A Midia e o Futebol

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Mídia e a produção do sujeito jogador de futebol profissionalH

http://dx.doi.org/10.1590/1984-0292/1243

Marcos DaouI, HH, Neuza Maria de Fátima GuareschiII, Marcos Adegas de AzambujaI
I
Centro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS, Brasil
II
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS - Brasil
Resumo
Este artigo tem como objetivo visibilizar e problematizar a constituição do sujeito
jogador de futebol profissional na sociedade contemporânea. Como ferramenta
metodológica, utilizou-se a análise das práticas discursivas provenientes de
materiais midiáticos, articuladas com as regularidades de enunciados construídos
pelos campos de conhecimento na produção dos modos de subjetivação deste
profissional. Para a análise, selecionou-se o material proveniente da mídia
impressa – Jornal Zero Hora, de Porto Alegre, especialmente, em um período que
caracterizou-se pelo surgimento de um atleta jovem na categoria profissional.
Como resultado, pode ser visibilizado que o jogador de futebol profissional é
constituído na contemporaneidade pelos modos de subjetivação através dos
imperativos dos investimentos técnicos e do lucro. O sujeito é submetido a
intensa produção de metodologias dos campos de saber para aperfeiçoamento
para um alto-rendimento e por consequência estar de acordo com as exigências
de qualificações do mercado profissional.
Palavras-chave: modos de subjetivação; discurso da mídia; jogador de futebol profissional.

Media and the production of the professional soccer player


Abstract
This paper aims to visualize and problematize the constitution of the professional
football player in contemporary society. As a methodological tool, it is used
to analysis the discursive practices from media materials, articulated with the
regularities of statements constructed by knowledge fields in the production of
professional modes of subjectivity. It was selected for analysis, a media material
came from diaries, especially the period characterized by the emergence of a
young athlete in the professional category and have earned attention from
media. As a result, it can be visualized that the contemporary professional soccer
player is composed by the modes of subjectivity through the imperatives of
technical investment and profit on body. It is remarkably seen the production of
methodological knowledge on athletes, that turns to a high performance.
Keywords: modes of subjectivity; media discourse; professional soccer player.
H
Fonte de financiamento recebido no desenvolvimento do trabalho: CAPES.
HH
Endereço para correspondência: Centro Universitário Franciscano, Curso de Psicologia. Av.
Silva Jardim, 1175 - Curso de Psicologia, prédio 17, Conjunto III - Nossa Senhora do Rosário.
97010491 - Santa Maria, RS – Brasil.
E-mail: m.daou@hotmail.com, nmguares@gmail.com, m_adegas@yahoo.com.br.
Marcos Daou; Neuza Maria de Fátima Guareschi; Marcos Adegas de Azambuja

Este artigo tem como objetivo principal mostrar e problematizar como o


jogador de futebol se constitui num profissional1 a partir da configuração do fute-
bol na sociedade contemporânea. Para isso, partiu-se da visibilização de algumas
formas da prática esportiva com a bola que confluíram para formalizar o futebol
como um esporte profissional e regulamentado, apresentado na contemporanei-
dade. Atualmente, o futebol reveste-se das características de uma lógica merca-
dológica, incidindo sobre este esporte atravessamentos de campos do saber e de
relações de poder distintos que constroem o modo de ser jogador. A construção do
jogador profissional acontece a partir de investimentos articulados de diferentes
campos sociais na busca do aperfeiçoamento técnico, corporal e comportamental
de atletas, que visam o alto rendimento e à otimização de resultados.
Para a discussão sobre a constituição do sujeito jogador profissional de
futebol, elegeu-se o discurso da mídia impressa, mais especificamente, as notícias
e comentários do caderno de esportes do jornal Zero Hora2 (ZH) durante uma se-
mana. Utilizou-se a análise das práticas discursivas desse material midiático em
articulação com as regularidades construídas por determinados campos de conhe-
cimento na produção de enunciados que constituem os modos de subjetivação do
jogador profissional de futebol. Para esta análise do material midiático, selecio-
namos, especialmente, a semana que se estendeu de 20 a dia 28 de novembro de
2006. O critério de escolha desse período fundamenta-se no fato de que, naquela
semana, o jornal publicou o sucesso de um jovem jogador de futebol, mostrando
o curto tempo deste profissional entre as categorias de base e a iminência de se
tornar mais uma das maiores promessas no ramo, podendo, deste modo, o Brasil
apresentar ao mundo mais um dos fenômenos desse esporte.
Aquela semana caracterizou-se como o período de escolha dos nomes que
estariam na listagem dos atletas que integrariam a delegação do Esporte Clube
Internacional3 para a disputa do Campeonato Mundial Interclubes, no Japão, mos-
trando a estreia de um jovem jogador, de apenas 17 anos, no time profissional,
passando das categorias de base do clube, com esperança de êxito na maior compe-
tição da história. Por meio do discurso da mídia, objetivamos visibilizar como são
produzidos os sentidos que constroem os enunciados que passam a se configurar
na sociedade – os modos de produção desse profissional na contemporaneidade.

O discurso da mídia e a produção de sentido


A mídia é entendida aqui como uma instância central da sociedade con-
temporânea por produzir cultura, veicular e construir significados e representa-
ções. Consideramos que a mídia é um lugar privilegiado de criação e circulação
de sentidos que operam na formação de identidades, bem como na produção de
diferenças. Entendemos que os significados visibilizados pelo discurso midiáti-
co não só produzem verdades sobre os objetos de que falam, como também pro-
duzem os sujeitos desses objetos. Para Fischer (2002), por meio da visibilidade
de situações, a mídia torna-se um poderoso meio de produção e circulação de

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valores, concepções e representações relacionados a um aprendizado cotidiano


sobre quem somos, o que devemos fazer, como devemos nos educar e de que
maneira devemos ver as pessoas.
Entendendo a mídia como constituinte da cultura, como produtora e for-
madora de modos de ser e de viver na contemporaneidade, pensamos nela como
construtora de verdades por meio do discurso que veicula. Tal discurso é atraves-
sado por várias lógicas, dentre as quais, as do consumo, do mercado e da tecnolo-
gia, as quais servem de legitimação para consolidar estilos de vida. Em sua leitura
sobre a produção e importância da mídia na formação de subjetividades, Pelbart
(2003, p. 20) afirma: “o que nos é vendido o tempo todo, senão maneiras de ver,
de sentir, de pensar, de perceber, de morar e de vestir. O fato é que consumimos
mais do que bens: formas de vida”.
Desse modo, a mídia configura-se na contemporaneidade como grande po-
tência de estratégias educativas informacionais. Em confluência com essa ideia
sobre mídia, Fischer (2001a) alerta sobre a importância que os meios de comu-
nicação, no Brasil e no mundo, vêm assumindo como lugar de circulação de
vários campos de saberes e também de produção de um campo de saber próprio.
A autora considera que a questão da mídia como produtora de verdades necessita
de uma análise que possa nos situar no contexto em que a imagem, ou aparecer
na TV, em jornais e revistas, se configura em relações de poder, produzindo efei-
tos específicos nas pessoas, construindo um tipo especial de verdade. Segundo
a mesma autora, a mídia não apenas veicula, como também constrói discurso e
produz significados e identidades.
Como fatos ilustrativos, Guareschi e Biz (2005) referem a importância que
os meios comunicacionais têm assumido na relação das pessoas nos dias de hoje
– o tempo médio que os brasileiros passam na frente da televisão é de quase
quatro horas. Se nos reportarmos à população mais carente, a média, em vilas
periféricas de Porto Alegre, conforme os mesmos autores, chega a seis horas; e,
nos casos mais extremos, nas casas de crianças cujos pais e mães têm receio em
soltá-las pela rua, a televisão permanece ligada durante nove horas. Com isso, a
mídia vem se configurando como outra possibilidade pedagógica e de relação na
sociedade. Formaliza-se em um personagem com o qual nos relacionamos coti-
dianamente. Fischer (2002) afirma que, em relação à escola, à família, aos amigos
e aos meios de comunicação, a mídia vem se estabelecendo com uma importância
maior na constituição dos sujeitos.
A mídia, conforme Guareschi e Biz (2005), ocupa grande proporção e im-
portância no cotidiano; ela contribui na construção de realidades, cria e legitima
valores que levam as pessoas a agir. Assim, torna-se responsável pela pauta das
discussões diárias entre as pessoas, formalizando-se significativamente na pro-
dução de subjetividades. A proporção adquirida pela mídia na sociedade contem-
porânea tem relação muito próxima com a emergência das novas tecnologias. Os
mesmos autores afirmam que o avanço tecnológico foi responsável por trazer mo-
dificações em três dimensões essenciais para os seres humanos: “da distância, do
espaço e do tempo” (GUARESCHI; BIZ, 2005, p. 46). O mundo moderno estru-

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tura-se na rapidez de informação, no encurtamento das distâncias, na facilidade


de acesso, na espetacularização dos acontecimentos, no investimento maciço do
capital regulando as atmosferas de vida e na promulgação do consumo. Consu-
mo é aqui entendido não só como de bens materiais, como também consumo do
corpo, de formas de vida que geram prazer, proporcionando satisfação imediata,
como afirma Lipovetsky (2004).
Para Virilio (1996a, 1996b), a tecnologia nos afeta independentemente do
que fazemos. Atinge-nos principalmente na aceleração. Se amplificamos a questão
da aceleração e a transpomos para a prática diária das informações, o que se cria
é um desinteresse no conteúdo do que sabemos, mas um interesse em saber mais
rápido do que os outros. Segundo o autor, a sociedade está perdendo em conteúdo e
ganhando em rapidez. Ao direcionarmo-nos para o papel do jornalismo e sua veicu-
lação de notícias, nesta sociedade da rapidez, estamos menos preocupados em ex-
plicar e interpretar do que em divulgar a informação o mais rapidamente possível.
Fischer (2001b) diz que a mídia, por constituir-se em uma instância pro-
dutora de subjetividades, é entendida como a experiência que o sujeito faz de si
mesmo. Dessa forma, por meio da circulação de realidades e verdades, o sujeito
experimenta situações, sentimentos, possibilidades que servem para produzi-lo.
A autora refere que, entendendo a mídia como produtora de sujeitos, os meios
de comunicação são veículos de circulação e produção de valores e concepções,
relacionados a um aprendizado cotidiano de quem nós somos. Assim, existe a
possibilidade de entender a mídia como um local de veiculação de discursos, os
quais estão associados a modos de ser, pensar e se relacionar com o mundo.

Sobre qual contexto da pesquisa se fala


Analisando o discurso da mídia como produtora de sujeitos jogadores de
futebol profissional, Carvalho (2005) afirma que o espaço destinado para este
esporte nos periódicos de Campinas possui uma abrangência de 78 % do total
do caderno de esportes. Por intermédio do conteúdo visibilizado sistematica-
mente e com tal abrangência, contribui-se para a construção do futebol como
instituição esportiva, mas, principalmente, para a produção dos modos de ser
jogador de futebol profissional.
Antunes (2004) afirma que, com a invenção da imprensa esportiva no come-
ço do século passado, o jornal transformou o jogo de futebol em notícia, ampliando
sua repercussão e importância na vida das cidades e do país. Com esse invento, a
promoção do futebol, o falar sobre o esporte, fez com que crescesse o interesse da
população em praticá-lo e vê-lo, contribuindo diretamente para a constituição do
fenômeno de massa que é hoje. O mesmo autor, referindo-se ao jornalista Mario
Filho,4 menciona que este, na década de 50, ao acrescentar dramatismo e paixão nas
reportagens sobre o futebol, causou mudanças nesse esporte, contribuindo para a
aproximação do torcedor com o jogador e o clube e fazendo com que o profissional
passasse a ser considerado, muitas vezes, como ídolo ou superstar.

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Mídia e a produção do sujeito jogador de futebol profissional

Aproveitando-se da figura do jogador de futebol como grande astro na


contemporaneidade e com papel destacado para os processos de identificação e
subjetivação, King, citado por Simpson (1994, p. 21), afirma que:
Os astros detêm um importante controle sobre a
representação das pessoas em sociedade, e a forma como
eles são representados nos meios de comunicação de massa
irá exercer algum tipo de influência (mesmo que apenas
de reforço) sobre seu modo de ser em sociedade. Os astros
ocupam uma posição privilegiada na definição dos papéis e
tipos sociais, e isso acarreta consequências reais em termos
de como as pessoas acham que podem e devem se comportar.

A partir dessa concepção de análise sobre o discurso da mídia, Pilotto (2003)


comenta que a fabricação de ídolos esportivos ocorre em um processo que envolve
publicação sistemática de artigos, textos publicitários, narração de jogos, comen-
tários de especialistas, pondo em destaque qualidades e atributos distintos desses
sujeitos, que os configuram como especiais. Dessa forma, a mídia, ao expor dema-
siadamente atletas, ao falar sobre esportes, ao visibilizar as notícias desse espectro,
cria verdades e realidades, produzindo o sujeito jogador profissional do futebol.
A importância do discurso da mídia para a configuração do futebol con-
temporâneo e para a produção do sujeito jogador profissional desse esporte foi o
ponto de partida para a análise das reportagens da mídia impressa do caderno de
esportes do jornal Zero Hora. O objetivo foi buscar o que estava sendo enunciado
pelas regularidades do discurso midiático sobre essa prática. Consideramos que a
análise desse material nos possibilita algumas reflexões sobre a prática do futebol
e a produção dos modos de ser jogador profissional desse esporte.

Notas metodológicas para o desenho do estudo


A partir da análise de crônicas, reportagens, comentários de jornalistas,
cronistas e colunistas, buscamos identificar os sentidos produzidos pelo discurso
da mídia na construção de enunciados que, em articulação com campos de co-
nhecimentos distintos, posicionam os sujeitos como jogadores profissionais de
futebol. Esse exercício é constituído a partir da visibilização de quem fala, de
como se fala, do que se fala e de que lugar se fala.
No quadro abaixo, destacamos parte de alguns materiais utilizados nesta pes-
quisa, a fim de exemplificarmos a forma como os organizamos para análise dos
enunciados provenientes do discurso midiático. Por meio da análise, visualizou-se
a construção de dois enunciados principais que remetem aos significados de como
se constitui hoje o jogador profissional de futebol. Esses enunciados são: o corpo da
técnica e o corpo para o lucro. O corpo da técnica é entendido como o processo de
subjetivação em que o jogador de futebol é tomado como objeto por campos de sa-
ber através de técnicas que buscam o aperfeiçoamento dos corpos orgânicos, físico

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e psicológico. O corpo para o lucro evidencia o processo de subjetivação do atleta


como parte do sistema mercadológico do futebol, mediante investimentos para pro-
duzi-lo, deixando-o apto para a comercialização e, consequentemente, para o lucro.

O corpo da técnica
No cenário do futebol contemporâneo, a questão do corpo vai ao encontro da
lógica que rege a sociedade do consumo. Investe-se no corpo para se extrair a maior
potencialidade, o melhor rendimento; busca-se o aperfeiçoamento constante que,
por consequência, gere maior produção. Para Cagliani (2005), as marcas corporais
da sociedade contemporânea fundam-se na lógica mercadológica, expressa pela
busca da lucratividade, na qual o aperfeiçoamento técnico procura a maior produ-
ção em menor tempo. Nos modos de ser jogador de futebol profissional, o corpo do
atleta é tomado com o objetivo de deixá-lo apto para o enfrentamento da rotina de
treinos e jogos, preparando-o para produzir mais em menor tempo e, se possível, na
maior potência física possível. O corpo da técnica caracteriza-se pelo investimento
corporal na busca do aumento de produção para obtenção do maior rendimento
possível e pelo uso desse rendimento do corpo pelo mercado do futebol.
Instaura-se, a partir dessa busca de rendimento, uma tecnologia de vida que
impera sobre o modo de ser jogador profissional de futebol. Segundo Foucault
(1991; 2005), trata-se de uma tecnologia para evidenciar a confluência de dis-
positivos, situações, experiências que fazem com que as pessoas se subjetivem,
construindo-se modos de ser, falar, pensar, enfim, modos de viver. Aos corpos
dos profissionais do futebol são atribuídos deveres e obrigações na busca de ser
o melhor jogador, ganhar mais dinheiro, vencer campeonatos. Essas atribuições
imperam sobre a forma de se portar e ser, de tal maneira que não se consegue
mais pensar fora dessas atribuições para a construção de uma forma de viver.
As técnicas que trabalham o corpo também falam de uma disciplina atlé-
tica que governam os modos de ser da profissão do jogador de futebol. A partir
da análise do discurso midiático, a conformação do corpo da técnica pôde ser
visibilizada mediante a incidência de, pelo menos, três formas de tecnologias
de investimento sobre o corpo do jogador de futebol profissional: “tecnologia
de regulação orgânica”, “lapidação do corpo pelo saber da Educação Física e da
Medicina” e “normatização do comportamento pelo saber psicológico”.
As tecnologias orgânicas no esporte do futebol são utilizadas, por exemplo,
para a manutenção das dosagens enzimáticas e metabólicas e para o controle ali-
mentar. São extremamente importantes para o desempenho funcional atlético, con-
forme menciona Powers (POWERS; HOWLEY, 2000). Na busca da homeostase
orgânica, articulam-se os saberes da Medicina, da Nutrição, da Fisiologia, entre
outros, para o enfrentamento das exigências atléticas a que os jogadores de fute-
bol são submetidos. Saberes do campo de conhecimento da Nutrição contribuem
nas técnicas orgânicas, com a implementação de dietas alimentares que oferecem
fontes de energia ideais para ativar e manter o corpo energeticamente apto para as
exigências do treinamento, visando ao desempenho físico durante treinos e jogos.

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Conforme trazem Guerra, Soares e Burini (2001), o jogador de futebol


treina em intensidade moderada e alta. Devido a tal exigência, tem necessidades
energéticas diárias entre 3.150 a 4.300 Kcal. Dessa maneira, articulando-se a sa-
beres da ciência da Nutrição, a mídia visibiliza a importância de controlar a ali-
mentação dos atletas, de forma que estes se adaptem a padrões alimentícios para
apresentar o melhor rendimento possível. Na frase do preparador físico manifesta
logo a seguir, explicita-se a intenção que os clubes de futebol têm de cercar os
atletas de cuidados alimentares para que estejam aptos para o enfrentamento da
rotina de treinos: “como o clube oferece três refeições diárias, fica mais fácil con-
trolar a alimentação do grupo. Quando o treinamento ocorre em dois turnos, os
jogadores tomam café da manhã e almoçam no estádio” (RECOMENDAÇÃO...,
2006, p. 50). Mostra-se, assim, a importância de controlar a alimentação para
potencializar os resultados, afastando-se efeitos que uma má alimentação poderia
acarretar. Constrói-se, então, a necessidade de regular a alimentação do jogador
para que o fator orgânico não prejudique seu rendimento atlético.
Legitimando a compreensão sobre a necessidade orgânica do jogador de
futebol, Guerra, Soares e Burini (2001) referem que a qualidade e a quantidade
de treinos influenciam no gasto energético do jogador; logo; faz-se necessário um
acompanhamento alimentar para maximizar a performance atlética. Para os auto-
res, o glicogênio muscular tem fundamental importância na produção de energia
durante um exercício. Articulando-se a esse saber, o discurso da mídia formaliza
e legitima um padrão de alimentação adequado para suplantar a exigência do tra-
balho, construindo o sentido de que os atletas devem manter uma dieta específica
para que deles se extraiam os melhores resultados. Esse sentido, da necessidade
orgânica do jogador de futebol, produzida pelo discurso da mídia, fica explícito
na frase do preparador físico da equipe: “Elaborado pelas nutricionistas, o cardá-
pio inclui a quantidade recomendada de carboidratos e proteínas” (RECOMEN-
DAÇÃO..., 2006, p. 50). Sendo assim, a manutenção do padrão disciplinar na
alimentação dos jogadores direciona-se pela demanda orgânica que possa susten-
tar um rendimento físico cada vez melhor.
Por meio da disciplina alimentar, evidenciam-se os sentidos produzidos pelo
discurso da mídia que subjetivam o modo como o jogador deve pensar seu modo
de vida alimentar. Esse modo de alimentação que se produz passa a ser um contro-
le nutricional que mantém sua performance esportiva. A não-disciplina alimentar é
indicada como aquilo que leva a um aumento de peso e a uma baixa produtividade.
Essa questão fica evidenciada pela frase do preparador físico ao se referir sobre a
importância em seguir disciplinarmente a dieta elaborada pela equipe: “Fritas e re-
frigerante só uma vez por semana. O trabalho de reforço muscular inclui um rígido
controle sobre a alimentação do jogador” (RECOMENDAÇÃO..., 2006, p. 50).
As tecnologias que subjetivam o modo do jogador cuidar do seu corpo
são mostradas pela mídia como imprescindíveis na conformação do corpo desse
profissional, pois, para render tudo o que dele se espera, o atleta deve estar or-
ganicamente regulado dentro do planejamento da comissão técnica, segundo os

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objetivos do clube. Assim, o controle alimentar, como exemplo de tecnologia


orgânica, produz um profissional de futebol cujo corpo é entendido majoritaria-
mente como um lugar de investimento da técnica para sua capacitação atlética.
Outra tecnologia de investimento sobre o corpo do jogador profissional
é articulada no discurso da mídia pelos saberes dos campos de conhecimento
da Educação Física e da Medicina, especialmente no que se refere aos aspectos
de treinamento físico, comportamento motor e fisiológico. Metodologias de trei-
namento sofisticadas e inovadoras desses campos de saber são utilizadas como
tecnologias para trabalhar o corpo do jogador, ou seja, métodos técnico-científi-
cos são empregados na busca de um alto rendimento. Essas tecnologias visam a
maior precisão do corpo do jogador, produzindo um modo de subjetivação na for-
ma como ele passa a pensar o corpo – uma estrutura que possa buscar sempre um
desempenho cada vez melhor. A importância da tecnologia do desenvolvimento
atlético baseado na compreensão física visibilizadas pela mídia encontra-se na
frase do colunista: “Os jogadores estão recebendo tratamento especial para ga-
nhar massa muscular. [...] é absolutamente necessário no futebol de hoje, em que
o preparo físico prevalece sobre a técnica”.
A predominância do estudo do desempenho físico5 atravessa a preparação
dos atletas na busca de melhores rendimentos de uma forma decisiva, de maneira
a acelerar o processo de preparação e de recuperação dos atletas. Os artifícios
instaurados na rotina de treinamentos do futebol visam a desenvolver, além da
capacidade física dos profissionais, uma disciplina para que o jogador possa con-
trolar a qualificação de seu corpo para o esporte.
Essa exigência é visibilizada no discurso da mídia na frase do colunista
quando este se refere à importância do trabalho físico e à necessidade da dis-
ciplina de treinos para a construção de um corpo forte, apto às exigências do
esporte: “Futebol é choque. O jogador precisa estar preparado para aguentar as
trombadas”. Ou, ainda, nas palavras de outro colunista, quando manifesta o re-
sultado que a não-adesão a essa formatação física ocasiona: “Domingo era visível
a diferença de peso e estatura entre os jogadores. O resultado era inevitável: nas
divididas, quase sempre o jogador do Inter acabava no chão”.
O regime de treinamentos que visam ao aperfeiçoamento constante do corpo
dos jogadores pode fazer com que estes encarem a insubmissão à busca constante
do rendimento físico do corpo como ameaça de um possível desligamento desse
esporte. O discurso da mídia visibiliza a promoção dos jogadores com boa capaci-
tação física de alto rendimento atlético, mostrando os benefícios que eles podem
conseguir ao se submeterem às exigências físicas, o que pode ser visto nas palavras
do atleta: publicada na matéria “O verdadeiro pato” (VERDADEIRO... 2006, p.
46). “Não tenho dúvidas quanto aos benefícios do reforço muscular. Melhorei o
arranque e consigo proteger a bola com mais eficiência, além de chutar mais forte”.
A conformação desse corpo da técnica pelos investimentos das tecnologias
para uma perfeita regulação do orgânico e para a lapidação do corpo na prepara-
ção do físico é consolidada com as tecnologias do campo de saber psicológico.
A Psicologia investe na produção desse sujeito, focalizando a atuação na escuta
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Mídia e a produção do sujeito jogador de futebol profissional

de aspectos da sua vida que possam vir a incidir sobre o rendimento profissional.
Essa escuta psicológica trabalha produzindo dicotomias entre os aspectos emo-
cionais pessoais e a performance da vida profissional.
Weinberg e Gould (2001) definem o saber da Psicologia no campo do
esporte como o estudo científico dos sujeitos e de seus respectivos comporta-
mentos, no contexto esportivo, aplicando-se os conhecimentos na obtenção de
melhores rendimentos. O objetivo das técnicas psicológicas é minimizar o efeito
de questões emocionais no rendimento esportivo, em que questões psíquicas são
trabalhadas com vistas ao aumento de performance. Desta forma, a mídia articu-
la-se ao saber psicológico, visibilizando a importância dos aspectos emocionais
dos jogadores serem trabalhados para o bom desempenho nos jogos. Esse sentido
produzido pelo discurso da mídia é evidenciado na frase de um treinador, a partir
da reportagem “Habemus Pato” (HABEMUS..., 2006, p. 44) quando se refere às
possibilidades de um profissional jovem não possuir maturidade para lidar com
algum tipo de interferência sobre sua vida: “[...] é preciso deixá-lo livre, sem o
peso da cobrança. A pressão do profissional é muito diferente”.
Ao veicular a necessidade das tecnologias psicológicas no trabalho com o
jogador de futebol, o discurso da mídia constrói a importância da utilização desse
campo de saber na produção dos modos como o profissional se constitui como
sujeito desse esporte. Utilizando-se do saber da Psicologia, o discurso da mídia
circula os sentidos de que não basta somente ter qualificação técnica, excelente
rendimento físico e composição orgânica perfeita, mas que é também necessário
que o jogador esteja livre de complicações emocionais. Esse sentido é produzido
pela frase do colunista, na matéria intitulada “A boa cabeça” (BOA..., 2006, p.
10), quando se refere ao conjunto de capacidades do atleta como condição para
o êxito profissional: “Se for tudo aquilo, pelo desembaraço, qualidade técnica e
comovente simplicidade de encarar os fatos (isso que se chama de cabeça boa),
tem tudo pra tentar a façanha no mundial”.
Assim, o discurso midiático atribui ao trabalho do campo de saber da Psi-
cologia a responsabilidade de poder conter efeitos emocionais advindos de situ-
ações diversas da vida do jogador que possam intervir em conquistas esportivas
ou na manutenção dos resultados positivos, como fica evidenciado na frase do
treinador na matéria intitulada “Era jogo para Pato” (ERA..., 2006, p. 02): “se-
guiremos trabalhando a cabeça e dizendo que é mais um no grupo” (SEGUIRE-
MOS..., 2006, p. 2). Por meio dessas articulações do discurso da mídia com o
campo psicológico, podem-se identificar os modos de o profissional se subjetivar
como sujeito jogador, junto a perfeita regulação do orgânico e a lapidação do
corpo na preparação do físico.
A construção dos modos de subjetivação do jogador de futebol profissional
que configura esse esporte na sociedade contemporânea encontra, portanto, no
enunciado do corpo da técnica, não só a lógica de estruturação e funcionamento
desse esporte, mas a forma de inserção e sustentação para competir e lucrar no
mercado do futebol. Assim, a produção da construção do corpo da técnica passa
a produzir também a construção do corpo para o lucro.

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O corpo para o lucro


Na produção do mercado do futebol, os clubes têm como uma das preo-
cupações centrais o investimento na produção de jogadores, principalmente no
que diz respeito ao corpo, no que possa ajudar no rendimento em competição e
no sucesso do profissional. Os investimentos feitos nos corpos dos jogadores e
visibilizados pelo discurso da mídia são produzidos a partir das tecnologias que
incidem sobre o corpo atlético, visando a aperfeiçoá-lo, não só para as exigências
atléticas, como também para o desenvolvimento do profissional. Preparando os
corpos tecnicamente para o rendimento esportivo, essas tecnologias buscam um
corpo que possa competir no mercado do futebol, principalmente para que traga
lucratividade para o clube. Ou seja, além do rendimento atlético cedido pelo pro-
fissional ao clube, o corpo, produzido como forte e bem preparado, também passa
a ser um produto para o futebol.
Sobre esse mercado esportivo, Fraga (2000) discute que os investidores exi-
girão dos atletas rendimentos compatíveis com o capital neles investido e que a
quantidade de incentivos endereçados aos jogadores estará vinculada à possibilida-
de de conquistas esportivas. Tais conquistas não necessariamente vão se restringir
ao desempenho nas competições; elas também vão se dar pelo modo como é pro-
duzido e apresentado o jogador de futebol profissional. Nesse caso, a forma como
é apresentado o corpo do jogador também se torna um produto envolvido nas con-
quistas do esporte. Como exemplo, basta ater-se à grande quantidade de comerciais
realizados com as imagens dos jogadores de futebol que atraem consumidores,
compradores de diferentes populações, gerando lucro para o jogador e para o clube.
Leoncini e Silva (2005), em relação ao mercado do futebol e à movimen-
tação de capital nesse esporte, citam dados do relatório final do plano de mo-
dernização do futebol brasileiro, da Fundação Getúlio Vargas, os quais afirmam
que, em âmbito mundial, o futebol movimenta anualmente cerca de 250 bilhões
de dólares. Nesse movimento de capital financeiro, incluem-se as somas prove-
nientes principalmente da mídia, dos clubes, das federações, das indústrias de
equipamentos esportivos, de patrocinadores e de agentes direta ou indiretamente
envolvidos na produção do incentivo ao lucro no futebol.
O investimento no mercado do futebol é, também, enfatizado em tempos
de copa do mundo, quando grandes patrocinadores se envolvem com esse esporte
e, por consequência, muitos jogadores passam a aparecer nos mais diferentes
tipos de comercialização de mercadorias. Essa questão é tomada pelo discurso da
mídia ao mostrar a distribuição de 591 bilhões de reais, na última Copa do Mundo
para a premiação dos vencedores (PREMIAÇÕES..., 2006, online). A partir des-
se enunciado, passa-se a produzir o sentido sobre o corpo do jogador de futebol
como aquilo que atrai e vende para competir na geração de lucros e capital.
Cagliani (2005) afirma que a configuração da sociedade atual está base-
ada na lógica lucrativa, e pensando o mercado do futebol como um vetor, um
eixo desta sociedade, podemos ver os corpos dos jogadores como mais um pro-
duto utilizado para legitimar a lógica mercadológica. Os sentidos que a mídia

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Mídia e a produção do sujeito jogador de futebol profissional

produz sobre a utilização do corpo do jogador de futebol, como produto para


incentivar o mercado, são um modo de produção do atleta desse esporte. Ao ser
subjetivado a partir desses sentidos, o atleta passa a pensar o corpo para além
do rendimento dentro de campo, ampliando-o para o modo como ele tem que se
posicionar como sujeito jogador de futebol.
Essa produção dos modos de subjetivação do jogador de futebol profissio-
nal é ilustrada pela frase do comentarista, sob o enunciado de sua crônica “Surge
uma estrela” (SURGE..., 2006, p. 11), ao referir que o rendimento pretendido e
valorizado pelo mercado, com o desempenho do corpo atlético, proporciona lu-
cro a partir da avaliação do corpo dos jogadores: “tem muita técnica, velocidade
de execução e domina bem todos os fundamentos. Chuta bem com os dois pés,
cabeceia bem e tem explosão muscular”. Nesse caso, todas essas características,
mas principalmente a explosão muscular, são vistas como qualificação do corpo
do jogador de futebol profissional que atrai esse mercado.
A produção de sentidos pelo discurso da mídia, em que o corpo do atleta
é também um corpo do lucro, um corpo que atrai, é produzida na matéria, “O
acerto de pato sai amanhã”, nas palavras de um colunista: “O valor da transação
chegará aos 11 milhões de euros. Se tornará o mais caro jogador gaúcho de to-
dos os tempos. [...] o atacante é o novo alvo da multinacional para integrar seu
time de craques” (ACERTO... 2006, p. 47). A construção de corpos como sendo
capazes de gerar lucros e atrair fazem com que todo o mercado econômico da
área esportiva se mobilize em busca desses corpos para garantirem lucros. Além
dessa produção e mobilização, por parte do mercado econômico, na busca de
um corpo que gere lucro e que atraia, o discurso da mídia na atribuição de signi-
ficados aos sentidos que são produzidos em relação ao corpo, produz, também,
modos de o atleta se subjetivar como jogador deste esporte. Ou seja, este passa a
pensar que, para ser bom jogador e ter condições para competir, deve-se também
ter um corpo que gere lucros e que atraia.
Em uma crônica intitulada “Manual das celebridades” (MANUAL...,
2006, p. 52), o autor remete à produção de cuidados do corpo e às formas de
viver das celebridades, sendo estas, em sua maioria, jogadores de futebol: “é um
jogo de esconde-esconde, no qual as celebridades fingem que se incomodam com
o assédio, mas torcem para que suas extravagâncias sejam divulgadas”. Em outro
trecho da crônica, o autor refere-se diretamente ao desempenho de um atleta,
descrevendo situações em que o jogador deve produzir um determinado modo de
vida para se tornar atrativo ao público: “Os milhões começam a chegar às contas.
Não é mais possível andar como um desconhecido pelos corredores dos centros
comerciais, nem atender todas as ligações que chegam”.
Porém, ainda na crônica de celebridades esportivas, o autor indica que o
corpo que passa a ser atrativo e que gera lucro se submete também a determinadas
situações por ser cobiçado, fato que pode lhe trazer riscos, mas que é lucrativo
para outros mercados: “Entram em cena as empresas de segurança. Qualquer
passo da celebridade, a partir de agora, tem de ser orientado pelas normas dos
agentes especiais” (MANUAL..., 2006, p. 52). Assim, também o discurso da mí-

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Marcos Daou; Neuza Maria de Fátima Guareschi; Marcos Adegas de Azambuja

dia produz os sentidos que fazem com que o jogador de futebol passe a produzir
modos de como planejar e organizar a vida, como o de se proteger, de se precaver,
de modificar hábitos cotidianos, ou como circular à vontade em público.
Todas essas produções em relação ao corpo do jogador como um corpo
que gera lucro, um corpo capital, também são associadas ao corpo que vence: o
corpo do vencedor. Guerra (2005), ao comentar sobre o investimento que uma
empresa patrocinadora de uma equipe de futebol realizou para a contratação de
um grande jogador, justifica a escolha do atleta pelo fato de este possuir uma das
carreiras mais vencedoras do futebol brasileiro, mesmo sendo conhecido como
indisciplinado. O critério de um grande jogador e de um grande vencedor não é
só fundamentado no desempenho técnico no esporte, mas também no corpo do
jogador que se mostra vencedor nos modos de vida ou na forma como mostra os
modos de viver. Esse sentido, produzido pela mídia, de associar o corpo do ren-
dimento ao corpo que vence fica evidenciado, por exemplo, a crônica “Lá vem o
Pato”, quando o cronista condiciona a atuação vitoriosa ao investimento no atleta:
“No seu primeiro jogo como profissional, jogador de 17 anos marca gol e faz
jogada de outros dois. Estrela para o Japão mostra porque é diferente e justifica
o investimento realizado” (LÁ..., 2006, p. 48). Outro discurso proferido pelo co-
mentarista legitima essa questão ao analisar os desmembramentos que a vitória e a
atuação decisiva em uma partida tiveram em termos de modificações contratuais,
propiciando maior lucro para o clube com o desempenho desse corpo: “Deu passe
de calcanhar, fez gol e acertou um cabeceio na trave. Se não houvesse a renovação
do contrato, hoje estaria sendo vendido por uma ninharia de 4 milhões de reais”.
Assim, fica visível o modo de produção de ser jogador de futebol – no senti-
do de que os corpos possam ser pensados para o alto rendimento e geração de lucro
e de que as técnicas existentes invistam nesses corpos tendo em vista esses obje-
tivos. Isso vem a subjetivar o jogador profissional de futebol, ou seja: além de se
deixar incidir por técnicas que produzem o alto rendimento no corpo e por técnicas
de mercado para que esse corpo gere lucro, o jogador também vê se construir em
todas estas estratégias o modo de pensar a vida enquanto sujeito jogador de futebol.
Então, por meio da análise do material midiático referenciado para este
estudo, fica visibilizada, além da produção do corpo da técnica, atrelado a tecno-
logias de investimento que produzem esse corpo, também a produção do corpo
para o lucro. As tecnologias que regulam o funcionamento orgânico, a lapidação
do físico e o trabalho psicológico na busca da excelência para o rendimento es-
portivo conformam o corpo da técnica para fins da produção de um corpo para o
lucro. Tanto o corpo da técnica quanto o corpo para o lucro são mostrados pelo
discurso da mídia, que por sua vez contribuem na produção dos sentidos sobre o
modo como se deve pensar, ver, ser e entender o jogador de futebol profissional.

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Mídia e a produção do sujeito jogador de futebol profissional

Notas
1
Este artigo é proveniente da dissertação de mestrado de Marcos Daou (2007).
2
Zero Hora é um jornal publicado diariamente, com grande circulação no estado do Rio Grande
do Sul. O periódico faz parte do núcleo jornalístico da RBS (Rede Brasil Sul), filiada da Rede
Globo de telecomunicações. Como tal, caracteriza-se como forte veículo de comunicação.
Apresenta-se editado em cadernos que abordam assuntos do cotidiano, como política, cultura,
esportes, etc. Possui colunistas e repórteres que expressam suas opiniões, debatem e noticiam fatos
e acontecimentos em nível regional, nacional e internacional.
3
O Sport Club Internacional foi fundado em 4 de abril de 1909, pelos Irmãos Henrique, José e Luis
Poppe, vindos de São Paulo. De família italiana, os irmãos resolveram homenagear seus pais,
batizando o clube com o mesmo nome da equipe pertencente à cidade deles: Internazionale de
Milão. O clube surgiu devido a constantes negativas que recebiam ao quererem se juntar a algum
clube de Porto Alegre. Em virtude disso, resolveram fundar o próprio clube. O internacional é
conhecido como clube do povo, pois foi fundado e, primeiramente, frequentado por imigrantes
paulistas e por jovens de menor prestígio da sociedade porto-alegrense. Além disso, foi o
primeiro a receber em seu quadro social e atlético pessoas negras e de menor poder aquisitivo, em
comparação com a agremiação rival, Grêmio Futebol Porto-alegrense.
4
Mario Filho foi um jornalista carioca que inovou a maneira de se fazer jornalismo esportivo,
principalmente nas décadas de 1930 e 1940, por acrescentar sentimentos pessoais nas reportagens
que produzia. O Maracanã, estádio de futebol que recebeu a final da Copa do Mundo de 1950,
possui o nome deste jornalista em homenagem ao seu trabalho.
5
Como exemplo de algumas técnicas utilizadas pelas ciências da Medicina, Educação Física e
Fisioterapia, que formam este campo, destacam-se: a crioterapia, que atua sobre o corpo para
aliviar a fadiga e recuperar a musculatura para a rotina de trabalho; a utilização da prescrição de
exercícios por meio da medição do lactato; e o uso do global positioning system (GPS) para se ter
maior precisão no rendimento físico dos atletas.

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