FACCHIN, K. A Imposição Biopolítica Do Gênero
FACCHIN, K. A Imposição Biopolítica Do Gênero
FACCHIN, K. A Imposição Biopolítica Do Gênero
“Gênero é algo que fazemos, não algo que somos - algo que fazemos juntos. Uma relação
entre nós, não uma essência. (...) Gênero não é uma questão de propriedade individual. O
gênero nos é imposto em uma rede de relações sociais, políticas e econômicas, e é apenas
dentro dessa mesma rede que ele pode ser renegociado.” Paul B. Preciado, Transfeminismo.
1
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, vol. 2: a experiência vivida. Trad. Sérgio Milliet. 4. ed. São Paulo:
Difusão Européia do Livro, 1967, p. 8.
2
WITTIG, Monique. Não se nasce mulher. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista:
conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2019.
3
Segundo Wittig, “Colette Guillaumin mostrou que, antes da realidade socioeconômica da escravidão negra, o
conceito de raça não existia, pelo menos não no seu sentido moderno, já que ele era empregado à linhagem de
famílias”, assinalando que a “raça” nasceu para justificar a opressão “racial”.
Disciplina: FLF0114 Aluno: Kleber Henrique Facchin
Prof. Tessa Moura Lacerda N. USP: 11052166
Monitoria: Gustavo Ruiz da Silva
Pois bem. As lições de Simone de Beauvoir e Monique Wittig acima citadas contêm
os fundamentos que fornecem as bases para a afirmação de Paul B. Preciado segundo a qual
“Gênero [...] não [é] algo que somos”. Todavia, para entender melhor o sentido da afirmação
de que “Gênero é algo que fazemos”, revela-se especialmente elucidativa a tese da
performatividade de gênero desenvolvida por Judith Butler4, de acordo com a qual, o gênero
se constitui por representação de normas sociais que estabelecem condições a partir das quais
os “sujeitos se tornam passíveis de reconhecimento. Reconhecer um gênero depende
fundamentalmente da existência de um modo de apresentação para aquele gênero, uma
condição para seu aparecimento” 5.
Implica-se uma condição de reconhecimento de um sujeito como “mulher” a partir de
aparências e comportamentos que são predefinidos como típicos do gênero feminino,
condição essa que, segundo Wittig, compele os corpos e as mentes dos indivíduos que
nasceram sem pênis a corresponder a aspectos ideologicamente atribuídos ao papel designado
pela categoria “mulher”, ideologicamente imposto como destino natural e predeterminado.
Ou seja, a partir da naturalização desses aspectos relativos ao gênero, fazemos com
que ele se efetive, performativamente, atribuindo às categorias “homem” e “mulher” efeitos
ilocucionários. Em função da genitália, o gênero enunciado tem o poder de definir o que uma
pessoa deve ser e fazer, implicando uma série de consequências socioculturais que
determinarão diversas circunstâncias da vida da pessoa que foi classificada dentro de um ou
de outro gênero, desde tabus e papeis socialmente postos até direitos e deveres morais,
obstáculos e privilégios diferenciados.
Aliás, é importante notar que os privilégios dos homens em detrimento das mulheres
já se encontram sedimentados estruturalmente na sociedade. Simone de Beauvoir6 observa
que, apesar da frequente negligência a respeito das graves repercussões morais da opressão
das mulheres pelos homens, é evidente a existência de discriminações sociais e de
circunstâncias estruturais que condicionam materialmente o desenvolvimento das mulheres
na atual sociedade.
Assim, a definição comunicativa de papeis sociais descritos por um gênero engendra
um universo de estereótipos e de expectativas que o sujeito classificado deverá observar.
4
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia.
Trad. Fernanda S. Miguens. Rev. técnica Carla Rodrigues. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2018.
5
BUTLER, J. Op. cit., capítulo 1: “Política de gênero e o direito de aparecer”, §18.
6
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo, vol. 1: fatos e mitos. Trad. Sérgio Milliet. 4. ed. São Paulo: Difusão
Européia do Livro, 1970, pp. 19-20.
Disciplina: FLF0114 Aluno: Kleber Henrique Facchin
Prof. Tessa Moura Lacerda N. USP: 11052166
Monitoria: Gustavo Ruiz da Silva
7
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Vol. 1. Trad. Sérgio Milliet. 4. ed. São Paulo: Difusão Européia do
Livro, 1970, pp. 493-494.
8
WITTIG, Monique. Não se nasce mulher. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista:
conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do tempo, 2019.
9
LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Trad. de Susana Bornéo Funck. In: HOLANDA, Heloisa
Buarque de (Org.). Tendências e impasses: o feminismo como crítica cultural. Rio de Janeiro: Rocco, 1994, pp.
238.
Disciplina: FLF0114 Aluno: Kleber Henrique Facchin
Prof. Tessa Moura Lacerda N. USP: 11052166
Monitoria: Gustavo Ruiz da Silva
10
FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Trad. Coletivo Sycorax. São
Paulo: Ed. Elefante, 2017, p. 27-29.
11
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de
assembleia. Trad. Fernanda S. Miguens. Rev. técnica Carla Rodrigues. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2018, capítulo 1: “Política de gênero e o direito de aparecer”, §43-45.