Manifesto Dos Iguais
Manifesto Dos Iguais
Manifesto Dos Iguais
É impressionante como as expressões podem ser introjetadas na cabeça das pessoas. Uma das
formas mais comuns baseia-se no humor, com bordões cuja utilização migra para o cotidiano.
Décadas atrás os publicitários e os comediantes, sobretudo, eram responsáveis pela maior parte
deles. Assim, ficaram pra trás “Não é assim uma Brastemp”, “E o salário, ó ...”, ”O macaco tá
certo!” e por aí ia.
Como os programas humorísticos de hoje são apelativos, este fenômeno migrou para a política e
para o jornalismo de chorar que temos à mão hoje em dia. Os bordões foram substituídos por
carimbos. Extrema-direita é a coqueluche do momento. Basta discordar de qualquer orientação
da esquerda para ser carimbado, com todas as consequências. Afinal, ser de extrema-direita já
vem com a bonificação de violento, intolerante, idiota, homofóbico, racista, ... É um pacote tão
completo quanto tendencioso.
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Ando a ler “Joseph Fouché”, de Stefan Zweig, relembrando a origem de esquerda-direita e toda
a tragédia que foi a tal revolução francesa. Ainda hoje não consigo entender por que razão os
professores enalteciam tanto aquela época, que produziu mortes a granel e blasfêmias sem
conta. Dois exemplos dão o tom.
No primeiro, corria o ano de 1793. Aclamaram na Assembléia Nacional uma prostituta como
“deusa da razão”. Trajava apenas um véu, que lhe foi retirado. Então o presidente da assembléia
a conduziu numa procissão até a Catedral de Notre Dame.
O segundo exemplo se dá em Lyon. Deixemos que a pena de Zweig descreva: “Um grupo
barulhento carrega, bailando uma espécie de dança selvagem, os cálices, cibórios e imagens
santas, roubados das igrejas; atrás trota um jumento, sobre as orelhas do qual conseguiram
amarrar uma mitra do bispo, também furtada. Na cauda do pobre asno, amarraram um crucifixo
e uma Bíblia; assim, em plena luz do dia, para satisfação tola de um populacho gritador, o
evangelho se balança na cauda de um jumento e arrasta-se pela lama das ruas”. Depois de
inflamados discursos e gritos de “Morte aos aristocratas”, tiraram o evangelho da cauda do asno
e o lançaram ao fogo, alimentado por vestes eclesiásticas, livros de missa, hóstias e imagens de
santos. A seguir o asno bebeu num cálice sagrado.
Mercê da mortandade que comandou, Fouché ficou conhecido como “Metralhador de Lyon”.
Ardiloso e muito paciente, sem jamais revelar por gestos ou expressões o que lhe passava pela
cabeça, mesmo quando vilipendiado publicamente, foi monarquista, padre, regicida, ateu,
comunista, terrorista, jacobino e por fim duque ...
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Muitos pensam que o comunismo começou com Lênin. Outros, que foi criado por Marx. Saint-
Simon e Charles Fourier - criticados como “socialistas utópicos” pelos “socialistas científicos”,- já
haviam defendido ideais socialistas.
Em 1796 Babeuf lançou seu “Manifesto dos iguais”, defendendo pautas justas como educação,
forçando a barra quanto a um “idêntico regime de alimentação” e destilando veneno: “Será
preciso repetir sempre uma e outra vez? Sim, sem dúvida, basta que sobre a terra um homem
seja mais rico e mais poderoso do que os seus semelhantes, do que os seus iguais, para que o
equilíbrio se quebre a o crime a desgraça invadam o Mundo”.
São idéias antigas, ingênuas até em sua presumível boa intenção, mas crivadas tanto de
ingenuidade quanto de inveja.
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Dias atrás o ungido na presidência deste pobre Brasil esteve em nosso estado. Saiu-se com
mais uma de suas pérolas: “O problema do Brasil são os ricos”. Na mesma semana seu colega
venezuelano cobrou a aprovação de uma lei contra o fascismo ... São farinha da mesma
plantação, dispostos em sacos vizinhos.
Dias antes um colega sugerira que assistisse “A revolta de Atlas”. Tenho esta obra no formato
digital, mas provavelmente não a lerei porque muito extensa e romanceada. Não é meu gênero
preferido. Assisti a primeira parte da película e me informei um pouco sobre a autora. Ayn Rand
pulou fora da Rússia em 1926. Conhecia muito bem, portanto, o que era de fato o comunismo. A
utopia construída sobre o palanque da razão no banhado desafiador do transcendente.
Rand deixou pra trás a Rússia comunista, mas levou com ela seu ateísmo. Assisti algumas de
suas entrevistas. Renunciava a tudo que não estivesse ligado à razão. Portanto não aceitava
religião alguma.
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Tenho ainda em minha mesa um delicado tufo liberado por uma paineira. Lembro da ameaça
que tal desprendimento significava para os desenhos em nanquim que fazia em papel vegetal.
Ganhava uns trocados como estagiário num departamento da escola de engenharia, no mesmo
prédio das disciplinas que cursava. Era um poderoso auxílio no modesto orçamento, permitindo
que volta e meia jantasse no Alaska, um boteco com boa comida e preços honestos.
Nos meses de agosto e setembro era preciso fechar as janelas porque as paineiras do outro lado
da rua soltavam seus drones para multiplicação da espécie e se um deles pousasse na
prancheta o risco de borrar o trabalho era elevado.
Pois agora, decorridas mais de quatro décadas, manuseio um tufo, com sua semente. Imaginar
que esta dupla - que sintetiza claro propósito e pressupõe conhecimento de refinada
aerodinâmica,- tenha sido desenvolvida em bilhões de anos como fruto do acaso, me parece tão
patético quanto acreditar em papai noel ou no abominável homem das neves.
Que Ayn Rand me perdoe, mas seu objetivismo me parece árvore desenvolvida com a seiva do
ateísmo, cujos frutos não são comestíveis.
Misturar religião com política, entretanto, é um grande erro, do qual procuro me abster. Qualquer
coisa que lembre democracia-cristã me causa engulhos, porque não se pode depositar hóstia no
lodo fétido, ainda que inevitável, da política. O que se espera é que homens bem formados
valorizem e busquem justiça e bem comum.
Quanto ao ateísmo, cito C.S.Lewis, o anglicano que quase virou católico pelas mãos de seu
amigo Tolkien: “O cristianismo, se é falso, não tem nenhuma importância, e, se é verdade, tem
infinita importância. O que ele não pode ser é de moderada importância”.