto literário, solicitamos que os professores-cursistas lessem o conto “Especular”, de Rubem
Fonseca (2002). Realizada a leitura, pedimos que eles, à medida que fossem interpretando o
texto literário, destacassem características dessa linguagem e o que eles entendem sobre texto
literário. Assim, o professor Luís começa dizendo:
Acho que o texto literário é aquele que vai dar diversas possibilidades,
nunca vai encerrar em si mesmo, vai se adaptar ao leitor, vai extrair o
156
Os questionamentos de Clara trazem uma boa noção do que pode acontecer com um
professor quando ele não conhece o que é um texto literário, muito menos a sua linguagem.
Ela destaca três gêneros textuais, como a letra de música, a história em quadrinhos e a
propaganda para provocar a exata noção do que pode acontecer com o texto literário quando
não se tem o devido conhecimento de sua linguagem. Sabemos que o texto literário se
caracteriza por sua linguagem em razão dos arranjos dos signos-imagens no espaço desse
texto. Esses signos-imagens podem ser percebidos numa letra de música, numa história em
quadrinhos ou numa propaganda, mas não podem ser confundidos com textos literários. O
que a professora enfatiza com seus questionamentos é que a linguagem do texto literário pode
estar também presente nesses gêneros, mas eles não são, necessariamente, literários. Há, nesse
caso, um diálogo entre as linguagens da letra da música, do quadrinho e da propaganda e a
linguagem literária. A preocupação da professora é fazer perceber que não só encontramos os
157
Na fala de Neide destacamos “atrativa” e “atraente”, termos a partir dos quais ela
destaca o aspecto sedutor que uma imagem não verbal possui, querendo justificar o porquê de
muitos recorrerem mais à imagem do que ao texto verbal. Nessas palavras destacadas,
percebemos uma ênfase de Neide sobre a visibilidade projetiva da imagem que afeta o sentido
visual do observador; ao mesmo tempo, a professora demonstra compreender que a imagem
provoca seus sentidos. Isso porque “aquele que sente e o sensível não estão um diante do
outro como dois termos exteriores, e a sensação não é uma invasão do sensível naquele que
sente” (MERLEAU-PONTY, 2006, p. 288). A imagem não é uma experiência vivenciada na
exterioridade do sujeito, mas na confluência com a interioridade desse sujeito observador, daí
a professora compreendê-la como “atraente”.
Por outro lado, Neide, ao estabelecer uma diferença entre imagem não verbal e texto,
distancia-se da compreensão de imagem como um texto. A sua ideia é reforçada quando ela
recorre a um pensamento de Confúcio, que faz valer a supremacia da imagem sobre a palavra
e não entende esta como também uma imagem. Sabemos que “a palavra ‘imagem’ é ambígua
e polissêmica, em primeiro lugar, porque pode ser aplicada a realidades não necessariamente
visuais” (SANTAELLA, 2012, p. 16). Então, uma palavra é também uma imagem que atua
sobre os sentidos, provocando sua visibilidade no ato da leitura. A imagem não verbal,
potencialmente, também é um texto, porque, além de provocar os sentidos, também tem
muitos significados que são percebidos de acordo com o universo sociocultural do leitor-
espectador.
159
Como vimos, Neide entende a imagem como objeto de sedução. O que dá para
considerar disso é que se acentua o aspecto simbólico da imagem a partir do que está
estabelecido no imaginário sociocultural, ou seja, a imagem, inicialmente, não é percebida
como um signo que tanto está na esfera do verbal, como na do não verbal. Mas é importante
frisar que “sem chegar a ser um sujeito, a imagem é muito mais que um objeto: ela é o lugar
de um processo vivo, ela participa de um sistema de pensamento. A imagem é pensante”
(SAMAIN, 2012, p. 31).
A professora Joana, aproveitando o espaço da discussão sobre imagem, fez a seguinte
colocação:
A imagem, pra mim, é como se ela tivesse uma estética reproduzida ali e a
gente, com o nosso olhar, vai dar sentido àquela imagem.
A compreensão que Joana demonstra ter sobre imagem não é de quem a vê como algo
indiferente à sensibilidade do vidente, mas de quem vê provocado pelo visível, que percebe as
nuances de uma imagem pelo seu caráter estético, ou seja, ela possivelmente está entendendo
imagem pelo seu aspecto artístico ou representacional. Lange (1980, p. 52) destaca que “a
semelhança de uma coisa, assim posta em relevo, é sua direta qualidade estética”; por esse
destaque, compreendemos que a experiência do olhar da professora acentua a
aparência/semelhança da imagem vista pelo arranjo estabelecido num dado plano da visão.
Assim, essa imagem é uma linguagem constituída e configura simbolicamente para provocar
um efeito de sentido no leitor-observador e esse sentido se fundamenta de acordo com a
perspectiva de quem vê/lê a imagem, situando-a socioculturalmente.
Depois das colocações de Joana, a professora Clara se posicionou, declarando:
Eu estou pensando aqui. Eu li aquele livro “Leitura sem palavras”, de
Ferrara. E, nesse livro, ela coloca algumas questões que trabalha a questão
da imagem, não nessa perspectiva de só este é o texto imagem, mas, por
exemplo, a cidade fala; as imagens que a cidade produz têm ali significados.
Minha visão de imagem não é o gênero tirinha, é mais amplo, mais no
sentido de ler a imagem dessa sala, ler a imagem da pessoa, a roupa que ela
usa, o cabelo.
Como podemos observar na fala de Clara, ela fundamenta suas ideias sobre imagem
amparada nos estudos de Ferrara (2007), passando a ter uma compreensão alargada de
imagem que inclui também o texto não verbal. Para Ferrara (2007, p. 20), a cidade, por
exemplo, é uma imagem, portanto, um texto não verbal; assim, “enquanto texto não verbal, a
cidade deixa de ser vista como espaço abstrato das especulações projetivas, sociológicas ou
160
econômicas para ser apreendida como espetáculo, como imagem”. Pelo que tudo indica, a
professora Clara percebeu da fonte de referência que tudo que compõe o espaço da cidade é
texto-imagem e, consequentemente, pode ser lido e, por sua vez, produzir significados.
Atento ao posicionamento de Clara, o professor Guilherme interveio, posicionando-se
da seguinte maneira:
Pra mim, imagem é a projeção, porque a partir de qualquer tipo de imagem,
ela pode representar vários contextos a cada um. Então, a projeção que
existe ali na frente vai ter um significado com as formas de cores de imagem
a partir de minha vivência, a partir da minha leitura. A projeção daquilo ali
está de acordo com a minha leitura, do que eu faço a partir dela.
próprias representações de vidente do mundo por sua carga simbólica. Outro aspecto que se
sobressai das colocações dos professores é o de que a imagem literária é uma espécie de
fragmento da vida humana que tem sua significação, considerando o contexto que
circunstancia a imagem e a própria experiência do leitor. Dessa forma, a subjetividade do
leitor a plurissignifica.
O professor percebe que a imagem literária é também um objeto de prazer e gozo face
ao seu caráter narcísico, ou seja, o sujeito-leitor vê a si mesmo, por isso, ele se percebe nela
para aceitá-la e, assim, mergulhar no seu espaço. Nesse caso, a imagem literária é vista,
compreendida e significada, considerando a reciprocidade das experiências que o sujeito-
leitor tem em sua intimidade com as que ele observa na exterioridade mundana.
Observemos como os professores-cursistas interagiram com as imagens do poema “O
fotógrafo”, de Manoel de Barros. Essa leitura deixa-nos perceber como os professores
concebem a imagem literária e lidam com ela. Na ocasião, a professora Andréa disse:
Lendo aqui, até numa fotografia, ele poderia botar todas essas imagens num
único clique se ele fizesse, se ele trabalhasse a fotografia, mas, no poema,
não. O poema é uma fotografia que cabe tudo, porque eu penso que é muito
mais fácil para a gente imaginar todas essas coisas. Então, para o poeta,
não vai ter dimensão, porque ele não pode controlar o que ele está vendo, o
que ele está reproduzindo na escrita. Tudo isso foi visto de fato e ele ainda
organiza de uma forma que você imagina por onde ele passou ou como foi
que ele viu.
Eu acho que ele registrava o instante dele, o instante dele era o sentir o
perfume, só que ele não podia. Então, o silêncio, aquele silêncio, registrar o
instante para ele, o silêncio, aquele perfume, o sobre para ele, tudo naquele
momento dele, foi isso que ficou registrado, aquele momento. Então, tudo o
que ele sentiu naquele momento, ele registrou.
A imagem literária ou poética, para a professora Vanda, resulta daquilo que se sente
das coisas no instante de seu acontecimento, daquilo que afeta o poeta, ou seja, ele capta o
perceptível, porque este é o sensível que ele faz imagem visível. Essas ideias da professora
dialogam com o pensamento de Merleau-Ponty (2006), que nos faz perceber que o ser
sensível é afetado ao ser tocado pela visão, porque o visto conta com a experiência do
significado. O poeta registra as coisas no momento da visagem, isso faz na particularidade do
instante, porque só ele as sente da forma sentida. A leitura da imagem literária é também
singular, assim como é a concepção do poema pelo poeta.
Assim como Vanda destacou o caráter sensível da visagem poética, a professora Joana
aproveitou a ocasião e fez o seguinte destaque:
É porque, quando está o silêncio, a gente começa a perceber outros sons.
Nós ficamos tão sensíveis, que começamos a perceber coisas que são
perceptíveis para a gente. A partir do momento em que ele vai se envolvendo
na poesia, da mesma forma é o silêncio que a gente começa a escutar coisas
que passam pela gente e nós não percebemos, é quando ele vai escrevendo,
ele vai aprofundando ainda mais, percebendo ainda mais o que não é
perceptível.
A professora Joana entende que há a necessidade de o poeta gozar do silêncio para que
a sensibilidade possa lhe dar condições de perceber as coisas e escrever sobre elas. O poeta
escreve sobre o que sente a partir dos seus sentidos. A professora acredita que a percepção
sobre as coisas motiva a produção da imagem poética. Ela usa da imagem do silêncio que está
no poema de Manoel de Barros para tecer suas considerações sobre o caráter mimético da
poesia. Ela se apropria da imagem poética para dizer como a sente em si. Assim, Joana nos
faz retomar a ideia de Iser (1999) ao argumentar que o sentido tem como uma das
características a imagem em razão da interação que é estabelecida entre o sujeito e o texto.
Mais uma vez a professora Vanda retoma a palavra e continua, dizendo:
O que eu achei interessante ao ler o poema foi o percurso que foi se
formando na minha cabeça; a imagem que eu vou formando disso, do
bêbado, do perfume de flores, o sobre; tudo isso na cabeça, você vai
traçando essa fotografia na sua mente. Isso é o que é interessante, que eu
acho, é você se transportar; ele se transporta para esse mundo dessa leitura,
aí você consegue fotografar, porque é você que está fotografando pelo que
163
você vai formando. Então, a flor desabrochando, você vai saber que tem o
cheiro e, aí, você forma.
Imagem 1
Clara começou sua fala pressupondo que estava vendo um canteiro de obras. Ela não
afirma categoricamente o que vê, talvez porque ainda não entenda que a imagem pictórica
seja uma representação visual produzida manualmente sobre uma superfície. Ao mesmo
tempo, vai descrevendo o que identifica na imagem figurativa e sugerindo um possível tema,
como o da morte no canteiro de obras de uma construção. Clara vai explorando na imagem o
que ela consegue perceber pelo simbolismo dos signos-imagens presentes na obra de Sigaud,
partindo de seu próprio referencial social. A professora, em razão de seu conhecimento
cultural, estabelece uma relação da imagem visual com a letra da música de Chico Buarque,
“Construção”, ou seja, ela aponta para uma relação intertextual e intersemiótica entre as
linguagens verbal e visual, em razão do caráter temático, alargando ainda mais a dimensão
significativa do objeto visualizado.
Terminada a fala de Clara, o professor Luís faz a seguinte declaração:
Até agora fiz uma leitura muito pobre, não consegui ver nada, assim, eu sei
que tem. A gente vê essa coisa aqui do claro-escuro. A questão da imagem,
ela é forte, mas assim eu estou totalmente leigo na leitura; leitura pobre
mesmo. A gente percebeu essa questão da força da soberania, essas pessoas
que estão no andaime aí, eles estão passando uma certa superioridade;
dentro dessa situação, você vê como seres superiores, os retratados embaixo
é como se fossem inferiores. Uma relação de força. Mas a mensagem
mesmo, eu não consegui captar.
A declaração de Luís é bem pertinente, porque ela nos deixa perceber que, para muitas
pessoas, o desconhecimento em profundidade de uma pintura pode levá-las a supor que não
veem nada daquilo que outros, por terem maior conhecimento sobre a arte, percebem. No
entanto, o professor foi expondo seu conhecimento prévio sobre o jogo de luz e sombra ao
destacar o “claro-escuro” da imagem figurativa. Como esta é expressivamente simbólica, ele
foi expondo o que a imagem ia-lhe significando de acordo com sua experiência sociocultural.
A fala de Luís nos fez lembrar uma passagem de Pillar (2011, p. 13) quando ela diz: “o nosso
olhar não é ingênuo, ele está comprometido com o nosso passado, com nossas experiências,
com nossa época e lugar, com nossos referenciais”. Assim, o que o professor nos expõe são
significações possíveis de uma imagem, de acordo com as referências que ele possui.
165
Assim como os demais professores, Vanda também faz a sua interpretação sobre a
imagem a partir de seu referencial sociocultural. Essa compreensão dos professores sobre a
imagem figurativa nos remete às ideias de leitores de arte discutidas por Rossi (2011, p. 19-
29), em “A compreensão do desenvolvimento estético”, em que são apresentados cinco
estágios relacionados a esses leitores: o primeiro é o descritivo/narrativo, relacionado àqueles
que possuem pouco contato com as artes, que se deixam impressionar pelo tema e vão
elegendo alguns aspectos de maior destaque da obra; o segundo é o construtivo, relacionado
ao leitor que seleciona partes da imagem e a confronta com a totalidade do que é visto,
elaborando dessa forma uma espécie de estrutura para poder fazer a leitura, sendo esta
vinculada ao que ele conhece por sua experiência no mundo; o terceiro é o classificativo,
neste o leitor faz um diagnóstico, procurando informações na obra e na história da arte que o
ajudem a compreendê-la; o quarto é o interpretativo, observa-se nesse estágio que o leitor é
menos objetivo porque ele realiza sua interpretação fundamentando-se tanto no que vê na obra
como nas suas intuições e experiências afetivas; e o quinto é o recriativo, o leitor, nesse
estágio, demonstra muita experiência para analisar uma obra de arte, assumindo um
posicionamento crítico e responsivo. Esse é um estágio em que o leitor reflete sobre a obra,
sobre si próprio e sobre sua experiência estética.
Podemos observar, pelos estágios apresentados por Rossi, que os professores-cursistas,
em geral, encontram-se no primeiro estágio de leitura do não verbal em razão do pouco
conhecimento que demonstram sobre a imagem pictórica.
Após algumas considerações teóricas sobre imagem, procedemos, com os
participantes, a uma revisão e discussão dos conceitos de imagem, imaginário, ideologia e
percepção visual; revimos e discutimos com eles o conceito de leitura de imagem pictórica a
partir de um referencial teórico. Em seguida, discutimos e aplicamos um roteiro de leitura de
imagem-texto, pedindo a todos uma nova leitura da obra lida no início da aula, considerando
os conceitos e o roteiro, e finalizamos essa etapa com apresentação e debate no grande grupo.
166
Quanto ao roteiro, trabalhamos com as sugestões de Costella (2002), que enfoca dez
pontos de vista para observar uma obra de arte. São eles: factual – objetiva fazer uma
exposição descritiva da obra, identificando os elementos que a compõem; expressional –
objetiva perceber no conteúdo da obra como ela afeta os sentimentos, as emoções do leitor-
observador; técnico – objetiva destacar os elementos de cunho material e imaterial que foram
utilizados para a composição da obra; convencional – enfatiza o caráter simbólico da obra
frente à visão cultural, considerando crenças, valores, comportamentos, ideologias,
identidades sociais etc.; estilístico – este considera o estilo do artista e da época em que a obra
foi elaborada; atualizado – este leva em conta a forma como a obra está sendo vista pelo
observador, considerando as condições espaciais e temporais; institucional – neste é
considerado o caráter hierárquico e valorativo conferido pela instituição que representa a obra
e o seu artista; comercial – este procura compreender o valor de mercado da obra, tendo em
vista matéria-prima, mão de obra, acabamento, raridade, a fama do artista etc.; neofactual –
este visa compreender as mudanças materiais sofridas pela obra, que muitas vezes passa por
subtração ou acréscimo que vão interferir na sua observação; e estético – objetiva
compreender as sensações, os sentidos, o prazer ou bem estar que uma obra provoca no leitor-
observador.
Solicitamos que os professores-cursistas se dividissem em grupos e indicamos que
cada um ficasse com um ponto de vista. Em razão de não dispormos de todos os elementos
necessários para analisar os dez pontos de vista, selecionamos alguns para esse exercício de
leitura da imagem, como factual, expressional, convencional e estilístico.
Assim que todos terminaram suas leituras, pedimos que expusessem ao grande grupo o
ponto de vista observado. Nesse momento, o professor Luís começa destacando a
compreensão dele e do seu grupo sobre o factual:
Foi mais ou menos o que a gente fez na primeira leitura. A gente tentou
fazer a leitura do quadro em si; tentamos entrar nas entrelinhas;
percebemos o seguinte: o quadro é contemporâneo, porque ele mostra
alguns automóveis mesmo mal desenhados, mas ele mostra automóvel;
mostra que ele não é algo tão antigo. Então é uma construção imponente e
grandiosa; mão de obra precária, muitas pessoas envolvidas nessa obra, ou
não; tem pessoas também curiosas, no primeiro plano; um grupo de cinco
operários se destaca no andaime com formas exageradas, são pessoas de
formas exageradas; partes sombrias e iluminadas, tanto das pessoas, quanto
da imagem; aspecto de segurança precário, fragilidade dos operários;
parece a morte ser algo corriqueiro; falta de comunicação.
167
Podemos observar que o professor Luís vai apresentando a sua descrição sobre o que
vê na obra de Sigaud, refletindo sobre a temporalidade da imagem, qualificando e atribuindo
valores ao que vai vendo. Notamos também um certo avanço em sua leitura quando ele
procura organizar um esquema de apresentação do que vê, mas, em razão do caráter simbólico
da obra, ele vai trazendo para discussão possíveis temas identificados. Essa leitura
descritiva/narrativa é perfeitamente compreensível, em razão de ele estar trabalhando com o
ponto de vista factual.
Realizada a apresentação do professor Luís, Vitor então expõe o que ele e seu grupo
compreenderam da imagem do ponto de vista expressional:
O expressional, ele mexe com o observador. Ele tem uma intencionalidade
do artista em sensibilizar o observador. O ponto de vista expressional vai
causar no observador alguma reação, algum sentimento. Este é o ponto de
partida e, pra isso, ele vai usar, no caso da pintura, as técnicas pertinentes
para isso. Com relação ao nosso quadro aqui, a gente também percebeu
isso, a questão do jogo de cores, os aspectos sombrios da pintura, o
contraste do claro/escuro, as cores frias, todos os aspectos que vão
despertar no observador um sentimento de angústia diante da cena
apresentada.
Como podemos notar, o professor Vitor começa explicando para o grande grupo o que
ele compreendeu sobre o ponto de vista expressional. Para isso, ele vai destacando alguns
aspectos técnicos (como o jogo de cores, os contrastes entre o claro e o escuro, o uso da
tonalidade das cores) para afirmar que isso repercutirá no tipo de sentimento que a obra
provocará no leitor-observador. Assim, Vitor demonstra uma atenção maior para os detalhes
da imagem, porque, dependendo da sua organização, eles afetarão o emocional do leitor-
observador. Nesse caso, o professor consegue demonstrar um nível de leitura construtiva,
porque relaciona parte da obra a sua totalidade, percebendo a repercussão desta na
sensibilidade do leitor.
Na sequência das apresentações, a professora Clara diz:
Nessa análise do conteúdo convencional, o que a gente destacou aqui no
texto exige o concurso de variadas formas para a compreensão de símbolos,
pelos quais se identificam divindades mitológicas, santos católicos e muitas
outras entidades de representação e convenção social. E esse conteúdo
convencional interessa-se pelo símbolo, o que representam simbolicamente.
E pra que se veja esse conteúdo, se analise, se leia esse conteúdo, precisa-se
obter sempre mais e mais informações a respeito do mundo cultural no qual
a obra foi gerada.
Pelo que fica evidenciado na fala da professora Clara, não houve, da parte dela, nem
dos demais participantes de seu grupo, uma abordagem do ponto de vista convencional da
168
obra, a partir do qual deveriam trazer esse tipo de discussão, a preocupação foi apenas
destacar a sua compreensão sobre o convencional. Podemos também observar que isso não
ocorreu só com o grupo de Clara, mas com o grupo do professor Guilherme, que ficou de
tratar do ponto de vista estilístico. Vejamos o que ele relata:
Do ponto de vista estilístico, pergunta bem interessante com a imagem de
Cristo. Ele pega três autores diferentes, um da época bizantina, um do
renascimento e um bem atual, de um autor mexicano. Ele mostrou o
bizantino, a imagem de Cristo é meio estereotipada, de como era o
imperador da época, meio como símbolo de Cristo para passar o poder do
imperador através da imagem; um renascentista que já coloca o homem
como centro, o próprio homem como centro agora; e essa de Orozco,
mexicano, que coloca um Cristo meio revoltado, no meio de uma revolução,
que remete ao contexto histórico dele. Então, ele diz que o estilo perpassa
dois traços, um estilo coletivo, que depende do contexto histórico e das
relações que ele tem na sociedade, mas também tem o traço individual,
porque não é todo mundo que viveu na época dele, que pinta como ele.
Então, ele diz que são dois traços o estilo coletivo e o individual, que eles
dialogam pra cada obra ter uma perspectiva diferente. Ele diz que existem
pinturas que, por mais que a pessoa não conheça a fundo o estilo do autor,
mais ele reconhece que é algo mais tradicional ou não. Ele pega uma obra
dessa aqui desse autor, pronto, ele não pode conhecer arte, mas vai olhar e
dizer “que coisa estranha, diferente”, porque não é convencional ao que se
vê. Mesmo que você não conheça, mas ele diz que tem essa relação de
estranhamento; há um padrão comum e não comum, mas aí está perpassada
a questão cultural que é o estilo coletivo e o individual.
conhecimento sobre pintura, de modo que ocorra uma melhor interação com esse objeto de
arte e, consequentemente, tenhamos um resultado um pouco mais representativo em torno de
uma leitura da imagem pictórica, apesar de eles terem demonstrado, de forma geral, um
significativo avanço.
Para que os cursistas começassem a interagir com a imagem fotográfica,
primeiramente solicitamos que fizessem seu autorretrato com uma câmera fotográfica. A
partir dessa imagem fotográfica, discutimos o que eles conheciam sobre fotografia e que
relações eles mantinham com ela. À medida que íamos expondo o autorretrato de cada
participante do curso, eles iam manifestando suas impressões sobre o que viam. A professora
Vanda é a primeira a falar:
Eu me acho muito feia, horrível. Não gosto de minhas fotos. Engraçado,
quando eu tiro a foto de uma pessoa, eu capto a alma da pessoa, mas eu não
consigo captar a minha alma.
Ao longo da história humana, a imagem foi quase sempre divinizada. Não é à toa que
ela fez e faz parte dos rituais sagrados ao longo do tempo. Quando a professora Vanda se
posiciona para dizer o que sente sobre seu autorretrato, ela revela o caráter divinatório da
imagem que atende ao feio e ao bonito de acordo com um padrão estético que alinha a
imagem fotográfica ao que a professora entende como ideal de imagem, ou seja, aquela que
faz referência à dimensão do sagrado quando capta a “alma”, segundo seu ponto de vista.
Após as colocações de Vanda, o professor Guilherme fala o que pensa a respeito da
sua imagem fotográfica:
Quando eu vou tirar uma foto, eu escolho aquela mais bonita, mas, quanto
às outras, ninguém sabe que fiquei horrível. Mas aquela eu fiquei bem. A
que achei que socialmente... porque já sei o gosto do povo.
O posicionamento do professor Guilherme nos faz retomar uma das ideias de Manguel
(2001) sobre imagens; o autor afirma que elas são a matéria com as quais somos feitos. E
podemos perceber na fala do professor que as representações que fazemos de nossas imagens
estão condicionadas às instâncias sociais que nos influenciam em nossa formação. Guilherme
deixa claro que não expõe qualquer imagem sua para as pessoas de seu grupo, mas a que
representativamente seja a “mais bonita”, aquela que esteticamente simboliza o desejo
narcisista do outro e de si mesmo. Quando Manguel declara que nossa imagem é matéria de
que somos feitos, isso evidencia que não há uma espontaneidade nas imagens que produzimos
de nós mesmos, mas selecionamos aquela que socialmente satisfaz ao gosto dos outros.
170
Esteticamente nos assemelhamos a outros corpos por uma questão de identidade construída
socioculturalmente. E isso o professor Guilherme deixa transparecer na sua fala ao dizer
“fiquei bem”, tendo como parâmetro o olhar do outro.
Seguindo mais adiante com as discussões sobre imagem fotográfica e sua leitura, o
professor Guilherme introduziu a seguinte ideia sobre o que ele entende do processo
fotográfico, a partir da comparação que começou a fazer entre a foto de Henri Cartier
Bresson, “Man’s shadow girl-leaning” (Imagem 1), e a de Joel Robison, “O livro com porta”
(Imagem 3):
Imagem 2
Imagem 3
Quando a gente vai fazendo essa evolução da pintura para essa fotografia e
para o cinema, cria um novo conceito do é arte, por exemplo, posso olhar
para isso aqui [a foto digital], mas não é tão artístico quanto essa outra
[foto analógica], porque existe a artificialidade da própria modernidade
para se fazer isso aqui. Porque isso é mais fácil de fazer do que essa outra.
Como um filme, por exemplo, você assiste um filme mais antigo e um de
hoje, por exemplo, uma cena de guerra, que eles pegam, filmam algumas
pessoas e multiplicam. Bonito por uma parte, mas o esforço foi menor, a
questão intuitiva foi menor. Parece que criou outro conceito do que é belo,
porque a modernidade traz outro conceito de belo até mais fácil de fazer
isso aqui do que isso aqui.
Como se pode notar, o professor Guilherme vai elaborando suas ideias sobre o
conceito de arte ao comparar uma fotografia digital com uma analógica, estabelecendo uma
certa valoração entre uma e outra, pelo que ele julga ser artístico. Para isso, ele comenta sobre
os artifícios da modernidade para afirmar que, dados os recursos contemporâneos de
manipulação de imagem, a fotografia de Joel Robison é “mais fácil” e exige menos esforço de
171
ser reproduzida do que a de Bresson. As ideias levantadas por Guilherme são embasadas no
que ele observa e experimenta na contemporaneidade em termo de uso dos recursos
tecnológicos que ele conhece. Notamos que o professor tenta compreender o que vê nas
imagens pela sugestão dos conceitos geridos pelo processo de criação das imagens em
questão. Ele entende que a fotografia de Bresson exigiu maior tempo de elaboração do que a
de Robison, e isso é, para ele, decisivo para a reformulação dos conceitos de belo e artístico.
Essas colocações de Guilherme são importantes em razão do que elas podem representar para
a sua ‘performance’ como leitor de imagem.
Assim que Guilherme abre espaço na sua discussão, a professora Clara diz:
A mesma coisa no início da fotografia quando a pessoa ser fotografada, a
sua imagem, e a pessoa ser pintada; o pintar, ser pintado tinha mais valor
naquele início, porque agregava-se trabalho, o lado do artista.
Imagem 4
172
Joana: Eu já vi que ele visse o rapaz, mas ele olhasse de forma feminina e
pintasse ali como uma mulher.
Neide: Eu pensei que são dois olhares, um do fotógrafo e o outro do pintor,
duas leituras. Eu acho que é uma fotomontagem.
Joana: A cortina também dá impressão que ela faz parte da moldura do
quadro. A moça parece pintada.
Andréa: Não é uma tela, não, por causa do lençol atrás.
Clara: É uma tela, minha gente.
Luís: Só quem percebe o fotógrafo é o cachorro, ele olha pra frente.
que alguns ficaram no plano do factual. A imagem de Uelsmann é provocativa, mexe com a
sensibilidade do leitor-espectador, instigando-o a dizer o que está sentindo ao vê-la. Isso em
razão de termos uma imagem que traz elementos simbólicos constituídos socioculturalmente,
como céu, janela e olho. Dessa forma, os cursistas leem o que veem referenciados pelas suas
experiências simbólicas, afetados pelo contexto sociocultural, ou seja, o que eles dizem da
imagem é resultante de suas histórias de vida, desenvolvidas a partir de suas relações com o
mundo.
Observemos a seguir como os professores se relacionam com a leitura da imagem
fílmica e apontam suas concepções a respeito dela.
Iniciamos uma discussão com o grande grupo de professores em torno do que eles
poderiam nos dizer sobre cinema ou imagem em movimento. Nesse momento, alguns
professores manifestaram suas opiniões. Quem primeiro falou foi o professor Luís, dizendo:
Para eu falar de cinema, vou falar como um frequentador de cinema e um
apreciador. Mas é meio esquisito, gosto de cinema, gosto de filmes e assisto
muito pouco, por um simples, um simples... vou descobrir o motivo de
chegar o fim de semana e não assistir a um filme. Diferente da literatura, eu
gosto muito das possibilidades, então eu sou muito alheio, na literatura eu
me dou, de voar naquele momento e o filme, em si, não me dá essa situação
nesse sentido. Então, o que é que acontece, muitas vezes eu perco o sentido
do filme pelo fato de estar muito externo àquele ambiente, àquela situação
com facilidade. Então a trama sai de mim facilmente, no livro não, no
cinema sai. A maioria dos filmes que requer mais atenção, de repente, eu
saio do filme e quando volto não me encontro mais. É um ambiente que eu
tenho esse problema. Ele me consegue tirar do cinema, não que eu não
goste, gosto. Vejo como uma arte espetacular. Agora, eu não sou uma
pessoa frequentadora de cinema, nem de assistir filme assim regularmente.
Não é uma arte que eu tenha autonomia de fazer um comentário profundo,
porque sou totalmente amador. Eu quero dizer o seguinte, que tem gente que
é como um profissional da sala de cinema, não passa um final de semana
que não vá ao cinema e, às vezes, sai do trabalho. Eu não consigo. Tem
gente que sai do trabalho estressado, passa na locadora e sai com quatro
filmes e assiste pelo menos dois naquela noite e consegue ver, consegue
entender, interpretar e tudo. Eu não tenho.
“profissional”, como ele diz, porque se considera um “amador”, assim, sem “autonomia” para
tecer qualquer comentário sobre o assunto tratado no filme. Na sequência de sua fala, ele faz
uma relação entre literatura e cinema, considerando que, na literatura, ele tem mais
“possibilidades” de interação, porque consegue sair do espaço da literatura e voltar sem
dificuldade de se envolver novamente.
Dessa narração do professor podemos perceber que ele encontra na literatura os meios
para imaginar a situação da trama, diferentemente, do filme, porque a imagem já está pronta,
bastando o bom funcionamento de suas percepções para poder ele sequenciar as imagens em
movimento e fechar a leitura do que está vendo. Na leitura do texto literário, ele tem a
possibilidade de suspender e de voltar ao texto e retomar a compreensão das imagens
literárias, de imaginá-las novamente, dando seguimento a sua leitura, mas, no filme, as
imagens projetadas exigem maior atenção do leitor-espectador para que não se perca a
sequência da película para entender o desenrolar do texto fílmico.
Assim que o professor conclui suas palavras sobre sua relação com a imagem fílmica,
a professora Andréa começa a contar uma experiência com o cinema.
Eu assisti a um filme chamado “Tabu”. Saí da sala de exibição do cinema
da Fundação, eu saí, fui para o banheiro, dizia “ai que dor, ai que dor”,
chorando desesperadamente. É bem interessante essa coisa do choro no
cinema, até na televisão, mesmo você não tendo aquela proximidade,
quando você vai assistir e cria uma emoção. Não sei se vocês já passaram
por isso, mas você está chorando, você sabe que a outra pessoa está
chorando, a gente não se observa, não se olha, fica todo mundo chorando
assim.
Diferentemente do que ocorreu com o professor Luís, Andréa destaca que ela é uma
das que costuma se envolver com a imagem fílmica a ponto de compartilhar os sentimentos
vivenciados na trama do filme. Ela conta do quanto foi tomada pela emoção a ponto de chorar
muito. A professora interagiu com as imagens, fez delas sua realidade presente, porque uma
das características da película cinematográfica é tornar presentes os acontecimentos da trama
a partir dos jogos de luzes que dão movimentos às imagens. O filme provoca uma ilusão de
realidade, afetando as nossas percepções, dando-nos a sensação de que a ação está
acontecendo no exato momento da assistência. Por essa razão, Andréa, que se deixou
comover e se envolver pela trama fílmica, disse ter chorado e sentido dor, ou seja, a
professora vivenciou uma experiência catártica ao se deslocar para o espaço fílmico graças ao
caráter mimético da imagem artística.
Na ocasião, após as colocações de Andréa, a professora Neide falou:
175
Para mim, o cinema tem uma magia muito grande. Quando eu estou vendo
um filme, fico assim tão envolvida, que antes, quando eu fiz o curso de
comunicação, estudava muito a parte técnica. Aí eu estava perdendo muito
essa relação. Aí eu disse: não quero mais saber de técnica, é só a história
mesmo que me prende. Inclusive já é a segunda vez que eu participo de um
encontro na associação psiquiátrica, lá na Praça Osvaldo Cruz. Muito bom!
Tem uma pessoa que entende de técnica e um psiquiatra. Ele tem a visão
psicológica do filme. Eu adoro aquilo ali.
Notamos, pelo posicionamento do professor Luís, que ele interagiu com o filme,
fazendo-nos perceber que ele conseguiu sequenciar as imagens e se deixar envolver com a
trama a ponto de trazê-la para a sua experiência de vida. Dessa forma, Luís mistura fatos de
sua vida com ações arroladas pelo personagem do filme. Ele particulariza a trama para poder
compreender o que estava assistindo. Isso é perfeitamente compreensível porque o leitor parte
primeiro de suas experiências para mergulhar no universo do texto a fim de que aquele signo-
imagem faça para si sentido e significado. O professor faz presentes em si mesmo as imagens
vistas para que elas signifiquem.
Prosseguindo com as discussões em torno do curta-metragem em questão, alguns
professores começaram a indicar qual foi a imagem que mais os atraiu no filme.
Joana: A minha imagem foi a figura do senhor que o menino viu, que é
como se fosse fases da vida dele; de repente dá um close, ele vira, está
inclusive com a mesma bengala que o outro tava. Estava esperando algum
outro menino, olhando para ele, fazendo as indagações.
Vanda: A minha está na impossibilidade dele não poder mais pensar,
sonhar, como se ele já não pudesse mais olhar essas coisas, só porque ele
começa também relatar, lembrando, vendo coisas de pessoas que colocavam
para vender, como se não tivesse interesse. E, de repente, ele volta para
aquela mesma situação de como se já com outro sentido, outra visão.
Luís: Como eu gosto das coisas antigas, o close com relação aos produtos...
chama atenção porque ele pensa que as pessoas querem se desfazer das
coisas, mas o que acontece é o inverso, as pessoas estão valorizando.
A partir do que dizem os professores, no destaque acima, podemos ver que, para falar
da imagem fílmica, primeiramente, eles tematizam o que veem referendados por suas
experiências particulares. Eles interagem com a narrativa fílmica, buscando, no seu próprio
universo de conhecimento, de vivências, elementos que subsidiem suas ideias. Isso nos faz
lembrar um dos argumentos de Manguel (2001) sobre imagens; o autor conjectura que elas
podem ser “presenças vazias” que necessitam ser preenchidas com o que sabemos por nossas
relações com o mundo, este no qual experienciamos e satisfazemos os nossos desejos.
Dando continuidade a esta trama, vejamos agora como os professores-cursistas
articulam as relações entre o texto verbal e o não verbal.
177
Imagem 6
Quem primeiro começou apresentar o resultado de sua leitura foi a professora Clara:
A gente estava lendo aqui que a personagem que é narradora do conto é a
imagem da carioca. O Pedro também é personagem do conto, sendo o
pintor. E quando ela descreve alguns momentos da pose que ela fazia, como,
por exemplo, levantar um braço, até o incômodo de algumas posições como
o braço erguido e curvado à altura do ombro, que é exatamente a postura
da imagem, “por vinte minutos suportei sem muitas queixas”; quando ela
coloca, descrevendo a posição que ela estava, ela coloca “as partes
ligeiramente ocultas por uma fina toalha de banho”, quer dizer, o momento
da ação do pintor, ela sai descrevendo como ela “se sentia sendo observada
e pintada por ele”.
178
Observamos que a professora Vanda não estabelece uma relação entre o conto e a
imagem da pintura, apenas se prende a dizer o que viu no texto literário sobre as ações da
protagonista e do personagem pintor. O que vemos é que a leitura da professora é a do texto-
leitor, porque os efeitos da trama incidem sobre sua forma de ler o texto.
Continuando as discussões dos professores a respeito de suas leituras na relação do
conto com a imagem pictórica, o professor Vitor pediu para falar e disse:
Você pode perceber o ponto de vista feminino, o desejo dela, que a mulher,
nessa época, não podia nem sequer ter desejo, quanto mais expressar seu
desejo. Então, quando você vê a imagem, assim, porque ela está ali à
vontade, como quer, foi bom, enfim. Todos nós estamos mostrando quais
foram as possibilidades, a visão feminina da situação.
O foco de discussão do professor Vitor é centrado na sugestão temática das obras que
foram lidas, ou seja, ele destaca o tema através de uma comparação entre diferentes
linguagens artísticas, relacionando a pintura com o conto. Assim, percebemos que seu modo
de desenvolver a leitura é a de contexto-texto. Ao que parece, Vitor compreende que o sentido
da imagem não está nela mesma, mas no que ela significa para ele de acordo com suas
relações socioculturais, justificando-se a ênfase na visão do feminino.
Aproveitando as colocações do professor Vitor, Luís fez a seguinte abordagem:
179
Imagem 7
Alguns aspectos nos chamam atenção nessas falas dos professores-cursistas a respeito
do conto de Manoel de Barros. Primeiro, o reconhecimento de que eles estão diante de um
texto literário quando percebem a dimensão significativa desse discurso poético, e vão
trazendo partes do texto que os sensibilizaram, que os provocaram de alguma maneira. As
imagens literárias têm um significado simbólico que fazem os professores senti-las na própria
experiência do texto. Há evidenciado um modo de leitura do contexto-texto, quando
confirmam na própria obra as suas impressões; e também uma leitura texto-leitor, quando são
movidos pelas imagens sensoriais e sinestésicas, e relatam seus efeitos sobre eles. No entanto,
os professores não interagem com o texto literário, articulando-o com a imagem pictórica, e
ampliando o nível de entendimento de ambos os textos, como fora proposto. Observemos a
seguir, como eles apresentam a imagem não verbal da pintora Martha Barros:
Clara: Eu vejo um gato.
Vitor: Um peixe.
Clara: É um peixe gato.
Andréa: A lesma pra mim é esse tracinho laranja aí embaixo.
Guilherme: Parece as pinturas das cavernas.
Joana: Eu achei que fosse a lesma, a representação dela.
Clara: Olha a cor terra!
Joana: De início, eu até pensei que fosse uma pintura rupestre.
obra e disseram como viram a imagem, tendo como ponto de partida seus próprios
referenciais. Esse texto-imagem configurado faz com que os professores tornem visíveis as
imagens que significam para eles mesmos, isto é, atribuem ao que veem o que têm na sua
intimidade imageante. Acreditamos que a leitura dos cursistas ficaria mais embasada
tecnicamente se eles tivessem aproveitado o conhecimento sobre alguns dos pontos de vista
trabalhados no módulo I do curso. E, quanto à relação intersemiótica do texto literário com o
pictórico, só as professoras Andréa e Joana revelaram ver na pintura o personagem do conto,
no entanto, não aprofundam uma discussão, apenas constatam.
No decorrer das atividades de leitura intersemiótica, propusemos aos professores
cursistas que relacionassem uma imagem fotográfica com o texto literário. Assim, atentemos
para as leituras que foram realizadas.
Inicialmente, entregamos a cada professor o poema “Gorjeio”, de Manoel de Barros.
Os professores-cursistas leram o poema e, em seguida, distribuímos entre eles a imagem
fotográfica “Pardal” (Imagem 8), de Solange Costa. Assim, eles começaram a manifestar o
que compreenderam da relação entre os dois textos. Mais uma vez, vamos juntar em bloco as
falas dos professores em razão de as discussões não terem sido tão extensas e, em seguida,
procederemos às nossas reflexões sobre o que eles disseram.
Imagem 8
Luís: Quando eu digo comum, pobre é nesse sentido, não é que seja feio,
mas no nível em que a gente está analisando as coisas, a questão da
literatura, a comunicação da artista em si, claro que é uma foto bela, não
resta a menor dúvida, mas digo assim no nível literário, o texto conversando
com a foto. Eu realmente não alcancei, pelo contrário, vi uma fotografia
muito comum, que eu olhando assim passaria despercebido. Se fosse num
ambiente normal, diferente daquela ótica, eu pararia imediatamente. Essa
aqui (foto), eu jamais pararia para tirar uma foto. Todas as outras que vi
aqui, eu pararia e ia além do texto, essa aqui, não.
Neide: Eu já gostei muito, gostei das cores, achei muita alegria nesse
instante e senti também a beleza de um pássaro solto. Quando eu vejo um
passarinho na natureza, me deixa muito emocionada, porque tantos presos;
as cores aqui dão um ar de felicidade, porque ele tá solto. É muito bonito.
Clara: Mas, ao mesmo tempo, é um pássaro urbano nessa argola verde. A
gente vê que é um pássaro... eu não gosto de pardal, não. É vira lata. Ele
come lixo, espanta os outros.
Andréa: No texto de Manoel de Barros, a pássara, ela escolhe as árvores,
ele escolheu esse cano de ferro.
Luís: Aqui (foto) você não tem o gorjeio, aqui, não tem a árvore, não tem
nada para expressar. Veja que ele escolheu um ferro, se isolando, até saindo
do gorjeio da passarada, tá isolado.
Clara: É que o poema fala da questão da sedução e, a foto, não.
Luís: Olhando direitinho, a foto começa a se completar com o poema. Ele
diz o seguinte aqui: “que se orgulhou de terem sido escolhidos para o
concerto”. O passarinho aqui escolheu uma grade de ferro, não escolheu
uma árvore. Ele diz aqui “e as folhas dessas árvores depois nascerão mais
perfumadas”. E não vai nascer nada daqui, porque eu acho que está um
pássaro debilitado.
Clara: É seu preconceito com o pássaro.
Andréa: Ou, porque ele está um pássaro impossibilitado de gorjear.
Imagem 9
Clara: Logo que eu vi a foto, pensei nessa história da morte, como mortos
em que a aura estava evaporando. Lendo o conto, a relação é da
jovialidade, a velhice chegando e a jovialidade indo embora. Tanto é que,
quando ele reclama de não querer foto e ela se enfeita para a foto, ela diz
que se sente uma criança, uma menina. Ele diz “você é”, quer dizer, tirar
foto dava para ela aquela sensação de jovem, dos meninos, mas, ao mesmo
tempo, ele faz questão de dizer que não.
Joana: Ela quer registrar aquele momento dela.
Andréa: Quando você traz essa relação de foto fúnebre... quando ela vai
dizer que ela percebe nesse momento que pede a ele a foto, que sempre ele
esteve ausente, ela diz assim, “Guardarei assim através dos anos uma
alegria solitária da qual estarei ausente para sempre”.
Clara: Depois ela diz que ele é a causa da alegria dela. Se ele não existisse,
ela não sentiria essa felicidade que sente, que ela sentia no momento. Ele
não percebe essa alegria da felicidade dele, por isso a ausência; é dela só,
mas é provocada por ele.
Vanda: Eu me identifiquei mais, mas não quero falar, não.
Clara: É um conto muito triste, que fala de solidão, de velhice. Eu vejo uma
relação aqui quando ela fala no vitral. O vitral, ele não retém, ele é só
transpassado pela luz; ele não consegue reter. Como que a pessoa, a pessoa
não é capaz de conter ou reter a juventude, ela passa. Tanto é que no final
sentia que a luz do sol... e assim também a história da felicidade é um
momento, ela não é todo tempo feliz, existem os momentos que passam.
Vanda: É porque essa foto me remeteu a uma situação em que eu tenho uma
foto da minha mãe bem vestida, bem arrumada, bem penteada e meu pai sem
camisa, bem desleixado. Minha mãe: “Zé, te arruma que essa foto vai ficar
184
pra toda a vida”. E ela bem arrumada, bem jeitosa, que ela era bem vaidosa
e querendo que meu pai se arrumasse e meu pai sem camisa, e ela dizia que
rasgasse a foto, querendo dizer que a foto ia ficar pra sempre. É o querer
registrar aquele momento dela se sentir harmoniosa, vaidosa e ele, não. Aí
fui lendo e me identificando com a fala dele e a fala dela, ela dando
importância e ele não. Me deu uma certa angústia.
Clara: A ferida foi aberta. Tem uma coisa interessante que essa memória de
Vanda também é retratada aqui quando ele fala assim, “Aproveite,
aconselhou ele, isso passa”, essa alegria de tirar foto passa, mas aí passa,
mas qualquer coisa disso ficará no retrato. Ela sabia que esse retrato de
alguma forma iria registrar, se não a imagem, mas aquela lembrança
daquela sensação de felicidade que ela tinha.
Vitor: Do roteirista, né? O que você está falando da mulher que ele
atropelou; ele falou cadela, cadela o tempo todo. Ele a atropelou como se
fosse mais um cachorro que ele atropelou.
Guilherme: E a indiferença dele, aqui [no conto] também existe, quando ele
diz que o ser humano morre de uma forma muito... não foge muito não. Mas
uma visão que ele já deixa mais nítida da pessoa, que aqui [no conto] não
tem, mas como é a questão da vida da pessoa, da morte.
Neide: Eu achei o filme mais arrumadinho, até pelo título, ele teve mais
sentido, ele enumerou o manual. Eu achei que o filme se saiu melhor do que
o conto. Não foi tão chocante quanto no conto. Ele escreveu mesmo, eu
achei menos chocante do que o conto.
Vanda: É porque você não o viu matando os cachorros. Ele se mostra mais
inteiro no filme. Ele o tempo todo diz eu, eu... e ele se sente um cachorro, no
fundo. Ele está fazendo a análise, a questão de valores, toda uma questão
que é colocada, como se ele não tivesse um embasamento familiar, ou
alguma coisa que estivesse no ar. No filme, a impressão também que ele
não... ele desenvolvia. Eu acho também que há uma coisa filosófica aí,
psicológica que ele não tinha uma relação boa com as pessoas, ele não
tinha. Veja que ele fica, a mulher se mostra para ele; o homem vai e diz que
ela já se ofereceu para todo mundo; ela mostra que gosta dele, mas ele não
avança, ele não vai atrás. Então isso aí mostra uma certa, sei lá, não sei se
o homossexualismo que está no texto. Ele tentou mostrar esse lado e, ao
mesmo tempo, ele não se admite, porque também isso deve ser um conflito
quando uma pessoa não sabe o que é isso e não sabe viver isso que aí
mostra com muita clareza, essa parte no filme. Ele sem saber que o próprio
questionamento dele faz com que a gente tenha essa leitura.
Guilherme: Eu acho que, pela estratégia da narrativa, acho que o fluxo de
consciência dele é, no conto, mais rico do que no filme, porque aqui ele
mistura o discurso direto, de repente, ele narra sua própria história, tem um
fluxo diferente. No filme é direto, você está vendo, é uma ação que ele passa,
que ele atua. No conto, tem hora que tá em terceira pessoa, depois vai para
segunda, com diálogo misturado com a relação dele. Eu acho que é uma
noção de perturbação em uma série de coisas também, essa mistura de...
essa é uma estratégia que a escrita não tem, as ferramentas que o vídeo... O
autor tem que criar essas estratégias, misturar e envolver nessa perspectiva
da escrita.
adaptações, por serem frutos das escolhas e interpretações livres dos adaptadores, podem
sofrer acréscimos ou subtrações no trabalho transposto para outra linguagem. A professora
Neide opina sobre o filme achando-o mais “arrumadinho”, o que, para ela, facilitou a
construção do sentido. Outro aspecto que ela ainda enfatiza na comparação entre as obras diz
respeito ao impacto que a imagem literária provocou nela e também nos outros professores,
em razão de o filme não explorar os detalhes da narrativa literária percebidos pela imaginação
do leitor.
A professora Vanda explora na sua fala o tipo de leitura contexto-texto ao enfatizar
uma possibilidade temática como ponto relevante entre as narrativas relacionadas. Dessa
forma, a professora parte de seu conhecimento ou experiência por outros meios de leitura para
tratar do que pode ser um dos temas das narrativas. Logo após o destaque da professora, o
professor Guilherme, mais uma vez fez, usa da palavra para discutir outro aspecto que ele
acha relevante nas obras, que é a questão da técnica do fluxo de consciência como fator
estratégico para o desenvolvimento das tramas. Conforme Carvalho (1981), o fluxo de
consciência pode ser compreendido como uma das especialidades do foco narrativo através do
qual se apresenta o que se passa na consciência da ou das personagens. Isso equivale a dizer
que, no espaço da ficção, podemos apreender o que se passa na consciência da personagem.
Assim, Guilherme vai demonstrando na sua fala que tais recursos técnicos fazem perceptível a
diferença entre uma e outra linguagem.
Passemos agora para a discussão da leitura do próximo conto e curta-metragem
realizada pelos professores-cursistas. Entregamos o conto “Françoise”, de Luiz Vilela, e
assistimos ao curta-metragem homônimo, de Rafael Conde. Observemos a interação dos
professores.
Andréa: No filme, ele segue praticamente o conto todo, fidedigno.
Luís: O próprio texto é como se fosse uma poesia.
Andréa: É interessante que o tio dela senta também, no texto não faz
referência do tio sentar, mas eu tinha a ideia do tio um homem mais sisudo e
demonstra que o tio trabalha na rodoviária e que ele não era tão sisudo
como no texto demonstra. Ele chegou e sentou do lado do moço na mesma
postura dela.
Luís: Fazendo uma comparação com o texto, você vê que ela é meio louca e
não parece nem no texto, nem no próprio filme, a gente vê que ela tem um
distúrbio. No outro, o texto é completamente louco, o cara é louco, fala da
própria marca do carro dele, mostrando a loucura no próprio texto do
personagem, ele é louco. No filme Françoise você não percebe, ela é louca,
louca entre aspas...
Neide: Foi outro tipo de adaptação. Acho que se focou isso; num tem uma
leitura totalmente diferente. No outro, semelhante.
Andréa: No filme, ela canta mais trechos da música.
187
formação, no qual tratamos da relação do texto literário com o pictórico, em razão dos
professores-cursistas terem se apropriado melhor dos fundamentos trabalhados ao especificar
o direcionamento de suas ações em sala de aula. Com isso, teremos uma noção sobre os
níveis de compreensão que eles demonstraram no curso, considerando o ensino de literatura.
A primeira a expor seu procedimento foi a professora Clara, que elaborou a sequência
com a participação da professora Joana:
Inicialmente, a gente ficou em dúvida como é que iríamos tratar o conteúdo.
Primeiro a gente... a dúvida é se a gente iria destacar essa possibilidade de
expressão através do verbal, através da leitura do não verbal, ou expressão
do não verbal a partir da leitura verbal ou se a gente iria fazer um trabalho
pra despertar neles o ver o invisível. A gente viu que só fazendo um trabalho
de leitura e de produção simples, sem nenhum guia anterior, a gente não
iria estar ensinando o invisível. A gente resolveu fazer o seguinte:
inicialmente, a gente trabalharia aquela pintura “O grito”, de Munch.
Primeiro, solicitaria na proposta, traria, mostraríamos o texto pra eles;
pediria a impressão deles sobre aquilo e claro que a gente saberia: “que
feio”, “não sei quê”, “que pintura feia”; as impressões que eles teriam,
provavelmente, seriam estas, nossas hipóteses. Depois a gente colocaria os
predicados da obra, destacando o valor que aquela obra tem, depois o
contexto histórico de produção daquela obra; a partir disso, levaria a
perceber a cor em função daquele contexto histórico de representar aquela
obra “O grito”. A gente faria, quase que seria, quase que um guia para que
eles pudessem ver o invisível. A partir disso, a gente ia fazer uma relação
desta obra com o momento histórico atual. Outra questão, a relação com o
título que o autor deu à obra, “O grito”, que seria o grito, seria gritar, por
quê? Transferiríamos isso para o momento atual das manifestações de rua;
as pessoas estão nas ruas, estão gritando, faria uma tentativa de atualização
dessa leitura. A gente solicitaria dos alunos uma pesquisa sobre o autor;
eles iriam para a biblioteca para saber quem é o autor daquela obra e,
depois disso, a gente também traria algumas charges bem interessantes que
são feitas como o grito. Tem uma que eu lembro que é da época da copa das
vuvuzelas. Teve uma charge que era “o grito” com uma câmera e lá em
cima os africanos com as vuvuzelas. A ideia era, a gente traria algumas
obras dessas, charges que fazem essa intertextualidade, essa releitura do
grito, esse diálogo com “O grito” para discutir com eles isso.
não basta identificar o que se vê apenas pela percepção visual, mas também é preciso
compreender a imagem com o apoio dos outros sentidos, considerando textura, profundidade,
cor, luminosidade etc., vendo a imagem como uma experiência do sentir, porque isso é ver o
invisível. Ela sabe que o aluno estará significando o que vê amparado pelo seu contexto
sociocultural, por isso ela prevê certas reações dos alunos-leitores. Como podemos notar, a
professora deixa-se guiar por uma ação reflexiva sobre sua atuação na sala de aula.
Outro aspecto que ressaltamos da proposta da professora Clara é a sua preocupação
com o modo de leitura, numa perspectiva sociointeracionista. A professora demonstra que o
seu papel frente aos alunos-leitores é de mediadora que tenta fazer com que o leitor perceba
que o texto literário e não literário é algo dinâmico, sempre em processo de transformação,
que faz parte de seu cotidiano, por isso é importante interagir com o que ele está lendo,
confrontando com suas experiências para entender que o que ele está lendo é significativo, faz
sentido. Clara sabe também que é significativo o aluno-leitor ser orientado no que diz respeito
aos conhecimentos técnicos do que ela está trabalhando com ele, assim, ela diz que vai ouvir
o aluno pelo que ele sabe, sente e experimenta diante da obra submetida à leitura, mas que,
em seguida, tratará dos aspectos peculiares vinculado ao texto, como contexto histórico, valor,
aspectos factuais etc.
A professora também deixa evidente o tipo de ensino de leitura que desenvolverá com
seus alunos-leitores: primeiro, ela inicia com uma leitura contexto-leitor, vendo como o aluno
se identifica com a obra, correlacionando sua visão pessoal com o que ele lê e o que já
experienciou. Depois, vai-se para um outro nível de leitura, como contexto-intertexto,
explorando-se a obra pelo que se sabe sobre ela e aquilo que permeou a sua criação, como o
contexto histórico, e estabelecendo-se um vínculo de atualização da obra com o contexto atual
do aluno-leitor ou até confrontando-se a obra em estudo com outras. Também destaca outra
possibilidade de leitura, que é a contexto-autor, quando solicitaria ao leitor pesquisar sobre a
vida do autor, por certo, para fazer o aluno perceber elementos da vida do artista que ajudem
na compreensão do que ele está lendo. Notamos que, além de ler o não verbal, o leitor estará
também produzindo seu texto.
Entretanto, a professora Clara não estabelece nenhum vínculo da sequência didática de
leitura e produção com o texto literário, que era o esperado quando lhe foi dado o comando na
formação. Isso nos leva a entender, à luz de Certeau (2014), que se deu uma operação tática
no procedimento da professora, no momento em que ela ajusta a ideia do que fora discutido
na formação ao seu modo de proceder para alcançar o seu objetivo, diferentemente do
190
proposto. Percebemos que Clara, junto à colega, demonstra não ter assimilado bem como
poderia articular a pintura escolhida com um texto literário.
Terminada a apresentação de Clara, o professor Guilherme pede para falar sobre a sua
sequência didática. Ele pensou a sequência didática junto com a professora Vanda e disse:
Estamos pensando, eu e Vanda, juntar as turmas no auditório e
trabalharíamos três a quatro textos e três a quatro imagens. Entregaríamos
pra eles reconhecerem a imagem com o texto, por exemplo, a gente pensou
“Os retirantes”, de Portinari, com “Vidas secas”, mas misturar as imagens
e textos pra eles reconhecerem e depois fazer a leitura, fazer essa análise
que a gente faz: qual é a relação que existe entre o verbal e o não verbal?
Mas eles... se encontrarem e não colocarem temas muito diferentes, por
exemplo, “O quinze”, que tem também temática da seca com outra obra,
temática parecida, pra também não ficar muito fácil, isso é da seca. Então,
vou pegar essa imagem. Temas da seca, como “Os retirantes” e pegar
várias obras que tenham o mesmo contexto pra eles encaixarem e fazer uma
análise depois.
essa exige que o professor tenha clareza das etapas e objetivos pontuados para que a ação seja
exitosa. O ensino de leitura do texto literário na relação com as outras artes não pode ser
desenvolvido sem um planejamento que o sustente; é preciso deixar expresso o que será feito
e como será feito.
Depois da apresentação de Guilherme, foi a vez de a professora Andréa explanar a sua
sequência didática:
A gente pensou, usando esse texto de Afonso Romano de Santana, “De que
ri a Mona Lisa?”. Ao invés de pedir pra o aluno pesquisar as obras, a gente
dá acesso às fichas de leitura do texto e entregar as obras que são citadas
pra ver se eles conseguem localizar com as informações que são dadas pelo
autor e as características que são dadas as essas obras. As informações que
Afonso Romano de Santana dá em relação a cada obra, quando ele vai
exemplificando que estão ao redor de Mona Lisa, se eles conseguem dizer,
essa obra aqui é tal, pra ver se eles conseguem perceber essa relação do
texto verbal e do texto pictórico. O que a gente vai trabalhar com eles é o
gênero textual crônica, dar uma breve explanação e falar quem foi Afonso
Romano de Santana também e as características do texto crônica, porque é
veiculado no jornal, porque tem essa relação cotidiana, texto verbal e texto
não verbal, a gente pensou em duas aulas.
Podemos observar que a professora Andréa esteve empenhada em fazer uma atividade
de leitura em que o aluno se envolva com o texto literário, percebendo a contribuição que esse
texto dá ao provocar nele o desejo de ir ao encontro das obras que são citadas na crônica,
estabelecendo-se, assim, uma relação intersemiótica. A professora está promovendo uma
atividade de leitura de crônica que dialoga com o cotidiano do leitor, que explora a
experiência das imagens que o aluno-leitor possui pelas suas relações socioculturais. Nesse
caso, o aluno é conduzido ao espaço do texto literário para explorar suas imagens e fazer com
que estas o remetam a outras imagens que permeiam o contexto do texto.
Esse trabalho com a leitura proposto por Andréa é caracterizado como contexto-texto,
preparando o leitor para uma outra modalidade de leitura que é a contexto-intertexto, quando
o leitor passará a identificar o gênero crônica como texto literário comparado ao jornalístico e
relacionar a crônica com o pictórico a partir do que é referido na obra. Também fica
evidenciado que outro modo de ler é o intertexto-texto, quando o leitor perceberá na obra
referências a outros textos que fazem parte dessa produção.
Mas o que nos deixou preocupado com a fala da professora Andréa foi o fato de ela
não ter especificado o que está chamando de “ficha de leitura”. Esse fato nos fez lembrar o
que adverte Geraldi (2006) sobre a compreensão que o sistema capitalista tem sobre o livro,
como um produto de consumo que exclui qualquer tentativa de fruição ou de prazer pela
192
leitura. E a escola passa a reproduzir isso quando adota um livro de literatura, como romance,
conto, poesia, apenas para explorar a ficha de leitura que, algumas vezes, o acompanha como
encarte, a ser usado pelo professor na sala de aula. Assim, essa postura tolhe a criatividade do
leitor, impede-o de explorar a sua capacidade de imaginação, deixando a leitura
desinteressante e desestimulante.
Concluída a fala da professora Andréa, o professor Vitor fez a sua apresentação:
Eu pensei o seguinte, os conteúdos seriam justamente os aspectos do texto
verbal e não verbal; desenvolver a percepção do texto literário e o
pictórico; teria como desenvolver habilidades de aspectos do texto verbal e
despertar a sensibilidade para os textos literários e pictóricos; apresentar
aos alunos um texto literário e sua releitura com texto de imagem ou vice-
versa; pedir para que eles comentem os aspectos de cada uma das obras e
debater com eles as possibilidades de interação entre as linguagens
diferentes e, se possível, tentar produzir textos verbais ou não verbais, ou os
dois a partir deles.
A ênfase dada pelo professor Vitor na sua sequência didática está em envolver o
aluno-leitor numa proposta de leitura dos textos verbal e não verbal em que os aspectos
perceptivos e de sensibilização fossem explorados. Com isso, ele entende que estaria
cumprindo com o desenvolvimento das habilidades de leitura do leitor. O professor demonstra
preocupar-se com a possibilidade de os alunos-leitores interagirem com as diferentes
linguagens, porque parece que Vitor entende que o ensino de leitura intersemiótica necessita
provocar no aluno a compreensão dos vários processos que envolvem as relações sígnicas
entre as linguagens.
Essa sua proposta de leitura é do tipo intertexto-texto; o professor medeia uma
produção de leitura em que o leitor explorará os arranjos dos respectivos textos, percebendo
neles os seus vários sentidos. Vitor também tem a preocupação de fazer com que o leitor
interaja com as diferentes linguagens, a ponto de motivar uma produção criativa de seus
alunos-leitores. O professor compreende que o diálogo com diferentes linguagens estimula o
poder de criação do leitor, dá a ele condições de “formar algo novo”, como pensa Ostrower
(2010), demonstrando que houve uma compreensão significativa no manejo dessas
linguagens.
De forma geral, os professores-cursistas não elaboraram sequências didáticas que
contivessem todas as etapas ou fases do que seria realizado na sala de aula. Enfatizaram mais
as ações do processo, ou seja, indicaram algumas ações, mas não detalharam como e com
quais recursos eles desenvolveriam o ensino da leitura do texto verbal e não verbal com seus
193
alunos-leitores. Entendemos que um dos motivos disso seja a falta de mais conhecimento e de
apropriação do que seja uma sequência didática, e do quanto ela pode ajudar o professor
refletir sobre sua própria prática.
Torna-se evidente, pelo que podemos perceber por essa atividade proposta aos
professores de elaborarem uma sequência didática, que há uma necessidade nos cursos de
formação de professores de um espaço de discussão sobre a relevância da transposição
didática como parte do processo de uma prática reflexiva. Se o professor não planeja suas
ações de sala de aula, se não entende que isso faz parte de seu ofício, infelizmente suas
atividades tendem a não alcançarem o êxito desejado. Assim, é pertinente que nos processos
formativos para professores haja um trabalho que trate da experiência do professor quanto à
didatização do saber, que reflita sobre a ação para a ação. Dessa maneira, entendemos que o
professor, planejando suas ações, estará contatando a forma como ele está lidando com o
conhecimento que ele tem e como adequá-lo para a sala de aula.
Percebamos agora, pelas reflexões dos professores-cursistas, o que os marca num
processo de formação.
Bem sabemos que uma formação inicial de professor de língua portuguesa e suas
respectivas literaturas em geral forma um formador de leitor para lidar especificamente com o
verbal, e as discussões sobre a relação com o não verbal ficam para cursos à parte. Na fala do
professor Vitor, isso fica evidenciado quando ele declara que a sua maneira de ensinar
literatura é especificamente vinculada ao texto literário, até porque ele desconhecia a
possibilidade de articulação do literário com as outras artes, mesmo se identificando com elas.
Acreditamos que uma formação de leitor necessita considerar espaços de discussões
sobre os mais variados textos. E, no que tange ao literário, por ser este um texto
marcadamente imagético, nada mais pertinente do que seu diálogo com os demais textos
desenvolvidos por sistemas sígnicos diferentes do verbal. Entendemos essa pertinência pelo
fato de vivermos num mundo onde as coisas não são precisamente apartadas umas das outras.
Elas dialogam, interagem, convergem. E, no mundo das artes, uma manifestação artística
alimenta a outra, motiva o seu surgimento ou a sua criação. Assim, ao ler o texto literário, é
também relevante considerar a leitura dos demais textos que se inter-relacionam com essa
produção verbal.
A professora Clara, percebendo essa relevância, fez a seguinte consideração:
Normalmente quando se falava de pintura, fotografia ou um trabalho com
cinema, que não fosse esse que normalmente a gente faz, isso estava mais
ligado à educação artística. A identificação da pintura para com a educação
artística, então se o professor de português fosse entrar nessa seara, estava
enrolando. Quando você tem uma fundamentação teórica para dizer é o
gênero que está dialogando, que tem uma relação intertextual com esse
texto literário aqui; você tem um suporte teórico para planejar, botar no
planejamento.
Pelas palavras de Clara, é possível perceber que sua preocupação é a de não ser mal
interpretada na sua prática de sala de aula com a leitura de textos diversificados, ou seja, ela
deseja que se compreenda que o desenvolvimento da competência da leitura do não verbal é
também responsabilidade do professor de língua portuguesa, não exclusivamente do professor
de educação artística. A professora está entendendo que, pelos processos intertextuais, o texto
literário se inter-relaciona com outros, como o pictórico, o fotográfico e o fílmico. Dessa
forma, ela argumenta que uma fundamentação teórica a respeito dessas relações é
fundamental para os fins dessa atividade na sala de aula. E mais, Clara aponta para um outro
aspecto relevante que é a questão do planejamento de tal ação, desde que o professor esteja
preparado para isso.
195
Parnasianismo e Simbolismo, vou ter que voar, ter que fazer alguma coisa.
E, às vezes, aqui, pelo menos eu percebi, o quanto a gente tem o
conhecimento e a gente não dá para os alunos, porque a gente não tem
tempo ou, às vezes, nem possibilidade de fazer. Como a discussão rolou
aqui, cada argumentação belíssima que você compartilhou [fazendo menção
ao formador]. Puxa, realmente. E quando você abre para o aluno, um
exemplo, a escola comprou umas aulas para o ENEM e as aulas têm cada
uma um tema: Modernismo, tal. Aí a formação da gente é tão comum que
tudo que eu falava nas aulas, a mulher do vídeo falava igualzinho. Eles
sentiram duas coisas, uma que eu era muito bom, e que a mulher tem
prestígio e está em DVD. Mas assim, nada muda. Eu passei um texto para
um aluno que eu tinha certeza que era aquele contexto que eu queria que ele
entendesse daquela forma e ele teve uma opinião, uma sugestão, que eu
disse, realmente, acho que não tem nada a ver com o que ela falou, nem com
o que eu falei... Ele faz uma análise tão sensível, tão sensível do filme. Como
ele percebeu isso do filme, que a gente não enxerga? E essas duas coisas
que me tocaram muito aqui é que eu sei muito, a gente sabe muito, saber de
vida, porque a minha relação com cinema é anterior a essa formação, a
relação dela com a fotografia é antes dessa formação e a gente tem o
conhecimento, tem a técnica, mas a gente também não achava interessante
trabalhar em sala. Então a gente deixa de colocar o que a gente sabe por
esses e outros motivos que são vários. Eu acho que abre possibilidades,
porque não sei se vocês perceberam, mas o formador nunca disse que a
gente estava errado, passava um conto, ela dizia que era amarelo, ele dizia
que era rosa, eu dizia que era roxo e o formador, sim. E isso não desmerece,
porque você, às vezes, a gente chega num lugar e o professor diz uma coisa
que ele espera que a gente diga a mesma coisa que ele quer. Mas será que a
sua visão realmente é a que está fechada? E, às vezes, você aprende comigo,
eu com ela. Acho que esse foi o momento mais importante de a gente
desabrochar, achar que a gente também sabe, a gente tem esse
conhecimento. Talvez a gente... mas a gente sabe, tem esse conhecimento
partilhado, conhecimento prévio. Eu acho que a gente tem que ousar mais.
Acho que o mais excitante disso foi saber que a gente parte de um lugar que
não é vazio.
com que o professor dinamize suas ações em sala de aula. Assim que ele se apropria do
conhecimento sobre sua matéria, a priori, ele passará a compartilhá-lo com seus alunos (no
caso em questão, trata-se do conhecimento sobre leitura num viés intersemiótico). Guilherme
compara o seu nível de conhecimento com o da produção em vídeo e percebe que não está
alheio ao que lhe cumpre saber sobre seu ofício. Ele sabe que dispõe dos instrumentos
necessários para bem executá-lo nas suas aulas de literatura. O professor percebe que sua
experiência é muito significativa para ajudar no desempenho de seus alunos quanto à
literatura.
Outro fato que nos chama atenção é que o professor Guilherme compreende que seu
saber não está acima nem aquém para não escutar o aluno na interpretação que lhe é
apresentada. Ele demonstrou agir como mediador com o aluno, dando-lhe espaço para que ele
apresentasse suas ideias a respeito da leitura que realizou, porque ele sabe que os saberes não
são finitos, ou “fechados”, conforme ele mesmo disse. O professor nos faz acreditar que
entendeu que um dos princípios de uma formação de leitor é se abrir para o outro,
compartilhar; ser uma escuta para que o leitor avance no processo de interação com o texto.
Guilherme percebeu o que tinha feito com seu aluno a partir do que viu na formação para
formador de leitores, ou seja, viu por uma experiência a sua própria ao fazer uma reflexão
sobre a postura do formador no curso de que participou. Ainda mais, o professor também
percebeu o quanto é relevante contar com as experiências de um e de outro colega num
processo de crescimento profissional.
Neste momento, passaremos a ver como os cursistas vão tecendo imagens de si e de
suas práticas, à medida que vão narrando suas histórias de professores.
As nossas histórias de vida nos revelam quem somos, porque as narrativas nos dizem
de nossas experiências, expõem-nos diante do outro, que também necessita compreender sua
própria história pela do seu interlocutor. Esse revelar-se a si como imagem construída nas
narrativas para o outro é uma faceta humana em razão do domínio da linguagem, desta que ele
transforma em registro de suas experiências. Somos construções imagéticas elaboradas e
reelaboradas pelas relações socioculturais que estabelecemos no e com o mundo. Assim, o
198
que vamos discutir neste instante são projeções das imagens que os professores fazem de si na
prática de seu ofício.
Envolvidos com as atividades do curso de formação, os professores-cursistas falaram,
em determinadas circunstâncias, sobre como eles se sentem e se veem como professores, e
sobre o exercício de sua profissão. Em dado momento do curso, a professora Vanda contou a
seguinte experiência:
Eu só acho que é aí o meu maior desafio, desafio da gente. É o seguinte,
uma vez eu levei meu almoço, mas estava sem fome, aí comecei a ler uma
crônica de Carlos Drummond de Andrade que é “A moça, o telefone e a
flor”. E, quando eu li, passou minha fome, e eu como fui embora para sala
de aula, eu não almocei. Fui para sala de aula, arrumei as cadeiras para
passar para os alunos a crônica. Desmontei o texto e tentei mostrar.
Quando cheguei à sala, quando eu terminei, toda empolgada, os alunos
começaram a chegar. Eu, ansiosa, querendo mostrar para eles que era bem
interessante, e toda empolgada. Aí, quando eu cheguei, trabalhei, trabalhei,
mostrei e os alunos todos assim parados. Quando terminei, “Professora, a
senhora não vai dar aula, não?” Eu fiquei triste. Porque tinha sido meu
alimento, eu não senti mais fome. Eu me empolguei, porque é bem
interessante, não sabe... Aí ele chega e diz assim, “professora, a senhora
não vai dar aula não?” Eu disse, por quê? “Mas, professora, a senhora não
escreve nada”. Quer dizer, o aluno está naquela ainda de... Você fazer com
que ele leia, porque veja, ler por ler não tem sentido. Você é que tem,
porque, veja, eu sou assim muito crítica e como desmonto meu texto todo, e
de novo com Carlos Drummond de Andrade diz que “as palavras... tem mil
faces secretas sob a face neutra”. A gente tem tanto... só que eu aprendi isso
porque me ensinaram também, entendeu? Eu aprendi isso até com o
professor Jorge. Ele dizia para gente que a gente tem que ter o gozo
literário, assim, “Olhe, se você não atingir o gozo literário, então você não
leu”. Eu ficava querendo encontrar tudo para ler, para encontrar esse
bendito gozo. Eu comecei, sabe? Jorge, eu não consegui não! Muito
ingênua. Aí, todas as vezes que ele olha para mim, ele nem fala, ele já ri.
Então, eu digo, “pegue um livro”, aí eu pegava. Eu descobri na praia, lendo
“Vidas secas”. Eu via a capacidade, quando eu comecei, disse: “Meu Deus,
eu descobri!” Esse livro é... porque todas as marcas que fiz, risquei tudo a
lápis, tudo que podia imaginar no livro e eu, meu Deus, isso é isso, e
comecei a relacionar, meu Deus, então a leitura é isso. Então, veja, se a
gente pudesse. Eu faço isso nos textos, aí pronto, já estou com um pronto lá
para trabalhar com o aluno. Mas, quando começo, eles começam, um, dois
ou três é significante. Eles não têm o hábito, pronto, copiam. “Eita, hoje a
senhora deu aula...” Entrar em êxtase literário, eu vou... isso aí, eu acho
que é o desafio maior do que essa das redes sociais. Porque nas redes
sociais você já tem um significado, já alguém, já põe lá, mas esse enfrentar
uma sala de aula com Língua Portuguesa ainda com aquela coisa de
gramática. Porque, você veja, as provas todas em cima de análise e
interpretação.
A narrativa da professora Vanda expõe para nós algumas imagens interessantes sobre
ela e de seu cotidiano profissional. Ela vai projetando sua imagem como formadora de leitor
199
para seus alunos, revelando o direcionamento de sua prática para a leitura de uma crônica.
Dessa forma, a professora vai deixando à vista quem ela é enquanto professora cuidadosa com
o ensino da leitura do texto literário a partir da sua relação com esse seu objeto de estima e
desejo. Tem o texto como imagem de uma leitora que vive em busca do encontro daquilo que
a faz profissional e segura no domínio de seu ofício. Vanda tem nas imagens do texto o
alimento que sustenta os seus propósitos de professora, ou seja, não é a imagem literária
alguma coisa qualquer, é aquilo que faz dela uma profissional da matéria trabalhada.
No seguimento da narrativa da professora, ela diz que segue para a sala de aula para
exercer o seu ofício. Prepara tudo, ou seja, prepara seu espaço de atuação, projeta na sala a
imagem de quem sabe o que vai fazer com a leitura do texto literário. Vanda vai ao encontro
dela mesma. No entanto, ela se depara com o inusitado para aquele momento, com uma
imagem oposta à de sua crença de formadora de leitor. Os alunos lhe apresentam outra
imagem, aquela imagem deturpada de que a sala de aula não é espaço para discussão de texto
literário, mas de componentes curriculares ligados aos esquemas e sistematização da língua
portuguesa. A professora, agora, tem que enfrentar essa outra construção imagética deturpada
que foi feita da função de quem trabalha com a língua e as suas literaturas.
O que faz entristecer a professora não é o que os alunos disseram, mas a imagem que
projetam de professor ou professora que não planeja suas aulas e apenas preenche o quadro
com qualquer coisa, sem critérios ou função pedagógica, sem reflexão de suas práticas. Essa
imagem a incomoda. E, dessa maneira, Vanda se autoavalia, afirmando-se crítica de si
mesma, porque ela não se vê no contexto daquela imagem deturpada. A professora
“desmonta” aquela imagem para revelar a sua, a de quem se preocupa em interpretar o texto
literário até alcançar o gozo da imagética em si mesma pela representação simbólica da
linguagem literária.
A professora Vanda tem uma história de formação inicial que lhe vale como
experiência, pois a marcou, tatuou-a como registro de uma vida. E essa experiência vem à
tona como imagem presente, que atua em suas práticas de leitura do texto. Foi uma
experiência que a transformou em profissional, em alguém que se habilitou na leitura do texto
literário, ou seja, usando de sua própria metáfora, ela encontrou a “chave” com o apoio de um
outro professor. Vanda pega o livro de literatura e marca, risca, como se marcasse e riscasse
aquelas imagens no seu próprio corpo. Como percebemos, a professora deseja externar essa
sua forma de interação com o texto para os seus alunos, a fim de que eles também encontrem
a sua “chave”. Mas para isso ter êxito, entendemos que a professora necessita deixar
200
sua realidade. O professor vai narrando como foi construída a sua sequência, destacando
temática, conteúdo, metas de aprendizagem e procedimentos, deixando-nos a par do que foi
realizado com a sua turma numa prática de leitura do texto verbal e não verbal. No entanto,
ele deixa evidente que não fez o planejamento da atividade antes de executá-la, mas teve o
cuidado de aproveitar um esquema que tinha elaborado anteriormente. Vitor conta com sua
experiência para cumprir com o proposto.
O professor procura relatar a sua experiência de formador de leitor, de acordo com
uma prática respaldada na realidade do cotidiano de sua sala de aula. Endentemos que, pelo
fato de ele narrar o que ele vivencia na sua rotina, ele deverá estar refletindo sobre a sua ação
para ter clareza, por sua autoavaliação, do que estará realizando como profissional no seu
espaço de atuação. A relevância desse tipo de autoavaliação e de autoaprendizagem pelo
contato com sua própria imagem ou identidade de professor está no fato de ser esse o
momento de refletir sobre quem é que faz a ação na sua história docente; perceber seu papel
ativo ao longo de seu exercício profissional.
No contato com as narrativas dos professores, podemos experienciar que nada é tão
preciso no que concerne à imagem do professor, porque percebemos que esta é resultante
daquilo que o circunstancia. Quanto a isso, observemos a narração da professora Neide sobre
sua experiência na execução de uma prática de leitura do texto verbal e não verbal:
Nós, na última aula, escolhemos “O grito”, até nos planejamos, cada um
aplicar numa sala para ver a experiência, mas não deu certo. É o seguinte, é
o primeiro ano que a escola Paulo Freire tem primeiro ano do ensino
médio, então a gente ainda está atraindo aluno. A nossa turma é pequena,
apenas 16 alunos. E ontem começou a aula com sete, depois chegaram mais
dois. Então, eu tinha tirado cópia de “O grito”. Planejei trabalhar essa tela
e distribui, aí mandei que eles olhassem: “O que vocês estão vendo aí?”
Cada um falou o que viu. Depois disse que cada um descrevesse o que
viram, porque eu tinha que registrar alguma coisa; cada um escreveu e,
depois que escreveram, eu disse que iria falar sobre essa obra de outra
maneira, aí mostrei um poema que encontrei na internet sobre o grito. Eles
leram e começaram a rir, dizendo que não tinham imaginado isso. O poema
foi de uma aluna da internet. Eu pedi que eles vissem as cores fortes, chamei
atenção para o texto verbal e não verbal, que vai muito de acordo com o que
a pessoa está sentindo. Depois eu contextualizei a obra, dizendo que tinha
sido pintada por Munch, fazendo eles perceberem o momento em que ele
viveu e li um trecho em que o autor fala de como ele pensou e sentiu para
criar a pintura; mostrei para os alunos como é pessoal a expressão. Foi
uma experiência muito boa e, num instante, a aula fluiu, foi divertido. E eu
acho que a gente tem que explorar mais as imagens e perder o medo de
trabalhar com imagens, até porque eu não tinha tanta orientação. No
começo, senti dificuldade em saber o que eu queria com isso, aí cheguei à
conclusão que eles vissem e lessem uma imagem, um texto não verbal, dar a
devida importância a essas informações que são passadas.
204
A explanação da professora Neide começa com ela chamando a nossa atenção para a
primeira dificuldade que ela enfrentou para organizar a atividade. Ela viu que o que havia
planejado anteriormente não funcionaria, pois a realidade de sua turma não a deixaria
executar aquilo que fora pensado. Então, ela lança mão de sua experiência e refaz o plano de
leitura de acordo com as necessidades de sua sala de aula. Isso nos faz lembrar o que discute
Tardif (2011) sobre o ensino como trabalho composto, ou seja, um trabalho codificado e, na
outra ponta, o trabalho não codificado. Ele entende que o trabalho codificado ancora-se nas
atividades rotineiras, burocráticas, que atende às obrigações legais e formais da instituição
para que se cumpram as regulamentações e procedimentos desse espaço de formação. Por
outro lado, o trabalho não codificado atende àqueles componentes não formais da atividade
docente, aqueles que não são visíveis e não tão previsíveis do ofício em razão das
contingências e imprevisibilidade, que deixam notar a complexidade do ensino. Assim,
podemos perceber que a imagem profissional da professora é regulada pelas reconfigurações
que são feitas em função das condições de seu trabalho. Não é que não haja uma solidez na
imagem da professora, mas há uma necessidade de uma imagem de caráter flexível, que se
alinha ao contexto de seu espaço profissional.
Como podemos notar, a professora Neide se depara exatamente com esse trabalho não
codificado que faz parte do ofício docente. Dada a natureza heterogênea da docência,
compreendamos que o caráter flexivo da formação do indivíduo necessita ser considerado
porque, afinal de contas, o professor lida com seres humanos, não com máquinas que dão
respostas precisas e pontuais na execução de uma tarefa. É bem verdade que lidamos com
atividades codificadas, controladas etc., mas é importante e necessário compreendermos essa
fronteira entre o que se planeja de forma a garantir o objetivado da ação docente e as
ocorrências que fazem o agir docente tomar outros rumos em prol da interação e realização
das tarefas de acordo com a realidade do momento.
Na continuidade da narrativa da professora Neide, ela diz que não tinha certeza de
seus objetivos, mas depois entendeu que seria fazer o aluno-leitor ver e ler o não verbal. O
que aconteceu com a professora é perfeitamente justificado por aquilo que é fato na nossa
contemporaneidade em relação às atividades das ações docentes, ou seja, nada é certeza, tudo
é possibilidade. A narrativa da professora lhe está dando a chance de recontatar a sua própria
imagem, ou identidade, e ressignificá-la em virtude da própria experiência, ou seja, Neide está
205
compreendendo pela sua história de vida que sua imagem de professora se configura pelas
circunstâncias que permeiam a sua prática docente.
Aproveitando a ocasião de exposição das histórias das experiências realizadas pelos
professores-cursistas com seus respectivos alunos, o professor Guilherme pede para contar a
sua:
Eu quero colocar uma experiência que eu já faço com os meus alunos. No
segundo ano, trabalhando Simbolismo com eles e, no primeiro dia de aula,
para falar de Simbolismo, faço eles sentirem, primeiro, como o autor
simbolista se sentia para escrever. A gente tem uma sala de línguas, levo-os
pra lá, ponho a música; eles vão se acalmando; falo como é importante o
que a gente tem a dizer. Pergunto quem gosta de escrever. Pergunto como
ele se sente quando termina de escrever. Falei da sensibilização de quem
escreve. Eu trabalhei um poema de Cecília Meireles, “O retrato”. Eu disse
a eles que, por serem muito jovens, ainda poderiam não entender o
sentimento de Cecília naquele poema, mas perguntei para eles o que sabem
sobre a velhice; depois disse para eles fazerem o que quisessem no papel.
Alguns desenharam, outros escreveram, depois pedi que eles expusessem o
que fizeram. Eles ficaram muito sensíveis. Depois eu comecei a trabalhar
obras da época do Simbolismo e como os autores se expressavam também
nas suas obras. Fiz um jogo com eles com palavras de Cecília, imagens do
Simbolismo e de poesias de Cruz e Sousa, trabalhando as questões
metafísicas do sentimento.
também com seus alunos. O professor está percebendo que sua história é escrita por ele
próprio, assim é protagonista das muitas imagens que ele revela de si mesmo, porque a cada
elaboração de suas trajetórias, de suas ações de professor, se percebe em transformação.
Para finalizar nossa trama tecida pelas vozes dos professores-cursistas, acompanhemos
a seguir em que medida um curso de formação para formadores de leitores dos textos verbal e
não verbal trouxe contribuições para eles.
A professora Clara é enfática ao evidenciar que uma formação de professores não vem
se contrapor à sua prática, pelo contrário, vem se somar ao que já existe como experiência na
vida de cada docente. Ela sabe que não é um poço vazio a ser preenchido, até porque sua
207
Vitor traz na sua fala algumas questões bem pertinentes sobre o contexto da formação
que ele vivenciou. Ele percebeu que não só de conteúdos se faz uma formação, mas é
importante saber como direcioná-los de acordo com uma didática que facilite uma melhor
apreensão dos conhecimentos veiculados durante o processo de formação. O professor sentiu
que, sem uma didatização adequada, a formação não estaria a contento. A razão disso está em
ele ter tido a oportunidade de experienciar sistematicamente tudo que foi ministrado no curso
e saber que pode também realizar na sua sala de aula o que foi discutido sobre leitura
intersemiótica dos textos verbais e não verbais.
O professor destaca que a formação lhe deu suporte para a prática de leitura com seus
alunos, a qual não foge de sua realidade. Ele sente com isso que houve ganhos que se
somaram ao que ele já tinha como experiência, proporcionou-lhe segurança de poder realizar
208
trabalhos com as demais artes discutidas na formação. Vitor sentiu que a formação lhe trouxe
benefícios quanto à organização e à esquematização, que lhe facilitaram a apreensão dos
conhecimentos e das formas de trabalhá-los com os seus alunos. Isso significa que o professor
percebeu que é muito importante que as condições favoráveis de uma formação lhe sirvam de
suporte para uma reflexão sobre sua experiência e prática de leitura na sala de aula.
No processo de formação não só as discussões sobre o que está sendo vivenciado a
respeito de determinado componente curricular terão sua relevância, mas também devemos
considerar aquilo que marca como experiência a vida do professor. Vejamos o que no diz o
professor Guilherme sobre um dos aspectos que o marcou na formação.
Meu sonho é ter um plano desse para cada aula, porque, por exemplo, eu
vou dar uma aula a tarde, eu não fiz isso aqui, tá na cabeça, mas se tivesse
isso aqui, eu teria mais método, não fugiria, não... não por questão formal
de mostrar o planejamento, é você se policiar. Foi muito importante a gente
ver isso. Porque ninguém sentiu dificuldade de entender o formador. Não é
porque ele sabe mais, mas simplesmente porque ele quer começar sabendo
até onde ele vai chegar. Ele bota um conto ali e diz... ele sabe até as
perguntas que a gente vai fazer e debate. Isso é importante, o conceito
também é a preocupação com o planejamento.
Podemos perceber, na fala da professora Clara, que ela concorda plenamente com a
importância do planejamento, porque viu como foi relevante esse instrumento para que a
formação transcorresse de modo satisfatório. Mas, como contraponto a isso, na atual condição
em que se encontra como professora do ensino básico da rede pública estadual, ela desabafa
suas inquietações por ver comprometido seu tempo para elaboração de um planejamento que
faça valer seu trabalho, argumentando que a sobrecarga de atividades complementares às de
sala de aula têm consumido seu espaço/tempo de poder refletir, por meio de um planejamento,
sobre suas ações. Consideramos que a hora do planejamento é o momento de o professor
contatar suas próprias experiências, de refletir sobre elas e assim poder desempenhar a
estruturação, a coordenação de suas ações para a atividade de sala de aula. E, no caso
específico da formação para formador de leitores, planejar o direcionamento das etapas de
leitura dos textos verbais e não verbais é importantíssimo. E os professores perceberam isso
durante todas as etapas do curso que vivenciaram, por isso que vieram à tona essas reflexões.
Mais uma vez o professor Guilherme aproveita o espaço para reflexão e lança outra
questão pertinente para o processo de formação.
Eu pergunto, cadê a biblioteca, que a escola está sem biblioteca? Mas não é
importante. Eu pergunto, será que isso tudo não melhoraria se tivesse uma
bibliotecária? A gente está há três anos sem bibliotecário. Várias vezes
tenho que sair da sala para ir à biblioteca. A aula tem 50 minutos, daqui que
desça, que abra o livro, a aula acabou. Será que essa visão de técnica, eu
acho importante, essa cobrança, porque tem escola que não funciona
porque tem professor que não quer mesmo. Vamos comprar livros de
quadrinhos, fotografia, “a gente está no ensino médio, não tem
quadrinhos”. Gente, o que é isso? E hoje em dia as provas são cheias de
charge, cheias de quadrinhos. E a biblioteca está lá fechada. E os meninos,
às vezes, pedem um livro... Uma vez, um menino que não gostava de ler, eu
fiz ele ler Madame de Bovary e se apaixonar e hoje ele é um leitor. Com
certeza, a mudança dele nas outras disciplinas aconteceu, porque ele
começou a enxergar o mundo de outra forma, trabalhando a leitura. Os
alunos têm tablet, no tablet dos meninos tem um monte de livros, mas a
relação não é só essa.
210
O que a professora Vanda revela é muito significativo para o que se espera de uma
formação – que esta represente o espaço do reencontro do profissional com ele mesmo.
Sabemos que uma formação não deve ser entendida como um evento isolado, que não leve em
conta as necessidades do professor. A professora tinha uma inquietação, não se sentia capaz
de responder a uma demanda de seu próprio ofício, de quem sabe lidar com linguagens. E ela
agora consegue se reconhecer na sua função. A formação foi uma experiência na vida de
Vanda, porque potencializou um dos seus desejos, transformou-a.
Assim como a professora Vanda se reencontra na sua profissão, Neide também expõe
o que a formação significou para ela:
Poxa, pela primeira vez eu vi uma formação realmente. Eu já participei de
algumas, eu não tenho muito tempo na rede. Só tenho oito anos. Então, eu
nunca tinha participado de uma formação como essa tão longa e tão
gratificante, tão formadora realmente. Eram formações de quatro horas que
a gente saia sem saber de nada menos ainda, entrava e saia menos. E aqui
não, realmente, foi uma formação. A gente entrou e saiu mais. Com certeza,
eu era uma pessoa antes, agora sou outra professora, muito diferente.
“No começo só havia a ideia. Depois o verbo veio ao encontro da ideia. E depois o verbo já
não era meu: me transcendia, era de todo o mundo...”
(LISPECTOR, 1999, p. 30)
214
As histórias da vida humana são marcadas por uma série de eventos que vão
motivando os percursos a cada instante. E um desses eventos nos fez ver a que viemos e o que
ainda iremos realizar na nossa vida de professor. Lidar com o ensino de literatura, por
intermédio do texto, não é tarefa tão simples, porque sua linguagem nos faz ir ao encontro de
um mundo que existe na intimidade de cada leitor, desde que se entenda que o ponto de vista
das imagens de tal texto faz parte da experiência de vida do leitor. É esse leitor, o guardador
de imagem, que a perceberá pelo portal do imaginário ou de suas visões de mundo,
absolutamente singular. E, acirrando ainda mais o grau de complexidade dessa jornada com as
imagens, deparamo-nos com as inter-relações que são estabelecidas entre as imagens do texto
literário e as dos demais textos, no nosso caso, o pictórico, o fotográfico e o fílmico. Este,
portanto, foi o desafio imposto por um curso de formação com a finalidade de problematizar e
refletir sobre a leitura intersemiótica dos textos pelo olhar dos professores-cursistas, oriundos
das escolas estaduais da rede pública do ensino básico de Pernambuco.
O que fizemos em todo o desenvolvimento de nossa grande tessitura foi buscar
respostas para os vários questionamentos que tínhamos antes de começar o enovelamento dos
primeiros fios de nossa trama com os professores que vieram nos ajudar a refletir sobre o
processo de uma formação para professores em que se trabalhasse a relação intersemiótica
entre o verbal e o não verbal. Assim, perguntávamo-nos: 1. Como o professor de língua
portuguesa, especificamente da educação básica, do ensino médio, se comunica com as várias
imagens do texto literário? 2. Como esse professor, formador de leitores, interage com as
várias imagens do universo da arte, como a pintura, a fotografia e o cinema? 3. Como o
professor que forma leitores estabelece relações intersemióticas entre os textos literário,
pictórico, fotográfico e fílmico? 4. Como formar professores para que eles, por sua vez,
formem leitores que estabeleçam relações intersemióticas entre os textos verbal e não verbal?
E seguimos, acreditando que, a partir de um curso de formação para formadores de
leitores, encontraríamos respostas para essas indagações. Levantamos a hipótese de que os
professores de língua portuguesa do ensino médio, como formadores de leitores do texto
literário, de posse de ferramentas apropriadas para realizar leituras das imagens verbais e não
verbais, conseguiriam ensinar a seus alunos estratégias de leituras a fim de que estes
pudessem realizar adequadamente uma leitura intersemiótica do texto literário na relação com
o pictórico, o fotográfico e o fílmico.
215
Para sermos mais precisos no que estamos dizendo, vimos o quanto é importante dar a
palavra ao outro, garantir uma escuta responsiva, considerando a relevância do que o outro
fala; abrir espaço para ouvirmos o professor e nos colocarmos sobre o que nos propusemos
realizar. Ter escolhido a análise da narrativa para refletir sobre o que foi narrado pelos
professores-cursistas foi de suma importância para a proposta de nossa tese. Já deixamos
evidenciado, em nosso capítulo de análise, o quanto as histórias dos professores revelaram
quem eles são e o que pensam e sentem sobre o seu ofício. Tudo isso foi possível porque
contamos com as vozes dos professores.
Termos tido a oportunidade de conduzir um curso de formação para professores para
discutirmos textos verbais e não verbais deu-nos a chance de perceber o quanto esse evento
significa enquanto canal de diálogo entre professor e texto. Ainda mais, pudemos perceber o
quanto esse diálogo contribui para a sensibilização, a imaginação e a percepção do docente,
entendendo que o texto é objeto e sujeito ao mesmo tempo dessa relação, porque esse sujeito-
objeto não interage com o outro se não houver uma interlocução entre as partes. Se isso não
acontece, o texto não faz o menor sentido ou significado. E o risco dessa falta de interação e
interlocução com o texto é reproduzir isso na sala de aula com alunos que ainda estão em
processo de formação como leitores.
Podemos sustentar essa ideia por termos visto que os professores perceberam que os
textos (o literário, o pictórico, o fotográfico e o fílmico) não são meramente decodificados; no
processo de leitura, o leitor se inter-relaciona com o texto, tendo como referência a própria
relação dele com o mundo ao seu redor, porque nisso estão implicadas as experiências
socioculturais de cada um. Dessa compreensão, resultará o caráter singular de cada leitura, ou
seja, o professor, para ensinar o aluno a ler os textos, necessita senti-los como parte de sua
experiência de ser.
O professor sabe que os textos representam imagens de prazer e sedução, porque eles
refletem a vida humana, são o que somos. Nesse caso, os professores trouxeram nas suas falas
que os textos, ao ecoarem nossa humanidade, fazem-nos ouvir e ver a nós mesmos. Por isso, é
tão significativo o ensino da leitura do texto literário, pictórico, fotográfico e fílmico no
espaço escolar. Os docentes disseram, por exemplo, que o texto literário é humanizador, mas
também perceberam que os demais textos não verbais, trabalhados no curso de formação,
cumprem essa mesma função, isso porque sensibilizam. Mas, para que os textos sensibilizem,
não devem ser fragmentados, distanciados do contexto do leitor, como muitas vezes acontece
nos livros didáticos trabalhados em sala de aula.
217
na sala de aula, isto é, os professores agem no ensino da leitura da mesma maneira como
compreendem o que seja essa leitura. Dizemos isso baseando-nos nos relatos de suas
experiências. Mas essa forma de ler a imagem do texto literário é perfeitamente
compreensível, porque eles estão se relacionando com imagens-símbolos, assim, estas
representam o que faz parte do contexto sociocultural do leitor.
Quanto às imagens pictórica, fotográfica e fílmica, pudemos perceber que os
professores não viram essas imagens tão diferentemente da leitura que fizeram da imagem
literária. Evidentemente, eles estavam lidando com imagens que exigiam uma percepção
visual, compreendendo tais imagens por sugestões sensoriais como textura, cores, volume,
dimensão etc. Por essa razão, aproximavam os textos-imagens daquilo que estão acostumados
a ver fora do contexto da arte. E mais, dada as circunstâncias das experiências de cada um,
eles falavam o que viam apoiados em temas diversos em razão dos vários contextos de suas
vidas, porque as temáticas lhes serviam de referência para que as imagens não verbais
fizessem sentido.
Ao longo do curso, solicitamos aos professores-cursistas que fizessem uma leitura
intersemiótica do texto literário na relação com os textos pictórico, fotográfico e fílmico.
Pudemos constatar que, mesmo tendo feito uma abordagem teórico-metodológica que
permitisse esse tipo de relação, os professores não demonstraram aprofundamento de forma
que se pudesse afirmar que eles fizeram de fato uma leitura desse nível, mas apenas
estabeleciam comparações genéricas entre textos verbais e não verbais sem atinar para o
caráter sígnico presente em cada linguagem. Uma das razões, evidentemente, está no fato de
eles não terem tido uma formação inicial em que fossem preparados para inter-relacionar as
diferentes linguagens. A falta de estudos específicos sobre semiótica e de conhecimento sobre
artes plásticas e visuais repercutiu no modo como eles faziam suas leituras. A carência dessa
base representou uma lacuna. Isso significa que há uma grande necessidade de que, nos cursos
de formação inicial de professor de língua portuguesa, seja tratada essa questão, promovendo-
se práticas inovadoras que contemplem a leitura intersemiótica dos textos, já que professores,
no cotidiano de sua sala de aula, precisarão ter domínio de tais conhecimentos. Refletindo
sobre sua prática de leitura, os professores-cursistas também enfatizaram a necessidade de
cursos de formação continuada que pudessem dar a eles mais condições de aprofundar
discussões e reflexões a respeito desse tipo de leitura intersemiótica.
Assim como os professores demonstraram dificuldade de ler os textos, fazendo as
relações intersemióticas, também tiveram dificuldade ao planejar sequências didáticas que
219
contemplassem essa atividade de leitura com seus alunos. Notamos que eles ou davam mais
ênfase ao verbal ou ao não verbal, explorando aspectos temáticos e comparativos entre os
textos. Um aspecto positivo que eles demonstravam nas discussões de suas sequências
didáticas foi a preocupação em interagir com o aluno a partir do texto, de se posicionarem
como mediadores, dando espaço para o aluno se colocar a respeito dos textos, ou seja, ao
menos se propôs uma prática de leitura numa perspectiva sociointeracionista, contando com a
participação do aluno-leitor com suas experiências e visão de mundo.
As reflexões dos professores-cursistas sobre formação de leitores para uma leitura
intersemiótica do texto literário em relação com o pictórico, o fotográfico e o fílmico fizeram-
nos ver que uma formação específica como a que foi realizada é de grande relevância para
que eles aprofundem discussões que tratem das inter-relações sígnicas dos mais variados
textos com o texto literário. Eles tiveram a chance de constatar que a leitura do texto não
verbal não é só competência, por exemplo, do professor de arte; eles também podem explorar
isso com seus alunos. O que eles sentiram foi a necessidade de não serem interpretados como
aqueles que estão usando de outro tipo de texto fora o literário para preencherem um tempo de
aula, ou seja, estão fugindo do compromisso relativo aos componentes de sua área de atuação,
entrando em área que não lhes diz respeito. E puderam também refletir sobre a relevância de
um planejamento que sustente suas propostas de leitura do texto literário em relação com o
não verbal.
Os professores entenderam que, para planejar um ensino de leitura do texto literário na
relação com as outras artes, é de suma importância o conhecimento sobre o que se vai fazer e
sobre como fazer. Assim, eles enfatizaram a pertinência da formação para formadores de
leitores como um momento de grande aprendizado e enriquecimento de suas experiências,
ainda mais tendo oportunidade de interagir com os outros colegas de área de conhecimento,
ocasião em que um contribuía com o outro.
À medida que os professores iam contando suas experiências, suas histórias de vida no
ofício que exercem, íamos vendo que imagem eles estavam fazendo de si mesmos. E, com
isso, pudemos perceber o quanto o professor tem cuidado com o que ele faz em seu trabalho
e, especialmente, com sua imagem de professor formador de leitor. O professor não deseja
que sua imagem seja a de quem não é responsável pelo que faz; daquele que não domina o
conhecimento necessário para desenvolver seu trabalho. Ele sente necessidade de projetar
para o aluno que também é leitor, mas sabe que muitos colegas de área não têm esse mesmo
cuidado e acabam projetando uma imagem deturpada de professor que é descomprometido
220
com a prática da leitura, resultando na visão de que ele não gosta de ler. Uma imagem que
ficou evidenciada na fala dos professores foi a do quanto eles procuram ser criativos no uso
de recursos e estratégias que os ajudem no desenvolvimento de suas aulas de leitura do texto
literário.
Em termos da contribuição de uma formação específica como a que foi realizada com
os professores da rede pública estadual de ensino básico de Pernambuco, tivemos a chance de
compreender o quanto é relevante contatar experiências de quem está no exercício
permanente do seu ofício. E os professores-cursistas tiveram a oportunidade de demonstrar
que o curso de formação trouxe contribuições para suas ações de sala de aula, foi uma
experiência que lhes deu condições de refletir sobre suas práticas docentes e de leitura do
texto literário na sala de aula. Ofereceu-lhes condições de contatar as experiências dos colegas
e compreenderem as próprias, percebendo que eles não são vazios de saberes, mas portadores
de experiências que os capacitam a fazer o que sabem muito bem.
Os professores-cursistas evidenciaram também que o curso de formação deu-lhes
suporte para compreender sua realidade pelas histórias de cada colega no exercício de sua
função. Também perceberam, com essa partilha de experiências, que esse foi um momento de
autoformação, pois puderam se avaliar no momento em que discutiam suas formas de ensino
da leitura do texto literário na relação com os textos não verbais. Além disso, os professores
destacaram que, para a realização de um trabalho com leitura do texto literário numa
perspectiva intersemiótica, é relevante que a escola esteja com seus espaços de leitura também
organizados; é o caso, por exemplo, da biblioteca, que deve estar funcionando e atendendo
bem à demanda dos leitores. Outro aspecto apresentado pelos professores foi o fato da
formação ter dado a eles a chance de um reencontro com suas experiências de professor, de
sentir no que eles podem avançar para fazer melhor o que fazem.
Quando os professores falaram sobre a organização, o planejamento e a metodologia
do curso de formação, evidenciaram a relevância de ter sido um professor como eles que
ministrou o curso, porque não se tratava de um técnico, longe da realidade da sala de aula, que
não estaria entendendo o que se passa no espaço escolar. Eles viram que essa partilha de
experiência vinda de um professor-formador os ajudou a refletir sobre a ação para a ação.
Viram também que tinha alguém disponível para ouvir o que eles sabem e integrar saberes.
Sentimos que uma grande necessidade dos professores é ter alguém que os conheça e
que valorize suas práticas, motivando-os fazer muito mais. A sensibilidade é fundamental, até
porque os textos literário, pictórico, fotográfico e fílmico são linguagens criadas para
221
interligar as pessoas. A nossa função como formador é resgatar por estes textos o que há de
mais humano e sensível em cada um. No caso, como professores, entendemos que temos o
compromisso de fazer de nossos alunos leitores por excelência, que se permitam dialogar com
o texto. Já sabemos que os textos criativos, como os das artes estudadas e discutidas com os
professores no curso de formação, fazem parte da própria humanidade em toda a sua
complexidade. Dessa forma, o ato da leitura de tais textos deve revelar isso para o leitor.
Falamos, ao longo desta tessitura, até mesmo enfaticamente, da relevância de contar
com a nossa experiência e a do outro. A razão disso está em sabermos da pertinência que ela
tem para a formação do professor, do profissional que conta com a participação do outro para
fazer da sua trajetória uma grande experiência. Assim, vimos que conseguimos a realização de
nossos objetivos.
Arrematamos nossa tese, como numa coda, dando uma resposta a todos os
questionamentos iniciais de nossa tessitura: não basta só instrumentalizar os professores para
que eles realizem na sua sala de aula a leitura intersemiótica do texto literário na relação com
o pictórico, o fotográfico e o fílmico, como se o trabalho com esses textos contasse apenas
com o aparelhamento teórico dos professores sobre o assunto; há, junto a isso, a necessidade
de uma discussão sobre as práticas de leitura considerando as inter-relações textuais em
cursos de formação para formadores de leitores. E, além do mais, é de extrema pertinência
realizar, nos espaços de formação para professores, um trabalho de reflexão que conte com a
experiência do professor, pois vimos o quanto ouvir as suas histórias de vida contribuiu para
uma experiência que foi exitosa e transformadora, tanto para os docentes como para o
formador que ministrou o curso.
Por tudo que foi posto, pedimos licença para assumir as palavras de Clarice Lispector,
dizendo:
Estou me sentindo como se já tivesse alcançado secretamente o que eu
queria e continuasse a não saber o que eu alcancei. Será que foi essa coisa
meio equívoca e esquiva que chamam vagamente de “experiência”? (1999,
p. 31).
222
Referências
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 6. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes,
2012.
AGAMBEN, Giorgio. Infância e história: destruição da experiência e origem da história.
Belo Horizonte, MG: UFMG, 2005.
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APÊNDICE
233
234
FORMADOR:
José Jacinto dos Santos Filho
1- INTRODUÇÃO:
A formação do formador de leitores numa prática intertextual e interdisciplinar se consolida a partir do momento em que o formador
consegue articular e relacionar as várias linguagens e estabelecer sentido dos diálogos mantidos entre elas. Esta é uma condição premente do
formador de leitores: saber conduzir sua prática aos fins que lhe é esperado, isto é, desenvolver estratégias que oriente o leitor a uma leitura que o
faça compreender o que está sendo lido.
De acordo com Zilberman (2008), houve um tempo em que a literatura era vista como educativa, estando ligada à formação individual,
social e política das pessoas. Com o passar do tempo, ela perde sua importância pedagógica e, no Brasil, a escola afasta a literatura de seu
currículo, pois a atenção passou a estar voltada para a formação profissional dos indivíduos. Com esse fato, a leitura do texto literário é
prejudicada. Assim, tal leitura deixa de contribuir com a fantasia ou o imaginário do leitor e também com o seu desenvolvimento intelectual.
Zilberman (2008, p. 23) declara que a “leitura do texto literário constitui uma atividade sintetizadora, na medida em que permite ao indivíduo
penetrar o âmbito da alteridade, sem perder de vista sua subjetividade e história”. Então, ler literatura é oportunizar ao leitor o (re)encontro
consigo mesmo e com todas as experiências de sua vida.
235
Percebemos que não há como desenvolver uma leitura sem estabelecer evidentes relações com o mundo, pois, ao lermos literatura, o que
nos assegura sua possibilidade de realidade enquanto linguagem é o caráter de verossimilhança da literatura. O leitor, a partir do seu imaginário,
dialoga com as imagens desse mundo, vivencia este espaço da linguagem como se nele pudesse habitar. Ele vivencia as coisas e/ou situações do
espaço literário quando consegue ver as imagens literárias a partir de suas referências.
O leitor também lê outros textos artísticos além do texto literário, pois, ao se deparar com o texto pictórico, fotográfico ou fílmico, lê o
que vê, porque está diante de imagens, cuja sensibilidade perceptível o faz tocar e sentir o visível. Ele sabe o que está lendo porque o que está
sendo visto representa o mundo a partir da forma, textura, cor, volume etc. O leitor se relaciona com essas imagens artísticas, tendo consciência
de que o que está sendo visto não é o que é, mas é a representação do que elas estão mostrando para ele. Tais imagens são puros fenômenos da
percepção diante do sensível.
Diante do exposto, nossa hipótese é a de que o formador de leitores do texto literário, apropriado das ferramentas para leituras que
compõem as várias instâncias leitoras, quer do ponto de vista do imaginário, quer do ponto de vista da percepção, conseguirá desenvolver
estratégias de leituras com seus alunos a ponto de fazer com que eles dialoguem com essa diversidade de textos e os relacionem, respeitando as
especificidades das linguagens e estabelecendo sentido e compreensão para o que leem.
A relevância desse projeto de formação, que é uma extensão de nosso projeto de doutoramente em Educação, pela UFPE, sob a orientação
da professora Dr.ª Lívia Suassuna, justifica-se a partir do momento em que contemplamos o disposto no currículo formal nacional através dos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCN) ao declarar:
A linguagem é considerada aqui como capacidade humana de articular significados coletivos em sistemas arbitrários de
representação, que são compartilhados e que variam de acordo com as necessidades e experiências da vida em sociedade. A principal
razão de qualquer ato de linguagem é a produção de sentido. (2000, p. 19).
E, além do mais, o que reza nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio, do Estado de
Pernambuco:
236
(...) a proposta de ensino que aqui se apresenta considera a natureza social e interacional da linguagem, toma o texto como objeto
central de ensino e privilegia práticas de uso da linguagem na escola. (2012, p. 14).
Com isto, acreditamos que os formadores de leitores, conscientes de sua prática de facilitadores de leitura, e considerando as inter-
relações dos códigos verbais e não verbais (em especial a literatura, a pintura, a fotografia e o cinema), desenvolverão ações didáticas para uma
produtiva leitura de seus alunos quando estes são capazes de perceberem sentido no que leem.
2- OBJETIVO GERAL:
Refletir e discutir práticas de formação de leitores em sala de aula com o texto literário numa relação com a pintura, a fotografia e
o cinema.
3- OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Compreender o ato da leitura do texto verbal (literário) e não verbais (pintura, fotografia e cinema) como uma prática
sociocultural;
compreender a importância do discurso do texto-imagem e da imagem-texto e suas relações contextuais;
refletir sobre a aplicabilidade metodológica e técnica da leitura da palavra e da imagem;
compreender as relações intersemióticas dos textos.
4- FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ao considerarmos os objetivos a serem alcançados neste projeto de formação de formadores de leitores, apresentaremos alguns dos
pressupostos teóricos que nortearão o desenvolvimento desta atividade formadora. Para isto, demonstraremos, primeiro, a concepção de
linguagem na qual este estudo se baseia; depois, discutiremos o conceito de leitura, quer do texto literário, quer do texto imagético; a seguir,
trataremos dos conceitos de meta, intertextualidade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade; e, finalizando nossos posicionamentos teóricos,
237
exporemos a perspectiva que fundamenta nossa ideia de formar formadores de leitores, levando em consideração as questões didáticas que
perpassam o ensino da leitura do texto literário e do texto imagem.
A comunicação entre os indivíduos só acontece por conta do domínio que o homem desenvolveu das várias linguagens ao longo de sua
existência. É interagindo, via linguagem, que nos entendemos e entendemos as coisas do mundo. Merleau-Ponty (2002, p. 9) diz que “a
linguagem jamais é a simples vestimenta de um pensamento que se conhece a si mesmo com toda a clareza”. Isto porque a linguagem varia de
acordo com os modos de exposição em que ela se realiza, seja narrativa, poesia, pintura, cinema, fotografia etc. Cada forma expressiva da
linguagem tem sua característica específica e, para cada uma, há uma maneira de interação e compreensão. Ainda, segundo Merleau-Ponty
(2002, p. 9), “a comunicação em literatura não é simples apelo do escritor a significações que fazem parte de um a priori do espírito humano:
estas, ao contrário, são suscitadas por um aprendizado ou por uma espécie de ação oblíqua”. Como se observa, a literatura se faz compreendida
em sua significação pelos estudos que se pode realizar a partir dela e também a compreendemos em seu significado a partir de ações indiretas,
isto é, partindo das relações que a margeia.
De acordo com Blanchot (1982, p. 39), “no poema, a linguagem nunca é real em nenhum dos momentos por onde passa, porquanto no
poema a linguagem afirma-se como todo e sua essência, não tendo realidade senão nesse todo”. Com isso, nada no poema se justifica fora de sua
linguagem, porque está na linguagem poética a sua própria verdade. Uma ambiguidade então se apresenta: para a existência da linguagem
poética, ela precisa dissolver-se em pura imagem, mas para o leitor lê-la, compreendê-la, o parâmetro que ele possui é o seu contexto, a sua
história, a sua cultura, a sua experiência de vida.
Supomos que o formador de leitores do texto literário, na esteira de Merleau-Ponty (2002, p. 34), realizará junto a seu aluno a significação
do texto literário no momento em que tal formador levar em conta dois tipos de linguagem: a “linguagem falada” e a “linguagem falante”, isto é:
a linguagem falada é aquela que o leitor trazia consigo, é a massa das relações de signos estabelecidos com significações disponíveis,
sem a qual, com efeito, ele não teria podido começar a ler, que constitui a língua e o conjunto dos escritos dessa língua, [...] Mas a
linguagem falante é a interpelação que o livro dirige ao leitor desprevenido, é aquela operação pela qual um certo arranjo dos signos
238
e das significações já disponíveis passa a alterar e depois transfigurar cada um deles, até finalmente secretar uma significação nova
[...].
A partir disso, entendemos que o papel do formador, junto aos seus alunos, é dialogar e fazer dialogar com essas linguagens - a que está
no cotidiano do aluno e a que está na ficção. Nenhuma dessas linguagens opera distante da realidade que as sustenta. O leitor, que consegue
interagir e articular essas linguagens, reage com competência à significação da leitura para si.
O formador de leitores sabe que a linguagem não só se articula no plano do signo verbal, mas também do não verbal como a pintura, a
fotografia e o cinema. Estas são manifestações da linguagem pelas quais se compreende o seu sentido, desde que haja a sensibilização do leitor-
espectador; o que é visto pelo leitor é pura manifestação da percepção visual cinestésica e tátil, porque “ver implica estabelecer a relação entre o
corpo e o que está mais próximo ou o mais adiante. E é a partir dessa relação corpo/imagem que acreditamos que os sentidos não atuam
isoladamente, [...]”. (SANTOS FILHO, 2009, p. 24).
Outro aspecto deste projeto de formação que discorreremos nesse momento é sobre a leitura. E, a esse respeito, Robert Scholes (1991, p.
17) faz a seguinte consideração:
Na conversação diária, referimo-nos constantemente à leitura: dizemos ler livros, revistas e jornais, claro, mas afirmamos também
que procuramos ler a expressão ou os motivos das pessoas e é vulgar referir-se, por exemplo, que o defesa de uma equipe de futebol
americano tenta ler o alinhamento do adversário; lemos também música, bem como outras formas de registros não verbal, tais como
mapas ou coreografia; os astrólogos garantem ler as estrelas, também lidas pelos astrônomos, apesar de o fazerem segundo um
código distinto.
Como se percebe, a ideia de leitura de Robert Scholes é bem ampliada, pois não se atém unicamente à leitura do texto verbal, mas
também à não verbal. E todos esses textos são lidos pelo leitor, tendo como base sua própria trajetória experiencial. Isso implica dizer que, ao
lermos, lemos a nossa história, a nossa cultura, toda a instância que opera e operamos socioculturalmente. Scholes (1991, p. 23) ainda afirma que
“ler é escrever, é viver, é ler, é escrever: ‘fio condutor que remonta a Adão e Eva’ e que assim continuará até ser possível”. Portanto, entendemos
239
que a leitura é cíclica, já que um texto gera outro sucessivamente. Ele também ressalta dois procedimentos de leitura: a leitura centrípeta e a
leitura centrífuga.
A leitura centrípeta concebe o texto de acordo com uma intenção original localizada no centro daquele e, quando efetuada sob este
ângulo, procurará reduzir o texto ao puro núcleo de intencionalidade não mesclada. A leitura centrífuga, por seu turno, encara a vida
do texto como ocorrendo ao longo da respectiva circunstância que se expande constantemente, abrangendo novas possibilidades de
significado. (SCHOLES, 1991, p. 23).
Os dois procedimentos apresentados nos fazem refletir sobre a prática pedagógica de leitura que se deseja desenvolver com os alunos:
uma, que aliena e restringe o espaço do texto como única perspectiva de relacionamento leitor, em que só no texto pelo texto conseguiria se
chegar a uma compreensão, sem se articular às várias dimensões plurais de um texto; e, outra, que leva em conta a multiplicidade de
possibilidades que um texto esboça ao leitor, quando ele consegue articular e relacionar as experiências de seu cotidiano, conferindo novos
arranjos significativos ao texto e levando à elaboração de outros textos, de maneira contínua. Optamos pelas duas possibilidades, porque
acreditamos que uma movimenta a outra.
Pela leitura, alcançamos muitos caminhos que nos levam ao desenvolvimento de nossa competência leitora. Isso se consolida na medida
em que percebemos que a leitura que é feita de um texto não se realiza nele mesmo, mas nos muitos textos de nossas vidas. Desse modo, Scholer
(1991, p. 26) declara que “ler consiste em reunir textos”, ou seja, a leitura é, portanto, uma ação intertextual. Destacamos ainda que isso não se
restringe apenas à leitura do verbal, mas também à não verbal.
Ferrara (2007, p. 7) destaca que
Toda ação interpretante é, pois, uma relação entre uma representação presente e outras representações possíveis, eventuais e virtuais.
O resultado dessa relação é o significado de uma linguagem, ou seja, o significado é uma resultante de um modo de representação, é
consequência e vem embutido no próprio modo de representação: uma íntima e indissociável aliança significante-significado.
240
Evidencia-se então que a relação estabelecida pelo leitor com o objeto de representação, que é perceptível na leitura, é, eminentemente,
dialógica. Ele precisa estabelecer elos de compreensão dos códigos, para que se consolide uma interpretação. As construções sociais, culturais e
históricas se desenvolvem de acordo com as necessidades, convicções e percepções representativas dos indivíduos e grupos. Assim, um dado
sistema representativo se desdobra a partir de referências que se alocam a cada representação posta em contato pelos indivíduos ou grupos.
Entendemos que seja esse o processo para o desenvolvimento da leitura e sua compreensão por parte do leitor, ou seja, ele interage com as
representações, via representações experienciadas.
Perrone-Moisés (2005, p. 61) nos chama a atenção a respeito das obras literárias ao declarar que “uma das principais características da
transformação sofrida pelas obras literárias, a partir do fim do século XIX, é a multiplicação de seus significados, que permitem e até mesmo
solicitam uma leitura múltipla”. A partir do que é destacado pela professora-autora, não podemos mais ler as obras literárias, sejam romance,
conto, poesia etc., sem deixar de considerar o caráter heterogêneo de tais obras. Ler literatura é entrar em contato com a ciência, a sociologia, a
história, a geografia, a arte e muito mais outros campos do conhecimento humano.
De acordo com Kleiman e Moraes (1999), a leitura rompe com qualquer fronteira entre as várias áreas do conhecimento humano. Essas
autoras assinalam que “O significado de um texto não se limita ao que apenas está nele; seu significado resulta da interseção com outros” (1999,
p. 62). Observa-se que as conexões entre textos são imprescindíveis no ato da leitura, pois, assim, o entendimento de um texto está ancorado nos
conhecimentos adquiridos pelas leituras de múltiplos textos realizados pelos leitores. A leitura é intertextual.
Genette (2006, p. 8) nos apresenta a seguinte concepção de intertextualidade: “defino-o de maneira sem dúvida restritiva, como uma
relação de co-presença entre dois ou vários textos, isto é, essencialmente, e o mais frequentemente, como presença efetiva de um texto em um
outro”. Assim, entendemos que a prática leitora deverá se desenvolver, levando em conta as várias interseções textuais que são efetivadas no ato
da leitura. Isso explica o motivo pelo qual, ao lermos um dado texto, sentimo-nos familiarizados com ele. É uma leitura que precede de outras
leituras.
241
Severino (1998) destaca que a prática educacional não pode desconsiderar a relevância da relação do conhecimento pedagógico com a
prática humana, pois esta é uma condição do caráter interdisciplinar da educação. Entendemos, na esteira de Severino, que a prática do saber se
exerce interdisciplinarmente, portanto, fica evidente que o processo de formação leitora, que se desenvolve na escola, não pode desconsiderar
esse procedimento.
O formador de leitor deverá entender que ler literatura ou ler uma imagem é como estar numa via de vários acessos ou bifurcações. Isso
porque uma leitura leva à outra e à outra sucessivamente. Quando se lê literatura, cinema ou pintura, está sendo lida linguagem que se desdobra
em linguagem, configurando-se numa metalinguagem. Declara Chalhub (2005, p. 5) que “o ato de leitura, antiquíssimo, é relacional: do poeta ao
leitor, persiste a sombra da linguagem de um e de outro, marcados que são pela expectativa do encontro”. Isso implica em percebermos que a
leitura se consolida a partir da interseção dialógica entre o conhecimento que detém o leitor e o conhecimento proporcionado pelo lido.
Remetendo-nos, dessa forma, à metatextualidade de Genette (2006, p. 11) que “é a relação, chamada mais correntemente de ‘comentário’, que
une um texto a outro texto do qual ele fala, sem necessariamente citá-lo (convocá-lo), até mesmo, em último caso, sem nomeá-lo”. Assim, um
texto está inserido no outro texto, abrindo-se a outro permanentemente em virtude da dinâmica vivida pelo leitor.
O leitor lê signos e com estes se relaciona constantemente para entender o mundo que o cerca e poder assim interagir com ele. O signo se
constitui em linguagem para poder dizer o que propõe, fazendo o leitor participar com ela de sua elaboração e reelaboração, permanentemente. A
linguagem é múltipla. Pignatari (2004, p. 100) diz que
A multiplicação e a multiplicidade de códigos e linguagens criam uma nova consciência de linguagem, obrigando a contínuos
cotejos entre eles, a contínuas operações intersemióticas e, portanto, a uma visada metalinguística, mesmo no ato criativo – ou,
melhor, principalmente nele, mediante processos de metalinguagem analógica, processos internos ao ato criador.
O leitor monta ou constrói, desmonta ou desconstrói o texto para fazê-lo compreensível. Ele estabelece uma parceria contínua com os
vários signos, na intenção de vivenciar múltiplas experiências que os textos, via signos, proporcionam-lhe. Os textos estão com os leitores,
242
fazendo parte de sua existência. As experiências que temos no mundo nos fazem percebê-lo como ele é. Assim também é o texto. A cada
experiência leitora que se realiza, mais condições temos, na condição de leitores, de lermos mais e mais outros textos.
A prática leitora é transdisciplinar, pois, quando lemos, contatamos as várias fontes de onde provém nosso cabedal de conhecimento sobre
as coisas. Inferimos de Merleau-Ponty (2004) que, quando lançamos nosso olhar sobre as coisas do mundo, não as compreendemos em si, mas a
nossa compreensão se processa a partir de nosso ponto de vista. Isso implica em entender que, ao vermos um quadro de pintura, por exemplo,
não vemos só cores e formas distintamente, vemos cores com formas no todo presente. É como ele diz: “o homem não é um espírito e um corpo,
mas um espírito com um corpo, que só alcança a verdade das coisas porque seu corpo está como que cravado nelas” (2004, p. 17-18). É sob essa
perspectiva que entendemos a lógica da transdisciplinaridade, discutida claramente por Nicolescu quando nos fala de um terceiro termo incluído:
“existe um terceiro termo T que é ao mesmo tempo A e não-A” (1999, p. 38).
A partir do que já colocamos a respeito da interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, estamos propondo uma formação de formadores
de leitores que respeite o indivíduo inserido num mundo plural, onde a aquisição do conhecimento, levando em conta a relação do indivíduo e
seu meio espacial, não se processa de forma compartimentada, mas na totalidade complexa da própria existência humana. É por essa razão que
comungamos do que declara Imbernón (2010, p. 15):
A educação e a formação do docente devem romper essa forma de pensar que leva a analisar o progresso e a educação de uma
maneira linear, sem permitir integrar outras formas de ensinar, de aprender, de se organizar, de ver outras identidades sociais e
manifestações culturais, de se escutar e de escutar outras vozes, sejam marginalizadas ou não.
Assim, formar formadores de leitores é uma tarefa que exige uma didática que integre o leitor ao mundo no qual ele está inserido, em
observância às diversidades e convergências espaciais. O formador de leitor deverá entender que aquele que ele está formando tem nas mãos um
texto (quer verbal, quer não verbal) que representa o mundo e todos os seus acontecimentos, e isso será perceptível se a prática da formação for
plural.
Libâneo (1994, p. 17) destaca que
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a prática educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também o processo de prover os indivíduos dos
conhecimentos e experiências culturais que os tornam aptos a atuar no meio social e a transformá-lo em função de necessidades
econômicas, sociais e políticas da coletividade.
Há, como se nota, uma necessidade premente de pensar a formação do formador de leitor, no bojo das práticas educativas, considerando
tal formação como o ponto chave que descortinará o véu da compreensão leitora. Como entendemos que a leitura também forma o indivíduo,
compete à formação do formador de leitor assegurar um direcionamento didático que favoreça uma relação entre prática e teoria de modo que o
leitor esteja preparado para de fato ler o texto literário e o articule a sua própria existência no mundo.
5- CARGA HORÁRIA:
Este projeto de formação de formadores de leitores tem uma carga horária total de 60 horas, distribuídas em três etapas formadoras, com
20 horas para cada bloco da formação.
O desenvolvimento deste projeto de formação dependerá de nosso envolvimento e dos formandos com o objeto perseguido, no caso a
formação do leitor, justamente pelo objetivo dessa pesquisa que é o de analisar e propor uma prática docente do formador de leitores numa
perspectiva meta e intertextual, interdisciplinar e intersemiótica do texto literário na relação com as outras artes, em especial, a pintura, a
fotografia e o cinema.
Nossa proposta de formação tem como método o fenomenológico, e sobre fenomenologia, Merleau-Ponty (2006, p. 1) diz que “a
fenomenologia é o estudo das essências” e é sob a ótica merleaupontyana que entendemos essência dessa proposta de formação, isto é, não
compreendemos o mundo pensando sobre ele, mas indo ao encontro do que ele é, pois, através da visão, percebemos e vemos o mundo, logo ele
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é o que percebemos e vemos. Nisso consiste a essência. Ainda mais: “Buscar a essência do mundo não é buscar aquilo que ele é em ideia, uma
vez que o tenhamos reduzido a tema de discurso, é buscar aquilo que de fato ele é para nós antes de qualquer tematização” (MERLEAU-PONTY,
2006, p. 13). Assim, toda experiência vivenciada com as coisas do mundo é possível a partir de como essas coisas são vistas e percebidas por
nós. Entendemos que nossa relação com o mundo e suas coisas só é possível a partir do momento em que a nossa experiência é com este mundo
e suas coisas, não dentro nem fora, mas com.
É a partir dessa relação com que desenvolveremos nossas reflexões acerca da leitura das linguagens (literatura, pintura, cinema e
fotografia) em destaques em nossa pesquisa. Não teremos neste projeto uma participação passiva na investigação da leitura e da formação do
formador de leitor, mas nos propomos, para a leitura da imagem dos objetos em pauta, uma atenção cuidadosa à fenomenologia da imagem que,
conforme Bachelard (1988, p. 4) “a fenomenologia da imagem exige que ativemos a participação na imaginação criante”. Pois bem, é também
refletindo sobre essa “imaginação criante” que desenvolveremos nosso trabalho, porque entendemos que uma dada imagem não vem do nada,
vem do nosso envolvimento com o mundo. E mais, na esteira de Turchi (2003, p. 13), “a imaginação humana – energia vital inalienável das
configurações de sentido – transcende e ordena todas as outras atividades da consciência”.
Além da fenomenologia, recorreremos também aos estudos da semiótica numa perspectiva peirceana quando refletiremos e analisaremos
as representações sígnicas dos formadores de leitores e suas relações com o mundo-signo. Como assinalam Santaella e Nöth (2001, p, 17),
representação, para Peirce, “é o processo da apresentação de um objeto a um intérprete de um signo ou a relação entre o signo e o objeto”. Com
isso, observaremos como os formadores se relacionam com o objeto sígnico e como eles interagem à apresentação e à re-apresentação desse
objeto-signo.
Define Peirce (2010, p. 61) que representar é “estar em lugar de, isto é, estar numa tal relação com um outro que, para certos propósitos,
é considerado por alguma mente como se fosse esse outro”. Estaremos com isso contribuindo como os formadores de leitores no
desenvolvimento de suas práticas de leituras em sala de aula com o objeto-texto. Este em nosso projeto de formação é concebido como um
símbolo, que, para Pierce (2010, p. 40), “todo símbolo é uma coisa viva”, portanto, essa dinâmica simbólica é percebida por nós a partir das
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múltiplas relações que são constituídas pelos leitores com esses objetos simbólicos. Acreditamos com isso que os formadores de leitores devam
ser cônscios dos movimentos desenvolvidos pelos signos/símbolos nas interações operacionalizadas pela leitura, porque é importante entender
que “o corpo de um símbolo transforma-se lentamente, mas seu significado cresce inevitavelmente, incorpora novos elementos e livra-se de
elementos velhos” (PIERCE, 2010, p. 40).
Assim, sob essa perspectiva metodológica, essa proposta de formação terá os seguintes passos:
Três cursos de formação com uma carga horária de 20 horas cada, distribuídos da seguinte forma:
o A formação do formador de leitores do texto literário e a pintura.
o A formação do formador de leitores do texto literário e a fotografia.
o A formação do formador de leitores do texto literário e o cinema.
As formações ocorrerão em dia e local previamente acordados junto à gerência da GRE/Gerência Regional de Educação (SEE).
Os cursos de formação serão ministrados num dia da semana, com uma duração de 4 horas.
Os cursos, além de uma reflexão teórica, têm um caráter prático, para isso teremos:
o explanação dos conteúdos;
o levantamento de questões aos cursistas;
o debate sobre as questões levantadas em sala de aula e decorrentes das leituras solicitadas;
o exercícios de leitura intersemiótica.
OBSERVAÇÃO: O detalhamento de cada aula se encontra no plano de curso de cada encontro em anexo.
7- CONTEÚDOS
OBSERVAÇÃO: As metas de aprendizagem correspondente aos conteúdos estão no plano de curso em anexo.
8- AVALIAÇÃO:
Os cursistas, durante a formação, serão avaliados por sua participação nos encontros e comprometimento com as atividades desenvolvidas
de leitura e produção.
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2003.
ADAM, Jean-Michel; HEIDMANN, Ute. O texto literário: por uma abordagem interdisciplinar. São Paulo: Cortez, 2011.
ARANHA, Carmen S. G. Exercícios do olhar: conhecimento e visualidade. São Paulo: UNESP; Rio de Janeiro: FUNARTE, 2008.
ARAÚJO, Anna Rita Ferreira. Encruzilhadas do olhar. Porto Alegre: Mediação, 2007.
AUMONT, Jacques. A imagem. 5. ed. Campinas, SP: Papirus, 1993.
______. O olho interminável [cinema e pintura]. São Paulo: Cosac & Naify, 2004.
AUMONT, Jacques. et al. A estética do filme. 2. ed. Campinas, SP: Papirus, 2002.
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.
______. A intuição do instante. Campinas, SP: Verus, 2007.
BARBOSA, Ana Mae. Tópicos e utópicos. Belo Horizontes: C/Arte, 1998.
______. A imagem no ensino da arte. anos 1980 e novos tempos. 8. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
BARTHES, Roland. A câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
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BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BERGER, John. Modos de ver. São Paulo: Edições 70, 1999.
______. Sobre o olhar. São Paulo: GG Brasil, 2003.
BERTRAND, Denis. Caminhos da semiótica literária. Bauru, SP: EDUSC, 2003.
BOURO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. 2. ed. São Paulo: Educ / Fapesp / Cortez, 2003.
______. O olhar em construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
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FORMAÇÃO – MÓDULO I
Temática: A formação do leitor do texto literário e a pintura
Carga horária total: 20h
Carga horária por encontro: 4h
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FORMAÇÃO – MÓDULO II
Temática: A formação do leitor do texto literário e a fotografia
Carga horária total: 20h
Carga horária por encontro: 4h
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Fotografia: