2, Crítica Da Civilização Ocidental

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Crítica da civilização ocidental

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Scarlett Marton

Nietzsche, filósofo da cultura, fará uma crítica radical da nossa civilização. No seu entender, a
civilização ocidental está assentada em três pilares. O pensamento socrático, a doutrina platônica e o
cristianismo.

Vale lembrar que Nietzsche conheceu muito de perto o cristianismo. Na verdade, ele nasceu numa
família luterana e vários membros da sua família eram, inclusive, pastores, como o seu pai. E ele foi
destinado, pela própria família, a seguir os estudos de teologia.

Mas antes de ingressar na universidade, Nietzsche decidiu mudar o rumo da sua vida e foi estudar
filologia. Filologia e história eram duas disciplinas na segunda metade do século XIX na Alemanha em
franca expansão. Os textos que os antigos gregos nos legaram nem sempre chegaram acabados.

Na verdade, na maior parte das vezes, nos chegaram em fragmentos. Fragmentos ainda, de uma certa
maneira, por vezes deturpados pelos barbarismos dos copistas, por terem sido copiados várias vezes e
erros, então, neles foram inseridos. Ora, ao filólogo, cabia precisamente restabelecer o texto dos
antigos.

Claro, poderia ser filologia dos textos gregos ou filologia dos textos orientais. No caso, Nietzsche
prosseguiu seus estudos junto de um eminente helenista e se voltou para os textos gregos. E foi por
essa via que Nietzsche chegou à filosofia, porque ele entrou em contato com os fragmentos que nos
chegaram dos filósofos pré-socráticos.

Filósofos que viveram no século sétimo, no século sexto, antes de Cristo, na Grécia Antiga. E dentre
esses filósofos, há um que eu gostaria de trazer aqui para a nossa conversa. Trata-se de Heráclito de
Éfeso.

Heráclito, que viveu numa antiga colônia grega da Ásia Menor, essa localidade chamada Éfeso, que
hoje pertence à Turquia. Nietzsche escreverá, num dos seus livros, o S. Homo, de 1888, que jamais
sentiu maior familiaridade com um filósofo como aquela que sentiu com Heráclito. De Heráclito, vale a
pena lembrar a frase: Nunca se pode banhar duas vezes nas águas do mesmo rio.

É o filósofo do Pantarrey. Você certamente está lembrado, num encontro anterior, nós trouxemos, como
uma das características principais da filosofia nietzscheana o dinamismo. Esse mesmo dinamismo
Nietzsche encontrará nos escritos de Heráclito.

Heráclito também, e isto importa para nós, se preocupava com o princípio de geração e corrupção de
todas as coisas. Aliás, os filósofos pré-socráticos, de maneira geral, estavam preocupados com essa
questão, a questão da arqué. Esse princípio que faz com que as coisas existam, com que as coisas
apareçam, surjam, e depois deixem de existir, desapareçam.

Para Heráclito, o princípio de todas as coisas era o fogo. O fogo que se traduzia no ser humano como o
logos, como o raciocínio. Portanto, era o mesmo princípio que regia tanto o mundo quanto o ser
humano.
E este segundo ponto, para nós, é de extrema importância. Porque Nietzsche vai, de alguma maneira,
beber no pensamento heraclitiano, não só esta ideia de dinamismo, mas também esta ideia de
comunhão entre o homem e o mundo. Estávamos aí nos séculos VII e VI a.C., na Grécia Antiga.

E logo depois, no século V, surge Sócrates. Alguns dizem que Sócrates foi o pensador que trouxe a
filosofia do céu para a terra. Porque Sócrates colocou no centro da reflexão filosófica o ser humano
com a sua célebre frase Conhece-te a ti mesmo.

Com isso, então, a filosofia converteu-se numa antropologia. É o que dirá Nietzsche. Mas Platão vai
além.

Essa primeira separação que se instala entre homem e mundo, ela se agrava porque Platão, discípulo
de Sócrates, no século IV a.C., trará uma outra divisão. Estabelecerá uma divisão entre o mundo
sensível, este mundo em que nos encontramos aqui e agora e que captamos, aprendemos pelos cinco
sentidos, e o outro mundo, o mundo das ideias. Este mundo sensível em que nos encontramos é o
mundo da doxa, é o mundo das opiniões.

E as opiniões, elas são transitórias, elas são múltiplas. Nós podemos ter várias opiniões conversando
com outras pessoas, cada um tem a sua. Nós mesmos podemos mudar de opinião de um momento
para o outro.

Mas o outro mundo, o mundo das ideias, lá as coisas se passam de outra maneira. Porque se aqui é o
mundo da doxa, lá é o mundo da teoria. E na teoria, as ideias serão essenciais, imutáveis e eternas.

Caberá ao filósofo, no entender de Platão, fazer uma ascese, subir deste mundo sensível para o mundo
das ideias. E no ápice deste mundo das ideias, Platão colocará três. O bem, o belo e o verdadeiro.

Portanto, o bem passa a ser uma ideia essencial, imutável e eterna. Nietzsche entenderá que o
cristianismo é um platonismo para o povo. Isso, na verdade, está dito no prefácio a um dos seus livros,
Para Além de Bem e Mal.

Cristianismo, platonismo para o povo, porque o cristianismo veio divulgar a doutrina platônica. E assim,
aquele dualismo de mundos estabelecido por Platão, mundo sensível e mundo inteligível, se
transformou por obra da religião cristã em reino de Deus, de um lado, e vale de lágrimas. E assim, o
cristianismo introduziu no âmago do ser humano o vírus da culpa e a noção de pecado.

Este mundo será desprezado em nome do outro. Esta vida será negligenciada em nome da vida eterna.
E o corpo? O corpo também objeto de desprezo, negligência, em nome da alma.

Nietzsche, filósofo da cultura, criticará todas essas oposições. Corpo e alma, este mundo e o além, esta
vida e a vida eterna. No entanto, essas oposições vão se multiplicar ainda mais com a idade média,
natural, sobrenatural, divino humano, sagrado, profano, etc.

E a idade moderna? Na idade moderna, essas divisões agora serão interiorizadas pelo ser humano.
Razão e paixões, consciência e instintos, e assim por diante. Ora, para Nietzsche, se trata
precisamente de recobrar, de recuperar aquela unidade entre homem e mundo que nós encontrávamos
na filosofia pré-socrática.

Nietzsche entende que nós, seres humanos, fazemos parte do mundo e a ele pertencemos. E vale a
pena aqui trazer um texto do próprio Nietzsche, do parágrafo 346 do quinto livro da Gaia Ciência. A
inteira atitude homem contra mundo, o homem como princípio negador do mundo, o homem como
medida do valor das coisas, como juiz de mundos, que, por último, ainda põe a existência mesma sobre
sua balança, e a acha leve demais, o monstruoso mau gosto dessa atitude nos veio à consciência
como tal e nos ofende.

E já rimos quando encontramos homem e mundo colocados lado a lado, separados pela sublime
pretensão da palavrinha E. As minhas sugestões de leitura para o nosso próximo encontro. Gaia
Ciência, parágrafo 125. Assim falava Zaratustra, prólogo, parágrafos 1, 2 e 3.

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