DesenvolvimentoSistemaDidático MarcelinoJunior 2014
DesenvolvimentoSistemaDidático MarcelinoJunior 2014
DesenvolvimentoSistemaDidático MarcelinoJunior 2014
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Natal
2014
CRISTIANO DE ALMEIDA CARDOSO MARCELINO JR.
Natal
2014
Divisão de Serviços Técnicos.
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do NEPSA / CCSA
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Profº Dr.Isauro Beltrán Nuñez
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(Orientador)
________________________________
Profa Drª Analice de Almeida Lima
Universidade Federal Rural de Pernambuco
(Examinadora Externa)
_____________________________________________
Profº Dr Ricardo Oliveira da Silva
Universidade Federal de Pernambuco
(Examinador Externo)
_____________________________________________
Profa Dra. Josivania Marisa Dantas
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(Examinadora Interna)
_____________________________________________
Profª Drª Profa Dra. Ana Cristina Facundo de Brito
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(Examinadora Interna)
Natal
2014
Dedico este trabalho aos meus amores, Juliana
(esposa), Davi e Lucas (filhos), pelo incentivo
constante e por compreenderem a
complexidade das contradições dessa minha
formação, simplesmente, por meio de um amor
incondicional
AGRADECIMENTOS
A Deus, que no amor me faz valorizar a vida material como parte de uma vida espiritual.
Ao Prof. Dr. Isauro Beltrán Núñez, pela orientação, pela dedicação, pela paciência e pela
amizade, minha profunda gratidão.
Aos meus pais, pelo amor demonstrado ao longo da minha vida.
À minha família, tias, irmãos, sogra, cunhados e sobrinhos.
Ao Colegiado de Coordenação Didática do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGEd-UFRN).
À Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), em especial ao Departamento de
Química, pelo incentivo ao investimento em minha formação profissional continuada.
A CAPES, pela disponibilização da bolsa de estudo por alguns meses, que ainda assim tornou
se tornou extremamente útil.
Aos membros da banca examinadora.
Aos colegas do grupo de pesquisa, em especial a Francesco Araújo Lopes e Antonia Batista.
Aos professores e técnico-administrativos do PPGEd-UFRN.
À Profa Dra Edenia Maria Ribeiro do Amaral, pela amizade, solidariedade e incentivo, antes e
ao longo desses anos de doutorado.
À Profa Dra Rejane Martins Novais Brarbosa, pela amizade e pelo incentivo ao ensino e à
pesquisa em educação química, e a ingressar e concluir o doutorado.
À Profa Dra Kátia Cristina de Freitas Silva, diretora do DQ-UFRPE, pelo incentivo,
demonstrado ao longo desses anos de doutorado.
Aos colegas de departamento, Profa Dra Maria Angela Vasconcelos de Almeida, Prof. Dr.
Marcelo Brito Carneiro Leão, Profa Dra. Angela Fernandes Campos, Profa Dra Claudia
Cristina Cardoso e Profa Dra Flávia Christiane Guinhos, pelo incentivo ao ingresso no
doutorado e por viabilizarem a minha formação continuada, em exercício.
Aos professores e funcionários técnico-administrativos do Departamento de Química da
UFRPE.
Aos licenciandos em química da UFRPE, que continuam me motivando a procurar ser um
bom professor, um bom profissional do ensino.
Ao Prof. Dr. Alfredo Arnóbio Gama, pelo apoio dado ao longo do meu curso de graduação,
que ainda servem de estimulo à vida acadêmica.
À Profa Dra Simone Maria Gonçalves Cruz, orientadora de iniciação científica, por me
incentivar a ser um professor-pesquisador.
Ao Prof. Dr. Antonio Euzébio Goulart Sant’Ana, meu orientador de mestrado, pela amizade e
pelo incentivo científico que me deu à pesquisa.
Ao Prof. Dr Sérgio Maia Melo, por acreditar na minha capacidade, incentivando-me
profissionalmente ao ensino, à pesquisa e à divulgação científica.
Aos moradores e moradoras da Rua João Sales de Menezes, por compartilharem momentos de
luta em prol do bem-comum, que repercutiram na minha motivação para a pós-graduação.
A todos, que de alguma forma contribuíram para o desenvolvimento desse trabalho.
E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos pela renovação do vosso
entendimento [...] Rm12.2a
RESUMO
Este estudo apresenta o desenho de um sistema didático para servir como referência à
atividade de ensino de professores de química, no que diz respeito à formação da habilidade
de explicar as propriedades dos isômeros. Partiu-se do pressuposto que a formação dessa
habilidade generaliza uma habilidade mais ampla, de explicar as propriedades das substâncias,
e permeia a relação dialética entre a atividade formativa inicial e a atividade profissional do
professor de química. Assumiu-se o materialismo dialético e histórico para orientação teórico-
metodológica geral do estudo. Dos seus fundamentos se alicerça a teoria de formação
planejada das ações mentais e dos conceitos, proposta por Piotr Yakovlevich Galperin (2001),
tomada como a base para as posições efetuadas no plano epistemológico, psicológico e
pedagógico. Nina Talízina (2009, 1987) e Isauro Beltrán Núñez (2009, 1999, 1992) também
se destacam como os outros dois principais autores utilizados para compor o referencial
adotado. Para subsidiar a concepção e o desenvolvimento do sistema didático, realizou-se
uma investigação da abordagem do conteúdo isomeria nas seguintes fontes: i) livros de
química orgânica de diferentes níveis de ensino; ii) provas de sistemas de avaliação seriada
(SSA) de universidades públicas e do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM; e iii)
documentos oficiais do sistema educacional brasileiro. Os resultados das análises permitiram
verificar que a isomeria é um conteúdo tradicional e oficialmente instituído no País, mas que
tem sido negligenciado pelo ENEM e recebe um tratamento nas provas dos SSA similar ao
apresentado nos livros didáticos do ensino médio. De um modo geral, as estruturações
seguidas pelos livros guardam diferenças na quantidade de conteúdos contemplados, de
acordo com o nível de ensino, e seguem uma sequência linear e desarticulada. O sistema
didático proposto teve os seus objetivos diretamente relacionados a indicadores qualitativos,
voltados ao planejamento, à orientação, à execução e ao controle do processo formativo da
habilidade geral e à avaliação do seu desenvolvimento. A determinação do conteúdo foi
realizada pela aplicação do método teórico da atividade, considerando a correspondência entre
a competência formal do licenciado de química, as habilidades a serem desenvolvidas ao
longo da sua atividade formativa inicial e as tarefas básicas do futuro professor de química no
seu campo de atuação profissional. A estruturação do conteúdo foi realizada com o enfoque
sistêmico estrutural-funcional. Também se desenvolveu uma invariante funcional de execução
da habilidade, para ser utilizada em propostas seguindo nas etapas do ciclo cognoscitivo
proposto por Galperin, com um a base orientadora da atividade do tipo III. Nesse sentido,
desenvolveram-se diferentes situações de ensino para serem utilizadas como um sistema de
tarefas para a formação da habilidade, na perspectiva tomada para o sistema didático como
um todo, de contribuir para ensinar a licenciandos em química a ensinarem conteúdos
químicos.
This study presents the design of a didactic system to be used as a reference, to the activity of
teaching chemistry teachers about the ability to explain the properties of the isomers. The
study is based on the presupposition that the formation of this ability generalizes a more
ample ability – that of explaining the properties of the substances – and that it is part of the
dialectic relation between the initial formative activity and the professional activity of the
chemistry teacher. The study used dialectic and historical materialism for the general
theoretical-methodological direction of the study. In principle, the theory of planned
formation of mental actions and concepts, proposed by Piotr Yakovlevich Galperin (2001),
was taken as basis for the epistemological, psychological and pedagogic plan. Nina Talízina
(2009, 1987) and Isauro Beltrán Núñez (2009, 1999, 1992), are the other two main authors
used to compose the reference base of the study. To help the conception and the development
of the didactic system, an investigation of the isomerism content in the following sources was
carried out: i) organic chemistry books of different levels; ii) tests of serial systems of
assessment (SSA) from public universities and from the Exame Nacional do Ensino Medio
(ENEM) [on a par with the SATs in the US]; and iii) official documents of the Brazilian
educational system. The results of the analyses verified that isomerism is a traditional content
officially instituted in the country, but that has been neglected by the ENEM and receives a
treatment in the SSA tests similar to that presented in high school didactic books. Generally,
the structures followed by the books have differences in the quality of the contents
contemplated, according to the teaching level, and follow a linear and disarticulated sequence.
The objectives of the proposed didactic system are directly related to qualitative indicators
based on planning, orientation, execution and control of the formative process of the general
ability of teaching, and to the evaluation of this development. The determination of the
content was carried out by applying the theoretical method of the activity, considering the
relation between the formal competence of the chemistry teacher, the abilities to be developed
along his/her initial formative activity and the basic tasks of the future chemistry teacher in
his/her field of professional work. The structuring of the content was carried out with a
structural-functional systemic focus. A functional invariant of execution of ability was also
developed to be used in proposals following the cognoscitive cycle stages proposed by
Galperin, with an orientation base of activity type III. Thus, different teaching situations were
developed to be used as a task system for the formation of the ability of teaching, in a didactic
system taken as a whole, which contributes to teaching chemistry teachers to better teach the
contents of the field of chemistry.
El estudio presenta el diseño de un sistema didáctico que sirva como referencia a la actividad
de enseñanza de profesores de química, con respecto a la formación de la habilidad de
explicar las propiedades de los isómeros. Si partió del supuesto de que la formación de esa
habilidad se generaliza una habilidad más amplia para explicar las propiedades de las
sustancias, e impregna la relación dialéctica entre la actividad de la formación inicial y la
actividad profesional del profesor de química. Si asumió el materialismo dialéctico e histórico
en la orientación teórica y metodológica general del estudio. Sus fundamentos sustenta la
teoría de la formación planeada de las acciones mentales y de los conceptos, propuesta por
Piotr Yakovlevich Galperin (2001), tomada como la base para las posiciones realizadas en el
plan epistemológico, psicológico y pedagógico. Nina Talízina (2009, 1987) y Isauro Beltrán
Núñez (2009, 1999, 1992) también si destacan como los otros dos principales autores
utilizados para componer el marco adoptado. Para apoyar la concepción y desarrollo del
sistema didáctico, si realizó una investigación de la aproximación del contenido isomería en
las siguientes fuentes: i) libros de química orgánica de diferentes niveles de educación; ii)
pruebas de sistemas de evaluación de universidades públicas y del Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM); iii) documentos oficiales del sistema educativo brasileño. Los resultados de
los análisis permitirán verificar que la isomería es un contenido tradicional y oficialmente
establecido en el país, pero que ha sido pasado por alto por lo ENEM y recibe un tratamiento
en las pruebas del SSA similar a presentado en los libros didácticos de la escuela secundaria.
En general, las estructuraciones seguidas por los libros mantienen diferencias en la cantidad
de los contenidos contemplados, y siguen una secuencia lineal y desarticulada. El sistema
didáctico propuesto tuvo sus objetivos directamente relacionados con los indicadores
cualitativos, centrados a planeamiento, orientación, ejecución y control del proceso formativo
de la habilidad general y la evaluación del su desarrollo. La determinación del contenido fue
realizada por la aplicación del método teórico de la actividad, considerando la
correspondencia entre la competencia formal del profesor de química, las habilidades que si
desarrollan a lo largo de su actividad de formación inicial y las tareas básicas en su campo
profesional. La estructuración del contenido fue realizada con el enfoque sistémico
estructural-funcional. También si desarrolló una invariante funcional de ejecución de la
habilidad, para ser utilizada en propuestas siguiendo los pasos del ciclo cognoscitivo
propuesto por Galperin, con la base de orientación de la actividad del tipo III. En este sentido,
si desarrollaran diferentes situaciones de enseñanza para ser utilizadas como un sistema de
tareas para la formación de la habilidad, en la perspectiva tomada para el sistema didáctico
como un todo, de contribuir para enseñar a futuros profesores de química para enseñar
contenidos químicos.
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 21
1.1 O OBJETO DE ESTUDO ........................................................................................ 21
1.2 O INTERESSE PELO ESTUDO ............................................................................. 21
1.3 O PROBLEMA......................................................................................................... 22
1.4 OBJETIVO GERAL ................................................................................................ 36
1.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ................................................................................... 36
1.6 A TESE .................................................................................................................... 37
1.7 A NOVIDADE DO ESTUDO E SUAS CONTRIBUIÇÕES................................... 37
1.8 O REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ............................................... 37
1.9 A ESTRUTURA DA TESE ..................................................................................... 40
2 O CONHECIMENTO PROFISSIONAL PARA ENSINAR E FORMAR
HABILIDADES: UMA REFLEXÃO NA FORMAÇÃO INICIAL DO
PROFESSOR DE QUÍMICA................................................................................... 42
2.1 POR UMA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DO PROFESSOR DE
QUÍMICA DESDE A SUA FORMAÇÃO INICIAL ............................................. 43
2.2 OS SABERES NECESSÁRIOS À BASE DE CONHECIMENTOS DO
PROFESSOR DE QUÍMICA A SEREM DESENVOLVIDOS EM SUA
FORMAÇÃO INICIAL .......................................................................................... 55
3 A EXPLICAÇÃO DAS DIFERENÇAS NAS PROPRIEDADES DOS
ISÔMEROS............................................................................................................. 65
3.1 A EXPLICAÇÃO DA ESSÊNCIA DO ISOMERISMO: UMA
CONTRIBUIÇÃO PARA A CONSOLIDAÇÃO DA QUÍMICA ......................... 65
3.2 AS PARTICULARIDADES DO ISOMERISMO: A IDENTIFICAÇÃO DE
DIFERENTES TIPOS DE ISÔMEROS E AS DIFERENÇAS NAS
PROPRIEDADES DAS SUBSTÂNCIAS ISOMÉRICAS .................................... 79
3.3 A HABILIDADE EXPLICAR E EXPLICAÇÃO NO ENSINO-
APRENDIZAGEM DE QUÍMICA ......................................................................... 96
4 A FORMAÇÃO DE HABILIDADES SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA
DE P. YA. GALPERIN ............................................................................................ 107
4.1 HABILIDADE, UMA CATEGORIA PSICO-PEDAGOGÓGICA ........................ 107
4.2 AS BASES E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA TEORIA DE
GALPERIN ............................................................................................................. 115
4.3 A RELAÇÃO ENTRE A APRENDIZAGEM E O PROCESSO DE
FORMAÇÃO DE CONCEITOS CIENTÍFICOS, SEGUNDO GALPERIN ......... 123
4.4 ETAPAS PARA A FORMAÇÃO DA AÇÃO MENTAL, UM SISTEMA DE
MOMENTOS FUNCIONAIS PARA A ASSIMILAÇÃO DE CONCEITOS
SEGUNDO A TEORIDA DE GALPERIN ............................................................ 128
4.4.1 Etapa motivacional ............................................................................................. 129
4.4.2 Etapa de estabelecimento do esquema da Base Orientadora da Ação, a
BOA ..................................................................................................................... 130
4.4.3 Etapa de formação da ação na forma material ou materializada .................. 136
4.4.4 Etapa de formação da ação como linguagem verbal externa ......................... 139
4.4.5 Etapa formação da ação na linguagem externa na comunicação “para si” .. 141
4.4.6 Etapa da formação da ação no plano mental ................................................... 143
5 O PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ........................................... 147
5.1 PRESSUPOSTOS DA PESQUISA ......................................................................... 146
5.2 ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS .................................................................... 149
5.2.1 Investigação da abordagem do conteúdo isomeria em fontes bibliográficas . 150
5.2.1.1 A seleção das fontes de pesquisa ..................................................................... 150
5.2.1.1.1 Os documentos oficiais destinados selecionados ............................................ 151
5.2.1.1.2 Os livros de química orgânica selecionados ................................................... 151
5.2.1.1.3 Os processos seletivos selecionados ............................................................... 153
5.2.1.1.3.1 Os Sistemas Seriados de Avaliação (SSA) .................................................... 153
5.2.1.1.3.2 O ENEM ....................................................................................................... 155
5.2.1.2 A Análise da abordagem do conteúdo isomeria nas fontes de pesquisa ..... 155
5.2.1.2.1 A análise dos documentos oficiais .................................................................. 155
5.2.1.2.2 A análise dos livros de química orgânica ....................................................... 156
5.2.1.2.1.1 As categorias de análise dos livros de química .......................................... 156
5.2.1.2.1.2 A coleta de dados nos livros de química ..................................................... 159
5.2.1.2.1.3 Organização e tratamento dos dados nas análises dos livros de química ....... 162
5.2.1.2.3 A análise das questões de química dos processos seletivos ............................ 164
5.2.2 Estruturação do Sistema Didático para a formação da habilidade explicar
as propriedades dos isômeros ............................................................................ 164
5.2.2.1 Critérios para a definição do objetivo e dos indicadores qualitativos ......... 165
5.2.2.2 Critérios para a organização do conteúdo ..................................................... 166
5.2.2.3 Critérios para determinação do sistema de tarefas ....................................... 166
6 A ABORDAGEM DA ISOMERIA NOS LIVROS DIDÁTICOS DE
QUÍMICA ................................................................................................................ 168
6.1 ISOMERIA: UM CONTEÚDO QUÍMICO A SER ENSINADO ........................... 168
6.2 A ABORDAGEM DA ISOMERIA NOS LIVROS DE QUÍMICA E NAS
PROVAS DOS PROCESSOS SELETIVOS PARA INGRESSO NAS
UNIVERSIDADES .................................................................................................. 171
7 UM SISTEMA DIDÁTICO PARA A FORMAÇÃO DA HABILIDADE DE
EXPLICAR AS PROPRIEDADES DOS ISÔMEROS: CONTRIBUIÇÕES
DA TEORIA DE P. YA. GALPERIN ..................................................................... 200
7.1 OS OBJETIVOS E OS INDICADORES QUALITATIVOS DO SISTEMA
DIDÁTICO .............................................................................................................. 201
7.1.1 O objetivo do Sistema Didático .......................................................................... 201
7.1.2 Os indicadores qualitativos ................................................................................. 201
7.2 A ORGANIZAÇÃO DO CONTEÚDO DE ISOMERIA ........................................ 203
7.2.1 A seleção e estruturação do conteúdo ................................................................ 203
7.2.2 A estrutura da atividade de explicar as propriedades dos isômeros e a
invariante funcional para a execução da habilidade ...................................... 214
7.3 A ESTRUTURAÇÃO DO PROCESSO DE ASSIMILAÇÃO ................................ 221
7.3.1 Diagnóstico inicial do grau de desenvolvimento da habilidade identificar
isômeros e explicar as diferenças nas suas propriedades ............................ 222
7.3.2 O processo de aprendizagem, a formação da habilidade ................................. 226
7.3.3 Planificação de um sistema de tarefas para a formação da habilidade .......... 246
7.3.3.1 Tarefas para a formação da generalização .................................................... 247
7.3.3.2 Tarefas para a formação da consciência ........................................................ 258
7.3.3.3 Tarefas de acordo com a forma da ação e para a formação do grau de
independência .................................................................................................. 263
1 INTRODUÇÃO
1
O texto está escrito tomando o elemento masculino da língua portuguesa como referencial de grafia no uso do
plural. Procedeu-se assim exclusivamente para facilitar a leitura.
22
1.3 O PROBLEMA
2
A categoria teórica capacidade é tomada neste texto em concordância com o sentido existente em Talízina: “A
capacidade é aquela atividade que se orienta até o essencial, o que se encontra na base de uma grande
quantidade de fenômenos. Por causa disso, a pessoa que adquire esse tipo de atividade, posteriormente e sem
ensino algum, consegue trabalhar exitosamente com qualquer fenômeno de uma dada classe. Considera-se essa
pessoa como capaz”. (TALÍZINA, 2009, p.38).
23
precisam utilizar um pensamento mais elaborado. Conforme alertara Vázquez (2007, p.53):
“Hoje mais do que nunca, os homens precisam esclarecer teoricamente a sua prática social e
regular conscientemente as suas ações como sujeitos da história”. Porém, contraditoriamente
ao requerido, as práticas sociais da maioria das pessoas ainda revelam a utilização pouco
expressiva ou a ausência de um pensamento mais elaborado, ou seja, de um pensamento
teórico, um pensamento científico. Além de causar dificuldades de desenvolvimento
individual, tal defasagem contribui para a manutenção e/ou aumento de diferenças sociais.
O descompasso entre a necessidade e a efetiva utilização de um conhecimento mais
elaborado tem contribuído para que a ruptura, de forma explícita ou não, entre e o significado
e o sentido das ações humanas atinja níveis altamente preocupantes. Tal discrepância remete
ao distanciamento dos homens tanto em relação à socialização do conhecimento
historicamente construído quanto dos valores relacionados à busca por uma sociedade melhor,
mais justa e igualitária. Valores como o direito ao acesso ao conhecimento, o respeito, a
coletividade e ao bem-comum, gradativamente, perdem significância em nosso tempo.
Utilizando o alerta de Duarte (2004, p.59): “[...] esse processo social de alienação poderá
levar a catástrofes sociais e ambientais sem precedentes na história humana se não houver
uma mudança radical na lógica do metabolismo social”. Tal panorama implica em grandes
desafios para a educação. Assim, a educação de sujeitos para enfrentar as exigências vigentes
se constitui em um desafio especial para a escola, pois ela também é uma instituição
“permeada por uma cultura própria das formas de produção e socialização do conhecimento
no século XXI” (NÚÑEZ; RAMALHO; 2012, p.231).
As atuais demandas sociais exigem que a escola contribua de forma decisiva para um
extenso aperfeiçoamento do pensar, desafiando-a cada vez mais a desenvolver a capacidade
intelectual dos sujeitos. Corroborando com Davidov (2002, p. 49)., “O saber contemporâneo
pressupõe que o homem domine o processo de origem e desenvolvimento das coisas mediante
o pensamento teórico [...]”. Desse modo, o desenvolvimento da capacidade intelectual dos
sujeitos implica em um maior domínio teórico. Um domínio também necessário para saber
acessar e interpretar o conhecimento nas informações, que são cada vez mais volumosas e
mais disponíveis. Portanto, para que os estudantes desenvolvam o pensar e com ele sejam
críticos e participativos, eles deverão ter um alto nível de atividade intelectual. Histórica e
formalmente, esse tipo de educação cabe à escola.
No Brasil, o contraste entre as demandas postas pelas necessidades do contexto
mundial e a realidade vigente nas práticas sociais estimularam o desenvolvimento de
tentativas para elevar os índices das avaliações do sistema educacional. Especificamente na
24
ensino das ciências naturais. Superar essa lacuna é outro desafio educacional, particularmente
na formação inicial de professores de ciências, em especial do professor de química.
As reflexões anteriores mostram que ensinar os estudantes a pensar teoricamente e de
forma sistêmica, para que possam atuar de modo ativo, reflexivo e crítico não pode ser
considerado como um assunto do século passado. Isso continua sendo um problema do
sistema educacional. Uma das principais formas apontadas para um melhor êxito no processo
de ensino-aprendizagem nessa direção almejada é orientando a formação de conceitos
também à formação de habilidades (DAVIDOV, 2002). Hoje, independentemente de vieses
ideológicos assumidos, há certo consenso de que se deve proporcionar um processo de
ensino-aprendizagem nesse sentido3.
O Enfoque Histórico-Cultural considera que os conhecimentos se manifestam nas
habilidades adquiridas e que a apropriação de conceitos está imbricada com o
desenvolvimento de habilidades, conduzindo à formação de um pensamento teórico dos
estudantes (NÚÑEZ, 2009; TALÍZINA, 1984; DAVIDOV, 1986). Em seus trabalhos
Galperin (2001/1965a, 1979) faz essa vinculação dialética e destaca a atividade orientadora
como a condição fundamental para determinar o modo de pensar do estudante e a estruturação
do seu pensamento teórico. O ensino pautado no desenvolvimento de habilidades contribui
para capacitar os estudantes a operarem com generalizações teóricas, com a essência do
conhecimento. Ao mesmo tempo, ele contribui para um melhor domínio e utilização de
procedimentos de exposição oral e escrita, vinculados às habilidades cognitivo-linguísticas
argumentar, justificar e explicar, como é desejável no processo de ensino-aprendizagem,
inclusive no ensino de química (BRASIL, 2006; NÚÑEZ, SILVA, 2008).
No Brasil, especialmente a partir da década de 1990, o termo “formação de
competências e habilidades”4 se incorporou fortemente ao linguajar educacional. Presente nos
documentos oficiais dos distintos níveis de ensino, essa expressão tornou-se constante nas
falas dos professores e nos projetos político-pedagógicos do nosso sistema educacional.
Porém, o cenário vigente é contraditório com as atuais orientações oficiais para a educação
3
Por volta da década de 1970, a temática “formação de habilidades” passou a receber mais atenção da
comunidade educacional. Tal interesse foi intensificado por causa das inquietudes geradas nos decréscimos
dos desempenhos intelectuais dos estudantes (ARONS, 1976).
4
Os termos competência e habilidade são polissêmicos e se configuram segundo diferentes contextos e
perspectivas teóricas. Como nesta pesquisa será investigado o desenvolvimento de habilidades de modo
independente da categoria competência, esta última não será aprofundada ao longo deste trabalho. No entanto,
desde já, assim como o fazem outros autores citados nesse trabalho, mesmo quando as incorporam aos seus
discursos, assume-se que o uso desse termo ao longo do texto se distancia de qualquer visão pragmática e
mercantilista da educação, que submetem o desenvolvimento humano à ordem do capital.
27
aprendidas e ensinadas também como parte dos conteúdos das disciplinas científicas. Tal
problema tem sido observado no sistema educacional brasileiro, embora as orientações
curriculares preconizem o contrário (BRASIL, 2006, 2002, 2000).
As considerações supracitadas reforçam a necessidade de transformações no sentido
de se efetivar a apropriação de conceitos a um processo imbricado à formação de habilidades,
de modo a assegurar um salto qualitativo nas aprendizagens dos estudantes. Nesse sentido,
mesmo considerando as questões intrínsecas e extrínsecas associadas ao nosso sistema
educacional, as responsabilidades atribuídas aos professores são bem maiores. Como reforça
Gatti (2009, p.91): “[...] o papel do professor é absolutamente central. Qualquer que seja o
tipo de relação estabelecida, e as formas dos processos educativos, o professor é figura
imprescindível”.
A apropriação conceitual pela via da formação de habilidades se associa às exigências
por melhores modos de inteligibilidade desejados aos cidadãos. Deseja-se que o sistema
educacional funcione no sentido da formação de um novo perfil de estudante, estimulado pelo
desenvolvimento do pensamento teórico, pela formação de conceitos e de habilidades.
Recomenda-se que os professores da educação básica e da educação superior adotem diferentes
estratégias teórico-metodológicas para tal propósito (BRASIL, 2006, 2002). Porém, uma parcela
significativa dos professores da educação básica e da educação superior não se sente capacitada e
nem tem sido profissionalmente preparada para tanto. Além disso, como destacam Núñez e
Ramalho (2011, p.32): “Muito se tem discutido e publicado em relação à categoria competência
na educação básica. Não obstante, a esse debate não se tem incluída a categoria habilidade”. Na
formação de professores, no geral, e na formação inicial de professores de química, em particular,
há pouca ênfase no uso de estratégias didáticas selecionadas e organizadas para tal finalidade.
Estratégias que sirvam de referência para o desenvolvimento d os saberes necessários à base de
conhecimentos5 para o desempenho da atividade profissional do professor. Portanto, o futuro
professor precisa ser capacitado a saber enfrentar e lidar, desde a sua formação inicial, com
esse tipo de demanda socioeducativa posta na atualidade.
Na maioria dos cursos de licenciatura, a formação de habilidades não é assumida
intencionalmente na formação inicial dos futuros professores, em especial nas disciplinas de
conteúdo específico. A falta de embasamento teórico-metodológico pode estar contribuindo
para que haja uma desarticulação entre a formação de conceitos e desenvolvimento de
5
Dias, Núñez e Ramalho (2004) apontam diferentes características entre conhecimentos e saberes,
compreendendo-os como categorias relacionais, porém distintas. Concordando com esses autores, considera-se
que o conhecimento é social, um produto da aprendizagem sistematizada de outros sujeitos, e pode ser
transmitido, mas não é transformador. O saber depende das relações que o sujeito estabelece no contexto social
com o conhecimento, e lhe proporciona a capacidade de transformar, a si mesmo e aos outros.
29
habilidades e que esse processo ocorra de maneira casual e espontânea, tanto nos licenciandos
quanto nos próprios professores. Com isso, estimula-se que os conhecimentos disciplinares
sejam estudados à margem do conhecimento pedagógico, ou seja, desarticulados das situações
inerentes ao exercício profissional cotidiano dos futuros professores. Esse tipo de situação se
desvincula da necessária relação dialética entre a construção de uma identidade docente já na
formação inicial e o trabalho na profissão de professor.
A falta de atividades pedagógico-didáticas na formação de conceitos e de habilidades,
de modo conjunto, ao longo da vivência em um curso de licenciatura retroalimenta uma
prática pedagógica associada a visões simplistas sobre o ensinar. Essa prática se mantém
pautada no senso comum pedagógico de que “basta dominar os conteúdos conceituais
químicos para se ensinar bem química”. Ingênua ou soberba, essa visão ainda é bem difundida
e dominante nos discursos do corpo docente de muitos cursos de licenciatura em química do
Brasil. Conforme apontado por Gatti, tais posicionamentos reforçam as discussões de que
ainda existe “[...] ausência nos cursos de licenciatura, e entre seus docentes formadores, de um
perfil profissional claro de professor enquanto profissional (em muitos casos será preciso
criar, nos que atuam nesses cursos de formação, a consciência de que se está formando um
professor)”. (GATTI, 2009, p.97, grifo da autora). A superação desse senso comum
pedagógico é um dos desafios para o estabelecimento da profissionalização da docência desde
a formação inicial dos futuros professores de química. Para isso, é preciso se efetivar uma
mudança conceitual, metodológica e atitudinal para direcionar a formação de professores.
Utilizando uma afirmação de Libâneo (2006, p.6) para essa discussão: “[...] isto traz
implicações importantes para o ensino, pois se o que está mudando é a forma como se
aprende, os professores precisam mudar a forma de como se ensina”. Nesse sentido, os
futuros professores de química precisam também aprender na perspectiva de como
futuramente saber ensinar, ou seja, eles precisam de referenciais para saber ensinar dentro
dessa perspectiva.
Os futuros professores necessitam de experiências que lhe permitam vivenciá-las na
perspectiva de uma concreta aplicação em seu principal campo de atuação profissional, a
escola. Dessa forma, propostas teórico-metodológicas voltadas a instrumentalizar a formação
de conceitos e o desenvolvimento de habilidades devem fazer parte da formação dos
licenciandos em química. Elas contribuem para a inserção do conhecimento pedagógico na
base de conhecimentos do futuro professor de química, que é necessária para a construção da
sua identidade docente. Corroborando com Núñez e Ramalho (2005), esse é um tipo de
30
problema a ser resolvido nas instituições formativas e faz parte do desafio mais amplo: formar
o professor como profissional da educação desde a sua formação inicial.
As formações iniciais são processos importantes na construção de identidades pessoais
e profissionais dos docentes (NUÑEZ; RAMALHO, 2009). Profissionalmente, trata-se de
tempos-espaços nos quais as experiências vivenciadas no ensino-aprendizagem de
determinados conteúdos podem servir de referenciais para todo o exercício profissional de um
professor. Apesar de as crenças advindas da história de vida dos futuros professores, dos
contextos em que são formados e nos quais irão trabalhar serem resistentes, na vivência do
curso de licenciatura, muitas dúvidas, ambiguidades, percepções e atitudes podem mudar por
meio de um adequado programa de formação. Consequentemente, dentro das disciplinas, é
necessário que o professor em formação possa transformar suas teorias pessoais sobre o
ensino-aprendizagem. Simultaneamente, é preciso que nas disciplinas, inclusive as de
conteúdos específicos, construa-se mais conhecimento procedimental e mais esquemas
práticos para futuras ações em aula, quando no seu exercício profissional.
Esta pesquisa se volta a contribuir com o sentido almejado, pela proposição,
cientificamente fundamentada, de um sistema didático que contribua para dar referências aos
futuros professores para ensinarem química na escola. Um sistema voltado a desenvolver um
processo de assimilação6 de conceitos e de formação de habilidades com base na valorização do
conhecimento químico historicamente produzido e no trabalho racionalmente mediatizado pelo
professor, considerando-o um profissional a ser capacitado para tanto. O conteúdo químico
relacionado à proposta é a isomeria.
A isomeria7 é o resultado da mediação didática do conhecimento disciplinar para o
conhecimento curricular da compreensão do fenômeno do isomerismo e do estabelecimento
do conceito de isômero, que é um conceito central na química (ROJAS; GARCIA;
ALVAREZ DIAZ, 1990). A inclusão de conteúdos de isomeria no currículo químico é o
reflexo da importância histórica e cultural do isomerismo na química, que passou a ser
difundido em livros de química orgânica e a ser ensinado, a partir da segunda metade do
século XIX (KONOVALOV, 2011; LEWIS, 1995).
A abordagem da isomeria traz a possibilidade do envolvimento de alguns dos
objetivos propostos para o ensino de química, tais como:
6
Segundo o referencial teórico assumido, a assimilação é sinônimo de apropriação e correspondem a aquisição
das formas culturalmente produzidas pela humanidade, como o conhecimento científico.
7
Os termos isomeria e isomerismo são utilizados de formas distintas ao longo do texto. A isomeria é associada
ao aspecto pedagógico-didático do conteúdo químico, enquanto o termo isomerismo se refere ao fenômeno
químico.
31
inorgânica e na química orgânica. Já Correia et al. (2008) concluíram que mapas conceituais
podem ser usados para medir o progresso dos estudantes em direção à interdisciplinaridade e
para ajudar os professores a conceber futuras atividades escolares para reforçar e expandirem
relações interdisciplinares, associando consequências biológicas ao fenômeno de isomerismo.
Algumas propostas de atividades experimentais são apontadas como possibilidades de
abordagem de conceitos de isomeria. Imamura e Baptistella (2000) propuseram um
experimento de nitração do fenol, envolvendo um método em escala semi-micro, no qual
recomendam a abordagem de conceitos de isomeria constitucional. Em outro tipo de
abordagem, voltada para um ensino com ênfase em aspectos regionais para a exploração da
isomeria em contextos locais, Marcelino-Jr et al. (2005) também propõem a exploração da
isomeria constitucional, com base na extração de óleo essencial.
Outros trabalhos dentro da temática têm por objeto a estereoisomeria. Barta e Stille
(1994) apresentaram um meio para determinar a configuração R, S de moléculas quirais,
utilizando as mãos como modelo de quiralidade, para estabelecer regras de prioridade de
seqüências de substituintes no sistema Cahn-Ingold-Prelog (CIP) e auxiliar na correlação
direta da configuração absoluta. Yang e Fang (2000) em um trabalho sobre a estereoquímica
de compostos de coordenação procuraram desvendar estratégias de resolução de problemas e
as dificuldades para os alunos novatos em ciência sobre o processo de resolução de problemas
da estereoquímica de compostos coordenação, tanto isômeros geométricos quanto ópticos. Os
resultados sugeriram a correlação entre a capacidade estereoquímica e a capacidade de
resolução de problemas. Por sua vez, o estudo de Kurbanoglu, Taskesenligil e Sozbilir (2006)
comparou o êxito da instrução programada em relação à abordagem de ensino convencional sobre
o de ensino estereoisomeria.
Os trabalhos supracitados, de forma geral, não trazem discussões sobre problemas
relacionados ao ensino-aprendizagem de isomeria. No estudo que aparenta ser pioneiro nessa
direção, Schmidt (1992) indicou a tendência de estudantes pré-universitários restringirem o
conceito de isômeros aos isômeros constitucionais, especificamente a compostos pertencentes a
uma mesma classe funcional. Por outro lado, os estudantes mostraram dificuldades em relacionar
o isomerismo a substâncias de funções orgânicas diferentes, como entre éteres e álcoois. Schmidt
levantou as hipóteses de que esta limitação conceitual poderia estar relacionada à: i) terminologia
“iso" levar a identificação de isômeros a cadeias carbônicas similares, ou ii) discrepância entre a
definição de isomerismo e sua aplicação no ensino e na pesquisa. Ao analisar esses resultados,
Taber (2001) compreendeu esse tipo de concepção alternativa como um tipo de erro de
34
categorização: o estudante fica preso aquilo que se entende por um isômero, mas limita a
definição a aplicações mais restritas.
Outras pesquisas apontam para dificuldades dos estudantes em estereoisomeria. A
estereoquímica é vista por muitos professores e estudantes dos ensinos médio e superior como
sendo “difícil de ensinar” ou “difícil de aprender” (LUJÁN-UPTON, 2001; TABER 2000).
Alguns acreditam que dificuldade na compreensão de conceitos a elas associados pode estar
ligada tanto à falta de habilidades visio-espaciais (KOZMA, 2000) quanto à própria abstração
que envolve a maioria dos conceitos em química, que lida com entidades invisíveis (átomos,
moléculas, elétrons, etc.) e faz uso de diferentes modelos (KURBANOGLU et al., 2006;
FENSHMAN, 2002). Em adição a esse tipo de posicionamento, Correia et al. (2010)
destacam que as dificuldades conceituais apresentadas por estudantes do ensino médio em
isomeria podem se relacionar também a outros conhecimentos químicos estruturantes, como a
compreensão de teorias estruturais, ligações químicas e representações de fórmulas
estruturais. Rodrigues (2001) também atenta para esse fato, indicando que a deficiência nesses
conteúdos básicos compromete os seus desempenhos quando ingressam em cursos de
graduação nos quais são requisitados conceitos de química orgânica.
As dificuldades relacionadas aos conteúdos de isomeria também podem ser creditada à
ênfase memorística tradicionalmente existente no ensino de química, especialmente em
relação à nomenclatura dos compostos orgânicos e às classificações das funções orgânicas,
pelos manuais didáticos e por muitos professores (TEIXEIRA; HOLMAN, 2008). Esse
problema pode ser agravado pelo fato de os professores do ensino médio exibirem uma forte
influência dos livros didáticos escolares nas suas propostas de organização didática do
conteúdo isomeria (MARCELINO-JR et al., 2010), assim como também tem sido verificado,
de um modo geral, com outros conteúdos, tanto da química quanto de outras áreas
(MORTIMER; SANTOS; 2008). Além disso, os livros didáticos de química podem
apresentar problemas de ordem histórico-epistemológica que limitem a aprendizagem da
isomeria, conforme destacado Hernández (2009). Nesse sentido, a análise crítico-reflexiva de
diferentes livros didáticos, assim como outras fontes (como, propostas curriculares e estudos
científicos relacionados a determinado conteúdo químico) pode se constituir em uma
atividade norteadora de aspectos a serem considerados na estruturação de um sistema
didático.
A problemática da estruturação de conteúdos químicos ganhou um maior interesse a
partir as últimas décadas do século XX (MOYA; CAMPANARIO; 1999; NÚÑEZ;
GONZÁLEZ, 1996 a). Atualmente, o desenho de sistemas didáticos em torno dos conteúdos
35
formação inicial de professores e o seu campo de exercício profissional, a escola. Além disso,
apresenta a isomeria como um objeto ainda pouco explorado na pesquisa educacional, em
especial dentro da temática formação de habilidades. Dentro da problemática apresentada,
verifica-se a necessidade da elaboração de referenciais que possam ser usados na formação
inicial de futuros professores de química para o ensino-aprendizagem em isomeria. É dessa
necessidade que se apresenta o seguinte problema de pesquisa:
1.6 A TESE
Por meio da realização desta pesquisa, defende-se a tese de que é possível organizar
um sistema didático para ensino-aprendizagem do conteúdo isomeria em torno da formação
habilidade de identificar isômeros e explicar as diferenças nas suas propriedades, com base na
teoria de P. Ya. Galperin, utilizando uma base orientadora da ação do tipo III.
8
Conforme Duarte (2003), em decorrência do idioma russo utilizar um alfabeto distinto do nosso, tem sido
adotadas diferentes formas de escrever o nome desse autor (em russo Лев Семёнович Выготский) com o
38
alfabeto ocidental. No texto é usada a grafia Vigotski, pois ela tem sido adotada em publicações recentes em
português.
9
Marx tomou posse e foi mais além da ideias de Hegel, dando à dialética tanto um caráter material para entender
como e explicar os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida, quanto um
caráter histórico, como eles vêm se organizando através de sua história. Nesse sentido ele concebeu a história
como um conhecimento dialético e materialista da realidade social.
10
Referências aos estudos de Vigotski sobre conceitos científicos aparecem pela primeira vez, numa publicação
cientifica no artigo Ensino de conceitos em química. I. Matéria: exemplo de um sistema de conceitos
científicos de autoria de Mario Tolentino, Roberto Ribeiro da Silva, Romeu C. Rocha-Filho e Elizabeth
Tunes, publicado na revista Ciência e cultura n° 38, de 10 de outubro de 1986.
39
11
Tais trabalhos são decorrentes das investigações realizadas por Núñez (1992) em sua tese, laureada em Cuba,
sobre um “Sistema Didático para o ensino da Química Geral”.
40
A estruturação do corpo textual que segue essa parte introdutória foi realizada
dividindo-o em cinco capítulos. Privilegiou-se esse tipo organização para tentar harmonizar
aspectos tão densos a serem a revisados, que se constituem nas categorias assumidas na
pesquisa.
O capítulo 2 trata da formação de conceitos e de habilidades como parte dos
conhecimentos que devem integrar os saberes necessários à construção da identidade do
professor de química, desde a sua formação inicial. Por isso, nesse capítulo, destacam-se
elementos para a construção da identidade e profissionalização do professor, em especial
quanto à profissionalidade e os saberes docentes para ensinar química. O capítulo 3 ressalta a
importância da explicação das diferenças nas propriedades das substâncias isoméricas. Esse
aspecto emerge de discussão histórico-epistemológica em torno do conceito de isômeros,
vinculada à explicação do fenômeno do isomerismo e à identificação de diferentes tipos de
isômeros, na qual se destaca o porquê do conceito de isômeros ser considerado um conceito
central na química. Em seguida, discute-se sobre a explicação no ensino de química, situando-
a dentro da habilidade explicar. O capítulo 4 trata da formação de habilidades sob a
perspectiva da teoria de P. Ya. Galperin. Abordam-se as concepções para a categoria
habilidade de acordo com o Enfoque Histórico-Cultural, enfatizando-se as características da
teoria da formação planejada das ações e dos conceitos propostas por Galperin.
O capítulo 5 apresenta a metodologia seguida. Descrevem-se os critérios para análise
de livros didáticos de química, para reunir mais elementos para subsidiar a proposição de um
Sistema Didático, envolvendo a estruturação do conteúdo, de um sistema de tarefas e de um
conjunto de parâmetros qualitativos de avaliação e controle da formação dessa habilidade, de
acordo com as etapas da teoria de Galperin. Já os capítulos 6 e 7 trazem, respectivamente, os
resultados da análise e o Sistema Didático proposto.
12
O levantamento bibliográfico foi realizado nas Bases de Pesquisa em Educação, disponibilizadas no Portal de
Periódicos da CAPES, em revistas da área de Educação em Ciências, em anais de congressos científicos
nacionais da área de educação.
41
O estudo da química na escola é importante por causa do seu papel educativo, tanto
em termos do direito à aquisição de valores culturalmente constituídos pela humanidade
quanto por sua contribuição para o letramento científico13. Porém, de maior importância está a
sua contribuição para o desenvolvimento do pensamento teórico de adolescentes, jovens e
adultos. Com isso, espera-se que, na escola, os estudantes aprendam para ter domínio de
níveis elevados do pensamento abstrato, nesse caso, do pensamento químico.
O pensamento químico reproduz e fixa nos conhecimentos a realidade objetiva. Ao
longo da educação escolar, o desenvolvimento do pensamento químico deve auxiliar os
estudantes a desenvolverem uma leitura diferente e mais crítica do mundo. Uma forma de
interpretação diferente, possibilitada pelo domínio do conhecimento científico. Com a
utilização de um pensamento químico, espera-se que os estudantes compreendam melhor a
natureza, as transformações nela ocorridas e se integrem à sociedade de forma mais ativa,
consciente e transformadora (BRASIL, 2006). Mas, para isso, eles necessitam se apropriar de
diferentes conceitos e desenvolver habilidades para que possam aprender e se posicionar
frente às situações exigidas pela vida, externalizando o pensamento químico nas suas
diferentes formas de comunicação.
Na educação escolar os estudantes devem aprender a combinar os significados
próprios da química (conceitos, leis, teorias, linguagem) com as habilidades gerais e
cognitivo-linguísticas adequadas. Com isso, tornam-se mais aptos para formar e comunicar
suas ideias, fundamentadas nos conceitos e na linguagem científica. Portanto, para que os
estudantes se apropriem dos mesmos e se desenvolvam como pessoas melhores, pela
utilização de um pensamento químico, os conceitos químicos e as habilidades associadas aos
mesmos lhes precisam ser ensinados.
A significância do ensino de química na escola mostra o quanto ele também é uma
atividade complexa. Tal característica gerou, ao longo da história, a necessidade de se instituir
formalmente a preparação de profissionais para exercer o ofício de professor de química. Uma
13
O termo “letramento científico” está bastante presente na literatura de Educação em Ciências, muitas vezes,
sendo sinônimo de “alfabetização científica”. Porém, Santos (2007) recomenda a diferenciação entre os
mesmos, pois na tradição escolar a alfabetização científica tem sido considerada na acepção do domínio da
linguagem científica. Assim, ao empregar o termo letramento, busca-se enfatizar a função social da educação
científica contrapondo-se ao restrito significado de alfabetização escolar.
43
14
De acordo com Filgueiras (1998), os primeiros cursos destinados precipuamente à formação de químicos só
surgiram nas primeiras décadas do século 20, em várias escolas e universidades emergentes pelo país afora. O
instauração das licenciaturas em química no Brasil decorre dos desdobramentos das políticas educacionais
tomadas a partir da década de 1920. Na tese de doutorado de MALACARNE (2007) há uma substancial
apresentação do percurso para formalizar a formação de professores no ensino superior no Brasil,
particularmente quanto à formação do professor de ciências, permitindo-se trilhar o caminhar da
institucionalização da licenciatura em química em nosso País.
44
refletirão nos processos de trabalho desses futuros professores e conduzirão aos seus modos
de atuação profissional; muitas vezes como reproduções de comportamentos e de estilos de
ensino que eles mesmos criticavam. Assim como outros aspectos já discutidos, tal reprodução
acrítica reforça a falta de profissionalismo existente na formação inicial dos professores.
Muitas das críticas a respeito da formação inicial dos professores de química se
relacionam à visão dicotômica quanto ao domínio do conhecimento a ser ensinado, no
contexto instituição formadora-escola. Como é ressaltado por Maldaner (2013), em muitas
instituições formadoras de professores de química, a maioria dos modelos formativos
utilizados nos cursos de licenciatura ainda proporciona dois mundos desconectados. De um
lado os futuros professores adquirem os conhecimentos do conteúdo específico (químico) por
meio dos cursos disciplinares, por outro ocorre a “formação educacional”, incluindo a psico-
pedagógica. Nas disciplinas de conteúdos químicos das licenciaturas, a maioria dos
professores formadores assegura que o saber disciplinar é o mais importante na formação
profissional. Assim, reforça-se a ideia do senso comum pedagógico de que basta o domínio do
conteúdo específico para ensinar química. Por outro lado, nas disciplinas pedagógicas, muitas
vezes, valoriza-se o saber pedagógico de uma forma que os seus conteúdos passam a ser
trabalhados de modo dissociado dos conteúdos específicos e distante da prática profissional
do professor de química. Um dos resultados dessa situação são os dilemas adquiridos pelos
licenciandos ao transitarem por concepções diferentes no espaço acadêmico em relação aos
saberes importantes para sua formação (MALDANER, 2000). A reversão desse quadro deve
ser intencionalmente desenvolvida ainda em sua formação inicial. Ela deve ser conduzida pela
compreensão do trabalho de professor efetivamente como atividade teórica e prática em prol
do desenvolvimento da sua profissionalidade.
Talízina (2009, 2000) discute que, geralmente, há uma tendência em fazer o estudante
adquirir conhecimentos a serem aplicados posteriormente, mas, tal característica freia a
formação de habilidades profissionais. Por isso, é preciso que o estudante aprenda fazendo.
Isso também é válido para a formação dos licenciandos no que tange à relação dialética entre
a sua aprendizagem e o seu futuro exercício profissional, na qual se insere a assimilação de
conceitos associada, intencionalmente, à formação de habilidades.
Na formação inicial, os futuros professores devem aprender o conteúdo da disciplina
aprendendo também os procedimentos pelos quais se trabalha nessa própria disciplina, pois a
atividade docente requer instrumentalidades a serem desenvolvidas (LIBÂNEO, 2004).
Porém, atualmente, assim como em outras áreas, no ensino de química, particularmente na
formação inicial, termos como instrumentalidades, métodos e técnicas de ensino são muitas
46
vezes associados a uma visão tecnicista, que supervaloriza a memorização 15, seja de
conteúdos seja de procedimentos.
No Enfoque Histórico-Cultural há uma defesa da instrumentalidade, mas distanciando-
a da valorização de um ensino puramente memorístico, conforme pode ser visto nas
concepções de autores como Galperin (1976) e Talízina (1988). Um reforço a esse tipo de
posicionamento é dado por Feldmann:
Este enfoque sugere que é possível aumentar nossa capacidade para uma prática
mais consciente, racional e autônoma mediante processos significativos, assentados
em uma recriação das possibilidades através da busca e da utilização prática de
instrumentos didáticos (modelos de ensino, estratégias, técnicas específicas etc.).
Defendo que um enfoque instrumental não é tecnicista porque recupera a dimensão
prática da tarefa de ensino e a deliberação prática em âmbitos coletivos.
(FELDMANN, 2001, p. 113).
15
Essa questão está fortemente atrelada ao período entre a década de 1970 e de 1980, marcado pelo “tecnicismo”
e pela “racionalidade técnica”. Nesse momento histórico, os programas de formação de professores
valorizavam fortemente as tecnologias de ensino, os métodos e as técnicas especiais de ensino, associados à da
lógica da racionalidade técnica, na qual os professores são vistos como reprodutores de saberes produzidos e
as soluções para os problemas eram apresentadas ao professor como algo já definido ou pronto. Os
procedimentos geralmente eram prioritariamente técnico-formais, acríticos, neutros e dissociados das questões
de sentido político-pedagógico (FIORENTINI; SOUZA; MELO, 2001; PEREIRA, 2000).
47
16
. No Brasil, a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Pessoal N o 2, de 19 de fevereiro de
2002, instituiu a prática como componente curricular, desde o início e ao longo dos cursos de licenciaturas, de
graduação plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior. No CLQ-UFRPE, esse
componente passou a ser incorporado à matriz curricular na forma de disciplinas associadas à Didática das
Ciências Naturais.
48
negociação por um status distinto dentro da divisão social do trabalho. Assim, por meio do
profissionalismo, busca-se consolidar a profissão e também o reconhecimento da sociedade,
como uma forma de prestígio social, frente às qualidades específicas, complexas e difíceis da
profissão, que conferem uma especialidade à profissão de professor (NÚÑEZ; RAMALHO,
2008).
A construção da dimensão do profissionalismo já na formação inicial se vincula a uma
tomada de uma consciência dos licenciandos do significado social da sua futura profissão.
Isso irá lhe desenvolver a necessidade de uma maior interação nas atividades voltadas à busca
por melhores condições de trabalho e por status profissional, contribuindo para reverter o
déficit de consideração social existente em torno da profissão de professor. Desse modo, os
futuros professores precisam conhecer e se engajar nas lutas de classe da categoria, expressas
na vida sindical e nas reivindicações dos professores-formadores e dos professores das
escolas. O profissionalismo também é desenvolvido na formação inicial pela participação nas
decisões relacionadas às atividades organizativas do curso de licenciatura, incluindo o projeto
polítco-pedagógico e nos diferentes tipos de avaliações existentes. Porém, em todas essas
questões, a dimensão do profissionalismo no licenciando se relaciona diretamente com a
busca pelo desenvolvimento da sua profissionalidade.
A profissionalidade da profissão do professor expressa a dimensão relativa ao
conhecimento, aos saberes, técnicas e competências necessárias à atividade profissional
(NÚÑEZ; RAMALHO, 2008). Ela se relaciona aos processos de apropriação da base de
conhecimentos da docência como profissão, que envolve diferentes componentes, como:
saberes, pesquisa, reflexão, crítica epistemológica, inovação e criatividade (RAMALHO;
NUÑEZ, 2008, 2002).
A base de conhecimentos deve proporcionar uma determinada identidade profissional
aos professores, assim como ocorrem em outras profissões. Os seus elementos devem
desenvolver nos profissionais do ensino as capacidades necessárias para o desempenho das
atividades docentes. Nesse aspecto, destacam-se os saberes vinculados à profissionalização de
professor, saberes especializados, próprios da profissão, que os diferem de outra categoria
profissional. Concomitantemente, essa base de conhecimentos também fornece uma
especificidade dentro da própria profissão de professor; uma especialização em um campo
particular, caracterizando esses profissionais por um determinado agir, como acontece com os
professores de química.
O Enfoque Histórico-Cultural está calcado em uma base filosófica-epistemológica
adequada para se refletir criticamente sobre a profissionalização na constituição da profissão
50
biográfico e social (RAMALHO; NÚÑEZ, 2011). Por isso, a gênese da atividade docente é
mais bem compreendida quando apreendida em sua estrutura social, no modo em que opera
suas relações.
Expressão maior da atividade, no trabalho, como uma atividade profissional, o objeto
produzido é a "objetivação" da própria atividade do homem e a atividade prática sensorial dá
origem ao desenvolvimento histórico social dos homens e, consequentemente, ao seu
desenvolvimento individual (MARX, 1971). Porém, enquanto função social, apesar de ser
principalmente no contexto de atividades de ensino que a docência vai se constituindo como
uma futura profissão, esse processo não se dá apenas pela socialização do professor no
exercício da prática profissional.
Com base em Marx e em Leontiev (1993, 1985), Núñez e Ramalho (2008) destacam a
consciência social como parâmetro para a formação da consciência pessoal da identidade
profissional do professor. Nesse sentido, ela se consolida enquanto um fenômeno relacional
ao longo de todo o seu processo formativo. O movimento desse fenômeno evolui e se
desenvolve tanto no pessoal quanto no coletivo, em um processo contínuo e paulatino
marcado pela sua participação em atividades de ensino-aprendizagem. Nessas atividades se
evidenciam múltiplas relações, com entre a aprendizagem química e o ensino de química. Por
isso, além de ser construída na prática laboral, conscientemente ou não, a construção da
identidade docente sofre influências da experiência escolar e depende fortemente da formação
inicial (NUÑEZ; RAMALHO; UEHARA, 2009). Portanto, para que a formação inicial se
desenvolva dentro de uma postura profissional, tanto o desenvolvimento da consciência sobre
a identidade docente quanto a concretização da mesma devem ser realizados intencionalmente
nessa etapa formativa.
A partir de uma análise da estrutura da atividade, é possível suscitar elementos para
tentar compreender essa realidade, que é determinante para a formação de um futuro professor
de química dentro de um contexto profissionalizante. Um contexto em que a formação inicial
deve ser firmar como a atividade do licenciando.
A atividade possui uma estrutura composta por unidades básicas, que somente para
efeito de análise são identificadas e separadas em: necessidade, motivo, objeto, objetivo,
ações e operações (LEONTIEV, 1985). Os constituintes da estrutura geral da atividade se
inter-relacionam como um sistema, em num movimento contínuo, não linear e
interdependente, que direciona as ações humanas diante das suas necessidades. Em termos
gerais, os níveis de análise da teoria da atividade podem ser apresentados da seguinte forma: a
atividade é dirigida por um motivo que a impulsiona; as ações são processos subordinados e
52
orientados a objetivos conscientes, por meio das operações; as operações representam o modo
de execução de uma ação e são reguladas por condições para a obtenção do objetivo
concretamente dado. Assim, uma atividade é regulada por sua motivação, englobando ações
regidas por objetivos distintos, que são alcançados por meio de ações concretizadas por
determinadas operações, definidas a partir de condições específicas. Uma atividade reflete a
sua motivação; uma ação reflete a sua meta; uma operação reflete as condições da ação.
O período vivenciado em um curso de licenciatura passa a se constituir uma atividade
formativa quando o futuro professor assume a sua formação de modo consciente, como um
projeto profissional correspondente a uma necessidade particular, que também possui caráter
social. As necessidades dos licenciandos passam a estimular e dirigir essa atividade quando se
alicerçam na realidade profissional do professor, uma vez que a necessidade se objetiva no
objeto (LEONTIEV, 1985). Elas se firmam como necessidades objetivas construídas nas
relações acadêmicas do tornar-se um professor e no confronto com os objetos culturais
existentes na profissão docente. Como discutem Ramalho e Núñez (2011), as necessidades
estimulam e dirigem a atividade quando têm suas raízes na realidade profissional.
Considerar a formação inicial enquanto atividade implica em se efetivar que o
principal motivo do futuro professor em cursar uma licenciatura em química coincida com o
objetivo de se apropriar dos conteúdos da cultura identitária da sua profissão. Conteúdos que
sejam necessários para se constituir uma base de conhecimentos para dominar e saber
desenvolver capacidades cognoscitivas, intelectuais e éticas na prática docente.
A motivação principal de um estudante ao optar, entrar e cursar uma licenciatura deve
estar associada a satisfazer a sua necessidade de ser um professor, considerando a dimensão e
a importância social dessa profissão. O objetivo principal de um licenciando deve ser o de se
tornar um bom professor, um professor altamente qualificado. Para que o motivo e objetivo da
formação inicial coincidam, a principal fonte de motivação interna (cognoscitiva) do
licenciando ao longo do seu processo formativo deve ser a de aprender para se capacitar como
professor para ensinar os seus futuros estudantes a aprenderem. Aprender para se apropriarem
do conhecimento químico culturalmente acumulado, como o conteúdo isomeria, para
desenvolverem capacidades, para evoluírem, para terem um crescimento educacional, para
serem pessoas melhores e socialmente comprometidas com uma sociedade melhor. É esse
sentido que os futuros professores de química precisam, intencionalmente, ter acesso e buscar
as condições objetivas do processo de apropriação de conceitos e desenvolvimento de
habilidades para futuramente ensiná-los aos seus estudantes. Ao agir dessa forma, o
53
licenciando se identifica como o sujeito e o objeto sua formação inicial como uma atividade, a
atividade de aprendizagem da profissão, a atividade de se formar professor.
Conforme afirma Leontiev (1993), a consciência humana trabalha com as relações
entre o significado e o sentido da ação. O sentido da ação é dado por aquilo que liga, na
consciência do sujeito, o objeto de sua ação (seu conteúdo) ao motivo dessa ação. Esse
sentido é dado pelo conjunto da atividade social, por meio das relações sociais existentes entre
ele e o restante do grupo. Desse modo, para um licenciando em química, um sentido maior da
formação inicial deve ser o de construir intencionalmente a sua profissionalidade já na
formação inicial. Aqueles que desejam ser professores de química precisam ter a consciência
de desenvolver ao longo do curso de licenciatura uma sólida base de conhecimentos para o
seu futuro exercício profissional para ensinar química.
O significado da ação é a resposta à pergunta: por que o indivíduo está fazendo
determinada coisa? Ou, por exemplo, na formação inicial, por que se está estudando em um
curso de licenciatura em química? O significado do estudo de um licenciando nas disciplinas
curriculares do seu curso deve ser formado pela finalidade da atividade de aprender, pelo seu
objetivo, pelo conteúdo concreto realizado por meio de operações realizadas conscientemente
para formar a base de conhecimentos da sua profissão. Desse modo, ele precisa
intencionalmente se motivar a aprender para saber ensinar. Caso isso não se concretize,
haverá uma contribuição para a ruptura entre sentido e significado pessoal na formação inicial
docente. Consequentemente, de modo intencional ou não, estará sendo incentivado o
estabelecimento de uma alienação, que compromete a qualidade do produto da atividade de
aprendizagem do futuro professor e também contribui negativamente para a dimensão do
profissionalismo.
Ao se orientar a formação inicial com base nesses pressupostos, acredita-se que a
tomada de consciência, por meio da participação ativa na consolidação de um processo
formativo profissional, desenvolva no futuro professor de química os elementos para a
construção do seu profissionalismo e da sua profissionalidade para o início da profissão. Com
isso, a formação inicial se desloca de uma participação formal em um curso superior para uma
atividade, na qual o significado social da identidade profissional do professor precisa ser
apreendido à medida que o “formar-se um professor” também tiver como sentido a sua
capacitação para exercer um futuro trabalho na docência enquanto profissão.
Conforme atenta Marcelo (2009, p.111), “[...] a sociedade necessita de bons
professores, cuja prática profissional cumpra os padrões profissionais de excelência que
assegure o compromisso do respeito ao direito que os alunos têm de aprender”. Logo, para ser
54
um professor de química é preciso que se tenha uma formação inicial e continuada. Mas, não
qualquer tipo de formação e sim uma boa formação!
Pensar em um conjunto de atividades voltadas à boa formação de um determinado tipo
de profissional, como é o caso do professor de química, requer colocá-lo dentro de um
coletivo de sujeitos com um mesmo tipo de trabalho e com uma consciência identitária da sua
profissão. O estabelecimento da identidade docente desde a formação inicial exige um forte
direcionamento na intenção de se romper com a imagem criada na sociedade de que o ensino
é uma tarefa fácil, simples e pode ser exercido de maneira natural, como um improviso, como
às vezes se parece fazer crer (BOLÍVAR; BOLÍVAR-RUANO, 2012).
O desenvolvimento do profissionalismo ao longo da formação inicial do professor de
química deve formar no licenciando a consciência particular e contribuir para uma
consciência social de que o ensino é uma atividade profissional. Uma atividade difícil,
complicada e de alta precisão. Uma atividade que precisa de uma sólida base de
conhecimentos a ser desenvolvida já no seu curso de licenciatura. Por isso, necessariamente, a
atividade de ensino escolar requer a preparação de um profissional especializado e com uma
alta qualificação, como é o caso do professor de química. Assim, o período vivenciado em um
curso de licenciatura deve ser direcionado ao início da construção intencional da profissão de
professor, em especial da sua profissionalidade para o exercício da docência.
Destacar a constituição da base de conhecimentos profissionais na formação inicial do
professor, não significa desprezar aspectos ligados ao profissionalismo. Pelo contrário,
dialeticamente ele também deve ser construído nesse período formativo. Nesta dimensão,
também há muitos outros fatores importantes e necessários para dar significado social à
construção da identidade da profissão do professor já formação inicial. Por exemplo, a
consciência sobre a importância da luta por uma remuneração salarial digna, por melhores de
condições no ambiente de trabalho e por reconhecimento profissional da categoria como um
todo. Porém, esses aspectos também devem se relacionar ao motivo interno, cognoscitivo, ao
ingressar, continuar e finalizar um curso de licenciatura, que é o de ter uma formação
profissional aprender para saber ensinar, no caso de professores de química, para o ensino
conteúdos químicos. Por isso, enquanto atividade, a formação inicial deve proporcionar o
domínio de um conjunto de saberes, conforme será discutido em continuidade.
55
(2009, 2002) e Shulman (1989, 1986), de um modo geral, e Carrascosa et al (2008), Carvalho
e Gil-Perez (2001), Pozo (2000) e Porlán et al. (1998, 1997), para o ensino de ciências, é
possível encontrar indicativos para se elencar um conjunto de saberes a serem desenvolvidos
na formação inicial do professor de química. Entre eles, elencamos os seguintes constituintes:
saber disciplinar, saber curricular, saber pedagógico e conhecimento pedagógico do conteúdo.
A relação dialética entre esses saberes se constitui em um saber-fazer, necessário à formação
do professor para iniciar profissionalmente a sua atividade de ensino.
O saber disciplinar se relaciona aos saberes produzidos pelos pesquisadores, cientistas,
tecnólogos, sociólogos, etc. nas diversas disciplinas científicas (GAUTHIER et al., 1998;
SHULMAN, 1999; RAMALHO; NÚÑEZ; GAUTHIER, 2003). No ensino de química, eles
se referem aos conhecimentos historicamente produzidos pela comunidade científica, como é
o caso da isomeria. O seu domínio é primordial aos que pretendem fazer da atividade de
ensino a sua profissão. Por isso:
base em recordações dos seus anos de escola e a ter grande dependência dos livros didáticos
escolares. Essa deficiência pode limitar a compreensão conceitual dos estudantes e causar-
lhes outros problemas profissionais, especialmente nos primeiro anos de trabalho.
Outro tipo de saber necessário ao professor é o saber curricular. Ele se efetiva como
um saber que articula saberes conceituais e metodológicos da área específica (CARVALHO;
GIL-PEREZ, 2001). O saber curricular resulta das transformações, das transposições, sofridas
pelo saber disciplinar até se tornar um programa de ensino (RAMALHO et al., 2003;
SHULMAN, 1999; TARDIF, 2000). Esses programas ou currículos são produzidos por outros
agentes, especialmente por técnicos em assuntos pedagógicos, especialistas das diferentes
disciplinas ou autores de livros didáticos. Eles não reproduzem necessária ou exatamente os
modos de produção de conhecimento da ciência em questão, por causa de possíveis
didatismos ao longo do processo de transposição. No caso da química, isso faz que o currículo
químico, seja um conjunto de premissas, atividades, materiais, documentos, ações
pedagógicas etc. Isso ocorre com a disciplina de química na escola, na qual o saber químico
escolar envolve discursos recontextualizados e hibridizados, embora seja reconhecido pelos
diferentes atores escolares como um campo de conhecimentos relacionados à ciência química
(ABREU et al., 2005). Portanto, o livro didático assume um importante papel sobre o saber
curricular.
As principais discussões em torno do livro didático, em geral, são associadas com a
educação escolar, mais especificamente com a história das disciplinas escolares (FONSECA,
2006). Porém, por se materializar como o resultado de diferentes ações curriculares em
esferas educacionais distintas, esse instrumento pode ser inserido em outros contextos. Um
entendimento nesse sentido consta na definição de livro didático usada por Richaudeau
(1979), ao considerá-lo como um material impresso, estruturado, adequado e destinado a um
processo de aprendizagem ou formação. A partir dessa compreensão, o livro didático pode
estar relacionado a diferentes níveis de ensino, com o intuito de ser uma versão didatizada do
conhecimento historicamente construído pela humanidade. Esse posicionamento ressalta que
ele é um objeto historicamente situado, um produto das relações socioculturais (NÚÑEZ et
al., 2003).
Em suas definições, o livro didático é compreendido de diferentes maneiras. Para
Molina (1988), ele se trata de uma obra escrita para ser utilizada numa situação didática.
Nesse sentido, como também destaca Goldberg (1983, p. 7), “[...] intenção é de fazer com que
o aluno aprenda, razão pela qual apresenta conteúdos selecionados, simplificados e
seqüenciados”. No entanto, um livro didático não se destina apenas aos estudantes. Ele exerce
58
dupla função, pois também se volta aos professores, visando transmitir e atualizar
conhecimentos sobre um dado conteúdo, e para sugerir ou se impor como orientador das
estratégias didáticas para a prática de ensino. Como destaca Oliveira, o livro didático “[...] é
um veículo que expressa um modo específico (um modelo) de atuação pedagógica”.
(OLIVEIRA; GUIMARÃES, 1984, p. 27).
O livro didático se instituiu histórica e culturalmente como um instrumento da
mediação pedagógica entre a produção de conhecimentos, a atuação dos professores e as
vivências dos educandos, para fins acadêmico-escolares e/ou com o propósito de formação de
valores (LOPES, 2005). Nessa mediação, ele também se efetiva como um currículo escrito,
apresentando uma seleção de saberes e uma forma de organização, frequentemente prescritiva
(ABREU et al., 2005). No entanto, o livro didático não se molda por um único discurso, numa
perspectiva unidimensional associada a questões epistemológicas.
O livro didático não é um instrumento neutro. Pelo contrário, ele é o produto de visões
de mundo, de homem e de educação, que são permeadas por disputas relacionadas às decisões
e ações curriculares. Por isso, ao mesmo tempo em que é influenciado pelas condições sociais,
econômicas, políticas e culturais, o livro didático as influenciam (LOPES, 2005). Não se deve
esquecer que “[...] o livro didático é uma mercadoria produzida pela indústria cultural e que,
por isso, assume todas as características dos produtos dessa indústria” (FREITAG et al. 1989,
p. 60). Por isso, a produção e usos do livro didático não se encontram à margem dos
diferentes condicionantes que o permeiam. Tais condicionantes surgem como reflexos de
ideologias, do mercado e das orientações educacionais legais, e envolvem diretamente a
formação de cidadãos escolarizados e a formação dos professores.
A situação do livro didático de química está imersa no cenário descrito. No ensino de
química no Brasil, o livro didático tem se efetivado como guia curricular na orientação da
prática docente, chegando ao ponto de ser mais influenciador sobre as ações docentes do que
os próprios referenciais curriculares (LOPES, 2005). Ao longo da educação brasileira, os
livros didáticos receberam um maior controle do Estado. Para Abreu et al. (2005), os livros
didáticos de química do ensino médio se incluem como parte dos processos de
recontextualização das políticas curriculares. Segundo essas autoras, no livro didático de
química as concepções introduzidas pelos documentos oficiais, assumem novas concepções e
significados, a partir das releituras feitas nos diferentes grupos, que são utilizados para
questionar os documentos ou reforçá-los de acordo com os interesses em questão. Tais
compreensões e significados envolvem tanto a organização curricular quanto a prática
59
didática do professor. Por isso, uma formação profissional do licenciado deve contribuir para
saber lhe dar com esses aspectos, compreendê-los e, se necessários, transformá-los.
O domínio do saber curricular deve ser proporcionado na formação inicial do
professor de química em diferentes disciplinas que integram a sua matriz curricular, inclusive
nas de conteúdo químico específico, de modo relacional ao saber escolar (CARRASCOSA et
al., 2008). Por isso, como será discutido a seguir, também nessas disciplinas é importante
construir o saber pedagógico.
O saber pedagógico é mais um dos componentes da base de conhecimentos do
professor a ser desenvolvido ao longo da sua formação inicial. Ele envolve diferentes
conhecimentos, relacionados com: os princípios gerais do ensino, a aprendizagem, as
características dos estudantes, as teorias de desenvolvimento humano, as técnicas didáticas, o
planejamento do ensino e do currículo, a avaliação, a história e filosofia da educação e da
ciência, a estrutura e funcionamento dos sistemas de ensino etc. (RAMALHO; NÚÑEZ;
GAUTHIER, 2003). Esse tipo de saber contribui para uma visão da totalidade na qual se
insere a profissão de professor. Por isso, é imprescindível que um professor de química receba
uma formação no seu curso de licenciatura que lhe permita adquirir o domínio pedagógico,
pois o conhecimento do conteúdo está inseparavelmente unido ao processo de ensiná-lo. Em
acordo com Libâneo:
[...] o impacto que o seu ensino terá na constituição de um sujeito ético, crítico,
democrático, político. De um todo que envolve uma preparação com a qual lhe
permita participar coletivamente na solução dos problemas enfrentados na sociedade
da que ele faz parte. (MANCHEGO; TORRES, 2009, p.38).
Esses valores também devem ser desenvolvidos no processo inicial de formar-se professor.
Inclusive, eles devem ser estimulados e formados dentro das atividades voltadas à
compreensão cognoscitiva dos conteúdos.
As atividades de um curso de licenciatura devem estimular o futuro professor a se
confrontar e a questionar diferentes contradições relacionadas às necessidades e
características do exercício profissional. A aprendizagem de conteúdos químicos na formação
inicial também deve se contrapor a um processo funcional, ativista e acumulativo de
transmissão de conhecimentos e procedimentos. Nesse sentido se estabelece a formação
inicial do professor de química como uma atividade também voltada à desconstrução de
"maus hábitos" e crenças ao longo de toda formação inicial. Por isso, a prática é um
componente essencial da formação da base de conhecimentos profissional do professor
quando está dialeticamente associada à teoria, à reflexão, à pesquisa, dentro uma perspectiva
crítica e integradora (BOLÍVAR; BOLÍVAR-RUANO, 2012; RAMALHO; NÚÑEZ, 2010;
NEVES et al., 2001).
61
Sem a crítica, a reflexão se estabelece em uma superficialidade. Com isso, há uma tendência
em se generalizar acriticamente, numa sequência causal e linear, indicativas de um raciocínio
com base em evidências do senso comum pedagógico. Por isso, já na formação inicial, essa
reflexão crítica deve ser epistêmica e envolve a necessidade de superar a relação dicotômica
entre os modos de como se apropriar de conhecimentos e de como ensiná-los.
O estímulo à reflexão, crítica e epistêmica, podem também melhor capacitar o futuro
professor à melhor compreender e lidar com as contradições da sua formação e da sua
profissão. As contradições se constituem como manifestações particulares da personalidade
(da unidade da atividade e da comunicação e do cognitivo e do afetivo) e podem ocorrer tanto
a um nível interpsicológico (contradições externas) quanto a um nível intrapsicológico
(contradições internas) (ORTIZ TORRES, 2009).
As contradições internas se relacionam à subjetividade e são as essenciais para serem
trabalhadas na formação inicial porque provocam conflitos internos17, com ou sem caráter
consciente. Nos futuros professores as contradições internas podem se manifestar, por
exemplo: i) entre o desenvolvimento cognitivo e o nível motivacional da sua formação inicial;
ii) na reflexão individual para (auto)avaliarem a formação dos componentes da sua base de
conhecimentos, como os conceitos, habilidades e estratégias para exercer futuramente a
docência; iii) entre as necessidades e aspirações, expressadas como conflitos de motivos
extrínsecos e intrínsecos associados a sua futura profissão.
Trabalhar pedagogicamente as contradições internas ao longo da formação inicial pode
estimular no licenciando à busca pela satisfação de necessidades formativas para a construção
consciente da sua identidade profissional de professor. Esse processo se reveste também em
17
Para os licenciandos, as contradições externas refletem a confrontação entre as exigências sociais e as
possibilidades individuais, por exemplo, as exigências postas pela sociedade às instituições formativas e as
suas possibilidades em dar-lhe respostas quando formados.
62
uma oportunidade em criar e manter uma motivação no futuro professor para que a sua
formação inicial se constitua como um sistema de atividades intencionais para
desenvolvimento da sua base de conhecimentos da profissão. Inclusive, atividades que o
estimule a reconhecer, de um modo crítico-reflexivo, a importância de transformar crenças em
capacidades cognoscitivas, intelectuais e éticas, relacionadas a aspectos profissionalmente
fundamentados. Nesse sentido os licenciandos em química também necessitam de propostas
que os levem a pensar sobre a estruturação do conteúdo químico, objetivando o ensino de
conceitos e de habilidades.
A profissionalização da formação docente é um processo inseparável do seu objeto
epistemológico, o desenho curricular e sua investigação pedagógico-didática em sala de aula
(MORA; PARGA, 2005). Nesse campo, Núñez (NÚÑEZ, 1992; NÚÑEZ, 1996 a, b; NÚÑEZ;
RAMALHO, 2013); Garritz e Trinidad-Velasco (2014), Sanmarti (2000), Pro Bueno (1999),
García, Pro Bueno e Saura (1995) têm contribuído com conceituações significativas para o
planejamento de sistemas didáticos voltadas ao ensino de química. Estudos nesse sentido têm
se voltado à investigação do pensamento do professor, situando-o na compreensão do ensino
como um processo de desenvolvimento profissional.
O desenho curricular para o ensino de química se situa em um ambiente de interseção
de saberes da base de conhecimentos necessários ao professor (NÚÑEZ; RAMALHO, 2013).
Considerando a perspectiva do professor como um profissional, o desenho de sistemas
didáticos é colocado como um projeto de investigação sobre o processo de ensino-
aprendizagem de determinados conteúdos (RAMALHO et al., 2003). Como discutem Núñez
e Ramalho (2013), dentro do planejamento de unidades didáticas, a estruturação de conteúdos
é colocada como um modelo processual de planificação. Os saberes expressos em um sistema
didático envolvem o conhecimento disciplinar, o conhecimento histórico-epistemológico, a
psicologia da aprendizagem e o conhecimento do contexto escolar (MORA; PARGA, 2008).
O desenho de um sistema didático se relaciona a decidir o que vai ser ensinado (SANMARTI,
2000). Desse modo, um sistema didático reflete intenções educativas.
Em uma didática fundamentada no Enfoque Histórico-Cultural, o planejamento do
processo de ensino é necessário para a se dirigir cientificamente a aprendizagem (NÚÑEZ;
RAMALHO, 2013; GALPERIN, 2001d; TALIZINA, 1988). A estruturação de sistemas
didáticos envolve e expõe um conjunto de conhecimentos profissionais e concepções
ideológicas. Um sistema didático também exibe uma concepção teórico-metodológica sobre o
currículo e sobre o ensino. As reflexões advindas da vivência em um sistema didático
vinculado a um processo formativo também podem contribuir para desenvolver componentes
63
transcorrer da sua longa, flexível e variada trajetória profissional. No ensino de química, tal
formação almejada depende fortemente das qualidades das atividades de aprendizagem para o
desenvolvimento, dialeticamente, do pensamento químico e do pensamento pedagógico do
futuro professor de química. Portanto, a formação inicial na construção da identidade
profissional docente deve direcionar o futuro professor de química a se identificar com o
produto ou com as funções das relações sociais concretas, objetivas, voltadas à apropriação de
saberes necessários à sua base de conhecimentos.
O conjunto de atividades de aprendizagem para a construção da profissionalidade
docente na formação inicial do professor de química deve ser intencionalmente planejado e
efetivado, de modo a dotar o futuro professor de conhecimentos e instrumentalidades para
desenvolver-lhe o pensamento químico, no sentido de saber o conteúdo químico, e a ter o
domínio sobre o saber-fazer pedagógico desse conteúdo. Esse processo se relaciona à
apropriação de conceitos e ao desenvolvimento de habilidades no seu processo de ensino-
aprendizagem e deve ocorrer ao longo das diferentes disciplinas do currículo, inclusive
naquelas tradicionalmente limitadas à abordagem de conteúdos químicos.
Os tratamentos teórico-metodológicos assumidos em um curso de licenciatura devem
capacitar o futuro professor ao domínio das instrumentalidades de como se apropriar de modo
intencional e conjunto dos conceitos e habilidades, necessários à sua aprendizagem e para o
seu trabalho de professor de química. Para tanto, é necessário que a categoria habilidade possa
ser ensinada dentro de referenciais teórico-metodológicos. Além disso, quanto mais um saber
é desenvolvido, formalizado, sistematizado, como acontece com determinados conhecimentos
químicos, mais se revela quão complexo é o processo para o seu ensino-aprendizagem. Para
tanto, exige-se uma formalização e uma sistematização adequada, segundo deve ocorrer com
os conceitos químicos em isomeria. Conceitos que se desenvolveram na busca de explicações
sobre o porquê das diferenças apresentadas nas propriedades das substâncias isoméricas,
como serão discutidos no capítulo seguinte.
65
18
De acordo com Filgueiras (1998), o ensino regular de Química no Brasil começou ao tempo de D. João VI.
Compartilha-se aqui a ideia de Silva, que o “conhecimento escolar não é o resultado de uma seleção neutra.
Ele é a sedimentação de uma tradição seletiva “[...] em que outras possibilidades acabaram descartadas. Ao
mesmo tempo, o conhecimento escolar não é um produto homogêneo, em que um mesmo conteúdo é
transmitido de um mesmo modo a todas as classes e grupos sociais”. (SILVA, 1992, p. 62).
67
19
Um lei é o geral que se repete nos fenômenos (AFANÁSSIEV, 1985).
20
De acordo com a IUPAC, “uma representação bidimensional de entidades moleculares no qual os átomos são
mostrados unidos por linhas que representam ligações simples ou múltiplos, sem qualquer indicação ou
implicação sobre a direção espacial de títulos” (IUPAC, 1994, p.1136).
68
(1803-1873) e por seu mestre Gay-Lussac; e do cianato de prata, AgOCN, por Friedrich
Wöhler (1800-1882), em torno de 1824. Wöhler enviou um artigo para publicação dessa
síntese a uma revista editada por Gay-Lussac21. Percebendo que as duas substâncias tinham a
mesma fórmula empírica, mas que as propriedades eram bastante diferentes, ele comunicou o
caso a Berzelius, o químico mais influente da época. Atentando para a relevância dessa
questão, Berzelius repetiu os experimentos e ratificou que as duas substâncias tinham a
mesma fórmula empírica, mas propriedades diferentes.
O outro fato marcante foi a síntese da uréia Wöhler, ex-aluno e colaborador de
Berzelius. Alguns anos depois, em 1828, Wöhler obteve a ureia, um composto orgânico, a
partir da isomerização do cianato de amônio, considerado um composto inorgânico, cuja
reação encontra-se representada no esquema 1.
Esquema 1 - Equação da isomerização do cianato de amônio à ureia por Wöhler
A síntese da ureia por Wöhler causou uma crise e abalou a sustentação da teoria da
força vital (RAMBERG, 2003), contribuindo para uma das controvérsias da época, resultante
dos conflitos entre anti-vitalistas e vitalistas. Essa síntese exemplifica o fato das substâncias
orgânicas e/ou inorgânicas poderem ser isômeros. Além disso, ela é uma reação isomérica.
Com isso, despertou-se ainda mais o interesse pelo isomerismo e logo foram descobertas
muitas substâncias com vários isômeros. Atualmente, há uma concordância entre os
historiadores da ciência de que essa síntese isomérica serviu para romper a influência do
vitalismo sobre o pensamento da época, mas não deixou a questão resolvida (ASIMOV,
2003). Esse esclarecimento é atribuído a Adolph Wilhelm Hermann Kolbe (1818-84), outro
químico alemão e estudante de Wöhler (ROCKE, 1993), ao sintetizar o ácido acético, uma
substância orgânica, utilizando um método de síntese total.
Apesar de extremamente relevantes, as sínteses do fulminato de prata e da ureia não
foram os únicos acontecimentos a iluminarem Berzelius a propor os conceitos de isomerismo
e de isômeros. Além das citações já feitas a von Humboldt e a Gay-Lussac, Berzelius também
os associou a outros relatos de isolamento de substâncias com a “composição química
21 As sínteses desses sais de prata geraram uma forte controvérsia entre Liebig e Wöhler, levando-lhes
posteriormente a uma futura parceria profissional e amizade. Detalhes dessa controvérsia podem ser
encontrados em Esteban Santos (2008) e discussões sobre controvérsias científicas e sua utilização no ensino
de química são trazidas por Oki (2007); Furió-Gómez; Solbes; Furió (2005).
69
idêntica”, mas com diferentes propriedades. Por exemplo: compostos isolados pelo físico e
químico inglês Michael Faraday (1791-1867), a partir de óleo combustível destinado à
iluminação - dois diferentes óxidos de enxofre, em 1822 - e duas formas de ácido fosfórico,
em 1825 (IHDE, 1984). Além disso, 1826, Berzelius comprovou que o ácido racêmico e o
ácido tartárico, possuidores de propriedades bem diferentes, pareciam ter a mesma fórmula
empírica (ASIMOV, 2003). Com base nessas evidências, Berzelius se viu diante de um tipo
de fenômeno químico para qual cunhou o termo isomerismo. Às substâncias envolvidas nesse
fenômeno ele cunhou um novo termo: isômeros. Segundo Berzelius: “Por substâncias
isoméricas eu entendo aquelas que possuem a mesma composição química e o mesmo peso
atômico [molecular], mas diferentes propriedades” (BERZELIUS, 1830, p.326).
O isolamento de isômeros ao longo das primeiras décadas do século XIX abalou a
ordem estabelecida pelo químico e físico francês Antoine Laurent Lavoisier (1743-1794) e
dificultava a subordinação da química orgânica à química mineral. Nessa época, a teoria
dualística se tornou dominante e era nela onde se buscava a explicação para o isomerismo.
Para Berzelius, esse fenômeno derivava do fato de que os átomos que compõem as
substâncias podiam se unir em maneiras diferentes. Entretanto, nesse período, ainda havia
desacordos quanto aos pesos atômicos dos elementos, dúvidas sobre a existência de átomos
reais e incertezas sobre fórmulas moleculares. Isso repercutia na notação química utilizada,
resultando em diferentes formas para representar uma mesma substância. Consequentemente,
também dificultava a compreensão teórica da existência de isômeros.
A química dessa época estava marcada por uma dualidade de pontos de vista sobre a
realidade da estrutura das moléculas e da utilização de fórmulas químicas. Uma das escolas de
pensamento defendia que nunca se poderiam obter informações sobre a estrutura física das
moléculas, pois elas não apresentavam estrutura física e as fórmulas químicas eram úteis
apenas para sistematizar reações químicas. Muitos desconsideravam o estabelecimento de
desenhos como algo associado à organização estrutural da matéria (ARAÚJO NETO, 2007).
Nesta perspectiva, átomos e moléculas eram meras abstrações úteis que poderiam
correlacionar fatos químicos quando manipulados de acordo com certas regras, mas, cuja
realidade era incerta ou indeterminada. Já a outra escola acreditava que átomos e moléculas
tinham ou poderiam ter uma estrutura física real, dentro do sentido utilizado atualmente,
apesar da ausência de uma evidência confirmatória direta.
Uma influência essencial na formação dessas e outras ideias teóricas na química eram
externadas pela hipótese de Proust, ao de reivindicar que vários elementos químicos
representavam diferentes combinações de átomos. Isso fazia com que alguns químicos
70
afirmassem que uma mesma substância poderia ter várias fórmulas. Por isso, para Berzelius,
“[...] desde que uma fórmula química é nada mais do que uma simples expressão de relações
de peso, substâncias isoméricas do mesmo tipo podem ser rotulados pela mesma fórmula”.
(BERZELIUS, 1830, p.326). Para ele, a composição das moléculas, representada em suas
fórmulas empíricas, era a causa das propriedades químicas dos compostos. No caso dos
isômeros, parecia evidente que, se as moléculas eram compostas de um mesmo número de
cada tipo de átomos e se possuíam propriedades distintas, a diferença deveria estar no modo
como eles estavam relacionados dentro da molécula.
Até a primeira metade do século XIX, era natural se acreditar que cada composto tinha
uma fórmula empírica própria e que compostos distintos não podiam ter a mesma fórmula
empírica (ASIMOV, 2003). Porém, os crescentes registros da ocorrência de isômeros
continuavam a perturbar as ordens estabelecidas pelos principais modelos químico-teóricos
vigentes: i) a teoria do dualismo eletroquímico e a teoria dos radicais, que eram fortemente
influenciadas pelas concepções berzelianas, ii) e teoria dos tipos químicos22. Na prática, esse
posicionamento causava intensos desacordos na representação e nomenclatura das substâncias
orgânicas, além de não explicar os casos de isomerismo identificados. Apesar de que alguns
casos de isomerismo encontrassem explicação pela teoria dos tipos químicos, como o caso do
isomerismo entre o acetato de metila e formiato de etila (BYKOV, 1962), a essência do
fenômeno era incompreendida e os outros casos existentes eram ainda eram incógnitas.
Tal situação era mais específica para os compostos orgânicos. Até essa época, os
compostos inorgânicos receberam interpretações mais fáceis em termos atômicos, pela
indicação dos distintos tipos de átomos presentes nas suas moléculas, ou seja, pelas suas
fórmulas empíricas (ASIMOV, 2003). No caso dos isômeros inorgânicos, mais simples, isso
era explicado como o resultado de um possível ordenamento dos átomos na molécula, que era
fácil de ser previsto. No caso das substâncias orgânicas a situação era mais complicada.
O isomerismo era um dos fenômenos que sugeriam uma organização molecular e
atômica. Juntamente com a necessidade de um acordo sobre os pesos atômicos e a
terminologia utilizada na química, a elucidação desse fenômeno foi um dos critérios utilizados
para realização do Congresso de Karlsuhe, em 1860 (CAMEL; KOEHLER; FILGUEIRAS,
2009)23. As medidas tomadas nesse congresso contribuíram para a formulação de uma teoria
estrutural, sob orientação da valência (afinidade), que permitiu explicar a grande maioria dos
22 Informações mais detalhadas sobre essas teorias podem ser revisadas em Araújo Neto (2007) e Camel;
Koehler; Filgueiras (2009).
23
Para leituras adicionais quanto a esse congresso, consultar Oki (2007) e Manzano (2009).
71
casos de isomerismo conhecidos. Entre os vários químicos que contribuíram para essa teoria,
destacaram-se: o químico alemão Friedrich August Kekulé von Stradonitz (1829-1896), o
químico escocês Archibald Scott Couper (1831-1892) e o químico russo Alexander
Mikhalovich Butlerov (1828-1886).
Os fatos citados anteriormente nem sempre são destacados durante o ensino-
aprendizagem de isomeria ou na apresentação desse conteúdo nos livros didáticos. Do mesmo
modo, no Ocidente, quase sempre se desconsidera a participação decisiva de Alexander
Butlerov nesse processo, personificando-se a “descoberta” do isomerismo a Berzelius.
Butlerov foi quem conceituou, explicou e previu casos “isômeros estruturais”
(TRINAJSTIC’; GUTMAN, 2002)24. Com base no conceito de “estrutura química”, termo
introduzido por ele na química em 1861 (BUTLEROV, [1861], 1971), ele sintetizou e isolou
substâncias isoméricas utilizando o seu modelo teórico-estrutural (CAMEL; KOEHLER;
FILGUEIRAS, 2009). Ele também foi o primeiro a generalizar, em 1876, que um equilíbrio
dinâmico pode existir entre duas formas isoméricas (WEININGER, 2000). Ideias sobre
isomerizações em equilíbrio reversível são encontrados em trabalhos de Butlerov desde 1862-
186625 (BYKOV, 1962). Entre os trabalhos experimentais em torno da questão do
isomerismo, em 1864, Butlerov também realizou a primeira síntese de um álcool terciário, a
partir da reação entre cloretos de acila com dialquilzincos26.
Butlerov compreendia os isômeros como compostos com a mesma composição
química, mas com propriedades diferentes por apresentarem estruturas químicas diferentes
(KOSTYANOVSKY, 2004; ROJAS ARCE; GARCÍA LEYVA; ÁLVAREZ DÍAZ, 1990).
Desse modo, apesar da composição química ser uma informação necessária para a
identificação de uma substância, ela não é suficiente para esse processo de identificação.
Também é preciso saber sobre a constituição das moléculas que compõem uma substância.
Em relação a esse aspecto tão importante da química, o químico finlandês Edvard Immanuel
Hjelt (1855-1921), afirmou:
24 Para Bytauta, Klein e Schmalz (1999), Alexander Crum Brown (1838-1922) estendeu o conceito de isomeria
de Berzelius propondo a terminologia “isomerismo estrutural”, em 1860, como um ponto importante para a
validade das representações das substâncias. No entanto, como a publicação de BROWN (1864) citada como
referência para a mesma é posterior aos artigos de Butlerov (1861, 1862), alguns historiadores creditam esse
feito ao químico russo.
25
Posteriormente, em 1885, o químico alemão Conrad Peter Laar (1853-1929) propôs o termo tautomeria para
esses fenômenos, mas a sua representação do mecanismo de isomerismo reversível provou ser menos correto
do que o de Butlerov (LEICESTER, 1971).
26
Essa reação que se tornou o único método confiável de produção desses tipos de alcoóis, até 1900, quando
houve o desenvolvimento de uma nova alternativa sintética, realizada pelo químico francês François Auguste
Victor Grignard (1871-1935), conhecida como reação de Grignard (BYKOV, 1962).
72
A explicação geral de Butlerov dada para o fenômeno do isomerismo seguia a sua tese
básica da teoria da estrutura química. Ele associou a relação das propriedades dos isômeros
com as suas estruturas químicas pela existência da “influência mútua dos átomos”, transmitida
ao longo das ligações. Como um resultado dessa influência, os átomos possuiriam diferentes
“valores químicos”, dependendo do seu ambiente estrutural. Em seu artigo sobre o
isomerismo, “Os diferentes caminhos de explicação dos vários casos de isomerismo”, ele
explicou que a dependência das propriedades químicas na estrutura química é manifestada
especialmente nas substâncias isoméricas (BUTLEROV, 1863 apud BYKOV, 1962). Os
átomos são influenciados por outros átomos, dependendo da estrutura química, para
adquirirem “significâncias químicas” diferentes, ou seja, diferentes desempenhos em reações
químicas.
A estrutura química representava o arranjo químico dos átomos em uma molécula.
Esses átomos eram considerados como unidades quimicamente indivisíveis e não como partes
discretas da matéria no espaço. Desse modo, o termo “estrutura química” significava um
desenho ou sumário do comportamento químico de uma substância através de outras
substâncias, ou seja, ela não significava a representação de uma molécula na sua forma física,
como é utilizado atualmente (como gostaríamos de ver a moléculas se pudéssemos vê-la).
Desse modo, para o químico russo, no nível molecular, os isômeros possuem a mesma
quantidade e “tipo” de átomos, mas diferem em suas estruturas químicas. Por outro lado, no
nível fenomenológico, eles diferem em alguma(s) propriedade(s).
A expressão geral contida na tese de Butlerov foi dada, na forma concreta, por muitas
“regras” elaboradas tanto por ele quanto por seus estudantes, especialmente por Vladimir
Vasilyevich Markovnikov (1838-1904) e Alexandr Nikiforovich Popov (1840-1881). Com o
aparecimento da ideia de elétrons no século XX, essas regras e o conceito de “influência
mútua dos átomos” receberam uma interpretação eletrônica.
Em Butlerov, a constituição e a estrutura química são a essência do isomerismo que é
evidenciado por pelo menos uma propriedade diferente dos isômeros. Ele incorporou a
estrutura química como um conceito necessário para entender as relações existentes por trás
dos fenômenos. A sua formulação conceitual instrumentaliza as condições para compreender
as conexões entre as diferentes manifestações desse fenômeno químico, de modo a utilizar um
73
27
A contribuição de Butlerov para a formulação de uma teoria estrutural unificadora para a química e sua
contribuição para o desenvolvimento da química estimulou a escrita de um texto sobre as contradições em
torno da comunidade química em torno da explicação do isomerismo. O interesse pela vida-obra de Butlerov
e por sua grande contribuição à química também estimulou a escrita de outros dois textos. Esse material segue
em anexo ao corpo da tese.
28
O termo estereoquímica foi proposto pelo químico alemão Victor Meyer (MISLOW, 2002a,b).
29
O termo luz plano-polarizada foi proposto, em 1808, pelo físico francês Etienne Louis Malus (1775-1812).
30
Biot descobriu que determinadas substâncias orgânicas, como o açúcar de cana, o ácido tartárico e a
turpentina, tanto em forma pura como em solução desviavam o plano da luz polarizada.
75
A proposta de van’t Hoff e LeBel foi mais uma contribuição para que houvesse uma
teoria estrutural unificadora para a química. Como se aceita atualmente, para van’t Hoff as
propriedades de um material surgem pelas relações íntimas dos seus constituintes e a fórmula
constitucional é hábil para explicar as propriedades dos corpos que elas representam
(WEININGER, 2000). Nesse caso, a fórmula constitucional pode ser representada de um
modo tri-dimensional, a fórmula estereoquímica. Esse tipo de compreensão permitiu que os
químicos solucionassem o problema dos isômeros oticamente ativos, levando ao
entendimento de diferentes tipos de estereoisômeros, como os enantiômeros. van’t Hoff e
LeBel também postularam modelos teóricos para explicar e prever casos outros casos de
estereoisomeria, relacionados à isomeria conformacional e à isomeria cis-trans.
O átomo de carbono tetraédrico era utilizado para explicar muitas questões da química.
Essas ideias foram ainda mais disseminadas no livro de van’t Hoff, publicado com apoio do
químico alemão Johannes Wislicenus (1835-1902). Em relação ao isomerismo, verificou-se
que os compostos que possuíam átomos de carbonos assimétricos (ligados a quatro átomos ou
grupos de átomos diferentes) possuíam atividade ótica, enquanto que aqueles que não
possuíam carbonos assimétricos não a apresentavam. Além disso, o número de isômeros
óticos era sempre igual ao número predito na teoria de Van'tHoff-LeBel (2n, onde n é igual ao
número de carbonos assimétricos).
A questão estereoquímica foi levada à ideia de conformação. Tanto Le Bel quanto
van’t Hoff propuseram que a isomeria existente entre o ácido fumárico e o ácido maleico
(figura 1) resultava do impedimento da rotação da ligação entre carbonos, por causa da C=C.
Figura 1 - Representações estruturais do ácido butenodióico
31
Em 1902, Ficher recebeu o prêmio Nobel por seus trabalhos na estrutura e síntese de açúcares e outras
substâncias orgânicas como a purina.
32
van’t Hoff foi o primeiro cientista a receber o Prêmio Nobel de Química, por seus trabalhos em físico- química
33
Por causa dessas contribuições alguns o consideram “o pai” da química de coordenação e da estereoquímica.
77
de vizinhos mais próximos. Os números de coordenação mais comuns são: seis, que
correspondem basicamente a complexos com geometria octaédrica; e quatro, referente a
complexos quadrado-planares ou tetraédricos.
Werner verificou que também há isomerismo entre os complexos inorgânicos,
resultando em isômeros constitucionais e estereoisômeros de compostos de coordenação
(LEE, 1996). Há diferentes tipologias para os isômeros constitucionais: i) isômeros de
ionização, relacionada à troca de posição entre os íons da primeira esfera de coordenação com
os da segunda esfera; ii) isômeros de hidratação, quando há, na primeira esfera, a substituição
de um íon da segunda esfera de coordenação por uma molécula de água; iii) isômeros de
ligação, quando alguns ligantes possuem mais de um átomo em condições de coordenação; iv)
isômeros de coordenação, por causa da possibilidade existir troca de ligantes, quando tanto o
cátion quanto o ânion são íons complexos; v) isômeros de posição, possibilidade de
ocorrência em complexos polinucleares, quando uma troca de ligantes entre os diferentes
núcleos metálicos origina isômeros de posição. A figura 2 exemplifica essa particularização
do isomerismo em substâncias inorgânicas.
Figura 2 - Exemplos de isômeros constitucionais em compostos de coordenação
34
Há diferentes casos de controvérsias científicas associadas à proposição de uma teoria estrutural, que também
explicasse o isomerismo. Por questão de espaço, essa discussão não foi detalhada no corpo da tese, mas se
encontra em um texto anexado ao trabalho.
79
ESTEBAN, 2008; IUPAC, 1997). Essa modificação foi proposta porque qualquer isômero
possui uma estrutura diferente do outro. Além disso, a estrutura química abrange constituição
(conectividade), a configuração e a conformação, esses dois últimos aspectos se referem à
estereoquímica.
A constituição é uma característica que relaciona a quantidade e os tipos de átomos à
conectividade existente entre eles. Desse modo, a constituição exprime a estrutura das
moléculas, representando um “mapa” bidimensional, no qual estão indicadas as ligações
interatômicas. Apesar de a constituição poder ser representada por uma representação gráfica
bi-dimensional (2D), não significa que a molécula seja necessariamente plana. Por isso, a
terminologia “isômeros planos” também não é recomendada para designar os isômeros
constitucionais (IUPAC, 1997). No isomerismo constitucional, duas ou mais substâncias têm
a mesma fórmula molecular, porém exibem diferenças na conectividade entre os seus átomos.
Devido à possibilidade de combinações dos átomos dentro de uma determinada
estrutura, o número de isômeros constitucionais relacionados a uma dada fórmula molecular
pode ser muito grande35. Em moléculas orgânicas que apresentam muitos átomos, essa
probabilidade aumenta ainda mais. Por exemplo, há mais de 4 (quatro) mil isômeros de
fórmula C15H32 e mais de 4 (quatro) bilhões com a fórmula C30H62 (MCMURRY, 2005). Tal
fato ressalta as diversidades estruturais dos isômeros e as suas respectivas variações em
termos de propriedades químicas e físicas, que às vezes são bastante diferentes. Por exemplo,
o 2,2,4-trimetilpentano ou isoctano (C8H18) é utilizado como índice de referência para a
avaliação da detonação da gasolina, consequentemente da sua qualidade, diferente dos seus
outros isômeros constitucionais, alguns deles exemplificados na figura 4.
35
A possibilidade de isomerismo abriu um campo de pesquisa na química computacional para desenvolver
programas voltados a identificar estruturas de isômeros e avaliar suas possíveis propriedades. Propostas nesse
sentido podem ser vistas no trabalho de Bytautas et al. (2000)
81
36
Segundo Solomons e Fryle (2006, p. 105): “Ser superponível é diferente de sobreponível. Quaisquer dois
objetos podem ser sobrepostos simplesmente colocando-se um objeto em cima do outro, sejam os objetos
iguais ou não. Para superpor dois objetos (como na propriedade da superposição) significa, por outro lado, que
todas as partes de cada objeto devem coincidir. A condição de serem superponíveis deve ser satisfeita para que
as duas coisas sejam idênticas.”
83
.
A) B)
A) Luz comum e B) luz plano-polarizada
Fonte: http://qnint.sbq.org.br/qni/ (Acesso em: 30/06/2012)
luz polarizada, ou seja, para ser quiral, um objeto ou molécula não pode ter determinados
elementos de simetria: plano, eixo impróprio ou centro de inversão.
A atividade ótica dos compostos quirais depende não somente do arranjo espacial dos
seus átomos, mas também do meio em que eles se encontram e é obtida experimentalmente. A
medida do desvio do plano da luz polarizada37 é efetuada num polarímetro. Caso o plano da
luz polarizada seja desviado, a substância é dita oticamente ativa e, então, diz-se que possui
atividade ótica. Quando o desvio da luz plano-polarizada ocorre para a direita, em um ângulo
+ , a substância é chamada de dextrorrotatória (+); quando o desvio é para a esquerda, em
um ângulo – , a substância é chamada de levorrotatória (-)38. Desse modo, os enantiômeros
são opticamente ativos (desviam o plano da luz polarizada) e o fazem em sentidos oposto. A
figura 9 ilustra esse processo.
Figura 9 - Análise de uma substância oticamente ativa, em um polarímetro
37
O termo luz plano-polarizada foi proposto em 1808 pelo físico francés Etienne Louis Malus (1775-1812).
38
Os prefixos d, l e dl foram utilizados por muito tempo, em correspondência aos prefixos (+), (-) e (±)
respectivamente, mas eles têm o uso fortemente desencorajado pela IUPAC (1997).
85
enantiômeros, como pode ser verificado nas diferenças de temperaturas de fusão, solubilidade e
calor de fusão (SMITH; MARCH, 2007).
Os átomos tetraédricos com quatro grupos diferentes eram chamados de átomos
quirais ou átomos assimétricos. A partir de 1984, Mislow e Siegel (1984) apontaram que o
uso da terminologia “carbono quiral” ou “carbono assimétrico” estava representando, desde o
período de Van’t Hoff, uma fonte de confusão conceitual na estereoquímica. Assim veio a
decisão de utilizar o termo “centro estereogênico”, baseando-se na reflexão de que a
quiralidade é uma propriedade geométrica que impregna e afeta todas as partes de uma
molécula quiral. Logo, todos os átomos de uma molécula assimétrica estão em um ambiente
quiral, consequentemente, todos são chamados de quirotópicos (CINTAS, 2008).
Há outra nomenclatura atribuída aos enantiômeros, igualmente adotada pela IUPAC.
Ela é baseada na configuração absoluta de um centro estereogênico. No caso dos carbonos
estereogênicos, eles recebem os prefixos R ou S para diferenciá-los, seguindo o sistema de
regras teóricas Cahn-Ingold-Prelog (CIP), desenvolvido pelos químicos britânicos Robert
Sidney Cahn (1899-1981) e Christopher Kelk Ingold (1893-1970) e pelo químico croata
Vladimir Prelog39 (1906-1998), em 1966 (FUJITA, 2004). Esse sistema é exemplificado para
o aminoácido fenilglicina (figura 10).
Figura 10 - Aplicação da regra R e S de Cahn-Ingold-Prelog para a determinação da
configuração absoluta de carbonos estereogênicos
39
Prelog laureado com o Prêmio Nobel de Química em 1975, juntamente com John Cornforth, pela sua grande
contribuição ao estudo da estereoquímica das moléculas orgânicas (REZENDE, 2007).
86
S-(+)-carvona R-(-)-carvona
Odor de cominho Odor de menta
Fonte: http://www.dgaryyoung.com/blog/tag/essential-oil/page/6/ (Acesso em: 30/06/2012)
HO H H OH
S
(-) – Rincoforol R
(+) – Rincoforol
Fonte: o próprio autor.
N N
O N O N
O O
R-(+)-Talidomida (Ativo) S-(-)-Talidomida (Teratogênico)
40
Embora não fosse diretamente prejudicial, comprovou-se que no organismo pode ocorrer uma racemização, na
qual o isômero ativo (R) se transforma no isômero teratogênico (S) (KNOCHE; BLASCHKE, 1994).
88
Varfarina
Propafenona
41
O termo diastereoisômero não existia até o início do século XX, quando é utilizado, em 1907, na segunda
edição do livro texto de química orgânica editado por Victor Meyer e por seu estudante Paul Jacobson
(MISLOW, 2002a,b).
90
Ângulo diedral
42
Barton e Hassel foram vencedores do prêmio Nobel por seus trabalhos nesse campo.
91
isômeros conformacionais que podem ser detectados por períodos mais longos, como
conformeros protéicos e derivados de ciclohexano. Um exemplo que ilustra essa discussão é
dado pela análise conformacional do S-(−)- óxido de limoneno, que é um metabólito
secundário dos vegetais (um terpenóide) e um produto atmosférico poluente, resultante da
oxidação de outros terpenos. Para essa substância, cálculos teóricos revelam a existência de
dois conformeros, que são dependentes das posições do grupo isoprenil (axial e equatorial), e
de doze rotâmeros (seis equatoriais e seis axiais), sendo os equatoriais mais estáveis (figura
17). No entanto, apenas cinco dos rotâmeros puderam ser detectados experimentalmente em
fase líquida (GONZÁLEZ et a.l, 2009).
Figura 17 - Rotâmeros teoricamente mais estáveis do conformero do S-(−)-Limonene óxido
43
Em SANTOS et al (2007) há uma importante discussão sobre o atropoisomerismo mostrando o efeito da
quiralidade axial em substâncias bioativas.
93
Figura 20. Condição para que compostos alênicos apresentem isomeria ótica
A X
C C C
B Y
A B X Y
exibir efeitos bem distintos. Esse é o caso da muscalure (figura 21), Z-9-tricoseno, que é
feromônio sexual da mosca doméstica (Musca domestica) e, por isso, usado em armadilhas
para prender moscas. O seu isômero E não possui essa atividade biológica.
muito baixas, e com períodos de existência extremamente curtos das espécies produzidas tem
levado a critérios experimentais definidos e de métodos de observação nas conceituações de
isomerismos (SLANINA, 1981). Baseando-se nessas condições, propõe-se que: isômeros são
espécies químicas individuais, com a mesma fórmula molecular e estruturas diferentes, que
apresentam pelo menos alguma propriedade físico-química diferente, e são estáveis por
longos períodos de tempo, em comparação com aqueles durante os quais as medições de suas
propriedades são realizadas (MISLOW, 2002).
A compreensão do isomerismo ao longo da história da química moderna está
associada algumas propostas para estabelecer um conceito que levasse à identificação de
isômeros e explicasse tanto as suas manifestações em termos de substâncias diferentes quanto
nas propriedades exibidas. No quadro 3, indicam-se as características associadas às principais
definições, que generalizam o conceito de isômeros.
existentes entre as estruturas químicas das suas moléculas. Essa relação unitária contribuirá
para os aspectos termodinâmicos, relacionados às estabilidades energéticas, e para os aspectos
cinéticos. Em moléculas mais complexas, essas interações unitárias podem levar a novas
exigências para compreensão das propriedades exibidas, que levem à necessidade de
interpretações com o uso de outros tipos de modelos, como a mecânica quântica.
Diferentes teorias e modelos foram desenvolvidos ao longo da história da química. Esse
processo materializa o esforço humano para se dotar de um referencial para instrumentalizar a
identificação e síntese de substâncias, e a explicação das suas propriedades. A formulação de
uma teoria estrutural para a química orgânica foi fundamental nesse processo. Atualmente,
apesar de também ganharem um tratamento químico-matemático, baseado na mecânica
quântica, o modelo teórico-estrutural mantém-se efetivo para compreensão de muitos
fenômenos e processos relacionado às substâncias orgânicas, particularmente às substâncias
isoméricas.
A generalização contida no conceito de isômeros indica que, para qualquer caso típico
de isomerismo, independentemente do tipo e das condições de análise, a composição química
idêntica e a diferença na estrutura química implicará em pelo menos uma propriedade físico-
química diferente. Conhecendo-se essa essência é possível compreender os diversos casos de
isomeria e explicar as suas propriedades. Em alguns momentos essas explicações podem ser
mais facilmente realizadas, por causa das simplicidades e/ou semelhanças estruturais entre os
isômeros. Já em outros, elas podem ter um grau de dificuldade maior, por causa das
complexidades das estruturas envolvidas. De todo modo, assim como ocorre, de modo geral,
com as demais substâncias, as propriedades dos isômeros podem ser explicadas dentro de uma
relação causa-efeito, como resultante das possíveis interações proporcionadas por suas
estruturas químicas. Esse tipo de relação é tomada pelo Enfoque Histórico-Cultural em
relação à habilidade explicar.
procedimentos, que indiquem a compreensão entre o “fazer ciências” e o “falar das ciências”
(NÚÑEZ; SILVA, 2008).
A ciência é uma atividade humana que tem se desenvolvido ao longo dos séculos por
meio de pessoas e de grupos interessados em explicar o mundo natural, elucidando os porquês
dos fenômenos biológicos, físicos e químicos. Na ciência, um fato e sua correta explicação
são inseparáveis (CONCARI, 2001). A comunidade científica considera que o conhecimento
científico é uma forma de acesso ao mundo, outorgando-lhe sentido e procurando explicá-lo.
A necessidade da elaboração e uso de explicações de conceitos científicos no ensino-
aprendizagem de ciências naturais exemplifica a exigência do domínio da habilidade explicar,
uma habilidade cognitivo-linguística. Além de saber utilizar o conhecimento científico, o
“saber explicar” envolve o uso de outras habilidades, pois, quando se explica se explica algo e
este algo precisa necessariamente da utilização de outras habilidades mais gerais, como as
habilidades de definir, de descrever, de identificar, de caracterizar e de classificar. Essas
habilidades se relacionam e, na sua integração no ensino de ciências, a habilidade identificar
ocupa um destaque. Definem-se, descrevem-se, caracterizam-se e classificam-se objetos, que
precisam ser identificados.
A habilidade de identificar guarda uma forte relação com a habilidade de explicar. Por
exemplo, explica-se fazendo uso de coisas identificáveis ou não. Além disso, muitas vezes,
uma identificação se associa à necessidade de se explicar o porquê da escolha de determinado
objeto ou de um processo para selecioná-lo.
Por causa das semelhanças e diferenças entre as características dos objetos,
fenômenos, feitos ou processos em análise, também há uma relação bastante estreita entre a
habilidade de identificar e outras habilidades gerais. Por exemplo, para saber identificar é
preciso usar procedimentos usados na definição e na comparação. Assim, além de enriquecer
a capacidade de síntese dos estudantes, a habilidade de identificar contribui para a
sistematização dessas outras habilidades gerais. Com base nas propostas de autores que
utilizam o enfoque histórico-cultural, como Núnez e Ramalho (2012; 2011), Talízina (1988,
1987), sistematizou-se no quadro 4, mostrado a seguir, as características de algumas das
habilidades associadas ao domínio da habilidade explicar.
98
44
Esse termo parte das discussões de Talízina (1988) quanto à lógica das propriedades essenciais. Ela aponta as
propriedades essenciais como necessárias para a inclusão de um ou mais objetos em um determinado conceito,
mas que existem propriedades nem sempre essenciais que são suficientes para a identificação dos objetos.
99
uma estrutura conceitual para um fenômeno (por exemplo, fato, lei, teoria) que leva a um
sentimento de entendimento no leitor/ouvinte. A estrutura conceitual explanatória vai além do
fenômeno original, integra diversos aspectos do mundo, e mostra como o fenômeno original
decorre da estrutura” (BREWER; CHINN; SAMARAPUNGAVAN, 1998, p. 120).
As explicações científicas dependem das opiniões, teorias e visões de mundo daquele
que propõe a explicação e cujos comportamentos organizam a história (MARTINS et al,
1998). Para se explicar algo é necessário ter construído determinadas associações do mundo
da ciência e utilizá-las de forma que não só se dê sentido ao que se deseja ensinar, mas que,
além disso, seja entendido por outros. No entanto, uma explicação científica permite a
compreensão de um fenômeno, um feito ou um comportamento, mas sem modificar o seu
valor epistemológico. Dessa forma, os sujeitos devem ter consciência do significado dos
termos das teorias que utilizam para explicar. Ogborn et al. (1997) comparam uma explicação
científica a um iceberg, onde para se explicar a parte visível (a parte emergente, ou seja, o que
se vê do “mundo’’) é preciso se conhecer a parte submersa, que frequentemente é muito
maior. Por isso, para se poder dar uma explicação é necessário se utilizar do que a ciência tem
construído ao longo dos séculos, do conhecimento socialmente construído.
Para Leinhardt (1988, p. 56-57), “[...] o coração de cada episódio do ensino é a
explicação de uma idéia ou fenômeno independentemente do tipo de ensino; a construção de
uma explicação é fundamental no processo de aprendizagem”. Conforme apontam Núñez e
Ramalho (2011), as explicações são uma forma mediadora da comunicação, materializada em
discurso construído a partir da linguagem verbal. Nas ciências e no ensino de ciências, ela
requer o uso de ações para diferenciar o fenômeno da sua essência, conectando a situação
final e a inicial do fato apresentado, por meio de diversas relações causa-efeito. Gilbert et al.
(2004) classifica as explicações em cinco tipos: i) intencional, na qual se pergunta “Por quê?”,
ou seja, solicita-se uma explicação ao problema a ser respondido; ii) descritiva, na qual se
deseja saber “Como se comporta o fenômeno explicado?”; iii) interpretativa, quando se deseja
conhecer “Qual é a composição do fenômeno?”; iv) causal, ao se buscar respostas para “Por
que o fenômeno se comporta dessa forma e não de uma outra?”; e v) preditiva, no sentido de
“Como se deve comportar um fenômeno em outras circunstâncias?”.
As explicações sobre como algo acontece ou porque acontece de um determinado
modo são muitas vezes respondidas por meio de relações de causa-efeito (STRAWSON,
2002). Essas explicações causais são as mais frequentes tanto no cotidiano quanto na física e
na química. No entanto, as explicações do cotidiano normalmente estão calcadas nas
concepções espontâneas, ou seja, sem uma base científica. Esse tipo de comportamento
102
também está presente nas salas de aulas. Usualmente se depara com o problema da
incompatibilidade entre o nível explicativo utilizado pelo estudante e o que dele se espera,
justamente porque ele utiliza explicações baseadas no senso comum.
Martins et al, (1999) atentam para o fato de que as explicações científicas utilizam
“entidades” ontológicas cujas propriedades e tendências “produzem” os fenômenos. Portanto,
se o estudante não conhece essas propriedades, as suas explicações podem ser utilizadas
apenas para dar respostas memorísticas ao esperado pelo professor, reproduzindo as
expressões socializadas em sala e/ou às disponibilizadas no livro didático. Nesse sentido,
como alertam Núñez e Silva (2008) uma explicação não significa a reprodução de uma
“explicação-pacote”, pois ela é um processo cognitivo-afetivo, que mobiliza de forma
dinâmica o saber científico apropriado pelos estudantes para comunicar as razões que
justificam a existência de um fenômeno ou processo. Porém, conforme relembram Madrazo,
Carrazana, e Miranda (2005), é preciso atentar que para o estudante é difícil diferenciar entre
o nível dos fatos que deve explicar e o nível do referencial teórico a ser utilizado na sua
argumentação.
Abordando as interações discursivas no ensino-aprendizagem de ciências, Mortimer
(2000) discute que as explicações podem ser caracterizadas como “empíricas” ou “teóricas”.
Assim, as que se utilizam de referenciais (constituintes ou propriedades de um sistema ou
objeto) diretamente observáveis são caracterizadas como empíricas. Já as que utilizam
referentes não diretamente observáveis, mas que são criados por meio do discurso teórico das
ciências, como no caso de modelos para a matéria, são caracterizadas como teóricas. No
entanto, seja empírica ou teórica, uma explicação científica envolve o uso de algum modelo
teórico ou mecanismo para se referir a um fenômeno ou sistema específico.
A linguagem verbal exerce um papel primordial na formulação das explicações. Por
isso, os professores têm a tarefa de auxiliar os estudantes nas formas próprias da linguagem
científica, tanto dos conhecimentos quanto das necessidades linguísticas para expressão dos
seus argumentos explicativos; no caso da química, utilizando-se a linguagem própria dessa
ciência. Ao discutirem a importância da explicação no ensino de química, Núñez e Silva
afirmam que, quimicamente, “Explicar é contar como moléculas, átomos, elétrons (entre
outras espécies químicas) atuam, representando um fenômeno ou acontecimento. Dessa
forma, os estudantes aprendem a usar os conceitos e as teorias, a pensar com as espécies
químicas” (NÚÑEZ; SILVA, 2007). Ao aprender a explicar, o estudante passa a dominar e
exibir as qualidades de um objeto ou fenômeno químico, tendo como base uma teoria ou
modelo da química.
103
45
As principais críticas em quanto à posição assumida pelo Estado brasileiro em relação às reformas
educacionais implantadas a partir da década de 1990 se devem ao fato dele ter assumido estratégias de ação
modeladas em um processo produtivo, fundamentado em numa lógica excludente de mercado, na qual a
competitividade, o consumo e o globalitarismo habitam e comandam a vida das nações (SANTOS, 2000).
108
46 Observa-se que tanto do ponto de vista psicológico quanto didático, o conceito de habilidade se relaciona de
alguma forma com as ações. Apesar disso, mesmo dentro dessa Escola, alguns autores defendem que a
109
linguagem da psicologia é das ações, enquanto que a das habilidades é da didática, conforme indicam Bacallao
Cabrera et al. (2007).
110
habilidades, esta sistematização deve levar implícita não só a repetição e o reforço das
ações, mas também ao seu aperfeiçoamento.
Os autores do Enfoque Histórico-Cultural compartilham da ideia de que a habilidade
sempre é resultado da aprendizagem e se desenvolve no processo de interação do sujeito com
a natureza e com a sociedade. Por isso, as habilidades são consideradas formações
psicológicas em que o sujeito manifesta de forma concreta a dinâmica da atividade com o
objetivo de elaborar, transformar, criar objetos, resolver problemas e situações, e atuar sobre
si mesmo. Esse tipo de relação reforça que, além de ser uma categoria psicológica, a
habilidade é um conceito vinculado a aspectos pedagógicos.
A habilidade é uma categoria psico-pedagógica, utilizada na organização e na
condução do processo de ensino-aprendizagem. No Enfoque Histórico-Cultural, o ensino-
aprendizagem voltado ao desenvolvimento de habilidades se constitui em uma via para um
objetivo mais amplo: “(...) a formação cultural integral, obtendo-se um equilíbrio adequado
entre a formação técnico-científica e o pleno desenvolvimento do homem”. (CHÁVEZ, 2005,
p.221). A formação de habilidades está dialeticamente vinculada à apropriação de
conhecimentos, em um processo direcionado ao desenvolvimento e preparação do homem
para a vida social e, como condição dela, para a atividade profissional.
As habilidades são uma das formas de assimilação da atividade e ao mesmo tempo
elas surgem e desenvolvem-se na própria na atividade pedagógico-didática. As habilidades
expressam um saber fazer, para a qual um estudante precisa tomar decisões e realizar uma
série de ações para atingir uma meta, de forma intencional, ordenada e não aleatória. De
acordo com Álvarez de Zayas (1999, p.71):
Assim, sob o ponto de vista pedagógico, uma habilidade se configura como uma
instrumentação executora, que dirige o processo de aprendizagem por meio de ações e
operações.
A formação de habilidades exige atenção voluntária e consciente, a assimilação real do
sistema de ações que a conformam, bem como do conhecimento ao qual está associada. Dessa
forma, uma habilidade não poder ser concebida sem um corpo de conhecimentos para apoiá-
111
la, ou seja, não se pode entender o sistema de conhecimentos e o sistema de habilidades como
sistemas independentes ou paralelos.
A formação de habilidades se destina a proporcionar tanto os elementos que permitem
um estudante ou um licenciando se orientar nas condições que realiza a atividade, nos
objetivos da mesma, assim como nos métodos a empregar. Nesse processo formativo, ele
deve regular os aspectos destinados à apropriação dos conhecimentos e a colocá-los em
prática, controlando a sua execução de forma consciente e adequada. Por isso, a formação de
uma habilidade deve ocorrer com base nas suas particularidades, ou seja, na sua estrutura.
Uma habilidade possui estrutura interna e uma estrutura operacional. A estrutura da
atividade proposta por Leontiev (1983) serve como uma base para a estrutura interna das
habilidades, cujos componentes são: os conhecimentos, a base gnoseológica; os motivos e os
objetivos, o componente indutor; e o sistema de ações e operações, o componente executor.
Os conhecimentos são os objetos das ações dos sujeitos. A respeito disso, Talízina
afirma que:
Podemos falar sobre os conhecimentos dos alunos na medida em que eles sejam
capazes de realizarem determinadas ações com estes conhecimentos. Isso é correto
já que os conhecimentos sempre existem unidos estreitamente a uma ou outras ações
(habilidades), os mesmos podem funcionar em grande quantidade de ações diversas.
(TALÍZINA, 2001, p.13).
47
As operações são as formas de se realizar as ações, dentro de determinadas condições.
112
Dessa forma, na execução do processo formativo, esse sistema (de ações e operações)
propicia uma orientação e um controle da habilidade a ser formada, que ocorre sistemática e
processualmente na solução de tarefas.
A estrutura operacional da habilidade é determinada pelas invariantes funcionais da
sua execução. As invariantes funcionais carregam uma lógica, caracterizada por uma
sistematicidade de ações, por meio do qual se manifesta a sua estrutura psicológica
(PETROVSKI, 1980). Portanto, essa estrutura invariante deve ser dominada pelo sujeito.
Não é qualquer ação que indica uma habilidade. Para exibir o domínio de uma
habilidade um estudante precisa exibir o domínio das invariantes funcionais. Assim, para se
reconhecer a presença de uma habilidade é necessário se constatar que na execução da ação
seja exibido um grau de sistematização conduzente ao domínio do sistema de operações
essenciais e necessárias para a sua realização.
Com base na utilização de indicadores qualitativos, uma habilidade pode se identificar
como um conjunto de funções e comportamentos consolidados pelo estudante, que são
factíveis de serem detectados e monitorados (GALPERIN, 2001/1965; 1978). Isso torna
possível controlar o nível de desenvolvimento de uma habilidade em um dado momento e
planejar futuros objetivos de aprendizagens, com base nas habilidades previamente
adquiridas, aplicando os conceitos de zona de desenvolvimento real e zona de
desenvolvimento próximo (NÚÑEZ, 2009).
O estudo da habilidade como forma de assimilação da atividade, sobre a base de um
enfoque estrutural e processual, permite que o estudante seja visto como um sujeito ativo de
sua aprendizagem. Por isso, ele precisa dominar os modos de atuação necessários para a
apropriação conceitual, destacando-se a significância da base orientadora da ação para esse
processo. Assim, a formação de habilidades deve considerar que o estudante tenha
consciência do “quê”, do “para quê, do “com o quê”, do “como” e do “até onde” do modo de
atuação ao longo de todo o processo dessa apropriação. Com isso, busca-se proporcionar uma
maior clareza ao processo de ensino-aprendizagem acerca do objeto de estudo sobre o qual o
sujeito atua (por exemplo, um conceito ou uma propriedade química) e da delimitação da ação
a ser executada sobre esse objeto segundo o objetivo a ser alcançado. Com isso, o estudante
deve adquirir consciência tanto da formalização do conhecimento, em uma linguagem
científica, como da compreensão do processo de apropriação e do seu resultado.
Os domínios das invariantes das habilidades asseguram o desenvolvimento de
capacidades cognoscitivas na personalidade do estudante, fornecendo-lhe as potencialidades
para enfrentar problemas complexos e resolvê-los mediante a aplicação das mesmas. No
113
A teoria da formação planificada das ações mentais e dos conceitos, desenvolvida por
Galperin48, iniciou uma nova fase na psicologia, por considerar como o seu objeto de estudo a
atividade orientadora, ao abordar o processo de formação da ação mental a partir da ação
externa, sob um ponto de vista derivado da teoria da atividade. Além de um método de estudo
da formação ontogenética da atividade psíquica, essa teoria também foi aplicada por Galperin
ao processo de aprendizagem. Ela foi enriquecida e ainda mais direcionada ao ensino,
principalmente por Talizina (GALPERIN, 1976), e tem se qualificado como uma teoria
bastante comprometida com o desenvolvimento psíquico do estudante, conforme destaca
León (1999, 1984).
Muitos psicólogos soviéticos se dedicaram à busca por demonstrações, tanto teóricas
quanto experimentais, para explicar a capacidade humana de transformar a experiência social
em experiência individual, o movimento do interpsicológico ao intrapsicológico49. Nesse
esforço, em especial ao longo das décadas de 1930 a 1950, a unidade entre a atividade
material e a atividade psíquica se constituiu como o principal objeto de estudo da psicologia
soviética como um todo e mais especificamente nos pesquisadores do Enfoque Histórico-
Cultural. Considerando-se que a ciência não estuda precisamente os fenômenos, mas aquilo
que está por trás deles e o que os produz, ou seja, busca a sua essência, os seus mecanismos,
sob os fundamentos do marxismo-lenismo, as investigações desses pesquisadores sobre o
48
A vida-obra de Galperin produzida nos seus setenta e seis anos de existência é diversificada e extensa.
Recentemente, Núñez e Oliveira (2012) divulgaram um levantamento detalhado sobre esses aspectos, que se
constitui em uma valiosa contribuição aos interessados na Escola de Vigotski, especificamente nesse que foi
um dos seus mais expressivos representantes.
49
Uma detalhada abordagem sobre o desenvolvimento da psicologia na União Soviética pode ser encontrada em
Almeida (2008). Em seu trabalho ele destaca que no interior da psicologia soviética havia quatro escolas: a
criada e desenvolvida por Sergei L. Rubinstein (1889-1960) e seus colaboradores; a desenvolvida por Dimitri
N. Uznadze (1886-1950) e colaboradores; a de Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) e colaboradores; e a
comandada por Vigotski e continuada por seus colaboradores e seguidores, como Leontiev, Luria, Galperin,
Elkonin, Zaporojets, Bojóvitch, Morozova, Levina, Slavina e Davydov. Cada uma dessas escolas possuía a sua
história particular, os seus eixos de pesquisa e elaborações sobre o psiquismo e os seus processos de
intervenção. Elas receberem fortes influências filosóficas, epistemológicas, sociológicas e políticas tanto do
período pré-revolucionário quanto e principalmente das décadas que consolidaram o regime socialista. Outros
dados importantes para a compreensão desse contexto de estabelecimento da psicologia soviética podem ser
encontrados no trabalho de Prestes (2012).
116
50
Lênin discute sobre a formação do reflexo (ou da imagem, do alemão: Abbild) psíquico da realidade nas suas
duas principais publicações filosóficas, “Materialismo e empiriocentrismo” e “Cadernos filosóficos”. Tal
questão também é abordada em diferentes obras de Marx e Engels.
51
Segundo Marx: “Em nenhum setor pode ocorrer um desenvolvimento que não negue as suas antigas formas de
existência” (MARX; ENGELS, p.297). Na negação dialética marxista retêm-se as partes do antigo que devem
ser incorporadas em um novo estágio (aufheben – a superação por incorporação). Assim, o novo não elimina
totalmente o velho, mas conserva o que ele tem de melhor e o transforma, elevando-o a um grau superior.
117
52
Um exemplo da expressão da linguagem externa em voz alta pode ser verificado nas situações quando temos
algum tipo de dificuldade de pensamento e passamos a falar em voz alta, sozinhos ou esquecendo que estamos
na presença de outras pessoas.
118
Essa linguagem interna se converte em uma linguagem abreviada e descontínua, que atua
genética e funcionalmente como um meio para se passar da linguagem externa à “ideia
pura”53 e, novamente, à linguagem externa.
Após essas contribuições de Vigotski, a psicologia soviética passou a dar novos
sentidos a tais relações entre o pensamento e a linguagem. Uma maior atenção se direcionou
ao desenvolvimento de estudos para compreender as relações entre a atividade psíquica e a
atividade externa, objetal, do sujeito. A ênfase residia na significação consciente da atividade
humana. Nesse sentido, Leontiev enfatizara que a origem da atividade psíquica não provém
apenas de formas de comunicação verbal, mas também de outras formas de atividade, nas
quais há a dependência múltipla do “psíquico” das formas externas objetais de atividade
(GALPERIN, 1976). Para Leontiev (1978, p. 235), “[...] o desenvolvimento, a formação das
funções e faculdades psíquicas próprias do homem enquanto ser social são produzidos sob
uma forma absolutamente específica – sob a forma de um processo de apropriação, de
aquisição”. As funções psíquicas, especificamente humanas, têm o seu processo de origem e
estabelecimento decorrentes da interiorização da atividade externa dos homens, que se
transforma em atividade interna mediante a atividade desses sujeitos nas suas interações com
os outros homens e com a natureza, ao se apropriar das conquistas das gerações passadas.
Vigotski considerava que o processo psicológico de mediação da criança ocorre no
transcorrer de sua comunicação direta, na interação, com os adultos. Estes lhes ensinam os
sinais e os conceitos. Para Leontiev, a mediação acontece no curso da atividade da criança,
organizada pelos adultos, dentro do processo em que a criança adquire novos métodos de lidar
com signos e com as noções sociais e as científicas. Porém, apesar de concordar com
Leontiev, na visão de Galperin esse conceito de atividade era amplo demais para resolver
algumas questões teóricas e práticas da psicologia, pois se focalizava demasiadamente em um
dos seus componentes, a motivação. Em consequência, o conteúdo operacional da atividade
relacionado ao objeto não foi tão enfatizado e, por isso, não se destacou a alta dependência da
atividade mental da atividade externa.
Para Galperin (1992), um dos principais problemas da psicologia soviética era a
concepção de atividade relacionada ao objeto como um processo não-psicológico e da
atividade mental como um processo não-objetivo. Desse modo, o processo vigotskiano de
53
Galperin (2001) chama atenção para o fato de que tanto a linguística quanto a psicologia soviéticas não
reconhecem a existência de “ideias puras”, de pensamentos liberados da linguagem. Além disso, o pensamento
humano é totalmente verbal. Portanto, não se considera que exista sempre a mesma relação entre os órgãos
periféricos da linguagem e os processos do córtex cerebral. Pelo contrário, em certas condições dadas, essas
relações variam, particularmente quando se forma um estereótipo dinâmico, ou seja, quando se forma um
hábito.
119
interiorização não era explicado e os pontos de vista dualistas sobre a mente e sobre o
material não mudavam. Por isso, Galperin concordou com o fato de ser a atividade humana o
objeto da psicologia, mas não qualquer atividade, e sim a “atividade de orientação”54
(GALPERIN, 2001/1965; TALÍZINA, 1985).
O método de investigação do movimento inter-psicológico ao intra-psicológico
proposto por Galperin considera e recorre também a ideias resultantes de trabalhos de outros
psicólogos soviéticos. Além das pesquisas sobre a conversão das excitações subsensoriais, do
próprio Leontiev, entre as questões mais contributivas tomadas por Galperin destacam-se: os
estudos sobre a formação dos diferentes tipos de ações mentais, de Daniil Borissowitsch
Elkonin (1904-1984); e o papel que possui a organização da atividade orientadora na
formação das ações físicas, de Alexander Vladimirovich Zaporozhets (1905-1981)
(GALPERIN, 2001).
Dos resultados de suas próprias pesquisas e das investigações desses psicólogos do
Enfoque Histórico-Cultural, Galperin aponta três aspectos principais que constituem a parte
mais significativa da teoria da formação por etapas das ações mentais:
i) a extraordinária semelhança entre as condições que garantem o êxito nos processos
psíquicos e daquelas que garantem o êxito em uma atividade externa;
ii) a constatação de uma rápida redução na atividade psíquica (ação externa reprodução
mental da ação redução e automatização);
iii) a existência de três níveis consecutivos e de grau de dificuldade gradativo para a
assimilação: com objetos, na forma de raciocínio verbal e na forma de raciocínio mental.
Para Galperin (2001/1957; 1976), a psicologia se relaciona com a atividade
orientadora mental, cuja origem provém da atividade material (prática). A compreensão da
natureza da atividade objetal e sua relação com os processos psíquicos são articuladas na
teoria galperiana com base em que a ação externa se interioriza, adquirindo a forma de ação
interna ideal55, o denominado “pensamento puro”.
No movimento da ação material para a ação mental, ao se tornar relativamente
independente, a ação psíquica não se torna puramente espiritual 56, ou seja, essencialmente
54
Esse termo deriva das ideias de Pavlov, como pode ser visto em uma das obras de Galperin (1976).
55
Do alemão, ideelle, o termo referente a ideal também pode ser traduzido como reflexo. Segundo Marx
(1883/1985b, p.20), “o ideal nada mais é do que o material transposto e traduzido na mente do homem”. Nas
palavras de Iliyenkov (1978, p.186), o materialismo compreende o ideal como a “forma determinada da
atividade social do homem, que cria objetos de uma ou outra forma, nasce e existe não na cabeça, mas com a
ajuda da cabeça na atividade material real como agente efetivo da produção social”.
56
Conforme indica Afanasiev (1985), a atividade consciente espiritual do homem envolve os seus pensamentos,
sentimentos, vontade, pontos de vistas etc.
120
material para o plano mental. Esses dois sistemas são articulados e constituem as etapas para a
formação planificada das ações mentais e dos conceitos.
O sistema de indicadores qualitativos oferece um "quadro", uma forma concreta para a
formação de ação. Os parâmetros da ação atuam como instrumentos qualitativos processuais
para o planejamento, a execução e o controle da formação da ação, envolvendo tanto as
representações de um plano geral quanto dos produtos intermediários e dos produtos finais.
Desse modo, a organização desse conjunto pode resultar em uma escala para se medir
objetivamente a qualidade da ação.
O quarto sistema de condições contém uma descrição psico-pedagógica para
organizar, executar e avaliar a formação da ação e dos conceitos, por meio das seis etapas
propostas, tomando por base determinados indicadores qualitativos, previamente
selecionados.
Galperin conseguiu sistematizar e operacionalizar concretamente uma via para a
aprendizagem do alfabeto cirílico ao propor e utilizar o seu método de formação por etapas
das ações mentais. Segundo Talízina (2009, p. 127), “[...] essa é a teoria que propõe de forma
mais completa e construtiva as regularidades da assimilação”. Conforme discute essa autora,
ele não se limitou a teses gerais sobre a atividade, nem simplesmente em destacar a ação
como unidade de análise da atividade psíquica. Galperin converteu a investigação da gênese
das ações mentais em método de estudo da atividade psíquica e estudou os tipos concretos da
atividade psíquica a partir das ações que os compõem (TALÍZINA, 1988). Como destaca
León (1996, 1984), um dos seus méritos foi o de ter descoberto a forma e os meios da
formação dos processos psíquicos em todas as formas que eles podem adotar.
Na proposta galperiana a base da assimilação dos conhecimentos não está só na
percepção dos objetos que nos rodeiam, mas na ação realizada com eles, tanto a prática
(externa) quanto mental (interna). Essa ação é possível pela via de uma atividade planejada,
de modo que os processos psíquicos se instituem em órgãos funcionais da própria atividade.
Desse modo, a formação de processos mentais, o pensamento lógico, a atenção, o domínio da
língua materna e estrangeira, o pensamento metafórico e os conceitos das disciplinas escolares
podem ser aprendidos eficientemente se houver um modelo planejado da atividade
(FARIÑAS LEÓN, 1996). Esses processos mentais logo se incorporam à rede da dinâmica
dos processos de aprendizagem, criando, ampliando e enriquecendo novas possibilidades de
aprendizagem, na forma de uma espiral dialética que potencializa o desenvolvimento.
Psicólogo comprometido com a formação de uma psicologia genuinamente soviética,
que contribuísse para a formação de um novo homem para um novo tipo de sociedade, apesar
123
de não ter sido a ideia original, Galperin vinculou a sua teoria à aprendizagem escolar. No seu
direcionamento aos processos educacionais concretos, ele se dedicou especialmente à
aprendizagem do alfabeto cirílico e a conceitos básicos de matemática, especialmente via
trabalhos com Talízina (NÚÑEZ; OLIVEIRA, 2013). Considerando a necessidade social da
sua época e o desafio em compreender a formação da atividade mental humana, a teoria da
formação planificada das ações mentais e dos conceitos atende a um dos principais objetivos
do seu autor e de grande parte dos psicólogos soviéticos: instrumentalizar os conceitos de
mediação, interiorização e atividade na organização de um ensino para o desenvolvimento dos
estudantes em período escolar, especialmente das crianças.
O sentido proporcionado por Galperin ao processo de interiorização em sua teoria se
relaciona diretamente à formação de conceitos científicos no processo de aprendizagem. De
acordo com essa visão, a formação de conceitos é a base do processo da formação das ações
mentais e a assimilação do conceito é um processo de sua aplicação, vinculado ao
desenvolvimento de habilidades. Tais aspectos serão enfatizados a partir desse momento e
indicam o potencial dessa teoria no ensino-aprendizagem de conceitos químicos, como no
conceito de isômeros.
das formas universais das coisas [...]”. (DAVIDOV, 1988, p. 125). Assim, de modo diferente
de outras concepções, segundo a Escola de Vigotski, o pensamento teórico é a atividade
mental como reflexo ideal da atividade objetal, na forma de imagem ideal do mundo objetivo.
Para Vigotski, formados na educação escolar, os conceitos científicos se caracterizam
porque a sua assimilação começa com a conscientização das suas características essenciais,
que é alcançada introduzindo-se a definição logo no início do processo (VIGOTSKI, 1956).
Na concepção vigotskiana, esse procedimento proporciona aos escolares a possibilidade de
operar com o conceito no caminho “de cima para baixo”, da definição até os objetos reais, de
modo voluntário e consciente. Tal processo se diferenciava da via de formação dos conceitos
cotidianos (conceitos “vulgares”), que ocorria “de baixo para cima”. Conforme indica
Talízina (1985), Vigotski não considerava a atividade cognoscitiva do sujeito com o mundo
dos objetos como um critério decisivo no processo de assimilação dos conceitos. Com isso,
ele não avaliou o considerável grau de espontaneidade que a atividade cognoscitiva tem no
ensino escolar.
Apesar de tanto Vigotski quanto Leontiev destacarem o papel da escola para o
desenvolvimento humano pela necessidade da formação do pensamento teórico, novas
interpretações acerca da formação dos conceitos científicos passaram a ser dadas por outros
psicólogos soviéticos. Galperin foi o psicólogo que inicialmente investigou e desenvolveu um
método que fornece uma base psicológica adequada para a direção científica dos processos de
ensino (TALÍZINA, 1988).
A elaboração da teoria de formação planificada por etapas das ações mentais e dos
conceitos possui uma relação direta com as críticas de Galperin aos modelos de ensino até
então adotados pela escola: modelo de ensino tradicional e modelo de ensino aberto, um
modelo de ensino por investigação (GALPERIN, 1989; REZENDE; VALDÉS, 2006). Em
relação ao modelo de ensino por investigação, Galperin (1976) criticava principalmente o fato
de que havia uma dissociação demasiada entre a teoria e a prática na aprendizagem de
determinados conceitos teóricos, com certa apologia ao fazer prático. Investia-se no papel do
professor como um estimulador do desenvolvimento da capacidade prática de descoberta,
incentivando o aprendiz a observar, a despertar sua curiosidade. A ênfase do professor estava
em desafiar o estudante a pesquisar e explicar determinados conceitos. Porém, nessas
condições, o início do processo de ensino pela aplicação prática do conhecimento
comprometia a aprendizagem57.
57
Observa-se ainda a prevalência desses dois modelos no ensino-aprendizagem escolar de química no Brasil.
Inclusive, lamentavelmente, o modelo de ensino por descoberta tem sido objeto de política de incentivo de
125
As críticas de Galperin (1976, 2001a-d) em relação a esse modelo tradicional foram mais
amplas, conforme é destacado a seguir.
Segundo Galperin (1976, 2001b), o papel principal no modelo de ensino tradicional
para a formação do conceito está na determinação da presença ou da ausência, no material
proposto, dos componentes e das propriedades dos fenômenos. Na educação escolar
tradicional, tal processo é frequentemente tomado como uma assimilação a partir da
generalização gradual, progressiva, do conteúdo do conceito, acompanhada pela liberação do
conjunto de representações cotidianas, também realizada de forma gradual. Inclusive, nesse
tipo de generalização do conceito, assume-se que os conceitos científicos e os não científicos
se combinam e se deformam uns aos outros, em um processo natural, geral e necessário.
Porém, não se explica o processo de assimilação de cada uma dessas partes. Além de mostrar
que isso não é propriamente um processo de assimilação do conceito, Galperin verificou que a
combinação de conhecimentos científicos com os cotidianos não garante uma generalização
adequada pelos estudantes.
A determinação da presença ou da ausência dos componentes e das propriedades dos
fenômenos é considerada por Galperin (2001a) apenas como um indicativo da sequência de
assimilação de suas diferentes partes. Na concepção galperiana, não se garante a assimilação
de um conceito novo, simplesmente aprendendo os traços essenciais desse conceito, assim
como, o conhecimento desses mesmos não assegura a utilização consciente de um
determinado conceito quando se faz necessário orientar-se na realidade correspondente, ou
seja, aplicá-lo. Na concepção galperiana, a aprendizagem se direciona ao processo de
assimilação de conceitos e desenvolvimento de habilidades, de acordo com o processo de
formação das ações mentais. Na forma de imagens abstratas e generalizadas, os conceitos
Galperin projetou inicialmente cinco etapas para a formação planificada das ações
mentais e dos conceitos, para orientar a busca da forma adequada da ação material para
transformar essa ação externa em interna. Essas etapas passaram a seis, após as sugestões de
Talízina (GALPERIN; TALÍZINA, 1967; GALPERIN, 2001d) para a inclusão da motivação
como uma etapa específica O processo de interiorização da ação segue uma abreviação-
129
generalização, para que ela possa adquirir um caráter psíquico, de acordo com sucessivos
momentos funcionais, as etapas para a formação das ações mentais. Conforme destaca Núñez
(2009), apesar de não poderem ser considerados de forma linear, esses momentos funcionais
podem ser separados metodologicamente nas seguintes etapas:
i) etapa motivacional, a formação da base de motivação para a ação;
ii) etapa de estabelecimento da base orientadora da ação (BOA);
iii) etapa de ação na forma material ou materializada de ação;
iv) etapa de formação da ação como linguagem verbal externa, socializada na comunicação
com os outros;
v) etapa de formação da ação na linguagem externa na comunicação “para si”;
vi) etapa da formação de ação mental no plano mental, como um ato mental.
Quando a ação mental se desenvolve em estreita união com o conceito, essas etapas
envolvem um sistema de condições no qual há uma complexa gama de eventos
interconectados na busca da formação do plano mental ou na busca da inclusão de algum
conteúdo no mesmo (GALPERIN, 2001/1967), e são concebidas na proposta galperiana como
um ciclo cognoscitivo, como discutido a seguir.
Como destacado em tom de alerta por Talízina (Idem, p. 41): “Sabe-se que se alguém
não quer aprender não se lhe pode ensinar nada”. Isso é válido para o estudante de qualquer
nível de ensino, inclusive para o licenciando em química. Ao mesmo tempo, conforme esta
autora também discute, é importante atentar para o fato de que o processo de estudo tem
motivações múltiplas e as circunstâncias relacionadas à vida do estudante impulsionam a
atividade de estudo. Se apenas “ter motivação” para o estudo não é suficiente para um ensino
exitoso, sem a mesma o processo de ensino-aprendizagem fica comprometido. Por isso,
apesar de existir uma etapa específica, Galperin considera a motivação como uma necessidade
de toda a dinâmica das etapas da formação das ações mentais.
Com base nas propostas de Talízina (1984), na etapa motivacional, a introdução de
situações-problema de atividade profissional para ensinar química pode se efetivar como um
dos procedimentos eficazes para despertar o interesse dos licenciandos para a atividade
proposta. Essa situação deve se vincular diretamente com a atividade e com o material a ser
estudado, visando provocar um interesse no estudante, no sentido de apresentar: i) algo, mas
que também seja acessível; ii) coisas não usuais; e/ou iii) coisas frequentes, desde que
apresentem aspectos inesperados e chamativos. De modo mais específico, Talízina (1988)
também sugere a utilização de um determinado tipo de problema nessa etapa, os problemas
indefinidos, que se configuram como problemas sem solução, ao defender que esses
elementos possam gerar uma motivação para os estudantes trabalharem com muito mais
atenção na etapa seguinte, ou seja, no estabelecimento da base orientadora da ação.
produto quanto daquilo a lhe servir de apoio para a sua correta execução das operações, das
micro-ações. Por isso, a base orientadora exerce um papel primordial, pois envolve as
condições para a compreensão de sentidos (sociais e pessoais) e de significados relacionados
ao objeto de aprendizagem.
A assimilação de conceitos é a base da formação das ações mentais e esse processo
formativo está determinado pelo caráter da parte orientadora da ação (TALÍZINA, 1988). A
BOA é o plano da futura ação, a base para a sua direção, ou seja, uma representação
antecipada da tarefa e do sistema de orientadores necessários para o seu cumprimento. Ao
destacar essa proposta galperiana, Talízina (1984) explica que a base orientadora da ação
implica em uma imagem da ação a ser realizada e também do âmbito das condições nas quais
a ação será realizada. Assim, ela atua como um sistema de condições concretas e necessárias
para o cumprimento da ação dada. Nela o sujeito se apoia ao exercer a atividade para cumprir
a ação. Portanto, a BOA deve refletir todas as partes estruturais e funcionais da atividade:
orientação, execução e controle. Como afirma Núñez (2009), ela corresponde ao modelo da
atividade.
Tendo um plano e utilizando as suas habilidades anteriores, o estudante pode cumprir
a nova ação perfeitamente, ainda que não tenha a habilidade para esta ação. No entanto, como
destaca Galperin (2001/1959b), o plano da ação não é ainda a própria ação, mas um sistema
de indicações de como ela deve ser realizada.
Talízina (1988) afirma que cada tipo de orientação corresponde a um determinado
processo de formação da ação e uma determinada qualidade do seu produto final. É o tipo de
orientação que determina o tipo de formação da ação e o tipo de produto final, uma vez que
eles formam um tipo único de aprendizagem.
Os resultados das investigações realizadas por Galperin e por seus colaboradores
mostraram que as diferentes formas de orientação se reduzem a oito tipos de BOA, cada uma
com os seus aspectos positivos e negativos58 (TALÍZINA, 1984). No entanto, para Galperin,
três delas possuem maiores destaques, pois são utilizados no processo de ensino-
aprendizagem (GALPERIN, 2001/1969a, 2001/1965).
O primeiro tipo de orientação, a BOA do tipo I é caracterizada pelo fato de que nela o
indivíduo atua pela via da tentativa-erro (TALÍZINA, 1984). Trata-se de uma base
orientadora incompleta, pois o estudante não recebe do professor os conhecimentos sobre a
ação. Porém, como o estudante não sabe como deve buscar os conhecimentos que o faltam
58
Em Talízina (1988) há uma síntese desses oito tipos de BOA.
132
para executar a ação. Ele segue pela via dos ensaios, das tentativas. Em cada ação, o estudante
perde muito tempo para encontrar o sistema completo de condições necessárias para executá-
la. Tal opção finda por se tornar um caminho muito difícil para adquirir um grande volume de
conhecimentos e de habilidades. Além disso, mesmo que o encontre, esse sistema pode não
ser o melhor e levá-lo a solução incorreta de algum problema e/ou talvez não possa ser
aplicado a um problema novo, implicando a uma necessidade de volta à busca por novas
condições para a resolução. Pelo exposto, percebe-se que a BOA do tipo I apresenta uma
composição incompleta e as orientações para a solução de tarefas são particularizadas. Com
isso, o processo de assimilação é lento e a transferência dos conhecimentos é limitada
(NÚÑEZ, 2009).
A BOA do tipo II é uma base orientadora típica do ensino tradicional. Desde o início,
se oferece um sistema completo e pré-elaborado de orientações. As condições necessárias
para o cumprimento correto da ação são particulares, orientando o estudante em um caso
determinado. Como destaca Galperin (1986/1969b), ao longo do processo de ensino-
aprendizagem com a BOA do tipo II, é preciso destacá-la novamente no início de uma nova
tarefa e ela é encontrada de modo empírico. Nesse tipo de BOA, a transferência dos
conhecimentos também é limitada, apesar de a ação ser formada de modo relativamente
rápido e com poucos erros (NÚÑEZ, 2009). O terceiro tipo de orientação, a BOA do tipo III
ocorre se, de maneira individual, independente, o sujeito constrói uma imagem orientadora
completa e generalizada, que pode ser aplicada a um conjunto de fenômenos e tarefas de uma
mesma classe (NÚÑEZ; OLIVEIRA, 2012). Por causa da sua adequação à aplicação da teoria
de Galperin, ela será detalhada após o quadro 5, mostrado a seguir, no qual são apresentadas
as principais características dessas três bases orientadoras mais estudadas no processo de
ensino-aprendizagem, a BOA do tipo I, a BOA do tipo II e a BOA do tipo III.
A obtenção da base orientadora do tipo III não se realiza pela via da tentativa-erro,
mas pela aplicação de um determinado método, em uma forma orientada. Essa orientação
permite o estudante fazer uma análise dentro das propriedades e das relações essenciais para
qualquer objeto59, dentro de determinada área, e não apenas em uma dada tarefa particular
(TALÍZINA, 1984). Sendo assim, a orientação não ocorre pela aplicação do método a um
objeto e, consequentemente, a habilidade ou a ação que se está formando não se aplica
unicamente a esse objeto concreto. A aprendizagem da BOA do tipo consta de três partes: i) a
formação da análise geral; ii) sua aplicação a uma tarefa, com traços da imagem e do material;
iii) a formação da ação por meio da execução desta tarefa particular, na resolução de
problemas (GALPERIN, 2001/1959a).
Galperin (1986/1969c, 2001/1959a) e Talízina (1987) destacam diferentes vantagens
de trabalhar com o tipo de orientação da BOA do tipo III, também reforçadas por Reshetova
(1988), Sálmina (1988) e Núñez (2009, 1996). De modo geral, conforme destacado por Núñez
(2009), os aspectos positivos proporcionados pela utilização da BOA do tipo III no processo
de ensino-aprendizagem se relacionam à:
Oferta de grandes possibilidades para o trabalho independente, por proporcionar o
aumento das oportunidades de trabalho criativo;
Maior produtividade, por causa do seu caráter generalizado;
Assimilação de um método único, no qual o estudante perceba a essência de cada
representação específica, isentando-o de estudar cada fenômeno particular de um assunto,
ou seja, de estudar muitos casos particulares com métodos particulares;
Aplicação de uma orientação que, por penetrar na essência dos fatos, consegue contribuir
de forma planejada para o desenvolvimento do pensamento teórico;
Garantia de uma generalização adequada dos conteúdos, na forma de um sistema de
conhecimentos e de habilidades;
Rapidez inerente ao processo de orientação e execução de tarefas, apresentando poucas
falhas, estabilidade e possibilidade de maior transferência dos conteúdos para novas
situações;
Economia do tempo didático necessário para o aprendizado.
A BOA do tipo III é uma orientação que se converte em objeto de assimilação e
permite formar planificadamente o pensamento teórico. Ainda que essa assimilação se realize
por meio da análise de casos concretos, esses atuam como meios e não como objeto de
59
Esse objeto pode ter diversas formas. Pode ser um objeto real, material, até um conceito muito abstrato.
134
assimilação. Esse tipo de base orientadora da ação destaca a essência generalizada e, com a
sua utilização, se ensina de tal modo que os estudantes compreendam os casos particulares por
meio dessa essência. Por isso, o caráter generalizado na BOA do tipo III é obtido com a
utilização das invariantes, a invariante conceitual e a invariante procedimental (NÚÑEZ,
2009; TALÍZINA, 1984). É sobre essa base de invariantes que se ensina ao estudante a se
orientar. Portanto, a utilização esse tipo de BOA implica na necessidade de reestruturação da
maioria das disciplinas, de modo que os seus conteúdos sejam formatados como sistemas de
invariantes60.
A BOA do tipo III possui grande potencialidade para o ensino. No entanto, conforme
destaca Talízina (1988) é importante salientar que, mesmo tendo uma orientação considerada
como “completa”, ela não é possível para todas as tarefas. Assim, por causa do seu grau de
generalização, essa BOA é aplicável para um conjunto determinado, dentro de certos limites.
Essa característica é um indicativo da inclusão feita por Galperin do conceito vigotskiano de
Zona de Desenvolvimento Próximo, relacionando-o ao desenvolvimento psíquico que pode
ser dirigido a partir do exterior. Apesar desse tipo de base orientadora ser inicialmente
considerada inadequada para se enfrentar uma situação nova e fora dos limites de aplicações
da orientação construída, como destaca Núñez (2009), ao mesmo tempo, ela serve de base
para uma nova aprendizagem na dialética entre os níveis produtivos e criativos da atividade.
Assim, ao aprender com esse tipo de BOA, posteriormente, o estudante pode melhor transferir
o conceito aprendido à resolução de uma tarefa fora desses limites de generalização.
É necessário proporcionar ao estudante um método de análise para que ele possa, ante
qualquer fenômeno de uma determinada área, formar por si mesmo a base orientadora
completa da ação. A BOA do tipo III deve ser preparada pelo professor e discutida com os
estudantes, pois é sobre a base dessa orientação completa e racional que ocorre a assimilação
das ações e dos conceitos relacionado com o objeto estudado (GALPERIN, 2001/1969a;
TALÍZINA, 1984, 1988). Em relação a esse aspecto, Núñez (2009) traz uma interessante
visão sobre o papel da BOA, considerando-a como uma etapa para se estabelecer,
conjuntamente, entre professor e estudantes o modelo da atividade que esses realizarão para
formar o conceito. Nesse caso, numa postura dialógica, com discussões sobre significados, de
modo que essa base orientadora possa ser reconstruída de modo interpessoal, inclusive pelo
professor, para ser transformada em uma forma intrapessoal de atuação do estudante. Para
tanto, deve haver total transparência no processo e o estudante deve dispor dos conhecimentos
60
Discussões nesse sentido serão realizada ainda dentro desse capítulo, assim como no próximo, que trata mais
especificamente da formação de habilidades.
135
necessários sobre o objeto da ação, as condições, as ações que compreendem a atividade a ser
realizada, os meios de controle e os limites de sua aplicação.
Talízina (1984) recomenda que na etapa de estabelecimento da base orientadora da
ação também se trabalhe operacionalmente com a situação-problema proposta na etapa
motivacional. No entanto, nesse momento, ela desempenha a função de um aprofundamento
na atividade, de modo a buscar uma intervenção direta dos estudantes na ação que dá solução
ao problema, como tem sido efetuado por Núñez no ensino química (NÚÑEZ; RAMALHO,
2013; NÚÑEZ; GONZALEZ, 1996 a,b).
Essa etapa de estabelecimento da base orientadora da atividade constitui a
familiarização com as condições concretas da ação e com a sua representação. Essa
representação se materializa com a esquematização da BOA na forma de um breve escrito em
um cartão, ou ficha de estudo, também chamado de mapa da atividade (NÚÑEZ, 2009). As
fichas ou cartões de estudo atuam como um sistema de orientação ativa. Eles podem ser
apresentados em forma de um registro gráfico, de fácil utilização, contendo uma
representação esquemática da base orientadora da atividade.
Os cartões de estudo devem propor o panorama completo da BOA, incluindo todos os
elementos necessários para realizar as ações: a invariante conceitual, a invariante
procedimental e os meios de controle. Assim, a ficha de estudo envolve tanto o sistema de
características necessárias e suficientes do conceito dado como o sistema de ações
(habilidades) que determina o tipo de atividade a ser realizada (NÚÑEZ; OLIVEIRA, 2012).
Desse modo, esse instrumento didático deve apresentar integralmente todos os exemplos do
conceito, o resumo do procedimento para identificá-lo e das habilidades a serem
desenvolvidas com a utilização do mesmo.
A utilização do cartão de estudo permite a aplicação dos conceitos a serem assimilados
pelo estudante antes da ação ser transformada em forma psíquica. Com a sua utilização, pode-
se relacionar cada indicação registrada com as características determinantes do objeto, tanto
material quanto da sua forma materializada. Isso contribui para tornar e diferenciar a atividade
orientadora como um processo independente, oferecendo ao sujeito as possibilidades para a
consecução de resultados diferentes de acordo com um plano determinado.
Galperin (2001/1969) e Talízina (1988) enumeram algumas vantagens na utilização da
ficha de estudo, tais como, as possibilidades de:
Realização de ações de tal complexidade que dificilmente poderiam ser realizadas em uma
sucessão correta e maneira exata sem a utilização dessa ajuda externa;
136
materializado quanto como um modelo mental. Então, seguindo as etapas propostas por
Galperin, a formação planificada dos conceitos químicos pode ser vista como um movimento
para transformar ações com modelos químicos materiais em ações com modelos mentais.
Nessa etapa de formação da ação no plano material ou materializado, o estudante
trabalha de forma colaborativa, em pares ou em grupos. A ação é realizada com as operações,
visando a generalização e a assimilação. Inicialmente, a ação é realizada como o cumprimento
de todas as operações, de um modo mais detalhado quanto possível seja. Com isso, o
estudante deve ficar consciente da relação objetiva, da relação lógica do conteúdo da ação.
A execução da atividade se processa na resolução de problemas, para os quais o
estudante se apóia nos esquemas da BOA, nos cartões de estudo, pois ele ainda não tem
formado a habilidade para fazê-lo sem auxílio externo. A partir da etapa de formação da ação
do plano material ou materializado a resolução situações-problemas cumprem a função de
servir de recurso para a assimilação de habilidades (TALÍZINA, 1988).
As tarefas a serem realizadas devem refletir os casos típicos de aplicação do conceito e
da ação para garantir sua generalização, evitando-se tarefas do mesmo tipo que possam
conduzir a uma automatização prematura. Nessa etapa, a generalização envolve dois tipos de
situações: quando o objeto se refere à determinada classe e quando não se refere à mesma.
Com base nessa característica, recomenda-se que as tarefas envolvam três tipos de situações-
problema diferentes Galperin (2001/1965a):
i) Situações do tipo lógico, de caráter geral – Apresentam uma composição completa,
excessiva e incompleta de condições e a combinação da falta de umas condições com a
insuficiência de outras;
ii) Situações do tipo psicológico – Possuem divergência e coincidência de aspectos evidentes
e características conceituais em diferentes combinações;
iii) Situações do tipo objetivo-especial – Utilizam diferentes fenômenos e meios para
expressarem o conceito em estudo.
A variação das tarefas deve ocorrer pelo princípio do contraste, oferecendo-se uma
ordem que exiba uma alternância na utilização das mesmas. Desse modo, as tarefas se
modificam por uma sequência e não por seu grau de dificuldade61.
Junto com a orientação do professor, a utilização das fichas de estudo auxilia o
estudante a tomar consciência de cada um dos componentes da atividade ao longo das tarefas.
61
De acordo com Galperin (2001/1965a, p.88): “a dificuldade perde a sua importância decisiva se as condições
concretas da ação tiverem corretamente confeccionadas e são empregadas na segunda etapa na forma escrita,
materializada”.
139
As fichas de estudo permitem individualizar o processo, uma vez que cada estudante pode
contar com esse apoio externo para a realização da atividade. Tal estratégia possibilita
facilitar a aquisição, a compreensão e a fixação de um maior volume de conhecimentos e
procedimentos de caráter geral pelo próprio uso (NÚÑEZ, 2009). O professor controla o
cumprimento de cada uma das operações que entram na composição da ação. Esse controle é
feito de acordo com todo o conteúdo e não somente pelos resultados.
A forma material ou materializada é combinada com a forma verbal desde o princípio
dessa etapa (terceira etapa do ciclo cognoscitivo), mas predomina o apoio externo. Esse
procedimento visa auxiliar na reflexão e na discussão enquanto a atividade se realiza. Os
estudantes formulam na linguagem externa tudo o que realizam materialmente, executando
conscientemente toda a composição das operações efetuadas. Porém, na ação perante os
objetos e na ação material ou materializada a linguagem serve apenas como um sistema de
indicações da realidade material. O estudante ainda não pode resolver a tarefa no nível
mental. Embora a palavra se torne uma propriedade dos objetos ou dos fenômenos, nesse
momento, ela ainda não representa seu símbolo, pois apenas posteriormente, no final do
processo de interiorização, é que a linguagem assume função simbólica. Além disso, apesar
de nessa etapa a ação se refletir na consciência e seja objetivamente social, ela ainda se apoia
na presença das coisas e, apenas conjuntamente, com o contato com objetos entra na
consciência (GALPERIN, 1959b). Isso ocorre porque essa ação se revelava ao estudante em
seu aspecto técnico, natural e objetal.
Nas etapas seguintes do processo de interiorização, a linguagem passa a se impregnar
na experiência da realidade material e se converte em uma única base de ação (GALPERIN,
1957b). Porém, a interiorização de fato ocorre na etapa mental. Esta é precedida por um
momento funcional da ação no plano verbal, com duas etapas, onde a formação da ação no
plano da linguagem externa ocorre tanto na comunicação com os outros quanto “para si”.
Esta é a etapa na qual a ação se libera da dependência direta com os objetos e da sua
representação. A forma da ação se transforma nessa etapa. A ação passa para o plano da
linguagem, sem nenhum tipo de execução material e sem que os objetos participem nela.
Como explica Galperin (2001a): de transformação das coisas, a ação se converte em
raciocínio sobre ela mesma. A princípio, essa ação verbal se estrutura como um reflexo verbal
exato da ação realizada com o objeto e a qual o sujeito se refere o tempo todo e se esforça em
140
representá-la (GALPERIN, 1959b). Mas, depois, a representação dos objetos é cada vez mais
fraca e o significado das palavras com que se expressa a ação passa a ser cada vez mais
compreendido diretamente. Porém, apesar de a ação passar a ser mais generalizada, ela ainda
não se torna nem automatizada nem reduzida.
Galperin considera nessa etapa a representação dos elementos da ação de forma verbal,
ou seja, oral ou escrita. No entanto, o destaque desse momento funcional é para a importância
da linguagem falada na atividade humana. De acordo com o enfoque histórico-cultural,
especialmente por meio da fala, a linguagem capacita o homem a ultrapassar os limites da
percepção sensorial em relação ao mundo exterior. Isso lhe permite operar com signos para
refletir sobre conexões e relações complexas, formar conceitos, tirar conclusões e resolver
tarefas teóricas complexas (LURIA, 1994). Nesse sentido, a linguagem é utilizada na
comunicação com as outras pessoas e, depois, individualmente, no plano interior, para a
própria pessoa.
A etapa da formação do plano da linguagem falada é a primeira etapa propriamente
verbal. Ela se inicia sem o apoio material e os estudantes trabalham em duplas, conforme
acontece na etapa material ou materializada (GALPERIN, 1957a). O estudante deve resolver
a tarefa oralmente ou utilizando a linguagem escrita, de modo que a ação se converta em uma
ação teórica, baseada na comunicação verbal, sobre os conceitos e procedimentos executados.
Os componentes do conceito são pronunciados em voz alta. Um estudante soluciona os
problemas em voz alta e o outro controla, utilizando os cartões de estudo; num segundo
problema se modificam essas funções e assim sucessivamente (TALÍZINA, 1984). Como
também deve acontecer na etapa material/materializada, a execução da ação ocorre pelo
cumprimento de operações, cada uma elas orientada e controlada pelo estudante,
considerando-se todo o conteúdo e não apenas os resultados. Nesse sentido, o estudante pode
expressar os seus posicionamentos tanto ao resolver um problema ou ao assumir o papel de
crítico ou de monitor na atividade. Desse modo, a formação da ação no plano da linguagem
falada depende da forma de comunicação.
Para Galperin (1957b), o procedimento de resolução em voz alta significa a formação
da consciência objetivo-social da ação dada no estudante, modelada com a linguagem
estabelecida no processo de comunicação promovido pela BOA. No caso, o pensamento e a
informação constituem aspectos indivisíveis de um processo único, ou seja, da ação teórica
conjunta. Assim, paulatinamente, cada estudante deixa de necessitar do controle externo do
outro e vai aprendendo a se controlar, transitando do externo ao interno.
141
para si, permite dirigir a ação ao longo das etapas da sua formação, transformando-a em
habilidade.
A transformação da ação verbal externa em mental segue o caminho da transformação
da linguagem em voz alta em sua imagem sonora, uma forma de linguagem externa para si,
uma ação interna dirigida ao exterior (a si mesmo ou a outra pessoa). Assim, no mecanismo
de formação psicológica do conceito, pretende-se transitar gradualmente por formas cada vez
mais abreviadas da ação, de modo que o processo seja reduzido, sintetizado, até última etapa,
a sua formação no plano mental.
Segundo a proposta contida na teoria da formação planificada por etapas das ações
mentais, na transformação da ação externa em ação interna o conteúdo permanece o mesmo,
mas a sua forma passa de material, para verbal e, por último, mental. Além disso, outras
mudanças qualitativas da ação acompanham os diferentes ciclos dessa transformação. Por
exemplo, o grau de generalização vai aumentando constantemente no processo de
interiorização, enquanto a ação vai se realizando de maneira menos desdobrada, abreviando-
se. A independência do estudante progride de uma ação compartilhada, isto é, com ajuda dos
outros, até ser uma ação independente.
Uma das características apontadas por Galperin (1969a, 1957a) em relação às etapas
de formação da ação é que cada um desses momentos de formação do conceito não é puro.
Cada uma dessas etapas se refere a algo que está sendo mais enfatizado no processo. Desse
modo, não há uma correspondência “topográfica” com tudo o que ocorre na mente do
estudante no momento em que a aprendizagem é estimulada (FARIÑAS, 1996). Pelo
contrário, em cada uma das principais etapas estão incluídos elementos de outras etapas.
Assim, por exemplo, o estudante pode estar incorporando os conteúdos da atividade no plano
mental desde a etapa de estabelecimento do esquema da base orientadora da ação. Nesse caso,
isso depende mais do seu desenvolvimento já alcançado, ou seja, do desenvolvimento real, do
que do desenvolvimento próximo, especialmente quando o assunto já é do seu conhecimento.
Quanto às ações já trabalhadas em uma experiência anterior, o próprio Galperin (1979)
destaca que as ações podem ser executadas ao nível das habilidades já adquiridas.
O transcurso dos estudantes pelas etapas de assimilação propostas por Galperin
também não é homogêneo, conforme é reforçado por Talízina (1988) e Núñez (2009). Os
ritmos de assimilação e de desenvolvimento dos estudantes podem ser distintos. Por isso, ao
longo do processo eles podem se manter em etapas distintas.
A teoria de Galperin tem uma preocupação muito forte com a apropriação do
pensamento teórico, explorando os conceitos de internalização e de zona de desenvolvimento
próximo em diferentes situações de ensino relacionadas às possíveis bases de orientação da
atividade (BOA). Justamente a BOA tem sido o sistema mais elogiado dessa teoria. Por outro
lado, o sistema das etapas tem sido o mais criticado. De acordo com Fariñas: “A versão
cibernética desta teoria, que pretende como regra, o controle restrito do processo e da
predição dos passos e resultados da aprendizagem, tem feito alguns psicólogos e pedagogos
pensarem que esta concepção tem uma orientação positivista, mesmo dentro do enfoque
histórico-cultural” (LEÓN; 1996). Nesse sentido, contestações feitas por alguns críticos a esta
144
62
Tal proposta não guarda semelhança com o modelo tecnicista, no qual, as estratégias cognitivas não são mais
que comportamentos práticos para transformar o estudante num sujeito prático, competente, e onde não se dá
importância a sua atividade mais autônoma por parte do aluno, nem sua disposição de aprender (LIBÂNEO,
2009).
145
dos conceitos, de Galperin, nesse sentido. Nos próximos capítulos, é apresentada e discutida
uma proposta nessa direção, cujos aspectos metodológicos são indicados a seguir.
146
63
Baseada em (KOSIK, 1969) ao discutir os posicionamentos de Marx sobre os fenômenos da realidade.
147
Na busca por subsídios para a proposição do Sistema Didático, além da leitura das
obras desses e de outros autores do referencial assumido, o pesquisador buscou apreender e
compreender a realidade existente na formação de conceitos e habilidades no ensino-
aprendizagem de isomeria. Para tanto, tomou-se a posição de que:
(...) a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um
objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente, cujo pólo oposto e
complementar seja justamente o abstrato sujeito cognoscente, que existe fora do
mundo e apartado do mundo; apresenta-se como campo em que se exercita sua
atividade prático-sensível, cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática de
realidade. No trato prático-utilitário com as coisas – em que a realidade se revela
como mundo dos meios, fins, instrumentos, exigências e esforços para satisfazer
estas – o indivíduo em ‘atuação’ cria suas próprias representações das coisas e
elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto
fenomênico da realidade (KOSIK, 1995, p. 14).
Esse procedimento foi levado em conta tanto na coleta, no tratamento e na análise dos dados
para subsidiar a estruturação do Sistema Didático, quanto no desenvolvimento do mesmo.
Nesse movimento de compreensão do processo, destaca-se que "[...] em qualquer fase
do conhecimento o investigador precisa recorrer ao endurecimento do objeto que estuda, a
'solidificá-lo’, a considerá-lo temporalmente como algo quieto, imutável. Só assim se pode
desentranhar sua essência e conhecê-lo no movimento" (ANDRÉIEV, 1984, p.158). Nesse
sentido, tomou-se cuidado à interferência da subjetividade pessoal do pesquisador, ao se
utilizar recursos teórico-metodológicos, na coleta, no tratamento e na análise de dados, a fim
de que a pesquisa não se limitasse a uma tentativa de ratificar uma ideia prévia pessoal sobre
o objeto investigado. Porém, conforme atenta Duarte (2004), ao mesmo tempo, teve-se
consciência da subjetividade pessoal e assumindo-a como parte do processo investigativo. Tal
posicionamento ganha mais destaque nesta pesquisa pelo fato de que, intencionalmente,
também se pretende que o Sistema Didático proposto contribua para a formação inicial dos
futuros professores de química. Mais. Que ele possibilite reflexões sobre alternativas ao
ensino-aprendizagem de química e, mutuamente, para que os futuros professores se
reconheçam como sujeitos das mudanças educacionais necessárias para a sociedade, incluindo
a sua formação profissional.
Como método de conhecimento, as características contidas na dialética marxista
potencializam a perspectiva de sua contribuição à superação de uma dicotomia entre a
pesquisa quantitativa e pesquisa qualitativa no campo educacional. Além do mais, buscar a
149
superação dessa falsa antinomia entre o qualitativo e o quantitativo é uma tendência nas
pesquisas educacionais (NÚÑEZ; RAMALHO, 2012). Por isso, nesta investigação,
utilizaram-se procedimentos qualitativos para a obtenção e análise de dados e interpretação
dos dados, que em alguns momentos foram trabalhados forma quantitativa, em termos de
frequências percentuais, tendo-se em vista a compreensão do processo e não apenas a
preocupação com o produto. Esse tratamento se voltou a reunir e elementos para possibilitar
uma melhor interpretação dos fenômenos e a atribuição dos significados na explicação dos
dados obtidos.
A pesquisa desenvolvida alinha-se às investigações de natureza exploratória, que
buscam estudar a realidade, objetivando compreendê-la e modificá-la. Propostas nesse sentido
têm sido utilizadas quando se pretende possibilitar um maior conhecimento a respeito de um
problema, de modo a torná-lo mais claro ou auxiliando na formulação de hipóteses, gerando,
na maioria dos casos, uma pesquisa bibliográfica-documental ou um estudo de caso (GIL,
2002, p. 41). Para Fiorentini e Lorenzato (2006), a pesquisa exploratória pode envolver a
análise de fontes bibliográficas e documentais, com a finalidade de obter informações ou
dados mais esclarecedores e consistentes sobre o tema abordado. Esse tratamento
metodológico foi efetuado nesta pesquisa, conforme será visto a seguir.
Desenho do Sistema
Didático para a formação da
habilidade explicar as
Fonte: o próprio autor. propriedades dos isômeros
150
A escolha das fontes se sustenta no critério estabelecido por Oliveira (2007) para as
pesquisas dessa natureza e na concepção de Núñez e Ramalho (2011) de que a análise desses
tipos de fontes pode proporcionar uma visão mais ampla das mudanças para a o ensino de
química escolar, a partir do conteúdo e das características contempladas nesses materiais. A
151
delimitação dessas fontes, o recorte utilizado, foi proposta a partir da compreensão de que
captar a realidade da organização do ensino-aprendizagem de isomeria em sua totalidade não
significa ter de se apreender de todos os fatos, mas desenvolver um amplo conjunto de
relações, envolvendo particularidades e detalhes, presentes em uma totalidade. Com isso,
buscou-se apreender uma parte das relações que compõe o todo no processo de ensino-
aprendizagem de isomeria, em especial ao que diz respeito à sua relação com a habilidade
explicar as propriedades das substâncias.
Os livros, as provas de concursos públicos e os documentos oficiais para o ensino de
química foram tomados como produtos culturais, que contêm e divulgam a materialidade
histórica dos processos de produção e reprodução do conhecimento químico. Considerando o
momento em que foram produzidos e os objetivos aos quais se direcionam, assumiu-se que
nesses objetos há a expressão de formas em que se expressam o conteúdo isomeria, situadas
historicamente em um contexto de ensino-aprendizagem legalmente direcionado à formação
de habilidades. No entanto, com essa proposição, também se considerou que as análises
desses materiais não se orientassem apenas ao imediatamente presente, mas que os
considerassem à luz de uma totalidade social no ensino-aprendizagem de química.
aprendizagem. Por isso, a escolha dos livros de química orgânica foi orientada na busca por
obras destinadas a diferentes níveis de ensino de química, que estivessem associadas à
formação de professores. Isso resultou na seleção de dez livros, agrupados da seguinte forma:
i) livros de química orgânica de estudos avançados; i) livros de química orgânica do ensino
superior, nível de graduação; iii) livros de química orgânica do ensino médio. As
especificações dessas obras são indicadas no quadro 6.
Quadro 6 - Livros de química orgânica alisados, quanto à abordagem do conteúdo isomeria,
para proporcionar subsídios na estruturação do Sistema Didático
Nível de
Código Livro
ensino
MORTIMER, E. F.; MACHADO, A. H. Química – ensino médio. 1ed. v. 2. São
LM1
Paulo: Scipione, 2010.
SANTOS, W. L. P.; MÓL, G. S. (Org.) Química cidadã. 1ed. v. 3. São Paulo:
LM2
Nova Geração. 2010.
Ensino FONSECA, M. R. M. Química: meio ambiente, cidadania e tecnologia. 1ed. v. 3.
LM3
médio São Paulo: FTD, 2011.
PERUZZO, F. M.; CANTO, E. L. Química na abordagem do cotidiano.
LM4
v.3.4ed. São Paulo: Moderna, 2010.
LISBOA, J. C. F. (Org.) Ser protagonista: Química. 1ed. v. 3. São Paulo: SM,
LM5
2010.
BRUICE, P. Y.Química orgânica. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 4. ed.
LS1
2006.
Ensino SOLOMONS, T. W. G.; FRYHLE, C. B. Química Orgânica, vol. 1. 9 ed. LTC,
LS2
superior 2009.
MCMURRY, J. Química Orgânica vol. 1. Editora CENGAGE Learning.
LS3
Tradução da 6ª Edição Norte Americana, 2008
CAREY, F. A.; SUNDBERG, R. J. Advanced Organic Chemistry. Part A:
LA1
Estudos Structure and Mechanisms. 5a. Ed. New York:Springer. 2007.
avançado SMITH, M. B.; MARCH J. March’s Advanced Organic Chemistry. Reactions,
LA2
mechanisms, and structure. 6a ed. John Wiley & Sons. 2007.
Fonte: o próprio autor
Os livros de química orgânica avançada (LA1 e LA2) são livros utilizados pela
comunidade químico-científica. Eles foram escolhidos por serem dois dos principais livros
utilizados, por pesquisadores da química orgânica e de áreas correlatas, que costumeiramente
são professores de disciplinas de química orgânica em cursos de licenciatura em química.
Além disso, são bastante recomendados como bibliografia para os conteúdos programáticos
de disciplinas dos cursos de química orgânica, em diferentes programas de pós-graduação,
dos quais muitos desses professores-pesquisadores integram os seus quadros docentes e onde
muitos professores de química desenvolvem formações continuadas.
153
A escolha dos processos seletivos para terem as suas provas de química analisadas
buscou reunir propostas avaliativas que, em sua diversidade, fossem representativas de
abordagens associadas às atuais recomendações ao ensino de química no País. O universo
amostral para essa parte da investigação resultou em dois grupos: i) os sistemas seriados de
avaliação (SSA)64 de algumas universidades públicas brasileiras; e ii) o ENEM.
64
As universidades adotam diferentes terminologias para esse tipo de seleção processual. Adotou-se esse termo
porque ele transmite de forma simples e coesa a ideia contida nesse tipo de proposta.
65
Essa lei determinou que o concurso vestibular realizado em uma única etapa não se constituiria mais como a
única forma de seleção para o ingresso no ensino superior.
154
adequação das suas propostas avaliativas às orientações das políticas públicas educacionais; e
iii) disponibilização dos manuais e provas na internet.
As análises dos manuais do candidato foram realizadas, de modo inicial, por meio da
busca da listagem de conhecimentos tradicionalmente associados ao conteúdo isomeria. Em
seguida, foi investigado o alinhamento da proposta avaliativa às orientações contidas nos
documentos oficias para o ensino de química escolar no País (BRASIL, 2006; 2005). Para
tanto, verificaram-se fragmentos de textos que expressassem, de forma intencional ou
associativa, a ideia de uma avaliação de habilidades e/ou competências desenvolvidas no
ensino médio. Com isso, 13 universidades públicas, 8 federais e 5 estaduais, atenderam aos
critérios estabelecidos e fizeram parte da amostra (quadro 7).
As provas escolhidas para análise se referiam aos ciclos de SSA que finalizaram,
respectivamente, em 2011 e 2010. Como o conteúdo isomeria constava apenas do programa
do SSA3, foram analisadas 90 provas dessa terceira etapa, nas quais existiam 153 questões de
química.
155
5.2.1.1.3.2 O ENEM
As questões do ENEM foram escolhidas para atuarem com fontes de pesquisa porque
esse exame tem se efetivado como um instrumento para a aferição do desenvolvimento de
habilidades na educação básica. Além do mais, ele passou a ser utilizado como critério parcial
ou exclusivo para o ingresso em universidades brasileiras. Entre 1998 a 2008, o ENEM66
consistia de uma prova composta de uma redação e por 63 questões objetivas, de múltipla
escolha, constando de 5 alternativas de respostas (a, b, c, d, e). As questões eram formuladas a
partir de uma Matriz de Competências, e não de conteúdos específicos das diversas áreas do
conhecimento, conforme ocorre no vestibular. Nas disposições das provas, as questões não
eram separadas por disciplinas e as suas ordens eram aleatórias.
A partir de 2009, a estruturação das provas passou a se guiar em quatro matrizes, uma
para cada área de conhecimento, como a das Ciências da Natureza e suas tecnologias, que
abrange os conteúdos de Química, Física e Biologia. As provas de cada área são compostas
por 45 questões, ainda de múltipla escolha.
A análise das questões do ENEM foi realizada para as provas aplicadas (e válidas) no
período de 1998 a 2012. Desse modo, foram investigadas 1.153 questões67.
A análise dos documentos oficiais foi realizada a partir da leitura dos respectivos
textos e do levantamento de informações associadas aos conteúdos de isomeria. Quando essa
referência não esteve explícita, buscou-se apreender outras informações sobre os conteúdos
químicos conceituais, tanto nas suas relações com a formação inicial do professor de química
quando com a atividade profissional do professor de química no ensino médio.
66
O ENEM foi criado pela Portaria n. 438, de 28 de maio de 1998 (BRASIL, 1998a) do Ministério da Educação
e Cultura (MEC).
67
As questões de química estão indicadas nas tabela 3 a 6, apresentadas no apêndice.
156
Considerando que não existe um modelo de livro didático que se possa ter como
referência como parâmetro de crítica aos demais, a análise nos livros de química orgânica foi
direcionada a compreender a abordagem da isomeria a partir do tratamento didático outorgado
ao isomerismo. Corroborando com orientações metodológicas do referencial assumido
(KOSIK; 1976), assumiu-se que a essência do fenômeno não está explicitamente exposta em
sua concreticidade aparente, mas, ela se revela pelo desvelamento de suas mediações e de
suas contradições internas fundamentais. Para tanto, analisou-se a abordagem da isomeria
quanto aos aspectos teóricos (conceituais e representacionais) e fenomenológicos relacionados
às substâncias isoméricas, a partir das seguintes relações contraditórias: integração e
compartimentalização; diversidade e articulação; significância e restrição. Acredita-se que
essas relações retratam a intervinculação e interdependência entre forma e conteúdo da
abordagem dos livros de química orgânica em relação à isomeria.
A coleta de dados nos livros de química orgânica foi realizada por meio do registro de
respostas em protocolos de análises, os mapas de registros, desenvolvidos para essa
finalidade. Esses protocolos foram produzidos considerando-se as associações entre as
160
QUESTÕES DE INTERESSE
Quais conhecimentos constantes nas abordagens do conteúdo isomeria nos livros?
Qual a orientação seguida pelos livros na seleção e na estruturação desses conhecimentos?
Como é apresentada a complexidade do conceito isômeros?
RESPOSTAS
Ordem de ocorrência /Página
Estudos Ensino
Conhecimentos presentes nos livros Ensino médio
avançados superior
LA1 LA2 LS1 LS2 LS3 LM1 LM2 LM3 LM4 LM5
QUESTÃO DE INTERESSE
Como é definido o conceito de isômeros?
RESPOSTAS Página(s)
5.2.1.2.1.3 Organização e tratamento dos dados nas análises dos livros de química
O processo de análise das questões de química dos SSA e do ENEM constou de uma
etapa inicial de levantamento dos itens de teste que abordavam a isomeria. Depois, procedeu-
se a investigação do conteúdo dessas questões com base nas categorizações propostas para o
conceito isômeros na análise dos livros de química orgânica.
Os dados obtidos dessas questões também foram coletados e organizados com a
utilização dos instrumentos desenvolvidos para a análise dos livros. Depois, eles foram
interpretados e re-organizados em tabelas e gráficos.
incluindo as etapas do ciclo cognoscitivo proposto por Galperin, com base nas características
das tarefas.
O percurso metodológico trilhado buscou reunir e utilizar elementos para fundamentar
teórica-metodologicamente a proposição de um Sistema Didático para ser utilizado como uma
possibilidade de reflexão-ação transformadora no ensino-aprendizagem de isomeria. Esse
sentido pode ser reforçado pela realidade existente na apropriação de conceitos e formação de
habilidades nesse conteúdo, conforme será discutido no próximo capítulo.
168
Esse capítulo apresenta e discute os resultados obtidos nas análises das fontes
utilizadas para subsidiar a proposição do Sistema Didático para a formação da habilidade
explicar as propriedades dos isômeros. Para tanto, inicialmente, destaca-se o posicionamento
contido nos documentos oficiais para o conteúdo isomeria, como um componente curricular
do ensino de química no Brasil. Então, exibem-se e discutem-se os resultados obtidos na
investigação sobre a abordagem destinada a esse conteúdo nos livros de química orgânica e
nos processos seletivos para ingresso nas universidades públicas.
LA1 LA2 LS1 LS2 LS3 LM1 LM2 LM3 LM4 LM5
A H A A A D A A A A
H I D D D A B B B B
J J E E E B D C D C
I K F F H H D E D
K D G H H H H E
D F H K J F H
E E J I K J J
F G K L I K I
G F I L I
F L L L
Enantiômeros
livros de estudos avançados, os livros do ensino superior e do ensino médio utilizam mais
informações e ilustrações para reforçar ou exemplificar o conceito trabalhado, tentando-se
promover a contextualização (no LS1, é mais limitado). Nesses dois conjuntos, ao final do
capitulo, o estudante é levado a resolver algumas questões, para aplicar o conhecimento. No
caso dos LM3, LM4 e LM5, também ocorrem ao final de tópicos referentes a cada classe
temática estruturadora do conteúdo.
As definições referentes a isômeros ou a isômeros constitucionais ocorrem no início da
unidade/capítulo. Preferencialmente, elas são apresentadas de forma enunciativa, sem
nenhuma ou com poucas articulações com representações estruturais e em associação a
contextos diversificados. Os livros investigados desconsideram a estratégia de apresentar no
início da abordagem a diversidade das substâncias isoméricas, em termos qualitativos e
quantitativos, em termos de estruturas químicas, de propriedades e de aplicações. Na intenção
de dar relevância ao assunto e despertar o interesse pelo assunto, dois livros do ensino médio
(LM4 e LM5), buscam construir uma abordagem problematizadora-contextualizadora no
início da abordagem. As dificuldades em se estabelecer contextos diversificados e relacionais
em torno da definição do conceito de isômeros podem ser visualizadas por meio do exame das
informações contidas no quadro 16.
Quadro 16 - Análise de aspectos relativos às definições de isômeros presentes nos livros texto
de química orgânica de diferentes níveis de ensino
Estudos Ensino Ensino
avançados superior médio
Aspectos analisados
L L L L L L L L L L
A≠1 A2* S1* S2* S3 M1 M2 M3 M4 M5
Substâncias diferentes N N N N N
Características Mesma fórmula molecular N N N N
presentes na Fórmulas estruturais diferentes N N N N N N
definição Estruturas diferentes N N N N N N N N N
Propriedades diferentes N N N N N N N N
Dentro de um
contexto de N N N N N N N
Introduzindo
problematização
Ocorrência a temática
De forma
N N N N N -
enunciativa
Generalizando a discussão N N N N N N N N N N
Históricas N N N N N N N N N
Propriedades N N N N N N N N
Associações Representações estruturais N N N N N N N N N N
Nomenclatura N N N N N N N N
Aplicações N N N N N N N N
≠ Não utilizam definições para isômeros nem para isômeros constitucionais
* Iniciam a abordagem enunciando a definição de isômeros constitucionais, sem associá-los às diferentes propriedades.
Fonte: o próprio autor
179
Apesar de a proposição berzeliana ser citada com algum detalhe no capítulo introdutório da
abordagem de química orgânica, quando no conteúdo isomeria, não se faz menção a esse
aspecto. Em outros casos, os livros não aproveitam o tratamento histórico utilizado para
ressalta a significância do isomerismo. Por exemplo, no LS2 a síntese da ureia é apresentada
como um marco para o abalo da teoria vitalista, mas apenas nesse sentido.
A restrição da abordagem histórica nos livros acaba por não trazer à tona uma
aproximação com a realidade do trabalho científico em torno do isomerismo, em relação aos
contextos em que ele tem desenvolvido e em que tem sido utilizado. Além disso, em geral, as
ideias conflitantes e os pontos de embate em torno da temática não são destacados. Há
episódios desse tipo que poderiam estar mais presentes nos livros, como em LM3, ao
compilar parte da publicação de Adolf Kolbe, na qual é polemizada a proposição do carbono
assimétrico.
Em que pesem as citações referentes a alguns episódios, do ponto de vista histórico-
epistemológico, de modo geral, a apresentação do conceito de isômero não é enriquecida com
abordagens sobre as principais ideias em torno do isomerismo. Por exemplo, alguns dos fatos
que levaram à proposição do conceito por Berzelius, a explicação de Butlerov para o
isomerismo, os diferentes tipos de isômeros identificados no século XX e a importância da
compreensão sobre os isômeros conformacionais.
Os livros didáticos analisados negligenciam muitas das principais relações históricas
do isomerismo a partir das categorias ontológicas que foram historicamente constituídas para
este conceito. Nesse sentido, há uma simplificação dos conteúdos. Ao incorrer em um
tratamento, preferencialmente ahistórico, os livros de química orgânica, de um modo geral,
desconsideram ou atribuem pouco valor ao desenvolvimento da isomeria como uma atividade
humana de compreensão do isomerismo. Quando deixa de destacar as contribuições de
diferentes cientistas para as diferentes explicações historicamente propostas para o
isomerismo, os livros perdem uma oportunidade de mostrar e discutir episódios históricos
ligados a questões epistemológicas e sociais. Desse modo, não se explicita que a elaboração
do conceito de isômeros tem sido desenvolvida na comunidade científica, com a participação
de vários cientistas, cada um com aportes significativos para sua época. Esse tratamento
contribui para que se transmita uma visão de ciência estática, sem estar sujeita a mudanças
que dependem das necessidades do ser humano, características do cenário socioeconômico e
cultural das produções científicas. Além disso, o tratamento histórico presente em todos os
livros investigados não contribui, explicitamente, para levar o estudante a reconhecer que o
progresso da química moderna está estreitamente relacionado ao desenvolvimento da
184
isomeria. No entanto, o mundo, nele se incluindo a ciência química, não pode ser considerado
como um complexo de coisas acabadas, mas como um complexo de processos e de relações.
A reflexão histórica contribui para desmistificar essa ideia em torno da ciência e do
conhecimento científico.
As reflexões históricas em torno do conceito de isômeros trazem a possibilidade de se
destacar e dar significado prático ao esforço da comunidade química para compreender e
controlar as composições, as propriedades e as transformações sofridas pelas substâncias.
Além disso, os acontecimentos em torno do movimento para a compreensão do isomerismo
exemplificam que o desenvolvimento da ciência não implica apenas continuidade, mas
também ruptura.
As diferentes substâncias isoméricas identificadas, a partir de fontes naturais ou
sintetizadas, permitiram a estabelecer a passagem da quantidade à qualidade. Em
determinados momentos históricos, os incremento da quantidade de casos típicos de
isomerismo que não puderam ser compreendidos determinaram a emergência de novos
modelos químico-explicativos. Isso ocorreu, com Berzelius, com Butlerov, com van’t Hoff,
com Wiscelius e com outros cientistas. Ou seja, a isomeria retrata como o conhecimento
químico tem um passado e um futuro, e nesse processo há elementos que são desenvolvidos e
outros que desaparecem. Nesse sentido, o movimento em torno da compreensão do
isomerismo também foi contributivo para que os isômeros deixassem de ser entendidos e
chamados unicamente de isômeros estruturais e passassem a receber outras possibilidades de
compreensão. Com exemplos, têm-se os casos dos isômeros conformacionais e dos
estereoisômeros oticamente ativos.
O conhecimento químico em torno do isomerismo permitiu a proposição de sistemas
classificatórios. No ensino de isomeria na escola, há forte ênfase na memorização de termos
pertencentes a um sistema classificatório dos isômeros, mais notadamente em torno dos
isômeros constitucionais. Conforme, verificado, os livros didáticos são mecanismos que
reforçam essa concepção. Por outro lado, em suas abordagens, eles desconsideram a
importância que os sistemas classificatórios exercem na organização do conhecimento
científico. Intencionalmente, esse destaque não é dado. Os isômeros passaram a ser agrupados
para se favorecer uma organização conceitual. Porém, uma organização que não é restrita a
uma mera organização classificatória memorística. Ela teve o seu desenvolvimento associado
a um significativo procedimento químico-taxonômico, um procedimento científico.
Os outros aspectos relacionados à contextualização também recebem pouca atenção
nos livros. A abordagem CTSA anunciada pelos livros em seus manuais pedagógicos é
185
Figura 25 - Fragmento coletado do LM5, no qual se sugere uma atividade experimental a ser
realizada de modo teórico para se investigar a conversão do ácido maleico em
ácido fumárico
livros de estudo avançados e nos do ensino superior, a pouca interação é extensiva aos livros
do ensino médio.
As explicações presentes nos livros integram esse tipo de abordagem. Abordagem na
qual há pouco destaque à diversidade de interações entre as estruturas dos isômeros e à
possibilidade de contextos nos quais o conceito de isômeros tem significância. Aspectos que
envolvem questões histórico-epistemológicas do desenvolvimento do isomerismo e das
aplicações das substâncias isoméricas. Analisando-se as poucas explicações presentes nos
textos, verificou-se que elas se concentram em dois aspectos: no sentido descritivo às
características estruturais das tipologias dos isômeros e no sentido de estabelecer uma relação
causal. Porém, essa última em uma menor presença nos livros investigados.
As poucas situações voltadas a explicar as propriedades exibidas pelos isômero se
concentram na atividade ótica e nas atividades biológicas e farmacológicas de
estereoisômeros. Nos livros de química orgânica avançada e do ensino superior as explicações
sobre a rotação ótica são mais profundas, buscando-se conhecimentos mais detalhado da física
para explicar a influência da estereoquímica no fenômeno observado. Já nos livros de ensino
médio essas explicações são mais simplificadas. Em relação aos processos biológicos, a
ênfase está relação causa-efeito dos estereoisômeros, notadamente enantiômeros, com sítios
ativos biológicos. Em alguns casos são utilizados modelos ilustrativos para dar suporte ao
argumento explicativo, como acontece no L4 (página 155) (figura 27).
Figura 27 - Modelo utilizado para ilustrar uma explicação sobre atividade biológica de
isômeros
complexo. Dentro dessa complexidade, eles também atuam como manipuladores culturais.
Nas suas estruturações, há a eleição de determinados conteúdos em detrimento de outros,
assim como a hierarquização de determinados conhecimentos. Esse patamar de importância
acaba exercendo uma relação bastante estreita com os processos seletivos para ingresso nas
universidades, como verificado na análise das provas dos SSA.
O levantamento sobre as questões de química nas provas do SSA indica que a isomeria
foi um conteúdo foi contemplado em 60,0%, das provas aplicadas. Na figura 28, estão
indicados os percentuais de classes de isômeros presentes nas questões, tanto individualmente
quanto de modo combinado.
Figura 28 - Relações entre as frequências dos conteúdos de isomeria das questões das provas
de SSA de universidades federais e estaduais brasileiras, realizadas em 2011 e
2010
Isômeros
constitucionais
9,1%
0%
18,2
%
9,1 %
Isomeria
cis-trans/Z-E Estereoisômeros
18,2 % contendo C*
18,2%
28,6%
5
4,5
Isômeros constitucionais
4
Isômeros cis-trans e Z-E
3,5
Estereoisômeros com
3
atividade ótica óticos
2,5
2
1,5
1
0,5
Definição
Isômeros
compensação
Isômeros
Definição
Cis-trans
Diastereosômeros geométricos
Carbono quiral
Isômero ótico
Antípoda ótico
Isômeros de cadeia
Z-E
Enatiômero
Misturas racêmica
Diastereoisômero
0
Isômeros de função
de posição
de
fortemente influenciada pelos exames seletivos para ingresso nas universidades públicas,
como o vestibular, e agora pelo SSA e pelo ENEM.
Ao logo de suas edições, esses exames vêm proporcionando um valor menos relevante
a alguns conteúdos químicos escolares, como é visto com a isomeria conformacional, com
isômeros Z-E e com diastereoisômeros contendo C*. Além disso, por não ser um conteúdo
com conhecimentos avaliados no ENEM, deve-se ter o cuidado para que esse exame não se
constitua em um mecanismo regulamentador de um currículo químico ainda mais excludente
em relação à isomeria no ensino médio.
As provas ênfases dos processos seletivos das universidades públicas direcionam as
escolhas de muitos professores do ensino médio. Muitas vezes, tais fatores contribuem para
escolhas por determinados conteúdos químicos não pela sua importância histórica e cultural
para a humanidade, mas pelo seu “peso” nos concursos seletivos ao ensino superior. Ao
utilizar tal critério, realiza-se uma exclusão cultural, privando-se o direito do cidadão em ter
acesso ao conhecimento construído e socialmente difundido. Por outro lado, além de limitar
culturalmente o acesso a um direito, que historicamente tem sido mediatizado pela educação
escolar, a não abordagem da isomeria no ensino médio pode contribuir para reforçar a
exclusão social, diminuindo as oportunidades de acesso à universidade, pois muitas
instituições os continuam utilizando nos seus processos seletivos.
A realidade em torno da organização conceitual da isomeria nos livros e nos processos
seletivos exemplifica a carência de uma visão sistêmica na estruturação e na abordagem desse
conteúdo. Ela também é um indicativo do quanto o ensino-aprendizagem de nos diferentes
níveis de química não está sendo intencionalmente promovido na direção da formação de
habilidades. No caso das fontes pesquisadas, isso ficou bastante evidente na habilidade
diretamente relacionada ao objeto desta pesquisa, a habilidade explicar.
Os livros de química do ensino médio e as provas de processos seletivos exercem
fortes influencias sobre a atividade profissional do professor de química. Eles acabam se
efetivando como orientadores da ação docente. Nesse sentido, eles deixam de ser vistos como
um instrumento e sim como a própria fonte do saber, consolidando-se como um depositário de
saber escolar e de práticas didáticas pautadas em concepções reprodutivistas. Esse tipo de
procedimento traz fortes implicações nos currículos e nas práticas didáticas dos professores de
química.
A formação inicial professor de química dentro de um contexto profissionalizante deve
capacitar os licenciandos a entender o movimento em torno de um conteúdo químico, como a
isomeria, tanto do ponto de vista histórico-epistemológico quanto pedagógico-didático.
199
O Sistema Didático está concebido como uma forma para se planificar o processo de
ensino-aprendizagem de isomeria em torno da formação da habilidade explicar as diferenças
das propriedades dos isômeros. A sua estruturação considerou a interconexão entre os
seguintes elementos: o modelo de profissional esperado para o licenciado e as atividades que
o professor de química realiza, especialmente na escola; os objetivos e os indicadores
qualitativos para controle e avaliação do processo; os conteúdos (sistema de conhecimentos e
habilidades); os modos de atuação e a lógica científica em que a mesma se baseia para uma
abordagem sistêmica, em termos estruturais e funcionais. Nesse sentido, considerando as
orientações de Núñez (2009, 1996a, b, 1992), o planejamento do Sistema Didático foi
proposto em acordo com alguns princípios básicos do ensino, que estão elencados a seguir.
A aprendizagem como um tipo específico de atividade, dialeticamente vinculada à
atividade de ensino, na qual o licenciando é sujeito e objeto ativo, motivado e orientado
por finalidades (objetivos).
A unidade entre os conceitos, procedimentos e valores, como expressão de um ensino que
instrui, educa e contribui para o desenvolvimento integral da personalidade dos
estudantes, inclusive em formação profissional para ser professor.
A concepção sistêmica das categorias de ensino - objetivos, conteúdos, métodos, meios e
avaliação - que estão relacionados e formam um sistema complexo e em desenvolvimento.
A apropriação conceitual através da ascensão do abstrato para o concreto.
A assimilação da habilidade geral como um processo que segue várias etapas, explicitadas
pela teoria de Galperin (2001).
O pensamento teórico como resultado da organização sistêmica do conteúdo e da base
orientadora da ação (BOA) tipo III.
A estruturação de um sistema de tarefas como o núcleo central da organização do ensino,
baseando-se na aprendizagem por problemas planejados em acordo com o enfoque
assumido.
A busca pela garantia de altos graus de consciência, da independência, do domínio na
apropriação dos conhecimentos e das suas transferências a novas situações.
201
Com base nas discussões de Nuñez e Pacheco (1997) e em Núñez (2009) sobre a
seleção de indicadores para o ensino-aprendizagem de química fundamentada na teoria de
Galperin, um conjunto de quatro indicadores qualitativos foi selecionado para se constituir
como os critérios para avaliar a qualidade do processo de formação da habilidade, conforme
indicado no quadro 19.
202
Indicadores primários
Alto grau de generalização - Resolver exitosamente situações com a BOA tipo III, que
orienta a atividade de identificação de isômeros e de explicação de propriedades
quantitativas – temperaturas de fusão e de ebulição, e atividade ótica - exibidas em
distintos casos de isomerismo, reconhecendo limites de aplicação do conhecimento e do
procedimento utilizado. Esse limite também estará circundado pela aplicação da isomeria
aos compostos orgânicos que sejam: isômeros constitucionais, isômeros conformacionais,
enantiômeros com carbono(s) estereogênico(s) (C*), diastereoisômeros com C*, isômeros
Z-E e isômeros cis-trans. Além disso, será preciso, com sucesso, transferir os
conhecimentos a situações novas, incluindo isômeros inorgânicos, solubilidade, e
semioquímica, ou seja, a propriedades biológicas referentes à comunicação química entre
animais.
Alto grau de independência - Resolver independentemente as tarefas, sem nenhum tipo de
apoio: sem ajuda do professor, de outro colega ou de outra ajuda externa.
Forma mental da ação - Assimilar no plano mental, o modelo da atividade, para se
orientar na resolução de várias tarefas dentro dos limites de generalização estabelecidos.
Indicador secundário
Alto grau de consciência - Saber argumentar as ações realizadas para a solução correta da
tarefa, manifestando a compreensão da atividade, tanto do ponto de vista químico-
203
Desenvolver modelos
Identificar para Contextualizar Problematizar Conscientizar
representar e explicar
SABERES CURRICULARES
A organização didática comumente proposta para o conteúdo isomeria finda por tratar
os conceitos e os procedimentos de estudo como casos isolados, dissociados uns dos outros,
que acabam contribuindo por estabelecer relações dicotômicas e polarizadas entre: integração
e compartimentalização; diversidade e articulação; significância e restrição. Os tratamentos
priorizados nessas abordagens acabam por não orientar o estudante a compreender a essência
entre as distintas manifestações do isomerismo, pois o desenvolvimento da lógica do geral ao
particular e do particular ao geral não é apresentada com clareza. Nessas abordagens, a
intervinculação e interdependência entre forma e conteúdo também é limitada no que
corresponde à contextualização em torno do conceito de isômeros, que acabam por privilegiar
os aspectos teórico-representacionais em detrimento dos macroscópicos e sub-microscópicos.
Com isso, as propriedades e aplicações das substâncias isoméricas não são destacadas,
colaborando para a manutenção de abordagens associadas a contextos pouco explicativos.
A seleção de conteúdos a serem ensinados é uma das atribuições da profissão de
professor. Entre os aspectos que a permeiam, encontra-se a relevância que deve ser dada aos
objetivos aos quais eles se destinam. Desse modo, nem pouco de menos, nem muito demais.
A partir das questões acima discutidas, na seleção dos conteúdos de isomeria para o Sistema
Didático foram escolhidos os conhecimentos conceituais que são representativos do
desenvolvimento histórico-epistemológico e que deem subsídios para a formação da
habilidade no licenciando, visando a sua futura prática pedagógica como professor de
química. Eles estão indicados no quadro 21.
Quadro 21 - Conteúdo proposto para o Sistema Didático
Sistema de conhecimentos conceituais
Conceitos gerais: estrutura química, fórmula molecular, representações estruturais 2D e 3D;
rotação em torno de ligação C-C-; geometria em torno da C=C; carbono estereogênico
(C*); elementos de simetria; constituição; conformação; configuração.
Invariante do isomerismo: composição química idêntica e estrutura química diferente.
A diversidade das substâncias isoméricas: isômeros constitucionais e estereoisômeros.
Enantiômeros com carbono(s) estereogênico(s).
Diastereoisômeros contendo carbono(s) estereogênico(s).
Isômeros Z-E e isômeros e isômeros cis-trans
Isômeros conformacionais.
Propriedades das substâncias isoméricas: temperatura de fusão, temperatura de ebulição e
atividade ótica.
Fonte: o próprio autor
ISÔMEROS
ISÔMEROS
ESTEREOISÔMEROS VARIANTES CONSTITUCIONAIS
Diastereoisômeros Isômeros
Isômeros Isômeros
com carbonos conformacionais
cis-trans Z-E
estereogênicos (Conformeros)
Diastereoisôme- Alcenos
Compostos Alcenos Ciclenos
ros opticamente não
Meso simétricos simétricos
ativos simétricos
CASOS PARTICULARES
209
Esse sistema representa o núcleo generalizado da isomeria. Por meio de sua estrutura,
expressam-se o volume e o conteúdo do conceito de isômeros. O volume é dado pelas classes
de objetos que se relacionam com o conceito e que se reúnem por meio dele. O conteúdo se
relaciona ao sistema de características necessárias e suficientes com as quais ocorre a inclusão
dos distintos tipos de objeto dentro de uma única classe, ou seja, a presença de uma mesma
composição química e de estruturas químicas diferentes. Separadamente, nenhuma dessas
características permite reconhecer objetos dessa classe. Por isso, até a proposição de Butlerov
o conceito de isômeros não havia sido satisfatoriamente explicado. Como estabelecido na
ontogênese desse conceito, a relação entre essas características é conjuntiva, ou seja, essas
duas características são necessárias em todo o conjunto.
As variantes do sistema, os isômeros constitucionais e os estereoisômeros, abrangem o
grau de generalidade e as particularidades do isomerismo, agrupando as demais categorias
particulares das substâncias orgânicas isoméricas. Os isômeros constitucionais apresentam
constituições diferentes. Os estereoisômeros apresentam configurações (enantiômeros e
diastereoisômeros) ou conformações diferentes (isômeros conformacionais). Em geral, os
isômeros constitucionais e dos diastereoisômeros possuem temperaturas de fusão e de
ebulição diferentes e atividade ótica depende da ausência de um elemento de simetria em suas
estruturas químicas. Já os enantiômeros, quando puros, possuem as mesmas temperaturas de
fusão e de ebulição e deviam o plano da luz polarizada para sentidos opostos.
Essas duas variantes retratam a homogeneidade na natureza das características
necessárias e suficientes dos isômeros e no caráter das múltiplas interações existentes entre
essas substâncias. Características que são o reflexo das diferenças nas suas estruturas
químicas. Assim, há uma coordenação, uma função constante, dentro desse sistema, na qual
os diferentes tipos de isômeros são assumidos como particularidades de uma invariante
conceitual. Essas manifestações da essência se agrupam como isômeros constitucionais ou
estereoisômeros.
Mudanças nas sequências de ligações entre os isômeros incidem em modificações da
homogeneidade relativa em parte do sistema, provocando mudanças nas funções, levando à
relação funcional de subordinação. Essa subordinação tem um caráter definidor, no qual os de
isômeros são tratados como um conjunto de subsistemas hierarquizados, estruturados em
níveis diferentes, em torno dos seus dois núcleos básicos, ou seja, as variantes. A coordenação
e subordinação das variantes proporcionam a integração do sistema e correspondem aos
mecanismos que garantem a sua estabilidade e o seu funcionamento, do ponto e vista
metodológico.
211
Quadro 22 - Características estruturais e das propriedades exibidas pelos isômeros para a determinação da invariante da habilidade de identificar
isômeros e explicar as diferenças nas suas propriedades, dentro do limite de generalização eleito
DIVERSIDADE DE SUBSTÂNCIAS ISOMÉRICAS PROPRIEDADES
Selecionar as substâncias 1. Selecionar na situação proposta as propriedades a serem avaliadas e as substâncias nas quais se pretendem incluir o conceito de isômeros.
e as propriedades para
análise 2. Caso necessário, representar as estruturas químicas dos possíveis isômeros por meio de fórmulas das suas fórmulas estruturais.
3. Comparar se as substâncias em estudo possuem a mesma fórmula molecular e se possuem estruturas químicas diferentes. Caso possuam,
identificá-las como isômeros.
4. Comparar se as representações estruturais dos isômeros possuem a mesma sequência de ligações.
4.1 Caso não possuam, identificá-los como isômeros constitucionais.
4.2 Caso possuam, identificá-los como estereoisômeros.
5. Verificar se os estereoisômeros são imagens especulares não superponíveis um do outro.
5.1 Caso sejam, identificá-los como enantiômeros.
5.2 Caso não sejam enantiômeros, identificá-los como diastereoisômeros.
Verificar a presença das
6. Analisar se as representações estruturais dos diastereoisômeros possuem diferentes arranjos em torno de carbono(s) estereogênico(s), ligação dupla
características
e/ou anel não-aromático ou se diferem pela livre rotação em torno de uma ligação C-C.
necessárias e suficientes
dos isômeros 6.1 Caso possuam diferentes arranjos em torno de carbono(s) estereogênico(s) e não possuam um elemento de simetria, que torne parte da
molécula igual à outra, identificá-los como diastereoisômeros oticamente ativos; caso possuam um elemento de simetria, identificá-los
como compostos meso, ou diastereoisômeros oticamente inativos.
6.2 Caso possuam diferentes arranjos em torno de uma ligação C=C ou um anel e se os átomos ou grupos de átomos em torno de cada átomo de
carbono da C=C ou se os átomos ou grupos de átomos em torno ligados a dois átomos de carbono do anel forem diferentes, identificá-los
como isômeros Z-E; se os grupos forem iguais, identificá-los como isômeros cis-trans.
Usando sistema Cahn-Ingold-Prelog (CIP) quando grupo de mesma prioridade estiverem do mesmo lado do plano da ligação dupla Z ou cis;
lados opostos E ou trans
6.3 Casos se diferenciem pela livre rotação em torno de uma ligação C-C, denominá-los de isômeros conformacionais.
7. Destacar a essência do termo, objeto, fenômeno ou atividade dada envolvendo as propriedades das substâncias isoméricas.
8. Identificar os isômeros envolvidos na relação causa-efeito da(s) propriedade(s) envolvida(s) como: isômeros constitucionais, isômeros
Explicar as diferentes conformacionais, enantiômeros com e sem C*, diastereoisômeros oticamente ativos e compostos meso, isômeros Z-E e/ou isômeros cis-trans.
propriedades dos
isômeros, com base na 9. Vincular o efeito destacado às interações inter ou intramoleculares das estruturas químicas do(s) isômero(s) identificado(s), associando-as a
relação causa-efeito constituição ou a estereoquímica
10. Argumentar de forma (oral ou escrita) sobre a relação causa-efeito da(s) propriedade(s) destacada(s) a partir da essência do fenômeno do
isomerismo.
Fonte: o próprio autor
219
repetição de uma definição de forma memorística. Do mesmo modo, saber explicar as suas
propriedades não se volta a repetir um pacote de explicações já prontas.
A explicação sobre as propriedades das substâncias isoméricas deverá ser realizada
pelo estabelecimento de uma argumentação sobre as relações estrutura química-propriedades
existentes entre os isômeros. A verbalização de um encadeamento lógico de argumentos deve
ultrapassar a aparência dos fenômenos e penetrar na sua essência. Assim para se poder
explicar determinada propriedade de um isômero, é necessário vinculá-la às características
contidas na invariante.
O domínio da invariante funcional de execução da habilidade contribui para o
desenvolvimento do pensamento teórico, por resultar no domínio dos procedimentos lógicos
do pensamento. Considerando as afirmações de Davídov (1988), pelo seu caráter
generalizador, esse domínio possibilitará sua aplicação em outros âmbitos da aprendizagem.
Desse modo, a invariante da habilidade passa a ser o objeto de assimilação, enquanto um
conteúdo procedimental que, ao mesmo tempo, representa: para o licenciando, uma estratégia
para a apropriação consciente do conteúdo; para o professor, um recurso para guiar e controlar
o processo.
A invariante funcional deve ser dominada pelo licenciando para se poder dizer que o
mesmo aprendeu a habilidade de explicar as suas propriedades. Desse modo, a aprendizagem
de uma ação precederá outra de menor grau de generalidade, segundo um processo formativo
indicado pelos tipos (qualidades) e quantidades de tarefas que o licenciando deverá realizar
para executar cada operação. Essa relação é indicativa de que a invariante funcional da
habilidade se vincula às tarefas em que se realizam as operações, orientando os licenciandos
na execução de cada uma delas. Agindo desse modo, enquanto sistema de conhecimentos e
habilidades, o conteúdo isomeria sofrerá um enriquecimento, aumentando gradualmente o seu
nível de profundidade e propiciando um incremento no nível de assimilação do futuro
professor de química.
221
ISÔMEROS
Processo
ISÔMEROS formativo
ESTEREOISÔMEROS
CONSTITUCIONAIS
Identificação de isômeros
CASOS PARTICULARES
Diagnóstico final do
Transferência da aprendizagem para casos de isomeria em compostos de grau de
coordenação, e relacionadas à solubilidade e a propriedades biológica desenvolvimento da
referentes à comunicação química habilidade
Uma forma de planejar esse diagnóstico inicial é buscar a sua organização segundo um
plano que apreenda e tome como referência os conhecimentos que os licenciandos possuem
sobre diferentes aspectos relacionados ao ensino de isomeria. Uma proposição nessa direção é
verificar se em seus posicionamentos os licenciandos demonstram:
223
DIAGNÓSTICO INICIAL
SITUAÇÃO 1
Uma questão de química de uma prova de um concurso vestibular gerou uma polêmica. Na questão,
solicitava-se que o candidato explicasse as diferenças nas temperaturas de ebulição e de fusão existentes entre
um éter e um álcool isoméricos. 90% das respostas foram consideradas erradas. Em linhas gerais, esses
candidatos afirmaram que um éter e um álcool isoméricos possuem temperaturas de fusão e de ebulição muito
diferentes porque pertencem a funções oxigenadas distintas. Segundo a banca examinadora, houve uma
generalização equivocada, por isso as respostas apresentadas foram incorretas.
Proponha uma explicação sobre as causas que podem ter levado os estudantes a proporem esse tipo de
resposta.
224
SITUAÇÃO 2
A análise sensorial de um pedaço de pano encontrado na cena de um crime levou suspeita da presença de
material orgânico em decomposição. Imediatamente, imaginou-se a existência da putrescina, 1,4-
diaminobutano, e da cadaverina, 1,5-diaminopentano, duas das principais substâncias responsáveis pelo cheiro
de putrefação, fato que contribuiria para o uso desse pano como prova pericial. O uso de uma técnica analítica
no próprio local permitiu comprovar que havia na amostra investigada a presença de duas substâncias
oticamente inativas, de fórmula C5H14N2 e C4H12N2.
Com base nessas evidências, explique se é correto afirmar que a putrescina e a cadaverina eram as substâncias
identificadas na análise do pedaço de tecido.
SITUAÇÃO 3
A partir de um trabalho publicado na revista Química Nova na Escola, um professor de química montou um
polarímetro bem simples. Utilizando uma proveta e filtros polarizadores ele passou a realizar atividades
experimentais em sala de aula para investigar a atividade ótica, o desvio do plano da luz plano-polarizada, de
substâncias orgânicas.
Em um dos experimentos realizados com esse polarímetro, os estudantes verificaram a rotação ótica de três
isômeros (A, B e C). Duas dessas substâncias (A e B) eram, ao mesmo tempo, estereoisômeros entre si e
isômeros constitucionais com outro o composto (C).
Os três isômeros produziram diferentes respostas frente à propriedade avaliada. O isômero A desviou o
plano da luz-polarizada para a direita, o isômero C a desviou para o desviou para a esquerda e o isômero B foi
inativo.
Explique o porquê das respostas apresentadas pelos três isômeros frente à propriedade analisada no
experimento.
licenciandos em química generalizem esse tipo de relação entre causa e efeito em suas
explicações. Ao procederem dessa forma, muitas vezes, excluem outras possíveis relações
entre estruturas químicas e as propriedades dos álcoois e éteres isoméricos, causadas por
variações constitucionais, como as decorrentes do aumento das suas cadeias lineares não-
ramificadas.
Na situação 2 se utiliza um tema em tono da percepção olfativa. Ele permite avaliar se
os licenciandos verificam a possibilidades de isomerismo em relação a isômeros
constitucionais e de estereoisômeros com carbonos estereogênicos, onde ambos são
oticamente inativos. Desse modo, ela também envolve o conhecimento sobre a outra
propriedade a ser estudada, a atividade ótica. Adicionalmente, muitas vezes, os estudantes
podem utilizar características não essenciais para identificar os isômeros. Por isso, também se
aborda uma propriedade organoléptica, o odor. No entanto, as substâncias não podem ser
identificadas exclusivamente por causa do cheiro. Na situação 3, retorna-se a questão da
atividade ótica. Nesse caso, procura-se avaliar a compreensão dos licenciando sobre a
essência do isomerismo em relação a particularidades da isomeria. Em geral, no ensino desse
conteúdo se trabalha atividade ótica apenas na abordagem de enantiômeros. Porém, nessa
situação há dois isômeros constitucionais que são oticamente ativos.
Essas situações abordam conjuntamente as propriedades de isômeros constitucionais e
de estereoisômeros. Elas podem ser trabalhadas no sentido de avaliar os conhecimentos e
habilidades dos licenciandos em explicarem essas propriedades e verificar se os futuros
professores compreendem a essência do isomerismo. Esse momento se constitui em uma
condição necessária para a planificação do processo formativo. Ele permite coletar dados
sobre os caminhos a serem seguidos, inclusive para a diferenciação do processo, no sentido da
atualização dessa habilidade que deveria ser desenvolvida no ensino médio. A avaliação das
respostas das situações do diagnóstico inicial deve ser incluída dentro de uma análise para se
pensar as estratégias para contemplar tanto o desenvolvimento individual quanto o grupal, ao
longo processo de formação da habilidade almejada.
O conjunto das respostas obtidas deve ser confrontado com os indicadores qualitativos
propostos, de modo a se diagnosticar o nível de entrada dos licenciandos no processo
formativo. Logo, o grau de desenvolvimento da habilidade deve ser realizado tanto em relação
aos conhecimentos acerca dos conceitos quanto das ações necessárias para a formação da
habilidade geral. Com isso, podem-se reunir elementos suficientes para hierarquizar as
dificuldades existentes e ajustar a proposta metodológica a ser desenvolvida. Caso seja
verificada a falta de domínio ou de desatualização de outras habilidades, como a habilidade de
226
representar as substâncias por meio de fórmulas estruturais, deve ocorrer uma intervenção
didática no sentido de atualizá-la.
Como o conhecimento se assimila na atividade, o conteúdo e as regularidades do
processo de aprendizagem dependem fortemente dos tipos de atividade nas quais eles ocorrem
(NÚÑEZ, 2013). Por isso, nesse sistema didático, tanto o seu desenho quanto o modelo da
aprendizagem a ser efetivado constituem o núcleo central de todo o trabalho pedagógico. É
nesse sentido que será apresentada uma sequência, planejada com base científica, como uma
hipótese de ensino do conteúdo isomeria, organizando-o em torno da habilidade de explicar as
propriedades das substâncias isoméricas.
A organização da aprendizagem no sistema didático é um resultado da
instrumentalização da teoria de Galperin. No plano didático, ela se organiza segundo é
descrito em continuidade.
Resolução de situações que exibem, características necessárias e suficientes, além de traços supérfluos
Conteúdo
simultaneamente, diferentes casos ou secundários.
objetal
típicos Nem todos ou nenhum dos objetos representados contêm todo o Realizar uma análise completa do sistema de
sistema de características necessárias e suficientes. condições nos casos típicos do limite de
generalização, que exijam a orientação e os
Situações de pertinência limites de aplicação da BOA tipo III
Resolução de situações nas quais se elaborada, relacionando a lógica das ações
Lógica apresentam todos ou alguns dos casos Situações de não-pertinência (resposta negativa). para a lógica dos conceitos
típicos
Situações indeterminadas.
Assimilação
Resolução de situações cuja solução implique em argumentação, em voz alta, para justificar a composição e
Formação do
consciência
Interpretativas sequência operacional da estrutura da atividade de identificação de isômeros e de explicação das diferenças
grau de
Formação do grau de Resolução de situações que exigem diferentes e graduais níveis de ajuda (mapas da atividade) para a Transitar da ZDP à ZDR, em relação à
independência solução exitosa. habilidade em formação.
TAREFA MOTIVADORA
SITUAÇÃO DE ENSINO 1
Um grupo de professores de química recebeu uma proposta da coordenação pedagógica da escola em que
trabalham. Na verdade, um desafio! Eles deveriam planejar uma abordagem diferente para o ensino-
aprendizagem do conteúdo isomeria. Uma proposta distinta das existentes nos livros escolares de química
orgânica e das tradicionalmente praticadas na maioria das escolas de ensino médio.
Nessa nova proposta, deve-se estruturar o conteúdo de tal modo que os diferentes tipos de isômeros sejam
ensinados de forma integrada e se veiculem com a abordagem de algumas propriedades das substâncias
isoméricas. Com isso, os tipos de isômeros devem ser abordados conjuntamente, em todos os momentos
didáticos, nas seis aulas, destinadas ao assunto.
A proposta deve selecionar e indicar um conjunto de conhecimentos, conceitos e habilidades, e de valores
que deem significância aos estudantes. Ao mesmo tempo, o conteúdo escolhido deve reunir elementos que
sejam representativos do conhecimento em isomeria historicamente construído pela comunidade química, de
modo a gerar uma aprendizagem voltada à compreensão da essência do isomerismo.
Imagine-se integrando essa equipe de professores de química e pense em uma proposta para atender ao
desafio lançado pela escola. Em seguida, junto com um colega, investigue o plano didático seguido por um
livro didático de química orgânica do ensino médio na abordagem da isomeria. Discuta com o colega sobre as
experiências que vocês já vivenciaram com esse conteúdo e, depois, proponha um sistema didático para ser
apresentado à coordenação da escola.
229
Realizadas as estruturações do conteúdo isomeria dentro da nova proposta, cada dupla de licenciandos
apresentará as suas propostas à turma. Algumas perguntas podem atuar como linha condutora da discussão
em grupo.
1. Qual a lógica utilizada tradicionalmente na estruturação do conteúdo isomeria? Os livros didáticos seguem
essa lógica?
2. Quais os tipos de isômeros selecionados na proposta a ser apresentada à coordenação da escola? Como eles
foram agrupados?
3. Quais as propriedades escolhidas? Que critérios foram utilizados para realizar essa seleção?
4. Qual será o tratamento dado à formação de conceitos e de habilidades nessa proposta inovadora?
5. Como esses dois tipos de organização em torno da isomeria se fizeram presentes em suas aulas de química
na escola e na universidade?
6. Essa atividade trouxe alguma motivação para o ensino-aprendizagem de isomeria? Por quê?
TAREFA MOTIVADORA
SITUAÇÃO DE ENSINO 2
Os conceitos de isômeros e de isomerismo foram formulados por Jöns Jacob von Berzelius (1779-
1848), ao final da segunda década do século XIX, a partir de alguns fatos precedentes. No entanto, Berzelius
não utilizou um modelo químico conceitual para explicar esse fenômeno. Na verdade, vários outros cientistas
tiveram grandes contribuições para que as diferentes manifestações do isomerismo pudessem ser
compreendidas e que sua essência fosse desvelada. Alguns desses cientistas estão listados a seguir.
Friedrich Alexander von Humboldt (1769-1859) Joseph Louis Gay-Lussac (1778-1850)
Justus von Liebig (1803-1873) Friedrich Wöhler (1800-1882)
Jöns Jacob von Berzelius (1779-1848) Alexander Mikhalovich Butlerov (1828-1886)
Christian Huygens (1629 – 1695) Jean-Baptiste Biot (1774-1862)
Louis Pasteur (1822-1895) Jacobus Henricus van't Hoff (1852-1911)
Joseph-Achille Le Bel (1847-1930) Hermann Emil Fischer (1852 –1919)
Derek Harold Richard Barton (1918–1998) Odd Hassel (1897–1981)
A partir dos nomes listados, faça com os colegas uma busca em sítios da internet (de referência) e reúna
as contribuições desses cientistas para que a isomeria passasse a ser um conteúdo ensinado nas escolas.
Indique a nacionalidade desses cientistas, os locais onde desenvolveram suas propostas e como eles
explicavam as semelhanças e diferenças entre as estruturas dos isômeros e entre as suas temperaturas de
ebulição, de fusão e na atividade ótica. Depois, proponha um esquema que contemple e permita agrupar os
tipos de isômeros envolvidos nos trabalhos desenvolvidos por esses cientistas ao longo da história.
Os licenciandos devem realizar uma atividade voltada ao desenvolvimento de uma trama histórico-
epistemológica na evolução do isomerismo. Ela se volta à pesquisa, tendo como suporte a internet, para a
estruturação do conteúdo isomeria. No entanto, vinculando-a as explicações sobre as propriedades dos
isômeros formuladas ao longo da história.
Após a pesquisa e preparação dos seus fluxogramas, cada grupo deve apresentar e discutir, junto com o
professor, as propostas apresentadas. Para orientar as discussões, podem-se usar diferentes questionamentos,
como os apresentados a seguir.
1. É possível se personificar um descobridor para o isomerismo?
2. Por que conceito de isômeros proposto por Berzelius não explicava satisfatoriamente os tipos de isômeros
identificados naquela época?
3. Qual a importância das propriedades das substâncias para a compreensão do isomerismo?
4. Como o isomerismo tem contribuído para a interação entre a química e as outras ciências?
5. Essa atividade trouxe alguma motivação para o ensino-aprendizagem de isomeria? Por quê?
Apesar de a motivação ser tomada como uma etapa inicial, dentro do ciclo
cognoscitivo baseado na teoria galperiana, ela deve ser mantida ao longo todo o processo de
assimilação. Levando-se em conta o campo de atuação profissional do futuro professor de
química, de ensino e os conhecimentos da base curricular comum do ensino médio (discutidos
no capítulo 6), é possível se pensar em algumas ações nesse sentido. Ações integrativas e
relacionais que motivem os licenciandos a aprenderem na perspectiva de futuramente
ensinarem. Nos quadros 29 e 30, encontram-se algumas proposições, que incentivem outras
situações de ensino.
231
positiva, uma motivação interna, para o as demais etapas do processo formativo. Com isso,
exemplificam-se aspectos envolvendo a significação social do que deve ser aprendido para ser
ensinado futuramente em isomeria, para que esse interesse também se converta em uma
significação da formação inicial. Além disso, ao exigirem a mobilização de conhecimentos
que, talvez, os licenciandos ainda não disponham, essas situações trazem desafio
cognoscitivo. Tal aspecto pode gerar uma dificuldade adicional e resultar em respostas
negativas e/ou na falta de respostas às situações apresentadas. No entanto, como colocam
Talízina (1987) e Núñez (2009), esses tipos de resultados negativos também podem contribuir
para motivar os sujeitos para a atividade, gerando interesse pelo desconhecido e buscando
recursos para superar as limitações.
A partir das situações de ensino da etapa motivacional, os licenciandos devem ser
informados sobre as tarefas que virão em seguida, a serem iniciadas com a construção da base
orientado da ação. Caso se deseje trabalhar aspectos mais específicos do conhecimento
pedagógico do conteúdo, nesse momento, os licenciandos podem ser apresentados aos
elementos-chave da teoria de Galperin.
Orientada ao plano inter-psicológico, essa etapa envolve atividades nas quais, sob
orientação do professor, os licenciandos constroem uma metodologia geral - a invariante da
habilidade ou base orientadora - para resolver casos particulares. Sob a base dos conceitos
fundamentais, os licenciandos devem estruturar esquemas de orientação geral para realizarem
as suas explicações sobre as propriedades dos isômeros, dentro dos limites de generalização
estabelecidos (vide os indicadores qualitativos). O processo de formativo é desenvolvido a
partir de tarefas que apresentem a diversidade de isômeros e as semelhanças e diferenças de
algumas das suas propriedades.
Considerando-se os objetivos propostos e os indicadores de qualidade definidos, uma
BOA tipo III é uma opção adequada à formação da habilidade de explicar as propriedades dos
isômeros, conforme já utilizado por Nuñez e Pacheco (1996a,b,c) para a formação de
habilidade explicar as propriedades das substâncias. A BOA se relaciona a um tipo de
atividade produtiva, além de ser: completa, geral e independente.
A BOA de ser formada de tal modo que proporcione ao licenciando o método para
análise do isomerismo, reconhecendo qualquer manifestação desse fenômeno nos diferentes
casos de isômeros estabelecidos. Conhecendo as duas variantes do conteúdo isomeria e
utilizando o método de análise de forma consciente das propriedades selecionadas, o
licenciando se apropriará da base orientadora completa da ação, de maneira independente.
Com isso, terá maiores possibilidades de adquirir o domínio sobre a identificação dos tipos de
234
isômeros e saberá explicar as suas propriedades, assim como transferir esse conhecimento a
outras situações, envolvendo tipos de isômeros não estudados.
Os licenciandos devem desenvolver tarefas nas quais sejam orientados a identificarem e
explicarem que as diferenças essenciais entre os isômeros são decorrentes das diferenças das
suas estruturas químicas. Eles precisam incluir no conceito de isômeros o conjunto de
características necessárias e suficientes, relacionando-as à constituição e à estereoquímica das
suas moléculas. Nesse sentido, também serem orientados a destacarem que as propriedades se
relacionam às conformações e configurações que as moléculas adquirem. Tais características
interferem nas relações intermoleculares e intramoleculares das quais dependem as
propriedades das substâncias químicas, como é caso dos isômeros. Nesse momento, os
licenciandos devem ser estimulados a efetuarem suposições ou hipóteses para solucionar as
tarefas do mesmo tipo.
Os licenciandos devem ser incentivados a buscar os aspectos comuns nos isômeros
apresentados, os casos típicos: isômeros constitucionais, isômeros conformacionais,
enantiômeros, diastereoisômeros com C* e isômeros Z-E e cis-trans. A partir desse tipo de
ação, passa-se a orientá-los à construção de um procedimento geral e revelar os conceitos que
os unificam e são necessários para compreensão e explicação das suas características
químico-estruturais e das propriedades que possuem.
Os licenciandos constroem os seus próprios modelos de atividade e vão discutindo com
os colegas e com o professor, até se chegar a uma proposição coletiva de base orientadora da
ação, que reflita todas as partes estruturais e funcionais da habilidade de explicar as
propriedades dos isômeros. Com isso, paulatinamente, eles vão processando as informações
que dispõem e as novas informações adquiridas, de modo organizá-las e utilizá-las em função
da solução dos problemas colocados. Desse modo, como destaca Núñez (2009), a etapa de
formação da base orientadora da ação consegue se estabelecer como um processo de
ressignificação de sentidos.
É adequado que a tarefa a ser inicialmente apresentada no estabelecimento do esquema
da BOA retome a alguma situação de ensino da etapa motivacional, conforme discute Talízina
(1987). Por isso, é importante restabelecer algumas das propostas da etapa motivacional. No
entanto, indo-se mais além, apresentando-se os casos típicos, e agrupando-os nas variantes da
isomeria: isomeria constitucional e estereoisômeros. Desse modo, retomar as situações
trabalhadas inicialmente se constitui em um ponto importante para o desenvolvimento do
Sistema Didático. Tal estratégia se relaciona com a visão galperiana sobre essa etapa do ciclo
cognoscitivo. “A etapa orientadora consiste em que o sujeito realiza um exame da nova
235
situação e modifica a ação, traça um novo caminho e, mais adiante, ao longo do processo de
realização, exerce um controle de acordo com as modificações previamente estabelecidas”
(GALPERIN, 1982 p.29).
A retomada dos aspectos avaliados no diagnóstico inicial também deve ser efetuada
nessa etapa de formação da base orientadora da ação. Confrontando os seus posicionamentos
iniciais, junto com o professor, os licenciandos podem avaliar o desenvolvimento das suas
habilidades de identificar e explicar. Caso seja necessário atualizar os procedimentos de
identificar e explicar, o professor pode desenvolver ações mais específicas nesse sentido. A
partir das discussões e análises em torno do diagnóstico inicial, organiza-se a atividade.
A BOA deve se constituir em uma orientação sobre como explicar as propriedades dos
isômeros. Como se explica uma propriedade de um objeto, a base orientadora também deve
contemplar uma orientação de como identificar isômeros. A intenção é desenvolver um plano
da futura habilidade para que, mesmo sem ainda ter o domínio da habilidade, o licenciando
possa executar a ação. Por isso, deve-se construir o modelo da atividade, que expressa a
representação antecipada da tarefa e o sistema de orientações necessárias para o cumprimento
da habilidade, refletindo todas as partes estruturais e funcionais da atividade (orientação,
execução e controle).
O professor de iniciar esse processo pela introdução do objeto, apresentando-o na sua
forma mais complexa, a partir do conjunto de seus casos particulares, dentro do limite de
generalização. Os licenciandos devem analisar o sistema de características suficientes e
necessárias que caracterizam os isômeros e as propriedades associadas aos mesmos, também
dentro do limite de generalização. De forma integrada, analisam-se as formas de se explicar
essas propriedades. Essas análises devem ser realizadas por meio de tarefas de uma mesma
classe, nas quais se manifestam a diversidade dos isômeros e as diferenças e semelhanças das
propriedades selecionadas. Com isso, os licenciandos devem ser orientados a,
independentemente, construírem as invariantes conceituais e procedimentais da habilidade a
ser apropriada.
As tarefas devem contemplar aspectos estimuladores ao plano interpsicológico. Nesse
sentido, deve-se procurar que, conjuntamente e sob a orientação do professor, os licenciandos
transitem por caminhos criativos para estabelecer uma metodologia para a resolução das
tarefas a serem trabalhadas nas demais etapas.
Diferentes meios de ensino podem ser utilizados no processo de construção da BOA,
tais como: quadros, retro-projeções, vídeos, modelos moleculares concretos e computadores..
Porém, em qualquer um deles, sempre se devem representar as relações essenciais do objeto
236
de estudo. Algumas possibilidades de atividade de ensino para a etapa da BOA são indicadas
nos quadros apresentados em continuidade (31 e 32).
SITUAÇÃO DE ENSINO 3
Os professores de química da escola que solicitou uma abordagem inovadora para o ensino-aprendizagem
de isomeria decidiram estruturar esse conteúdo em dois grandes blocos. Ambos envolverão aspectos da
constituição dos isômeros e um deles terá uma ênfase estereoquímica, em aspectos conformacionais e
configuracionais. Essas duas classes terão abordagens integradas às semelhanças e diferenças das
temperaturas de fusão e de ebulição e da atividade ótica apresentas por essas substâncias. Porém, ao
começarem o detalhamento da proposta, os professores chegaram a um impasse. Como escolher um grupo de
substâncias para ser utilizado em uma abordagem introdutória, de modo a contribuir para uma visão integral e
sistêmica dos diferentes tipos de isômeros? A partir desse momento, resolveram pesquisar mais sobre o
assunto.
Eles verificaram que, apesar de Berzelius ter formulado o conceito de isômeros, foi Butlerov quem
primeiro sintetizou substâncias isoméricas, explicou e previu casos de isomeria utilizando um modelo
químico-estrutural. Um dos fatos em torno da contribuição desse cientista chamou a atenção do grupo:
Butlerov sintetizou o primeiro álcool terciário, mostrando a possibilidade de isomerismo em séries de álcoois
de fórmula C4H10O. Considerando os diferentes aspectos a serem explorados a partir de substâncias com essa
fórmula molecular, os professores resolveram iniciar a abordagem da isomeria pela apresentação das
diversidades de estruturas químicas, de propriedades e de aplicações de isômeros C4H10O. Nesse momento,
um novo impasse: que substâncias devem ser utilizadas para se promover essa abordagem introdutória?
SITUAÇÃO DE ENSINO 4
Um sítio da internet trazia uma matéria sobre as percepções sensoriais dos humanos. O texto ressaltava a
importância das substâncias químicas nos odores e sensações gustativas que sentimos. Ao longo da
narrativa, o autor da matéria explicou que a estereoquímica das moléculas de substâncias químicas
conhecidas como “isômeros” era a responsável tanto por essas impressões sensoriais como pelas diferentes
propriedades físicas das substâncias.
A partir dos isômeros apresentados e das suas respectivas propriedades, avalie a explicação veiculada na
matéria. Procure características comuns entre os tipos de isômeros exemplificados, indicando os conceitos
que os unificam. Em seguida, proponha um procedimento para explicar se há relação entre as propriedades
organolépticas e as propriedades físicas das substâncias isoméricas.
t.f. Atividade
Substância t.e. (ºC)
(ºC) ótica
1 24 106-107 Inativo
2 170 Inativo
3 -63 201−207 -
4 <25 50-60 +
5 224.5 Inativo
2
2-Decin-1-ol
1
Ciclohexanona
3
Leve odor de
S-(-)-Citronelal Estereoisômeros: Enantiômeros - 1 e 2; 3 e 4; 5 e 6; 7 e 8.
pimenta e acetona
( Diastereoisômeros com carbonos esteeog6enicos (C*)
1 com 3, 4, 5, 6, 7 e 8; 2 com 3, 4, 5, 6, 7 e 8;
3 com 1, 2, 5, 6, 7 e 8; 4 com 1, 2, 5, 6, 7 e 8;
5 com 1, 2, 3, 4, 7 e 8; 6 com 1, 2, 3, 4, 7 e 8;
7 com 1, 2, 3, 4, 5 e 6; 8 com 1, 2, 3, 4, 5 e 6.
5
Mircenol Estereoisômeros t.f. (ºC) t.e. (ºC) Rotação específica
2-metil-6-metieno-7-octen-2-ol (+)-mentol 43-45 212 + 50,1°
Odor de lavanda (-)-mentol 43-45 212 -50,1°
(+)-isomentol 79-80 215 +25,19 °
4 (-)-isomentol 79-80 215 -25,19 °
(+)-Grandisol (+)-neomentol -22 95 +20,8 °
(-)-neomentol -22 95 -20,8
(+)-neoisomentol 52-53 215 +2,0
(-)-neoisomentol 52-53 215 -2,0
Pêssego Gordura
Outras alternativas podem ser planejadas pelo professor para que se negociem os
sentidos dos conteúdos que envolvam o desenvolvimento de uma metodologia para explicar
240
propostas, os licenciandos partem para o trabalho independente, na etapa mental, sem nenhum
tipo de ajuda.
A última etapa do ciclo cognoscitivo deve constar de tarefas voltadas ao trabalho no
plano intra-psicológico, no plano mental, e de modo independente, sem nenhum nível de
ajuda. Nessa etapa, as ações da metodologia general de resolução das tarefas passam a se
constituir como um feito do pensamento. Portanto, elas exigem processos de resoluções que
exibam um ato do pensamento químico, decorrente de uma atividade automatizada e reduzida,
realizada por fórmula (psicológica), na qual as palavras utilizadas pelos licenciandos nas suas
explicações expressem conceitos. A ênfase dessas tarefas está na associação entre os
conceitos com o texto escrito.
As tarefas da etapa mental também devem estimular a criatividade e na solução de
situações novas, em especial, com enfoque CTS (NÚÑEZ, 2009). Além disso, outra
possibilidade é desenvolver tarefas voltadas à transferência de conhecimentos. Uma vez
verificada a transformação das ações materiais em mentais, das ações não generalizadas para
a ação generalizada, da ação da forma detalhada para a abreviada, da ação coletiva e
compartilhada para a ação independente, e da ação consciente para a automatizada é possível
avaliar a internalização da habilidade de explicar as propriedades dos isômeros. Conforme
destacam Núñez e Ramalho, “(...) para poder chegar a dominar uma habilidade o estudante
deve realizar o mesmo sistema de ações que a habilidade, ou também tarefas nas quais se
variam as condições, a complexidade e o sistema de conhecimentos” (NÚÑEZ; RAMALHO,
2013, p.169). Para chegar à formação a nível mental, é necessário que se utilize um sistema de
tarefas para organizar o sistema didático e que, como hipótese de progressão, oriente a seleção
da estrutura adequada da atividade de assimilação.
Todos os objetos
apresentam as
características necessárias e x x x x
suficientes, além de traços
Conteúdo supérfluos ou secundários
objetal
Alguns objetos não se
relacionam com o conceito
porque contêm ausência de x x x x
Generalização
uma das características
necessárias e suficientes
Situações de pertinência x x x x
Situações de não-
Lógica x x x x
pertinência
Situações indeterminadas - x x x
Psicológica x x x x
Forma
x - - -
Ênfase do material/materializada
enunciado
Forma escrita - x x x
Ênfase nos modelos ou
x - - -
representações
Representações Descrições (sem modelos e
Forma da ação dos objetos - x x -
sem desenhos)
Conceitos x x x x
Descrição dos procedimentos utilizados x x - -
Forma oral x x - -
Resposta
Forma escrita x x x x
Interpretativas x x x x
Consciência
Diretas e inversas x x x x
simultaneamente a solução de tarefas que correspondam com qualquer dos variantes e das
suas manifestações. A seguir, a partir de exemplos de situações de ensino para a etapa
material/materializada apresentam-se algumas dessas possibilidades, mostrando-se propostas
de tarefas que podem ser trabalhadas para a formação da habilidade de explicar as
propriedades das substâncias isoméricas, segundo os indicadores qualitativos definidos.
FORMAÇÃO DA GENERALIZAÇÃO
TAREFA DE CONTEÚDO OBJETAL
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 5
Em uma aula sobre combustíveis, uma professora utilizou exemplos de isômeros que são inflamáveis. Ela
aproveitou a oportunidade para abordar outras propriedades das substâncias orgânicas, exemplificadas pelas
moléculas representadas abaixo.
Propriedade
A formação do grau de generalização também pode ser estimulada, por tarefas do tipo
lógico. Elas envolvem situações nas quais se variam as condições necessárias e suficientes
para identificação das particularidades do isomerismo. O quadro 36 traz um exemplo
produzido para essa finalidade. Essa situação de ensino pode sofrer variações, ilustrando a
possibilidade de que as tarefas do tipo lógico sejam trabalhadas com respostas positivas,
negativas ou indeterminadas.
249
FORMAÇÃO DA GENERALIZAÇÃO
TAREFA DO TIPO LÓGICO ▪ SITUAÇÃO DE RESPOSTA POSITIVA
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 6
Convidado pela professora de química da escola, um perfumista desenvolveu uma atividade em uma
turma do ensino médio. Ele realizou demonstrações sensoriais e extraiu essências. Além disso, fez
experimentos para a análise da atividade ótica de substâncias naturais isoméricas, que são constituintes do
Chanel Nº 5, um famoso perfume francês, conforme representado abaixo.
Os resultados das análises com as substâncias isoméricas e com as suas misturas equimolares foram
reunidos no quadro mostrado abaixo e apresentados à turma.
Quadro. Atividade ótica de substâncias presentes na composição do Chanel No 5
Análise Isômeros Atividade ótica
A Sim
1 B Sim
A (50%) + B (50%) Não
C Não
2 D Não
C (50%) + D (50%) Não
E Não
3 F Sim
E (50%) + F (50%) Sim
Ao final do experimento, o perfumista distribuiu kits de modelos moleculares e pediu para os estudantes
explicarem os resultados obtidos, ou seja, que identificassem os seis isômeros e explicassem o porquê das
diferenças e semelhanças nas atividades óticas.
Assim, como fizeram os estudantes, também utilizem modelos moleculares concretos e resolvam essa tarefa.
TAREFA DO TIPO LÓGICO ▪ SITUAÇÃO DE RESPOSTA NEGATIVA
SITUAÇÃO DE ENSINO 7
Na situação de ensino anterior, caso se suprima o termo “equimolares” e se solicite para explicar a atividade
ótica dos diastereoisômeros com C*, pois a situação se torna de resposta negativa.
SITUAÇÃO DE ENSINO 8
Ainda em relação à situação de ensino anterior, caso se substitua o limoneno (F, o isômero cíclico) por
outro isômero aquiral do mirceno (E, o hidrocarboneto alifático), os resultados não poderão ser totalmente
explicados, pois a situação se tornará indeterminada.
Fonte: o próprio autor
250
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 9
Em uma aula sobre hidrocarbonetos, uma professora de química fazia uma abordagem sobre as aplicações
dos alcanos. No momento em que falava sobre o gás liquefeito de petróleo (GLP), ela discutiu sobre o butano.
Em seguida, escreveu a seguinte afirmação no quadro: “No gás de cozinha, as moléculas do butano se
assemelham mais a minhocas moleculares do que a pequenos bastões”.
Os estudantes ficaram confusos. Ficaram mais confusos ainda quando a professora lhes pediu que
interpretassem essa analogia a partir das proposições indicadas abaixo.
Proposição 1
Proposição 2
Proposição 3
Utilizando jujubas e palitos de dente e um aplicativo para análise conformacional do butano, proponha uma
explicação que auxilie os estudantes a interpretarem essa analogia.
Os softwares podem ser ferramentas úteis para auxiliar nas resoluções das tarefas,
contribuindo para o grau de generalização. No entanto, é preciso se exercer um controle para
que eles não se constituam como simples ilustrações dinâmicas, associadas a motivações
externas. Assim como os demais recursos, eles devem contribuir para uma motivação
cognoscitiva, que deve ser constantemente estimulada ao longo das tarefas.
Na etapa material/materializada, mesmo se trabalhando de modo recorrente com
modelos concretos e modelagens dos isômeros, as tarefas propostas não envolvem ou
estimulam uma análise dos objetos não por si mesmos. Busca-se oferecer condições para que
o licenciando resolva as situações propostas e vá se apropriando de um sistema de conceitos e
procedimentos, envolvendo as características dos isômeros e da explicação de suas
propriedades. Características que estão incluídas na composição da base orientadora da ação.
Nas etapas material/materializada e da linguagem verbal (para os outros), a inclusão de
modelos, softwares ou quaisquer outros recursos didáticos, visa auxiliar na resolução das
tarefas e promover uma intervenção articulada com os cartões de estudo, contendo o mapa da
atividade. Acredita-se que esse tratamento integrado possa auxiliar na apropriação do
invariante procedimental pelos licenciandos.
Na etapa material/materializada, as situações propostas visam estimular comunicação
interpessoal e a habilidade visual. Do ponto de vista químico-representacional, a confluência
252
FORMAÇÃO DA GENERALIZAÇÃO
TAREFA DE CONTEÚDO OBJETAL
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 10
Interessado em discutir aspectos da história da química na abordagem da isomeria, um professor
conseguiu três tipos de ácidos tartáricos. Utilizando um polarímetro adaptado, produzido a partir do artigo da
revista Química Nova na Escola, ele fez uma demonstração na sala de aula. Após a análise qualitativa
atividade ótica desses isômeros, ele projetou o seguinte slide:
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 11
Trabalhando em um projeto com o professor de informática, uma professora de química orientou os seus
estudantes a montarem, em dupla, um blog sobre aspectos abordados nas aulas da escola. Na primeira
semana de aulas sobre isomeria, as duplas teriam de postar um hipertexto, também desenvolvido por eles. O
hiperdocumento teria de contemplar, conjuntamente e de forma integrada, diferentes tipos de isômeros,
explicando as semelhanças e diferenças em algumas das suas propriedades.
Uma das duplas resolveu explicar as diferenças e semelhanças nas temperaturas de fusão dos isômeros.
Para isso, selecionou os conjuntos mostrados abaixo para incluir no hipertexto.
Agentes lacrimogêneos que Odores exibidos por alguns
foram usados como gás de guerra compostos oxigenados
CH3 CH3
3HC
3HC
T.F (ºC): 261-267 167-170 5,85 CH3 125
3HC
3HC
3HC
CH3
3HC CH3 3HC CH3
3HC
CH3
Estilbenos (sintéticos) 3HC CH3 (presentes na uva e no vinho tinto)
Resveratróis
3HC
SITUAÇÃO DE ENSINO 12
Os professores de química e de biologia de uma escola de ensino integral, em uma das atividades do
contra-turno, fizeram uma visita a um laboratório de entomologia de uma universidade. Eles participaram
de uma atividade, organizadas pelos pesquisadores da instituição, que envolvia um experimento
demonstrativo com barbeiros da espécie Rhodnius prolixus. Esses insetos são um dos principais vetores do
Trypanosoma cruzi, agente etiológico da doença de Chagas, uma doença ainda sem cura e encontrada
apenas na América Latina. No experimento, foram utilizados apenas insetos não infectados.
Os pesquisadores transferiram algumas gotas de um líquido incolor para um pequeno pedaço de tecido.
Em seguida, colocaram o material dentro de um balde, que apresentava um orifício na sua tampa, e o
transferiram para uma grande gaiola contendo alguns desses barbeiros. Aos poucos, os barbeiros foram se
direcionando ao balde e acabaram caindo na armadilha.
Ao serem questionados pelos estudantes sobre a composição do líquido, os pesquisadores falaram que se
tratava de dois compostos, que foram isolados de uma mistura volátil produzidos nas glândulas dos insetos
adultos dessa espécie. Em seguida, eles projetaram um slide contendo a composição química da mistura.
Nesse momento, as professoras de química passaram a coordenar a discussão. Elas afirmaram que as duas
substâncias são isômeros constitucionais e não apresentam outros isômeros dentro da mistura produzidas nas
glândulas. De acordo com testes preliminares, esses dois isômeros têm a potencialidade de serem usados em
armadilhas para capturar barbeiros dessa espécie no campo. Além da questão biológica, acredita-se que as
semelhanças entre as suas temperaturas de ebulição (em torno de 134 oC) também seja um fator contributivo
para a sua possível aplicação.
Explique o porquê da semelhança nas temperaturas de ebulição dos dois isômeros, que são substâncias
potencialmente aplicáveis no controle biológico dessa espécie de barbeiro.
Fonte: o próprio autor
255
SITUAÇÃO DE ENSINO 13
Um grupo de estudantes do ensino médio preparou um projeto para apresentar na feira de conhecimentos
da escola. A temática escolhida foi a atividade ótica das substâncias orgânicas. Eles fizeram uma catalogação
de diferentes fármacos e escolheram a talidomida como exemplo. Para destacar a proposta e ilustrar o banner
a ser usado no evento, o grupo pensou em colocar a seguinte explicação:
Os fármacos são substâncias quirais, ou seja, desviam o plano da luz polarizada, por isso podem
apresentar efeitos indesejáveis aos humanos, como ocorre com a talidomida.
No entanto, os estudantes ficaram na dúvida quanto à informação a ser veiculada e tiveram receio de que ela
comprometesse a avaliação do trabalho.
Como a escola estava há um bom tempo sem professor de química, eles resolveram pedir ajuda aos
universitários. No caso, a vocês.
Utilizem o “Polarímetro virtual” para resolver essa situação complicada enfrentada pelos estudantes,
avaliando se a explicação elaborada está correta.
Figura 32 – Simulação sugerida para uma situação de ensino formatada como uma tarefa de
conteúdo objetal para a etapa da linguagem externa, com os outros, envolvendo o
uso de simulações
Quadro 42 - Situação de ensino sugerida fora do limite de generalização, sugerida para a etapa
da linguagem externa, com os outros
TAREFA FORA DO LIMITE DE GENERALIZAÇÃO
SITUAÇÃO DE ENSINO 14
O alaranjado de metila, 4-[4‘-(dimetilamino)fenilazo]benzenosulfonato de sódio, é um indicador
frequentemente utilizado em titulações ácido-base. Apesar de não ter um largo espectro de mudança de cores,
ele apresenta um ponto final bem definido. Por causa de sua nítida mudança de coloração em pH
medianamente ácido, ele é adicionado a soluções de ácidos, onde exibe o seguinte comportamento:
Identificando os tipos de isômeros existentes entre as espécies envolvidas nesse processo, explique o
porquê da diferença dos valores de pKa entre II e V.
Fonte: o próprio autor
Quadro 43 - Situação de ensino fora do limite de generalização, sugerida para a etapa da
linguagem externa, com os outros
TAREFA FORA DO LIMITE DE GENERALIZAÇÃO
SITUAÇÃO DE ENSINO 15
As mutações espontâneas ocorrem ao acaso, como um evento natural na vida de um organismo. Em geral,
são provocadas por uma modificação química transitória nas bases nitrogenadas do DNA.
Base
nitrogenada
Timina(T) Guanina(G) Citosina(C) Adenina(A)
Formas
relacionadas
(Formas
raras)
Ao solicitar uma explicação sobre a influência do isomerismo nas mutações espontâneas, uma professora
verificou que 55% da turma o atribuíam aos isômeros conformacionais entre cada uma dessas bases do DNA.
Os demais associaram tais mutações às influências de isômeros Z-E. Elabore uma explicação para a
ocorrência dessas mutações e avalie qual dos grupos está correto.
Fonte: o próprio autor
258
SITUAÇÃO DE ENSINO 16
Um professor utilizou um vídeo sobre a vida dos elefantes, uma aula de química. As imagens
mostravam o controle exercido pela quiralidade molecular sobre as interações sociais entre esses
animais.
Ao longo da abordagem, o professor apresentou os resultados de uma pesquisa científica sobre o
papel desempenhado do por uma mistura oticamente inativa de dois estereoisômeros C8H14O2 sobre os
elefantes. Produzido na glândula frontal da cabeça dos machos, o racemato afasta os elefantes machos
jovens e atrai as fêmeas que se encontram no período fértil. Essa mistura está indicada em um dos
conjuntos abaixo.
Em seguida o professor pediu para os estudntes indicarem qual dos conjuntos corresponde às
substâncias responsáveis pelo domínio exercido pelo elefante macho adulto, tomando por base a
explicação de uma propriedade apresentada pelos racematos.
Utilizando os mesmos critérios, indique qual conjunto corresponde à mistura racêmica.
Fonte: o próprio autor
259
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 17
Na medição da atividade ótica de uma a solução aquosa de D-(+)-glicose, verificou-se que, ao longo
de determinado período, houve a diminuição do valor do ângulo de desvio medido inicialmente, +112.2 o.
Depois, ele se estabilizou em, 52.6º.
Esquema - Interconversão da D-(+)-glicose, quando em solução aquosa
Utilizando modelos concretos para representar os diferentes tipos de isômeros que participam desse
processo, explique o porquê da variação do ângulo de desvio da luz plano-polarizada,
SITUAÇÃO DE ENSINO 18
Tomando cuidado com as normas de segurança e
utilizando os equipamentos de proteção individual e
coletiva, realize o procedimento experimental
descrito a seguir.
Transferia 3 mL de água destilada para um tubo de ensaio, de 18 x150, e aquecer até a
fervura.Acrescente 2,5 g de anidrido maleico. Esfrie a solução em banho de gelo.
Recolha o precipitado, usando um funil de büchner pequeno. Seque o precipitado e determine o ponto de
fusão.
Adicione 5 mL de HCl (concentrado) à água-mãe e aqueça suavemente a mistura, até que comece a
aparecer cristais (5-10 min). Esfrie a mistura.
Filtre os cristais, secá-los, pesá-los e determinar o ponto de fusão (caso seja superior a 200oC), desligue o
equipamento.
Explique as diferenças de temperatura de fusão entre A e B. .
ETAPA MATERIAL/MATERIALIZADA
SITUAÇÃO DE ENSINO 19
Um professor apresentou, em sala de aula, os resultados de uma análise química realizada com quatro
álcoois isoméricos, conforme mostrado na tabela abaixo.
Tabela - RESULTADOS DAS MEDIÇÕES DAS TEMPERATURAS DE EBULIÇÃO E DE FUSÃO
DE ISÔMEROS C4H10O
Em seguida, na própria mesa da sala, ele transferiu 50 mL em um desses álcoois para um béquer e o
deixou em repouso em banho de gelo. Passado algum tempo, verificou-se a formação de cristais dentro do
béquer. Então, o professor mostrou as representações estruturais indicadas abaixo e solicitou que os
estudantes explicassem o porquê da formação dos cristais.
Em seus argumentos, a maioria dos estudantes afirmou que essa cristalização é resultante da maior
quantidade de pontes de hidrogênio entre as moléculas de etanol, quando comparadas com as dos demais
álcoois.
Propondo uma explicação para essa cristalização, avalie se esse tipo de resposta atende ao verificado no
experimento.
Fonte: o próprio autor
SITUAÇÃO DE ENSINO 20
Em uma aula de química orgânica experimental, foram utilizados um polarímetro e um medidor de ponto
de fusão para se realizar medições da rotação específica e da temperatura de fusão de diferentes substâncias
isoméricas, puras. Em seguida, adicionou-se solução de I2 aos tubos de ensaio contendo soluções de cada um
dos isômeros analisados.
Os resultados obtidos nas análises foram expressos no quadro abaixo, de acordo com quatro tipos de
conjuntos de isômeros envolvidos: diastereoisômeros com dois C*, enantiômeros com um C*, isômeros
constitucionais e isômeros Z-E.
Isômeros
Propriedade A B C D
S1 S2 S3 S4 S5 S6 S7 S8 S11 S12 S13 S14
Atividade ótica 0 (+) (-) (+) (-) 0
Pontos de Diferentes Iguais Diferentes Diferentes
fusão
Reação com I2 Positiva Negativa Negativa Negativa
Quadro. Propriedades apresentadas por isômeros
Para cada uma das colunas, identifique o tipo de isômeros que corresponde às diferenças nas propriedades
exibidas no conjunto isômeros e explique o porquê das diferenças nas suas propriedades.
pode decorrer das implicações dos usos de isômeros, por exemplo, quando se analisa a
atividade ótica de fármacos. Em outros momentos a própria situação está proposta em torno
do desenvolvimento de atitudes e de valores, como acontece na situação 21 (quadro 49).
SITUAÇÃO DE ENSINO 21
O ácido hipúrico é um biomarcador de exposição ocupacional para o
tolueno, um hidrocarboneto que pode estar presente na gasolina. Com base em
um laudo que confirmou a presença de uma substância de fórmula C 9H9NO3
em amostras dos seus sangues, cinco ex-frentistas entraram na justiça contra a
empresa de postos de combustíveis, na qual trabalharam.
Os trabalhadores alegavam ter adquirido doenças respiratórias por causa da exposição ocupacional aos
combustíveis. Considerando a especificidade das informações, a justiça solicitou um parecer técnico de um
perito.
Divididos em dois grupos, vocês irão realizar um júri simulado para julgar esse caso. Um dos grupos
atuará como paraceristas técnicos da empresa, enquanto o outro servirá como testemunha para a promotoria.
Ambos deverão utilizar um conjunto de substâncias isoméricas e das propriedades que elas apresentam, dentro
do limite de generalização proposto em nosso estudo, para elaborar explicações a serem usadas pelos jurístas.
Com base nos argumentos apresentados nas explicações dos dois grupos, um professor convidado julgará o
caso.
SITUAÇÃO DE ENSINO 22
Um grupo de estudantes visitou a uma vinícola. No local, o enólogo da agroindústria informou que os
principais ácidos orgânicos presentes nos vinhos de uva são o cítrico, o lático, o málico, o succínico e o
tartárico, representados abaixo. Um deles é o isômero dextrorrotatório (+) de um composto meso usado por
falsificadores para adulterar o vinho.
SITUAÇÃO DE ENSINO 23
Uma equipe de química de uma escola pública ficou em primeiro lugar em um concurso estadual de
projetos inovadores para o ensino de ciências. Como parte das premiações recebidas, um grupo de
estudantes recebeu financiamento para visitar uma vinícola do Vale do São Francisco.
Na apresentação realizada pelo enólogo da agroindústria, eles foram informados sobre algumas
características da produção de vinhos. Entre as informações que chamaram a atenção do grupo, estava a
importância dos ácidos orgânicos para a qualidade do produto. Eles puderam verificar que os principais
ácidos orgânicos presentes nos vinhos de uva são o cítrico, o lático, o málico, o succínico e o tartárico. No
vinho, esses ácidos contribuem para estabilizar a coloração e para o equilíbrio aroma-gustativo. Um
isômero dextrorrotatório (+) é o principal ácido orgânico encontrado tanto na uva quanto no vinho. As
formas de ocorrência dessas substâncias na natureza podem ser representadas como foi realizado abaixo.
Um ponto destacado pelo enólogo atraiu ainda mais a atenção do grupo. Ele afirmou que algumas
empresas, não idôneas, adulteram os vinhos. Uma das formas utilizadas é a adição do isômero meso desse
principal ácido orgânico para conferir acidez artificial ao produto.
Ao ser solicitado a explicar porque os fraudadores adicionam o isômero meso, o enólogo pensou... E
disse: expliquem vocês para mim.
Vocês que integravam o grupo, explique em que se baseiam os falsificadores para utilizar o isômero
meso.
ETAPA DA LINGUAGEM NO PLANO VERBAL, PARA SI
265
SITUAÇÃO DE ENSINO 24
Os principais ácidos orgânicos presentes nos vinhos de uva são o cítrico, o lático, o málico, o succínico
e o tartárico, que estão representados abaixo. Esses ácidos contribuem para a qualidade do produto,
auxiliando a manter a coloração e o equilíbrio aroma-gustativo
O isômero dextrorrotatório de uma dessas substâncias é o principal ácido orgânico encontrado tanto na
uva quanto no vinho. Em um dos processos utilizados na adulteração de vinhos, adiciona-se o seu isômero
meso para conferir acidez artificial ao produto.
Explique em que se baseiam os falsificadores para utilizar o isômero meso.
SITUAÇÃO DE ENSINO 25
Um grupo de estudantes visitou uma vinícola do Vale do São Francisco. Na apresentação realizada pelo
enólogo da agroindústria, eles foram informados que entre os ácidos orgânicos majoritários nos vinhos de
uva – ácidos cítrico, lático, málico, succínico e tartárico – uma substância dextrorrotatória é o principal
constituinte para manter a qualidade sensorial do produto. E enólogo também comentou que algumas
empresas não idôneas adicionam o isômero meso desse principal componente para conferir acidez artificial
ao produto.
Ao ser solicitado a explicar porque os fraudadores adicionam o isômero meso, o enólogo pensou...
Então resolveu apresentar algumas características desses ácidos, projetando o slide abaixo.
Depois ele solicitou que os estudantes explicassem porque os fraudadores utilizam essa substância para
adulterar o pH.
Avalie se as informações repassadas aos estudantes lhes permitiriam explicar o porquê da preferência
pelo uso do isômero meso.
No plano da linguagem verbal “para si”, a forma verbal passa a ser abreviada. As
tarefas devem estimular uma reflexão, para uma melhor análise dos objetos. Para o último
momento do ciclo cognoscitivo, as tarefas propostas visam contribuir para que o licenciando
transforme os objetos materiais e a composição operacional em imagem mental. No quadro
51, apresentam-se algumas hipóteses de situações que favoreçam a formação da habilidade de
explicar as propriedades dos isômeros.
266
SITUAÇÃO DE ENSINO 26
Um jornalista publicou uma matéria sobre testes realizados pela indústria farmacêutica. Em um ponto da
reportagem, foi informado que a empresa avaliou as atividades biológicas de mil isômeros contra uma doença
degenerativa. A indústria buscava encontrar uma substância bioativa, mas que fosse oticamente inativa.
Segundo a reportagem, até a fase pré-clínica, apenas um dos isômeros apresentou resultados significativos
contra a doença. Ele possuía dois carbonos estereogênicos e apresentava afinidade tanto como o meio aquoso
quanto com o lipofílico.
Avalie se o isômero bioativo satisfaz aos critérios elencados pela indústria.
SITUAÇÃO DE ENSINO 27
Um colégio divulgou um edital de chamada a propostas para a elaboração um livro de química. O material
será utilizado nas turmas do ensino médio, no ano letivo seguinte. Tanto professores universitários quanto
licenciandos em química poderão participar desse edital. Atendendo às normas do processo seletivo,
aproveite a oportunidade e envie uma proposta preliminar. Ela deve conter uma síntese de uma abordagem
pedagógica para o conteúdo isomeria, que irá compor um dos capítulos do livro. Estruture-a em torno da
formação da habilidade de explicar as propriedades dos isômeros, dentro de um tratamento sistêmico entre as
diferentes manifestações do isomerismo, voltando-se ao ensino-aprendizagem nesse nível de escolaridade.
SITUAÇÃO DE ENSINO 28
Produza um roteiro para uma vídeo-aula a ser utilizada em um curso de formação de professores de
química a distância. O objetivo da aula será a apresentação de uma proposta em torno da formação da
habilidade explicar as propriedades dos isômeros para estruturar a abordagem do conteúdo isomeria.
Quadro 52 - Sugestão para os trabalhos dos licenciandos e do professor na realização e no controle do processo de formação da habilidade
Trabalho do licenciando Trabalho do professor
Etapa
Na realização da atividade No controle da atividade Na realização da atividade No controle da atividade
01 Atualmente, o [Pt(NH ) Cl ] é uma das substâncias mais utilizadas no tratamento de diferentes tipos
3 2 2
de câncer. No início das suas atividades no segmento médico-hospitalar, uma distribuidora de produtos
químico-farmacêuticos encomendou a uma indústria um lote de diaminodicloroplatina(II). Porém, logo
na primeira venda, o cliente recusou o material. O seu controle de qualidade verificou que, apesar de
realmente se tratar da diaminodicloroplatina(II), a substância comprada é biologicamente inativa contra
o câncer. Percebendo o equívoco a empresa renegociou a [Pt(NH3)2Cl2] correta.
Identifique as duas substâncias comercializadas e proponha uma explicação para a diferença nas
suas propriedades contra o câncer.
02 Um laboratório desenvolveu um solvente quiral para ser utilizado na análise de alguns fármacos.
Caso seja realizado um teste de solubilidade nesse solvente com 20 substâncias de fórmula C 10H22O,
quais delas serão dissolvidas?
03 Apenas um estereoisômero atua como atrativo sexual para uma determinada espécie de inseto.
Proponha um modelo explicativo para esse tipo de diferença.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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U.F
IES (Sigla) NOME DO PROGRAMA/SIGLA INÍCIO
.
Processo Seletivo Seriado -
AL Universidade Federal de Alagoas - UFAL 2002
PSS
Processo Seletivo Contínuo
AM Universidade Federal do Amazonas - UFAM 1998
PSC
Programa de Avaliação Seriada
DF Universidade de Brasília - UnB 1996
PAS
Processo Seletivo Gradual
MA Universidade Federal do Maranhão - UFMA 2001*
PSG
Programa de Ingresso Misto
MG Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF 2001
PISM
Processo Seletivo de Avaliação Seriada
MG Universidade Federal de Lavras - UFLA 2000
PAS
Programa Alternativo de Ingresso ao
MG Universidade Federal de Uberlândia - UFU Ensino Superior 1997
F PAIES
E
Universidade Federal do Vale de Processo Seletivo de Avaliação Seriada
D MG 2005
Jequitinhonha e Mucuri - UFVJM SASI
E
Programa de Avaliação Seriada para o
R
MG Universidade Federal de Viçosa - UFV Ingresso no Ensino Superior 2001
A
PASES
I
S Programa Seletivo Seriado
PA Universidade Federal do Pará - UFPA 2004
PSS
Universidade Federal de Campina Grande -
PB Vestibular – Modalidade Seriada 2002
UFCG
Processo Seletivo Seriado
PB Universidade Federal da Paraíba - UFPB 1999
PSS
Sistema Seriado
RR Universidade Federal de Roraima - UFRR 2007
Seriado
Processo Seletivo Seriado
SE Universidade Federal de Sergipe - UFS 2002
PSS
Programa de Avaliação da Vida Escolar
RS Universidade Federal de Pelotas - UFPel 2004
PAVE
Programa de Ingresso ao Ensino
Universidade Federal de Santa Maria -
RS Superior 1995
UFSM
PEIES
Sistema de Avaliação para Acesso ao
AM Universidade Estadual do Amazonas - UEA Ensino Superior 2005
SAES
E
Sistema de Avaliação Seriada
S GO Universidade Estadual de Goiás - UEG 2005
SAS
T
Programa de Avaliação Seriada para
A Universidade Estadual de Montes Claros -
MG Acesso ao Ensino Superior 1998
D UniMontes
PAES
U
Programa de Ingresso Seriado
A PA Universidade Estadual do Pará - UEPA 1997
PRISE
I
Sistema Seriado de Avaliação
S PE Universidade de Pernambuco - UPE 2008
SSA
Universidade Federal de Ponta Grossa - Processo Seletivo Seriado
PR 2001
UEPG PSS
295
LA1 LA2 LS1 LS2 LS3 LM1 LM2 LM3 LM4 LM5
Isômeros constitucionais
Isômeros constitucionais não-
interconversíveis
Tautômeros
Enantiômeros com C*
Enantiômeros sem C*
Diastereoisômeros com C* e opticamente
ativos
Compostos meso
Isômeros conformacionais
297
LM1
LM2
Ensino
LM3
médio
LM4
LM5
LS1
Ensino
LS2
superior
LS3
LA1
Estudos
avançado
LA2
298
APÊNDICE 5 - Instrumento para a organização dos dados sobre as definições do conceito isômeros utilizadas nos livros de química orgânica de
diferentes níveis de ensino na abordagem da isomeria
DEFINIÇÕES DO CONCEITO ISÔMEROS UTILIZADAS NOS LIVROS DE QUÍMICA ORGÂNICA NA ABORDAGEM DO CONTEÚDO ISOMERIA
Características Generalizando
Nível de necessárias e suficientes uma discussão
Código Definição Introduzindo
ensino Propriedades prévia, permeada
Características a temática,
(Características pela Página
Mesma Estruturas não-essenciais de forma
composição químicas essenciais) apresentação de
enunciativa
química diferentes diferentes
exemplos
LM1
LM2
Ensino
LM3
médio
LM4
LM5
LS1
Ensino
LS2
superior
LS3
LA1
Estudos
avançado
LA2
299
APÊNDICE 7 - Instrumento para a coleta de dados sobre as explicações utilizadas nos livros
de química orgânica na abordagem do conteúdo isomeria
LM1
LM2
Ensino
LM3
médio
LM4
LM5
LS1
Ensino
LS2
superior
LS3
LA1
Estudos
avançado
LA2
301
APÊNDICE 8 - Instrumento para a coleta de dados sobre as atividades propostas nos livros de
química orgânica na abordagem do conteúdo isomeria
Exercício
Tipologia Fechado
Problema
Aberto
Resolução
de
problemas
Reconhecer
Habilidade
Identificar
trabalhada
Explicar
Experimentação
302
Isomeria como
Universidade
Processo/Ano conteúdo Competências Habilidades
pública (Sigla)
programático
UFJF PISM 2011 X X X
PSS 2011 X X X
UFPA
PSS 2010 X X X
PSS 2011 X X -
UFPB
PSS 2010 X X -
F PSS 2012 X X -
E
D UFS PSS 2011 X - -
E PISM 2010 X X X
R UFSM PEIES 2011 X - X
A PAIES / 2011 X X X
I
S UFU PAIES / 2010 X X X
PEIES 2010 X - X
UnB PAS 2011 X X X
PAVE / 2011 X - X
UNIPel PAVE / 2010 X - X
PAS 2011 X X X
UEG SAS 2009/3 X - X
PROSEL 2012 X X X
UEPA
E PROSEL 2011 X X X
T PSS / 2011 X - X
A UEPG PAES / 2011 X - X
D
U PSS / 2010 X - X
A PAES / 2010 X - X
UniMontes
I SAS 2008/3 X - X
S
SSA / 2012 X - X
UPE
SSA / 2011 X - X
303
APÊNDICE 11 - Protocolo de análise das questões de isomeria das provas de SSA de universidades federais e estaduais brasileiras, realizadas
em 2011 e 2010
Tabela 2 - Distribuição das questões envolvendo conteúdos químicos nas edições do ENEM
de 1998 a 2012
Questões envolvendo conteúdos químicos
Quantidade
Ano Caderno de prova
de questões
Quantidade Números das questões
1998 Amarelo 63 10 31, 32, 34, 47, 48, 49, 52, 53, 62, 63
9, 11, 12, 14, 15, 16, 32, 33, 36, 45, 47,
1999 Amarelo 63 14
57, 58, 59
2, 3, 10, 14, 23, 27, 30, 34, 37, 38, 48, 49,
2000 Amarelo 63 18
50, 51, 52, 61, 62, 63
2001 Amarelo 63 7 7, 11, 12, 21, 22, 23, 25
4, 5, 6, 17, 24, 26, 31, 32, 33, 40, 43, 47,
2002 Amarelo 63 17
52, 59, 60, 61, 62
16, 17, 18, 20, 21, 24, 25, 32, 33, 34, 37,
2003 Amarelo 63 19
38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45
2004 Amarelo 63 11 34, 35, 36, 39, 40, 42, 43, 48, 50, 60, 61
2005 Amarelo 63 10 11, 13, 17, 18, 30, 31, 40, 41, 42, 54
2006 Amarelo 63 10 32, 38, 39, 45, 49, 50, 56, 58, 63
2007 Amarelo 63 10 13, 15, 25, 42, 47, 56, 58, 59, 60, 62
2008 Amarelo 63 10 4, 18, 25, 26, 27, 28, 29, 43, 52, 53
1, 2, 6, 7, 10, 12, 15, 22, 23, 26, 29, 30,
2009 Azul 90 17
33, 36, 42, 43, 44
49, 51, 54, 55, 56, 58, 59, 60, 61, 62, 63,
2010* Azul 90 25 65, 66, 67, 68, 71, 73, 74, 78, 79, 80, 82,
84, 85, 86
14, 50, 51, 52, 53, 55, 56, 60, 61, 69, 72,
2011 Amarelo 90 18
75, 77, 78, 79, 82, 90
26, 40, 47, 49, 50, 53, 58, 64, 65, 69, 70,
2012 Branco 90 17
76, 77, 80, 85, 88, 89
* Primeira aplicação
306
APÊNDICE 13 - As questões de isomeria das 1as etapas dos vestibulares das universidades
federais de Pernambuco
Tabela 3 - Análise das questões das 1as etapas dos vestibulares das universidades federais de
Pernambuco, de 1990 a 2009, em relação ao conteúdo isomeria
Isomêros
Química Isômeros Isomêros
Ano Química Isomeria Estereoisômeros oticamente
Orgânica Constitucionais cis-trans
ativos
1990 16 3 - - - - -
1991 16 3 1 1 1 1 -
1992 16 3 1 - 1 1 -
1993 16 1 - - - - -
1994 16 2 1 - 1 1 -
1995 16 2 - - - - -
1996 16 4 - - - - -
1997 16 2 1 - 1 1 -
1998 16 3 1 - 1 - 1
1999 16 4 1 1 - - -
2000 16 4 - - - - -
2001 16 4 2 1 2 1 1
2002 16 4 3 1 2 2 -
2003 16 4 3 1 2 1 1
2004 16 4 - - - - -
2005 16 4 - - - - -
2006 16 4 2 - 2 1 1
2007 10 3 2 1 2 2 1
2008 10 2 1 - 1 1 -
2009 10 3 2 1 2 2 1
TOTAL 302 63 21 7 18 14 6
307
APÊNDICE 14 - As questões de isomeria das 2as etapas dos vestibulares das universidades
federais de Pernambuco
Tabela 4 - Análise das questões da 2ª fase dos vestibulares das universidades federais de
Pernambuco de 1990 a 2009, em relação ao conteúdo isomeria
Isomêros
Química Isômeros Isomêros
Ano Química Isomeria Estereoisômeros oticamente
Orgânica Constitucionais cis-trans
ativos
1990 16 4 2 - 2 1 1
1991 16 4 2 2 1 1 -
1992 16 4 2 2 1 1 1
1993 16 2 - - - - -
1994 16 2 1 - 1 1 1
1995 16 4 2 - 2 1 1
1996 16 4 3 2 3 2 2
1997 16 4 1 - 1 1
1998 16 5 1 1 - - -
1999 16 4 1 1 - - -
2000 16 5 1 - 1 - 1
2001 16 5 2 - 2 1 -
2002 16 4 2 - 2 1 1
2003 16 4 2 1 2 1 2
2004 16 5 1 1 1 1 1
2005 16 3 2 - 2 2 1
2006 16 3 1 1 1 - -
2007 16 4 - - - - -
2008 16 4 2 - 2 2 1
2009 16 4 1 1 - - -
TOTAL 320 78 29 12 24 16 13
308
ANEXO - Questões envolvendo o conteúdo isomeria dos sistemas de avaliação seriada das
universidades estaduais investigadas na pesquisa