Abordagensanaliticastecnico Costa 2021
Abordagensanaliticastecnico Costa 2021
Abordagensanaliticastecnico Costa 2021
NATAL/RN
2021
RADAN SOARES DA COSTA
Orientador:
Prof. Dr. Ranilson Bezerra de Farias
Natal/RN
2021
ABORDAGENS ANALÍTICAS E TÉCNICO-INTERPRETATIVAS NA SONATA
PARA TROMPETE E PIANO DE CLAUDIO SANTORO
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
PROF. Dr. Radegundis Aranha Tavares Feitosa
(Examinador interno)
_____________________________________________________
PROF. Dr. Marcos Aragão Fontoura
(Examinador externo)
_____________________________________________________
PROF. Dr. Ayrton Müzel Benk Filho
(Examinador externo)
Este trabalho é dedicado a todos aqueles que
sonham estudar e ensinar música, e fazem
deste sonho seu ideal de vida.
.
AGRADECIMENTOS
Ao término da elaboração deste trabalho, gostaria de agradecer a todos aqueles que de alguma
maneira contribuíram para a conclusão desta etapa.
A Deus por sua infinita bondade estando sempre presente em minha vida.
A minha família pelo amor, confiança, incentivo, paciência e apoio durante todos os anos.
Ao professor Dr. Ranilson Bezerra de Farias, pela condução intelectual que tanto estimulou
minha lucidez através de seus conselhos diversos, orientando o desenvolvimento de minha
percepção enquanto autor do presente trabalho.
A todas as pessoas que participaram, contribuindo para realização deste trabalho, direta ou
indiretamente, meu agradecimento.
RESUMO
Neste trabalho são apresentados procedimentos analíticos que visam auxiliar o intérprete,
fornecendo-lhe possibilidades de resolução acerca de questões interpretativas encontradas
durante o processo de preparação da Sonata Para Trompete e Piano de Claudio Santoro, bem
como, a „tradução‟ dos elementos explícitos e implícitos na partitura que se revelam através
dos signos, a saber: articulações, dinâmicas, andamentos e fraseados. Inicialmente foi
realizado um levantamento de obras e uma revisão bibliográfica referentes ao uso da análise
voltada à interpretação. Seguindo o procedimento da pesquisa, escolhemos o processo de
aplicação do roteiro de análise elaborado por John Rink apresentado no trabalho Analysis and
(or?) Performance, como também, o conceito descrito no trabalho de Nicholas COOK
(2006), no qual o autor propõe a visão da partitura como “Script” ao invés de “texto”, para
utilizarmos na referida obra. Nesse processo, foram abordados os seguintes aspectos: formas,
motivos, elementos melódicos, dinâmica e a realização de uma redução rítmica de todos os
movimentos. Ao final deste estudo, obtiveram-se dados gerados a partir da análise realizada,
com o objetivo de utilizá-los para sugerir alternativas de interpretação e execução coerentes e
conscientes, esperando que essas contribuam para futuras perfomances da obra.
Palavras-chave: Claudio Santoro. Sonata para Trompete e Piano. Análise para Intérprete.
Perfomance musical. Dodecafonismo.
ABSTRACT
In this work, analytical procedures are presented that aim to assist the interpreter, providing
him with possibilities of resolution about interpretative issues found during the preparation
process of the Sonata For Trumpet and Piano by Claudio Santoro as well as the 'translation' of
the explicit and implicit elements in the score that are revealed through signs, namely:
articulations, dynamics, movements and phrasing. Initially, a survey of works and a
bibliographic review was carried out regarding the use of analysis aimed at interpretation.
Following the research procedure, we chose the process of applying the analysis script
prepared by John Rink presented in the article Analysis and (or?) Performance, as well as the
concept described in the work of Nicholas COOK (2006), where the author proposes the
vision of the score as “Script” instead of “text”, to be used in that work. In this process, the
following aspects were addressed: forms, motifs and melodic elements, dynamics and the
realization of a rhythmic reduction of all movements. At the end of this study, we obtained
data generated from the analysis carried out, with the aim of using it to suggest alternatives
for coherent and conscious interpretation and execution, hoping that these will contribute to
future performance of the work.
Key words: Claudio Santoro. Sonata for Trumpet and Piano. Analysis for Interpreters.
Musical Performance.
LISTA DE ILUSTRAÇÃO
1 INTRODUÇÃO
É possível constatar que, a partir da segunda metade do século XX até os dias atuais,
houve uma crescente produção de trabalhos composicionais e acadêmicos relacionados ao
trompete no Brasil, sobretudo no âmbito técnico e interpretativo, abrangendo o repertório para
trompete solista e sinfônico. Entretanto, nessa área ainda há, atualmente, campos inexplorados
que possuem seu grau de relevância às práticas interpretativas. Não raramente em nossas
pesquisas, deparamo-nos com obras de compositores – por vezes esquecidas – que podem vir
a ser uma importante contribuição para o repertório brasileiro escrito com ênfase no trompete,
mas que pouco sabemos sobre elas e quase não as ouvimos em recitais no Brasil, negando-se,
de certa maneira, o valor e magnitude desses trabalhos.
Com o intuito de contribuir com a pesquisa acerca do repertório brasileiro escrito para
o instrumento supracitado, através desse trabalho buscamos identificar algumas obras
concebidas para ele por compositores brasileiros. Levando-se em consideração de que há uma
quantidade considerável de obras escritas por compositores que se encaixam nesse perfil,
inicialmente realizamos um levantamento mais sucinto, buscando delimitar o período e o
compositor das obras.
Seguindo os parâmetros estabelecidos pelo Curso de Pós-Graduação da EMUFRN,
escolhemos o século XX, por se tratar de um período de suma relevância em relação à
formação do nosso repertório. e o compositor Claudio Santoro, por sua importância dentro do
cenário musical brasileiro. Como primeiro passo metodológico realizamos o levantamento das
obras a partir de uma pesquisa de campo, onde buscamos informações através de contatos
com trompetistas, maestros, compositores e musicólogos, somados a consultas em bibliotecas,
catálogos encontrados em livros e catálogos online.
Finalizada a realização do levantamento das obras, selecionamos a Sonata Para
Trompete e Piano como objeto dessa pesquisa. Com objetivo de elucidar questões inerentes
ao processo de estudo e interpretação da obra, utilizamos como base a aplicação do roteiro de
análise descrito por RINK (2002), no trabalho intitulado: “Analysis and (or) Performance”.
Em relação às tomadas de decisões idiossincráticas, tomamos como base o conceito descrito
no trabalho de COOK (2006), cujo autor propõe a visão da partitura como “Script” ao invés
de “texto”.
A elaboração desse estudo passou por algumas etapas que estão organizadas em
capítulos. No primeiro capítulo são discutidos os problemas e questões relacionadas à prática
de análise e interpretação, sob ponto de vista de compositores, teóricos e intérpretes. Ainda
10
2.1 Análise e interpretação sob os pontos de vista dos compositores teóricos e intérpretes
Ao longo dos anos podemos notar uma grande produção de trabalhos na área da
performance “pura” (que não tem relação com outras áreas de conhecimento), como também
as que contêm caráter interdisciplinar, estabelecendo esta última, por sua natureza, relação
entre a interpretação e outras áreas do conhecimento humano. A subárea referente à
interpretação e análise tem gerado várias discussões entre compositores, teóricos e intérpretes,
sendo tema de distintos trabalhos de pesquisa que se atritam ao defender a superioridade de
uma sobre a outra, ou ao sugerir um ponto exato para um diálogo em que ambas se favoreçam
de maneira definitiva.
Alguns autores compartilham a opinião de que o intérprete é nada mais que um mero
reprodutor das ideias do compositor. Pode-se notar uma linha bastante semelhante a esse tipo
de pensamento nas declarações de alguns compositores do início do século XX. Para eles, os
sinais grafados na partitura são suficientes para que a obra seja considerada completa,
dispensando possíveis contribuições do intérprete, passando-nos, assim, a ideia de que a
performance é, em sua essência, nada mais que uma reprodução e, consequentemente, uma
atividade subordinada às ideias do compositor notadas na partitura.
Stravinsky afirma que “o segredo da perfeição reside acima de tudo na consciência
[que o performer] tem da lei que lhe é imposta pela obra que está tocando, de tal maneira que
a música não deveria ser interpretada, mas sim executada” (STRAVINSKY, apud COOK,
2006, p.5). Seguindo a mesma linha de pensamento, Schoenberg discorre sobre o performer,
afirmando que “a despeito de sua intolerável arrogância, é totalmente desnecessário, exceto
pelo fato de que as suas interpretações tornam a música compreensível para uma plateia cuja
infelicidade é não conseguir ler esta música impressa” (NEWLIN, apud COOK, 2006, p. 5).
Não muito se distanciando da ideia do modelo de pensamento sistemático anterior,
alguns teóricos como Berry, Narmour e Schenker aproximaram a relação entre a análise e a
interpretação, porém, defendem a análise sistemática como a ideal para que o intérprete tome
como ponto de partida todas as suas escolhas interpretativas. De acordo com eles, esse tipo de
análise da partitura indica o modo “correto” de interpretar uma obra musical, em que o
analista está no controle de todo o processo de interpretação.
No trabalho Music structure and performance, Wallace Berry estabelece a análise
musical como pré-requisito indispensável para que uma interpretação seja legítima e
12
Nada mais falso e absurdo do que esperar coisa diversa, seja desconhecendo a
natureza pessoal do ato interpretativo e pregando uma „reevocação‟ fiel e impessoal,
uma réplica, enfim, do significado concebido pelo compositor; seja ignorando a
plurissemanticidade constitutiva da obra de arte e pretendendo uma única
interpretação correta; seja pregando uma execução tão pessoal e original que se
sobreponha à obra, forçando-a a dizer o que ela não quer ou mais do que quer dizer,
como se fosse a pessoa do executante, o centro primeiro das atenções e a obra um
mero pretexto para a sua expressão. (ABDO, 2000, p. 23).
1
Revista de Performance Musical da UFMG.
2
Material gravado em fita K7, transcrito e publicado por SOUZA. Iracele Lívero de. Santoro: uma história em
Miniaturas. Dissertação de Mestrado. Campinas: Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, 2003.
13
“é comum a inclusão da análise musical de repertório em pesquisas sem uma finalidade clara,
muitas vezes revelando elementos formais, harmônicos, rítmicos, melódicos ou tímbricos que
não se conectam com a realização musical” (BORÉM; RAY, 2012, p. 143).
Frequentemente encontrarmos trabalhos com problemas cuja análise elaborada pelos
autores fornecem apenas argumentos para corroborar uma teoria. Em sua tese de doutorado, o
pesquisador e compositor Antenor Ferreira Corrêa aborda esta questão discorrendo que:
Em casos como esses citados acima, fica difícil entender como o uso de procedimentos
analíticos baseados em métodos rigorosos podem subsidiar uma interpretação. De forma
geral, os resultados extraídos de uma partitura através de uma análise rigorosa são fascinantes
no papel, todavia, na maior parte dos casos, tais análises são bem mais facilmente visíveis do
que audíveis, de tal modo que pouco influi em uma interpretação.
No entanto, é importante ressaltar que esta etapa da análise não se refere apenas a uma
simples identificação de uma forma sonata, binária ou ternária. Esse procedimento tem por
objetivo a busca pelo entendimento de como essas construções estão organizadas na música,
de modo que o intérprete deve buscar elucidações de como os episódios estão organizados na
peça, planejando como estes serão distribuídos durante a interpretação no ato final para uma
performance da obra.
Um dos pontos fracos desta abordagem é sua atenção limitada ao contexto - fator
que geralmente influencia o significado das indicações de dinâmica (um piano, por
exemplo, adquire no contexto onde se prevalece o fortíssimo, um significado
diferente daquele que teria num contexto em pianíssimo). (RINK, 2002, p. 37)
Embora esse tipo de gráfico nos forneça uma ideia por vezes limitada, ocasionada pelo
fato de que as indicações de dinâmica, marcadas pelo compositor na partitura, não nos
proporcionam uma informação exata relacionada ao nível de decibéis, tal modelo “fornece
uma excelente visão do terreno da dinâmica, assim como a oportunidade de percebê-la
enquanto acontece” (RINK, 2002, p. 37).
Mesmo podendo-se observar mudanças de andamento ou dinâmica na partitura, criar
um gráfico específico de cada aspecto torna-se possível observar, em uma única imagem,
como essas mudanças se dão ao longo da obra, assim como as partes que têm mais mudanças
em geral. Observando as variações de cada aspecto a ser trabalhado, é possível fazer um
planejamento de estudos que acompanhe cada um deles e suas variações no decorrer da obra.
Embora uma metodologia para uma análise da melodia seja algo bastante vago, Rink
(2002) explica que esta pode ser instrutiva no sentido de traçar os contornos melódicos no
papel, sem as hastes, notas e outros impedimentos de notação que distraem o olhar da
trajetória musical. Segundo o autor, esse procedimento pode auxiliar o intérprete na
visualização do contorno da melodia. Em geral
20
Normalmente é comum que os intérpretes imaginem a melodia como uma linha, sendo
esta linha contínua ou não. Eles a cantam para si mesmos enquanto estão fazendo música. Na
figura 4, podemos observar a exemplificação de Rink, onde ele traça o contorno melódico da
cadência do Noturno de Chopin op. 27 nº 1.
No entanto, embora todos esses elementos citados por Rink pudessem ser identificados
intuitivamente pelos intérpretes, eles implicam um nível mais elevado de estrutura que
dificilmente poderia ser meramente sentida. Um diagrama como este da figura 5 auxilia na
revelação de que “a estrutura frasal e o contorno musical são dois lados da mesma moeda”
(RINK, 2002, p. 41)
22
Finalizando, o autor ressalva que a aplicação dessas técnicas não está de maneira
alguma limitada à música para piano solo. “A princípio qualquer músico pode achar estas
técnicas benéficas, na medida em que não sejam consideradas como finalidade, mas sim como
um meio de enriquecer a consciência do processo musical” (RINK, 2002, p. 31). Rink ainda
discorre afirmando que:
A análise pode estar „implícita‟ no que o intérprete „faz‟, e pode também ser
explicitamente adotada por intérpretes que se utilizam destas e de outras
técnicas aqui descritas, bem como outras. Mas é importante não alçá-la a um
status mais importante do que a performance ela tenha originado, ou usa-la
como um meio de subjugar e constranger os músicos. (RINK, 2002, p. 42).
De certa maneira, a utilidade potencial da análise deve ser reconhecida, bem como as
suas limitações, compreendendo que a música transcende a análise e qualquer outra
abordagem que tenha por finalidade a sua compreensão. “Projetar a música é o que mais
importa, e todo o resto é apenas um meio para se atingir uma finalidade” (RINK, 2002, p. 42).
Identificação de planos
tonais básicos e divisões
formais
Gráficos de tempo
A preparação de uma
redução rítmica
A Sonata para Trompete e Piano foi escrita por Claudio Santoro no Rio de Janeiro em
8 de outubro de 1946, período que corresponde a sua primeira fase composicional (fase
dodecafônica). Essa fase foi marcada pelo seu contato com o músico alemão naturalizado
brasileiro H. J. Koellreutter3, e o engajamento do jovem compositor com o grupo Música
Viva4. “Santoro estudou ano e meio com koellreutter. Recebeu cerca de trezentas aulas em
curso intensivo diário. Iniciou-se no dodecafonismo e esteve muito ativo como membro do
Grupo Música Viva, havendo inclusive escrito artigos e participado de vários concertos”
(MARIZ, 1994, p.16).
De acordo com Engelke (2007), essa é a primeira sonata brasileira escrita para
trompete e piano. Esta sonata estava perdida e o único registro que se tinha estava em uma
catalogação feita pelo musicólogo Vasco Mariz. Gizele Santoro, a viúva do compositor, não
tinha o conhecimento dessa obra e acreditava que Santoro nunca tinha escrito uma sonata para
trompete e piano. Porém, uma recente busca por manuscritos de Santoro revelou finalmente a
sonata perdida. Gizele Santoro acredita que a sonata nunca foi estreada durante a vida do
compositor - a partitura que foi encontrada limpa sem marcações e com alguns erros não
corrigidos reforçam esse pressuposto. É provável que a estreia dessa obra tenha acontecido
em Tawson EUA no dia 28 de março de 2000, por Luiz Engelke5 trompete e Eva Mengelkoch
piano.
A sonata foi gravada em 20 de novembro de 2001 no Rio de Janeiro, por Luis Engelke
ao Trompete, e Rubia Santos ao Piano. Esse trabalho pode ser encontrado no álbum intitulado
“A Brazilian Collection”, o qual possui o selo Tijuca Music. Recentemente a sonata foi
3
Hans-Joachim Koellreutter: Compositor, maestro, flautista e professor alemão, naturalizado brasileiro.
Considerado o primeiro mestre de composição dedicado ao ensino da técnica dodecafônica no Brasil e teve
importância fundamental na formação de vários músicos do país.
4
Movimento de atualização da música brasileira, ocorrido no Rio de Janeiro entre 1939 e 1950, liderado por H.
J. Koellreutte.
5
Trompetista brasileiro-americano, educador e estudioso, Luis Engelke é professor de trompete na Universidade
de Towson. Apresenta anualmente pelo menos mais de cem concertos como solista, músico de orquestra e
camerista. Atua como editor das críticas musicais da revista da International Trumpet Guild e é artista Yamaha.
Suas apresentações e pesquisas sobre música latina se destacam especialmente a partir de estreias de obras
modernas latino-americanos para trompete solo e pelo seu primeiro CD solo intitulado “A Brazilian Collection”,
antologia publicada pela Balquhidder Music sob o mesmo título, que contém edições de importantes obras
brasileiras para trompete solo. Podemos incluir nessa perspectiva as primeiras apresentações e gravações de
obras consideradas anteriormente como perdidas de notáveis compositores brasileiros como Claudio Santoro,
José Siqueira e Santana Gomes.
26
editada pela editora Savart e pode ser adquirido através de um catálogo comercial, disponível
no site oficial da Associação Cultural Claudio Santoro·.
A Sonata Para Trompete e Piano foi escrita com base na linguagem dodecafônica6,
embora existam diversas possibilidades de notação analítica desenvolvidas por outros autores.
Este trabalho adota a nomenclatura descrita por George Perle, que simboliza as quatro formas
seriais possíveis como P [prime], I [inversion], R [retrograde] e RI [retrograde-inversion].
Suas doze transposições são numeradas de 0 a 11, assim como as alturas serializadas nelas
contidas (PERLE, 1962). Para melhor entendimento, na figura 8 são apresentadas as notas
com seus respectivos números.
6
Música construída de acordo com o princípio, enunciado separadamente por Hauer e Schoenberg, no início dos
anos 20, de composição com base nas escalas de 12 notas. De acordo com o princípio de Schoenberg, as 12 notas
cromáticas da escala de temperamento igual são arrumadas numa ordem particular formando uma série que serve
de base para a composição. (SADIE, 1994, p. 271)
27
I7 I8 I3 I0 I5 I10 I9 I1 I11 I4 I6 I2
P7 7 8 3 0 5 10 9 1 11 4 6 2 R7
P6 6 7 2 11 4 9 8 0 10 3 5 1 R6
P11 11 0 7 4 9 2 1 5 3 8 10 6 R11
P2 2 3 10 7 0 5 4 8 6 11 0 9 R2
P9 9 10 5 2 7 0 11 3 1 6 8 4 R9
P4 4 5 0 9 2 7 6 10 8 1 3 11 R4
P5 5 6 1 10 3 8 7 11 9 2 4 0 R5
P1 1 2 9 6 11 4 3 7 5 10 0 8 R1
P3 3 4 11 8 1 6 5 9 7 0 2 10 R3
P10 10 11 6 3 8 1 0 4 2 7 9 5 R10
P8 8 9 4 1 6 11 10 2 0 5 7 3 R8
P0 0 1 8 5 10 3 2 6 4 9 11 7 R0
RI7 RI8 RI3 RI0 RI5 RI10 RI9 RI1 RI11 RI4 RI6 RI2
No início da obra observamos que o compositor fez a indicação do uso de surdina para
o trompete. Os dois primeiros compassos da exposição do tema (A) estão escritos em
uníssono com o piano, o que nos leva a perceber a busca por texturas e cores timbrísticas não
tão comuns em sua época, o que já era de se esperar de um compositor membro do grupo
Música Viva. Veja a figura 11:
28
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/.
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/.
29
7 8 3 0 5 10 9 1 11 4 6 2
(P7)
SOL LAb MIb DO FA Bb LA DO# SI MI FA# RE
Logo em seguida, temos a subseção (a¹) que se inicia no segundo tempo fraco do
compasso 8, seguindo até o compasso de número 15. Esta subseção é uma variação do tema
(a), na qual o compositor usou a mesma série (P7) com recursos de dispersão melódica,
retrogradações das figuras de tempo, além de algumas digressões da regra do dodecafonismo
como, repetições e antecipações das notas das séries.
Entre os compassos 16 e 21 temos a subseção (b). Nesse trecho, podemos observar
uma mudança nas séries utilizadas, no qual o compositor faz uma mescla - inicia o tema com
as 6 ultimas notas da série (P7), usada nas subseções anteriores, finalizando com a série (I7),
afirmando-a, como a série base para a subseção (b¹). Veja a ilustração na figura 14:
Figura 14: Primeiro movimento, Sonata Para Trompete e Piano compassos 16 ao 21.
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/.
7 6 11 2 9 4 5 1 3 10 8 0
(I7)
SOL FA# SI RE LA MI FA REb MIb SIb LAb DO
A subseção (b¹) está entre os compassos 22 ao 27. Esta subseção está construída com
base na série (I7) que é a inversão da série primordial. Na figura 16, podemos observar a
sequência de notas dessa série.
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
2 3 10 7 0 5 4 8 6 11 1 9
(P2)
RE MIb SIb SOL DO FA MI LAb FA# SI DO# LA
31
(P0) 0 1 8 5 10 3 2 6 4 9 11 7
DO DO# LAb FA SIb MIb RE FA# MI LA SI SOL
A subseção (c) está escrita entre os compassos 36 ao 43. Nessa subseção podemos
observar a presença das séries (P7) e (P2). Seguindo, temos a subseção (d) que se inicia no
compasso 44 e vai até o compasso 55, fechando, assim, o desenvolvimento (B), tendo como
base a série (P0), (P2) e (P5).
A última seção inicia-se no compasso 56, seguindo até o final do primeiro movimento
no compasso 93. Nessa seção, temos as citações de materiais musicais já vistos na exposição e
no desenvolvimento, algumas idênticas e outras com poucas variações dos temas apresentados
anteriormente nas subseções passadas, observa-se ainda o acréscimo de uma Coda no final
desse primeiro movimento.
A reexposição possui 4 subseções (a, b, c, Coda), no compasso 56 temos o tema
principal da seção (A) reexposto, logo, podemos observar que esse tema ressurge com
algumas pequenas variações, a série (P7) usada pelo compositor na exposição foi agora
trocada pela série (P5). Temos ainda, o tema reapresentado com mudanças nas articulações,
dinâmicas e algumas dispersões melódicas onde temos os registros das oitavas trocadas.
Podemos observar essas mudanças na figura 18.
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
32
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
33
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
Finalizando, temos a Coda, que tem seu início no compasso 78 seguindo até o final do
primeiro movimento no compasso 93. Nessa seção, podemos observar materiais já vistos
anteriormente: temos entre os compassos 78 ao 81 e 90 ao 93 o mesmo material do tema
principal com variações - nesta ocasião o tema está escrito com base na série (P8). Entre os
compassos 83 ao 86 observamos o mesmo material da última subseção do desenvolvimento,
agora escrito com base na mesma serie (P0). Na figura 22, podemos observar a Coda
completa com marcações das series utilizadas:
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
34
Com o intuito de fornecer uma visão por completo dos dados expostos anteriormente,
relativos às divisões formais e as séries presentes na obra, organizamos a seguir todas as
informações obtidas através dessa análise. Embora, tabelas como esta tenham uma aparência
bastante resumida, esse esquema pode ajudar os intérpretes a terem uma visão mais clara das
divisões formais da obra de forma completa.
Em seguida, para uma melhor identificação, temos a matriz com a marcação de todas
as séries utilizadas pelo compositor ao longo desse primeiro movimento.
Observando a matriz acima, com as marcações das séries utilizadas pelo compositor,
podemos constatar que ele optou por fazer uso apenas de sete séries “P” [prime] sendo elas
(P7, P6, P2, P5, P1, P8 e P0), mais o uso de duas séries “I” [inversion], sendo elas (I7 e I8).
As séries “R” [retrograde] e RI [retrograde-inversion] não foram usadas na parte do
trompete.
O segundo movimento está estruturado dentro da forma ternária A-B-A, o qual foi
escrito em compasso binário 2/4 com indicação de andamento em Andante e tem como
características frases melódicas em legato. Assim, como no primeiro movimento, o segundo
também está escrito com base na linguagem dodecafônica e Claudio Santoro utiliza a mesma
matriz usada no primeiro movimento. Na parte do trompete, temos apenas a série (I7) e a série
(I3).
Figura 24: Relação de notas e números em série
7 6 11 2 9 4 5 1 3 10 8 0
(I7)
SOL FA# SI RE LÁ MÍ FÁ DO# MÍb SÍb LÁb DÓ
3 2 7 10 5 0 1 9 11 6 4 8
(I3)
MÍb RÉ SOL SÍb FÁ DÓ DÓ# LÁ SÍ FÁ# MÍ LÁb
Figura 25: Sonata Para Trompete e Piano Série geradora (P5), terceiro movimento
compassos 1 ao 4
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
1 4 0 6 5 2 3 8 11 10 9 7
(P1)
REb MI DO FA# FÁ RE MIb LÁb SÍ SIb LA SOL
4 7 3 9 8 5 6 11 2 1 0 10
(P4) MI SOL MIb LA LÁb FA FA# SI RE DO# DO SIb
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
Entre os compassos 59 ao 66, temos mais uma vez o material do tema B com variação.
Fechando, temos uma transição entre os compassos 67 ao 74, encerrando assim o
desenvolvimento.
A reexposição inicia-se no compasso 75 e termina no compasso 118. Finalizando,
temos no compasso 119 a Coda que segue até o final no compasso 142. Com o intuito de
fornecer uma visão por completo dos dados expostos anteriormente, relativos às divisões
formais e as séries presentes na obra, organizamos a seguir todas as informações obtidas
através dessa análise.
Tabela 3: Resumo das divisões formais e séries da obra
Compassos 1 ao 35 36 ao 75 76 ao 142
Seções Exposição Desenvolvimento Reexposição
Subseções A B trans A B trans A B trans A B trans A B trans coda
Compasso 1 11 20 36 40 46 50 54 59 76 86 96 99 103 109 119
P5 P4 - P5 P4 - I6 I6 - P5 P4 - I6 P4 - P5
Séries P1 P1 P5 P5 I6 P5 P7 P5 I6
Utilizadas P3 R5 P8 R8 P4
certa forma não surtir os efeitos desejados, gerando um resultado não convincente e
insatisfatório, podendo causar uma má impressão tanto da interpretação quanto da obra
executada. Sabe-se que as indicações de dinâmica grafadas na partitura não têm relação com
uma medida exata em níveis de decibéis. Uma simples indicação de “p” (piano), pode ser
executada com volume de som distinto entre intérpretes e performances diferentes, como
também pelo mesmo intérprete em uma mesma execução de uma obra. “Consequentemente, o
resultado sonoro dependerá da competência técnica e da criatividade do intérprete”.
(FONSECA, 2005, p. 89).
ppp a ff. Na figura 30, o gráfico do terceiro movimento mostra as variações de dinâmicas
indicadas por Claudio Santoro.
Figura 30: Gráfico de dinâmica do terceiro movimento da Sonata Para
Trompete e Piano
Figura 31: Sonata Para trompete e Piano, motivo “A”. Primeiro movimento
compassos 1 e 2
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
Nos compassos 34 e 35, temos a variação do motivo “A” na parte do piano; e nos
compassos 78 e 79 temos uma variação escrita para o trompete. Em ambas¸ podemos observar
uma variação rítmica - as figuras agora correspondem à metade do valor. Temos também a
inserção de notas no lugar das pausas, que se situavam entre as duas primeiras notas no início
do motivo.
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
Figura 33: Sonata para Trompete e Piano, primeiro Movimento, Compassos 78 e 79.
Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
43
O motivo “B” é rítmico e sincopado, contrasta com o motivo “A” pela diversidade de
articulações e o ritmo. Esse padrão perdura-se durante todo o primeiro movimento em todas
as repetições e variações.
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Figura 35: Sonata Para Trompete e Piano, Primeiro Movimento, compasso 13 com
anacruse ao 17
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Figura 38: Sonata para Trompete e Piano, motivo “3” segundo movimento.
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Na exposição, são apresentados os dois motivos principais, que Santoro tomou como
base, para desenvolver toda a melodia do terceiro movimento. O primeiro motivo figura 39,
está exposto nos dois compassos iniciais da obra, possui características de ritmo marcial e
articulação incisiva, esse motivo serve como base para o tema principal da peça.
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Figura 40: Sonata para Trompete e Piano, terceiro movimento motivo 1 invertido,
compassos 50 e 51
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Figura 41: Terceiro movimento motivo 1 com “aumentação”, compassos 139 e 142.
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O tema B está localizado entre os compassos 11 ao 19. Dentro desse tema temos o
motivo 2, bem como a célula rítmica mais usada pelo compositor ao longo de todo o terceiro
movimento.
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Figura 44: Sonata para Trompete e Piano, terceiro movimento compassos 110 ao 112
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7
Para uma exposição mais detalhada ver em William Rothstein Phrase rhythm in tonal music. Nova York,
Schirmer Books. 1989.
48
avançadas, denominadas por ele como “estrutura da frase” (RINK, 2002, p. 40).
De acordo com Rothstein, “uma frase pode ser entendida como, entre outras coisas,
um movimento direcionado no tempo de uma entidade tonal para outra; estas entidades
podem ser harmônicas, melódicas, (em uma ou mais vozes) ou algumas combinações das
duas8”. (Rothstein, 1989, p. 5).
O ritmo e o padrão das frases da Sonata Para Trompete e Piano de Claudio Santoro,
são bastante irregulares, isso se dá, devido ao tratamento harmônico utilizado pelo
compositor, logo, esse não apresenta funções harmônicas de tônica subdominante e
dominante. As características supracitadas dificultaram em parte a identificação dos grupos
de frases. Em dados momentos da obra optamos pelo uso da redução proposta por Rink
dividindo as frases em semifrases. Esse procedimento foi utilizado com o intuito de facilitar o
entendimento e a assimilação da estrutura fraseológica da obra.
Em relação ao ritmo da frase Schoenberg discorre afirmando que:
8
“A phrase should be understood as, among other things, a directed motion in time from one tonal entity to
another, these entities may be harmonies, melodic (in any voice or voices), or some combinations of the two.”
(Rothestein, 1989, pg. 5).(Tradução nossa)
9
“Rhythm is particularly important in moulding the phrase. It contributes to interest and variety, it establishes
character; and it is often the determining factor in establishing the unity of the phrase. The end of phrase is
usually differentiated rhythmically to provide punctuation.” “Phrase endings may be marked by a combination of
distinguishing features, such as rhythmic reduction, melodic relaxation […] or by any other suitable
differentiation”.(Tradução nossa)
10
“Indentification of melodic units as a subphrases is based on the incompleteness of their tonal contentes”.
(Tradução nossa)
49
Figura 45: Redução rítmica do primeiro movimento da Sonata para Trompete e Piano
No início da obra entre os compassos 1 ao 7 temos um período formado por uma frase
antecedente de 4 compassos e uma frase consequente de 3 compassos. Em seguida, entre os
compassos 8 ao 15, temos mais um período formado por duas frases, uma frase antecedente e
outra consequente, ambas possuem 4 compassos de extensão. A partir do compasso 16 temos
uma sequência de seis frases de três compassos cada; essas frases formam três períodos
compostos por duas frases, uma frase antecedente e outra consequente, finalizando a
exposição no compasso 33.
No compasso 34 inicia-se o desenvolvimento. Nesta seção podemos observar uma
certa irregularidade das frases. Essa característica ocorre devido às variações dos temas e os
cambiamentos entre as séries da matriz dodecafônica.
Temos no início do desenvolvimento uma frase antecedente seguida por sua
consequente, finalizando no compasso 43. No compasso 44, temos um período formado por
uma frase antecedente composta por três compassos e uma frase consequente formada por 4.
Finalizando esta seção, temos ente os compassos 51 ao 55, mais um período formado por uma
frase antecedente de 2 compassos e uma frase consequente de 3.
A estrutura de frase disposta na reexposição iniciada no compasso 56 apresenta uma
segmentação similar à exposição. As duas primeiras frases que compõem o primeiro período
são exatamente iguais às anteriormente apresentadas no início da exposição. As diferenças
iniciam-se a partir da terceira frase que correspondem aos compassos 53 e 54. Seguindo,
temos uma frase antecedente de 3 compassos e uma frase consequente de 2, finalizando com
50
um período formado por duas frases de 4 compassos que se inicia no compasso 70 e tem seu
fechamento no 77.
A Coda compreende o trecho que se inicia no compasso 78, sendo finalizada no
compasso 93. Esse trecho possui seis frases de 3 compassos, sendo finalizado em um acorde
com marcação de fermata no último compasso do primeiro movimento.
A figura 46 apresenta a redução rítmica relativa à disposição das frases que compõem
o segundo movimento.
Figura 46: Redução rítmica do segundo movimento da Sonata para Trompete e Piano
são diferentes. Temos a primeira frase composta por 5 compassos, e a segunda formada por 9.
Finalizando esse movimento, temos a Coda composta por um encadeamento harmônico que
compreende 4 compassos.
A figura 47 apresenta a redução rítmica relativa à disposição das frases que compõem
o terceiro movimento.
Figura 47: Redução rítmica do terceiro movimento da Sonata para Trompete e Piano.
uma frase formada por 4 compassos. Em seguida, o tema B é apresentado por duas frases, a
primeira é formada por 3 compassos e a segunda por apenas 2. Finalizando o
desenvolvimento, o compositor escreveu uma longa transição composta por cinco frases, as
quatro primeiras seguem um padrão de 4 compassos de duração, enquanto que a última possui
apenas 1.
Na reexposição, temos no tema A uma frase que compreende 4 compassos, seguida
por duas frases formadas por 2. O tema B também possui 3 frases, no entanto, segue um
padrão de 3 compassos de duração. Finaliza com uma nota longa que compreende 1 compasso
de duração com indicação de fermata. Em seguida temos a volta do tema A formado por uma
frase de 4 compassos, como também, a reapresentação do tema B composto por duas frases
formadas por 4 e 2 compassos, respectivamente.
Finalizando o terceiro movimento, segue a Coda. Nessa seção temos o tema A
apresentado com 3 frases - a primeira de 4 compassos e as outras formadas por 3 cada uma.
Em seguida, temos o tema B que possui 3 frases, seguindo um padrão de 3 compassos de
duração para cada uma e uma nota longa que compreende 1 compasso de duração com
indicação de fermata. Encerrando a Coda do terceiro movimento, temos a reafirmação do
tema principal, composto por uma frase de 4 compassos.
Observando a figura 40, podemos notar que os padrões de duração das frases que
compõem os temas A e B são preservados nos inícios das seções da exposição, reexposição e
Coda.
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Uma das dificuldades técnicas encontradas ao longo da obra foi as frases construídas
com intervalos disjuntos, ocasionando saltos que compreendem registros diferentes. Na figura
43, podemos observar essa característica no trecho do primeiro movimento que se inicia no
compasso 13 com anacruse e vai até o compasso 17.
Figura 50: Sonata para trompete e piano primeiro movimento compassos 13 com
anacruse ao 17
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Para efeito de estudo técnico, recomendamos que trechos como esse sejam sempre
estudados com a adição de uma longa ligadura que compreenda toda a frase. Deve-se estudar
em andamento lento, tomando cuidado com a produção clara e flexível do som, bem como a
suave conexão das notas sem que haja quebras. Este procedimento tem por objetivo
condicionar o músico a conectar todas as notas, através da manutenção do fluxo de ar,
proporcionando-lhe força e resistência sem tensão, evitando assim danos à embocadura e sem
comprometer a afinação. De acordo com Vincent Cichowicz, “é necessário estudar o básico
para se condicionar um reflexo e estudar básico para manter este reflexo já condicionado para
que se torne automático” (CICHOWICZ apud LOUBRIEL, 2010, p. 18). Após esse
procedimento, o músico deve executar o trecho com as articulações indicadas pelo
compositor.
56
No início da Coda compasso 78, temos uma variação do tema principal. Esse
fragmento tem como característica principal um trecho sincopado formado por semicolcheias
e colcheias pontuadas. Com a intenção de dar movimento à frase e evidenciar as diferenças
rítmicas de cada figura de tempo, propõe-se aqui que as semicolcheias escritas nos tempos
fracos sejam tocadas em tenuto, como assinaladas entre parênteses na figura 44.
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Entre os compassos 8 ao 10 deste movimento, temos uma frase formada por figuras
rítmicas de subdivisão binária e ternária. Com o objetivo de distinguir essas figuras, propomos
ênfase nas colcheias e no grupo das quiálteras, com atenção para deixar claro as diferenças
entre as figuras de subdivisões diferentes. A ênfase nas primeiras notas desse trecho deve ser
administrada com cautela, buscando, também, proporcionar o equilíbrio entre as notas graves
e agudas. Outra observação que fazemos nesse trecho está relacionada com a articulação das
duas colcheias ligadas no compasso 10. Recomendamos aqui a inserção de um ponto na nota
(sol4) para uma melhor definição e clareza da articulação, como exemplificado na figura 54.
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Fonte: http://www.claudiosantoro.art.br/
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com a intenção de contribuir para a pesquisa acerca do repertório escrito para trompete
por compositores brasileiros no século XX, buscou-se através desse trabalho levantar obras
escritas por Claudio Santoro com ênfase ao referido instrumento. Para essa finalidade, as
consultas realizadas através de contatos presenciais, e-mails e telefone com trompetistas,
regentes, compositores e musicólogos, somados à pesquisa em bibliotecas, programas de
cursos de graduação, catálogos encontrados em livros e catálogos online, se mostraram
bastante eficientes e de extrema importância dentro desse estudo.
Através do resultado desse levantamento, localizamos três peças escritas por Santoro
em que o trompete tem uma posição de destaque. A primeira delas é o Trio para Trompete,
Clarinete e Violoncelo datado de 8 de Janeiro de 1946, período em que Santoro utilizava em
suas obras a técnica de composição dodecafônica. A segunda obra é a Sonata para Trompete
e Piano datada de 8 de Outubro de 1946, também da mesma fase. A terceira obra foi a
Fantasia Sul América escrita para trompete solo, datada de 18 de Abril de 1983 (fase de
retorno ao serialismo), posteriormente, em 31 de Maio de 1983, o compositor adicionou à
obra o seu acompanhamento orquestral. Dentro das composições levantadas, a Sonata para
Trompete e Piano escrita por Claudio Santoro, em 1946, foi selecionada como objeto
principal desta pesquisa.
Para levantar o máximo de informações referentes à Sonata para Trompete e Piano,
realizamos uma busca em artigos e catalogações de música brasileira, programas de recitais
dos cursos de graduação e discos gravados com ênfase no repertório produzido por
compositores brasileiros, por meio da qual constatamos informações de grande importância,
tais como: data e local da composição da peça; data, local e intérpretes responsáveis pela sua
estreia; CD onde consta a única gravação da obra até o presente momento, bem como, a data
do registro fonográfico e os intérpretes responsáveis por esse trabalho.
Para a elucidação das questões inerentes ao processo de estudo e interpretação da obra,
utilizamos como base a aplicação do roteiro de análise descrito por John rink (2002), no
trabalho intitulado: “Analysis and (or) Performance”. Em relação às tomadas de decisões
idiossincráticas, tomamos como base o conceito descrito no trabalho de Nicholas Cook
(2006), que propõe a visão da partitura como “Script” ao invés de “texto”.
A escolha e aplicação do referencial teórico utilizado, na elaboração das análises,
mostraram-se eficientes, nos proporcionando uma visão panorâmica da obra selecionada. Em
alguns casos esse conteúdo mostrou-se inovador por romper com alguns conceitos
60
tradicionais e métodos ortodoxos. Podemos citar aqui algumas quebras desses paradigmas,
tais como:
A exploração da relação existente entre o pensamento intuitivo e o consciente, que
caracteriza potencialmente o exercício da análise relacionada à performance. Nesse
sentido, o autor propõe o termo “intuição informada”, reconhecendo a importância da
intuição dentro do processo interpretativo, como também o fato de ser geralmente
sustentada por uma bagagem de aptidões e experiências advindas de seus
conhecimentos interpretativos, adquiridos por ele ao longo dos anos.
A reflexão sobre a análise voltada à interpretação, dividindo-a em duas categorias
principais: 1) análise anterior, que serve de base para uma performance e 2) análise da
performance. A primeira é de caráter prescritivo e acontece durante o processo
interpretativo, a segunda é de caráter descritivo e acontece após a performance.
A “análise para intérpretes” ocorre comumente como um processo de reavaliação da
interpretação anteriormente executada.
Partitura e música são elementos diferentes. Uma não se restringe à outra.
A análise não deve ser elevada a um nível de importância maior que a performance,
ou usada como uma ferramenta para subjugar o intérprete.
Os dados extraídos da Sonata para Trompete e Piano através do roteiro de análise
proposto por Rink (2002) nos proporcionou um conhecimento prévio das informações
contidas na obra, bem como, a criação de uma espécie de mapa mental, que nos norteou em
relação à organização das informações, dando-nos direcionamento para projeção de uma
interpretação com embasamentos suficientes para justificar as escolhas durante o processo de
preparação da obra.
Ao realizar a identificação básica das séries e divisões formais da obra, pudemos
perceber que ingressamos em um processo amplo de aprendizagem. Através do plano formal,
obtivemos o conhecimento por completo de todos os materiais melódicos utilizados em cada
seção e subseções, bem como da relação entre eles e as transições entre os materiais diferentes
e semelhantes. Tais relações observadas chamam a atenção no que se refere à quantidade de
informações adquiridas, proporcionando-nos uma compreensibilidade interpretativa da obra
de maneira abrangente. A identificação da série geradora e o cálculo da matriz foram de
extrema serventia dentro do processo de aprendizagem da obra: identificar as séries utilizadas
pelo compositor em cada seção e subseções se mostrou tão importante quanto à identificação
do tom ou dos arpejos utilizados em trechos de uma música escrita com base no sistema tonal.
61
Ao longo desse estudo, deparamos-nos com algumas dificuldades. Uma das questões
iniciais estava relacionada à transição do emprego das ideias do roteiro proposto por John
Rink (2002), inicialmente empregado por ele em uma música tonal clássica ocidental, como o
Noturno em DÓ# menor de Chopin, para uma música do século XX, escrita com base na
técnica dodecafônica. Nesse caso se insere a Sonata Para trompete e Piano, de Claudio
Santoro.
O problema inicial que precisávamos solucionar surgiu com a indagação de como seria
empregar o roteiro de análise proposto por Rink, na Sonata Para Trompete e Piano de Claudio
Santoro, onde o padrão das frases é bastante irregular e o tratamento harmônico utilizado pelo
compositor obviamente não apresenta funções harmônicas de tônica subdominante e
dominante.
Devido a essa questão, houve necessidade de adaptar algumas recomendações
indicadas no roteiro de análise proposto por Rink (2002), para sua aplicação na Sonata Para
Trompete e Piano, de Claudio Santoro. Essa adaptação está mais relacionada com as reduções
rítmicas, em determinados momentos da obra, nos quais optamos pelo uso da redução
proposta por Rink, dividindo as frases em semifrases. Esse procedimento foi utilizado com o
intuito de facilitar o entendimento e a assimilação da estrutura fraseológica da obra.
Esperamos, através dessa pesquisa, contribuir com as práticas interpretativas,
instigando os pesquisadores a formularem questionamentos e reflexões relacionados ao tema,
utilizando-os em futuras pesquisas. Também, objetivamos contribuir através das sugestões
interpretativas acerca de tomadas de decisões relacionadas às articulações, dinâmica,
fraseados etc., que possam servir de subsídio para nortear futuras performances desta obra.
Ressaltamos aqui, que algumas dessas decisões estão baseadas na experiência musical deste
autor.
Por fim, frisamos que não é nossa intenção propor esse modelo de metodologia
analítica e as sugestões interpretativas, como uma verdade absoluta, ou que, esse seja o único
caminho para se projetar a interpretação dessa obra. Contudo, estamos oferecendo para os
intérpretes sugestões que foram discutidas, estudadas e fundamentadas. Dessa forma,
consideramos que as proposições aqui registradas são escolhas conscientes e coerentes, mas
temos consciência que essas podem ser aceitas ou não, desde que o intérprete baseado em
uma fundamentação lógica possa delas discordar.
62
REFERÊNCIAS
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Problemas tendências e alternativas. In: II SIMPOM, 2012, Rio de janeiro: Unirio, 2012
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Rethinking Music. New York. Oxford Univ, 1999, p. 239-261.
COOK, Nicholas. Entre o processo e o produto: música e/enquanto performance. Per Musi-
Revista de Perfomance Musical, Belo Horizonte, v.14, p. 5-22, 2006.
RINK, John. Análise e (ou?) performance. Cognição e Artes Musicais. Vol. 2, N.1, 2007.
63
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ROTHSTHEIN, Willian. Analysis and the act of performance. In: RINK, John. (ed.) The
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SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música – Edição Concisa. Rio de Janeiro: Jorge
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Campinas: Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, 2003.