As Seis Teses Equivocadas Sobre Conhecimento Científico
As Seis Teses Equivocadas Sobre Conhecimento Científico
As Seis Teses Equivocadas Sobre Conhecimento Científico
Ensaio
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Resumo__________________________________________________________________
Este ensaio se propõe a discutir as principais cristalizações acerca do conhecimento científico. Para
tanto, optamos por tomar como ponto de partida seis teses equivocadas, quanto tanto o senso comum,
quanto a própria comunidade académica costumam atribuir ao conhecimento cientifico. Trabalhar as
teses equivocadas foi também uma questão didáctica para facilitar a compreensão do nosso objecto de
estudo. Esperamos assim auxiliar na distinção da fronteira entre o conhecimento científico e outros
tipos de conhecimentos (religioso, Metodologia cientifica, Filosofia, etc.). O método utilizado foi a
pesquisa científica com ênfase na área de ciências sociais, Metodologias cientifica e filosofia.
Introdução_____________________________________________________________
Definir conhecimento, sem dúvida, é uma tarefa árdua. Não obstante, a complexidade do
tema, defrontamo-nos também com as impressões equivocadas sobre o conhecimento
científico, as quais terminam impregnando o discurso sobre ciência. Não se trata de defender
que existe uma polissemia do termo ciência. Talvez até haja. A primeira tarefa para tentarmos
triblarmos esse inimigo oculto, diluído no discurso pelo menos três séculos, é tratarmos de
conhecimento cientifico e não de ciência apesar que no fundo acabamos falando da mesma
coisa. Nossa pretensão neste trabalho é auxiliar de alguma forma na clarificação do
conhecimento científico e desmistificar alguns argumentos que foram construídos acerca do
fazer científico.
Entretanto, diluído nesse discurso há também uma pista muito vaga do que seja conhecimento
científico. Na verdade, o que fica no senso comum é que esse conhecimento é distante,
especial, talvez quase tão magico quanto o próprio pensamento magico.
O número seis é igualmente misterioso. Contudo, também esse número era claro para
Pitágoras brilhante filósofo e matemático da Grécia antiga que descobriu as correspondências
numéricas às ordens da realidade. O que podemos afirmar é que chegam a esse número por
outras razões alem do que colocamos a cima. O número seis de facto sintetizou os principais
equívocos cometidos quando o assunto é ciência.
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Qual é o objectivo do conhecimento? Explicar a realidade ou pelo menos parte dela. Essa tese,
sem dúvida, é uma das mais comuns quando estamos tratando da ciência. Contudo ela se
configura como um tremendo equivoco. Essa crença talvez resida no facto dos próprios
fazedores da ciência que disseminam o tão importante rigor de suas pesquisas e dos seus
métodos de verificação e de interpretação da realidade.
Fancis Bacon apud Alves (1993), já afirmava a necessidade de confiar nos sentidos para se
compreender a natureza. O discurso do rigor metodológico, que revela consigo a ditadura do
método, é que o conhecimento científico traz como garantia para a validade dos seus
resultados. Sem dúvida, são os procedimentos metodológicos rigorosos do conhecimento que
o diferencia dos outros conhecimentos.
Entretanto, é preciso dizer que o conhecimento científico não é a única forma de conhecer o
mundo e a realidade que nos rodeia. E nem mesmo é o único conhecimento válido e
confiável. Outros conhecimentos como o religioso, o filosófico e o senso comum trazem
consigo explicações do mundo baseadas em seus próprios métodos de verificação e
interpretação da realidade que certamente não tomaram emprestados do conhecimento
científico até porque eles vieram bem antes desse último. Nenhum conhecimento nos permite
olhar para um fenómeno e explica-lo em toda sua complexidade, nem mesmo o conhecimento
científico. E mesmo que, por aventura, conseguimos esgotar todas as explicações acerca de
um único fenómeno, seria apenas um único fenómeno de uma realidade grandiosa e
complexa.
De acordo com Demo (1995), até mesmo esse “recortte” da realidade que preparamos para
investigação científica não é mais a realidade. O recorte é um olhar que lançamos para a
realidade para percebermos melhor como funciona um determinado fenómeno. Em fim, o
conhecimento científico já viveu diversas mudanças de paradigmas. Antes das descobertas de
Francesco Redi, por exemplo, os biólogos acreditavam no fenómeno da criação espontânea.
Os cientistas davam como exemplo o “nascimento” espontâneo das moscas de dentro de
carnes em putrefacção, do lixo, de roupas sujas. Francesco Redi colocou a prova esse
paradigma. Foi então que ele fez experimento com carnes em vidros abertos e em vidros
fechados, só surgiram moscas nas carnes que estavam em vidros abertos. Esse experimento
derrubou por terra o argumento da criação espontânea.
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A idade Media ficou conhecida como idade das trevas. Entre outras razões esse título deve-se
ao pouco desenvolvimento do conhecimento sobre o mundo nesta época. Esse período foi
considerado como um período de estagnação, especialmente no que tange à explicação da
realidade. Mascamos o nascimento do conhecimento científico no fim da idade média, quando
chegamos à luz. Sem dúvida, o desenvolvimento científico e tecnológico contribuiu e muito
para a humanidade sair dessas trevas. Mas a relação não é tão directa assim.
Essa tese está equivocada porque, em primeiro lugar, o conhecimento científico Não salvou o
mundo, ate porque o mundo não estava precisando ser salvo! Antes do surgimento do
conhecimento científico existiam outras formas de interpretar a realidade; e formas tão
importantes quanto qualquer outra, como as que já citamos antes: religião, senso comum,
filosofia. Em segundo lugar, não é certo afirmar que o mundo estava no obscurantismo. A
idade média pode até ter ficado conhecido como um período de estagnação, é muito provável
que essa sensação tenha sido fortalecida pelo discurso iluminista, que aconteceu a importância
do progresso científico e tecnológico em detrimento do conhecimento mágico e religioso.
Tese número 3: O conhecimento científico é somente aquele que pode ser provado e
reproduzido em laboratório.
Essa tese revela uma dicotomia que existe dentro da própria comunidade científica. Essa
dicotomia certamente já foi mais forte, especialmente no século XX, mas ela ainda persiste. A
discussão que vamos travar agora tem a ver com métodos. Mais precisamente as diferenças
entre os métodos das ciências naturais e os métodos das ciências humanas. O nascimento do
conhecimento científico se dá primeiro pelas pesquisas das ciências naturais. Temos aí o
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Na verdade, o conhecimento científico nasce, portanto, sob a toca dos métodos dos
positivistas das ciências naturais. Esses métodos tinham como base a observação atenta da
natureza e as reproduções desses fenómenos da realidade em laboratórios. Até aqui esta tudo
bem, nenhuma critica quanto aos métodos quantitativos. Na verdade, retocar essa tese
dizendo: “conhecimento científico é também aquilo que pode ser provado e reproduzido em
laboratório”.
Entretanto, nem todo conhecimento pode ser reproduzido em laboratório. E a partir de agora
trazemos as idiossincrasias das ciências humanas. Por volta do século XIX, depois da
Revolução Francesa e Revolução Industrial, surgem pesquisas modernas das ciências
Humanas fortemente amparadas pelos métodos positivistas das ciências naturais.
O foco era o homem e sociedade, mas os métodos utilizados para as pesquisas modernas das
Ciências Humanas não apresentam diferença aos das ciências naturais. Contudo, esse facto
não durou muito tempo. Logo no inicio do século XX, boa parte das disciplinas das
Humanidades já tentavam desenvolver seus métodos próprios, respeitando das características
do objecto. Percebeu-se então que não era possível reproduzir a Revolução Francesa em um
laboratório, por exemplo. As pesquisas das Ciências Humanas seguem métodos científicos
rigorosos e seus resultados têm o mesmo respeito e validade que os das ciências naturais.
Ambas, estão sujeitas a mudanças e revisão de paradigmas. Seus métodos buscam na medida
do possível respeitar a necessidade dos seis objectos. Assim colocado, nem todo
conhecimento científico pode ser provado e reproduzido em laboratório. Nem tudo o que é
das ciências naturais pode ser provado e reproduzido em laboratório e muito menos o que se
produz em ciências Humanas.
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Tese número 4: A ciência é mais confiável porque está livre do senso comum
Como dissemos antes, o conhecimento científico não é única forma de conhecer o mundo.
Aliado a ele existem outras formas de conhecimento como o religioso. Mas, afinal o que é
senso comum e o que é ideologia? Ora, qualquer um, de uma maneira ou de outra, é capaz de
compreender o mundo pela mera observação. Pela mera observação, por exemplo, o indivíduo
sabe que o sol nasce todos os dias sem precisar estudar física nem astronomia para entender
isso. Esse tipo de observação chama-se senso comum. Ao passo que a ideologia significa o
mundo a partir da justificação do poder. O carácter ideológico é pretensioso e tente a encarar a
realidade de forma como gostaria que fosse.
O problema dessa tese é que a pesar desses conhecimentos serem diferentes, eles se servem
muito um do outro. A ideologia, por exemplo, pode se utilizar de conhecimento científico
para elaborar um discurso que justifique uma posição. Assim. Com o conhecimento científico
lança mão da ideologia e o senso comum como diz Demo (1995: 18), “a ciência está cercada
de ideologia e senso comum, não apenas como circunstancias externas, mas como algo que
esta já dentro do próprio processo científico, que é incapaz de produzir de conhecimento puro,
historicamente não contextualizado”. Essa afirmavam de Pedro Demo implica, por exemplo,
que a escolha do objecto que o conhecimento vai escolher para analisa leva em conta tanto o
senso comum, quanto a ideologia.
Por uma parte, essa tese esta correcta quando diz que a religião propõe dogmas. Isso acontece
porque o conhecimento religioso tem um procedimento diferente do conhecimento científico
visto que o conhecimento religioso demanda fé dos que crêem. Os dogmas religiosos existem
e dificilmente mudam porque não se trata de um conhecimento posto a prova todo o tempo.
Já o conhecimento científico não propõe dogmas ou pelo menos não deveria. As teses
científicas precisam ser discutidas porque só assim o conhecimento pode se desenvolver.
A tese também esta equivocada porque nem sempre isso acontece na ciência. O conhecimento
cientifico já produziu inúmeros dogmas, que foram difíceis de serem rompidos. Um exemplo
é o caso da física que no final do século XIX, os físicos acreditavam que não existia mais
nada para se pesquisar neste campo porque as pesquisas já haviam esgotado. Passaram alguns
anos pensando assim e tratando esta esfera do conhecimento como estando totalmente
acabada e decifrada pelo homem. O clima de opinião continuou assim até Albert Estein
recobriu que o átomo não era indivisível. As pesquisas de Einstein causaram polémica, alem
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de uma crise no mundo da física. A física quântica veio reconhecer que só pouco sobre o
mundo atómico ainda é conhecido. Chalmers (1995) acredita que as verdades científicas
muitas vezes se colocam como dogmas. Não permite discutir. Muitas vezes os seguidores de
Marx fizeram isso com o marxismo. Por tanto, essa tese é equivocada porque seria muita
pretensão da ciência propor a libertação. Muitas vezes a ciência propõe dogmas porque a
própria dialéctica da produção científica esta sujeita a isso.
Esse é muito provavelmente o erro mais comum sobre o conhecimento científico. Neste
equívoco, talvez resida a preocupação de dar à ciência a mesma segurança que a religião dá
aos seus seguidores. Entre tanto, isso é impossível. Nada no conhecimento científico é
indiscutível.
A verdade científica é mutável, fluida e perde sua essência se propor a virar um dogma.
Segundo Demo: “… conhecimento científico é o que busca fundamentar-se de todos os
modos possíveis e imagináveis, mas mantém consciência crítica de que alcança este objectivo
apenas parcialmente, não por defeito, mas por tessitura própria do discurso científico; todo
argumento contém componentes não argumentados, assim como toda estruturação lógica
encobre pessoas menos lógicas, alguns até mesmo ilógicos; essa aparente precariedade é, no
fundo, sua grande virtude, porque retira daí sua formidável capacidade de aprender e de
inovar-se; as fundamentações precisam ser também feitas que permitam ser desmontadas e
superadas” (Demo, 2000: 29).
Como dissemos antes, a produção científica é dialéctica. As verdades de hoje são substituídas
pelas novidades do amanhã. Não só o cenário da realidade muda, como muda também nossa
própria forma de ver o mundo, mudam os métodos de interpretar essa realidade; por isso, o
conhecimento científico é mutável, discutível. Não fossem assim, não precisaríamos fazer
mais ciência, considerando que já teríamos a mão de todo o conhecimento necessário.
Contudo, precisamos sempre pesquisar, não só porque a realidade é ampla e complexa e não
detemos todo o conhecimento sobre o mundo, mas também porque o que já conhecemos sobre
os fenómenos da realidade é insuficiente e discutível.
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Conclusão
Esse ensaio teve como objectivo principal discutir as principais teses equivocadas sobre o
conhecimento científico. Essas teses impregnam tanto o discurso do senso comum, quanto o
próprio da comunidade científica e são reproduzidas com ares de verdade.
Nossa pretensão foi colocar o conhecimento científico no lugar dele, considerando que ele
não é a única forma de se conhecer a realidade do mundo e nem mesmo é o mais verdadeiro.
O conhecimento científico atende a uma demanda das sociedades contemporâneas que
necessitam ampliar o conhecimento sobre a natureza, sobre o homem e sobre a vida em
sociedade. Nesse sentido, submete-se a um rigor maior do que os outros conhecimentos.
Contudo, esse rigor metodológico não é sinónimo de infalibilidade.
Por isso, é preciso enfatizar que o conhecimento científico é discutível. Não pela mera
polémica, mas discute-se uma tese porque se chega a outra melhor elaborada. Não é a crítica
pela crítica. Mas, como Pedro Demo bem colocou é a crítica e autocrítica porque só assim é
possível ter as alterações, revisões e substituições dos paradigmas.
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Bibliografia
_______. (1995). Metodologias de conhecimento científico. (3ª ed.). São Paulo: Editora Atlas.