Misterios Do Cristianismo A Fe e

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Mistérios do Cristianismo

Introdução

Este livro faz parte de uma pentalogia cuja finalidade é


apresentar respostas racionais aos mistérios do cristianismo, da fé e
da razão, que continuam intrigando a nossa imaginação. Tais
mistérios acham-se envoltos pelas brumas obscuras de uma
religiosidade estratificada e imune à lógica. São sinônimos de
enigmas que não devem ser desvendados, mas permanecer
ignorados. Visando uma compreensão mais abrangente vamos
dedicar nossa atenção, embora superficialmente, a outras tradições
religiosas. Somente comparações não preconceituosas podem
fornecer valiosos subsídios a uma nova ótica universal capaz de
visualizar cada uma e o conjunto que formam.
Evidentemente, as correntes religiosas escravizadas ao
dogmatismo teimarão em afirmar que não existem mistérios dignos
de qualquer apreciação crítica. Consideram que antigas crenças ou
crendices são imutáveis e fornecem explicações perfeitas e
convincentes ao seu restrito mundo mental. E aquilo que não
entendem faz parte de um conveniente misticismo muito além da
compreensão humana. Tentar desvendar os segredos do universo
das religiões constitui um tabu de cunho pecaminoso e mesmo
herético. A divindade deve permanecer indecifrável, supostamente
o único meio capaz de preservar-se a fé daqueles, literalmente,
fiéis. Então, vemos a fé sobrepor-se à razão, considerando-a
irrelevante em secular desprezo. O fanatismo alimenta-se da
ignorância e deseja preservar-se ad perpetum. A história
testemunha os enormes crimes perpetrados contra uma multidão de
vítimas inocentes por fanáticos religiosos, tudo supostamente em
nome de Deus.
A narrativa da saga judaica que originou o cristianismo
inicia-se no volume I onde se descreve o delicado equilíbrio
político-religioso entre os dominadores romanos e os insubmissos
hebreus na época do Nazareno. Prossegue com o trágico

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julgamento do Messias em Jerusalém, o acontecimento mais
notável da civilização ocidental e decerto da humanidade.
O cristianismo surgiu de maneira única e intensamente
trágica, mas revelou-se auspicioso ao oferecer graciosa esperança
aos sofredores de um mundo mergulhado em cruel barbárie. Aliás,
esta penosa fase da história ainda não se encerrou, haja vista os
horrores que acontecem na atualidade sem causar maiores espantos.
São considerados fenômenos naturais, isto é, inerentes ao estado
primário do comportamento humano.
O cristianismo puro, cuja única arma é o amor, tornou-se
preponderante entre as principais religiões e permanece de suma
importância na atualidade. O seu caráter universal oferece o
paradigma por excelência à evolução espiritual e enseja um
auspicioso clima de paz a ser concretizado pela humanidade ao
longo dos séculos. Para abreviar a vinda de um admirável Mundo
Novo basta que os homens compreendam que são, literalmente,
irmãos entre si e filhos diletos do mesmo Pai e, portanto,
merecedores de fraternal convivência amorosa.
Em que pesem veementes declarações de boas intenções dos
vários círculos religiosos, persistem até os dias de hoje
desconfortáveis incompreensões mútuas, particularmente entre os
seguidores das religiões do Livro - judaísmo, cristianismo e
islamismo. Esta aversão antiga originou-se da rejeição pela mãe
madrasta de seus dois promissores rebentos, bem haviam nascido.
Negou-lhes drasticamente o leite materno, reservado unicamente ao
primogênito hebraico que, apesar de tudo, pouco se desenvolveu, e
acabou por permanecer longo tempo submisso aos irmãos mais
novos como justo castigo dos céus.
Criado um clima de ódios, a radicalização de desavenças por
inimigos gratuitos que se julgavam per si donos de Deus deu
margem aos milênios de antagonismos com calamitosas proporções
e ironicamente redundou em trágicos prejuízos ao povo de Abraão.
O impiedoso algoz de outrora veio a tornar-se vítima de seus
irmãos em conseqüências trágicas, culminando com o Holocausto
judaico perpetrado pelos nazistas. Ainda persiste semelhante clima
de ódios incontidos durante o desenrolar da guerra árabe-israelense
quando vemos antigos rancores de irmãos inimigos avolumarem-se

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de forma incontrolável e tão explosiva que é impossível chegar-se a
uma bem vinda solução de paz.
No presente volume, vamos tratar inicialmente das
diferenças entre judaísmo e cristianismo, expostas com eloquente
veemência por Trude Rosmarin, uma proeminente erudita do
universo judaico, em seu notável livro “Judaism and Christianity:
The diferences”. Esta significativa obra foi lançada no ano de 1943,
já em plena Segunda Grande Guerra. A escritora espelha com
fidelidade o pensamento milenar do judaísmo transmitido desde o
berço por dedicados rabinos aos filhos de Abraão que pautam suas
vidas por ensinamentos antigos considerados as palavras literais de
Iahveh - o Deus hebraico. No entanto, em justa réplica, iremos
demonstrar à luz da razão que o Nazareno não somente é o
incontestável Messias judaico, mas igualmente é a Luz Divina para
todo Universo. A sua incomensurável grandeza espiritual coloca-O
em sublime posição celestial e acima de qualquer consideração
humana. Na verdade, o Filho de Deus dispensa quaisquer
testemunhos bíblicos, verdadeiros ou não.
Desde a época de Cristo o mundo evoluiu porque o
progresso é a ordem natural das coisas. Felizmente, surgiram
facetas esclarecedoras que dão margem a uma visão mais atual e
profunda das questões transcendentais. Olhando-se por um prisma
de reveladora espiritualidade, constata-se que as diferenças de
forma não significam obrigatoriamente conteúdos diferenciados e
não devem ensejar desavenças ou contendas. De fato, se retirarmos
as irrelevâncias do lastro cultural de cada religião, ficaremos
surpresos ao deparar-nos com valiosas essências de igual teor.
Veremos o Deus do Velho Testamento, revelado de modo
sui generis às tribos hebraicas, assumir uma renovada fisionomia
com o surgimento do tão aguardado Messias. O vingativo Iahveh,
sempre sujeito às suas divinas explosões de cólera e tempestivas
ações destrutivas contra seus próprios filhos, acaba cedendo vez ao
Deus do amor. “Deus é amor”, resume São João o espírito do
cristianismo em frase única e caráter definitivo. Não obstante, a
discrepância entre ambas as versões, a nova e a velha, é flagrante,
um motivo suficiente para os judeus repelirem o seu Messias e
agruparem-se de modo ferrenho em torno de Moisés, o velho

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Patriarca, símbolo da antiga Lei que deve permanecer como
aglutinante étnico-cultural da nação judaica. Visando tal desiderato
restrito são urdidas graves acusações contra Jesus de Nazaré na
falaciosa tentativa de desautorizá-lo como Cristo, o Filho de Deus e
Mestre inigualável de um judaísmo universal e na atualidade,
melhor diríamos - multiversal.
Sem dúvidas, o Criador revela-se gradativamente aos seus
filhos em cada fase da humanidade. Os testemunhos do Velho
Testamento são meras metáforas de caráter insipiente para
introduzir o homem nos mistérios da divindade. A evolução do
pensamento científico dá margem segura à contestação das crenças
ou crendices religiosas. Na verdade, estas não passam de fantasias
pueris. Entretanto, no confronto entre ciência e religião, ambas
devem apresentar uma harmoniosa contribuição positiva, uma vez
que representam faces autênticas do mesmo Deus. Todo
conhecimento humano resume-se em manifestação natural do
Criador através de suas criaturas inteligentes.
Em última instância, o Deus cristão, a versão atualizada de
Iahveh, começa a revelar-se em verdadeira grandeza como o Deus
Multiversal que contém tudo e todos. Ele é o Criador - Pai e Mãe -
dos infinitos seres irmãos que habitam o nosso Universo material,
bem como o infindável Multiverso. Estes Universos Paralelos estão
revelando-se agora como uma realidade acessível aos avanços da
Física de ponta e são confirmados por superior espiritualidade. As
descrições de ambas coincidem de modo surpreendente permitindo-
se antever o descortino de uma auspiciosa era em que fé e razão
andarão fraternamente de mãos dadas. Deus, longe de ser o Enigma
Indecifrável, expõe-se graciosamente ao conhecimento paulatino de
seus filhos.

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CAPÍTULO 1

A MÃE MADRASTA

O cristianismo nasceu do judaísmo e não é de estranhar-se


que o rebento depois de crescido revele algo em comum com a sua
venerável mãe judaica. Na verdade, uma mãe madrasta que não
hesitou por um momento sequer em repudiá-lo da maneira mais
trágica possível. Não obstante, Jesus Cristo, numa perspectiva
histórica, era um judeu praticante que legou ao mundo a sua visão
pessoal do judaísmo. Daí, não se pode negar a existência de um
denominador comum, mas as personalidades de ambos são
individuais como soe acontecer entre pais e filhos. Trude Weiss -
Rosmarin (1908-1989), uma proeminente erudita de origem
judaica, publicou um interessante livro, Judaísmo e Cristianismo,
ressaltando com veemência as diferenças fundamentais entre as
duas religiões, sem querer abrir mão do alienável legado cultural
hebraico onde reina soberano Iahveh - o Deus Único das Antigas
Escrituras.
Acreditava que o convívio pacífico não requer a negação das
posturas tanto do judaísmo como do cristianismo. A sua intenção a
priori não era de confrontar crenças, mas promover uma desejável
fraternidade resultante da compreensão das peculiaridades básicas
existentes entre elas, um sugestivo sinônimo para tolerância mútua.
Realmente, se tudo e todos fossem iguais, semelhantes a clones, o
mundo seria horrivelmente monótono e estaria decretada a falência
da criatividade. Pelo contrário, tudo indica que Deus se apraz com
múltiplas individualidades, o modo único de ensejar singular
originalidade e beleza ímpar ao mistério da vida.
Entretanto, podemos nos perguntar se não é prejudicial à
frágil harmonia entre o judaísmo e o cristianismo enfatizar
diferenças? Não seria “politicamente correto” ignorá-las? Se uma

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pedrinha cai na superfície do tranquilo lago do conhecimento, as
mentes ociosas condicionadas à passividade imutável sempre
sofrem um exagerado sobressalto e reclamam lamuriosas pela
quebra da harmonia interior. Isto quando não partem para uma
violência incontida. O famoso filósofo e matemático francês René
Descartes declarou: “Eu penso, logo existo”. O pensamento
comprova a existência intrínseca do ser humano. E o pensar
subtende a necessidade de discussão esclarecida. Sem ela não há
progresso e perigamos cair inevitavelmente no marasmo da
mesmice. A polêmica racional libera o pensamento, enquanto a
concordância cega leva à sua omissão ou submissão.
Existem duas correntes divergentes a respeito do secular e
controvertido assunto. A primeira afirma que “judaísmo e
cristianismo são fundamentalmente opostos entre si”. A segunda,
contudo, conclui que são “verdadeira e basicamente uma só”. No
entanto, segundo a posição do observador, originam-se óticas que
se identificam com uma ou outra. Essa secular dificuldade em
obter-se um consenso ideal sobre qualquer assunto polêmico
lembra-nos um elucidativo conto antigo:
Em uma ensolarada manhã, dois cavaleiros na Idade das
Trevas cavalgavam garbosamente através de um belo bosque
vindos de direções opostas. De repente, ambos avistaram um
magnífico escudo reluzente pendurado no alto de uma frondosa
árvore à beira do caminho. “Veja que rico escudo de ouro!” - gritou
deslumbrado o primeiro. O segundo não se conteve em exclamar
com igual entusiasmo, todavia sem esconder uma indisfarçável
irritabilidade: “Sim! É um belo escudo de prata! Isto se você não
for cego”!
Como insistissem em seus pontos de vista sem obter
anuência comum, acabaram por irar-se mutuamente. Agravando o
clima da desavença, pertenciam a condados rivais, antigos
inimigos, um motivo já suficiente per si para acirrar os ânimos.
Usualmente vestiam sofisticadas indumentárias e ostentavam nos
chapéus vistosos penachos coloridos: os do primeiro eram amarelos
e do outro, vermelhos. Eram as cores tradicionais dos rincões de
origem e símbolos de secular hostilidade. A sua mera visão
despertava um antagonismo latente cujo real motivo se esvoaçara

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nas brumas dos velhos tempos. Por assim dizer, comungavam uma
visceral antipatia recíproca vinda do berço. Algo parecido com a
estória bíblica de Esaú e Jacó.
De qualquer maneira, bravos guerreiros medievais jamais se
furtavam à chance única de um embate emocionante. A paz em
suas mentes não passava de um monótono período de mera
preparação para inevitáveis guerras. Estas sempre foram uma
constante na história da humanidade. Acrescente-se que eram
nobres briosos julgando-se com a honra em jogo. Movidos por tal
espírito de desmesurado orgulho e exacerbada valentia, não se
furtaram a sacar impetuosamente das espadas para resolver de uma
vez por todas o controverso dilema. Uma assombrosa coragem não
lhes faltava nem um pouco. E cada um estava absolutamente
convencido de que tinha plena e total razão, acreditando que o
oponente blefava por acinte, ousando ridicularizá-lo em
imperdoável afronta, uma injúria extensiva aos arraigados valores
de cada um.
Depois de uma costumeira troca de insultos em brados
desafiadores e nos rudes chavões da cavalaria medieval, omitidos
aqui para não chocar ouvidos mais sensíveis, deu-se início ao
duelo sob o escudo pendente. Os corpos esbeltos passaram a
defrontar-se em ágil esquiva e o som metálico das espadas retinia
estridente ferindo a placidez do arvoredo para escoar-se ao longe.
Faltava somente uma platéia privilegiada digna de presenciar o
formidável espetáculo oferecido pelos admiráveis espadachins.
Em dado momento, depois de múltiplos golpes, certeiros ou
não, arfando pelo ardor da pugna, caíram de joelhos a sangrar
mortalmente. Só então, com suas posições trocadas, tiveram a
oportunidade de aperceber-se com enorme estupefação de crucial
fato. O escudo era de puro ouro em uma face... e na outra... da mais
valiosa prata! Assim, ambos estavam certos!
Companheiros compulsórios no infortúnio e sentindo a vida
esvair-se por nada, uma singular amizade brotou espontânea
unindo-os fraternamente entre amargos lamentos. Antes de exalar o
último suspiro, cônscios de haver cometido idêntico erro fatal,
desculparam-se comovidos em tardio, porém sincero
arrependimento.

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A luta extinta, a paz voltou a reinar na serenidade do
aprazível bosque que havia servido contrafeito de palco à
renhida e fútil disputa. Entretanto, na soturna cena final,
alguém ainda iria testemunhar estarrecido algo insólito e
inusitado. Apesar dos corpos jazerem ensanguentados a
evidenciar o desenlace trágico de violenta luta, as mãos direitas
dos duelistas inertes permaneciam firmemente unidas, os
olhares ainda vivazes mantinham-se fitos um no outro e suas
pálidas faces esboçavam um singelo sorriso de despedida - o
gesto derradeiro da reconciliação final.
Moral da estória: a maior parte das rixas decorre por não se
querer olhar a questão também sob o ponto de vista do adversário.
Apesar dos pesares, o “gesto derradeiro da reconciliação final”,
cedo ou tarde, ocorrerá, porque “não há mal que sempre dure”. Não
obstante, movidos pela arrogância, acreditamos estar sempre certos
e o outro lado errado. Tal ocorre devido à tendência do ser humano
em deixar-se levar por inconsequente apreciação emocional em vez
de serena reflexão, isto é, prefere manifestar ódio egoísta em vez de
compreensão altruísta. O “eu” suplanta, infelizmente, o “nós”. E se
observarmos as lições da história, constatamos que ferrenhos
inimigos de outrora, não raramente, tornaram-se amigos calorosos
no presente, evidenciando a futilidade de desavenças calamitosas.
Os exemplos se evidenciam. A velha Europa, outrora campo
de amargos conflitos entre suas aguerridas nações, ganhou
maturidade e hoje, antigos adversários viscerais, sejam franceses,
ingleses, espanhóis, nórdicos ou alemães, se veem unidos
usufruindo o benefício da paz e proveitoso progresso comum.
Americanos e japoneses, de modo semelhante, abandonaram o ódio
destrutivo que originou batalhas sangrentas e seguem um rumo
tranquilo em que ambos saem engrandecidos diante de um mundo
agradecido. De modo semelhante, russos, chineses e americanos,
mal saídos de uma guerra fria que quase conduziu nosso planeta à
destruição, sensatamente associam-se na exploração do espaço
sideral com mútuo benefício.
Certamente, até mesmo os renitentes árabes e judeus,
cansados de tanto derramar inutilmente o precioso sangue semita,
comum a ambos, um belo dia descortinarão o horizonte auspicioso

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da concórdia e serão capazes de trilhar o sereno caminho da
fraternidade, ainda que tal assertiva pareça na conturbada
atualidade uma antevisão puramente utópica. Então, aprenderão
que o importante não é derrotar o inimigo, seu próprio irmão, mas
vencer a si mesmo. Ao conseguirmos vencer o próprio “eu”,
estaremos enaltecendo o “nós”, não alguns ou um grupelho, mas
toda uma humanidade que despontará finalmente vitoriosa.
É chocante dar-se conta de que ao longo da história as
religiões contribuíram mais para separar os seres humanos do que
aproximá-los. Elas, paradoxalmente, agravaram o mal em vez de
incentivar o bem. Isso ocorre porque os crentes vivem dentro de um
círculo invisível, fechado e restrito aos demais, considerando-se de
alguma forma os “donos da verdade”, aqueles autênticos “blá-blá-
blás”. Os outros, os errados, são os “blu-blu-blus”.
Cada círculo religioso subdivide-se em outros que cultivam,
por sua vez, um similar espírito de presuntiva superioridade. Toda
religião impõe ao crente as suas “verdades”, o equivalente a uma
duvidosa lavagem cerebral. É inegável que se aprendem muitas
coisas boas, mas também uma multidão de irrelevâncias
desnecessárias, senão atitudes de intolerância e hostilidade, fontes
odientas de inesgotáveis repressões e choques violentos. Adeptos
equivocados tendem a afastar-se do centro onde se encontra a
essência do bem e perdem-se nas periferias longínquas e alienadas
onde prepondera um clima inamistoso propenso aos maus
pensamentos e péssimas ações.
Em suma, de uma forma ou de outra, passam a comungar
uma visão coletiva dogmática que os induz às lutas fratricidas, uma
vez que todos somos igualmente irmãos e filhos do mesmo Pai.
Infelizmente, judeus, católicos, ortodoxos, protestantes,
muçulmanos e outros briguentos incorrigíveis legaram exemplos
nada edificantes à humanidade ao longo da história.
Tal estado precário de espiritualidade deu margem às guerras
religiosas, frutos mórbidos de um antagonismo desvairado em
nome de um Deus que nos pede somente para amarmos uns aos
outros. Os humanos devem compreender que todas as religiões,
dignas do próprio nome, pregam o mesmo objetivo primordial sob
a tutela da divindade suprema, a causa primária de todas as coisas -

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a Infinita Inteligência Multiversal. As diferenças existentes nas
verdadeiras religiões devem ser mais de forma do que de essencial
conteúdo, uma vez que se busca preconizar a reforma moral e
progresso espiritual, condição sine qua non para permitir a
convivência pacífica e harmoniosa dos seres inteligentes.
CAPÍTULO 2

A TRINDADE CRISTÃ

A principal e maior diferença apontada por Trude Weiss


refere-se ao conceito de Deus para judeus e cristãos. “O Judaísmo
está comprometido com o puro e inflexível monoteísmo e o
Cristianismo é partidário da crença na natureza tripla do Ser
Divino”, afirma orgulhosamente a autora. Acrescenta ainda que
esta crença e fé no “Pai, Filho e Espírito Santo” é tão fundamental e
relevante para todas as formas e denominações de Cristianismo,
como é contrário a tudo o que o judaísmo considera sagrado.
Representa uma concessão ao politeísmo ou, na melhor das
hipóteses, uma adulteração da idéia de um Único, Indefinível e
Indivisível Deus.
A assertiva a respeito da Trindade – Pai, Filho e Espírito
Santo - é aparentemente incontestável. O Credo Atanasiano de uma
igreja católica pós-apostólica declara:
“O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus; e, no
entanto, não há três Senhores, mas um só Senhor”. E que “o Pai
não vem de ninguém, não foi feito, nem criado, nem gerado. O
Filho é só do Pai; não foi feito, nem criado, nem gerado. O Espírito
Santo é do Pai e do Filho; não foi feito, nem criado, nem gerado,
mas procedente. Há, portanto, um único Pai, não três pais, um
único Filho, não três Filhos, um único Espírito Santo, não três
Espíritos Santos”.
Essa doutrina foi adotada pelo cristianismo ao longo dos
séculos em que pesem cismas ou dissensões que o dividiram por
várias vezes. Agora, se esse fato único deve tornar judaísmo e
cristianismo, mãe e filho, obrigatoriamente contrários e opostos, é

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uma questão a demandar reflexão mais atenta e profunda. Na
verdade, o dogma do “mistério” da Santíssima Trindade pode ser
visto à luz da razão como uma metáfora criada por teólogos de
mentalidade insipiente para explicar uma realidade não tangível.
Um ano depois da espetacular vitória da ponte de Mílvia, o
grande imperador Constantino propôs o fim da perseguição contra
os cristãos. Com a concordância de Licínio, seu rival remanescente,
lançou o Édito de Milão em 313 d.C. que garantia a liberdade
religiosa universal aos cristãos e judeus, antes somente reservada
aos pagãos.
A teologia da Santíssima Trindade surgiu no concílio de
Nicéia em 325 quando a igreja era tutelada pelo mesmo
Constantino. Nesta ocasião ocorreu acirrada polêmica sobre a
natureza de Jesus Cristo, agravando a divisão da igreja em duas
correntes opostas: ortodoxos versus arianos. Estes, liderados por
Ário, um religioso de grande prestígio, viam Jesus como um anjo
de hierarquia celestial única e singularmente elevada, a ponto de
situar-se apenas um infinitésimo abaixo do Pai. Muitos aplaudiram
com grande entusiasmo a idéia. Afinal, faltava um quase nada para
o Filho igualar-se ao Pai, significando uma colocação
extremamente prestigiosa que parecia não deixar nada a desejar.
Alegavam os arianos que o Messias havia sido gerado em
determinado momento pelo Pai Eterno, aliás, como todo filho.
Eram ambos, por conseguinte, pessoas diversas e deviam assim ser
considerados. Jesus Cristo seria o Messias, o Filho de Deus, porém
sem perder a imagem de um profeta muitíssimo especial. Esta
versão, embora Jesus ocupe nela a posição excepcional de Filho de
Deus, aproxima-se mais da tradição judaica que considera Moisés
como o maior dos profetas bíblicos, o Mestre dos mestres.
Inclusive, de forma similar no islamismo que tem em Maomé o seu
insuperável Profeta.
Contudo, a personalidade excepcional de Jesus de Nazaré, os
transcendentais poderes demonstrados durante a sua jornada
terrestre, a inesgotável capacidade de amar o próximo sem
restrição, a ponto de imolar-se por amor à humanidade e perdoar na
cruz os seus odientos algozes, não encontravam paralelo ao longo
da história. Certamente, o seu exemplo único causou uma

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impressão indelével nas mentes e corações daqueles capazes de
sensibilizar-se com o bem. Ninguém havia ensinado de maneira tão
eloqüente o significado do verbo amar - o atributo divino por
excelência. O Nazareno personificou como ninguém a bondade
divina. A figura do Messias extrapolou a condição humana de
forma tão extraordinária que exigia ainda um status superior. Não
seria igualável ao próprio Pai? O Filho amoroso e o Pai bondoso
pareciam confundir-se de maneira insofismável no exercício da
divindade. Havia ainda, o Espírito Santo, a manifestação divina
revelada, uma figura já existente no judaísmo, embora com menor
ênfase. A concepção majoritária acabou dando margem à conhecida
figura trina - Pai, Filho e Espírito Santo.
Há vários episódios no Evangelho, segundo São João,
sugerindo a divindade de Jesus. Por ocasião da morte de Lázaro, ao
chegar Jesus vindo de outra aldeia, Marta lastima-se compungida:
“Senhor, se estivesses aqui não teria morrido meu irmão.
Mas sei que, mesmo agora, tudo quanto pedires a Deus, Deus te
concederá”.
“Declarou-lhe Jesus: Teu irmão há de ressurgir. Eu sei,
replicou Marta, que ele há de ressurgir na ressurreição, no último
dia”.
“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê
em mim, ainda que morra, viverá. E, todo o que vive e crê em mim,
não morrerá eternamente. Crês nisto? Sim, Senhor, respondeu ela,
eu tenho crido que tu és o Messias, o Filho de Deus que devia vir
ao mundo.”
Mais adiante, Maria, a irmã de Marta se lança aos seus pés,
dizendo: “Senhor, se estivesses aqui o meu irmão não teria
morrido”. A sincera queixa de Maria traz implícita a profunda
convicção de que o Mestre dispõe de excepcional poder sobre a
vida e a morte.
“Jesus vendo-a chorar, e bem assim os judeus que a
acompanhavam, agitou-se no espírito e comoveu-se. E perguntou:
Onde o sepultastes? Eles lhe responderam: Senhor, vem, e vê. Jesus
chorou. Então, disseram os judeus: Vede quanto o amava! Mas
alguns objetaram: Não podia ele, que abriu os olhos ao cego, fazer
que este não morresse?”

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“Jesus agitando-se novamente em si mesmo, encaminhou-se
para o túmulo; era este uma gruta, a cuja entrada tinham posto uma
pedra. Então, ordenou Jesus: Tirai a pedra. Disse-lhe Marta, irmã
do morto: Senhor, já cheira mal, porque já é de quatro dias”.
“Respondeu-lhes Jesus: Não te disse eu que se creres verás a
glória de Deus? Tiraram, então, a pedra. E, Jesus, levantando os
olhos para o céu, disse: Pai, graças te dou porque me ouvistes.
Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas assim falei por causa da
multidão presente, para que creiam que tu me enviaste. E, tendo
dito isto, clamou em alta voz: Lázaro, vem para fora. Saiu aquele
que estivera morto, tendo os pés e as mãos ligadas com ataduras, e
o rosto envolto num lençol.”
Muitos creram, porém outros foram ter com os fariseus e
lhes contaram dos feitos que Jesus realizara. A “glória de Deus”, o
amor divino, manifestou-se a favor do ser humano, mas foi
depreciada por aqueles sacerdotes escravos de rancorosa e maldosa
descrença.
Jesus embora credite a glória do milagre ao Pai, a
naturalidade em realizá-lo sugere que o Filho dispõe igualmente da
autoridade divina. A vontade de ambos ao exaltar o bem de forma
inigualável coincide em gênero, número e grau.
Em outra ocasião, Jesus conforta os discípulos preparando-
lhes o espírito, pois sabe que em breve sofrerá o martírio da cruz:
“Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede
também em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim
não fora, eu vo-lo teria dito. Pois, vou preparar-vos um lugar. E
quando eu for, e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para
mim mesmo, para que onde eu estou estejais vós também. E vós
sabeis o caminho para onde eu vou”.
“Disse-lhe Tomé: Senhor, não sabemos para onde vais, como
então saber o caminho? Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a
verdade, e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim. Se vós me
tivésseis conhecido, conheceríeis também a meu Pai. Desde agora o
conheceis e o tendes visto. Replicou-lhe Felipe: Senhor, mostra-nos
o Pai, e isto nos basta”.
“Disse-lhe Jesus: Felipe, há tanto tempo estou convosco, e
não me tens conhecido? Quem vê a mim, vê o Pai; como dizes tu:

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Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em
mim? As palavras que vos digo não as digo por mim mesmo; mas o
Pai, que permanece em mim, faz as suas obras. Credes que estou no
Pai, e o Pai em mim; credes ao menos por causa de minhas obras”.
“Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em
mim, fará também as obras que eu faço, e outras maiores fará,
porque eu vou para junto do Pai. E tudo quanto pedirdes em meu
nome, isso farei, a fim de que o Pai seja glorificado no Filho. Se me
pedirdes alguma coisa em meu nome eu o farei. Se me amais,
guardareis os meus mandamentos.”
E de fato, mesmo nos dias de hoje, milhões de fiéis são
agraciados pela fé em Cristo e seus esperançosos pedidos são
atendidos com solicitude. As igrejas eclodem aqui, ali e acolá
mercê de sentirem os fiéis a presença divina acolhedora que atende
aos seus anseios. O amor do Filho de Deus continua a ser a grande
esperança de uma humanidade redimida onde a paz e amor reinem
em todos os corações.
Há que se esclarecer um detalhe essencial. Quando Jesus
disse que: “Quem vê a mim, vê ao Pai” ou “estou no Pai e o Pai em
mim”, refere-se à imagem espiritual. Deus é Espírito e o Filho
idem. “O corpo de nada vale” porque é efêmero e transitório,
segundo o próprio Cristo. São Paulo corrobora esta verdade
mediante o testemunho pessoal de quem esteve face a face com o
Messias: “Jesus é a imagem de Deus”. Ele “viu” a imagem de Deus
em impressionante magnitude, sem a interferência da matéria
(corpo carnal). E bastou um átimo divino ao incrédulo e destrutivo
Saulo para virar São Paulo.
São João dá-nos outro valioso testemunho pessoal de quem
conviveu desde jovenzinho com o Mestre por ter sido o mais novo
dos discípulos. Ele fazia o papel de singular mascote no grupo de
Jesus. Aliás, foi o único que sobreviveu até o fim de seus dias,
escapando ao nefando, mas glorioso sofrimento do martírio. E
oferece-nos uma visão sublime do Filho de Deus:
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o
Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas
foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se
fez. A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens. A luz

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resplandece nas trevas, e as trevas não prevalecem contra ela...
Veio para o que era seu, e os seus não o receberam... E o Verbo se
fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos
a sua glória, gloria como do unigênito.”
O Evangelista descreve o divino perfil espiritual do Messias
com a sabedoria provinda de uma maturidade enriquecida pelo
testemunho pessoal junto ao amado Mestre. O Verbo (Espírito) se
fez carne para cumprir a vontade do Pai (Espírito Criador) e
habitou entre nós. Por isso, os apóstolos enfrentaram de cabeça
erguida os terríveis martírios que os malvados lhes impuseram.
Aqueles homens simples, decerto, não dariam a vida por nada. Não
eram de modo algum ingênuos, tenham certeza disto. Eram homens
de profundo ceticismo inicial, mas tiveram a oportunidade única de
estudar cada olhar, cada palavra, cada gesto e pensamento de Cristo
para finalmente nele acreditar. Somente assim se dispuseram a
oferecer as próprias vidas amorosamente por Ele.
De modo semelhante, o sentimento profundo de sentir-se na
presença da divindade é confirmado pelo “discípulo amado”. O
Messias é o Verbo e o Verbo estava com Deus. O Verbo (Espírito)
habitou entre nós para nos transmitir a vontade do Pai. João ressalta
que era “cheio de graça e de verdade”, isto é, dispunha da graça
divina e personificava a Verdade. O Verbo, o Filho, é o unigênito
espiritual do Pai. A vontade de ambos é una em sublime
manifestação. E ao ver no Messias a personificação do amor divino
concluiu sabiamente que “Deus é amor”.
Mais adiante, afirma que se a “lei foi dada por intermédio de
Moisés; a graça e a verdade vieram por meio de Jesus Cristo”.
Observe-se que os apóstolos sempre prestigiaram o líder supremo
da raça hebraica, vendo-o como o profeta maior de uma fase
primordial do judaísmo valioso. A Lei antiga foi o ponto de partida
coerente com uma cultura tribal primitiva, rude e bárbara, mas que
precisava progredir para adequar-se à evolutiva espiritualidade da
humanidade.
Jesus Cristo revelou-se ao mundo judaico como o Messias, o
Filho de Deus, o Salvador anunciado pelas Escrituras. Os poderes
do Messias foram testemunhados e considerados sinais máximos da
exaltação divina. Vimos que a cultura hebraica era essencialmente

16
materialista. Apenas os fariseus e essênios aceitavam a existência
da alma, uma concepção desprezada pelos saduceus, aquela
oportunista e malfadada elite judaica que vivia arraigada aos bens
terrenos e desprezava o semelhante, particularmente os humildes.
Mesmo dentro de um contexto farisaico mais favorável, a alma era
considerada uma parte menos valiosa do ser humano. Algo
fantasmagórico, quase irrelevante. Ainda atualmente permanece de
maneira geral tal opinião pouco lisonjeira e, pior de tudo, irreal. O
espírito é, na verdade, a consciência e é imortal. O corpo é
passageiro, um simples meio temporário para permitir a evolução
do espírito - nós mesmos, em primeira e última instância. Não é o
corpo físico que contem a alma, ao contrário, o espírito é dono do
corpo.
São Tomé refletiu em sua fase apostolar insipiente o
ceticismo de uma concepção corporal acorrentada à religiosidade
elementar do judaísmo. Entretanto, de um jeito ou de outro, Jesus
Cristo revelava-se a todos que o seguiam como um ser de origem
divina. Nenhum deles disto duvidava, exceto Judas Iscariotes,
obviamente. Aliás, o triste suicídio do traidor, arrependido
amargamente, sugere uma tardia, mas sincera compreensão da
figura do Messias.
O Filho do Homem elevava-se às alturas de modo tão
grandioso que se confundia com o Filho de Deus. Uma visão única
e conciliatória deveria unir os céus e a terra, a visão espiritual à
terrena. Imaginação criativa é o que nunca faltou ao ser humano.
Daí os mitos apresentarem uma fascinante beleza. Abandona-se a
razão para satisfazer mais plenamente à emoção. Afinal, somos
“seres emocionais”, embora na escola nos digam que somos “seres
racionais”, algo semelhante a robôs inteligentes de carne e osso. A
emoção é predominante no ser humano. Esta tendência optativa
pela fantasia ainda permanece atualmente. Os cineastas modernos
sabem que qualquer filme de ficção recebe cem vezes melhor
aceitação pelo grande público do que aqueles restritos à “vida como
ela é”, por melhor que sejam artisticamente. A realidade impõe-se
tediosa sob a rotina quotidiana, senão frustrante. Parece preferível
sonhar acordado e deixar-se voar nas asas da imaginação.
No Evangelho, segundo São Mateus, surge uma tradicional

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versão sobre o nascimento do Messias de maneira a satisfazer tanto
a judeus cristãos, como aos gentios convertidos:
“Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: Estando Maria,
sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado,
achou-se grávida pelo Espírito Santo”.
“Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo
difamar, resolveu deixá-la secretamente. Enquanto ponderava
nestas cousas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor,
dizendo: José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher,
porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo”.
“Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, porque
ele salvará o seu povo dos pecados deles. Ora, tudo isto aconteceu
para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio
dos profetas. Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e
ele será chamado Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)”.
“Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do
Senhor, e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto
ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus.”
No Evangelho de Lucas é predito o nascimento de Jesus de
maneira semelhante: O anjo Gabriel é enviado para uma cidade da
Galiléia, chamada Nazaré:
“A uma virgem desposada com certo homem da casa de
Davi, cujo nome era José: a virgem chamava-se Maria. E entrando
o anjo onde ela estava, disse: Alegra-te muito, favorecida! O
Senhor é contigo. Ela, porém, ao ouvir esta palavra, perturbou-se
muito e pôs-se a pensar no que significaria esta saudação... Eis que
conceberás e darás à luz um filho a quem chamarás pelo nome de
Jesus... Ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu
reinado não terá fim. Então, disse Maria ao anjo: Como será isto
pois não tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo:
Descerá sobre ti o Espírito Santo e o poder do Altíssimo te
envolverá com a sua sombra: por isso também o ente santo que há
de nascer, será chamado Filho de Deus.”
O mito do nascimento do Messias, a fecundação da carne
imaculada pelo Espírito Santo, o próprio Deus, em ação única e
extraordinária, daria a autenticidade indispensável para vencer o
ceticismo inerente ao judaísmo. O céu se uniria gloriosamente à

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terra para propiciar a vinda daquele ente santificado de uma forma
única e singular. Aliás, alegorias semelhantes já existiam em
algumas culturas antigas. Ele seria o Filho do Homem e Filho de
Deus na expressão literal da palavra. A participação essencial da
matéria foi engendrada para satisfazer à mentalidade judaica.
Olhemos essa união singular do céu com a terra apenas como uma
metáfora, deixando para os ingênuos o deleite da fantasia.
Todo mito tem suas limitações à luz da razão. E qual foi com
mais exatidão a participação física da Mãe do Messias? É dito que
o Espírito Santo fecundou o óvulo de Maria. Segundo esta
afirmação, o Espírito e a matéria se uniram de forma nunca vista,
mas coerente. Caso contrário, Nossa Senhora ofereceu apenas o
ventre para a gestação. Estaria limitada a ser o que hoje chamamos
de “mãe de aluguel”. Uma participação bem limitada. O “algo”
fecundado pelo Espírito Santo teria originado “tudo”. Será que,
diante dessa atmosfera de inebriante magia, vale à pena cogitar em
tais detalhes? Naquela época não existia uma medicina moderna e
os narradores não se preocupavam com certas “banalidades” que
comprometeriam a veracidade do contexto tirando-lhe toda a graça.
Entretanto, não ficaremos imobilizados e temerosos de
enfrentar a contumaz reação dos ortodoxos. Há uma versão mais
plausível, embora sem a beleza da ficção. Não oferece magia e nem
se baseia em um milagre completamente fora de série. Na verdade,
milagres evidentes nós os vemos a cada instante. Basta olhar em
volta, porque tudo é um milagre divino, inclusive nós.
Jesus Cristo nasceu como todo ser humano, isto é, de forma
natural daquela mulher chamada Maria, esposa de José. Basta
lembrarmos de novo das palavras do Mestre: “a carne de nada
aproveita”... “Deus é Espírito”. Daí, concluímos - o Messias, o
Filho de Deus, também deve ser Espírito. Nada de extraordinário.
O Pai e o Filho são da mesma natureza como todo pai e filho. É a
lei universal - a lei de Deus.
Então, qual é a diferença? Aparentemente nenhuma.
Intrinsecamente, toda. O Filho de Deus, Espírito, passou a habitar o
corpo de um ser carnal que seria chamado Jesus, segundo a vontade
do Pai. Era um corpo como outro qualquer, certamente normal e
saudável. Muitos religiosos de carteirinha exclamarão indignados:

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“Ora, assim a concepção do menino Jesus fica totalmente sem
graça! Que historieta falsa! Que coisa aborrecida! Onde está o
absurdo para autenticá-la? Isso cheira à heresia!”. Alguns
saudosistas do catolicismo de cunho medieval logo vão lembrar-se
do velho e eficaz corretivo - as chamas da Inquisição!...Ah! Bons
tempos aqueles!”
O renomado Tertuliano, um dos primeiros padres da Igreja,
estabeleceu uma premissa aceita sem pestanejar por conceituados
teólogos ou teo-ilogos, através dos séculos: “Credo quia absurdum
est”, isto é, “acredito porque é absurdo”. Graças a Deus, embora
não haja intenção de contestar a ingenuidade da fé estabelecida,
optamos pela coerência e não pelo “absurdum est”.
Essa eterna celeuma entre a fé de cunho pueril e a razão
amadurecida faz-nos lembrar da belíssima fábula de Papai Noel. Na
idade da fantasia, a criança acredita piamente que um bom velhinho
vem do Pólo Norte num carrinho alado puxado por renas para
realizar o sonho inocente de ganhar lindos presentes. Os petizes
deixam cartinhas com pedidos esperançosos e sapatinhos nos
lugares certos onde esperam encontrar na manhã seguinte as
deslumbrantes lembranças de Natal.
Lá pelas tantas, um menino mais velho, metido a sabichão,
resolve estragar a fantasia reinante mediante uma revelação tipo
“espírito de porco”: “Papai Noel não existe! São nossos pais que
inventaram esta mentira!”. Saem os meninos tristes, cabisbaixos e
desapontados, quase chorando, a perguntar aqui e ali: “Pode ser
verdade tal absurdo? Papai Noel não existe mesmo?”. A cruel
revelação vai-se delineando de forma frustrante. Alguns se
indignam com os pais. Sentindo-se ludibriados, atrevem-se a
inquiri-los em tom malcriado. “Por que nos contaram tal mentira?
Por que nos enganaram?”. Na verdade, tudo ocorreu na melhor das
intenções. Posteriormente, compreenderão que a figura do Papai
Noel não vai desaparecer jamais. Enquanto houver pais amorosos,
não importa a idade dos filhos, serão dignos de receber presentes e
o sonho vai perdurar eternamente durante o clima natalino, um
reflexo do amor inspirado pelo Menino Jesus.
Uma multidão de religiosos imersos em fanatismo,
chamados eufemisticamente de fundamentalistas, vive em pleno

20
terceiro milênio curtindo a idade da fantasia. Entretanto, chega o
momento de descerrar a cortina e revelar a história autêntica,
aquela isenta de mitos e lendas. Devemos olhar a face verdadeira
de Deus sem medo de nos desapontarmos ao vê-Lo em dimensão
real, despido de ficções culturais milenares. Deus é a beleza infinita
descrita pela fé, mas perfeitamente corroborada pela razão. Não
precisa acréscimos, cortes ou correções.
Como no conto medieval, os dois valorosos cavaleiros
descobriram tardiamente que duas verdades podem coexistir, sem
que uma anule a outra. O escudo tinha duas cores provindas de
metais diferentes, ouro e prata. Imagine agora um poliedro regular
de quatro faces. Esta pirâmide terá a propriedade de oferecer quatro
verdades. E vai por aí. Se representarmos Deus, o Sem Fim, por um
poliedro de infinitas faces (infinito é o seu número preferido)
teremos o ensejo de contemplar infinitas verdades. Ora, nem por
isso Ele deixa de ser uno!
Voltemos ao “mistério” da Santíssima Trindade: Pai, Filho e
Espírito Santo. Qual a diferença entre Deus e o Espírito Santo?
Veja bem, a concepção da figura do Espírito Santo originou-se no
Judaísmo. O cristianismo não a inventou, apenas dela se utilizou.
Quando Deus se manifesta em qualquer ponto do Multiverso (pois
existem infinitos universos paralelos) dizemos que é o Espírito
Santo. Em suma, Espírito Santo é Deus revelando-se de modo
tangível aos seres inteligentes do cosmos. Em termos simplificados:
Deus é o Oceano Sem Fim e o Espírito Santo uma Onda Singular
deste Oceano em determinado momento. Uma Onda faz parte do
Oceano. O conjunto é composto de suas inúmeras partes. Ou ainda
se preferirem: Deus é contemplação. O Espírito Santo é o Criador
quando em ação. Evidentemente, trata-se de um raciocínio
resumido para oferecer melhor compreensão.
E qual a relação entre o Pai e o Filho? Deus e o Filho de
Deus? Jesus Cristo assumiu claramente ser o Messias - o Filho de
Deus. Há um aspecto de sutil percepção a ser considerado. O Filho
é a imagem espiritual do Pai, mas não afirma ser o próprio Deus.
Na verdade, quando os discípulos pedem ao Mestre para ensinar-
lhes uma oração, aquiesce com solicitude:
“Pai nosso que estais nos céus, santificado seja o Vosso

21
nome. Venha a nós o Vosso reino. Seja feita a vossa vontade, assim
na terra como no céu. Dai-nos o pão nosso de cada dia. Perdoai
nossas dívidas, assim como nós perdoamos nossos devedores. E
não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.”
“Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso
Pai Celeste vos perdoará as vossas”, esclarece o Mestre.
Nessa oração básica, o Filho glorifica o Pai Celestial. A
vontade divina deve prevalecer porque somente o Pai sabe das
necessidades dos filhos. Pede-se o auxílio divino para obter-se o
pão essencial à sobrevivência do corpo. Os pecados serão
perdoados na mesma proporção em que relevamos as ofensas
alheias. E não são poucos nossos pecados, sabemos disto. Finaliza
com uma observação crucial: “Se, porém, não perdoardes as
ofensas recebidas, tão pouco o vosso Pai vos perdoará das vossas.”
Poucas vezes se falou tanto em tão poucas palavras. Por isso é o
Mestre dos mestres.
Concluí-se, segundo o próprio Cristo, que somos igualmente
filhos de Deus. O Pai do Messias é o nosso Pai. Aliás, como de
todos os entes espirituais por extensão. Então, qual a diferença? É
simples: o Messias é a face espiritual de Deus. Nós somos cada um
apenas uma partícula espiritual infinitesimal. O Filho de Deus é a
labareda divina e cada um de nós uma minúscula centelha em busca
da perfeição espiritual, mas composto da mesma essência. (O corpo
carnal não entra neste raciocínio e, por favor, meu caro leitor
esqueça-o por um instante). Por isso, dizemos que somos “filhos de
Deus” e nos referimos ao Messias como o “Filho de Deus”. Jesus
representa a espiritualidade perfeita e total. Os cristãos sinceros são
discípulos em busca da desejável sintonia com o Mestre, sinônimo
máximo da perfeição. Afinal, Cristo sofreu e deu a vida por todos
nós na cruz.
Aprendemos desde criança que Deus está nos céus. Na
verdade, se acreditamos no Deus Todo Poderoso que seja o Criador
do Multiverso, o Ser Supremo deve estar logicamente em toda parte
a fim de preservar a harmonia do cosmos. Caso contrário, o caos
adviria da ausência divina. Ele é um Deus onipresente, mas não
espere que venha por aqui bater papo conosco. Não é uma pessoa
em hipótese alguma. Não é matéria, não tem corpo do modo que

22
concebemos. É a Energia Inteligente Multiversal. Não nos é
possível contemplar o “Poliedro Infinito”, mas Ele pode agraciar-
nos com a percepção de uma de suas faces para acelerar a nossa
evolução espiritual. Deus revelou-se naquele ser chamado mui
apropriadamente - Filho do Homem - o Espírito Divino encarnado
em um corpo físico.
São Paulo descreveu Cristo com impressionante exatidão:
“Jesus é a imagem de Deus”. É uma das frases mais poderosas,
senão a mais significativa pronunciada por um ser humano. Ela
resume uma multidão de idéias e pensamentos. Veja bem, estamos
nos referindo ao Filho de Deus – Espírito. O corpo físico do
Messias era igual ao de qualquer ser humano. Melhor dizendo,
Deus não se personificou fisicamente em Cristo, mas se manifestou
espiritualmente. O Filho de Deus situa-se muito além da concepção
restrita derivada do materialismo carnal judaico. Ele, Espírito pleno
da perfeição divina, já existia antes do início de nosso universo
material, isto é, antes do Big Bang. A missão precípua do Filho de
Deus é cuidar da evolução espiritual dos seres inteligentes através
do cosmos, já que sua influência não se limita ao planeta Terra.
Nós, humanos, somos partes infinitesimais de uma Criação Infinita.
É interessante notar algo particularmente sugestivo. Jamais
se fez nos Evangelhos qualquer referência ao aspecto do Messias.
Este fato chega a ser intrigante. Afinal, como era a aparência de
Jesus Cristo? Aqueles que o amaram, conviveram na alegria e na
dor ao longo de uma extenuante labuta diária, trocaram olhares
significativos e estiveram cara a cara com o Mestre, todavia não se
importaram com isso. Caso contrário haveria alguma descrição,
nem que se resumisse a uma só palavra. Nada, um silêncio evasivo,
um vazio total se fez, chegando a ser frustrante. Será que temiam
retratá-lo fisicamente? É uma hipótese plausível, mas não absurda.
Segundo uma descrição da época de Jesus, a única existente,
uma missiva pessoal de um prefeito romano ao imperador, os olhos
de Jesus eram claros. É um detalhe físico surpreendente, uma vez
que os semitas tinham olhos escuros. Entretanto, o documento
recebeu várias inserções de monges abelhudos e perdeu o seu
imenso valor testemunhal. Outra perspectiva: o corpo do Nazareno,
o invólucro carnal, era irrelevante. O Messias valia pelo conteúdo,

23
resumido ao Espírito.
“Para o bom entendedor uma palavra basta” e “para quem
sabe ler um ponto é letra”, diz-nos a sabedoria popular. Já é o
suficiente para concluirmos que o Messias é uma faceta do Poliedro
Divino, a imagem autêntica de Deus, o próprio Deus em ação - o
Espírito Santo. Uma idéia sem maiores mistérios e nem absurdos.
Deixemos a teoria do absurdo para nosso velho Tertuliano e seus
admiradores. O cristianismo autêntico deve sustentar-se na verdade
e não em concepções pueris.
Deus é eternamente Espírito, diz-nos uma sábia tradição
judaica, aliás, exatamente como Jesus Cristo declarou. Ele,
quebrando um antagonismo secular, dirigiu-se gentilmente à
samaritana, ensinando-lhe entre outras coisas que: “Deus é Espírito,
e importa que o adorem em espírito e verdade” (João 4.24). Quando
se diz que Deus tornou-se homem em Cristo, trata-se somente de
uma metáfora ao gosto dos necessitados da matéria tangível para
acreditar. A fé cristã é que Deus está em Cristo, isto é, manifesta-se
por meio do Messias. Ele é a faceta divina que ilumina a
humanidade para levá-la a cumprir os desígnios do Pai, já revelados
na essência valiosa do judaísmo. A existência de uma face do
Criador não elimina as demais infindáveis. Deus não se ausentou
do Multiverso durante sua permanência tangível no Messias. A
Onisciência Universal está em toda parte e sempre estará para
preservar a harmonia geral. Caso contrário resultaria no caos.
A idéia trina de Deus, assim esclarecida, não é ilógica. É
natural e simples. A idéia do Deus uno é preservada no Deus
Infinito. Ele é igualmente a unidade indivisível e está em toda
parte. Não existe o nada, o vácuo físico, o vazio real. A própria
ciência moderna de ponta, embora em fase evolutiva primária, o
corrobora. Existe algo em todo o Universo que explica a harmonia
do cosmos. Se não é Deus, é o “dedo de Deus”, em simples
alegoria. Atualmente, levanta-se a teoria da “massa escura”, aquela
que preservaria a harmonia física do cosmos. A ciência está
engatinhando apenas. Há muito chão ainda pela frente no campo
científico. Tudo ou quase tudo será desvendado. Deus não esconde
as maravilhas do saber aos seus filhos, apenas se revela
gradualmente. Ele não tem pressa, pois as coisas ocorrem no seu

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devido tempo. Teremos oportunidades mil para crescer em todas as
direções de modo a conhecê-Lo melhor.
A gente pode se referir a qualquer coisa como uma unidade,
animada ou não. Exemplo: um copo, uma pessoa, um trem, um
espírito, um avião etc. Há muitas coisas uno. A palavra uno
significa um, único, singular, e não vai além disto. Um simples ser
humano é uno. Dois é que não é. Tudo, seja uno ou não uno,
pertence ou está contido em algum conjunto. Exemplo: os
habitantes do planeta Terra. Os planetas de nossa galáxia. No
entanto, somente Deus engloba a totalidade em termos absolutos. É
o Conjunto Multiversal. Deus é Infinito
Para quem procura um denominador comum e não perde
tempo enaltecendo “diferenças”, tornando-as obstáculos
intransponíveis aos seres humanos, a distância se encurta.
Obviamente, a figura de Jesus de Nazaré sob a ótica do judaísmo
reduz-se a uma dimensão histórica comum e até negativa. Não
reconhecem nele o Messias e rejeitam o Filho de Deus. Na verdade,
depois de crucificá-lo, esforçaram-se para esquecê-Lo, omitindo
qualquer registro histórico sobre o Nazareno. Depois do crime
hediondo, temendo-se o castigo inexorável, procura-se apagar as
pistas e vestígios, uma prática comum até nos dias de hoje.

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CAPÍTULO 3

PODERES DIVINOS DO MESSIAS

O judaísmo, segundo Trude Weiss, renega Jesus por achar


que “exacerbou a própria personalidade agindo como se fosse
Deus, o senhor da doença e da saúde, da vida e da morte. A
valorização excessiva de seus próprios poderes levou-o a traçar
uma analogia entre ele e Deus, alegando ter o controle dos poderes
divinos”. E cita João 5.18-23:
“Como o Pai ressuscita os mortos e os faz viver, também o
Filho dá a vida a quem quer. Porque o Pai a ninguém julga, mas
confiou ao Filho todo o julgamento, a fim de que todos honrem o
Filho, como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o
Pai que o enviou”.
Dentro desta linha de raciocínio acusa-O de ter realizado
milagres sem atribuí-los explicitamente a Deus, mas a si mesmo.
Ao contrário de Jesus, os antigos profetas não operavam milagres
por conta própria, argumenta com veemência. E cita Marcos (1.40):
“Aproximou-se dele um leproso rogando-lhe de joelhos: Se

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quiseres, podes purificar-me. Jesus, profundamente compadecido,
estendeu a mão, tocou-o e disse-lhe. Quero, fica limpo! No mesmo
instante lhe desapareceu a lepra, e ficou limpo. E disse-lhe: Olha,
não digas nada a ninguém; mas vai, mostra-te aos sacerdotes e
oferece pela tua purificação o que Moisés determinou, para servir
de testemunho ao povo...e de toda parte vinham ter com Ele”.
É interessante comparar com outro importante milagre,
obviamente não apontado pela autora. Jesus Cristo ao ressuscitar
Lázaro, exclamou diante da multidão presente: “Pai, graças de dou
porque me ouviste. Aliás, eu sabia que sempre me ouves, mas
assim falei por causa da multidão presente, para que creiam que tu
me enviaste.” Antes deste episódio, ao receber a notícia da morte
de Lázaro, quando estava além do Jordão, disse aos discípulos:
“Esta enfermidade não é para a morte, e, sim, para a glória de Deus,
a fim de que o Filho de Deus seja por ela glorificado.”
Vê-se, claramente, que Jesus enaltece o Pai. Não só antes do
milagre declara cheio de fé: “para a glória de Deus”, como depois:
“Pai, graças te dou porque me ouviste”. O relacionamento Pai e
Filho configuram-se de maneira harmoniosa no exercício do bem.
Deus endossa os milagres do Filho porque é a Sua vontade.
Voltando ao caso do leproso, subtende-se que a espantosa
cura realizou-se em nome de Deus. É desnecessário o Evangelho
citar algo evidente por si mesmo, uma vez que ocorria diariamente
e a olhos vistos. Inclusive, o narrador do Evangelho pode ter
omitido algo já considerado lugar comum. Ou mesmo se foi feito
de modo discreto ou íntimo pelo Messias a ponto de passar sem
registro. Jesus vivia em comunhão íntima com Deus e não
precisava alardear ostensivamente sua fé à maneira dos fariseus. O
Filho agia em nome do Pai e para isto veio ao mundo. O Nazareno
exercia uma delegação plenamente concedida pelos céus, sendo o
seu Agente Divino por excelência. Por isso é o Filho de Deus e não
um simples profeta. Basta lembrar que se imolou por amor à
humanidade em obediência à vontade do Pai celestial. Na
iminência da crucificação, diz: “Meu Pai, afasta de mim este cálice,
todavia seja feita a vossa vontade”.
Ainda que a crítica da eminente escritora judaica fosse
verdadeira e Jesus fizesse admiráveis milagres per si, tal fato

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constituiria uma prova definitiva a favor de sua divindade. Somente
Deus pode ressuscitar os mortos. E se o Pai quisesse desacreditar o
Filho perante todos, bastar-Lhe-ia sustar de imediato os seus bem
conhecidos e extraordinários sinais. Certamente, Deus endossa o
bem porque se confunde com ele. E o bem se justifica por si
próprio, tornando vã qualquer argumentação em contrário.
Existe ainda outro aspecto relevante. Quem foi curado ficou
imensamente satisfeito, senão agradecido. Ora, as forças do mal
não se interessam em beneficiar as pessoas e sim prejudicá-las. Os
sacerdotes do Templo de Jerusalém não olhavam a questão sob a
visão dos contemplados com a graça divina. Estes, antes infelizes,
agora passavam a ver a face verde do escudo, a cor da esperança
em dias melhores, pois se livravam de grandes males.
Entretanto, os fariseus e saduceus da época olhavam a
mesma face vendo-a negra devido ao reflexo obscuro de seus
espíritos malignos. Discriminadores por excelência, invejosos e
despeitados, odientos e odiosos, preferiram difamar o irmão de
raça, entrando em luta insensata contra o próprio Deus. Espalharam
pelo povo que Jesus curava em nome dos demônios para
desacreditá-Lo. De um modo ignominioso desvirtuaram o judaísmo
valioso ao derramar o sangue inocente do Ungido do Senhor. Um
legado sádico que se revelaria fatal ao próprio povo eleito quando
mais adiante receberia várias vezes o amargo troco da infâmia por
ter ousado afrontar os céus.
O mal não pode eternizar-se, pois carrega dentro de si a
semente da destruição. Aqueles dominados pelo ódio desvairado e
gratuito, não contentes em descarregá-lo no Inocente Divino, iriam
arrojar-se com despeitada fúria contra o leão romano decorrido
algum tempo da crucificação do Messias. Atacaram a desprevenida
guarnição romana e trucidaram sem piedade os soldados e
familiares. Iludidos por uma vitória efêmera, não se deram conta
que haviam apenas atiçado uma temível fera e o pior, com vara
curta. Seguiu-se o terrível aniquilamento dos filhos de Abraão e aos
sobreviventes restaram o desespero e a humilhação de uma amarga
diáspora.
Sábias fontes judaicas enfatizam que todos os seres humanos
são dotados de liberdade e podem seguir o caminho da verdade. Em

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Deuteronômio (30:15-19) vemos estabelecida esta assertiva divina:
“Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a
felicidade, a morte e a infelicidade:...escolhe, pois, (as primeiras)
para que vivas tu e a tua descendência...”.
Igualmente em Sirach (15:11-22): “O Eterno abomina tudo
que é abominável...Vida e morte estão diante de um homem, e o
que quer que ele escolha será concedido”.
E de acordo com Eclesiástico (7): “Não faças o mal, e o mal
te não apreenderá”.
Diante da escolha sensata de conviver em harmonia com os
dominadores e usufruir a Paz Romana, uma alternativa viável o
suficiente para sobreviver num mundo de extrema crueldade,
imprudentemente a desprezaram, ao contrário dos demais povos
vassalos que avaliaram com realismo a situação vigente.
Assoberbados pela arrogância, optaram pela luta suicida e morte
trágica, poucos escapando ao morticínio. Essa horrível calamidade,
bem como as anteriores perante assírios e babilônios, deveria ter
oferecido valiosas lições aos judeus.
É interessante observar que o judaísmo histórico não nega os
poderes e milagres extraordinários atribuídos a Jesus. Seria mais
fácil e coerente tachá-los de fraudes, já que se pretende arrasar sem
contemplação o Messias. Os fariseus antigos sofismavam
acusando-o de curar em nome dos demônios. Curiosamente, os
judeus fundamentalistas atuais negam o mérito de Jesus sob outra
alegação. “Jesus ousou rivalizar-se com Iahveh” - o deus tribal
criado à imagem e semelhança do povo de Abraão. Um Deus
vingativo, ciumento e propenso a contraditórios arrependimentos.
Segundo uma delirante concepção, o Senhor dos Exércitos
surgiria acometido de avassalador ciúme, exclamando cheio de
indignação ao saber dos extraordinários milagres do Messias:
“Quem é este Jesus de Nazaré? Não passa de um mortal
insignificante e ousa rivalizar-se comigo? Nunca se viu tamanho
absurdo! Como se atreve a quebrar a ordem natural das coisas
fazendo uma porção de sinais? Flagrantemente está infligindo a
minha eterna e imutável ordem divina.”
“Ora, se alguém está cego, deixe-o cego! Não verá as
barbaridades que campeiam neste mundo.”

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“Se alguém já está estendido e morto, deixe-o desfrutar do
descanso eterno! Afinal, o espírito não é imortal? Para que tanto
esforço sem sentido? Isto me cheira a desmedida presunção. Por
acaso Eu o mandei ressuscitar?”
“Ora, se Fulano está acometido pela lepra, que apodreça!
Algum pecado gravíssimo cometeu contra a minha divina pessoa.
Decerto, adorou algum ídolo idiota representando um falso deus.
Aliás, não suporto deuses menores. Não passam de mera figuração
para evidenciar a minha suprema grandeza. Nesse caso sou
irredutível e todos sabem disso.”
“Se Beltrano está surdo, que desfrute da tranqüilidade do
silêncio. Ao menos, não vai ser obrigado a ouvir disparates dos
imbecis!”
“Sicrano está doente? Deixe-o curtir o seu infortúnio
passageiro. Em compensação, vai valorizar os dias de boa saúde.”
“Por que acalmar a violenta tempestade no mar encapelado
somente por causa de uns pescadores amedrontados. Fui Eu que a
criei como Senhor dos ventos, portanto, deixe o barco afundar! Ora,
os discípulos que se salvem nadando. Eles têm braços fortes e
vigorosas pernas. E não se exagere o perigo, porque a praia dista
apenas uma milha.”
“Eu mesmo!” (expressão sinônima para o ‘Meu Deus!’ dos
meros mortais). Por que multiplicar os pães e os peixes? Quanta
encenação teatral! Deixe a multidão desmaiar de fome! Somente
assim darão mais valor aos dias de abundância. Aliás, um bom
jejum não faz mal a ninguém. Que o façam orando contritos em
meu nome!”
“Ora, os convivas estão tristes e desanimados porque acabou
o vinho? Parece até piada. E Eu com isto? Por acaso encomendei
algum casamento? A festa é deles e não minha. Ora, quanta
petulância! Que bebam a boa água dos cântaros e se deem por
satisfeitos. Pelo menos permanecerão sóbrios. E aprendam o
seguinte: Vocês mortais estão na terra a serviço e não a passeio!”
“E cá entre Nós, Jesus de Nazaré, pare de exibir-se andando
sobre as águas do mar a pretexto de acalmar Pedro, João, Tiago e
outros amiguinhos. Assim, já é demais! Chega de tanta heresia!
Que blasfêmia insuportável! E fique sabendo: Somente Eu posso

30
andar sobre as águas! Tenho o direito exclusivo porque Eu as criei!
Eu sou Iahveeeh!”
“Aliás, se você, meu Filho, fizesse tudo em meu nome ainda
relevaria. Às vezes, para distrair-me também faço alguns milagres,
afinal sou seu Pai. Reconheço que tem a quem puxar, pois “filho de
peixe, peixinho é”. No entanto, segundo o testemunho sempre
sincero de meus pupilos mosaicos, você se deixou contagiar pelo
orgulho e extrapolou os poderes divinos que Eu graciosamente lhe
concedi. Meu próprio Filho fazendo milagres incontáveis em seu
próprio nome! Assim já é demais! Nunca me senti tão ofendido,
humilhado, diminuído e aviltado. Jamais o perdoarei! Devo
confessar e sentenciar, embora constrangido: É crime passível de
mooorte!!!”
Perdoem a ironia, mas às vezes o senso de humor desanuvia
uma seriedade exagerada. É melhor rir do que chorar!
Contrapondo-se ao poder milagroso do Messias, afirma-se que a
superioridade do judaísmo sobre o cristianismo reside exatamente
em não basear-se em milagres. Não deixa de haver razão se nos
recordarmos que há muitos séculos Iahveh deixou de fazer milagres
em prol dos hebreus. Somente assim se explica o desaparecimento
das dez tribos de Israel dizimadas ou expulsas de Samaria pelos
assírios. Igualmente a destruição de Jerusalém juntamente com o
Templo de Salomão pelos babilônios de Nabucodonosor. A
segunda destruição do já reconstruído Templo e conseqüente
diáspora causada pelos romanos. Para não falar no genocídio dos
judeus ao longo dos séculos, particularmente o Holocausto sob o
tacão nazista. Não restam dúvidas de que o Deus Único cessou de
operar milagres em benefício do judaísmo, talvez por cansar-se de
tanta misantropia egocêntrica.
Nós somos produtos do meio em que vivemos. Ele nos
impõe determinadas crenças e crendices. Cada círculo religioso
julga-se o dono da verdade. Orgulhosamente, seus membros se
pavoneiam e afirmam: “Nós somos os blá-blá-blás”. Ou, “nós
somos os blu-blu-blus”. Dentro dele, todos comungam as mesmas
idéias. Assim, uma multidão fanatizada delega aos mestres de sua
religião o ato de pensar. A partir daí, limitam-se a repetir como
papagaios a voz do dono, mas sem nada entender de fato. O

31
pensamento restringe-se a crenças pueris ou crendices e se esvaece
na mediocridade geral.
Na religião comumente ama-se as crenças e odeia-se a razão.
É o oposto da ciência exata. Na matemática, dois mais dois são
quatro, não importa em qual lugar. Na religião ocorre exatamente o
contrário. Dois mais dois podem ser cinco. Se perguntarmos a um
“sábio” sacerdote blá-blá-blá a razão de tal disparidade,
argumentará cheio de si com um sofisma prontinho na ponta da
língua: “Aqui, no nosso círculo sagrado, aliás, o único reconhecido
pelo Deus Único, o segundo dois vale três. Obviamente, dois mais
dois são cinco! Quem discordar será acusado de heresia!”
E por sua vez, no círculo dos blu-blu-blus dirão: “dois mais
dois são seis. Aqui, cada dois vale três unidades. E um aviso de
amigo: nós não gostamos de contradição”. Em suma, existe uma
solução particularizada no micro cosmos de cada uma. Assim,
arquitetam Deus à sua maneira. Cada religião constrói a imagem da
divindade de acordo com sua parca capacidade de entendimento. É
um Deus superelástico que deve servir a todos conforme as
conveniências, principalmente mundanas. Trata-se de uma espécie
de egocentrismo oriundo de exacerbada religiosidade, mas sem o
respaldo espiritual correspondente.
A atual guerra árabe-israelense apresenta-nos alguns
exemplos estarrecedores de fervor religioso delirantemente
paranóico. Recentemente, as telas da televisão mostraram vários
jovens árabes anunciando solenemente e com visível emoção a
disposição férrea de atuar heroicamente como bombas humanas em
defesa da causa palestina. Cada um deles oferece de forma
impressionante a própria vida para semear o terror, a destruição e a
morte entre seus inimigos mortais. Todo este patriotismo é
inspirado em nome de Alá, segundo proclamam. A invejável
recompensa será a acolhida imediata em imaginário paraíso
islâmico. Diríamos tratar-se de um belo exemplo de coragem e
abnegação, caso não se resumisse a um fim duvidoso: o
aniquilamento de seus irmãos semitas – os judeus.
Por sua vez, os judeus rezam pela mesma cartilha. Imploram
com fé inabalável uma vitória espetacular. Esta será concedida pelo
velho Iahveh – o Senhor dos Exércitos, isto é, a destruição

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definitiva de seus inimigos - os árabes. Estão crentes de que a causa
israelense é apoiada plenamente pelos céus por se julgarem o povo
eleito, um privilégio que lhes dá a priori o direito das graças
divinas. Deus, certamente, já traçou a linha do destino a favor de
Israel, não importa quantos palestinos venham a sucumbir, assim
acreditam os fundamentalistas desvairados. A sorte ou destino dos
palestinos em nada lhes diz respeito. De fato, ambos os lados
antagônicos pensam do mesmo jeito e exigem um tratado de paz
que seja sinônimo de soberba vitória sobre o inimigo. Obviamente,
não se chega a um acordo mútuo regido pelo bom senso.
Nessa história toda, só há um detalhe estarrecedor que seria
motivo de riso não fosse tão trágica a caótica situação. O Deus dos
judeus e árabes é exatamente o mesmo, segundo o próprio Alcorão
ditado por Maomé, o seu Profeta. O islamismo derivou-se do
judaísmo, como nós sabemos, não havendo qualquer contestação a
respeito. É um fato histórico e o mesmo acontece com o
cristianismo. Judeus, cristãos e islâmicos são os conhecidos povos
do Livro. Em que pese uma confusa multiplicidade “teológica”
oriunda de bizarras versões culturais, o Deus Uno é o grande
denominador comum das três religiões. No entanto, cada lado
nacionalizou a Divindade Suprema para atuar em benefício próprio.
Pinta-O com as cores nacionais e coloca a sua bandeira na mão
divina. O outro lado, aquele do inimigo, que se dane. Iahveh saiu
das profundezas do barbarismo tribal hebraico para amoldar-se a
uma versão islâmica nada imparcial. Seu nome passou a ser - Alá –
mas com pleno direito às antigas arbitrariedades cometidas no
Velho Testamento.
Os “cristãos” não agiram de modo muito diferente, haja vista
terem causado duas guerras mundiais. Um episódio avulta
agravante: A Alemanha de Hitler, país nominalmente cristão,
quebrou o tratado de paz mal havia sido assinado por Ribenttrop e
Stalin. Traiçoeiramente atacou sem declaração de guerra a União
Soviética, pais comunista e afastado em caráter definitivo da
religião, o “ópio do povo”, segundo Marx. Neste episódio, os
“cristãos” liderados pelos nazistas enganaram e traíram os próprios
ateus! Vejam a ironia do destino: Hitler, um coroinha católico na
infância, foi apoiado em sua ascensão pelo Vaticano e conseguiu

33
ludibriar a boa fé do próprio Stalin, um anticristo confesso. É uma
contradição estranha, mas comum à condição humana. “Raça de
víboras!”, eis uma expressão que os definiria.
Na verdade, se os sacerdotes judeus e islâmicos tivessem um
pouco de juízo e agissem verdadeiramente segundo os desígnios de
Deus, a divisão territorial seria dispensável. Na verdade, fronteiras
não são tão indispensáveis. Deus quer unir os seus filhos e não
separá-los. Não importa quais os motivos alegados por um ou outro
lado, sempre serão irrelevantes sob a ótica divina. A influência das
religiões no bom sentido seria fundamental. Mude-se o nome de
Israel para Terra da Promissão (um exemplo apenas). Na república
comum nomeie-se um presidente israelense e um primeiro ministro
palestino, ou vice-versa. A metade do parlamento pode ser de
judeus ou palestinos. Ou algo parecido. Parece absurdo, mas nem
tanto. O importante é comungar com sinceridade uma desejável boa
vontade - o resto é conseqüência. Uma incalculável soma em
dinheiro, tanto de judeus ou de árabes ricos do mundo inteiro, foi
dado aos beligerantes na “boa intenção” de levá-los a aniquilar-se
mutuamente. Em suma, para botar mais lenha na fogueira. Caso
fosse empregado no bem estar comum, em escolas, hospitais,
transporte, estradas, tecnologia, lazer, diversões sadias, a “Terra da
Promissão” faria inveja a muitas nações.
Juntos, os semitas formariam uma espécie de mercado
comum árabe-judeu, semelhante ao europeu. E há precedentes
históricos de entendimento recíproco. Os judeus conviveram muito
bem com os árabes no período de apogeu do império islâmico.
Médicos judeus, sábios e comerciantes deram-lhe esplêndida
contribuição. Atualmente, os judeus estão em situação de maior
poder e potencial generosidade. Por que não praticar a virtuosa
humildade tão proclamada por eles próprios? Por que não indenizar
os palestinos que foram defraudados de seus bens por extremistas
judeus exacerbados? Ora, americanos e japoneses respiravam ódio
e exalavam destruição por todos os poros há pouco mais de
cinquenta anos e atualmente se tratam com elogiável cordialidade.
Idem, as nações européias, antigas inimigas de outrora.
Vejamos o que nos diz a sabedoria do Eclesiastes (3.8):
“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo

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propósito debaixo do céu; tempo de matar e tempo de curar; tempo
de derrubar, e tempo de edificar; tempo de chorar, e tempo de rir;
tempo de prantear, e tempo de saltar de alegria; tempo de amar, e
tempo de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.”
Depois da tempestade vem a bonança. Por maior que seja, o
ódio acaba se extinguindo e dando margem ao amor fraternal que
enseja harmonia e felicidade. Não é mera fantasia. Por maiores que
sejam as realizações, são sempre precedidas por sonhos singelos. O
tempo de guerra esgotou-se diante do progresso da ciência e
tecnologia modernas e revela-se um anacronismo insensato em
pleno Terceiro Milênio. Guerras só trazem prejuízo para uma
humanidade que deseja libertar-se da barbárie e quer ensejar o
vislumbre de um admirável Mundo Novo. O plano divino é
infalível, mas às vezes não percebemos como progride a olhos
vistos.
Das considerações acima, conclui-se que o importante não é
como nós olhamos a Deus, mas como Deus nos vê. A
grandiosidade divina excede a capacidade de entendimento do ser
humano. Se O imaginarmos uno, duplo, trino, quádruplo,
quíntuplo, infinito, para o Senhor dos Universos é irrelevante.
Palavras incontáveis seriam necessárias para descrevê-Lo, isto se
realmente pudéssemos definir o Indefinível. Ora, nosso Pai apenas
quer de nós que sejamos felizes e vivamos em paz e harmonia uns
com os outros. Exatamente o que qualquer pai justo e amoroso
deseja para os seus filhos. Afinal, somos feitos à sua imagem. É um
ideal válido para todos nós, ainda que sejamos imperfeitos.
A paz e harmonia só serão conseguidas se comungarmos
ideais de amor e justiça e não alardearmos “diferenças
intransponíveis”, na verdade irrelevantes. Somos exatamente iguais
em essência, temos um corpo espiritual, a centelha divina, e, por
algum tempo, um corpo físico, uma obra prima biológica
desenvolvida em milhões de anos de evolução. É o suficiente para
superarmos as dificuldades inerentes à condição humana por mais
complexas que se nos apresentem. O mundo caminha para frente,
embora às vezes pareça regredir. Ele progride inexoravelmente em
cumprimento ao plano divino.
Trude, nossa querida irmã, mas ardorosa expert em ressaltar

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diferenças, diz que o cristianismo reconhece Satã como força
criativa do mal em oposição ao benevolente poder criativo de Deus.
Ora, com os judeus ocorre de outra forma, segundo ela.
Historicamente, a concepção de um deus do mal em oposição ao
Deus uno vem do zoroastrismo persa que influenciou fortemente o
judaísmo ao longo do exílio hebraico na Babilônia. Existem as
forças do bem e aquelas do mal, e nós o sabemos. Elas são
exercidas por espíritos bons ou maus de acordo com o nível
espiritual individual. Deus, a suprema perfeição, não cria espíritos
específicos de modo a atuar em sentidos diametralmente opostos,
os chamados anjos ou demônios.
A crença na existência de seres satânicos reduz-se à simples
metáfora na mente de pessoas esclarecidas. Aquelas que estão na
idade da fantasia, estas ainda acreditam em Papai Noel, Adão e
Eva, Caim e Abel, Sansão e Dalila, segundo versões ao estilo de
Hollywood, e que estamos a sós no único planeta habitado, além de
sermos o ego centro do Universo. Enfim, tudo a que têm direito as
mentes em nível insipiente. Os mitos não são prerrogativas de
nenhuma religião e surgem em todas. A religião sem mitos é a
religião do futuro quando a humanidade ultrapassar a fase espiritual
do abc. A própria ciência moderna cultiva uma disfarçada
religiosidade, gerando também os seus mitos.

36
CAPÍTULO 4

A ERA MESSIÂNICA

Segundo a referida escritora, a crença judaica não é baseada


em milagres e para respaldá-la cita as palavras do sábio
Maimônides: “Não permita fazer parte de suas idéias que o Messias
deva necessariamente realizar sinais e milagres, fazer algo sem
precedentes ou reviver os mortos, ou algo similar...”. O prestigiado
sábio ofereceu aos adeptos do judaísmo uma mítica “Era
Messiânica”, uma nova versão para substituir a improvável vinda
de um Messias que nunca lhes aparece e que os levou ao desânimo
total. Tudo se resume à concepção pueril de um judaísmo
desiludido consigo mesmo após séculos de frustrante espera.

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Assemelha-se à discussão de duas ingênuas crianças. Uma diz que
o Papai Noel vem do Pólo Norte. A outra, indignada, rebate
afirmando que é do Pólo Sul. Se os judeus não reconheceram o
poder divino do Filho de Deus, rejeitarão qualquer “Messias” sem
poder algum.
Pretensos Messias surgiram ao longo dos séculos
protagonizando irônicas comédias que levaram ingênuas platéias
judaicas ao ridículo. Maimônides concluiu que era melhor
abandonar uma esperança vazia e propôs uma concepção
alternativa - a Era Messiânica. Trata-se de um modo elegante de
reconhecer tardiamente que não acreditam mais na vinda do
Messias agora e nem em tempos vindouros. Aliás, uma negação
surpreendente das profecias do Velho Testamento, incluída a de
Moisés, o patriarca maior.
Nosso Maimônides procurou harmonizar a lógica grega com
uma religião tribal que ignorava a coerência. Em suma, tentou dar
alguma base racional às narrativas fantasiosas do judaísmo. Diga-se
de passagem, é uma tarefa louvável, mas sumamente ingrata.
Equivale a remar num oceano revolto de crendices sob uma
tempestade de superstições, ou vice-versa. Dá no mesmo. No
entanto, acabou prisioneiro de uma razão extremada, nem mais
acreditando em milagres, vendo-os com extremo ceticismo, à
semelhança de grande parte dos cientistas modernos.
Normalmente, as religiões ao tratar da realidade espiritual
perdem-se num mundo de lendas e fábulas. Isso explica a
confidência de Einstein, por carta, a um amigo: “A palavra Deus
para mim nada mais é que expressão e produto da fraqueza
humana. A Bíblia é uma coleção de lendas veneráveis, mas
primitivas e infantis”. Não é de se surpreender. O círculo do
judaísmo restrito, escravizado à misantropia e tradições ficcionais,
revelou-se incapaz de conter a grandiosidade luminar do famoso
cientista.
Prosseguindo em sua contundente argumentação, Trude
conclui: “A realização de milagres não é credencial do Messias,
mas sim a realização das promessas proféticas de um mundo
melhor de justiça e retidão”. Analisemos ambas as assertivas. A
segunda resume a missão de Jesus Cristo, isto é, realizar as

38
“promessas proféticas de um mundo melhor de justiça e retidão”,
porém acrescentando um ideal de maior amplidão. Assim,
diríamos: de justiça, retidão e amor. Sem amor, qualquer
manifestação humana perde o seu valor maior, inclusive “justiça e
retidão” tornam-se impossíveis. E na verdade, todos os nossos atos.
Basta lembrar que os mais perversos inquisidores ao longo dos
séculos acreditaram agir eivados de “justiça e retidão”,
particularmente contra os próprios judeus que tanto a alardeiam.
O amor imensurável do Messias converteu o fariseu Saulo de
Tarso em São Paulo, uma mente odienta em outra amorosa num
piscar de olhos. Por isto, o Apóstolo dos gentios externou o dom
supremo mediante sublime inspiração:

“Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos,


Se não tiver amor, serei como o bronze que soa,
Ou como o címbalo que retine.
Ainda que eu tenha o dom de profetizar
E conheça todos os mistérios e toda a ciência,
Ainda que tenha tamanha fé a ponto de deslocar
montanhas,
Se não tiver amor, eu nada serei.
Ainda que eu distribua todos os meus bens aos pobres
e entregue o meu corpo às chamas,
Se não tiver amor, eu nada serei...”

Em suma, o amor é a virtude primordial do ser humano.


A capacidade em transmiti-lo mede nossa espiritualidade
individual. Psiquiatras, psicólogos ou psicoterapeutas alternativos
que se dedicam a curar desvios, problemas e doenças da mente
humana sabem que o amor em qualquer instância da vida é
essencial. A sua carência é causa primordial de comportamentos
agressivos e perversos contra o próximo ou contra si mesmo,
induzindo até ao suicídio. A história da humanidade resume-se à
imemorável luta - amor versus ódio. O primeiro representa o bem e
o segundo, o mal. Em qualquer parte ocorre esse embate
transcendental.
Buda, o venerável Avatar da Compaixão, era um conhecedor

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profundo da alma humana. Ele, sabiamente, disse: “a maior batalha
de um homem é para vencer a si mesmo”. Uma planta não vive sem
água e sem amor o ser humano não vive feliz.
Caim matou Abel ao transgredir o mandamento: “não
matarás”. Ainda que o conhecesse, não seria obediente o suficiente
para cumpri-lo. Na verdade, o irmão homicida odiava
profundamente Abel e deixou-se dominar por um avassalador
sentimento de despeito. Nenhuma regra ética, mesmo vinda dos
céus, não o impediria de matá-lo. Se amasse Abel de coração, como
um bom irmão, jamais cometeria tal ato infame. Mais que
obediência, faltou-lhe o dom supremo para sublimar a inveja que
lhe amargava como fel em sua alma revoltada. O simbolismo desse
episódio alegórico – Caim versus Abel - retrata a intrínseca
problemática humana ainda não resolvida nos dias atuais.
Os mandamentos mosaicos limitam-se à obediência em
função de uma religiosidade dogmática. Eles podem dar margem ao
homem aparentemente “justo e reto”. “Justiça e retidão” sem amor
são incompletas. Em primeira instância constituem louvável vitória
de uma espiritualidade insipiente, mais propensa às regras do que
aos princípios. Assim, ensejam um sentimento de fraternidade
elementar, constituindo-se em bom começo.
É a fase escolar inicial, o bê-á-bá da humanidade. A segunda
fase dispensa mandamentos e regras, não importa quantos forem:
dez, cem, mil ou dez mil. Ela veio para aperfeiçoar a cartilha
mosaica ensinada às rudes tribos hebraicas. A antiga lição vai
tornar-se aos poucos dispensável e será substituída pelo dom
supremo que é o denominador comum do ser humano com o
Espírito Supremo. Quem o possuir vai obedecer naturalmente não
apenas dez, mas um número infinito deles. A luz do sol ao passar
através do cristal divide-se nas sete cores do arco íris. De modo
semelhante, o Amor Divino distribui-se, mas de modo inumerável.
Assim temos a justiça, a retidão, a bondade, a cordialidade, a
fraternidade, a ternura, a delicadeza, a mansidão, a solidariedade, e
vai por aí. Ele constitui a essência da mensagem do Filho de Deus
e, por conseguinte, do próprio Criador.
Ao longo dos séculos as pessoas transgrediram todas as boas
normas das diversas religiões. Matou-se o próximo desde o

40
alvorecer da humanidade e em pleno terceiro milênio, dá-se
segmento a uma sanha homicida que parece inesgotável. O ser
humano continua propenso aos assassinatos. Os judeus liquidam a
tiros, foguetes e bombas os palestinos e vice-versa. Tira-se a vida
impunemente aqui, ali e acolá. Esses contendores afrontam os céus
do modo mais truculento possível. É impossível reter tal
tempestade destruidora com dez peneiras. De forma semelhante,
com os dez mandamentos, válidos tanto para o judaísmo como para
o islamismo, não se consegue reter um ódio irreprimível. Os
sacerdotes, não importando o lado, declaram-se “retos e justos” e
oram ao mesmo Senhor dos Exércitos contra seus irmãos. Na
verdade, a justiça e a retidão permanecem como quimeras
irrealizáveis nos tempos atuais. Sem amor não podem prosperar.
Jesus Cristo deu-nos o exemplo supremo ao ofertar-se em
inexcedível sofrimento em prol da humanidade. Foi uma prova
cabal de amor insuperável. Em retribuição, cabe-nos praticar o bem
e não sermos insensíveis à sua mensagem de fraternidade universal.
O progresso espiritual depende essencialmente do esforço
individual de cada ser humano. A era de paz e amor somente virá
em função de nossos méritos e não graciosamente caída dos céus,
uma dádiva divina no velho estilo mitológico, como imaginam
certos neófitos submersos em vã religiosidade e carentes de
espiritualidade.
A Era Messiânica, embora o judaísmo restrito não o tenha
compreendido, resume-se à Era Cristã em pleno andamento. Cristo
iniciou-a e continua a ser “o caminho, a verdade e a vida”. Chegará
o tempo certo quando o homem, tornando-se sensível ao desejo
divino, construirá um reino terreno semelhante ao reino dos céus.
Este nunca será igualado por ser a perfeição suprema. O primeiro
limita-se a um meio para atingirmos o segundo, todavia cada
geração experimentará maravilhas que foram vedadas às anteriores.
Por exemplo, se um escravo dos primeiros séculos fosse
transportado ao mundo atual, acreditaria estar num paraíso mesmo
que lhe oferecessem um trabalho humilde. Pelo menos desfrutaria
da liberdade e de uma série de benefícios oriundos do progresso
social e tecnológico do mundo contemporâneo.

41
CAPÍTULO 5

OS MILAGRES DO MESSIAS

Vejamos outra assertiva de Trude: “A realização de milagres


não é credencial do Messias”. Segundo ela, eles podem ser usados
para comprovar a verdade de qualquer religião e,
conseqüentemente, não podem ser aceitos como prova conclusiva.

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Aliás, falou e disse bem: “de qualquer religião”. Obviamente, Deus
em todos os momentos de nossa existência, desde a era das
cavernas, permanece atento às necessidades de seus filhos. Ele dá-
nos a vida e não quer que pereçamos. Faz parte de seus planos não
só a sobrevivência, como o progresso incessante da humanidade.
Num mundo sujeito às calamidades infindáveis, a vida prossegue
graças a incontáveis “milagres”. A existência harmoniosa de nosso
planeta no cosmos e o fato de nele habitarmos devem-se à
conjugação de inumeráveis fatores favoráveis. São “milagres” para
nós humanos, mas resumem-se ao exercício normal do poder
divino.
Os “milagres” ocorrem às vezes sem que sequer tenhamos
conhecimento deles. Vejamos os exemplos seguintes:
Durante tremenda tempestade, os tripulantes de um barco
romano temendo um iminente naufrágio imploram ao deus Netuno
por imediato socorro. Logo em seguida vêem-se salvos
“milagrosamente”.
A seca desoladora torra incessante a terra ressequida e a
fome assombra antigos aldeões semitas. Eles sentem que estão em
via de perecer, pois os víveres reduzem-se a um quase nada. Em
desespero, clamam em altas vozes à deusa da natureza Ishtar. A
chuva benfazeja cai repentina trazendo a salvação e o
contentamento geral.
O bebê egípcio acha-se prestes a ser levado pela morte
inexorável e a mãe suplica em lágrimas por sua vida à grande deusa
Isis. De repente, melhora a olhos vistos. Os olhos da mamãe
brilham e o seu radiante sorriso soma-se à alegria do bebê.
Alguns imploraram sua salvação a um suposto deus do mar,
Netuno, outros a Ishtar ou a Isis. Não importa a quem pediram
auxílio. Os clamores dos filhos chegaram aos céus e foram
socorridos igualmente. E mesmo sem suplicar, se não estava
previsto nos planos divinos, ninguém morreria. Deuses criados pela
imaginação são meros símbolos do poder divino. O Criador não vai
disputar por ciúme com algo inexistente ou simbólico, uma
projeção primária de si mesmo, caso contrário não seria Deus. As
benesses divinas distribuem-se independente da raça, religião ou
nacionalidade. Deus não tem nenhuma religião específica,

43
simplesmente ama tudo e todos. Aliás, quem for digno de ser
chamado pai ou mãe age do mesmo modo amando seus filhos
indistintamente.
Existe uma ilustrativa estória na qual um menino estava
prestes a afogar-se num rio. Passou um rabino e ouviu-o gritar:
“Salvem-me por todos os deuses”! O judeu, um crente
rigorosamente ortodoxo, exclamou: “Por deuses pagãos jamais
levantarei o dedo mindinho, quanto mais jogar-me nestas águas
geladas! Jamais trairei Iahveh, o meu Deus Único!” E virando a
cara, seguiu imperturbável o seu caminho.
A criança continuava a lutar desesperadamente por sua
vida. Já que os deuses comuns não providenciavam socorro, apelou
ao deus maior dos romanos: “Salvem-me por Júpiter Invictus!”.
Um sacerdote “cristão” ouviu-o quando caminhava à margem.
Entretanto, ficou irritado: “Se fosse por Cristo, Nossa Senhora ou
mesmo qualquer dos santos eu iria enfrentar a forte correnteza
deste rio perigoso, mas por Júpiter seria heresia.” E apressou os
passos para distanciar-se e não mais ouvir os gritos perturbadores.
Em seguida foi vez de um muçulmano. O pequenino, já sem
fôlego, achava-se na derradeira chance de salvação. “Salvem-me
por Ártemis!”. O fiel maometano, aliás, um exímio nadador, disse
consigo mesmo: “Se ao menos fosse pelas barbas do Profeta eu o
tiraria dos apuros em minutos, mas por uma deusa pagã jamais o
farei. Seria uma blasfêmia contra Alá”. E apressou-se para não
presenciar o triste fim.
De repente, não se sabe de onde surgiu um homem franzino
de aparência humilde que se jogou sem pestanejar nas águas.
Depois de uma brava luta contra a forte correnteza que parecia
levar a melhor, conseguiu chegar exausto à margem, mas a sorrir
aliviado com o petiz são e salvo nos braços. Uma simpática
velhinha que assistiu à cena por acaso ficou assaz intrigada e disse-
lhe: “Nenhum sábio religioso quis arriscar-se apesar dos gritos
aflitos deste pequenino. Parece que o pobrezinho apelava sempre
aos deuses errados. Ora, por que você arriscou sua preciosa vida
para salvá-lo?”
A resposta veio definitiva: “Eu sou o pai dele! Nem reparei
por quem clamava”.

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Moral: Uma fé convencional se não for guiada por genuíno
amor de nada vale. Em contrapartida, o Pai do céu atende-nos
inúmeras vezes sem que o saibamos. Não Lhe importa em nome de
quem pedimos auxílio.
A nossa irmã, ao traduzir uma religiosidade restrita,
prossegue declarando que enquanto o judaísmo “enfatiza a
importância do conhecimento racional, do estabelecimento da
verdade religiosa e recusa-se a conferir ao milagroso qualquer valor
que certifique ou confirme a verdade, o cristianismo postula a
superioridade da crença em milagres”. Em resumo, contrastando
com um alardeado racionalismo judaico, o cristianismo,
especialmente na sua versão católica, tem se tornado virtualmente
escravo dos milagres. Dentro da visão judaica, estes não teriam
qualquer valor e nem seriam sinais suficientes para reconhecer em
Jesus aquele Messias tão aguardado pelo judaísmo.
Na verdade, os sinais milagrosos do Messias foram como
luzes emitidas por uma fonte luminosa de dimensão infinita. Em
resumo, Jesus Cristo estende-se muitíssimo além de feitos
miraculosos por mais extraordinários que tenham sido.
Inicialmente, façamos uma análise sobre o que se costuma chamar
de “milagre”. De maneira geral, algo que foge a qualquer
explicação racional e entra na esfera do “sobrenatural” chamamos
de “milagre”. Ele visa em princípio o beneficio do ser humano.
Assim, todos os sinais feitos pelo Messias destinavam-se a ajudar
alguém e jamais prejudicar. Ele externava amor sublime em forma
tangível. Constituem os milagres por excelência. O Filho de Deus
exercia seus poderes em consonância com o Pai. Era Deus em ação
- o Espírito Santo.
Na realidade, Jesus Cristo não fez e não faz nada que seja
“sobrenatural”. Simplesmente, o chamado “sobrenatural” não
existe. Atos divinos são, por definição, naturais. Deus se confunde
com a própria Natureza que se manifesta na extensão infindável do
Multiverso. Nada há mais natural que o próprio Deus. Aliás, Cristo
continua vivo e atuante. Ele diariamente distribui as suas benesses a
milhões de pessoas que Lhe pedem orientação e ajuda. Tais poderes
são intrínsecos ao Espírito em estado celestial. Não estamos
falando do seu corpo físico que era comum e sem qualquer poder

45
especial, tanto que faleceu na cruz.
Alguns nem acreditam que Jesus andou de fato sobre as
águas agitadas do mar. Talvez tenha sido uma metáfora, julgam na
melhor das hipóteses. Outros ingênuos acreditam que realizou algo
sobrenatural, um milagre. Ora, o mais pesado que o ar não pode
manter-se acima do solo. É uma violação da famosa lei de Newton,
uma lei que vigora em todo universo. Cientistas alienígenas
também a enunciam pelos planetas existentes nos “n” cantos do
cosmos. Diz ela: “A cada ação corresponde uma reação igual e
contrária”. Assim, deveria surgir uma força igual e contrária ao
peso corporal do Nazareno para anular a força gravitacional. Algo
como flutuar no espaço. O Filho de Deus não a transgrediu,
simplesmente exerceu poder espiritual específico (energia pura)
sobre a matéria (energia condensada) para manter seus pés ao nível
da água. Assim, “andou” sobre as águas, deslocando-se de um
ponto a outro.
E igualmente, fez Pedro “caminhar” nas mesmas águas. O
discípulo vendo-se cercado pelo atemorizante mar revolto
apavorou-se e gritou: “Salvai-me, Senhor! Jesus estendeu-lhe a
mão, dizendo: Homem de pequena fé, por que duvidaste”? O
estado emocional do apóstolo atrapalhou a ação de equilíbrio. Os
testemunhos dos discípulos são verossímeis e coerentes com os
poderes divinos do Messias. Aliás, mentes simplórias dificilmente
criariam um episódio de cunho tão incrivelmente inusitado. De
forma semelhante, ocorreram os demais “milagres”.
Existe outra concepção de “milagre” que se resume ao
exercício dos “poderes mágicos” de um Deus criado à imagem do
homem e voltado, como ele próprio, para o bem ou para o mal. Sob
a visão moderna, sensível ao racionalismo científico revela-se
ficcional. As religiões criam e convivem harmoniosamente com
lendas, alegorias, fábulas, metáforas e simbolismos. São fantasias
incontáveis que as embelezam, mas podem distorcer uma
concepção real do mundo se interpretadas literalmente pelos
ingênuos.
O judaísmo restrito enfatiza o descaso pela razão no
cristianismo que estaria sintetizado na famosa frase de Tertuliano:
“Acredito, pois é absurdo”. A mente judaica rejeita tal assertiva ao

46
alegar que o judaísmo baseia-se na razão e não somente na fé.
Rosmarin parece ignorar que o Velho Testamento resume-se em
grande parte a uma extensa coleção de incontáveis lendas, feitos
mágicos ou “milagres” propriamente ditos. Na verdade, o ser
humano busca na religião uma ajuda efetiva para enfrentar as
vicissitudes inerentes à difícil vivência terrena. Os deuses são
símbolos de um “poder sobrenatural” e capaz de realizar magias ou
milagres. Eles seriam capazes de trazer abundantes colheitas, evitar
as sofridas secas, derrotar os inimigos, evitar as doenças, embelezar
a vida amorosa e trazer a prosperidade.
Normalmente escolhia-se um deus com poderes específicos
para determinada finalidade. Entre os romanos, o deus Asclépio
favorecia a saúde. Alguém estava doente, quase à morte, então as
preces eram-lhe dirigidas e alguns se curavam. Como já vimos,
não importa o nome por quem se clama, o Deus verdadeiro está
sempre atento. Se não chegou a hora certa de darmos o último
suspiro, ninguém morre porque os céus comandam a terra. Iahveh,
o Deus único, surgiu como um deus nacional com a única
finalidade de proteger o seu povo eleito contra os demais. Os filhos
de Israel são herdeiros de um legado ético através do seu lendário
líder Moisés.
Nos tempos antigos, os deuses simbolizavam o poder de um
determinado povo. Se este perdia a guerra, sendo submetido ao
tacão do inimigo, adotava-se muitas vezes a religião dos
vencedores, presumindo-se que os seus próprios deuses eram
inferiores por serem incapazes de protegê-los. O Paquistão
islâmico, uma parte original da velha Índia, decorreu da vitória da
dinastia mogol sobre vários reinos indianos. Grande parte da
população local abandonou o hinduísmo em proveito do islamismo.
Os deuses participavam das guerras a favor de seus protegidos na
percepção dos povos antigos. Assim, as dez tribos de Israel
vencidas pelos assírios desapareceram na história e delas nem
sobrou vestígio. Certamente, o prestígio de Iahveh ficou em baixa e
O abandonaram.
Em suma, a religião resume-se ao exercício de devoção com
fervoroso apelo ao “sobrenatural”. É o reconhecimento pelo ser
humano de sua inerente fraqueza e da existência de um poder

47
transcendental. As religiões das massas crescem e prosperam
porque são fontes de sinais milagrosos capazes de satisfazer à
imensa expectativa dos fiéis. Obviamente, para ser beneficiado,
pelo menos se deve acreditar neles.
Aquela religião, totalmente baseada na razão e sem apelo ao
emocional, não existe por definição. A idéia de um judaísmo
racional versus um cristianismo emocional cai no vazio por não
possuir real conteúdo. Mãe e filho preservam um natural e essencial
laço comum, não importando históricas desavenças familiares. As
diferenças entre judaísmo e cristianismo decorrem mais de
posicionamentos individuais, à semelhança da estória dos
cavaleiros medievais ao se depararem com o belo escudo de ouro e
prata.
A face fantasiosa do judaísmo sobrevive nos Evangelhos e
não há motivo para surpreender-se. Inclusive, as igrejas de maneira
geral aceitam e baseiam a sua pregação rotineira tanto no Novo
como no Velho Testamento. Os sacerdotes das diversas correntes
cristãs, particularmente os evangélicos, não se cansam de citar no
púlpito, como se fossem verdades incontestes, os episódios repletos
de feitos mágicos e “milagrosos” do antigo judaísmo. Iahveh é
sempre enaltecido nos mais altos céus não só por suas boas ações,
mas ironicamente pelas más. O Senhor dos Exércitos esteve, está e
sempre estará certo! A fé propicia um jeito surpreendente de
conciliar o inconciliável. Se Moisés matou três mil irmãos de raça
no deserto para agradar a Deus, tudo bem! O Deus tribal gostou
tanto da prova de lealdade de seu fiel escudeiro que, por sua vez,
resolveu liquidar mediante mortífera doença um número bem maior
dos pobres hebreus. Jamais uma veemente obediência a Deus foi
exemplificada de modo tão radical. E que nenhum atrevido pense
em levantar críticas heréticas.
Um famoso psicólogo disse que a mente humana identifica-
se com o Velho Testamento porque se vê nele refletida. Iahveh
pensa e age de um modo facilmente compreendido pelo crente. Em
contraste, o Novo Testamento proclama uma forma ideal de
comportamento que se situa além do alcance espiritual da
humanidade atual: “Ame os seus inimigos”, “Retribua o mal com o
bem”, “Se te baterem numa face ofereça a outra”, “Ao que

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demandar contigo e tirar-te a túnica, dê-lhe também a capa”. O
Filho indica o objetivo do Pai, mas a caminhada para atingi-lo é
árdua e longa. Ainda bem que Deus é magnânimo o suficiente para
evitar até os nossos dias o caos, a autodestruição oriunda do imenso
ódio da raça humana contra si mesma.
A criação do mundo segundo o Gênesis é um exemplo
esclarecedor. A narrativa é de excepcional beleza e tão convincente
que ainda atualmente pessoas conceituadas, em particular
proclamados teólogos ou “teo-ilogos”, falam de Adão e Eva como
se o casal primordial houvesse de fato existido. O Gênesis resume-
se em essência a maravilhosos mitos desenvolvidos por um povo
extraordinário que evidenciou ao longo da história um espírito
criativo singularmente ficcional.
Diversas culturas antigas apresentaram alegorias para
explicar a origem do mundo. Não resta dúvida de que a dos hebreus
é a mais sofisticada e impressionante. Os mitos são versões
fabulosas de uma realidade não compreendida à luz da razão. São
substitutos desta realidade, mas perduram e fazem parte do
patrimônio cultural dos povos. Segundo Carl Jung: “os mitos
seriam gerados pelo inconsciente e são os sonhos de uma cultura”.
Eles são preservados de geração em geração e não há porque se
desfazer deles. O velho Papai Noel sempre existirá, pelo menos na
nossa imaginação.
O homem não tem condição em sua pequenez de “ver” Deus
em verdadeira dimensão. Esta impossibilidade não o impede de
mirar a Sua imagem no espelhinho virtual que cada um carrega
consigo. O tamanho deste é proporcional ao nível espiritual
individual. Como é impossível abarcar a grandeza divina, procura-
se completar a imagem com elementos próprios. Assim, surge das
páginas da Bíblia o poderoso Iahveh, o Senhor dos Exércitos, um
reflexo pueril do Deus real.
Obviamente, possui as virtudes e os defeitos dos indivíduos
de uma cultura tribal patriarcal. Trata-se de um Deus nacional
adotado pelos hebreus para ajudá-los a vencer as provações e
vicissitudes inerentes à condição humana, particularmente para
defender-se ou, melhor ainda, destruir os povos vizinhos, seus
inimigos potenciais. Nada de especial quanto ao objetivo, porque

49
cada povo, cidade ou aldeia tinha os seus deuses particulares. A
única diferença é a mesma entre o singular e o plural: Deus e
deuses.
O grande mérito do Gênesis resume-se em apresentar uma
Inteligência Universal criadora e controladora do Universo. Não
obstante, sugere que existe somente um planeta habitado com uma
estrela - o sol - para iluminá-lo. A lua, as estrelas e demais corpos
celestes limitam-se à mera função decorativa. É a visão primária
que o homem tem de seu Criador.

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CAPÍTULO 6

A IMPERFEIÇÃO HUMANA

A origem da imperfeição humana não decorreu da culpa de


um desobediente casal induzido pela maliciosa Serpente do paraíso.
O mundo animal nada tem a ver com a nossa falibilidade. Na bela
narrativa do Gênesis, os três protagonistas primordiais são punidos
exemplarmente pelo irascível Iahveh. Na verdade, eles foram
escolhidos a dedo para servir de bode expiatório aos humanos.
Estes, perplexos com os seus horríveis defeitos, imaginaram uma
solução engenhosa para satisfazer uma perene curiosidade.
Os homens sempre perceberam uma falsidade feminina
inerente às suas “caras metades”. A responsabilidade da traição
passional era de praxe atribuída somente à mulher. O adultério
feminino era comumente punido com a morte. Em toda parte agiam
assim, não importa qual povo ou cultura. Na velha China a
concubina ou esposa adúltera era enforcada por ordem do marido.
O belo filme chinês, As lanternas vermelhas, descreve com talento
ímpar esse costume antigo. Ao homem cabia o direito de possuir
até mesmo um harém e nada havia de estranho. Virilidade, baseada
em alta dose de testosterona, era motivo de elogios por parte dos
contemporâneos. Os homens colecionavam esposas, concubinas e
amantes. Filhos somavam-se até às centenas.
Acrescente-se que a mulher é mais intuitiva, esperta e cheia
de artimanhas. Ela possui uma beleza estonteante capaz de cegar os
homens e levá-los a pecar. O grande rei Davi mandou matar o
inocente marido da mulher por quem se apaixonara perdidamente.
Não foi o único ao longo da história que cometeu uma tremenda
asneira por causa de um rabo de saia. Sansão perdeu a vida por
causa de uma bela filha dos filisteus, inimigos tradicionais dos
hebreus. Qualquer um sabe disso. Em suma, Eva reunia os
elementos naturais para ser a protagonista feminina da história da
criação.

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A Serpente, como as demais de sua espécie, picava qualquer
um desprevenido e de modo traiçoeiro. Bastava ser pisada por
acaso. Ao contrário dos vingativos humanos, um mero animal
devia mostrar-se tolerante e jamais revidar de modo vilmente fatal.
Por este banal motivo era de longa data temida e símbolo
consagrado da falsidade. Vamos unir os pauzinhos e tudo se aclara.
Ao homem, autor e personagem principal da trama original,
atribuiu-se um crime meramente culposo. Lendo-se nas entrelinhas,
vê-se que Adão não passou de vítima ingênua, um bem
intencionado marido logrado por sua insurgente cara-metade.
A culpa maior ficou com Eva e o satânico ofídio. Ambos
foram acusados de crime doloso em primeiro grau, agravado pela
premeditação de causar o mal, particularmente nossa ancestral
tataravó. A Serpente falante, apesar de incrivelmente esperta e
inteligente, não era gente, um status animal favorável que lhe valeu
significativo atenuante e menor culpabilidade pela posteridade. No
entanto, a primeira mulher desprezou de maneira imperdoável as
louváveis e bem intencionadas recomendações divinas. Ela tornou-
se o pivô do infortúnio humano. E Iahveh, não importa quão
chocante seja seu irascível mau humor, era, é e será eternamente
um Pai justo e bondoso.
Diante dos fascinantes elementos à disposição, só faltava um
genial escritor hebreu, dono de prodigiosa imaginação, para
escrever o roteiro da história primordial da humanidade. Mais tarde
ou mais cedo, acabaria surgindo porque os semitas, tanto judeus ou
árabes, são mestres em mitos, fábulas e lendas. Quem não se
lembra das apaixonantes estórias árabes das Mil e uma noites! A
criação do mundo em seis dias segue a eterna inspiração com
tramas fabulosas destinadas a explicar os mistérios do surgimento e
da razão da vida humana, bem como de toda a criação. É o universo
da ficção, o embrião do cinema estilo Hollywood que até hoje bate
recordes de loteria. Não é por acaso que os grandes sucessos do
cinema americano baseados no Velho Testamento foram
produzidos por judeus talentosos como Cecil B. de Mill. Eles nos
fascinaram com Os Dez Mandamentos e Ben-Hur, entre tantas
maravilhas.
Se Deus é por definição perfeito, alguém deveria levar a

52
culpa da lamentável imperfeição humana. Ora, um fruto
amargamente adocicado, cheio de arestas espinhosas e agravado
com seiva venenosa não nasce de frondosa macieira, parreira ou
pessegueiro. Todo mundo sabe disto. O crucial problema exigia
uma solução à altura mediante uma inspiração oriunda dos céus.
Havia de se achar bodes expiatórios com plena aceitação masculina
para salvar a responsabilidade divina.
Um famosíssimo trio de atores assumiu com entusiasmo os
papéis e atuou com inexcedível talento na peça primordial ao
emprestar-lhe inigualável significado. Foi uma magnífica
performance e completamente fora de série. A versão original
obteve tanto sucesso que ainda por longos anos vai confundir-se
com a realidade na mente de religiosos vacinados contra o vírus da
razão. É aquela teimosa turma do “Papai Noel ainda existe!”, e não
se discute mais. Se bem que alguns já estão passando dos oitenta
anos. É o que se pode chamar de exercício maximo maximorum da
liberdade de pensamento. Tudo bem!
A paciência é a virtude dos sábios e, em contraposição, a
fantasia é a alegria das crianças. São Paulo comenta esse fenômeno
psicológico em sua Epístola aos Hebreus: “assim vos tornastes
como necessitados de leite, e não de alimento sólido. Ora, todo
aquele que se alimenta de leite, é inexperiente nas palavras da
justiça, porque é criança”. Vamos rezar para que esses ingênuos de
mentalidade infantil sejam incluídos entre os “bem aventurados
pobres de espírito” citados por Cristo, pelo menos mais facilmente
chegarão ao reino dos céus.
Nos dias atuais, mercê da sábia revelação de elevados
mestres da espiritualidade, podemos vislumbrar a causa da
imperfeição, isto é, de não nascermos anjos. Se o fossemos,
seríamos cópias em menor dimensão de Deus. Uma espécie de
micro clones divinos que enfadariam o Criador por ver-se
espelhado, embora fielmente, em filhos divinamente perfeitos.
Seria uma repetição contínua e sem sentido. Nunca haveria
discordância ou original criatividade. Seria uma negação da
individualidade e, mesmo que se desse um nome a cada um, não
faria qualquer diferença.
A título de esclarecimento, vamos contar uma reveladora

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lenda antiga:
Um Artista divinamente genial esculpia habitualmente
centenas de cópias de um modelo original por ele mesmo criado.
Elas eram perfeitas ao extremo e os experts do ramo exclamaram
em uníssono: “Ah! Que maravilha! Estes anjos retratam a
inigualável beleza dos céus”. Curiosamente, as obras primas
executadas pelo Mestre apresentavam-se absolutamente iguais.
Chegavam a dispensar assinatura, pois qualquer leigo reconhecia de
imediato a sua autêntica autoria. Entretanto, depois de certo tempo,
cansados da uma repetição infindável, chegaram a uma frustrante
conclusão:
“É lastimável que ao longo de seus bem vividos longos anos,
nosso venerável Ancião e Mestre tenha se dedicado exclusivamente
a criar anjos exatamente idênticos, embora sejam reflexos de sua
divina personalidade. Infelizmente, venhamos e convenhamos, a
arte da escultura nunca passou por fase tão enfadonha! Ora, um
imenso talento devia ser capaz de esculpir uma variedade à altura
das expectativas!”
Em certa ocasião, o clima de insatisfação atingiu seu ponto
máximo, levando os mais conceituados críticos a reunirem-se em
acérrima discussão. Depois de longo e esquentado bate-boca, eles
acreditaram ter achado um denominador comum. Então, dirigiram-
se em ruidosa comitiva para reclamar do prestigiado Ancião se não
seria possível criar anjos diferentes uns dos outros. Havia um
imenso mercado ansioso por inédita criatividade. A repetição
perfeita e contínua havia tornado desinteressante a arte da
escultura. No início, tudo pareceu uma grande novidade, mas
depois se foi caindo no marasmo e gerou-se profunda crise no
mercado de artes. Todos os críticos comungavam da opinião
unânime.
O Mestre recebeu-os bondosamente, pois parecia ler seus
inquietantes pensamentos. Ouviu uma por uma as suas queixas e
lamúrias, aguardando com paciência de Jó a celeuma serenar.
Em seguida, com a sapiência de sempre, disse-lhes:
“Compreendo a grave situação atual. No entanto, vocês
todos sabem que prezo a suprema perfeição no exercício da
sublime arte da escultura. Aliás, aproveitando a ocasião, vou fazer

54
uma importante confissão, já que nada escondo de vocês. Na
verdade, venho tentando há muitíssimo tempo produzir anjos
diferentes, mas existe somente um modo único e ideal de esculpi-
los. Por este motivo, o meu cinzel involuntariamente sempre
produz o anjo mais perfeito possível. Eles acabam ficando todos
exatamente iguais por serem anjos de inexcedível primor”.
Os críticos ficaram perplexos porque nunca haviam pensado
no delicado assunto sob o aquilatado ponto de vista do venerável
Mestre. Ora, agora tudo se aclarava. Os anjos, para serem
absolutamente perfeitos, haviam de ser completamente iguais.
Todos os presentes deram-lhe plena e total razão e ninguém ousou
contrariá-Lo uma vez que Lhe dedicavam inexcedível respeito e
admiração. Entretanto, o problema permanecia insolúvel. De
repente, um dos presentes lançou uma idéia brilhante:
“Mestre, por que não faz apenas o cerne da escultura e deixa
aos seus inúmeros aprendizes a tarefa de finalizá-los? Jamais
contemplaremos anjos tão perfeitos, porém cada um terá uma
individualidade própria. É o que todos aspiram neste momento.
Além da indubitável vantagem, sabemos que os aprendizes adoram
o Mestre e vão esforçar-se ao máximo para apresentar anjos os
mais belos possíveis. É a grande chance de fazer jus ao mérito
individual e comprovarem ter adquirido parte do seu genial talento.
Talvez um dia cheguem perto da suprema beleza, embora saibamos
que jamais poderão Lhe igualar.”
A idéia foi aprovada por unanimidade mediante calorosa
salva de palmas. Inclusive pelo Mestre insuperável que se mostrou
igualmente entusiasmado. Parecia até que a proposta tinha partido
dele mesmo.
Moral da estória: Deus é a perfeição suprema, mas permite a
imperfeição humana em prol da individualidade criativa. Quer que
seus filhos aprimorem-se pelo próprio mérito, não importando qual
o tempo necessário para igualar-se a Ele.
Falemos agora do Deus real, não exatamente daquele Deus
do Gênesis que “formou o homem do pó da terra e lhe soprou nas
narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente”.
Não obstante, nesta belíssima alegoria surgem alguns elementos
reveladores. Observe-se que é dito: “alma vivente” e não “vivente

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com alma”. A alma deu vida ao corpo formado do pó. Ela é
prioritária e essencial. E, se saiu da “boca divina”, presume-se que
é imortal.
Numa concepção atualizada, diríamos que o “espírito, a
centelha divina, passou a habitar o corpo desenvolvido em milhões
de anos de evolução natural”. Em determinada fase, alguns
primatas terrenos, à semelhança do que acontece em qualquer
planeta habitável do cosmos, receberam um espírito evoluído.
Então, aquele que era, exclusivamente, animal irracional passa a ser
homem, em simbiose harmônica – alma e corpo. Aliás, a alma é
simplesmente o espírito quando ligado ao corpo. Pura questão de
semântica.
A partir desse momento primordial vai-se desenvolver uma
cultura primitiva que acabará formando a primeira civilização. O
ser humano se distanciará progressivamente do primata original,
isto é, daqueles que permanecerão macacos. Ele agora possui uma
consciência inteligente que o induzirá às realizações cada vez mais
sofisticadas de caráter infindável. Os primatas não viraram seres
pensantes unicamente porque passaram a comer carne em
abundância e seus cérebros cresceram enormemente. Outras
espécies animais sobreviventes já comiam carne bem antes do
homo sapiens e nenhuma virou gente. É uma ingênua tese
evolucionista sem consistência. A ciência também convive com
suas fantasias de cunho materialista ao reduzir o homem a uma bio
machina. A moeda da vida inteligente no universo material tem
duas faces como todas as moedas. Uma é carnal e a outra -
espiritual.
Voltemos à metáfora do Artista genial. De modo semelhante,
Deus formou a humanidade. O corpo físico é o cerne. O espírito é o
aprendiz inexperiente que ganha uma chance de praticar e
aperfeiçoar-se na esperança de alcançar a perfeição do Mestre.
Esculpir apenas um anjo é insuficiente para atingir tal desiderato.
Faz-se necessário um número interminável deles. Por isso, o
Criador dá-nos incontáveis experiências de vida terrena. A carne é
efêmera, mas o espírito imortal. O Escultor Magistral observa com
paciência divina os seus aprendizes caminharem numa escalada
inexorável e progressiva em Sua direção. Em dia mui longínquo

56
haverão de alcançar a perfeição desejada por seu Divino Mestre.
Lembremo-nos das esclarecedoras palavras de São João: “Vede que
grande amor nos tem concedido o Pai, ao ponto de sermos
chamados filhos de Deus; e de fato o somos”.
O notável sábio judeu, Maimônides, influenciado pela lógica
da filosofia grega, chegou a afirmar que todos os eventos
milagrosos vivenciados pelos profetas bíblicos não ocorreram na
realidade, mas eram metáforas ou “visões proféticas”. Em resumo,
os acontecimentos bíblicos são alegorias, todavia nascidas segundo
uma inspiração divina. É interessante lembrar que o judaísmo
abrange vários segmentos de pensamentos, mais ou menos
ortodoxos. Fazendo-se justiça, nesse aspecto particular mostra-se
flexível e de mente aberta em louvável postura. Em busca de uma
conciliação entre a razão e a fé, perseguimos um objetivo
semelhante, embora adotando um ponto de vista mais
espiritualizado. É a velha estória dos valentes cavaleiros medievais
e do belo escudo.
Não resta qualquer dúvida que o Velho Testamento é
composto de alguns fatos históricos ou reais entremeados de mitos,
lendas e fábulas. Faz-se necessária uma análise crítica em tais tipos
de narrativa porque o “faz de conta” é o seu denominador comum:
A alegoria expõe um pensamento de modo figurado. Ela
apresenta uma idéia simbólica visando o entendimento de algo real.
O mito cria uma tradição considerada verossímil por uma cultura
primária. As lendas baseiam-se em algum fato real, mas que ao
longo dos tempos é enriquecido com fatos ou personagens
fabulosos. É uma estória ficcional e costuma encerrar um
elucidativo valor moral. Seus personagens são normalmente
animais falantes.
O judaísmo apresenta uma proposta ética valiosa em
chocante contraste com exemplos de caráter flagrantemente
duvidoso. Na impossibilidade de visualizar a grandeza infinita de
Deus, o homem satisfaz-se arrogantemente com a sua própria
imagem confundindo-a com a divina. É o seu calcanhar de Aquiles.
O Gênesis inicia-se com o mito da criação, apresentando o
sugestivo mito do primeiro homem surgido do sopro de Iahveh no
barro inerte. Ganha aspecto de fábula ao propor o surgimento da

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espécie humana oriunda de um casal único: Adão e Eva. O terceiro
personagem é um primor de criatividade - uma intrigante Serpente,
mentora ardilosa da pérfida trama contra o casal original que
vivenciava ingênuos amores no feliz usufruto do paraíso. Prossegue
com personagens e narrativas reais ou lendárias, sejam Noé e o
dilúvio, a torre de Babel, Abraão, Ló, Isaque, Jacó e seus
descendentes que vão formar as doze tribos.
Iahveh volta a intervir ao constatar que a maldade do homem
havia se multiplicado na terra. “Então se arrependeu o Senhor de
ter feito o homem na terra, e isto lhe pesou o coração”.(Gênesis
6.6). Noé foi o único homem que achou graça diante do Senhor por
ser reto e justo. Um desiludido Criador resolve dar cabo sem
contemplação da espécie humana fazendo despencar um colossal
dilúvio. Ele escancara de modo imperturbável todas as torneiras
dos céus. A humanidade morre afogada para pagar os seus
incontáveis e imperdoáveis pecados.
Dos animais que pereceram não se pode falar o mesmo, pois
não faz sentido apontá-los como contumazes pecadores, mesmo em
grau de coadjuvantes no maravilhoso espetáculo da vida. Ninguém
se preocupou em dar uma explicação lógica ao calamitoso
genocídio animal. Eles são os primeiros bodes expiatórios do Velho
Testamento, todavia não tinham nada a ver com a transcendental
contenda - Iahveh versus humanos. Se pudessem falar, queixar-se-
iam e com toda razão: “Senhor, o que temos nós a ver com tudo
isso?” Ah! Mil perdões! Certamente alguns fundamentalistas
exclamarão indignados: “Ora, não passavam de seres irracionais!
Quem vai esquentar a cabeça com isso! Você, como sempre, quer
estragar a bela trama da estória com o seu impertinente ceticismo!
Iahveh sabia muito bem o que fazia!”
No fim das contas fizeram jus à salvação apenas os
afortunados Noé e família, incluindo-se um casal de cada espécie.
Foram todos acomodados, embora bem apertadinhos, na famosa
arca de Noé. Presume-se que era um barco de madeira especial, isto
é, extremamente elástica. Sempre cabia mais um, apesar do número
excessivo de casais. Segundo a estupefaciente narrativa, exceto os
peixes por estarem a salvo dentro dágua, os atuais seres vivos
descendem dos felizardos sobreviventes.

58
Embora assaz satisfeito com a draconiana punição, Iahveh
não tardou a sentir que havia se exacerbado em sua divina ira. Não
seria nada mal mostrar um pouquinho de complacência àquelas
alturas, ao menos para variar. A narrativa omite qualquer referência
a respeito, mas, após as águas se dispersarem, milhões de cadáveres
de homens e animais jaziam espalhados aqui, ali e acolá,
emprestando um cenário tétrico, extremamente nauseabundo ao
nosso planeta. Desculpem a inoportuna lembrança, não há qualquer
intenção de ofuscar a beleza da narrativa. De qualquer modo, o fato
para lá de chocante pesou e muito na decisão de Iahveh. Ele ficou
sinceramente penalizado diante da horrível catástrofe ecológica que
causou o quase total genocídio da espécie humana, dos animais e
até dos vegetais imersos por longo tempo.
Há uma versão improvável, decerto herética, na qual, como
sempre divinamente distraído, chegou a exclamar perplexo: “Quem
é o monstro, o paranóico maníaco depressivo que aprontou essa
mortandade caótica?”. Ele, felizmente, logo botou a carapuça.
Então, movido por sua divina compaixão, assegurou meio sem jeito
ao bom servo Noé que jamais lançaria um novo dilúvio sobre a
terra, já que se dava plenamente satisfeito com o drástico expurgo
dos maus da terra. Aliás, se sobrou algum perverso seria da família
do próprio Noé por ter sido beneficiado pelo parentesco.
O famoso patriarca, sabedor da oscilante irascibilidade
divina, talvez tenha feito uma expressão de dúvida, isto é, aquela
carinha de quem comeu e não gostou. Embora mui agradecido,
sentia-se perturbado diante da imprevisibilidade divina. O que esse
Deus de Abraão não vai nos aprontar da próxima vez, desabafou
temerosamente com seus botões. Lendo os seus pensamentos e
visando acalmá-lo, Iahveh fez-lhe uma solene promessa: “Porei nas
nuvens o meu arco; será o sinal da aliança entre mim e a terra.
Sucederá que, quando eu trouxer nuvens sobre a terra e nelas
aparecer o arco, vou me lembrar de minha aliança...”. Ah! Ainda
bem, que alívio para nós todos! A partir daí, também ficamos
sabendo qual a razão de existir o arco-íris. Nem precisava o famoso
Isaac Newton ter perdido o seu precioso tempo tentando
teimosamente provar que o curioso fenômeno deve-se à refração da
luz solar ao passar através de partículas dágua. Às vezes, uma

59
prodigiosa genialidade torna-se sinônimo de vã arrogância.
A Bíblia está repleta de estórias maravilhosas, entre elas, a
de José, filho de Jacó. Este notável patriarca é vendido quando
criança por seus invejosos irmãos sob a acusação de roubar-lhes o
amor paterno. Depois de incríveis peripécias, consegue tornar-se
ministro de extrema confiança do Faraó. É interessante observar
que os episódios ocorridos com José parecem verossímeis. Eles têm
até certo valor histórico. Os hebreus sob sua abençoada proteção
são bem recebidos no Egito. Decorridos alguns anos, os filhos de
Abraão perdem a simpatia dos solidários anfitriões. Aliás, não
constituirá exceção ao longo da história. A infeliz interação com os
goim, os gentios, vai repetir-se devido à arraigada misantropia do
povo eleito. Os hebreus sempre preferiram o isolamento em seu
mundo de macro religiosidade e micro espiritualidade.
Essa histórica insociabilidade vai ganhar continuidade com a
fuga rocambolesca de Moisés do Egito, não sem antes testar a
tolerância do Faraó, dono de uma paciência que faria inveja a Jó. O
governante ouve com inigualável complacência por dez vezes
sucessivas as suas insolentes afrontas. Ele exige do faraó a
concessão do visto de partida dos hebreus alegando estar o seu
povo farto e cheio de tanto fabricar a duras penas tijolos e mais
tijolos, indefinidamente. Ora, que outros o fizessem! Não era mais
problema deles! De tão estressados com a incessante atividade, à
noite só sonhavam com pilhas enormes de tijolos quase chegando
aos céus e perigando despencar em suas pobres cabeças.
Vejam bem! Sob o ponto de vista egípcio, tratava-se não de
um heróico líder, mas de um hebreu ingrato e arrogante, além de
ex-foragido da justiça faraônica. Moisés (Nascido das Águas) havia
sido salvo pela amorosa princesa e tratado na corte com extremado
carinho, literalmente criado a pão de ló. Depois de fartar-se,
comendo nos belos pratos reais por anos e anos a fio, resolveu
cuspir neles. Apesar de flagrante ingratidão, após ter caído em
desgraça ainda receberia perdão pelo homicídio cometido durante
sua rebelde juventude. O crime ocorreu assim: Moisés presenciou
um feitor egípcio bater num operário hebreu por suposta indolência
e indignou-se, tomando-lhe as dores como se fosse a si próprio.
Como não havia ninguém por perto, matou-o e escondeu o corpo na

60
areia. Decerto, pensou estar a salvo da justiça por falta de
testemunha.
No dia seguinte, bancando o abelhudo outra vez, quis intervir
na briga entre dois hebreus, pois um espancava o outro. Entretanto,
os brigões não gostaram nada da “ajuda” e um deles disse-lhe:
“Quem te pôs por príncipe e juiz sobre nós? Pensas matar-me como
mataste o egípcio”? Moisés deduziu de imediato que haviam
descoberto o cadáver e viu-se obrigado a fugir para o deserto,
temendo a justa punição de sua ação inconseqüente e gratuita.
O Velho Testamento, em versão favorável ao futuro
patriarca, declara que depois de alguns anos o crime já havia caído
no esquecimento. Só se foi devido a uma inexplicável amnésia das
autoridades. Lendo-se atentamente nas entrelinhas, chega-se à
conclusão de que Moisés cumpriu a pena em liberdade, embora no
ostracismo, mercê da complacência dos “perversos” egípcios e
ganhou gracioso indulto quando regressou. Certamente, a sua mãe
egípcia, aquela que o criou com tanto carinho e desvelo, continuou
a interceder amorosamente a seu favor para protegê-lo da ira do
Faraó, seu avô adotivo, apesar de sua criminosa estrepolia.

61
CAPÍTULO 7

O DEUS DE MOISÉS

A interação do Deus Único com Moisés deveu-se a um


singular acontecimento no âmbito celestial. Iahveh, em versão
paralela ao Velho Testamento, em dado momento de sua divina
carreira viu-se enjoado, farto e cheio da tarefa de cuidar dos seus
incontáveis universos paralelos. É o incrível Multiverso, já de
conhecimento da ciência de ponta. Além do nosso Universo
material, existem outros, mais ou menos etéreos, sem que o
percebamos através dos cinco sentidos. Entretanto, o pensamento,
nosso poderoso sexto sentido, mostra-se capaz de revelá-los por
meio da ciência e do fidedigno testemunho de médiuns altamente
credenciados.
Surpreendendo os anjos, confessou-lhes querer algo mais
ameno e tranqüilo. Ora, até o Criador tem o direito de almejar uma
aposentadoria depois de trabalhar eternamente. Cientes do divino
problema, os compreensivos ministros celestiais sugeriram que se
limitasse a tutelar uma civilização superavançada, centenas de
milênios à nossa frente, um planeta lar de irmãos (extraterrestres)

62
de altíssimo nível espiritual e ciência ultra-avançada. Em suma,
gente sábia, amorosa, amante da paz, cordial e de trato
agradabilíssimo. Uma moleza, portanto! Iahveh, entretanto, num
assomo de excentricidade, afirmou-lhes de supetão: “Quero
dedicar-me aos meus filhos hebreus do povo de Abraão, lá no
planeta Terra”!
Os membros do conselho celestial, formado por arcanjos do
mais alto nível, entreolharam-se em extrema perplexidade. Afinal,
de que o velho Pai Iahveh estava falando? Parecia ter chegado ao
máximo da bizarrice, embora divina. Não fosse Ele o próprio Deus,
pensariam que havia sido tomado por estranha senilidade. Em
suma, estaria caduco? Nenhum anjo, querubim ou arcanjo sabia ao
certo quem era tal povo e nem onde habitava, ou melhor, se
ocultavam. Somente ao custo de longa e exaustiva pesquisa nos
arquivos celestiais, descobriram por fim que tais tribos escondiam-
se num pequenino planeta perdido na via Láctea e em fase
primitiva de evolução espiritual. Uma escola de expiação apinhada
de bárbaros mal saídos da Idade da Pedra Lascada.
A notícia espalhou-se pelos sete céus com a velocidade da
luz deixando escandalizados os seres celestiais. Na verdade,
ficaram completamente traumatizados e muitos em estado de
choque. Houve protestos gerais, mas o Senhor do Multiverso não
estava nem aí para a acirrada oposição. Descartou-a com divino
descaso. Que cuidassem dos infinitos Universos eles próprios! Já
estava cansado e enojado da mesmice de seu divino ofício. De
forma definitiva repeliu todas as ponderações, não Lhe importando
quão sensatas fossem. De um grandioso Deus Genérico
Multiversal, queria restringir-se a ser um mini Deus Especializado
em incógnitas tribos da raça semita.
Tão obcecado ficou com a estranhíssima idéia que
abandonou apressadamente tudo e todos. Um hiato apenas bastou
para passar a seguir as famosas doze tribos de Israel como se fosse
um hobby divino. De fato, elas só ganhariam fama posteriormente
por causa de Iahveh. O Criador virou uma espécie de Ama Seca
Divina. Inicialmente, ainda que depois se arrependesse, cheio de
entusiasmo acabou por tornar-se um Deus tribal. Exigiu a
circuncisão de seus pupilos machos para diferenciá-los do resto da

63
humanidade e servir de prova cabal de lealdade. Havia notado em
sua divina curiosidade que os humanos marcavam a ferro em brasa
o gado para fazer valer o direito individual de propriedade. Quem
diria que o Senhor dos Universos acabaria se preocupando com a
pele do pênis de alguns primatas do planeta Terra, aquele invisível
pontinho extraviado na imensidão sideral. Iahveh, literalmente,
jogou o macro cosmos ao ar para dedicar-se ao micro cosmos. Em
resumo, abandonou o deslumbrante infinito pelo acanhado
infinitésimo.
O amor extremado levou-o ao cúmulo de adotar o
antropomorfismo. Queria ser aceito facilmente pelo povo eleito,
mesmo sabendo-o em estado deplorável e desanimador de
evolução. Nessa fase, o espírito não tem vez e sim, o corpo físico.
Os humanos querem ver a figura de um primata de qualquer jeito
para poder identificar-se com ele. Um instinto animalesco. Caso
contrário, não há margem para um producente dialogo. Iahveh
sabiamente assumiu a lendária forma de um ancião respeitável com
faces enrugadas, espessas pestanas grisalhas e olhar mui penetrante
a faiscar de tanta severidade. Sua cabeça era adornada por vasta e
longa cabeleira branca que esvoaçava lindamente ao vento. Deste
modo, tornou-se uma figura assaz impressionante a despertar
imediato respeito e enorme temor. Criou instantaneamente um belo
cajado para usá-lo à semelhança de qualquer patriarca que se preze.
Andava apoiando-se nele para fingir estar vergado ao peso da
enorme responsabilidade divina.
Entretanto, em que pese seu divino esforço, foi uma escolha
que se mostraria precipitada. Mais adiante, meio arrependido e a
contragosto, daria razão ao seu fiel escudeiro Moisés. Os ditos
hebreus eram de “dura cerviz”. Isto, em linguagem coloquial,
significa “carne de pescoço”, aquele bocadinho duro de comer e,
pior ainda, de digerir. Eram doze minúsculas tribos bárbaras que
povoavam um dos infinitos planetas perdido entre galáxias
infindas. Mesmo ao Senhor dos Universos constituiu um desafio
supremo descobri-las. Equivalia à dificuldade de um homem achar
uma agulhazinha perdida em gigantesco palheiro. Todavia, para
Deus nada é impossível!
Inicialmente, Iahveh escolheu a dedo um homem chamado

64
Moisés, carismático personagem nascido no Egito, para ser seu
interlocutor entre os humanos. Apercebeu-Se que ele, embora
tímido e meio gago, era muito ambicioso e almejava a posição de
líder de seu povo. Então, resolveu dar-lhe o ar de sua divina graça
ao aparecer no episódio da “sarça ardente”. Era uma estranha
labareda que ardia no meio de uma sarça, mas não a consumia.
Moisés ficou abismado diante do fenômeno inexplicável, mas logo
o mistério se esclareceria. Deus chama-o pelo nome: “Moisés!
Moisés”! Ele prontamente atende com o entusiasmo de um
disciplinado recruta: “Eis me aqui, Senhor!” É o prelúdio de um
admirável relacionamento que iria longe e traria mil e uma
conseqüências.
Iahveh quando chegou ao ignorado planeta constatou de
imediato que povos diversos adoravam milhares de deuses e ídolos
falsos e ignoravam-No com desdém. Ora, só devia haver um Deus -
Ele próprio. Daí sentiu-se terrivelmente enciumado, para não dizer
marginalizado. Então, já entrado em aguda depressão, imaginou
uma estratégia divina. Iria tutelar os hebreus de modo que
espalhassem aos quatro ventos quem era o verdadeiro Deus. Os
deuses reinantes deviam ser abandonados sem dó nem piedade.
Pouco Lhe importava a longa folha de bons ou maus serviços por
eles prestados até aquela data. E aí de quem não obedecesse! A
partir daí, no pequeno planeta Terra só se ouviria falar de Iahveh.
Não contava com a misantropia congênita do povo eleito que se
revelaria contra qualquer proselitismo. E, invertendo os papéis,
acabariam pensando que eram eles os donos de Iahveh, e não seus
simples servos. Eles chegaram a dedicar-Lhe um Livro Sagrado,
mas com petulante arrogância diriam depois de algum tempo: “Até
Iahveh tem que obedecer ao nosso Livro - a Torá”.
Por isso, vemos nas páginas sagradas o Deus Único, junto
com os hebreus, com Moisés à testa combatendo os gentios
adoradores de falsos ídolos, isto é, todos os demais povos. E, para
variar, Iahveh quando estava de mau humor despejava sua divina
ira contra os seus eleitos. A interação de Moisés ocorreu com um
Iahveh Todo Poderoso, entretanto sujeito a crises de
arrependimentos inexplicáveis diante de sua onisciência divina.
Ora, se Ele já sabia antes que algo ia dar errado, por que insistir

65
tanto? Além de ser divinamente teimoso, mostrava-se ciumento e
cruelmente vingativo a ponto de quebrar sem hesitação o seu
mandamento fundamental, o primordial – “Não matarás”. Ele
acostumou-se a atuar em espantosa contradição consigo mesmo,
atenuada às vezes com imprevisíveis atos de bondade.
Em resumo, era um Deus temperamental por excelência,
tanto para o bem como para o mal. Mostra-se severíssimo com os
seus eleitos, sem deixar de punir com particular perversidade os
demais povos quando se tornam estorvos ou inimigos dos pupilos
hebraicos. Pode-se perguntar, dentro de uma coerência mínima, se
não seriam os gentios igualmente seus filhos? No entanto, um
Iahveh discriminador trata alguns como filhos e os demais como
enteados. É um Pai extremado e um Padrasto insensível. Muitos
concluiriam que aos hebreus estariam reservadas belas vitórias
terrenas diante da irrestrita tutela divina. Não é bem assim, pois por
inúmeras vezes o Pai Padrasto vai alinhar-se com os enteados para
dar uma amarga lição aos filhos prediletos.
Isso originou um profundo mistério que vem abalando os
próprios judeus ao longo dos séculos. Afinal, por que nos abandona
quando mais precisamos d’Ele? Esse enigma constituirá a eterna
queixa do povo eleito. Apesar dos pesares, imperturbáveis rabinos
apresentam sempre uma resposta na ponta da língua: “Vocês
pecaram gravemente e tiveram o merecido castigo divino”.
Entretanto, ninguém diz exatamente quais as faltas cometidas, uma
vez que pecados e pecadilhos não são da exclusividade de nenhum
povo.
O Deus Único deu às tribos hebraicas inúmeras vitórias
iniciais, mercê da dizimação impiedosa dos povos da Terra
Prometida, até formarem o pequeno Estado de Israel onde reinaram
com grande pompa Davi e Salomão. Iahveh, acometido por divina
amnésia, havia esquecido estranhamente que a tal Terra Prometida
já estava ocupada in totum pelos seus filhos gentios. Algo
semelhante aconteceu no século passado. Os nossos queridos
ingleses, querendo imitá-Lo, deram de novo a Terra Prometida aos
judeus, esquecendo-se que a terra já pertencia aos árabes - o motivo
da guerra árabe-israelense.
O reino de Israel, até então uno, sofre a seguir uma brusca

66
cisão após a morte de Salomão que, contrariamente ao que se
pensa, de justo só legou a fama. Tomado por tremendo
egocentrismo, revelou-se um esbanjador do erário real e vivia
ociosamente entretido com seu harém de mil mulheres. Ele mesmo
foi o fruto do pecaminoso adultério de sua infiel mãe com o rei
Davi, e motivo de vil homicídio do próprio marido, um leal capitão
do exército real.
E como se fosse pouco, antes de morrer Salomão plantou o
germe da discórdia entre as tribos de Israel e de Judá. A sua
histórica inabilidade política daria margem a dois ramos
irreconciliáveis, os reinos rivais de Judá e Israel. A união faz a
força e a desunião traz a fraqueza. Eram dois estados vassalos,
espremidos entre suseranos poderosos, e que viviam brigando entre
si por motivos fúteis e mesquinhos. Por isto, não conseguiriam
preservar a independência por muito tempo. Estavam fadados a
desaparecer pela falta de visão do “sábio” rei Salomão.
Depois de suportarem alguns reis medíocres e arrogantes,
Israel e Judá são destruídos pelos assírios e babilônios,
sucessivamente. As dez tribos de Israel desaparecem entre os
gentios dominadores. Vão restar somente as de Judá e Levi, cujos
sobreviventes da destruição romana formarão dois milênios depois
o atual Estado de Israel. Na verdade, o legado realmente importante
da história mosaica resume-se aos Dez Mandamentos. Trata-se de
sábias leis divinas para serem obedecidas sine dia, uma vez que
ninguém se preocupou desde o início em obedecê-las, inclusive o
próprio Autor ou seu fiel escudeiro.
Ao louvável zelo pelos amados (às vezes, também, odiados)
pupilos, Iahveh opunha incontrolável ciúme. Ele não queria nem
ouvir falar de outros deuses ou imagens rivais, seus inimigos
mortais por definição. Ficava irritado, enervado e até enjoado do
estômago (se o tivesse). Dentro deste clima passional, tomava-se de
ira por um quase nada. Um irascível desejo de vingança despontou
claramente por ocasião da adoração do Bezerro de Ouro por
imperdoáveis idólatras. Trata-se do episódio descrito no Êxodo em
que os hebreus fugidos do Egito perambulavam a esmo pelo
deserto sob a liderança do incansável Moisés. Aborrecido com
tanta andança sem rumo, um insurgente grupo de oposição resolve

67
fazer pirraça adorando o Bezerro de Ouro. Por causa da desfeita é
acusado de heresia e aniquilado por Moisés.
Iahveh, ainda insatisfeito com os três mil homens mortos a
golpes de espada a mando de seu fiel escudeiro, ainda ameaça
furibundo: “no dia de minha visitação vingarei nele o seu pecado.
Feriu, pois o Senhor ao povo porque fizeram o Bezerro que Arão
fabricara”. Aliás, Arão, apesar de ter chefiado a “abominável”
adoração pagã, saiu ileso mercê de inexplicável complacência
divina. Argumentou espertamente em sua defesa que em vez de
liderar acabou liderado pelos demoníacos insurgentes.
Nos cultos atuais, particularmente de protestantes ou
evangélicos, o episódio acima é citado e recitado para melhor
exemplificar a admirável intolerância divina com relação à
desobediência, o imperdoável pecado capital. Na verdade, nesta
visão estarrecedora o único pecadilho cometido resumiu-se em
“desobedecer” às ordens divinas. Certamente, se equivocaram ao
pensar que tinham pleno direito ao livre arbítrio. O justiceiro
Moisés matou três mil irmãos de raça? Não importa a gravidade
dos homicídios, desde que tenham sido do agrado de Iahveh! Tudo
bem, meus parabéns! O exemplo deu margem a outros cruéis
episódios. Assim, durante séculos os judeus, “cristãos” e
muçulmanos derramam sangue até os dias presentes. Os islâmicos
nacionalizaram o judaísmo e para iniciar mudaram o nome de
Iahveh para Alá. Em sua homenagem jogam bombas nos
pressupostos inimigos judeus no atual Israel. E esses retaliam de
modo igual, senão pior. Uns matam por Iahveh e outro por Alá.
Ainda não se deram conta de que se trata do mesmo Deus de uma
teologia comum a ambos. Na verdade, uma “teo-ilogia”.
Vejamos uma cena bem comum nos cultos evangélicos. O
pastor de pé no púlpito discorre com ardor e olhar fulgurante sobre
o duplo morticínio patrocinado pelo Deus Único hebraico,
exaltando-O com surpreendente entusiasmo, talvez por saberem os
fiéis, de modo implícito, que se trata de mera metáfora. E, finda a
gratificante narração, os presentes aplaudem com visível júbilo a
bela “justiça divina”. Alguns estão até com os olhos marejados pela
intensa emoção. Certamente pensam, “com este impiedoso e
poderoso Deus a nosso favor, mais seu fiel escudeiro Moisés, quem

68
vai se atrever a ser contra nós?”.
Ironicamente, nos dias atuais se um líder autoritário mandar
executar três mil cidadãos por suposto crime de opção religiosa terá
contra si uma majoritária opinião pública mundial. Suponhamos
que um pequeno grupo de alguma seita singular se reúna no Israel
moderno para cultuar um ídolo de sua preferência. Digamos; uma
pombinha de ouro. Aliás, a pomba é um símbolo da paz. Esta
“imperdoável blasfêmia” justificará o morticínio dos “idólatras”
pelos pupilos modernos de Iahveh? Felizmente, os tempos
mudaram para melhor, pois o mundo progride e não regride. Quem
o cometer será considerado autor de um crime imperdoável e
sujeito à sanção de um tribunal de justiça nacional ou mesmo
internacional. Poucas vozes se levantarão a favor dos assassinos.
Somente fanáticos se regozijam com o extermínio gratuito de seres
humanos, seus próprios irmãos.
Infelizmente, pessoas exaltadas sempre existirão e um ataque
violento de extremistas insanos não fica fora de cogitação. É bem
provável. Note-se que o insaciável Iahveh sacrificou outras vítimas
“por seu pecado”. E ninguém sabe qual foi o número total de
infelizes. Se cinco mil ou cinqüenta mil? Desculpem a insistência.
É um mero detalhe que não preocupa aos religiosos literalmente
fieis, salvo algum escritor intrometido.
Daí se conclui que se Iahveh e Moises nos legaram os dez
mandamentos, decerto uma herança ética inestimável, por outro
lado foram os primeiros a violá-los acintosamente mediante
chocantes maus exemplos. Não esqueçamos de que o seu fiel
escudeiro desde a mocidade revelou um gosto alarmante por uma
“solução final”. Ele começou sua brilhante carreira de líder do povo
hebraico cometendo um homicídio gratuito. Num ato de radical
solidariedade liquidou sem titubear um egípcio sob o pretexto de
proteger um servo hebreu. Parece até que o infeliz não tinha mãe,
esposa e filhos para chorar por ele. Ora, era apenas um egípcio! A
vida dos egípcios era irrelevante pela tradição judaica ou vice-
versa. Aliás, a defesa criminosa e inconsequente foi vista com
desdém pelos irmãos de raça. Alguns o criticaram já no dia
seguinte. Moisés temeu que a lei do Faraó viesse em seu encalço e
preferiu refugiar-se no deserto inóspito. A violenta ação conjunta

69
do Deus Único e de seu fiel escudeiro faz lembrar o velho lema:
“Faça o que eu mando e não o que eu faço”.
E tanto sangue derramado por causa de um inocente
bezerrinho de ouro. Na Índia idolatram-se imagens e animais e nem
por isto o comportamento ético dos indianos é inferior aos dos
povos do Livro. Aliás, observa-se o contrário. Os indianos
desconheciam, pelo menos dentro do hinduísmo, os terríveis
morticínios, inclusive genocídios, cometidos ao longo dos séculos
por judeus, “cristãos” e muçulmanos, sempre movidos por uma
insaciável “ira divina”. Não é de se espantar que a figura de maior
envergadura espiritual do século XX haja sido um indiano - o
Mahatma Ghandi. No mundo moderno, ninguém seguiu tão
exemplarmente as lições de Cristo como o líder da não violência.
Ninguém foi mais cristão do que o Iluminado.
É interessante ressalvar que o hinduísmo aceita a existência
de um Deus Todo Poderoso e Criador - Brahma. Os demais deuses
de sua religião são considerados apenas manifestações simbólicas
do Deus universal, conforme esclarecimento de sacerdotes
hinduístas. Os ocidentais, presumindo-se superiores, julgam
depreciativamente aquilo que desconhecem. Se ignorarmos as
aparências, descobriremos que, em essência, as “diferenças” não se
apresentam tão grandes. O importante é saber distinguir o mal do
bem, sem prender-se demasiado a aspectos culturais irrelevantes.
Do exposto, vemos que o judaísmo legou ao cristianismo um
coquetel de fantasia mesclado com a realidade. A própria saga de
Moisés foi escrita cerca de seis séculos depois de ocorrida. Mesmo
considerando-se o líder mor do povo hebreu um personagem
histórico, ao longo do tempo tornou-se lendário. O relacionamento
de Iahveh com Moisés possui aspectos mitológicos. Um exemplo é
a vara do patriarca. Quando lançada na terra virava cobra. Quando
se lhe estendia a mão, tornava-se de novo uma vara. Por um lapso
de imaginação, esqueceu-se de dar-lhe fala de modo a ressuscitar a
famosa Serpente do Paraíso. Esta nova perspectiva forneceria um
criativo traço de união entre as duas fascinantes narrativas –
Gênesis e Êxodo.
Talvez o Faraó se deixasse convencer mais facilmente pela
astuta Serpente falante. Ela foi capaz de iludir Adão e Eva. O ofídio

70
primordial já ostentava extensa folha corrida de maus serviços
prestados ao Paraíso. Seria a oportunidade única de redimir-se do
erro original. Ora, o governante máximo egípcio viu Moisés exibir
cheio de si a famosa vara-serpente, mas nem se abalou. Manteve-se
imperturbável em sua pose faraônica, limitando-se a ordenar aos
sábios do reino que fizessem magia igual, senão melhor.
No entanto, caso a Serpente do Éden perdido fosse bem
sucedida, Moisés estaria dispensado de rogar as dez terríveis pragas
contra o faraó e seu povo. Os primogênitos, vítimas da décima
praga, tanto os humanos como animais, não precisariam servir
como bodes expiatórios a pagar com a própria vida. Aliás, o
episódio lembra-nos do dilúvio de Noé. Os inocentes animais
tornam-se, volta e meia, vítimas compulsórias dos pecados
humanos. Na narrativa mosaica, entre outras maravilhas, o crente
deleita-se imaginando uma vara virar serpente e o antigo Egito
tornar-se Terra da Fantasia.
De modo surpreendente, nossa querida Trude baseia-se em
“fatos reais” como os descritos acima para enaltecer os “milagres
mosaicos”. Estranhamente desmerece aqueles descritos nos
Evangelhos, simplesmente porque partiram de um Messias não
reconhecido pelo judaísmo ortodoxo. Mais adiante, sente-se
incomodada por ter o catolicismo sete sacramentos e o
protestantismo dois. Ora, o judaísmo não tem nenhum, um sinal de
flagrante superioridade, segundo alega. Não satisfeita, acrescenta
uma crítica ao batismo. Os cristãos acreditam que o batismo faça
uma “limpeza” do recém-nascido.
Ora, se o cristianismo tem alguns sacramentos, o judaísmo
perde-se em centenas de leis e 632 regras do Talmude que nem
cabe aqui mencionar por falta de espaço e tempo. Além disto, foge
ao escopo deste livro tratar de irrelevâncias. Inclusive, o judaísmo
limita-se a priori àqueles da etnia hebraica, uma condição
proibitiva que caracteriza uma religiosidade exclusivista voltada
para si mesmo. O batismo cristão equivale à circuncisão judaica,
ambos constituindo atos iniciais que introduzem o iniciado na
religião. Ora, qualquer seita exige um ritual próprio para aceitar o
neófito. Já vimos em capítulos anteriores que cada religião age
dentro de um círculo de raio restrito às suas crenças e crendices. O

71
judaísmo, não resta dúvidas, é a religião de menor raio possível. Só
cabe em seu círculo o povo judeu e possui a mais extensa restrição
“regulamentar”. Não se pode nem comer um sanduíche de frango
acompanhado de um copo de leite. O porquê ninguém explica!
Muito menos um belo prato de camarões. Ah! Que delícia! Não
sabem o que estão perdendo! E ninguém sabe a origem desta crença
cega.
Na verdade, um simples batismo não determina quem será
um cristão sincero. Adolf Hitler era católico, foi batizado e chegou
a devotado coroinha. Caifás sofreu a circuncisão de praxe. No
entanto, ambos rivalizaram em perversidade. Hitler lançou o
mundo numa tremenda guerra e tornou realidade a insânia do
Holocausto. O sumo sacerdote tramou e plantou as sementes do
ódio maligno para que dois milênios à frente o futuro líder nazista,
encontrando terreno sumamente propício, pudesse colher os seus
frutos diabólicos. A maldade não é privativa de nenhuma religião.
Assim como o câncer, pode contaminar qualquer organismo.
De qualquer modo, um pouco de água substitui a circuncisão
do recém-nascido no oitavo dia com nítida vantagem. Já ocorreram
insucessos em operações mutiladoras com consequências graves,
embora se guarde sigilo para perpetuação do tabu. É bom lembrar
que durante séculos foram feitas por pessoas habilidosas, mas sem
conhecimento e amparo da medicina moderna dotada de poderoso
arsenal de antibióticos. Aqui entre nós, não foram raras as vítimas
de circuncisões mal sucedidas, mas atribuíram os casos infelizes à
punição divina. E aqueles que ficaram sem o devido apêndice que
se conformassem. Entretanto, não se deve confundir a radical
circuncisão com simples operação de fimose. Esta é parcial,
judiciosa e de fato aconselhável.
Lembremos mais uma vez da opinião do sábio Einstein: “A
palavra Deus para mim nada mais é que a expressão e produto da
fraqueza humana. A Bíblia é uma coleção de lendas veneráveis,
mas primitivas e infantis”. Cremos que o autor da teoria da
relatividade estava parcialmente certo. Ele referia-se a um duvidoso
Iahveh cuja existência foi-lhe impingida desde a infância. Ora, o
Deus mosaico em vários episódios bíblicos reduz-se à imagem
caricata do verdadeiro. De fato, o ser humano em sua fraqueza vê-

72
se compelido a procurar refúgio na divindade, mas tal atitude não
elimina a existência real do Criador. É normal que os filhos
procurem segurança e proteção junto aos pais.
Maimônides, o prestigiado filósofo judeu, influenciado pela
lógica grega, chegou a afirmar que os eventos milagrosos do Velho
Testamento significavam apenas “visões proféticas”, um
eufemismo para alegorias, visões simbólicas da realidade. Assim
interpretou os encontros de Iahveh com Moises, Abraão e Jacó, a
visão de Josué de um anjo e narrativas similares.
Voltando à circuncisão, não há dúvidas de que a retirada do
prepúcio atenta contra a Mãe Natureza e enquadra-se sem dúvidas
na “coleção de lendas veneráveis” ou “visões proféticas”. O Senhor
dos Universos não entra em contato direto com humanos para
entabular bate papos fabulosos e, muito menos, prestar-se a
ridículos pactos tribais de natureza “primitiva e infantil”. Sem
dúvidas, a perfeição do Criador dispensa qualquer pretensiosa
correção a posteriori das suas divinas obras primas. Ele molda cada
ser com os atributos ideais à própria sobrevivência por meio da
evolução das espécies. Cada mínimo ou imperceptível detalhe
corporal é aperfeiçoado ao longo de milhares, senão milhões de
anos. Ninguém evolui espiritualmente mediante a retirada de parte
do seu corpo.
Segundo uma perspectiva atualizada, a mutilação do corpo
humano, particularmente de indefesos bebês, apresenta-se na
modernidade como prática abusiva por parte dos genitores. Esta
tradição bizarra chega a violar flagrantemente os direitos humanos.
Existe algo similar no islamismo e ocorre também em algumas
culturas primárias ao arrepio da razão, inclusive deformando partes
íntimas femininas. Trata-se de um primitivismo estarrecedor que
choca as pessoas de bom senso.
A circuncisão é fruto descartável de uma religiosidade
imatura baseada em mitos. Quem quiser que o faça
voluntariamente, mas pelo menos em plena maioridade. Praticada
em crianças caracteriza uma insipiente espiritualidade escravizada a
superado tabu. Talvez por isso não consigam seus praticantes
evoluir a contento, integrando-se em desejável fraternidade ao
restante da humanidade. Por outro lado, acreditamos que a

73
circuncisão praticada por pessoas de boa vontade constitua um ato
pueril de amor e obediência ao velho Iahveh das sagas hebraicas.
Neste caso, merece um atenuante sob o benevolente julgamento do
Criador.
Aqueles, sempre pertinazes na busca por diferenças, lançam
outro “preciosismo”: “A ética judaica está baseada na crença da
liberdade ética do homem, na possibilidade de escolher entre o bem
e o mal”. Ora, a assertiva pode ser assinada por qualquer cristão,
muçulmano, budista, hinduísta, taoista ou pessoa de bom senso de
qualquer religião. O homem possui livre arbítrio e até um ateu
percebe isso. Alega-se igualmente que a teologia do pecado
original pregada por São Paulo estaria isentando do pecado o
cristão através do batismo.
De fato, fundamentalistas religiosos, sejam judeus,
muçulmanos ou “cristãos” levam tudo ao pé da letra. Eles ainda
interpretam literalmente a versão Adão e Eva versus Serpente
falante. Fazem parte daquele time que jamais irá abandonar a
estorinha do Papai Noel na sua perspectiva infantil. O Gênesis
resume-se a uma bela metáfora. Nunca houve pecado original no
sentido literal da palavra. O ser humano é a simbiose de um espírito
e de um corpo físico. O espírito vem de Deus. O corpo físico idem,
mas não de um sopro divino no barro, mas sim através da evolução
das espécies. O espírito é imortal e o corpo efêmero. Um é o fim e
outro, o meio. É o processo divino válido para todo o Universo
material. Essas querelas religiosas de espíritos insipientes
assemelham-se àquelas discussões de menininhos tentando
adivinhar quantas renas há no trenó de Papai Noel ou se o bom
velhinho vem do Polo Norte ou do Polo Sul.
O Deus Multiversal não é um complicador que se agarra a
múltiplas particularidades culturais dos infinitos mundos habitados.
Ele é exatamente o oposto, um sintetizador por excelência que
prefere a solução genérica válida em todas as situações. Os seres
extraterrestres inteligentes possuem um espírito exatamente igual
ao nosso. Varia apenas o invólucro físico, descartável após uso
temporário. Partindo do princípio de que a alma é imortal, existem
espíritos com ou sem invólucro físico, dependendo se estão ou não
vivenciando na dimensão da matéria. Não dizemos invólucro

74
“carnal” porque este nome refere-se particularmente aos humanos.
Obviamente, existem espíritos em fase de maior ou menor
adiantamento espiritual. Diabos, demônios, satanás, anjos, arcanjos,
querubins, deuses, ninfas, fadas e similares são nomes simbólicos
criados pelo homem.
São Paulo foi um homem do seu tempo. Um fariseu que
interpretava o mundo sob a lente farisaica. Nada surpreendente,
pois soaria estranho se assim não o fosse. Os mitos das épocas
antigas eram vistos como a fiel expressão da realidade pelos povos
de maneira geral. Há poucos séculos, a Igreja católica queimava
vivos nas fogueiras da Inquisição aqueles que opusessem uma
esclarecedora razão às fabulosas crenças bíblicas. As alegorias do
Velho Testamento ofereciam valores idênticos ao de uma lei penal
draconiana. Martinho Lutero, embora inimigo número um da Igreja
papal, com ironia ridicularizou Copérnico e Kepler. Neste aspecto,
era um homem de seu tempo e católico até a medula. Mesmo
atualmente, não são poucos os sacerdotes das três religiões do
Livro que interpretam o Gênesis ao pé da letra. A evolução das
espécies é um fantasma herético que eles acreditam assombrar as
suas mentes estratificadas.
O pecado original não foi inventado por São Paulo. Ele
consta do Gênesis e basta lê-lo para confirmar. A inovação criada
pelo apóstolo dos gentios foi correlacioná-lo com a crucificação de
Cristo. Se a humanidade caiu em pecado por causa de Adão,
argumenta com certa lógica, o Messias a redimiu ao oferecer-se em
holocausto supremo. É uma bela comparação metafórica e deve-se
apreciá-la desta maneira. Ela não elimina o livre arbítrio e nem a
responsabilidade por nossos atos, pois os mínimos erros e acertos
vão pesar no julgamento divino. Na verdade, o Messias ensinou e
apontou o Caminho. Cabe a nós trilhá-lo para ganharmos mérito. É
válido para todos, religiosos ou não.

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CAPÍTULO 8

A RESSURREIÇÃO DE CRISTO

Trude diz que a crença na ascensão de Elias aos céus é pouco


importante do ponto de vista judaico e pode ser explicada
alegoricamente. É a percepção judaica sob a ótica de Maimônides,
reduzindo a simbolismo tudo aquilo que atenta contra a razão.

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Acrescenta que a ascensão de Jesus aos céus depois de sepultado,
se interpretada como alegoria, “privaria as religiões cristãs de sua
própria base e justificativa.” Esta afirmativa ganha coerência nas
palavras de São Paulo:
“Se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia
também é a vossa fé. Acontece mesmo que somos falsas
testemunhas de Deus, pois atestamos contra Deus que ele não
ressuscitou a Cristo”. (Coríntios I 15.14).
Na verdade, o apóstolo era um fariseu que pretendia
converter a priori homens de mentalidade farisaica, isto é, judeus
em sua grande maioria. Os gentios, donos de uma espiritualidade
insipiente, receberiam por extensão um ensinamento teológico
similar. Como já foi explicado, o judaísmo transmitiu ao
cristianismo nascente o seu modo essencial de ser, sinônimo de
uma religiosidade materialista que prioriza o corpo e não o espírito.
Nesta perspectiva restrita, estranhamente a roupa é mais importante
e essencial do que o seu usuário. Naqueles momentos de desespero,
dor e frustração diante da terrível realidade de um Jesus
crucificado, poucos adeptos iriam se contentar com um Messias-
Espírito. Todos, ou pelo menos quase todos, exigiam o Cristo
físico, isto é, de carne e osso. Somente de um modo sensacional
poder-se-ia reverter uma situação tristemente calamitosa. São Tomé
não estava só ao mostrar-se cético, pois entendia como os demais
que o mundo material é o único verdadeiro. Tal pensamento ainda
prevalece nos dias atuais nas religiões do Livro.
A alma sempre foi de caráter irrelevante no judaísmo.
Depois da morte, acreditavam que se ia para o Sheol, um lugar
indefinível. E lá permaneciam prisioneiras aguardando em lúgrube
ociosidade o dia do Juízo Final. Imaginemos um lugar triste e sem
finalidade plausível onde se juntam as chamadas almas penadas ou
coisa parecida. Entrar em contato com elas, isto é evocar os mortos,
representava um pecado passível da pena capital conforme
sentencia sem a menor comiseração a Torá:
“Qualquer homem ou mulher que evocar os espíritos ou fizer
adivinhações, será morto. Serão apedrejados, e levarão sua culpa”.
(Levítico 20:27).
Lembremo-nos do elucidativo episódio em que um

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transtornado rei Saul havia sentenciado à morte as chamadas
feiticeiras do reino. Ironicamente viu-se na contingência de apelar
para uma delas no esvaecer de sua atribulada vida. A necromante
de Andor evoca o irascível profeta Samuel. O vingativo ancião
surge envolto em um manto para revelar ao infeliz rei o trágico fim
que lhe era destinado por ter desobedecido às ordens de Iahveh.
Segundo os saduceus, a extinção do corpo implicava
automaticamente na extinção da alma. Os fariseus, ao menos,
acreditavam nelas por causa do dia do Juízo Final. O Doutor da Lei
vai adaptar as concepções existentes no farisaísmo à visão primitiva
do cristianismo na esperança de conquistar um corpo discente de
árduo convencimento. De início, surge uma dúvida que diríamos
crucial. Qual era a natureza do Jesus Cristo com quem Saulo de
Tarso encontrou-se no dramático episódio de Damasco? Ele
descreve-nos um ser resplandecente que o envolveu em
indescritível amor divino. Deparar-se com o Messias foi sinônimo
de estar nos céus. Ambos se confundiam. Um Saulo convertido
sintetiza tudo o que viu, ouviu e sentiu numa transcendental frase:
“Jesus é a imagem de Deus”.
Ora, Deus é Espírito. Já expomos em capítulos anteriores que
certamente Saulo não se deparou com um Jesus ressuscitado de pés
no chão, vestido com linho branco da mortalha e expondo um
corpo carnal cheio de ferimentos atrozes para ser submetido ao
teste dos incrédulos. Não era um fantasma atemorizante, mas um
Espírito vivificante em dimensão divina glorificada cuja
onipotência não dava margem a qualquer dúvida.
Contudo, havia a necessidade premente de harmonizar dois
aspectos de caráter opostos entre o judaísmo e o nascente
cristianismo - a matéria e o espírito. São Paulo ainda diz: “Mas de
fato Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos
que dormem. Visto que a morte veio por um homem, também por
um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque assim como em
Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em
Cristo”.
Segundo o Gênesis, a desobediência do casal original trouxe
entre outras trágicas punições a perda da imortalidade. O Doutor da
Lei prega a crença farisaica da ressurreição da matéria como uma

78
realidade sine qua non. Sem ela, tudo careceria de sentido no
universo judaico, e até no gentio. No entanto, nosso amado
apóstolo sabia muito bem quem era o Cristo ressuscitado do
caminho de Damasco - um Espírito Divino. Daí, mais adiante, vê-
se obrigado a fazer singular ressalva para melhor esclarecer, senão
corrigir nas entrelinhas, o que foi dito em primeira instância aos
ingênuos neófitos:
“Pois assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito
alma vivente. O último Adão, porém, é alma vivificante. Mas não é
o primeiro espiritual, e, sim, o natural; depois o espiritual. O
primeiro homem, formado da terra, é terreno; o segundo homem é
do céu. Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também os
demais homens terrenos; e como é o homem celestial, tais também
são os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do que é
terreno, devemos trazer também a imagem do celestial. Por isto,
afirmo irmãos, que a carne e sangue não podem herdar o reino de
Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção”.
O Doutor da Lei faz uma clara diferença entre o céu e a terra,
isto é, o espírito e a matéria. Adão simboliza o ser humano terreno
e é alma vivente. O segundo homem, Cristo, é o “homem celestial”,
isto é, o Espírito Divino. Os humanos ressuscitados serão “homens
celestiais” igualmente porque “carne e sangue não podem herdar o
reino de Deus”. De forma clara e definitiva elimina a possibilidade
do corpo físico, “carne e sangue”, habitar a dimensão celestial. Em
suma, apenas seres espirituais habitarão o reino dos céus.
Todavia, na mentalidade farisaica vigente havia-se criado a
expectativa de um Juízo Final sob o ponto de vista carnal. É outro
aspecto essencial que não podia ser descartado. Estamos nos
referindo àquele dia crucial em que as portas do Paraíso serão
abertas e os bons agraciados com a recompensa divina. Ao Filho de
Deus, Jesus Cristo, caberá esta incumbência divina, segundo Paulo.
Então, esclarece:
“Eis que digo um mistério: Nem todos dormiremos, mas
transformados seremos todos. Num momento, num abrir e fechar
de olhos, ao ressoar da última trombeta. A trombeta soará, os
mortos então ressuscitarão incorruptíveis, e nós seremos
transformados”.

79
Ora, o entendimento disso por parte das mentes judaicas é
difícil, o que implica em “um mistério”. Finalizando, o apostolo
dos gentios acena para a platéia com a vitória da vida sobre a morte
por meio de Cristo: “Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó
morte, o teu aguilhão?” Os “mortos incorruptíveis” são os espíritos
iluminados. A Igreja instituída preferiu traduzi-los por “corpos
glorificados”, uma expressão surgida à margem das palavras de São
Paulo. A idéia de “corpos glorificados” satisfaz o anseio comum
por um corpo físico. É uma concepção de fácil aceitação para quem
acredita que sem corpo carnal a vida plena não subsiste. A
espiritualidade insipiente, a platéia de São Paulo, somente iria
sentir-se realizada caso fosse-lhe oferecida um mundo material,
embora sob um ambíguo prisma espiritual.
Voltemos à questão essencial. Afinal, Jesus ressuscitou ou
não? Um fato é inegável: os apóstolos acreditaram piamente estar
de novo face a face com o Messias ressuscitado em carne e osso.
Um Cristo poderoso capaz de vencer a morte inexorável aos
mortais. Todavia, persistia um teimoso ceticismo entre os
discípulos e mostrou-lhes “as mãos e os pés. E por não acreditarem
ainda, por causa da alegria, e estando eles admirados, Jesus lhes
disse: Tendes aqui alguma coisa que comer? Então lhe
apresentaram um pedaço de peixe assado (e um favo de mel). E ele
comeu na presença deles” (Lucas 24. 41- 43)
Jesus Cristo não comeu peixe assado e nem favo de mel na
presença de Saulo de Tarso. Nem seria preciso fazer qualquer
concessão terrena para converter num piscar de olhos quem
respirava ódios e exalava ameaças. Os numerosos testemunhos dos
discípulos, embora variem nos detalhes, convergem no principal.
Jesus de Nazaré, o Mestre crucificado, esteve na presença deles de
modo tangível a propiciar um convencimento decisivo.
Foi uma condição sine qua non para recuperar a
credibilidade perdida. Aqueles que fugiram apavorados e deixaram-
No a mercê dos algozes iriam, a partir dali, prontificar-se a oferecer
suas vidas pelo Mestre. Foi uma reviravolta de cento e oitenta graus
que validou os testemunhos relatados. Os discípulos iriam tornar-se
os primeiros mártires do cristianismo, mas tal heroísmo não foi
devido a uma loucura coletiva. Ao contrário, primaram por clara

80
lucidez.
Dentro de nossa linha de raciocínio, obviamente, o Messias
ressuscitado nunca precisou ressuscitar porque simplesmente nunca
morreu. O Filho de Deus é Espírito e, portanto, imortal. O
verdadeiro Deus, sob qualquer faceta, nunca morre! A sua
permanência no planeta Terra limitou-se a um átimo ao longo da
eternidade. O invólucro carnal sucumbiu na cruz, mas o Mestre dos
mestres precisava provar aos discípulos que estava mais vivo do
que nunca. Deus é Espírito e o Filho de Deus possui a mesma
natureza. Já vimos e revimos que uma escassa espiritualidade não
aceita facilmente esta idéia óbvia, ainda que seja real e capaz de
explicar aparentes mistérios. A humanidade em fase insipiente
exige carne, sangue, ossos, veias cartilagens e tendões. São Paulo
percebeu de relance essa tendência de cunho primário. Jesus,
compreensivelmente em sua divina bondade, apresentou-se na
única forma capaz de convencê-los. Se as crianças querem
bombons, senão vão ficar chorando, pais amorosos ofertam-lhes
tais mimos para deixá-los alegres e contentes.
Veja o incrível poder do Messias! Ele come peixe e mel com
os discípulos e se lhes afigura com aparência familiar. É
interessante observar que algumas vezes não Lhe convém ser
reconhecido de imediato, mas logo a seguir revela-se aos apóstolos.
O corpo espiritual divino assume a forma física exigida pelo
momento. Os mestres da espiritualidade explicam tais episódios
aparentemente fantásticos.
Existem paralelamente duas versões céticas que se baseiam
no furto do corpo sem vida de Jesus de modo sorrateiro, não
importa se por amigos ou inimigos. Os judeus acreditam que foram
os primeiros e, de fato, os inimigos não usufruiriam vantagem em
roubar e ocultar o cadáver. Caso o fizessem, estariam reforçando a
expectativa da ressurreição do Mestre pelos seguidores. Assim,
segundo eles, só lhes restaria culpar os seguidores do Messias.
Entretanto, não existe nenhuma versão testemunhal plausível
ou consistente de Jesus ter sido retirado pelos seguidores. Quem
roubou o corpo, quando, aonde o esconderam e com qual intenção
exatamente? Por que não sobreviveu qualquer tradição oral
consistente dando margem a uma hipótese de forma consistente?

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Diante desta estranha lacuna de informações plausíveis, ficamos
com as versões do Evangelho centradas na ascensão do Senhor que
merecem uma interpretação à luz da razão. O que seria um absurdo,
neste caso, ganha credibilidade.
Uma coisa é certa. Jesus - Espírito puro não precisa de corpo
físico. O Filho de Deus continua presidindo a orientação da
humanidade, conforme afirmam elevados mestres espirituais. A
hipótese de estar carregando em sua glória através da dimensão
celestial o corpo de um primata do planeta Terra surge impossível e
despropositada. Equivale à invencionice ingênua da Assunção do
corpo de Nossa Senhora. Um equívoco pueril, embora bem
intencionado, de religiosos dogmáticos que ignoram o modus
operandis do universo espiritual. Eles fazem parte daquela
turminha do Papai Noel, versão infantil. Acontece que a
humanidade evolui e ganha maturidade, não dando margem a
versões fabulosas. O que diriam os banhistas de uma praia se um
esquisitão surgisse e mergulhasse dentro dágua de casaca, colete,
gravata e sapatos com polainas? É um louco ou um comediante,
exclamariam rindo. E estariam certos, uma vez que cada ambiente
exige um modo adequado de vestir-se. Neste exemplo, o ar e o mar
simbolizam duas dimensões distintas e a roupa equivale à
vestimenta carnal.
A ciência atualmente angaria conhecimentos preliminares
que estão abrindo as portas do conhecimento à compreensão de
mistérios transcendentais. Referimo-nos à descoberta dos universos
paralelos, já considerados uma realidade por notáveis físicos de
ponta. A ciência vai descerrando o modus operandis do Criador.
Cabe à verdadeira religião, aquela livre de crenças e crendices,
interpretá-lo sabiamente. Ambas devem andar de mãos dadas. Uma
engrandece a outra e completam-se mutuamente porque são facetas
naturais da manifestação divina. Fé sem razão, ou razão sem fé, não
conduz à espiritualidade desejável que é a síntese de ambas, a única
capaz de desvendar os segredos do Multiverso e aproximar
gradativamente o ser humano do seu Criador. Nós também somos
deuses já que viemos de Deus, embora não o percebamos devido ao
nosso elementar nível espiritual. Felizmente, o Ser Supremo não
tem pressa, como nos revelou São Pedro, e aguarda-nos com divina

82
paciência.
A ascensão do corpo de Cristo perdura em mistério, mas não
custa nada tentar uma explicação plausível. A terceira e única
versão restante é que o corpo carnal desapareceu porque assim
Cristo desejou. Para quem andou sobre as águas, ressuscitou os
mortos, amainou a tempestade, multiplicou pães e peixes,
transformou água em vinho, devolveu a visão aos cegos, a fala aos
mudos, ressurgiu com aparência física, falou, bebeu e comeu com
os discípulos, fazer os átomos de seu corpo inerte se dispersar
resume-se a mero exercício do poder divino. Não exatamente
“subiu” ao céu porque corpos de primatas não extrapolam a
dimensão terrena. De modo semelhante, o céu não tem posição
definida, não está acima, abaixo, à esquerda ou à direita. Na
verdade, onde está Cristo está o céu. Lembremo-nos novamente das
palavras de Jesus: “A carne de nada aproveita” e, igualmente: “O
reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: Ei-lo
aqui, porque o reino de Deus está entre vós”.
Mesmo se fosse válida uma das duas versões terrenas dos
céticos, ou mesmo outra qualquer, o Filho de Deus provou ser
capaz de apresentar-se aos discípulos em forma ideal de modo a
levá-los ao cumprimento do desiderato divino. E isto se nos afigura
o mais importante e o resto é irrelevante. Havia a necessidade
premente de erguer os ânimos abatidos dos discípulos de modo
excepcional, inversamente proporcional ao devastado clima
psicológico causado pela Paixão de Cristo.
A crucificação havia destroçado todas as suas fibras
sensíveis e achavam-se como indefesos náufragos perdidos num
oceano de tristeza e amargura. Contemplavam sem a mínima
perspectiva plausível um futuro sombrio. Ora, a promessa da
salvação divina se esvaíra de forma irremediável. Sentiam-se como
se lhes fora extirpada a própria alma e se achavam absolutamente
vazios. Aquele em quem depositaram todas as esperanças havia
morrido da forma mais desprezível possível aos olhos dos homens.
Dera o último suspiro suspenso na cruz infame e aquela cena
terrível pareceu-lhes o ponto final de uma tragédia incomensurável.
A única maneira de retirá-los do fundo do poço seria por meio de
uma “ressurreição” a olhos vistos capaz de vencer toda e qualquer

83
incredulidade.
A idéia de um Jesus redivivo carnalmente subir aos céus é
vista com ceticismo pelo judaísmo. E nisto tem toda razão. O Filho
de Deus (Espírito Divino) não morreu e seria um paradoxo Deus
morrer, pois configuraria uma contradição absurda. Todavia, o
judaísmo limita-se a ver em Jesus somente o lado deletável - o
material - porém ingenuamente ignora o espiritual, aquele que
caracteriza verdadeiramente o Messias. O que aconteceu ao corpo
carnal é irrelevante, não fosse uma necessidade imperiosa naquela
ocasião de demonstrar o poder restaurador de Deus.

CAPÍTULO 9

84
A SALVAÇÃO EM CRISTO

Vejamos outra velha critica da ortodoxia judaica:


“O cristianismo não reconhece qualquer outra salvação ou
redenção do pecado senão a crença em Jesus e que ele morreu para
expiar os pecados da humanidade”.
Inicialmente, façamos uma distinção entre o que o Messias
pregou e a interpretação posterior de suas palavras. Os Evangelhos
foram escritos por dois discípulos que conviveram com o Mestre,
Mateus e João, e dois apóstolos, Marcos e Lucas. Cada um deles
relatou o que achou essencial da maneira mais próxima da verdade.
Apraz a Deus a individualidade humana e, por isto, não somos
cópias xérox uns dos outros, nem fisicamente ou espiritualmente.
Queremos dizer que cada narrador visualizou o Mestre segundo
ótica própria. E foram originais e sinceros nesta difícil tarefa.
Os Evangelhos não foram escritos ou ditados por Jesus
Cristo. Seres humanos dispõem de um entendimento limitado, por
melhores que sejam as suas intenções. Havia uma variedade de
tradições que se opunham e, ao longo dos anos, alguns seguidores
tomaram partido das que achavam simpáticas ou convenientes. Diz
o ditado: “Cada cabeça, uma sentença”, isto explica o surgimento
de múltiplas interpretações. Sem falar nos copiadores que ao longo
dos anos alteravam involuntariamente ou de propósito os textos.
Sobre tal assunto, basta ler o excelente livro de Bart Ehrman, “O
que Jesus disse? O que Jesus não disse?”
Outro aspecto relevante é que a igreja dos apóstolos, a partir
de Constantino, tornou-se uma instituição poderosa e os elementos
proeminentes da sociedade cobiçavam os cargos de liderança, uma
porta aberta ao poder e às riquezas. O objetivo de Cristo é a
evolução espiritual da humanidade, algo muito mais amplo do que
se considera comumente como “salvação da alma”. Em chocante
contraste, a aspiração de Constantino limitava-se a usar o
emergente cristianismo para consolidar e aumentar o seu poder
terreno sobre um vasto império. Em decorrência de uma visão chã
dos ensinamentos do Filho de Deus, a Igreja dos humildes

85
apóstolos iria passar às mãos cobiçosas dos filhos de famílias
nobres e ricas. A igreja dos apóstolos pobres e desprotegidos daria
margem à Igreja instituída dos clérigos ricos e poderosos. A partir
do Concílio de Nicéia fica estabelecida a tirania do pensamento
ortodoxo em obediência à corrente teológica majoritária. A minoria
foi submetida ou eliminada mediante o uso impiedoso da repressão.
Roma, até então, aceitara a multiplicidade de deuses e
religiões pagãs através do império. Ironicamente, os romanos
haviam acusado o judaísmo ou cristianismo de religiões atéias
porque se opunham aos deuses de maneira geral. Curiosamente, a
era dos deuses pagãos propiciava maior liberdade de culto. O
cristianismo instituído herda a ojeriza fanática judaica contra os
deuses e cultos pagãos. A única arma de Cristo é o amor, o oposto
de ações odientas e odiosas. Estas últimas seriam as ferramentas de
desmandos atrozes a partir daquela época e em tempos futuros.
De forma estarrecedora, a igreja de Cristo virou instrumento
de asfixiante discriminação. A liberdade do ser humano para Jesus
é essencialmente sagrada e a repressão, sob qualquer nuance,
abominável. Mesmo sabendo de antemão que Judas Iscariotes
intencionava denunciá-lo, o Mestre dos mestres não esboça um
mínimo gesto de ira, não diz uma palavra áspera. Limita-se a
contemplar com serenidade divina a ovelha negra sair da santa ceia
qual alma penada para esgueirar-se nas sombras soturnas da noite e
diabolicamente dar segmento à sua maldade suicida. Naquele
momento, o respeito ao livre arbítrio atingiu o ponto culminante na
historia da humanidade. Em contrapartida, os tirânicos bispos da
época de Constantino julgavam-se os únicos donos da verdade e
foram incapazes de inspirar-se no Filho de Deus para cumprir-Lhe
a vontade.
Mais tarde, São Cipriano resumiria a presunção de um clero
inebriado pelo poder terreno numa frase duvidosa: “Fora da Igreja
não há salvação”. São palavras que colocam em duvida a sua
nominal santidade. A Igreja passou a considerar-se superior a
Cristo e achar que detinha a verdade para utilizá-la em causa
própria. Entramos na fase farisaica de uma religiosidade abusiva no
velho estilo Caifás, o símbolo do mal. O homem, antes elevado aos
céus pelo Filho de Deus, acabará voltando donde partiu, à estaca

86
quase zero. Das luzes retornará às trevas, seu lugar predileto. As
sementes da Inquisição serão plantadas para espalhar futuramente o
terror e impor a tirania sacerdotal. As Cruzadas sanguinolentas
serão as irmãs desnaturadas da Inquisição. O círculo do Filho de
Deus de raio infinito será reduzido miseravelmente pela soberba
humana.
Segundo São Mateus, na admirável metáfora do grande
julgamento final, o Filho do Homem assentar-se-á no trono em sua
glória e todas as nações aguardarão apreensivas em sua presença. A
posse desejável do reino será reservada aos bons, aqueles que
comprovaram amar com sinceridade a Deus. Em decorrência, esses
bem-aventurados, no decorrer de suas vidas profícuas, mostraram-
se capazes de amar o próximo. Saciaram de coração aberto tanto a
fome como a sede dos irmãos necessitados. Eles hospedaram de
bom grado os fatigados forasteiros, vestiram com contentamento os
pobres desprotegidos, visitaram solidários os enfermos e levaram
palavras de conforto aos presos.
Em contrapartida, os que se omitiram desses sagrados
deveres, encerrados em avaro egoísmo, negaram-se ao amor a
Deus. Daí, as portas do Paraíso ser-lhe-ão fechadas, do mesmo
modo como cerraram seus duros corações e impediram-No de neles
entrar. Os bons serão recompensados e os maus punidos.
Em resumo, não adianta bradar em altas vozes uma extrema
devoção a Deus e expelir ar cálido pela boca em adoração vazia, se
nos mostramos insensíveis, desprezamos ou odiamos os nossos
irmãos, igualmente filhos do Criador. A humanidade, isto é, “todas
as nações” estarão reunidas, ombro a ombro, e não se fará qualquer
distinção, seja de credo, religião, raça, língua, etc. Deduz-se que até
os chamados ateus ou agnósticos serão julgados somente pelos
pensamentos e ações, mas não por suas convicções. Crenças,
mesmo em Deus, não passam de crenças e por si só nada
representam de positivo. Somente o amor verdadeiro endossado por
ações fraternas será de agrado dos céus.
Citemos a propósito as reveladoras palavras do Apóstolo
João: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é
mentiroso; pois aquele que não ama seu irmão, a quem vê, não
pode amar a Deus, a quem não vê”. Daí, se alguém ama as criaturas

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divinas, mesmo desconhecendo Deus, ama-O sinceramente, pois
não anseia por recompensas futuras.
Os apóstolos nunca afirmaram que a morte física de Jesus na
cruz trouxe a remissão dos pecados de modo automático. O
supremo sacrifício do Messias inocente leva os crentes sinceros a
se conscientizar da própria culpa. Se arrependidos de seus pecados
e capazes de perdoar o próximo, aí sim, estarão em condições de
obter o perdão divino. Vide o que Cristo ensina na oração do Pai
Nosso. Ser perdoado implica em perdoar. O egoísmo deve ser
vencido por meio do altruísmo sincero, isto é, o ódio pelo amor. O
mérito individual é essencial e imprescindível.
Jesus Cristo endossa a sabedoria do profeta Elias que nos
diz: “Abandone o ímpio o seu caminho, e o homem mau seus
pensamentos, e volte para o Eterno, pois terá compaixão dele, e
para o nosso Deus, porque é rico em perdão”. Na verdade, outras
religiões superiores como o budismo, o hinduísmo, o taoismo,
jainismo concordam em essência, embora cada uma a seu modo.
Tudo se resume em abandonar a maldade e aderir à bondade, ao
altruísmo e à compaixão. Um raio de luz divide-se nas sete cores do
arco-íris e a Luz Divina em cores infinitas com infindáveis nomes.
Ilusoriamente, o ser humano imagina-se situado no centro do
Universo. O mito do Gênesis desenvolve-se ao longo de um
contexto claramente egocêntrico. O homem é o retrato único
pintado pelo Criador. A imensidão restante reduz-se à mera
moldura. Os sacerdotes “blá-blá-blás” ou “blu-blu-blus”, por
extensão, julgam-se os donos da verdade. Quem não está no círculo
“certo”- o deles - vai de mal a pior. Decerto, irão para o inferno. As
religiões querem manipular Deus em função de suas conveniências
mundanas e o que não lhes interessa - justamente o essencial - é
descartado. Caso contrário, nem haveria guerras entre irmãos - nós
todos.
O judaísmo, versão restrita, prossegue fazendo uma
avaliação dogmática do que pensa ser o pecado e a expiação sob as
luzes de um cristianismo versus judaísmo. Termina concluindo,
como não podia deixar de ser, pela sabedoria deste último. A partir
daí, perde-se em divagações sobre a salvação, se mediante a prática
de atos bons ou pela graça de Deus, citando Lutero e vários

88
profetas bíblicos. Trata-se de um dilema absurdo. O que vale mais
na moeda: a cara ou a coroa? Neste caso, somente uma terceira
resposta prima pela sensatez, obviamente. Ora, cada moeda tem um
valor único.
Martinho Lutero, em seu afã exacerbado de esvaziar a Igreja
católica da validade das indulgências, encontrou em São Paulo a
justificativa providencial para salvá-lo do desespero: “O justo se
salvará pela fé”. São Paulo queria dizer algo, mas nosso querido
monge extrapolou o significado original indo algumas milhas
adiante. Foi uma interpretação de cunho político que o levou a
confundir “alhos com bugalhos”. As garras da diabólica Inquisição
pareciam inexoravelmente fechar-se em torno de si e, em seus
horríveis pesadelos, já se via ardendo nas chamas enormes.
Obviamente, a fé genuína eivada de boas intenções dará ao ser
humano a capacidade de arrepender-se e amar o semelhante, um
sinônimo de obras beneméritas.
O dinheiro das ofertas não pode comprar o Paraíso, alegou
Martinho Lutero. Evidentemente, o valor espiritual de cada um vem
do coração e não da bolsa de moedas ou conta bancária. Em que
pese uma extraordinária religiosidade e coragem gigantesca, nosso
admirável Lutero era um homem de limitada dimensão espiritual.
Interiormente permaneceria aquele monge agostiniano de
mentalidade medieval aprisionado em um círculo dominado pelo
ódio. Daí assumiria uma postura dogmática que daria ensejo ao
“puritanismo”, sinônimo de preocupação exacerbada com a
moralidade terrena.
Em contrapartida, na disputa acérrima entre os príncipes,
seus amigos protetores, e os pobres camponeses sublevados, tomou
sem pestanejar o partido dos primeiros. Nada surpreendente, pois
devia aos príncipes a própria vida e a gratidão é uma virtude. O
chocante foi o modo cruel de manifestar-se com veemência a favor
da repressão brutal contra os menos favorecidos. Ora, o movimento
camponês brotou espontâneo em decorrência de suas ideias
contestatórias contra a Igreja católica. Os homens do campo,
espoliados há séculos pelos senhores feudais, acharam
ingenuamente que havia chegado uma ocasião propícia para
externar com sucesso a sua insatisfação. Dentro deste clima de

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revolta, estouraram sublevações populares com o objetivo de
reivindicar melhores condições de vida. Apesar dos pesares, o
catolicismo mantinha a sociedade em ordem, servindo de “ópio do
povo”, como observou Karl Marx.
Em resumo, Jesus Cristo evidencia claramente o que se
espera do ser humano no dia do julgamento. O amor sincero em
prol do semelhante abrirá as portas do Paraíso. Os bons
pensamentos, gestos e obras são frutos de uma síntese ideal que
parte do coração dos homens de boa vontade. Um singelo sorriso
solidário ao aflito será contado favoravelmente no momento
crucial. Em suma, devemos ser como aquela árvore frondosa à
beira do caminho que oferece sua sombra protetora, os bons frutos,
lindas flores e enfeita a paisagem em benefício de todos. Essa
assertiva é de caráter geral em qualquer parte onde houver seres
inteligentes cósmicos.

90
CAPÍTULO 10

CARNE, JEJUM E CELIBATO

O judaísmo, segundo Trude, não execra a “carne” como a


sede dos instintos mais indignos e como fonte de todo o mal. O
aspecto físico e o espiritual são igualmente importantes para a
harmonia da personalidade. A devoção judaica não consiste em
jejuar, ser celibatário, viver na solidão ou praticar outras privações
ascéticas contrárias à natureza humana “e ao propósito de Deus”.
Igualmente deplora que a “inocência” seja um sinônimo para
virgindade na mente popular. Certamente, imagina que os cristãos
se comportam de modo diferente.
Há que se fazer uma observação relevante. O livro de Trude
foi publicado em 1943 e, provavelmente, escrito antes desta data,
durante o início da 2ª Guerra Mundial. Não há qualquer menção
sobre o Holocausto perpetrado pelos nazistas. Deduzimos, portanto,
que a erudita desconhecia as atrocidades inimagináveis dos campos
de extermínio, caso contrário os teria denunciado. Outro aspecto é
que o homem progride conforme o infalível plano divino, não só na
ciência e tecnologia como também na espiritualidade, embora mais
lentamente. Os sinais são evidentes, tais como a conscientização da
necessidade de melhoras sociais, a compreensão de que as guerras
são um mal a ser evitado, à crescente restrição da pena de morte e a
certos atos brutais que antes não chocavam ninguém.
Acrescentemos uma bem vinda globalização da economia. Uma
Europa que vivia em constantes guerras forma agora o Mercado
Comum Europeu. O mundo caminha para melhor e não na direção
do Apocalipse, now! conforme alardeiam alguns fundamentalistas
equivocados.

91
Desde a 2ª Guerra, a humanidade sofreu mudanças
consideráveis e algumas proposições apresentadas parecem
desatualizadas. A emancipação da mulher no mundo ocidental
liberou a sexualidade de forma irreversível. A virgindade feminina
tornou-se irrelevante, inclusive, aos olhos masculinos. A sociedade
caminha para um comportamento sexual cada vez mais permissivo,
senão promíscuo. Em alguns países, o homossexualismo está
liberado e pessoas de mesmo sexo casam-se legalmente. Ora, os
judeus comportam-se segundo os padrões ocidentais e não é
plausível apontar diferenças essenciais quanto à conduta sexual.
O jejum é uma herança do antigo judaísmo comumente
praticada por vários segmentos religiosos e até pelos antigos
soldados hebreus durante as guerras. Jejum e judaísmo são palavras
associadas. Inclusive, no islamismo costuma-se praticar o jejum no
mês de Ramadã. De acordo com São Mateus, os discípulos de João
Batista perguntaram a Jesus: “Por que jejuamos nós e os fariseus
(muitas vezes), e teus discípulos não jejuam?” O Mestre explica-
lhes que “dias virão” quando “lhes será tirado o noivo” e nestes
dias (da Paixão), “os convidados” (discípulos) jejuarão. Vemos que
o Filho de Deus não dava valor prioritário ao jejum. Poucos
cristãos jejuam atualmente e, assim mesmo, em determinados dias
religiosos.
É ilustrativo citar o episódio bíblico em que o repudiado rei
Saul, prestes a entrar em decisivo combate contra os filisteus, faz
um voto de jejum, dizendo: “Maldito o homem que comer pão
antes do anoitecer, antes que eu me vingue de meus inimigos...”.
Os já extenuados guerreiros encontravam-se debilitados devido à
insensata medida. Seu filho Jônatas, percebendo a constrangedora
situação, transgride corajosamente a ordem real comendo mel e
induzindo os demais a imitá-lo. Embora tenha levantado o estado
de ânimo da tropa, por pouco escapou da morte. Salvou-se graças
ao povo que, em meio ao regozijo geral pela vitória obtida,
intercedeu decisivamente a seu favor diante de um irado Saul. Este
pretendia executar sem razão plausível o próprio herdeiro do trono.
Quanto ao celibato, somente a Igreja católica o exige de seus
sacerdotes. Lutero, um monge frustrado da Ordem dos
Agostinianos, manifestou seu desencanto ao condená-lo. As igrejas

92
protestantes ou evangélicas seguiram sua orientação. De fato, a
prática do celibato vem revelando-se desastrosa e desgastante
atualmente em face do escandaloso comportamento de parcela
significativa do clero católico secular. Agravando a situação, o
Vaticano tem-se mostrado leniente ou até mesmo conivente com a
desgastante situação, ao negar-se a tomar ações sensatas e eficazes
para eliminar semelhante descalabro. O celibato deveria ser
limitado aos monastérios, onde aqueles capazes de sublimar desejos
carnais possam vivenciar naturalmente uma espiritualidade
autêntica.
Outras religiões adotam a vida monástica, a exemplo do
admirável budismo. Se alguns religiosos, plenos de sinceridade,
pretendem adotar uma vida de contemplação, castidade e oração
em benefício da espiritualidade benfazeja, não nos cabe avaliar
com acidez e colocar opiniões individuais na boca de Deus. Deixe
que Ele julgue por Si. O homem comum não se realiza longe da
família e da sociedade, mas nem todos são iguais e o livre arbítrio
deve ser respeitado. A solidão não aflige aos monges porque
convivem em casta comunidade com seus pares e comungam o
ideal monástico. Além disto, como diz o refrão popular: “Quem
está com Deus, nunca está sozinho”.
É interessante lembrar que vários indivíduos laicos
vivenciaram uma existência criativa em benefício da humanidade,
embora tenham optado singularmente pelo celibato. Citaremos
apenas um, entre muitos outros: o famoso George Washington
Carver. Trata-se de um cientista negro americano que se destacou
de maneira incrível na química, botânica e agronomia. Ele inventou
plásticos, tintas e combustíveis originados do feijão de soja. O
próprio Henry Ford ficou deveras impressionado com o gênio
criativo de Carver e tornou-se seu grande incentivador. Isso
aconteceu numa época em que campeava um odioso racismo.
George foi um ser humano fabuloso que dedicava suas horas
de lazer a pintar gratuitamente as casas dos amigos com as tintas
produzidas por ele próprio. Costumava acordar às quatro horas da
manhã para “conversar com as flores”. Ele era celibatário por
opção. Segundo suas palavras, “qual esposa iria entender um
homem tão excêntrico”, embora fosse encantador. Em suma, no

93
canteiro divino há lugar para qualquer flor desde que exale o
perfume do amor, aquele que agrada ao Criador. Além disso, nunca
é demais lembrar que “o bem se justifica por si próprio”.
Quanto à apologia do famoso: “crescei e multiplicai-vos”,
supostamente proclamado pelo Deus Único, não passa de uma
metáfora a ser compreendida de mente aberta. Na vida prática,
revela-se totalmente desnecessária. O oposto levaria à extinção do
ser humano, se fosse seguido à risca. Aliás, uma hipótese absurda.
A evolução divina das espécies assegura-nos sobrevivência devido
ao irrefreável instinto humano na busca do sexo oposto e
conseqüente reprodução. Os chineses desconhecem o refrão bíblico
e, com mais de um bilhão de habitantes, possuem a maior
população da terra. Uma prova da irrelevância de qualquer
recomendação, divina ou não. Pelo contrário, a principal
preocupação das autoridades chinesas atuais é limitar a
superpopulação. A Índia, um país cujos costumes não se baseiam
na tradição bíblica, dentro em breve vai tirar esse título da China.
Em contrapartida, somando-se os judeus espalhados por todo
mundo com aqueles de Israel, não perfazem nem vinte e cinco
milhões. Pelo visto, a recomendação de Iahveh não adiantou grande
coisa com referência ao próprio povo eleito. Ao longo dos séculos,
o encolhimento da nação hebraica pela ação dos poderosos assírios,
babilônios, romanos e alemães nazistas poderia ter sido evitado se
tivessem seguido à risca as sábias palavras do profeta Sirah: “Vida
e morte estão diante do homem, e o que quer que ele escolha, será
concedido”. O judaísmo misantrópico impossibilitou a convivência
simpática dos filhos de Abraão com os demais povos e os tornou
motivo de discriminação em toda parte.
Há gente demais no planeta e não se justifica uma crítica
arrogante à castidade de religiosos bem intencionados. Que vivam
em paz se nada de mal fazem ao semelhante. Na verdade, milhares
de fiéis convergem aos mosteiros em ansiosa busca de piedoso
auxílio às suas aflições. Os bons monges em qualquer religião
interagem de forma gratificante com grande número de crentes. O
Deus verdadeiro, o Senhor do Multiverso, em sua infinita grandeza
se apraz na diversidade criativa e enfada-se diante da uniformidade
pregada de modo autoritário por certos “blá-blá-blás” ou “blu-blu-

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blus”, arvorados em “donos da verdade”.
Em resumo, são válidas as incontáveis maneiras de agradar
ao Criador. E obviamente divinas são as palavras de Cristo ao
reconhecer que certos homens por disporem de elevada
espiritualidade “foram feitos eunucos por causa do Reino dos
Céus”. (Mateus 19.12). Eles estão aqui em missão espiritual a fim
de atenuar as ambições e prazeres terrenos desenfreados em
detrimento do semelhante, ao servirem de orientação e exemplo. O
Holocausto do povo judaico encontrou campo propício na escassa
espiritualidade da humanidade, inclusive dos próprios judeus.

95
CAPÍTULO 11

A ALEGRIA DO JUDAÍSMO

Nossa amiga, em apologia ao judaísmo, acusa as religiões


cristãs de serem tristes e pessimistas. E diz textualmente:
“O judaísmo é uma religião alegre. A alegria e otimismo que
fluem dele são o seu tom dominante”... “Os judeus têm o cuidado
especial de aproveitar ao máximo os momentos alegres e felizes da
vida”.
Felizmente, as palavras da erudita escritora aplicam-se aos
povos de maneira geral. Todos os humanos vivenciam momentos
de contentamento e de tristeza. Por mais alegremente que se portem
os judeus, decerto o Holocausto, ignorado por Weiss, trouxe-lhes
sangue, suor e lágrimas. Sem dúvidas, a terrível calamidade
imergiu o povo de Abraão num oceano de amargo pessimismo,
uma vez que ninguém é de ferro e muito menos insensível à dor.
Os espíritos que habitam nos corpos físicos possuem seus
similares através do infindável Multiverso. Por isto, um ser
inteligente do planeta “XYZ y 3 000”, da constelação FÅ
oudimensão al , usufrui momentos de alegria e tristeza de um
jeito essencialmente igual ao nosso. A busca exacerbada por
diferenças revela-se vã. Encerrando o assunto, basta dizer que o
Brasil, país católico em sua maioria, porém em via de se tornar

96
majoritariamente evangélico, é a terra da paixão pelo futebol, da
alegria do samba e da euforia do carnaval. Anualmente, turistas
convergem dos quatro cantos do globo para participar do modo
descontraído do brazilian way of life. De Israel, gostaríamos de
falar algo semelhante.
Fé versus Lei tem sido um sinônimo do Cristianismo versus
Judaísmo, de acordo com a visão dogmática dos fundamentalistas
radicais de ambos os lados. As “diferenças” sempre foram
acentuadas ou exageradas a tal ponto que se criou durante séculos
um clima de intolerância mútua. Infelizmente, em nome de Deus,
os seus filhos, não importando se judeus, cristãos ou muçulmanos,
muitas vezes odeiam-se mutuamente, e isto é lamentável. Ora, se o
Criador é a expressão sublime e transcendental do amor eterno,
como protestam os povos do Livro, existe algo de errado na atitude
de antipatia entre seus adeptos, ou então não existe um Deus
comum a todos.

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CAPÍTULO 12

ESPÍRITO versus MATÉRIA

Outra tradicional acusação: o Cristianismo execra a carne,


isto é, o corpo humano, enquanto o Judaísmo sabiamente a aceita
como o artesanato de Deus, pois não é menos sagrada que a alma.
Argumenta-se que “matéria e espírito complementam-se
mutuamente; uma vez que a primeira não pode existir sem o
outro...”. Realmente, na Idade das Trevas desenvolveu-se uma
religiosidade exacerbada, infelizmente carente da mínima
espiritualidade para dar-lhe respaldo. Por isto, cultivavam-se
exageros e abandonava-se o bom senso. Não é exatamente o caso
de São Tomás de Aquino porque sabemos que a santidade autêntica
é válida para Deus. Vejamos, como exemplo, um episódio
ilustrativo sobre a sua singular vida:
Tomás de Aquino nasceu de família nobre em 1226. Um dia
entrou no castelo do pai e anunciou calmamente aos estarrecidos
parentes que se tornara um dos frades mendicantes da nova Ordem
fundada pelo espanhol São Domingos. A classe governante central

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da Europa era formada em significativa parte pela importante
família de Tomás que considerou a decisão tomada à revelia pelo
rapaz um sinônimo de alienação social. Agravando a situação, o
jovem idealista não pretendia, pelo menos, ser abade, prior ou
dirigente de sua própria fraternidade. Sua teimosia parecia atingir
os píncaros do contra- senso, o mesmo que um genial Napoleão
Bonaparte aspirar a ser soldado raso pela vida inteira. O
inconformismo familiar transformou-se em desespero. Por fim,
seus irmãos o sequestraram e deixaram-no encarcerado na torre de
um castelo. Queriam sujeitá-lo a uma espécie de tratamento
psiquiátrico no velho estilo medieval. Nada melhor que um salutar
período de reclusão para recuperar a sanidade mental do desvairado
rapaz.
Ansiosos em dar uma rápida solução à angustiante questão,
os irmãos tramaram um original ardil para apressar seu retorno à
realidade terrena. Eles introduziram em seus aposentos uma cortesã
de irresistível beleza. Ora, aquela fascinante mulher conseguiria o
que haviam tentado em vão, pelo menos assim pensavam. Não
obstante, se esqueceram de um pequeno detalhe. Tomás de Aquino
tinha a enorme ambição dos santos e isto se resume à singela
humildade de nada ambicionar. No caso em foco, este nada
significava de fato - nada. Queria dedicar sua vida inteiramente a
Deus. A rara virtude permitia-lhe ouvir os sons angelicais de um
chamamento oriundo dos céus.
Diante da insinuadora dama de sorriso cativante e formas
para lá de tentadoras, qualquer jovem estaria justificado plenamente
se aceitasse o convite explicito para extravasar uma paixão
avassaladora inerente à condição humana. Certamente, não éramos
nós, meros pecadores, e sim, Tomas de Aquino quem estava lá. Ele
viu a lasciva e provocante encenação como uma pecaminosa
afronta às suas mais legítimas aspirações. Era como se o diabo em
pessoa resolvesse desafiá-lo submetendo-o à sua infernal vontade.
Num ato de legítima defesa, bruscamente levantou-se da cadeira,
apanhou na lareira uma acha de lenha ardente e a sacudiu, à guisa
de espada flamejante. A mulher assustada até a medula, e não era
para menos, escafedeu-se dali o mais rápido possível. A seguir, um
aliviado São Tomás de Aquino calmamente fechou a porta e voltou

99
imperturbável àquela cadeira cativa onde permaneceria em
tranquila contemplação filosófica por toda sua profícua carreira.
Obviamente, São Tomas de Aquino queria, por meio de uma
religiosidade pura, viver para o espírito e não pela carne. Almejava
vivenciar as palavras de São Paulo quando diz: “conduzi-vos pelo
espírito e não satisfaça a concupiscência da carne. Pois a carne tem
aspiração contrária ao espírito e o espírito, contrária à carne”. O
apóstolo referia-se ao desejo mundano de prazeres terrenos, uma
vez que havia aconselhado aos homens comuns o casamento
tradicional. O ideal possível aos santos não é o mesmo das pessoas
em geral. Todos têm um lugar ao sol que tudo ilumina sem
acepção. Cada um de nós constitui um problema único a merecer
uma solução individual. Deus não suporta a repetição monótona e
ama a originalidade criativa.
A concupiscência conduz às paixões incontidas, justificando
o alerta do Santo Apóstolo. E os exemplos comprovativos se
sucedem. Segundo a narrativa bíblica, em uma bela tarde Davi
passeava distraído no terraço do palácio real e avistou na mansão
vizinha uma mulher de deslumbrante formosura que se banhava
lascivamente a exibir um corpo escultural. Como veremos a seguir,
era a personificação de pecaminosa volúpia. Ele ficou ardentemente
fascinado e uma incontrolável paixão apoderou-se do rei que a
desejou como nunca. “Davi mandou perguntar quem era ela.
Disseram-lhe: É Bate-Seba, filha de Eliã, e mulher de Urias, o
heteu.” A jovem era casada com um capitão do exercito real, um
empecilho suficiente para quem respeita o mandamento de Iahveh:
“Não cometerás adultério”. Jesus Cristo foi mais incisivo: basta
cobiçar para cair em pecado. Decerto, o olhar cobiçoso é o primeiro
passo errado e é bom parar por aí. Pelo menos é um pecado menor.
Qualquer que seja a interpretação, Davi pouco caso faria,
uma vez que se guiava somente por seus instintos e vontade.
Desfrutava de enorme poder e sentia-se como inconteste dono do
reino com direito ao usufruto de tudo, inclusive das lindas jovens
que caíssem no agrado real. O usurpador do trono do rei Saul
possuía singular carisma e excelente aparência. Além disto, era
bafejado pela sorte em quase tudo o que fazia, e não é de estranhar-
se que mulheres desejosas de usufruir o poder e glória real se lhe

100
oferecessem de bom grado. Davi era e é sinônimo da palavra
sucesso no mundo hebraico.
Talvez, a mulher de Urias, em sonhos secretos, já lhe
reservasse um lugar no coração. Vejam bem, por que uma beldade
comprometida se poria a banhar-se desnuda dentro do raio de visão
daquele tremendo garanhão, o rei em pessoa? A “ingênua” jovem
não sabia que o marido encontrava-se ausente, bem longe e fora de
Jerusalém? Ou será que o amor proibido ocorreu por acaso? Como
se diz coloquialmente, ela estava dando “sopa na crista”. Deduz-se
que Eva iria induzir Adão ao pecado mais uma vez. Não
esqueçamos que Bate-Seba acabaria tornando-se mãe do futuro rei
Salomão. A história é escrita pelos vencedores e nela consta apenas
o que lhes convém.
“Então enviou Davi mensageiros, que a trouxessem; ela veio,
e ele deitou-se com ela. Tendo ela se purificado de sua imundícia,
voltou para casa”. Concluímos que nossa Eva desfrutou
passionalmente de sexo consensual. A única preocupação foi com a
higiene. Esmerou-se em lavar o seu esbelto corpinho, uma vez que
lhe seria impossível purificar a alma. A Bíblia é avara em detalhes
gratificantes, mas lendo-se nas entrelinhas, conclui-se que se
seguiram apaixonados rendez-vous. Portanto, não é de espantar-se
que um belo dia viu-se obrigada a dar ao amante real uma
alarmante notícia: “Estou grávida!” Equivale a dizer: “E agora, está
tudo indo tão bem, mas como é que vou sair desta? Olha, não
esqueça que eu sou casada!”. A adúltera apercebeu-se tardiamente
da enrascada. Ou será que ocorreu exatamente o que havia
planejado?
Davi tenta contornar a situação. A gravidez de Bate-Seba
desponta como prova reveladora da traição conjugal. Apesar de seu
enorme poder, um escândalo vem acompanhado de críticas
mordazes e sempre beneficia irreconciliáveis adversários. Ora,
nunca houve rei naqueles tempos sem uma penca de inimigos que
gostariam de vê-lo mortinho da silva. Os filhos, parentes e súditos
simpáticos ao falecido rei Saul detestavam o aureolado Davi,
tendo-o por imperdoável usurpador e espreitavam como aves de
rapina uma oportunidade favorável para livrar-se dele.
Então, um aflito Davi mandou um mensageiro a Joabe, o

101
general comandante das ações bélicas. Este devia dar ordem a Urias
para apresentar-se com urgência no palácio a título de fornecer-lhe
informações preciosas sobre o andamento das operações. Em
chegando, fez-lhe várias perguntas para disfarçar o seu real intento.
E mandou-o para casa, imaginando que aproveitaria a folga
inusitada para matar as saudades de modo íntimo com a esposa.
Então, tudo estaria resolvido. Talvez, aquela criança viesse a
ostentar a cara de Davi, seu pai biológico, entretanto isto seria um
problema futuro. Naquele momento urgia resolver de imediato a
preocupante questão.
Urias pagaria caro pelo louvável senso do dever que se nos
afigura agora um zelo exagerado. Ingenuamente, responde a Davi:
“A arca, Israel e Judá ficam em tendas: Joabe, meu senhor, e os
servos de meu senhor estão acampados ao ar livre; e hei de entrar
na minha casa, para comer e beber, e para me deitar com minha
mulher? Tão certo como tu vives e como vive a tua alma, não farei
tal coisa.” A seguir, “se deitou à porta da casa real, com todos os
servos do seu senhor”. As desconcertantes palavras de Urias
selariam a própria sentença de morte.
A primeira trama gorando, o maquiavélico rei armou uma
artimanha trágica contra o seu fiel súdito. Escreveu uma carta ao
general Joabe: “Ponde a Urias na frente da força em peleja; e
deixai-o sozinho, para que seja ferido e morra.” O profundo zelo no
cumprimento de suas obrigações voltou-se contra o infeliz. O
inocente oficial, sem aperceber-se de nada, tornou-se vítima fatal
de dupla traição – da sua mulher e do rei.
Natã, o profeta mor do reino, ao tomar conhecimento que
Davi havia mandado matar Urias e tomado sua mulher, ferve de
indignação. Ele vai exprimir incontida insatisfação ao ousar
repreender o jovem rei. Chegando ao palácio, conta-lhe que havia
dois homens numa cidade vizinha: um muito rico e outro bem
pobre. Um viajante recém-chegado decidiu visitar o rico. Este,
apesar de possuir centenas de ovelhas, preferiu matar a única
cordeirinha pertencente ao pobre. O afortunado queria oferecer um
lauto banquete em homenagem ao ilustre visitante, porém sem
diminuir o seu enorme rebanho, mesmo de uma única cabeça.
Nesta altura da narrativa, um Davi escandalizado diante de uma

102
avareza tão injusta exclama irado: “Tão certo como disse o Senhor,
o homem que fez isto merece ser morto!”.
Natã revela ao surpreso rei: “Tu és este homem”. O Senhor
Deus de Israel havia-o livrado das mãos de Saul e lhe ofertado o
reino de Israel com imensas riquezas, mas apesar de generosamente
agraciado não correspondeu às benesses divinas ao desprezar os
ensinamentos do Senhor e fazer mal ao próximo. O modo sutil de
Natã levar Davi a cair em si é um exemplo de notável sabedoria. A
seguir, o profeta revela as punições divinas que ocorreriam ao
longo da vida do rei: “Eis que da tua própria casa despertarei o mal
contra ti.” Acrescentou mais uma “punição divina”: o filho de Bate-
Seba, fruto do adultério, morreria brevemente após o parto. Davi,
pelo menos, tem a humildade de assumir o grave erro: “Pequei
contra o Senhor. Disse Natã a Davi: Também o Senhor te perdoou
o teu pecado; não morrerás”.
Desse trágico episódio, concluí-se que os únicos
prejudicados foram o inocente Urias que perdeu injustamente a
vida em plena mocidade e o recém-nascido. O bebê tornou-se mais
um bode expiatório a ser acrescentado à incontável lista do Deus
Único hebraico. De modo escandaloso, o ignominioso pecado da
traição conjugal renderia excelentes frutos à bela Bate-Seba.
Tornou-se a favorita do rei e, como se fosse pouco, o seu segundo
filho nascido do pecado seria o bem aventurado sucessor do pai,
embora nem fosse o primogênito. Salomão ganharia o trono devido
às bem urdidas artimanhas de sua mãe junto a Davi. Infelizmente,
iria favorecer em demasia a tribo de Judá em detrimento das
demais, ensejando a divisão do reino após sua morte.
Às vésperas de falecer, um envelhecido e debilitado rei Davi
ainda daria segmento ao derradeiro ato homicida. Assim, deu
instruções precisas ao seu jovem herdeiro para matar Joabe,
inculpando-o pela morte do querido filho rebelde Absalão. Este
príncipe herdeiro de Davi, em suposto cumprimento à profecia de
Natã, insurgiu-se contra o pai e o teria matado caso vencesse a
guerra civil que se seguiu. Pelo injusto assassinato de Urias, o
general Joabe só recebeu elogios reais. Segundo a própria narrativa
bíblica, sempre se portou lealmente e dispunha de enorme prestígio.
Talvez representasse aos olhos de novo rei uma perturbadora

103
ameaça, razão suficiente para ser punido com fatal ingratidão.
Apesar de tantas contradições, não é de admirar-se que o símbolo
mor da nação hebraica seja a estrela de Davi. “Nada faz mais
sucesso que o próprio sucesso”, diz a sabedoria popular. Mesmo
quando se mostra de caráter duvidoso.
A narrativa acima comprova a sabedoria das palavras de São
Paulo de que a “carne tem aspirações contrárias ao espírito e o
espírito à carne”. Deixando por um momento as veneráveis páginas
da Bíblia, citemos outro exemplo histórico que serve de advertência
àqueles dominados pelos clamores mundanos.
Henrique VIII, o tirânico rei inglês, sucumbiu à luxúria de
modo egoístico e desprezou a esposa legítima, Catarina de Aragão.
Sem justa razão, pois a rainha o amava sinceramente e era mui
estimada pelo povo inglês em função de seu comportamento digno
e irreprovável. De Ana Bolena, por quem se apaixonou
perdidamente, não se pode falar a mesma coisa. Várias esposas de
Henrique terminaram sendo decapitadas acusadas de infidelidade
conjugal. Acabaram sendo vítimas da própria ambição e da
exacerbada lascívia do temperamental rei.
O judaísmo é uma religião singularmente de cunho
materialista, eivada de profunda religiosidade e baseada numa
profusão de mitos e lendas nebulosos. Em decorrência,
desenvolveu escassa espiritualidade. Este fato patente dificultou a
convivência dos judeus com os gentios, isto é, o resto da
humanidade ao longo da história. Um comportamento dogmático e
pouco social que daria margem ao Holocausto durante a 2ª Guerra
Mundial. O judaísmo ortodoxo baseia-se essencialmente no corpo,
reservando ao espírito uma presença marginal. Não sabem o que
fazer com o conceito de alma que surge como verdadeiro estorvo.
Ora, para que serve a alma se não é tangível? Ninguém quer saber
de fantasmas.
Os saduceus não acreditavam nem na imortalidade do
espírito. Para eles a alma, se existia, não sobreviveria à morte
corporal. Já os fariseus aderiram à doutrina do Julgamento Final,
um meio termo. Num dia incerto, Iahveh descerá dos céus em meio
à indescritível magnificência celestial, rodeado de anjos, arcanjos e
querubins, para julgar os povos. Ressuscitará os bons e reservará

104
aos maus o devido lugar no inferno. A Ressurreição subtende que
os átomos esparsos oriundos da decomposição causada pela morte
vão ressurgir em novos corpos de carne e osso. Segundo a crença
bíblica, o universo material é eterno, contradizendo a ciência que
prevê o seu fim futuro após alguns bilhões de anos.
Vimos que o Doutor da Lei, um fariseu de formação, não
abandonou esta perspectiva fantástica, mas em decorrência de seu
encontro com um Jesus Espírito - a Luz Divina - entendeu o
aspecto primitivo, senão grotesco, da versão original. Assim,
apresentou outra de caráter mais espiritualizado na qual somente os
corpos etéreos habitam os céus, onde não há lugar para “carne e
sangue”. As Igrejas cristãs aceitam até hoje a doutrina do Apóstolo
dos Gentios. Os corpos celestiais de São Paulo foram chamados
pelos teólogos cristãos de “corpos glorificados”, uma concessão ao
velho judaísmo. Se dissessem “espíritos” ou mesmo “espíritos
glorificados”, não convenceriam uma platéia de entendimento
insipiente.
Trude pretende criticar São Paulo ao enaltecer um judaísmo
que não execra a carne como sede dos “instintos mais torpes e
indignos”. Acrescenta que o judaísmo aceita a carne como
artesanato de Deus e é tão sagrada quanto a alma. Ela confirma a
crença judaica de que “matéria e espírito se complementam
mutuamente; uma vez que um não pode existir sem o outro”. E
Deus criou o homem como união inseparável do físico e do
espiritual, do corpo e da alma...
Antes de tudo, devemos considerar que a carne é submetida
ao espírito. A carne não é a consciência, logo, os erros que
cometemos se devem a uma espiritualidade insuficiente. O grande
equívoco é pensar que a matéria e espírito coexistem
obrigatoriamente. O espírito é imortal, existe antes, durante e
depois da morte corporal. O corpo físico é instrumento transitório
para evolução da consciência. É o intermitente durante. E Deus
concede-nos generosamente quantas vidas forem necessárias para
atingirmos tal desiderato que se resume em sermos seres amorosos
e sábios. Estamos aqui na terra em cumprimento de dupla missão
transcendental: ampliar o conhecimento e aprender a amar. Esta
assertiva é válida para todos os nossos irmãos habitantes dos

105
incontáveis planetas do Universo. A grande dificuldade de
entendimento decorre de considerar-se o pequeno planeta Terra, um
ponto perdido no espaço sideral, como objetivo único do Criador.
O ser humano acredita ilusoriamente no mundo tangível, sem
aperceber-se que é um mero caminho para atingir a meta final - a
espiritual. Somos atores no palco da vida destinados a desempenhar
múltiplos papéis e só cessaremos quando a platéia divina - os Seres
de Luz – darem por cumprida a nossa missão. Então, eles dirão
algo parecido com isto: “Chega, já é suficiente. Você é um artista
nota 10. Há muito trabalho em outras dimensões mais etéreas em
prol de seres insipientes. Fique conosco a partir de agora”. Aí,
seremos também “Seres de Luz”, transbordantes de amor e com
mérito para participar do stablishment celestial. No âmbito das
etéreas dimensões ninguém fica parado, cada um participa da nobre
função de ajudar outros a evoluírem. No paraíso não se premia a
indolência como muitos imaginam. Mediante trabalho espiritual
incessante, chegará num dia longínquo o momento único em que
seremos unos com Deus.
Quando Jesus disse a Nicodemos, um dos principais
sacerdotes do Templo de Jerusalém, que se alguém não nascer de
novo, não pode ver o reino dos céus, o fariseu espantou-se. Não
estaria o Mestre delirando? E logo rebateu a idéia por achá-la
absurda: “Como pode um homem renascer, sendo velho? Pode,
porventura, voltar ao ventre materno e nascer uma segunda vez?
Respondeu o Messias: Em verdade, em verdade, te digo: Quem não
nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus... O
vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes de onde
vem, nem para onde vai; assim é todo que é nascido do Espírito”.
Sem entender nada, volta a insistir um perplexo Nicodemos:
“Como pode suceder isto”? Esclarece Jesus: “Tu és mestre em
Israel e não compreendes estas coisas?”. Infelizmente, ainda hoje
em dia, inúmeros mestres “blá-blá-blás” e “blu-blu-blus”
continuam sem entender.

106
CAPÍTULO 13

CRISTO E AS RIQUEZAS

Nossa amiga Rosmarin, desta vez, se insurge com


característica veemência contra uma suposta exaltação da pobreza
pelo cristianismo, ao contrário da sapiência judaica que a considera
“fator limitante, em vez de estímulo à fé”. A vida do necessitado

107
não é vida, pois “pobreza na casa é pior que cinqüenta pragas”
(Baba Batra 116a). Arrepia-se o judaísmo ortodoxo até a medula ao
ouvir as palavras de seu próprio Messias: “É mais fácil um camelo
entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino
dos céus”. Então, exclamam indignados: “E o que será dos nossos
ricos judeus de Wall Street? Ora, eles não têm culpa nenhuma de
serem donos de enormes riquezas bafejadas pelas benções de
Iahveh”.
Uma verdade não elimina outra. O escudo pode ser de prata
numa face e de ouro na outra. Uma moeda vale tanto pela cara
como pela coroa. Para entender as palavras de Jesus faz-se
necessário analisá-las num contexto de sublime espiritualidade. Se
alguém quer visualizar Cristo, deve contemplar em êxtase a
imensidão dos céus e não olhar para o chão, perdendo-se em busca
infrutífera. Esmiuçando-se o solo, somente minhocas são
encontradas.
Nunca ninguém se preocupou tanto em beneficiar o ser
humano como Jesus Cristo. A ponto de entregar-se em holocausto
para a salvação da humanidade. O bem estar indistinto das pessoas
constituía seu objetivo primordial e diário, inclusive aos sábados,
em que pesem os absurdos protestos farisaicos. Com amor
insuperável ensinou, curou, ressuscitou, multiplicou pães e peixes
para saciar-lhes a fome e até transformou água em vinho para vê-
las sorrir alegres e felizes.
Jesus apresentou aos discípulos uma metáfora, pois quando
se espantam e dizem: “Então, não se salva ninguém!”, esclarece:
“Para Deus tudo é possível”. Isto quer dizer que a riqueza,
sinônimo de poder, oferece tentações que são quase impossíveis de
resistir. O homem poderoso tende a agir com arrogância e abusar
dos mais fracos, justamente aqueles que não podem lhe resistir. Na
verdade, a riqueza cria uma responsabilidade moral que aponta ao
rico a obrigação de ajudar o necessitado. Infelizmente, ao situar-se
sobre ilusório pedestal de superioridade, normalmente o abastado
não se sensibiliza e recolhe-se ao próprio ego.
Já vimos como o rei Davi abusou de uma posição
privilegiada, assim como o Henrique VIII, entre inúmeros
exemplos. As Cruzadas representam um hino abominável à riqueza

108
e ao poder. A Inquisição visava manter o status quo de um
sofisticado clero amante dos prazeres mundanos. As revoluções
comunistas pretendiam coibir o abuso secular dos ricos contra os
pobres, motivo de tensões sociais graves. Até o Holocausto judaico
teve as riquezas por motivo principal, visto que Hitler via o povo de
Abraão como um intolerável oponente e imperdoável rival na
disputa por elas. No imaginário do povo alemão, uma mal
adquirida riqueza associada à notória avareza hebraica formava um
binômio inadmissível a exigir justa espoliação e merecida punição.
Inclusive com a eliminação física do povo eleito - a solução final.
E afinal, por que os romanos destruíram Jerusalém? Ora, os
inconformados judeus não queriam pagar os tributos a César como
todos os povos vassalos o faziam, e se sublevaram, todos sabem
disto. Anteriormente, por causa também de tributos negados, os
reinos de Israel e Judá foram destruídos. Em suma, crimes
incontáveis e guerras calamitosas devem-se à disputa irrefreável
pelas riquezas, sinônimo de poder. Rios de sangue derramados,
enormes sofrimentos, dores sem conta, desolações extremas, tudo
poderia ser evitado se a ambição fosse sublimada pelo amor ao
semelhante. Ainda será necessário estender-se mais a respeito do
óbvio ululante?
É importante assinalar que Jesus nada tinha contra a riqueza
em si, somente pretendia alertar contra a sua utilização egoísta e
predatória. Mulheres de posses ajudaram Jesus e discípulos para
permitir-lhes dedicação integral na incansável pregação. Na
dimensão da matéria o dinheiro possui um valor real que não se
pode desprezar, mas urge utilizá-lo com louvável generosidade em
prol do semelhante. Na oração do Pai Nosso suplica-se aos céus:
“Venha a nós e ao vosso reino”. A tendência humana é ficar só no
“Venha a nós” e esquecer o “vosso reino”, isto é, desprezar o
altruísmo em prol do egoísmo.
A narrativa de Lucas sobre Zaqueu, o maioral dos
publicanos, é ilustrativa. Este homem era um judeu mal visto e
desprezado pelos conterrâneos. Cobrava com fingida severidade os
impostos para os romanos e de quebra exorbitava em causa própria.
Não é de estranhar-se que ao longo dos anos houvesse acumulado
moedas e mais moedas de ouro e prata. A enorme riqueza material,

109
contudo, não satisfazia espiritualmente um atormentado Zaqueu.
Era um rico infeliz, uma aparente contradição no mundo terreno.
Não foi o primeiro e nem seria o último. Uma evidência é que
vários muito ricos e até famosos suicidam-se deixando a todos
perplexos, sem entender a razão do ato tresloucado de quem se
situa em invejável posição na sociedade.
Com certeza, o avaro cobrador carregava na consciência um
peso não menor do que os de suas queridas moedinhas. Gostava de
entrar pelas noites adentro contando e recontando-as, porém até
este repetitivo passatempo acabou por aborrecê-lo. E o pior, não
conseguia livrá-lo dos olhares fulminantes de despeito e ódio que o
perseguiam em insuportável libelo acusatório aonde quer que fosse.
Paradoxalmente, havia se tornado o pária mais rico do mundo. Os
párias na Índia carregam o estigma da casta e do desprezo pela vida
afora. São os intocáveis de uma sociedade desumana que os rejeita
cruelmente. Trata-se de um karma extremamente penoso que
carregam resignadamente pela vida afora. Zaqueu sentia-se como
um deles, não obstante a invejável fortuna amealhada de forma
espúria.
Um belo dia soube que um profeta notável vinha a Jericó
aonde residia. A fama de Jesus de Nazaré espalhara-se célere pelas
aldeias e cidades, mercê de seus ensinamentos fascinantes e
inúmeros sinais milagrosos. Até Nicodemos, um dos principais
fariseus, havia-se rendido ao fascínio do Nazareno a ponto de
confessar: “Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus;
porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não
estiver com ele”. Uma curiosidade irresistível apossou-se de
Zaqueu que resolveu assistir pessoalmente a apoteótica entrada na
cidade do celestial rabi. O povo de maneira geral olhava os profetas
como homens agraciados com o dom divino, não importando se
fossem de origem humilde. Eram mensageiros escolhidos a dedo
por Deus para fazer cumprir a Sua vontade. Assim, detinham uma
autoridade espiritual extraordinária provinda dos céus e exercida
paralelamente com a dos sacerdotes do Templo - o stablishment
judaico. Tais religiosos comumente tomavam-se de inveja assassina
contra os agraciados de Deus e procuravam matá-los.
Zaqueu, embora favorecido pela enorme riqueza, não havia

110
conseguido acrescentar um côvado à sua estatura. Era um
“baixinho” e precisou subir agilmente num sicômoro, único meio
de avistar Jesus. Não devemos esquecer o singular clima
psicológico para entender a reação de Zaqueu. É chegado o tão
aguardado momento. O profeta recém-chegado aproxima-se
caminhando à testa de alvoroçada multidão e, em meio ao
tumultuado ambiente, os olhares de ambos se cruzam. O Mestre
dos mestres embaixo e o publicano encaracolado em cima da
árvore. A resplandecente Luz Divina está em via de iluminar aquele
pontinho escuro - o espírito de Zaqueu.
Ninguém havia informado a Jesus quem era aquele
homenzinho, e nem precisava. O Filho do Homem sabia não só o
seu nome, sua profissão e tudo o mais que se passava na sua mente
atormentada. O pária judaico, por sua vez, apercebeu-se que estava
diante de Alguém bem mais do que um simples profeta. Por isto,
alegra-se ao ouvi-lo dizer: “Zaqueu, desce depressa, pois me
convém ficar hoje em tua casa”. Ele obedece de imediato e põe-se
humildemente à disposição do Mestre. Considera-se um
afortunado, tal qual tivesse sido premiado com a sorte grande.
Entre tantos simpatizantes presentes havia sido o escolhido. Muitos
de mentalidade tacanha iriam criticar Jesus por hospedar-se na casa
de um pecador. Olhando sob a ótica farisaica, não estavam errados.
Foi um ato politicamente incorreto, entretanto Jesus não era um
político, mas sim, o Messias - o Filho de Deus.
A Bíblia é sucinta em demasia e não narra os reveladores
pormenores das conversas mantidas na casa de Zaqueu,
particularmente às refeições. Uma coisa é certa, o cobrador de
impostos renasce naquele dia. Um homem avarento, o egoísmo
personificado, transforma-se num ser amoroso capaz de reconhecer
os próprios erros e reconciliar-se com seus irmãos. O amor
incomensurável do Messias contagia Zaqueu a ponto de levá-lo a
jurar convicto na frente dos presentes em louvável gesto de
remissão: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens;
e se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes
mais”.
“A maior vitória do ser humano é vencer a si mesmo”. É o
objetivo essencial da religião verdadeira. Cada um tem em si

111
próprio o seu maior inimigo. Zaqueu ofereceu ao Messias um
momento de auspicioso júbilo. A ovelha tresmalhada foi
recuperada e os céus louvaram o acontecimento. Jesus declara aos
presentes: “Hoje houve salvação nesta casa, pois que também este é
o filho de Abraão. Porque o Filho do Homem veio buscar e salvar o
perdido”.
Moral da história: O importante é a grandeza espiritual e não
a riqueza entesourada em si mesma. Jesus contentou-se com a
atitude altruísta de um egoísta de carteirinha. Ele havia vencido a si
mesmo, portanto agradou a Deus. Apesar da admirável
metamorfose, o “baixinho” continuou sendo um homem rico,
simplesmente porque era riquíssimo, um fato que poucos atentam.
O Nazareno sabia-o perfeitamente e nem insinuou que devia dar
além do que se propôs. Deus nada impõe aos seus filhos.
Sabiamente aguarda que se redimam por si próprios. Tudo se
resumiu em sublime ato de rendição ao Pai e o Filho recebeu a
ovelha desgarrada em clima de alegria.
O velho judaísmo restringe-se à limitada ótica terrena e
despreza Jesus Cristo porque enaltece “um reino que não é deste
mundo”. A dimensão celestial surge ao farisaísmo restrito como um
fantasma ilusório que não faz sentido real e, portanto, deve ser
ignorada. Vimos algo semelhante quando, ao longo da história da
Igreja, os bispos olhavam o “reino dos céus” com desdém e, de pés
fincados no chão, mantinham por meios brutais e ilícitos o domínio
terreno. Na verdade, a única coisa que lhes importava.
Também se ressalta a possibilidade de uma pessoa ser rica e
crente, enquanto outra, além de pobre ser descrente. A Bíblia
hebraica afirma sabiamente que a riqueza não constitui uma
negação da fé, mas uma recompensa desejável. Há, inclusive, uma
tendência celestial de premiar os crentes com merecidas benesses
materiais, pelo menos aquelas não oriundas da exploração e
opressão dos pobres. O ponto de vista judaico estende-se mais além
e considera que a riqueza conduz mais à piedade e ética do que a
pobreza, pois permite concentrar-se melhor em esferas elevadas da
religiosidade. É interessante lembrar que existem correntes do
protestantismo cristão que pensam de modo semelhante e chegam a
afirmar: “Ser rico é agradar a Deus”. Nossa amiga cita algumas

112
passagens do Novo Testamento que julga estar em contradição
gritante com a prática do judaísmo:
“Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes a vossa consolação!
Ai de vós, que agora estais saciados, porque tereis fome!” (Lucas
6.24-25)
Acrescenta a parábola do pobre Lázaro e do rico. O segundo
era um homem rico que se vestia de púrpura e de linho finíssimo e
todos os dias regalava-se esplendidamente. O primeiro jazia à porta
do segundo coberto de úlceras. Saciava-se do que caía da mesa do
rico... “Aconteceu que morreu e foi levado pelos anjos ao seio de
Abraão. Morreu também o rico. Na mansão dos mortos, em meio a
tormentos, levantou os olhos e viu ao longe Abraão e Lázaro em
seu seio. Então, exclamou: ‘Pai Abraão, tem piedade de mim e
manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua,
pois estou torturado nesta chama’. Abraão respondeu: ‘Filho
lembra-te de que recebeste teus bens durante tua vida e Lázaro por
sua vez os males; agora, porém, ele encontra aqui consolo e tu és
atormentado”. (Lucas 16. 19-26)
O judaísmo restrito indigna-se até a raiz dos cabelos em
solidariedade ao rico que, supostamente, não pecou para merecer
tão horríveis torturas. A inexorável recusa em dar uma gotinha
dágua ao infeliz para minorar-lhe o atroz sofrimento afigura-se uma
perversidade sem conta vinda dos céus. O homem rico desta
parábola, na visão dessa ortodoxia, não é o vilão, mas um herói
injustiçado e digno de comiseração. Em suma, pobreza não é
sinônimo de virtude e riqueza não constitui pecado. Confessa ela
afinal que a parábola de Jesus constitui um enigma a ser
desvendado.
Se essa parábola encerra um mistério indecifrável ao
universo mosaico, não menor espanto nos causaria se a resposta
não estivesse evidente nas entrelinhas. As narrativas bíblicas são
extremamente sucintas e exigem uma interpretação adequada. Já
vimos que o Messias, no episódio de Zaqueu, avaliou o cobrador de
impostos pelo coração e não o censurou nem um pouquinho pelos
enormes bens restantes. O bem estar do publicano era-lhe
igualmente importante a ponto de relevar a origem questionável de
sua riqueza. E afinal, cobradores de impostos são necessários em

113
qualquer época.
Deus deu ao homem as incomensuráveis riquezas do planeta
e, melhor ainda, deu-lhe inteligência plena e suficiente para usá-las
da melhor maneira em seu próprio benefício. Dentro desta
perspectiva generosa, em princípio somos todos ricos. Na prática
isto não ocorre porque presenciamos um mundo onde, entre outros
fatores imponderáveis, campeia a injustiça, poucos são agraciados e
alguns nem têm o que comer. Descontada a ociosidade criticável,
há uma gritante contradição, motivo de indignação aos homens de
boa vontade. Aqueles que detêm as riquezas tendem a explorar os
menos favorecidos. Basta lembrar que um genial judeu chamado
Karl Marx tentou dar uma solução definitiva ao “enigma”. Ao
negar friamente Deus, Marx transformou o notório materialismo
judaico em “materialismo dialético”. O famoso filósofo era um
homem bem intencionado, “reto e justo”, e ninguém pode negar
este fato, mas desconhecia o significado essencial da palavra amor.
Ele também havia ignorado o seu próprio Messias.
As classes sociais, eternamente em oposição, deveriam ser
agrupadas numa só, aquela dos deserdados da sorte. “Proletários de
todo mundo, uni-vos”, deste modo lançou ao mundo o famoso
lema. Marx apresentou uma variante do judaísmo por acreditar que
“justiça e retidão” poderiam ser alcançadas mediante uma radical
mudança social. As religiões eram suspeitas ao associar-se sempre
aos poderosos e seria melhor eliminá-las, bem como a idéia de um
Deus que acreditava ser inexistente. Decerto, não é a solução
apontada pelo Filho de Deus que propugnou mudar o homem de
dentro para fora, uma transformação radical, mas de cunho interior,
como ocorreu com Zaqueu. O progresso social depende
essencialmente da transformação do elemento básico da sociedade,
o próprio ser humano.
A metáfora protagonizada por Lázaro retrata a miséria
espiritual do rico apegado aos bens materiais de forma egoística e
que ignora, senão usurpa vorazmente o bem estar do semelhante.
Certamente, não se refere ao homem rico e bom, aquele que se
rejubila em ajudar irmãos carentes. Venhamos e convenhamos, são
poucos os que se enquadram nesta assertiva.
Vejamos o outro lado do escudo, a versão ignorada por uma

114
perspectiva acanhada. O rico da parábola desprezava Lázaro, não
lhe dirigia sequer uma palavra amiga, nem se condoia com sua
miserável situação. O pobre Lázaro era o intocável pária de uma
sociedade imersa em profundo egoísmo. O rico, encastelado em sua
soberba, olhava-o com desdém e o ignorava. Se quisesse, que
comesse de suas migalhas e pouco se lhe importava. Poderia
socorrer o infeliz mandando um de seus inúmeros servos fazer-lhe
um providencial curativo nas doloridas feridas em louvável
tentativa de aliviar-lhe o intenso sofrimento. Contudo, negava-se
insensível a confortá-lo, jamais parou sequer um instante para dar-
lhe a mínima atenção e com desprezo relegava aos cães este ato
caridoso.
Sob a ótica do rico avarento, Lázaro não merecia ser tratado
como um ser humano digno do nome, pois não passava de um
“ninguém”. Nunca se preocupou em saber o seu nome. Depois, os
papéis se inverteram. Aí, lembrou-se do esquecido Lázaro, aquele
que sempre considerou um ninguém na vida. Quis, então, ser
socorrido por ele, porém a justiça divina ensinou-lhe que
“ninguém” o atenderia em seu reclamo tardio como punição pela
omissão crudelíssima.
A bela parábola é um alerta alegórico contra o egoísmo que
impõe grandes sofrimentos à humanidade de maneira geral. O amor
sempre foi uma mercadoria escassa nos corações humanos. Não
obstante, aos poderosos cabe a tarefa de ajudar os desfavorecidos,
porque o inverso se torna inviável. Se, dominados pela prepotência,
desdenharem da tarefa porque se julgam plenamente saciados,
chegará um triste dia em que terão fome e sede. Então, elevarão
suas vozes em veemente súplica e, não obstante, o alimento tão
desejado lhes será negado. Assim, como cerraram seus corações
empedernidos, impedindo Deus de neles entrar, as portas da
mansão celestial ser-lhes-á fechada. “Aí, haverá choros e ranger de
dentes”, como revelou Jesus Cristo.
O judaísmo acusa o Novo Testamento de condenar
sumariamente os ricos e adular em exagero os pobres. Decerto,
dizem entre si, será que este tal de Jesus dos cristãos só pensa nos
pobres? E nós ricos, não temos vez? O que será de nossos “retos e
justos” banqueiros de Wall Street? Ora, a atenção de Deus se volta

115
preferencialmente aos mais necessitados. Qual o bom pai que tendo
dois filhos, um muito rico e outro muito pobre, não vai preocupar-
se prioritariamente em ajudar o segundo, se está ao seu alcance
fazê-lo? Na verdade, o objetivo é atenuar a busca desenfreada do
homem pelas riquezas, uma conduta lastimável que origina tensões
sociais insanas e acarreta perversões e guerras sem conta.
“Não só de pão vive o homem”, ensinou Jesus, ainda que o
tenha multiplicado milagrosamente, a ponto de alimentar
multidões. Ele se alegrava ao promover o contentamento geral. E
alertava: “Tende cuidado e guardai-vos de toda e qualquer avareza;
porque a vida de um homem não consiste na abundância dos bens
que ele possui.” Alguns dizem à sua própria alma: “Tens em
depósito muitos bens para muitos anos: descansa, come e bebe e
regala-te. Mas Deus lhe disse: Louco, esta noite te pedirão a tua
alma; e o que tens preparado para quem será? Assim é o que
entesoura para si mesmo e não é rico para com Deus.” “A vida é
mais que o alimento, e o corpo mais do que as vestes. Deve-se
buscar o reino de Deus porque as demais coisas vos serão
acrescentadas naturalmente”. Uma verdade de cunho material não
elimina outra, espiritual. A riqueza pode ser acrescentada ao
homem sem que precise egoisticamente chafurdar-se no mal e
esquecer os deveres com seus irmãos.
Vamos contar um episódio da vida real. Um homem,
chamado Isaac, enfrentou grandes dificuldades, mas enriqueceu
vendendo uma quantidade enorme de refeições para numerosas
firmas. O número de “quentinhas” ultrapassava cinqüenta mil
unidades diariamente. E depois de serem entregues pelas viaturas
sobrava sempre bastante comida, visto que era impossível calcular
exatamente a quantidade ideal, sem faltar ou sobrar algumas
“quentinhas”. Os empregados do Seu Isaac jogavam-nas dentro de
incontáveis sacolas no lixo. Não queriam importunar-se com a
tarefa gratuita de distribuí-las a uma fila de carentes que cresceria a
cada dia.
Uma vez, o Seu Isaac flagrou alguns empregados pondo-as
no lixo e não ficou satisfeito com o que viu, pois era um homem de
bom coração. Todos sabiam que, apesar de muitíssimo bem
sucedido nos negócios, gostava de ajudar as pessoas sem

116
discriminação. No dia seguinte mandou que uma das viaturas
entregasse todo dia as sobras numa conhecida casa de caridade. O
Abrigo Infantil abrigava mais de cem crianças e situava-se em
bairro periférico bem distante.
“Vamos desviar auxiliares, uma viatura e um motorista por
várias horas, além de gastar gasolina à-toa”, ponderou seu auxiliar
mais chegado em tom de critica. O altruísmo do judeu dono da
firma venceu e continuou ajudando os meninos e meninas. Os
responsáveis pelo Abrigo e o próprio Seu Isaac ficaram contentes
com a feliz solução. Uns em receber e outro em dar graciosamente.
Moral da estória: Riqueza material pode também dar
margem à riqueza espiritual. Cabe a cada um exercer o livre
arbítrio de forma positiva ou negativa. Seu Isaac ostentava no peito
a estrela dourada de Davi, todavia, mesmo sem o saber, carregava a
cruz luminosa de Cristo no coração. Judaísmo e cristianismo,
quando manifestam amor sincero, são sinônimos. O bem é uno e
justifica-se por si próprio.
Os judeus dedicaram-se ao longo da história às atividades de
empréstimo a dinheiro e nisto obtiveram enorme sucesso. As
grandes fortunas engordaram nas mãos dos filhos de Abraão.
Financiaram reis e chefes de governo ao ponto de incentivar
inúmeras guerras. Uma mesma família de banqueiros, estabelecida
nos países europeus beligerantes, estimulava guerras fratricidas
com grandes lucros. Até os papas recorreram aos banqueiros judeus
a fim de realizar suas tresloucadas aventuras bélicas.
De fato, várias atividades profissionais essenciais foram
vedadas injustamente aos judeus, não obstante sentiram-se por
demais à vontade em locupletar-se com juros, às vezes
escorchantes, já que o cristianismo vedava a usura aos fiéis. De
modo a priorizar as riquezas, havia o costume dos rapazes judeus
exigirem dotes vultosos das famílias de suas noivas,
obrigatoriamente judias. Era uma tradição que incentivava as
famílias a prosperar financeiramente a fim de assegurar um
conveniente casamento às suas queridas filhas. “O dinheiro não traz
felicidade”, diz a sabedoria popular, entretanto este refrão sempre
ecoou suspeito aos ouvidos dos filhos de Abraão.
A imagem do povo judeu foi sendo associada a uma

117
gananciosa e desprezível avareza através de toda Europa e deu
margem à formação de uma opinião pública extremamente hostil.
O povo de Abraão, agravando a situação, gostava de viver à
margem da sociedade e era olhado de modo crítico nos vários
países como um estranho no ninho. Os judeus eram os únicos que
não comemoravam o Natal, a festa máxima da cristandade, pois se
compraziam em ignorar o expoente máximo de sua própria raça.
Gostavam até de usar vestimentas características que os
diferenciavam dos demais cidadãos. Não se contentavam em já
serem circuncidados. Geralmente vestiam roupas pretas e usavam
chapéus da mesma cor, como se estivessem em luto permanente,
não se sabe por quem. Certamente não era por Cristo. Uma vasta
literatura se espalhou estigmatizando-os com ou sem razão. Dentro
desse clima de antipatia geral propício a ensejar ódios, surgiu
escandalosa denúncia na Rússia czarista de uma conspiração
judaica urdida pelos chamados “sábios de Sião” para dominar
mundo.
No romance de escritor russo Dostoiesvsky, “Crime e
Castigo”, narra-se o assassinato de um agiota judeu por um pobre
jovem que se revolta ante a figura egoísta do velho ganancioso. O
leitor é levado a simpatizar com o assassino ingênuo em detrimento
da vítima que representa o estereótipo do hebreu incapaz de ajudar
qualquer pessoa estranha ao universo mosaico, senão às pessoas de
seu próprio povo. O protagonista ao longo da trama vai-se
avultando como verdadeiro herói aos olhos do leitor. Acrescente-se
que os filhos de Abraão sentiam-se sem maior compromisso com as
nacionalidades onde ganhavam a vida desde a diáspora romana.
Gentios não passavam em suas mentes de estranhos a serem
evitados. Eram judeus de coração e não franceses, ingleses,
alemães, poloneses, não importa aonde nascessem. Em decorrência,
passaram a ser vistos de maneira geral como cidadãos não
confiáveis ou potenciais traidores da pátria hospitaleira que os
acolhia generosamente em seu seio.
Estava armado o palco da vida para oferecer lamentáveis
tragédias em que inocentes pagariam pelos pecadores. No célebre
affaire Dreyfus, um leal oficial do exército francês, o famoso
capitão Dreyfus, foi punido injustamente por traição à pátria. O

118
revoltante caso retratou a tensa situação de ódio reinante entre
gentios e judeus, capaz de levar um inocente a pagar caro pelo que
não fez. Os acusadores alegaram cheios de má fé que o jovem
oficial do exército havia vendido segredos militares à Alemanha,
então inimiga da França.
Ele sofreu imerecida difamação e degradação, acabando por
ser sentenciado à prisão perpétua. Cumpriu cinco anos em severo
cárcere privado, algemado até para dormir, na remota Ilha do
Diabo. Felizmente, a verdade veio à tona e revelou de forma
chocante o verdadeiro culpado. Era outro oficial francês de igual
patente, um viciado jogador sem escrúpulos que nunca sofreria o
merecido castigo pela infame e dupla traição - à pátria e ao irmão
de farda. Pior ainda, o ministro do exército sabia quem era o real
culpado, mas absteve-se cinicamente de revelá-lo porque queria
inculpar os judeus, visando transformá-los em bodes expiatórios.
Uma maneira inglória de tentar vilmente salvar a honra dos
medíocres generais franceses que foram derrotados nos campos de
batalha pelos alemães.
A religião judaica serve de cimento aglutinador de uma
cultura antiga que reluta em ser assimilada pelos gentios
circundantes em extraordinário instinto de preservação. Os judeus
descobriram que o dinheiro era o passaporte ideal para sobreviver
num mundo cruel onde figuravam sempre em minoria. O Bezerro
de Ouro é o poderoso deus tangível que governa a dimensão da
matéria e não há hipocrisia maior em desmentir tal fato. Se
expulsos de um país, mudavam-se facilmente para outro já que
possuíam bens circulantes e não imóveis. Riqueza significa poder e
as talentosas comunidades judaicas tornaram-se poderosas, temidas
e, lamentavelmente, invejadas. Nós sabemos como o despeito é
destruidor, pois levou o Salvador à cruz.
Esse complexo fenômeno religioso e sócio econômico
preparou o campo propício ao Holocausto promovido por Hitler e
seus asseclas. Diante de tantas calamidades, será que ainda
devemos amar as riquezas em detrimento dos valores essenciais do
ser humano? Moisés, considerado o profeta maior do judaísmo, não
se apiedou em sacrificar 3000 adoradores do Bezerro de Ouro para
apaziguar um irascível Iahveh. Todas as verdadeiras religiões

119
procuram enfatizar a espiritualidade em detrimento da matéria,
embora se reconheça o valor relativo desta última. Caso contrário,
cultuando hipocritamente Deus, nós estaremos, na verdade,
adorando o Bezerro de Ouro, e conduzindo a humanidade ao
nefando destino da autodestruição.

120
CAPÍTULO 14

FÉ versus LEI

Outro aspecto importante refere-se à tradicional oposição


que situa a Fé versus a Lei. A ortodoxia judaica afirma com
orgulho que as leis da Torá representam a “quinta essência da
bondade”. O cristianismo, igualmente, considera que a essência da
Torá vise o aperfeiçoamento espiritual do homem, pois a bondade
constitui a essência do amor divino e vice-versa. Sacerdotes ou
pastores, cristãos de todas as correntes não se cansam de proclamar
nas missas ou cultos os exemplos admiráveis dos personagens
notáveis do Velho Testamento ou Torá. Eles são tidos como fonte
inexaurível de ensinamentos morais, religiosos e espirituais.
Surpreendentemente, estão mais vivos e atuantes na Igreja moderna
do que na época em que viveram.
Não obstante, reclama o judaísmo que teólogos cristãos
afirmam que a Fé em Jesus revogou a Lei mosaica. Deste modo, foi
levantado um obstáculo instransponível que afasta Mãe e Filho em
caráter definitivo. É bom lembrar que o raio do círculo espiritual do
Filho de Deus é infinito e nele cabem todos os seres sem distinção.
Não fosse assim, não seria a própria “Imagem de Deus”.
Realmente, em incontáveis episódios tem-se proclamado a
inferioridade da Lei em comparação com a Fé, porém quando a
primeira representa um sentimento tão egoísta que impede a
manifestação da enaltecida “quinta essência da bondade”.
Argumenta-se que embora Jesus tenha dito: “Não penseis que vim
revogar a Lei e os Profetas. Não vim revogá-las, mas dar-lhe pleno
cumprimento. Porque em verdade vos digo que até que passem os

121
céus e a terra, nem um i ou um til jamais passará da Lei, sem que
tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos,
posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será
considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os
observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus.
Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos
escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus”.
O judaísmo restrito acusa Jesus de ter-se contradito ao negar
a Lei perante os seus próprios seguidores por várias vezes. Certa
ocasião, Jesus e seus discípulos andavam pelos campos de trigo
durante o Shabat. Os discípulos, exauridos pelas longas caminhadas
no sublime ato de pregar a fé e curar uma longa lista de
necessitados em nome de Deus, estavam assaz famintos e colheram
algumas espigas para comer avidamente. Pela ação inocente foram
censurados com amarga severidade pelos rabinos sob o pretexto de
estarem transgredindo a lei do Shabat,
Não é de se admirar-se que Jesus lhes tenha respondido:
“Não lestes o que fez Davi quando ele e seus companheiros tiveram
fome? Como entraram na casa de Deus, e comeram os pães da
proposição, os quais não lhes eram lícito comer, nem a ele nem aos
que com ele estavam, mas exclusivamente aos sacerdotes. Ou não
lestes na Lei que, aos sábados, os sacerdotes no templo violam o
sábado e ficam sem culpa? Pois eu vos digo: Aqui está quem é
maior que o Templo. Mas se vós soubésseis o que significa:
‘Misericórdia quero e não holocaustos’, não teríeis condenado
inocentes. Porque o Filho do homem é senhor do sábado.”
Insurge-se contra as palavras do Mestre dos mestres, mas
sem justa razão. Inicialmente, alega que a violação do descanso do
Shabat em caso de emergência não só “é permitida”, mas também
obrigatória. Certamente, manifesta um pensamento consensual
moderno, uma tentativa tardia de validar a sua argumentação. Hoje
em dia, em qualquer lugar do planeta, não importa quão atrasado
seja, configuraria um absurdo deixar alguém morrer por causa da
observância exacerbada de um dia religioso. Quando ela nos diz: “é
permitida”, refere-se ao presente, porém estamos falando de um
episódio ocorrido há dois milênios. Esquece-se que os rabinos
daquela época não pensavam de um modo racional, segundo a pura

122
lógica dos filósofos gregos. Era um mundo onde campeava a
ignorância e a brutalidade perversa não espantava ninguém. O
mundo não pára e flagrantemente caminha para frente. Houve um
progresso tecnológico fantástico e melhoramos, também, um
pouquinho espiritualmente. E “um pouquinho” faz muita diferença.
Os rabinos daquela época eram uns, e os de agora são outros, por
menor que tenha sido sua evolução. Na verdade, aqueles não
passavam de religiosos ignorantes, invejosos e hipócritas, além de
potenciais assassinos, como provariam mais adiante ao levar
sordidamente o Inocente Divino à crucificação e rejubilar-se com o
assassinato dos cristãos. Em suma, eram anãos espiritualmente.
Quanto a ser emergência ou não livrar-se da fome, é bem
relativo. Uma moeda tem duas faces de igual valor. Ora, a fome
não constitui uma emergência para quem está de barriga cheia e
papo para o ar. Entretanto, quem está com o estômago vazio,
roncando e doendo a reclamar por comida, vê o escudo sob outro
ângulo. Há pessoas que nunca sofreram esta desdita, felizmente. A
fome causa sofrimento, raquitismo, doenças e conduz
inevitavelmente à morte, todos sabem disto. Aqueles rabinos
maliciosos, incapazes de sentir misericórdia, porém amantes de
holocaustos sangrentos, mostravam-se insensíveis à aflição do
semelhante. Eles fingiam escudar-se na Lei para externar o
injustificado ódio que sentiam até a medula contra inocentes. Um
sentimento negativo que lamentavelmente parece não ter-se
esgotado. Na verdade, a Luz os incomodava porque lhes aprazia,
como morcegos, viver na escuridão.
Façamos um parêntese: Dirão alguns impertinentes: “Ora,
por que Jesus não fez outro de seus inúmeros milagres, dando aos
seus discípulos que andavam famintos peixes e pães em
abundância? O mais importante é preservar o nosso sagrado
Shabat!” Resposta: Milagres têm o seu momento preciso para
serem valorizados. E Jesus Cristo quis aproveitar a oportunidade
para separar o irrelevante do relevante, o supérfluo do essencial, o
fanatismo da fé autêntica e a mentira da verdade.
O Shabat originou-se do mito do Gênesis quando Iahveh
descansa no sétimo dia após ter criado os céus e a terra e tudo que
neles há, porém sob a perspectiva unilateral do ser humano.

123
Ilusoriamente, o homem situa-se no centro do universo e a terra é o
único planeta habitado. Ele é a figura central, o protagonista do
palco da vida, os demais são figurações secundárias em proveito do
pressuposto herói. Mal interpretado, o Gênesis dá margem à
filosofia do egoísmo e aprisiona o homem dentro de um poço
profundo. O céu reduz-se a um círculo mesquinho de raio restrito.
É sugestivo que em suas pregações, Jesus jamais tenha endossado o
Gênesis. Sabia que se resumia em venerável estória, mas sem
consistência real.
Posteriormente, nos famosos Dez Mandamentos, Iahveh
ordena: “Lembra-te do dia de sábado, para santificá-lo. Seis dias
trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do
Senhor teu Deus e não farás nenhum trabalho, nem tu, nem teu
filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu
animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro. Porque em
seis dias fez o Senhor os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há,
e ao sétimo dia descansou”.
Desta vez, Iahveh exprime o inconsciente coletivo de
maneira justa e bondosa. Estende sabiamente a todos, sem qualquer
discriminação, inclusive forasteiros e animais úteis, um saudável
repouso semanal quando cessam os afazeres em proveito do
merecido lazer e devotamento espiritual. O biorritmo do ser
humano exige uma pausa obrigatória para permitir a restauração
das energias naturais. Entretanto, os atos inocentes de alguns se
nutrirem com poucas espigas de trigo não se enquadram nem um
pouquinho em sensatas restrições inspiradas pelo Senhor dos
Universos. Eles não estavam executando “nenhum trabalho”, mas
mitigando a fome para poder cultuá-Lo com maior tranqüilidade no
Shabat. Existe, evidentemente, uma diferença fundamental nos dois
contextos que não os coloca em oposição. Deus, em sua grandeza
infinita, jamais censuraria os amorosos apóstolos por tão
pouquinho. A mesquinhez decorrente da inveja pertence ao mundo
terreno e não provem do reino dos céus.
Os povos de maneira geral têm determinados dias especiais
de descanso em obediência ao reclamo do corpo e da mente. Os
romanos reservavam o domingo para repousar, um dia ideal para
cultuar os seus deuses. Quando oficializaram o cristianismo, o

124
domingo acabou sendo compartilhado pelos cristãos como uma
concessão sensata aos costumes seculares do grandioso império
romano. Os muçulmanos inicialmente escolheram o sábado
conforme a Torá, mas depois, para diferençar-se dos judeus que os
depreciavam, optaram pela sexta-feira. Os chineses, indianos,
japoneses, como os demais povos de outras culturas, sempre
usufruíram dias de lazer.
Sabemos atualmente que Deus não fez o universo em seis
dias, mas em bilhões de anos. O seu modo de criar é diferente e,
belas alegorias à parte, de modo infinitamente mais grandioso,
racional e admirável. Os mitos são metáforas que espelham uma
fase insipiente da evolução espiritual do ser humano. São os
ensinamentos iniciais do Criador do Multiverso que se revela
gradativamente, conforme se aprimora o entendimento. São
verdades relativas e não plenas. Nenhum conto é mais lindo do que
o do bondoso Papai Noel que vem do Pólo Norte. No entanto,
quando atingimos a maturidade, percebemos que existe de fato um
Papai Noel não menos amoroso – nós mesmos. Não obstante, se
alguém quer morrer de velhice acreditando no Papai Noel mítico,
tudo bem, que se regale na fantasia infantil, já que não cresceu
mentalmente o suficiente para dar-se conta da realidade.
Diante do exposto, vemos que o Shabat é uma criação
humana, uma venerável fábula do judaísmo e, portanto, não pode
ser levada ao pé da letra. Ninguém merece ser prejudicado pelo
fanatismo de alguns religiosos equivocados ao ponto de pagar com
a própria vida. Isto não quer dizer que o Espírito Multiversal não
tem nada a ver com o Shabat. Deus inspira o homem nos seus bons
pensamentos e ações. É o que Jesus Cristo nos ensina de maneira
exemplar.
Enfim, o dia santo judaico foi feito pelo homem em seu
próprio benefício. Pode usá-lo a bel prazer e, mesmo, ignorá-lo se
julgado conveniente. O fundamentalismo radical tem os seus dias
contados. Inclusive os comerciantes judeus espalhados pelo mundo
não fecham os seus estabelecimentos comerciais nos sábados. Uma
medida sensata porque atende ao interesse da coletividade,
inclusive deles próprios. Se fossem radicalizar, estariam
contrariando Iahveh quando não discrimina ninguém: “nem o

125
forasteiro das tuas portas para dentro”. Os empregados gentios
enquadram-se, obviamente, neste caso. Não adiantaria ficar em
casa ou na sinagoga rezando porque, ainda assim, estariam
burlando Iahveh. Se o descanso dos empregadores ou empregados
for usufruído outro dia, em obediência ao costume do país onde
vivem, preserva-se igualmente o espírito da Lei. E qualquer outra
consideração fere o bom senso.

CAPÍTULO 15

OS DEZ MANDAMENTOS

Outra acusação “conclusiva da atitude negativa de Jesus em


relação à Lei” é apresentada. O Nazareno enumerou somente seis
dos dez mandamentos: “Não matar, não cometer adultério, não
roubar, não levantar falso testemunho, não defraudar ninguém e
honrar pai e mãe”. No entanto, omitiu acintosamente “os outros
quatro das obrigações religiosas e cerimoniais” que são “a crença
em Deus, a proibição da idolatria, o nome de Deus em vão e o
mandamento da santificação do Shabat”. (Marcos 10:17-19)
De fato, vemos em Marcos o sugestivo episódio do jovem
rico que sensibilizado diante da pregação do Mestre, ajoelha-se
humildemente e pergunta-lhe:
“Bom Mestre, que farei para herdar a vida eterna?
Respondeu-lhe Jesus: Por que me chamas bom? Ninguém é bom
senão um só, que é Deus. Sabes os mandamentos: Não matarás, não
adulterarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, não
defraudarás ninguém, honra a teu pai e tua mãe. Então, ele
respondeu: Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha
juventude. Mas Jesus, fitando-o, o amou e disse: Só uma coisa te
falta: Vai, vende tudo o que tens, dá-os aos pobres, e terás um
tesouro no céu, então, vem e segue-me. Ele, porém, contrariado
com esta palavra, retirou-se triste, porque era dono de muitas
propriedades”. Então, Jesus disse as famosas palavras: “É mais

126
fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico
entrar no reino de Deus”.
Já analisamos a posição esclarecedora do Filho de Deus
diante das riquezas. Nesse diálogo, logo de início constatamos uma
lição admirável de humildade: “Ninguém é bom, senão um só que é
Deus”. O Filho prostra-se diante do Pai. Um exemplo incomparável
de como devemos amar nossos pais. Outro aspecto flagrante, o
povo judeu, de maneira geral, acreditava em uma vida eterna futura
como recompensa da estrita obediência aos preceitos da Lei. No
entanto, o zeloso jovem está inquieto e, por mais que se esforce,
sente que ainda lhe falta algo a cumprir, mas não sabe exatamente o
que é. Um onisciente Cristo, obviamente, não desconhece o seu
pensamento ou estado de espírito. Aproveita para alertar sobre o
perigo das riquezas. O rei Herodes, o grande, não teria feito tantas
maldades contra inocentes se tivesse nascido pobre e sem coroa.
Ficamos por aqui, mas vamos aos seis mandamentos:
Obviamente, Jesus Cristo citou os seis mandamentos que são
universais. Todos os seres humanos têm a obrigação moral de
cumpri-los. São parâmetros comuns a todas as culturas e religiões.
Os quatro restantes são mandamentos mitológicos saídos do
inconsciente coletivo de um povo tribal vivenciando uma fase
insipiente de entendimento. Vejamos:
1. “Não terás outros deuses diante de mim”. Ora, Iahveh
revela-se enciumado diante da existência de outros deuses além de
si próprio. Implicitamente, suas palavras sugerem a existência real
de seres apenas ficcionais. Na verdade, a crença em inúmeros seres
divinos surge naturalmente em todos os povos primitivos. Faz parte
da evolução natural do homem em fase abc de aprendizado
espiritual e não poderia causar espanto, despeito e muito menos
ódio ao próprio Criador.
2. “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança
alguma do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem
dentro das águas”. O islamismo também levou ao pé da letra este
mandamento e foi vítima da bizarra proibição. De modo radical as
sublimes artes da escultura e pintura estão proibidas. O homem fica
limitado ou impedido de dar vazão ao dom artístico recebido
graciosamente do próprio Criador que de forma absurda se opõe a

127
si mesmo. Um Leonardo da Vinci, um Van Gogh ou um Miguel
Ângelo, e centenas de autores de obras primas magníficas,
inestimável patrimônio da humanidade, teriam a criatividade
castrada já no berço por uma “ordem divina” contraditória. Por
exemplo, no Israel moderno não se vê uma escultura em praça
pública por temor de “desagradar” o irascível Iahveh do Velho
Testamento.
3. “Lembre-se do Shabat para santificá-lo”. Já vimos que se
trata apenas de um dia como outro qualquer, embora propicie
momentos apropriados para quem pretenda cultuar os valores
verdadeiros da bondade e justiça. Deus não criou nosso universo
em seis dias, mas em bilhões de anos. O Criador não é um mágico
místico, mas um amoroso cientista multiversal que cria e recria
continuamente tudo e todos com divina beleza.
4. “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque
o Senhor não terá por inocente quem tomar o seu nome em vão”.
Este mandamento é indubitavelmente de caráter controverso. O que
significa realmente “não tomar o nome de Deus em vão”? Uma
corrente liderada por antigos rabinos e outros religiosos não mais
esclarecidos, interpreta-o literalmente. Por precaução, não
pronunciam jamais a palavra - Deus. Eles preferem outra
equivalente e tentam uma vã sinonímia por temer cair em
pressuposta ira de Iahveh. Por mera suposição estariam sujeitos a
ser fulminados por um súbito raio caído dos céus, apesar do dia
ensolarado. Muitos acreditam que se acontecer algo ruim e
inesperado (tropeçar e cair, por exemplo) e exclamar
inadvertidamente: “Aí, meu Deus!”, já o transgrediram. Que se
quebre o pé, mas deve-se permanecer em respeitosa mudez
cerrando os lábios, sem afrontar o Senhor dos Exércitos. É
preferível até soltar uma expressão de baixo calão, uma alternativa
emocional, porém opção mais louvável para evitar mencioná-Lo.
Será que o papa Urbano II, o famoso idealizador das famosas
e sangrentas cruzadas “em nome de Deus”, não o infringiu? Usou o
nome divino em vão para justificar um morticínio gratuito de seres
humanos. Ele cometeu uma insensata afronta aos céus. Pelo menos,
seria mais coerente com o intrigante mandamento. Afinal, o que de
fato significa? Vejamos outra explicação alternativa, caso não se

128
esteja ainda satisfeito.
Uma idéia desponta naturalmente. Alguns números, e não
sabemos exatamente o motivo, possuem preferência entre os
diferentes povos e culturas. São os números: um, três, sete, oito e
dez. Deus é uno, isto é, só existe um Deus. Em inúmeras religiões,
a exemplo do cristianismo, do hinduísmo e a da egípcia antiga,
surgiu a concepção da trindade, brindando o número três. Os
pecados capitais são sete. Poucos sabem que os pecados capitais
foram idealizados por um monge e eram originalmente oito, mas
Gregório, o Grande, no exercício de inconteste autoridade papal,
reduziu-os para sete, seu número predileto. A famosa Branca de
Neve do conto infantil vivia rodeada de sete anõezinhos. As cores
do arco-íris são sete. Vemos aí, a própria Natureza prestigiando o
número sete. Buda apresentou oito preceitos para atingir-se a
iluminação. O número oito é muito prestigiado no budismo. E os
mandamentos mosaicos são dez. Interessante lembrar que as pragas
bíblicas do Egito também foram dez.
Em contrapartida, ninguém quer saber do número nove,
menos ainda do número treze considerado aziago. Parece até que
fazem o papel de vilões numéricos. Temos dez dedos nas mãos e
com eles fazemos tudo. Igualmente nos pés. É um número
representativo da capacidade humana e do poder outorgado por
Deus. Sendo assim, os “dez mandamentos” jamais poderiam ser os
“nove mandamentos”. Logo de saída, soaria esquisito, como se
estivesse alguma coisa errada ou faltando. Seria uma inaceitável
mutilação numeral. No mundo moderno chamaríamos os “Nove
Mandamentos” de péssima jogada de marketing. Em resumo, a
solução engenhosa foi acrescentar um mandamento a mais para
chegar-se finalmente ao número ideal - “dez”! Daí surgiu o
“décimo mandamento”. É um ato de fé por parte daqueles
literalmente fiéis aceitá-lo, entretanto ninguém conseguiu até hoje
dar-lhe uma interpretação plausível.
Diante do exposto acima, não é difícil concluir que Jesus
Cristo citou os mandamentos de caráter universal, os únicos de fato
essenciais e relevantes. Os ensinamentos do Messias abrangem a
humanidade e não se limitam a um judaísmo atado à nacionalidade
e escravo de um egocentrismo congênito que criou uma projeção

129
deturpada do verdadeiro Deus - Iahveh, o Senhor dos Exércitos.
Não se justifica nos dias de hoje uma religiosidade enclausurada
em si mesma e incompatível com a evolução da humanidade,
principalmente neste Terceiro Milênio quando as pessoas devem
abrir as mentes ao conhecimento multiversal. Em resumo, se Jesus
Cristo tivesse citado também os quatro mandamentos de caráter
mítico, seria apenas um profeta judeu a mais, jamais o Mestre
Divino. Aquele que compreende o mistério da vida e da morte, das
coisas e das criaturas, do céu e da terra, do Universo e do
Multiverso.

CAPÍTULO 16

O “MAGO DA PROPAGANDA”

Seguindo uma critica sincera e corajosa, nossa amiga de


origem hebraica quase se desespera ao atacar frontalmente, logo
quem - o Apóstolo dos gentios, uma das maiores expressões da
cristandade. Chama-o de “mago da propaganda”, responsável por
ter declarado a derrocada da era da Lei e proclamado
ardorosamente a era da Fé. Diz até que Paulo fundou a Igreja. Uma
afirmação exagerada sem dúvidas, não querendo diminuir num
infinitésimo o valor imensurável do insuperável apóstolo. Basta
observar o seguinte: sem Cristo não haveria cristianismo e, sem
Paulo, ainda existiria a Igreja de Cristo, provavelmente com menos
adeptos. Aliás, o Messias revelou Saulo de Tarso ao mundo cristão
descerrando a venda da maldade que o cegava. A partir do episódio
de Damasco, São Paulo surgiu como sublime manifestação do
Filho de Deus.
A depreciação da Lei pelo Apóstolo significou
intransponível abismo entre judaísmo e cristianismo, segundo a
visão dos fundamentalistas mosaicos. Obviamente, se a Lei valiosa
fosse cumprida, veríamos homens maravilhosos legando exemplos

130
de coragem e bondade à posteridade, engrandecendo sobremaneira
o judaísmo autêntico. Os sacerdotes do Templo de Jerusalém,
Gamaliel, Nicodemos, José de Arimatéia, os apóstolos e demais
seguidores sinceros foram exemplos dignificantes da velha Lei. Por
outro lado, quem participou cruelmente da crucificação de Cristo e
perseguiu os seus seguidores, tomado por abominável sanha
assassina, não cumpriu a Lei verdadeira. Para dar vazão aos
instintos malignos da condição humana não se necessita de Lei
alguma. Desde tempos imemoriais sobra perversidade e falta amor
nos corações. Há milênios vivem os homens a guerrear-se e a
praticar atos abomináveis entre si. A Lei inspirada por Deus veio
para impor uma ética revolucionária que ajude o ser humano a
vencer o seu maior inimigo - ele próprio - visando despojá-lo do
mal e encaminhá-lo ao bem. Conclui-se daí que para roubar e tirar a
vida de outrem não se necessita de regras, basta ter cobiça e um
ódio intenso no coração.
Ninguém seguiu mais escrupulosamente a Lei desde a
juventude que o promissor rabino Saulo de Tarso. Observava com
zelo extremo as múltiplas regras, prescrições, nuances e
irrelevâncias ritualísticas de um judaísmo entulhado de crenças e
crendices. Infelizmente, os judeus daquela época esqueceram-se do
princípio essencial do judaísmo: “Amar a Deus sobre todas as
coisas e, igualmente, amar o semelhante”. Lembremo-nos das
sábias e inesquecíveis palavras de São João: “Aquele que não ama
não conhece a Deus, pois Deus é amor” e o sensato corolário desta
frase: “Se alguém disser: Amo a Deus, e odiar a seu irmão, é
mentiroso; pois aquele que não ama a seu irmão, a quem vê, não
pode amar a Deus a quem não vê”. Realmente, se alguém despreza
as obras de um artista, obviamente não o reconhece como tal. Ora,
se desprezarmos nossos semelhantes, ignoramos com odienta
hipocrisia nosso Criador.
O doutor da Lei, por mais que se esforçasse em cumpri-la,
conseguiu tornar-se apenas mais um assassino fanatizado, a
exemplo da grande maioria dos sacerdotes do Sinédrio. A primeira
vítima da sua sanha fatal foi São Estevão. A fúria criminosa de
Saulo somente se arrefeceu no caminho de Damasco ao colidir com
a Luz Divina. O amor de Jesus transformou uma fera raivosa em

131
destemido cordeiro, capaz dos maiores feitos em prol do
semelhante. Se a Lei fosse realmente eficiente, pelo menos naquela
época, presenciaríamos uma plêiade de seres amorosos vestindo as
vestes sacerdotais, e não pessoas endemoninhadas decaídas ao mais
baixo nível espiritual e comparável aos piores criminosos nazistas.
O antigo fariseu percebeu num relance auspicioso que o amor
valida a Lei, pois sem amor a Lei de nada vale. Consciente da
virtude divina por excelência, entre a fé, a esperança e o amor, o
Apostolo dos gentios prioriza o último. É o princípio, o meio e o
fim e confunde-se com Deus. Obviamente, a religiosidade sem
amor é vã.
Em decorrência disso, existe no cristianismo uma tradição
que critica a Lei desvirtuada. O professor Ernest F. Scott dá-nos um
exemplo:
“Jesus repetidamente acusou o Judaísmo de seus dias de ter
sido levado ao formalismo e hipocrisia: e não podemos duvidar que
a crítica foi bastante justa. Certamente, nunca pretendeu incluir
todos os que governavam suas vidas segundo a Lei, mas expôs uma
fraqueza que era inerente ao sistema legal. A tentativa de impor a
obediência pela Lei acabou por destruir o próprio manancial e o
motivo para a genuína obediência...a religião da Lei resultou no
orgulho e na hipocrisia. Foi principalmente com base nisso que
Jesus condenou os escribas e fariseus, e Paulo, do mesmo modo se
detém neste assunto, que ele considera a principal falha da Lei”.
Posteriormente, a Igreja, denominada cristã, durante a Idade
das Trevas, ofereceria os piores exemplos ao trilhar uma senda
tortuosa à semelhança de seus antecessores do Templo de
Jerusalém. Em resumo, uma religião só se justifica na prática do
bem, caso contrário torna-se instrumento do mal. São Paulo,
decerto, desiludiu-se com a Lei porque, ele próprio, foi um
exemplo flagrante de sua inoperância. Ela não o impediu de ser um
agente maligno das trevas, invalidando o objetivo sublime de
qualquer religião digna do nome.
Cheio de razão declarou desiludido: “se é pela Lei que vem a
justiça, então Cristo morreu em vão”. Ele interpretou que a brutal
rejeição do Messias invalidava a Lei a tal ponto que o verdadeiro
Israel seria a partir de então constituído pelos que aceitaram as

132
Boas Novas, isto é, por aqueles capazes de abandonar o ódio e
entregar-se ao amor integral a Deus e ao semelhante. E não se pode
criticá-lo dentro de um critério de imparcial justiça. É melhor
descartar uma herança maldita que resultou no horrível
aniquilamento judaico sob as mãos vingadoras de Hitler.
Se os ancestrais do Templo de Jerusalém foram réprobos, a
geração atual não tem nenhuma obrigação de aplaudi-los e querer
herdar o legado da maldade indefinidamente. É um modo
equivocado de pensar que sempre se voltará inexorável contra o
povo judaico. Devemos bradar a pleno pulmões e do fundo da alma
um basta para ensejar o surgimento de um admirável mundo novo,
onde não haja judeus ou árabes, pretos ou brancos, amarelos ou
pardos, chineses ou tibetanos, russos ou americanos, ingleses ou
franceses, mongóis ou arianos, mas simplesmente seres humanos
irmanados pela alma imortal - a essência divina oriunda do Criador.
Hoje em dia vemos a fé ser empunhada como arma mortal, à
semelhança de um passado censurável, quando deveria ser uma
esperança de vida. A guerra entre judeus e palestinos pela disputa
de territórios avulta como exemplo gritante da incapacidade
humana de amar o próximo e conviver fraternamente num clima de
paz e harmonia. Decorreram dois milênios desde a passagem de
Cristo na terra e a história repete-se de maneira chocante. Uma
explicação da incredulidade humana aos desígnios divinos foi-nos
revelada pelo profeta Isaías ao prever as forças do mal que se
oporiam ao Filho de Deus:
“Cegou-lhes os olhos e endureceu-lhes o coração, para que
não vejam com os olhos, nem entendam com o coração, e se
convertam e sejam por mim curados”.
Quando ouviremos essas palavras sensatas que ecoam
através dos tempos alertando-nos a abrir os olhos e deixar Deus
penetrar em nossos corações?
Outra critica refere-se à salvação da alma. Cristo, segundo a
teologia cristã tradicional, morreu na cruz para expiar os pecados
da humanidade. A crença judaica, por outro lado, afirma que
expiação e conseqüente salvação são alcançadas através do
arrependimento e fiel cumprimento da Lei. Ora, uma verdade não
anula a outra. Voltamos novamente ao impasse dos cavaleiros

133
medievais diante do escudo. É de ouro ou de prata? Jesus Cristo
veio para nos ensinar a amarmos a Deus e uns aos outros. Nada
além do que já constava na Lei antiga. Deu o exemplo supremo
oferecendo em holocausto a própria vida física para mostrar quão
importante são os sagrados princípios divinos.
Isto não quer dizer que cristãos nominais estão salvos
automaticamente pela simples razão de terem sido batizados ou
freqüentar cultos religiosos. Se fosse assim, Adolf Hitler estaria a
estas alturas fazendo uma disparatada companhia aos anjinhos nos
céus. Nada ocorre assim e nem ocorrerá. Por isto, Jesus afirmou ao
bom Nicodemos, quando inquirido sobre o reino dos céus: “Terás
que renascer...”. E sabia que o sacerdote do Templo era um amigo
sincero, o que se comprovaria durante os dias da Paixão.
O caminho para chegar a Deus é longo. Não só para os
cristãos, mas igualmente judeus, muçulmanos, budistas, janistas,
taoistas, xintoístas, agnósticos e ateus, isto é, para todos os seres
humanos. Qualquer Lei ou lei, dogma ou regra, principio ou fim,
desde que conduza à fraternidade universal faz-se válida per si. O
bem se justifica por si mesmo. Em suma, independe de uma
religião particular. Nenhuma crença ou sua falta abre as portas da
dimensão celestial para quem não a merece. Não se deve confundir
espiritualidade com religiosidade. A primeira é um sinônimo do
grau de perfeição espiritual ou consciência cósmica, e a segunda
reduz-se a simples instrumento quando se faz válida para atingir tal
meta.
Nenhuma religião é perfeita, porque é um espelho das
virtudes e imperfeições humanas. Elas surgem espontaneamente
nas variadas culturas e aperfeiçoam-se ao longo do tempo. Deus
revela-se gradualmente aos seus filhos. Ele não tem pressa. Ainda
estamos no abc de nossa evolução espiritual, daí presenciarmos
uma disputa de caráter egocêntrico em que algumas religiões
consideram-se donas infalíveis da verdade e se comprazem em
digladiar-se.
Faz-se necessário compreender a diferença entre
religiosidade e espiritualidade. Façamos uma comparação
elucidativa. A primeira assemelha-se aos Livros da Vida de um
estudante. Eles contêm o que se deve assimilar durante a sua

134
existência terrena. A segunda representa aquilo que de fato
aprendeu e pode utilizar em benefício de todas as criaturas.
Infelizmente, muitos se tornam prisioneiros de sua própria
religiosidade e ignoram a universal transcendência da religião
verdadeira.
É interessante a afirmação de que a Lei representa a
eternidade por ser a vontade de Deus para a humanidade e não
somente ao povo de Israel. Realmente, a essência valiosa da Lei
não se limitou aos judeus graças ao Messias que a tornou acessível
a dois bilhões de crentes. Inclusive, justiça seja feita, outro bilhão
deve-se a Maomé que a adaptou aos povos árabes originando o
islamismo. Os judeus nunca tentaram fazer prosélitos fora do
círculo restrito da nacionalidade judaica. Hoje em dia, alguns
autores judeus, particularmente rabinos, reivindicam o mérito de
uma universalidade que o judaísmo restrito sempre combateu de
modo mesquinho, senão reprovável, embora seja constrangedor
reconhecer tal fato. Diz o velho ditado: “Águas passadas não
movem moinho”. Esqueçamos os erros do passado e tomemos uma
atitude positiva para acelerar o progresso do ser humano.
A Lei para ser pregada pelo mundo afora teve que ser
resumida à sua mais pura essência para facilitar a conversão. Isto
não é tão difícil de compreender. As irrelevâncias da “Lei”, como
as prescrições rituais alimentares, permanecem limitadas aos judeus
fundamentalistas, aqueles que consideram a palavra Deus como
sinônimo de sua religião mosaica. O seu objetivo maior é de cunho
nacionalista. Visa preservar a identidade cultural de um povo que
preza ardorosamente o modo de ser hebraico.
Assim, proíbem-se, por exemplo, de tomar um inocente copo
de leite e comer um sanduíche de mortadela. Deve haver um
intervalo de seis horas para ingerir-se um e depois outro. Leite e
carne não podem misturar-se no estômago. Um sanduíche de
presunto, mesmo de indiscutível qualidade, é expressamente
proibido. E como se ainda fosse pouco, não podem desfrutar de um
belo prato de deliciosos camarões. E uma sopa de tartaruga?
Jamais! Imagine alguém desprezar camarões preparados no azeite
acompanhado de um bom vinho rose. Será que podemos chamar
isso de masoquismo? No universo judaico constituem tradicionais

135
tabus da dieta alimentar. Ninguém sabe quem os criou, quando
precisamente surgiram e nem quando vão acabar. Vamos rezar para
não ocorrer uma tremenda indigestão mental devido ao excesso de
fanatismo. Ora, tudo é possível.
Outra “preciosidade” da sabedoria rabínica: a carne não pode
ter uma gota de sangue. Perdem-se preciosas vitaminas, sais
minerais e proteínas, mas nada disto é importante, desde que se
cumpra a “Lei”. Diz o ditado popular: “O que é de gosto, regala a
vida”. Sentem-se felizes com tais restrições incompreensíveis e que
se regalem nelas. No entanto, tornam-se regrinhas desaconselháveis
face à modernidade de um mundo que precisa desvencilhar-se de
mitos, crenças e crendices, dando um basta à fase infantil da
humanidade.
O judaísmo acusa Cristo de ter declarado hereticamente
todos os alimentos puros, em frontal desobediência a Lei e aos
profetas. Que coisa horrível não fez o desprezado Messias!
Vejamos a alarmante crítica:
“Ao transmitir a idéia de que as leis dietéticas são
irrelevantes, bem como postar-se contra a fiel observância das leis
éticas, Jesus colocou-se em eterna oposição ao judaísmo. A lei
cerimonial é a companheira da lei ética e sua guardiã”.
Preferimos omitir comentários desta vez. Não vamos nem
gastar tinta rebatendo tais palavras. Cada um julgue por si próprio.
Há gente para tudo neste mundo de Deus!
Ela defende com unhas e dentes seus queridos rabinos “a
quem Jesus e Paulo tão ávida e injustamente denegriram”. Na
verdade, aconteceu exatamente o contrário. Quem foi denegrido e
morreu injustamente na cruz não foram os rabinos. E quem escapou
milagrosamente de ser assassinado pelos sacerdotes de Jerusalém
foi Paulo. Afirma que “Jesus e Paulo” não hesitaram em
argumentar que para Deus não faz a mínima diferença a forma pela
qual abatemos os animais ou o que nós ingerimos. “Ora, essas leis
rituais foram dadas como ‘disciplina’ para purificar as criaturas de
Deus”, segundo o venerável “Tan’humá, ed. Buber, Shemini 15b”.
Vemos aí os próprios idealizadores das leis alimentares
caírem em contradição. Confessam serem os seus “sábios e
veneráveis” antecessores os autores de tantas crendices, cuja única

136
importância se restringe a ‘disciplinar’ as ‘criaturas de Deus’. Estão
conscientes que para o Criador tais irrelevâncias de nada valem.
Fere o bom senso incluir as ‘criaturas de Deus’, isto é, toda a
humanidade e infinitos seres cósmicos inteligentes, nas crendices
de sacerdotes ultrapassados de uma época tribal onde a ignorância
era predominante. Eles, obviamente, ignoravam os princípios
básicos da nutrição moderna, um ramo da medicina científica. Em
vez de amar a Deus, preferiram perder-se no culto vão ao “Deus da
Obediência ou da Gula” priorizando uma gastronomia duvidosa.
Essa atitude ilógica caracteriza uma religiosidade bizarra e de
escassa espiritualidade. Peca pelo alto custo em prol de
pouquíssimo benefício. Inclusive em vidas humanas, pois o
fanatismo historicamente sempre deu margem a perversidades mil.
Inclusive, os judeus foram e são suas grandes vítimas.
Toda essa regulamentação baseada em disparatada
religiosidade representa um mau emprego de esforços individuais e
coletivos. Os seres humanos acabam se vendo alienados da
desejável fraternidade universal. Ela visa somente conservar a
identidade de um povo milenar pela obediência a uma inconsistente
religiosidade baseada em crendices, um sinônimo de desgastante
lavagem cerebral. Amar a Deus e ao semelhante constitui um
desafio quase insuperável e poucos conseguem vencer. É melhor
nos concentrarmos no essencial e deixar de lado as irrelevâncias. O
rabino Hilel, fiel intérprete e mestre da Lei, ensinou que toda a
Torá resume-se em não fazer ao semelhante o que não queremos
para nós. O cristianismo puro acrescenta que se faça tudo por amor
ao próximo. Um corolário ao próprio judaísmo valioso

137
CAPÍTULO 17

O JUDAÍSMO VALIOSO

Uma corrente ortodoxa não se cansa de citar, numa


incansável prosopopéia em defesa do judaísmo restrito, as palavras
de inumeráveis rabinos, tidas por definição como verdades divinas
caídas dos céus. Perde-se tempo em tal atitude porque o judaísmo
valioso foi defendido melhor do que ninguém pelo próprio Messias,
a ponto de espalhá-lo pelo mundo afora graças ao abnegado
empenho de um punhado de mártires judeus. Tamanho foi o
empenho do Filho de Deus que se dignou a surgir deslumbrante ao
Doutor da Lei em majestosa demonstração da bondade divina. Em
estranho paradoxo, os judeus desprezaram o seu Messias e ao
mesmo tempo o glorificaram.
O cristianismo verdadeiro e o judaísmo valioso são faces da
mesma moeda divina. Os filhos de Abraão, sensibilizados por bem
vinda sensatez, deveriam por fim ao milenar desentendimento -
cristianismo versus judaísmo - origem de tantos males e

138
lamentáveis sofrimentos. Um judaísmo mal influenciado e pouco
inteligente sempre se colocou em frontal oposição a Jesus de
Nazaré. Aquele a quem, na hipótese menos lisonjeira possível,
deveriam reconhecer como o personagem de maior influência no
mundo atual. Ele é o paradigma por excelência da espiritualidade
universal. Sendo assim, constitui um legado maravilhoso a toda
humanidade do qual o povo hebraico deveria sentir justo orgulho.
Infelizmente, uma corrente obtusa, movida por uma
religiosidade encerrada num micro círculo, considera rabinos de
pouca expressão e menor compreensão como semideuses cujas
palavras representam a quinta essência da verdade e a quem se deve
acatar em servil sujeição. A época de adorar deuses, sejam imagens
ou personalidades, está ultrapassada. Ora, eles são pessoas comuns,
à semelhança dos sacerdotes de qualquer culto. Estão sujeitos à
condição humana e erram como todos. Ainda mais porque
desprezam comumente a razão consensual da lógica e os avanços
incontestes da ciência. Não são seres celestiais merecedores de
ilimitada credibilidade. Afinal, se o próprio judaísmo afirma existir
um Deus Uno, porque acrescentar deuses humanos? Já vimos que
nem o papa é infalível e nem por isto católicos esclarecidos deixam
de ser católicos.
Rabinos, padres, pastores e congêneres devem ser ouvidos
com atenção, mas sem abandonar os trilhos da razão, aquela
indispensável companheira da fé. Nas culturas primitivas, os xamãs
tinham por função estabelecer um elo entre a divindade e os
membros da tribo, praticar as necessárias curas mediante a
intervenção benéfica dos espíritos e pedir-lhes auxílio para vencer
as dificuldades inevitáveis. Além disto, eles eram os depositários
dos costumes, mitos e tradições folclóricas da tribo. No mundo
moderno, os sacerdotes continuam essencialmente com idênticas
obrigações. Assim, persistem em guardar os mitos de sua religião
como verdades criadas pelo inconsciente coletivo. Por exemplo,
muitos sacerdotes das três grandes religiões do Deus Único
insistem em citar o Gênesis como um acontecimento real. Não o
percebem como singular metáfora, uma narrativa de caráter
primário que se vai revelando graças à evolução espiritual da
humanidade.

139
O judaísmo, o cristianismo e o islamismo nasceram na Idade
do Mito. Os primeiros conversos eram homens formados em
culturas baseadas em lendas. A imaginação humana deixou-se
embalar por veneráveis estórias ficcionais. Depois da Renascença,
o mundo antigo, até então olhado através das lentes mágicas da
fantasia, iniciou-se na Idade da Razão. Neste Terceiro Milênio não
é de bom alvitre abandonar o livre arbítrio, uma dádiva divina, para
continuar seguindo cegamente as opiniões ultrapassadas de alguns
religiosos. Urge escapar dos círculos do fanatismo, da intolerância
e do ódio onde reinam incontestes os “donos da verdade” que
querem falar em nome do próprio Deus. Já se chegou à conclusão
que a guerra é um assunto tão sério que não pode ser deixada a
cargo somente dos militares. De modo semelhante, a religião não
deve ser atrelada ao arbítrio da fé e nem imune à razão.
Maimônides, considerado por Trude como uma autoridade
incontestável do judaísmo, declara a eterna validade da Torá da
seguinte maneira: “Essa Torá de Moisés não será anulada e
nenhuma outra Torá virá de Deus. Nada deverá ser acrescentado ou
eliminado dela, da porção escrita ou oral, conforme foi dito: ‘Nada
acrescentarás e nada tirarás”. (Deuteronômio 13, 1). Deste modo,
conclui a escritora que o Novo Testamento está excluído por
definição.
É interessante observar que as igrejas cristãs, não importando
a corrente, aceitam incondicionalmente as narrativas do Velho
Testamento ou Torá. Inclusive, parcela considerável de padres ou
pastores acredita na interpretação literal do Gênesis, considerando
Adão, Eva e a Serpente como personagens reais. Acrescentem-se
outras incontáveis narrativas bíblicas de cunho mitológico, tais
como a famosa estória de Sansão e Dalila. É o chamado
fundamentalismo “cristão”, ainda influente em sua terceira infância
ou idade.
Entretanto, o mesmo Maimônides propôs a interpretação
racional do Judaísmo, afirmando que todos os eventos milagrosos
associados à vida dos profetas eram apenas parte de “visões
proféticas”, mas não ocorreram na realidade. Ele viu, por exemplo,
os encontros de Abraão e Jacó com anjos, a visão de Josué de um
anjo e narrativas similares, não como eventos verdadeiros, mas

140
como “visões proféticas”. O famoso adepto da lógica grega não era
muito chegado à crença em anjos e querubins.
A racionalização da Bíblia sempre encontrou uma natural
oposição por aqueles que sustentam ser preferível sua aceitação
literal. Para eles, a emoção sobrepõe-se à razão e persistem
teimosamente, tanto no judaísmo, como no “cristianismo”. Na
realidade, crentes ingênuos e intelectuais racionalistas ombreiam
lado a lado. A discrepância entre alguns sábios eminentes no
judaísmo é curiosamente apresentada no episódio em que o Rabi
Simeon Ben Shetach condenou Honi, considerado um místico
“desenhador de círculos” como merecedor da excomunhão quando
produziu a chuva tão aguardada por meio de orações mágicas.
(Taanit 23 a). Existem racionalistas e racionalistas. Se a
mencionada chuva trouxe conseqüências benéficas, surge uma
natural pergunta. Será que o primeiro rabino não condenou o
segundo por ter sido acometido pela inveja. Ora, contra fatos não
há argumentos. O que é bom, é bom per si e o que é mal, é mal.
Honi fez o bem e a crítica perdeu todo conteúdo. Honi, embora
chamado depreciativamente de místico, mediante meritório sucesso
mostrou-se capaz de externar bondade ao semelhante.
Observe-se que há diversas dissidências internas vistas como
positivas manifestações enriquecedoras dentro do judaísmo. Entre
judaísmo e cristianismo pode haver diferenças culturais, mas não
eliminam o cerne valioso de uma visão teológica comum e
universal. Em suma, o judaísmo resume-se unicamente ao povo
judaico e o cristianismo propõe o mesmo judaísmo valioso em
nome do Messias à humanidade como um todo. Assim, descarta
toda e qualquer discriminação étnica, cultural ou nacional.
Evidentemente, Cristo merece a posição de protagonista divino do
cristianismo, embora surjam interpretações variantes. Dentro de
uma visão esclarecida, o cristianismo puro permanece fiel ao velho
e valioso judaísmo, pois ambos se confundem na prática do bem.
A semelhança com as igrejas evangélicas é mais profunda
ainda. Muitos pastores conhecem tanto ou mais a Torá do que os
próprios rabinos. Em um concurso de auditório sobre erudição
bíblica não haveria surpresa se os primeiros fossem os vencedores.
Para cada rabino, existe um sem número de religiosos cristãos,

141
igualmente dedicados de corpo e alma ao estudo diário da Bíblia. A
cultura religiosa judaica é preservada meritoriamente no
cristianismo, como foi observado por Disraeli, notável primeiro
ministro britânico, um judeu de excepcional talento político e
sensata percepção religiosa.
Os rabinos dizem que não há solução para o conflito entre a
Lei e Fé, a não ser a tolerância que os seus expoentes mais
esclarecidos têm evidenciado pelas crenças de outras religiões.
Baseia-se na sensata afirmação talmúdica de que se o judeu é
considerado merecedor pela Lei, o gentio, assim como o primeiro,
pode alcançar mérito igual aos olhos de Deus, por meio de atos de
bondade. Ora, no fim das contas, tudo se reduz ao elemento comum
quando se externa amor em benefício das criaturas ou obras
divinas. Tais obras incluem todo o planeta, pois devemos tratar
com igual carinho plantas, animais e o ambiente que nos cerca
propiciando uma vida melhor de maneira geral.
As palavras do Talmude afirmam implicitamente que os
meios não importam quando os fins coadunam-se com os desígnios
divinos. Se os gentios podem alcançar mérito aos olhos de Deus
por meio de atos de bondade, por que não os próprios judeus? É
lícito aos judeus cometer atos perversos se julgarem
unilateralmente válidos pela Lei? Se eles responderem a esta última
pergunta com um retumbante – Não! - chega-se à conclusão de que
existe somente a religião do amor, da compaixão, da bondade e da
fraternidade. Qualquer outra consideração de fundo étnico cultural
não é essencial. E qual é a função específica da Lei se, sem ela, os
desejados fins podem ser alcançados pelos não judeus? Resume-se
a revelar ao mundo a vontade de Deus através de qualquer religião
digna do nome. Ora, conclui-se que os verdadeiros mestres do
judaísmo e do cristianismo ao pregar em uníssono cumprem
igualmente o objetivo divino.
O judaísmo sustenta que sua missão e promessas divinas
feitas aos profetas não são de forma alguma afetadas ou tornadas
obsoletas pelo surgimento de Cristo. Queixa-se, também, de que o
cristianismo tem proclamado, desde o seu início, que sua aparição
no mundo marcou o final do sistema judaico e que todas as
promessas feitas aos judeus se aplicariam, a partir de então,

142
somente aos cristãos. Ora, na época de Jesus, não havia qualquer
diferença entre judeus e cristãos. Não existiam ainda cristãos, mas
simplesmente seguidores que o reconheciam como o Messias. O
Filho de Deus havia igualmente prestigiado a Lei ao declará-la um
repositório das verdades divinas pregadas pelos antigos profetas.
Jesus não criticou a Lei, mas somente a atitude duvidosa de
certos sacerdotes que a vivenciavam imersos num oceano de
hipocrisia em benefício próprio. Acrescente-se que eram assassinos
potenciais, tomados pela inveja e ódio. A Lei autêntica, como
qualquer lei religiosa valiosa, prega um princípio eterno - amor a
Deus e ao próximo. Destes princípios sagrados decorrem os
mandamentos divinos, enunciados na forma de regras para facilitar
o entendimento das mentes insipientes. Não obstante, mesmo
traduzidos em forma de elementar regulamento, o ser humano
nega-se a obedecer à vontade divina. O principal é o “não matarás”,
que foi violado acintosamente pelos sacerdotes do Templo de
Jerusalém em odiento clima de inexcedível brutalidade. A Igreja
católica, supostamente cristã, também o violaria hipocritamente
séculos mais tarde. Inocentes seriam imolados aos milhares nas
câmaras de tortura ou nas chamas da Inquisição. Nem os nazistas
de Hitler chegariam a suplantar os requintes da crueldade de uma
religiosidade perversa. Maldade não tem religião especifica porque
faz parte da condição humana desvirtuada. Somos uma estranha
mistura de anjos e demônios.
A igreja dos apóstolos desenvolveu-se perseguida de morte
pelo judaísmo intolerante. Esta fúria repressiva chegou ao extremo
de expulsá-la do lar materno e marginalizar rudemente a Nova Fé.
Depois de séculos de repressões romanas, após Constantino, a
supremacia do cristianismo prevaleceu e a situação inverteu-se. A
minoria judaica teve que sujeitar-se aos desprezados de outrora,
agora majoritários.
A única razão da divisão entre judaísmo e cristianismo deve-
se à fogueira de ódio acesa por aquela famigerada turba raivosa,
num ato de inconseqüência funesta, ante um atônito Pilatos. As
chamas não se extinguiriam ao longo dos séculos e constituiriam
um legado de sangue. Elas arderam durante a Inquisição e, quando
se pensou estarem extintas, ressurgiram vorazes nos campos de

143
extermínio de Hitler. Muitos, infelizmente, ainda preferem jogar
lenha nas brasas seculares, ainda incandescentes, para ativar ad
perpetum um pernicioso desentendimento entre irmãos em atitude
assustadoramente destrutiva.
Outra polêmica refere-se sobre quem é de fato o “povo de
Deus”. Seria o “povo eleito”, os judeus circuncisos atados ao
judaísmo, ou a cristandade que aceitou o Messias. Nem uma, nem
outra opção é válida. A resposta é simples. Todos os seres
inteligentes, tanto no planeta Terra, como através do cosmos são
originários do Espírito Multiversal. Os corpos materiais são criados
conforme as Suas leis físicas. Conclusão: todos os povos são
considerados eleitos por Deus, merecendo igual amor e carinho,
independendo da posição no Universo. E que se dê por finda essa
estéril discussão entre religiosos de débil percepção. O escudo não
é apenas de ouro e prata. É, na verdade, um poliedro de infinitas
faces e cores.
Obviamente, não é de se estranhar que um cristianismo
rejeitado lembre-se dos maus tratos sofridos na infância. “Quem
bate, esquece, mas quem apanha, jamais”, ensina a sabedoria
popular. A. Bawer, em seu abalizado estudo sobre o Antigo
Testamento, demonstra que as amargas sementes do ódio viriam a
produzir frutos danosos ao longo do tempo:
“O particularismo e nacionalismo com seu exclusivismo,
intolerância e ódio às nações estrangeiras; o legalismo com sua
limitação tão evidente no Antigo Testamento, juntamente com as
imperfeições e crueldades de pensamento...”, alargaram o abismo
existente entre Mãe e Filho.
Assim como Bawer, outros eruditos externaram críticas
justificáveis ao judaísmo desvirtuado. O professor Otto Piper, do
Seminário Teológico de Princeton escreveu:
“A perda da Terra Sagrada foi o sinal divino de que a missão
universal do povo de Israel havia terminado... A missão histórica de
Israel foi entregue aos companheiros que Cristo reunira em seu
redor. O propósito de Deus na história é, a partir de então,
desempenhado pela Igreja”.
Em suma, os judeus majoritários distorceram a Lei e os
profetas ao considerar seus interesses terrenos mais importantes do

144
que os divinos. Assim, mostraram-se incapazes de acreditar em
Deus quando manifestado através do seu Messias. Ao esbofetear a
face do Filho e endossar vilmente ao longo dos séculos a criminosa
seqüência de atos abomináveis perpetrados por seus ancestrais, os
judeus ofenderam o Pai e foram se tornando alvo de justa e
compreensível punição por parte dos céus. É uma versão simples e
espontânea. No entanto, a única que explica razoavelmente os
dissabores sofridos pelo povo de Abraão.
Fora disto, resta somente um acaso sem Deus. Não que o Pai
de todos nós tenha se comprazido nas provações sucessivas que
culminaram no Holocausto. Deus não se vinga, é o homem que se
pune, mais cedo ou mais tarde, segundo a lei de ação e reação
universal. Algumas religiões orientais chamam esta lei natural de
karma. O Criador limita-se a fechar os olhos às angústias daqueles
que repudiaram com incomensurável ingratidão a sua divina e
manifesta bondade personificada em Jesus Cristo. O Senhor dos
Universos quis ensejar-lhes uma proveitosa reflexão coletiva que os
conduza a um relacionamento positivo com os seus irmãos de todo
o planeta.
O judaísmo ressente-se de que tanto cristãos “ortodoxos ou
liberais” concordam com a tese de rejeição do judaísmo segundo o
Novo Testamento. De acordo com estes teólogos, Israel ao abjurar
o Messias perdeu a prerrogativa de povo eleito, assumida desde
então pelos cristãos. O povo de Abraão cometeu imperdoáveis
opróbrios e por isto ficou incompatibilizado irreversivelmente com
a missão divina outorgada pelos céus. São Paulo oferece uma
interpretação básica à promessa divina de “que Abraão se tornará
uma nação grande e poderosa e por ele serão benditas todas as
nações da terra” Gênesis (12.3, 18.18). Diz o Apóstolo dos Gentios:
“Sabei, portanto, que os que são pela fé são filhos de Abraão.
Prevendo que Deus justificaria os gentios pela fé, a Escritura
preanunciou a Abraão esta boa nova: em Ti serão abençoadas todas
as nações. De modo que os que são pela fé são abençoados
juntamente com Abraão, que teve fé”. (Gálatas 3.7).
Simpatizando ou não com a idéia, as coisas iriam ocorrer no
futuro segundo as palavras do apóstolo. Os gentios cristãos
formariam nações grandes e poderosas. As sementes do judaísmo

145
valioso, isto é, do cristianismo puro, seriam espalhadas
graciosamente em nome de Cristo aos quatro cantos da Terra. Em
contrapartida, os inimigos arrogantes e gratuitos do Senhor seriam
enxotados qual gado desgarrado pelo mundo afora e ficariam
sujeitos ao domínio humilhante dos gentios. Por ironia, justamente
daqueles goim a quem odiavam e desprezavam do fundo do
coração.
Os ensinamentos do Messias são parâmetros universais de
espiritualidade aceitos pelos povos civilizados que possuem um
mínimo de entendimento. O bem maior é como o brilhante mais
precioso e belo. Não importa de onde vem ou em qual invólucro
está contido, quem entende de diamantes dar-lhe-á o justo e
merecido valor. Assim, a história da humanidade é contada antes e
depois de Cristo. É lastimável que alguns autores judeus evitem a
referência histórica: a. C ou d. C. Preferem A. E. C. ou D. E. C.,
isto é, Antes ou Depois da Era Comum, para manifestar infantil
rejeição ao Messias. Ora, aqueles que já foram tão discriminados ao
longo dos séculos deveriam contribuir de forma saudável para o
progresso espiritual da humanidade.
Há vários modos de se ver as coisas, conforme a posição do
observador. Nós, na verdade, não estamos tão interessados na
opinião das criaturas, mas na do Criador. O Messias jamais rejeitou
quaisquer pecadores. Ao contrário, dedicava-lhes indiscriminado
amor, procurando prioritariamente as ovelhas perdidas de Israel.
Limitou-se a condenar tão somente o mal gratuito perpetrado por
seus inimigos mortais. Na cruz, padecendo sofrimentos horríveis,
ainda encontrou forças para interceder amorosamente por eles:
“Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem”. E somente o
Filho de Deus poderia expressar amor à humanidade de maneira tão
espetacularmente divina.
O Eclesiastes diz que há tempo para tudo: “tempo de
espalhar pedras e tempo de juntar pedras; tempo de afastar-se e
tempo de abraçar. Tempo de aborrecer e tempo de amar”. A
existência terrena é curta, fiquemos com as segundas opções. Os
povos, sem exceção, são povos eleitos que um dia se acharão face
com o Criador, uma vez que Ele não discrimina e dispõe de divina
paciência.

146
No entanto, os hebreus, se de fato eleitos por Deus, maior
empenho deveriam ter no cumprimento da Lei do amor e
mandamentos decorrentes. Aí, sim, servirão de exemplo à
humanidade justificando a pretensão de ser um povo especial. Eles
se farão únicos pelo exemplo dignificante. Infelizmente, não é o
que se nos apresenta. O “não matarás” não admite exceção. Não se
pode eliminar nenhum ser humano, seja este palestino ou árabe ou
mesmo uma figura execrável como Adolf Eichman. Diante desta
afirmação, inclusive os mais ponderados dirão espantados: De que
está falando? Está louco? O criminoso nazista foi enforcado depois
de ser submetido a extenso processo legal por abomináveis crimes
de guerra contra a humanidade! Homens “retos e justos”, acima do
bem e do mal, foram escolhidos a dedo para servir de honestos e
inflexíveis juízes.
A resposta é simples: Por melhor que seja a “justiça”, Deus
não confere ao homem o direito de tirar a vida do semelhante. O
homem, falível por natureza, excede-se e comete uma
arbitrariedade gravíssima ao fazê-lo. O ato de matar friamente
equivale a uma flagrante confissão de escassa espiritualidade da
sociedade que a perpetra e rebaixa-se ao nível do criminoso. É uma
ação brutal que em vez de intimidar dará margem a um clima de
perversidade social mais intenso e propiciatório de crimes
subseqüentes. Deixemos a radical prerrogativa aos animais
selvagens que vivem pelo instinto primário de sobrevivência. O
Estado, uma criação humana, não possui qualquer direito válido
para substituir na terra o Deus dos céus. Existem castigos
alternativos e severíssimos, excetuando-se igualmente a prisão
perpétua porque esta pena nega a oportunidade ao homem de
conceder o sagrado perdão ao seu irmão. Citemos a verdadeira
sabedoria judaica que nos recomenda a não saciar nossa ira por
meio de duvidosa justiça:
“Aquele que quer vingar-se encontrará a vingança do
Senhor, e ele lhe reservará para sempre os seus pecados. Perdoa ao
teu próximo o mal que te fez, e então, deprecando tu, ser-te-ão
perdoados os teus pecados. O homem guarda a sua ira para outro
homem, e pede a Deus remédio? Ele não tem compaixão de um
homem, seu semelhante, e pede perdão dos seus pecados? Ele,

147
sendo carne, conserva rancor, e pede propiciação a Deus? Quem
lha alcançará pelos delitos”? (Eclesiástico 28.1-5).
Comparemos com a oração do Pai Nosso -“Perdoai, Senhor,
os nossos pecados assim como perdoamos a quem nos tenha
ofendido”- Nesta prece, o Messias espelha fielmente a beleza
espiritual do Eclesiástico. Nada espantoso, cristianismo puro e
judaísmo valioso são sinônimos.
Todo ato do ser humano deve submeter-se à Lei do amor,
particularmente quando alguém se arroga o direito de punir o
semelhante. Fica bem esclarecido que as punições sensatas, dentro
do Direito e da Lei dos povos, são necessárias. Afinal, mal estamos
saindo do estado de barbárie e iniciando o descortino de um
admirável mundo novo neste terceiro milênio.
A vida humana pertence ao Criador e cabe-Lhe encerrar a
nossa carreira terrena quando aprouver. Na realidade, por maiores
que sejam nossos erros, continuaremos sendo seus filhos, isto é,
seres espirituais imortais. O Criador jamais vai eliminar num passe
de maldade os próprios rebentos. “Deus é amor”, uma constatação
maravilhosa do “discípulo amado”. Ele limita-se a trocar a
vestimenta carnal de cada um de nós em proveito do
aperfeiçoamento espiritual, o único valor realmente que Lhe
importa. No palco da vida, os seres humanos são como atores
interpretando papéis diversos, mas tudo se passa de um modo tão
tangível e abrangente que se tem a ilusão de vivenciar-se existência
única.
Esse mundo ilusório no qual estamos imersos valoriza cada
experiência terrena porque acreditamos ser a única. Na versão
mítica do Dia do Juízo Final, um antropomórfico Deus descido dos
céus jamais nos daria outra chance e reservaria um lugar infernal
aos pecadores. Um absurdo, porque implicaria na imperfeição do
próprio Criador ao criar um sistema evolutivo que não evolui
plenamente, pois não conduz à perfeição completa. Imaginemos
uma famosa fábrica de automóveis cujos carros já saiam com
vários defeitos da linha de montagem, mas são entregues assim
mesmo aos compradores. Mais adiante, quando estes reclamam
cheios de razão, um soberbo fabricante nega-se terminantemente a
recebê-los para o devido conserto, embora estejam dentro do prazo

148
de garantia.
Qualquer expert no ramo diria: “Ora, essa companhia de
comportamento bizarro vai à falência devido à própria
incompetência técnica, flagrante desonestidade e falta de
responsabilidade”. Entretanto, muitos dirão em tom de critica:
“Louco! Nós estamos falando de gente e você quer exemplificar
com carros?” Exatamente! Se com máquinas é um incontestável
absurdo, maior disparate seria com referência aos seres humanos.
Por isso a generosidade divina concede--nos graciosamente uma
garantia de prazo ilimitado. Deus ama seus filhos e quer que todos
alcancem a perfeição.

CAPÍTULO 18

CRISTO E MOISÉS

O judaísmo volta insistente à carga com sua eterna pretensão


de provar que Jesus não foi o Messias previsto nas Antigas
Escrituras. Moisés, exaurido e desiludido no fim da vida pelos

149
tremendos dissabores que sofreu ao liderar o povo de “dura cerviz”
através dos desertos inóspitos, sentiu com enorme alívio que a sua
ingrata missão estava prestes a findar-se. Os céus acenavam
auspiciosamente ao Velho Patriarca que se mostrava impaciente em
descartar-se da vestimenta carnal e desfrutar um merecido descanso
na companhia de arcanjos, anjos e querubins. Não obstante, sabia
que o conteúdo dos insipientes Dez Mandamentos deveria ser
aperfeiçoado em fase posterior, a despeito da melhor das intenções
e dos seus maiores esforços. Caso contrário, não teria anunciado:
“O Senhor teu Deus suscitará um profeta como eu no meio de ti,
dentre os teus irmãos, e vós o ouvireis”.
Posteriormente, desiludidos rabinos interpretariam as
palavras do grande líder de seu povo como uma referência
inequívoca aos “profetas hebreus”. Ora, de início já se evidencia
uma incompatibilidade flagrante entre duas figuras gramaticais:
singular e plural. Por mais incrível que possa parecer aos renitentes,
“um profeta”, refere-se ao singular. Por outro lado, a expressão,
“profetas hebreus”, salvo extravagante juízo, está no plural. Apesar
disto, os teimosos de sempre baterão os pés afirmando tratar-se de
detalhe irrelevante, senão contestação de cunho herético. No
entanto, basta um insignificante detalhe para se desvendar grandes
crimes. Uma gotinha quase imperceptível de sangue dá-nos o DNA
do autor ou uma impressão digital revela a mão do assassino.
Parece-nos que a tese proposta pelos rabinos fica eliminada a
priori. Sem dúvidas, “um profeta” não é sinônimo de “profetas
hebreus”. Estes veneráveis homens de Deus foram muitíssimo
valiosos, mas de limitada influência individual ou coletiva no
âmbito da humanidade. Na verdade, a tese judaica não seria de todo
incoerente se considerarmos que Jesus Cristo representa per si o
somatório de todos os profetas.
O judaísmo restrito afirma que houve interpretações
indevidas pelos cristãos das promessas messiânicas hebraicas de
modo a adequar-se à figura de Jesus e ao seu precursor João
Batista. Por exemplo, as palavras encorajadoras de Isaias ao povo
judeu aflito: “O espírito do Senhor Deus está em mim, porque o
Senhor me ungiu; enviou-me a anunciar a boa nova aos pobres, a
curar os quebrantados de coração, e a proclamar a liberdade dos

150
cativos e a libertação dos que estão presos”. (Isaías 61.1).
Quando Jesus retornou a Nazaré, no sábado compareceu na
sinagoga. Segundo Lucas (4.18), ao terminar de ler aos ouvidos
atentos o rolo do profeta Isaías, declarou que a Escritura havia sido
cumprida. Na verdade, Jesus cumpriu literalmente as palavras de
Isaías. O Ungido do Senhor anunciou as boas novas aos pobres,
curou os quebrantados de coração não importa de qual mal
estivessem aflitos, proclamou a liberdade dos cativos ao egoísmo e
a libertação dos escravizados à maldade. Ao oferecer-se
generosamente em holocausto, o Messias deu a prova máxima do
amor divino para ensejar a salvação espiritual do gênero humano.
Aqueles famigerados, cativos ao egoísmo e presos à
maldade, não atenderam ao chamado dos céus e, obviamente, não
foram salvos, nem curados ou libertados. Ao contrário, sob a
espada romana encontraram a morte brutal ou, por um lampejo da
misericórdia divina, o desterro desonroso. Esse quadro desolador
representou a merecida punição por terem ousado afrontar
insensatamente os céus. A Lei Divina da ação e reação fez-se
inexorável, mas exemplarmente justa. O ódio gratuito, lançado
continuamente às alturas celestiais, em determinado momento
ultrapassou o limite do tolerável e despencou em incontrolável
avalanche sobre suas cabeças vazias de entendimento e corações
cheios de maldade. Caso contrário, que os rabinos apresentem com
sinceridade outra explicação plausível.
Igualmente, rebatem a conhecida interpretação cristã das
poéticas palavras de Isaías: “Uma voz clama no deserto: Preparai o
caminho do Senhor; endireitai a sua vereda. Todo vale será
aterrado, e nivelado todos os montes e outeiros, o que é tortuoso
será retificado, e os lugares escabrosos aplainados”.
João Batista pregava no deserto, subsistindo asceticamente
de mel e gafanhotos. Assumiu a admirável missão de anunciar a
vinda do Messias na pessoa de Jesus Nazareno. Em corações
desertos de bondade, Cristo pregou uma fraternidade benfazeja
estendida aos povos sem exceção. A pomba branca da paz e amor
universal pode finalmente alçar promissor vôo, abandonando de
vez o acanhado ninho onde se via enclausurada como vítima de um
avaro egocentrismo tribal. A correlação com a mensagem do

151
famoso profeta é no mínimo coerente com a vinda do esperado
Filho de Deus.
Historicamente, a primeira Luz vinda de Israel para iluminar
os quatro cantos do mundo foi a Luz de Cristo. Fora disto, os
judeus perderam-se numa escuridão milenar em que ódios antigos
se perpetuaram e desembocaram no Holocausto nazista e persistem
desabridos numa guerra mutuamente destrutiva com os árabes. E
como se fosse pouco, tal estado de barbárie entre povos irmãos
acirra o antagonismo latente do Islã contra o Ocidente, insuflando
um desentendimento secular de conseqüências funestas. Esta
tragédia ocorre no descortinar do Terceiro Milênio quando a
humanidade já devia estar fazendo as pazes consigo mesmo.
Não se pode negar uma tendência exagerada dos cristãos de
procurar no Velho Testamento evidências comprobatórias de que
Jesus de Nazaré era de fato o Messias. É natural porque os judeus
antigos consideravam a Torá como as palavras literais de Deus. É
como se o Criador num belo dia tivesse se sentado no trono
celestial e escrito a bico de pena os livros sagrados. Dentro deste
espírito simplório, as previsões proféticas deviam anunciar Jesus de
um modo inconteste visando convencer o cético mundo judaico de
que aquele humilde Nazareno, contra todas as expectativas de
cunho terreno, era o verdadeiro Messias.
A versão do nascimento a partir de uma virgem, baseado na
profecia de Isaías, é um exemplo: “Eis que a jovem concebeu e
dará á luz um filho, e pôr-se-lhe-á o nome de Emanuel”. (Isaías
7.14). A Igreja preocupada em estabelecer o dogma da virgindade
de Maria traduziu a palavra hebraica alma, que significa “uma
jovem”, e na Bíblia grega septuaginta, partenos, como virgem. O
Filho de Deus havia de nascer de um modo original, fruto de um
belíssimo mito capaz de satisfazer as expectativas dos primeiros
adeptos do cristianismo nascente.
Segundo Lucas (1.35), o Poder do Altíssimo envolveu Maria
com sua sombra, inseminando-a ou algo assim. “O ente santo que
há de nascer será chamado Filho de Deus”. Assim, Jesus Cristo, em
carne e espírito, apresenta-se ao mundo como o Filho Único de
Deus. Uma maneira singular de distingui-Lo do comum dos
mortais uma vez que veio cumprir uma missão divina. Sabemos

152
que no inconsciente coletivo judaico o espírito sempre foi
secundário, senão irrelevante. Então, a associação com a “carne e
sangue” tornou-se imprescindível para fazer do Messias uma
realidade divina plausível. Caso contrário, o Filho do Homem não
seria a personificação do Pai.
Já vimos em capítulo anterior que se trata de uma fantasia
pueril para satisfazer a platéia formada pelos primeiros seguidores
de Cristo. Jesus Espírito era e é o Filho de Deus quer habite um
corpo ou não. Em sua passagem terrena usou um corpo comum e
sem necessidade de possuir algo a mais ou a menos do que os
demais mortais. Deus é Espírito. Idem o Filho de Deus. Assim
como todos nós somos espíritos, isto é, filhos do nosso Pai comum
e vivenciamos na carne um estado de evolução espiritual. Ao longo
de nossa aprendizagem usaremos invólucros carnais vezes sem
conta. Na verdade, o Filho de Deus ultrapassa os limites das
fronteiras do judaísmo, dispensando qualquer profecia. É o Messias
divino enviado pelo Pai em benefício de toda a humanidade e, por
extensão, a todos os seres inteligentes do Universo.
Um líder religioso excepcional faz jus a uma origem
extraordinária de modo a satisfazer à natural fantasia popular. Não
pode nascer simplesmente da união de um homem e uma mulher
como qualquer mortal. Urge criar uma metáfora, um nascimento
fantástico, grandioso como o de Rômulo e Remo, os primeiros reis
de Roma. Sua mãe, Réa Silvia, engravidou de um deus, e os dois
foram alimentados por uma loba. Por incrível que pareça, em vez
de comê-los vorazmente como qualquer animal selvagem, preferiu
adotá-los e amamentá-los com carinho. Depois de adultos,
fundaram Roma, lutaram entre si pela posse da cidade e acabaram
virando deuses do panteão romano. Uma lenda linda capaz de
fascinar a imaginação e formar legiões de admiradores.
O budismo criou quinhentos anos antes de Jesus outra
concepção semelhante ao cristianismo. Quando nasceu Sidarta
Gautama, que ficaria conhecido como Buda, o Iluminado, foi-lhe
atribuído posteriormente uma origem exótica. Se havia um animal
para associar-se ao seu nascimento, não seriam jumentos, vacas e
bois. Teria de ser um animal bem grande, forte e nobre, segundo a
tradição hinduísta. Sua mãe, Maya, foi fecundada por um

153
bodhisattva, um tipo de arcanjo. Este ser espiritual, visando dar um
remédio ao sofrimento da humanidade, enviou um elefantinho
mágico ao seio de Maya, esposa de Suddhodana, o soberano do
reino dos shakyas. Ela era virgem, praticava o ascetismo e revelava
uma vocação inata para a santidade. O animalzinho abriu o flanco
de Maya e o arcanjo inseriu Siddharta em seu útero. O futuro Buda
nasceu de uma mulher somente, obviamente nenhum homem seria
digno da paternidade. Maya antecedeu Maria, mãe de Jesus, em
mais de cinco séculos. São José e o rei Suddhodana seriam os
admiráveis pais adotivos dos fundadores do cristianismo e
budismo, respectivamente. Certamente, um Buda situado na
dimensão celestial ao tomar conhecimento da historieta criada por
seus ingênuos seguidores, apesar de sua contemplativa placidez,
deve ter sofrido espasmos de tanto rir.
Na imaginação popular, Jesus nem Buda poderiam nascer de
um jeito comum. A gestação de Maya durou dez meses e quando
Siddharta saiu do flanco direito, do céu despencou uma chuva de
flores dos céus e no ar soava uma música sublime, sendo o cenário
complementado por belas figurações. Maya morreu sete dias depois
para não ter outro filho. Maria não teve outros filhos, pois
conforme a tradição católica permaneceria sempre virgem, um
atestado permanente de pureza. São José ver-se-ia negado do prazer
de desfrutar da própria esposa. Os outros irmãos de Jesus passariam
à condição de primos irmãos, segundo a ortodoxa “teologia”
católica.
As legiões de anjos que desceram para comemorar o
nascimento de Cristo revelam a alegria dos céus de maneira
semelhante ao ocorrido com Buda. O espírito humano, não
importando as diferenças culturais, coincide na elaboração das
lendas. Nada tão surpreendente, já que nós todos somos
essencialmente iguais. As religiões oferecem um campo fértil ao
imaginário popular sempre propício às mágicas e alegorias mil.
Nada mais natural que o cristianismo, na sua versão insipiente, dê
seqüência ao espírito fantasioso herdado da caprichosa mãe judaica.
Não restam dúvidas de que para o mundo cristão o advento
do Filho de Deus representou a convergência das esperanças de
todos os profetas judaicos na concretização de um mundo melhor,

154
não particularmente ao chamado povo eleito, mas a toda
humanidade. Jesus comprovou plenamente ser o esperado Messias.
Mais de dois bilhões de pessoas se dizem cristãs, ou pelo menos
são influenciadas na sua conduta diária, pelos valores morais e
espirituais judaico-cristãos. Mohamed ao criar o islamismo,
adaptou o judaísmo aos árabes, mas a influência de Jesus
permanece evidente. Cristo é sinônimo do bem em toda e qualquer
parte. Basta lembrar que Mohamed cita o nome de Jesus mais de
oitenta vezes no Alcorão. Inclusive, aceitou a versão da virgindade
de Maria e a concepção via Espírito Santo. Nem precisava chegar a
tal preciosismo, mas isto revela a boa vontade e alto respeito
reservado ao Messias. Aliás, mil louvores ao Profeta. Atualmente,
são mais de um bilhão de muçulmanos. É bom lembrar que os
desvios do bom comportamento ocorrem dentro de qualquer
religião, embora a culpa provenha dos homens e não de Deus. A
humanidade sempre usou a religião ao longo dos séculos mais
como instrumento espúrio para satisfazer desejos egoístas do que
para praticar o bem.
O cristianismo predominou nos países mais adiantados e
influencia beneficamente, de uma maneira ou de outra, as religiões
e culturas como parâmetro de um comportamento humano ideal.
Cristo é o divisor maior das águas do grande rio da história. Este
fato incontestável deveria trazer orgulho aos judeus das diversas
correntes, uma vez que o cristianismo difunde graciosamente a
essência sagrada do judaísmo, em que pese um comportamento
indistintamente reprovável dos humanos em variadas épocas. A
fase inicial de satisfazer literalmente às Antigas Escrituras está
ultrapassada. O majestoso edifício de Cristo está construído e,
embora ancorado sobre solo rude, sua cúpula luminosa levanta-se
altaneira em direção aos céus e representa um auspicioso sinal de
amor e paz aos homens de boa vontade. Somente os cegos não
conseguem deslumbrar-se com sua gloriosa existência. A divindade
do Messias justifica-se por si mesmo, independendo de qualquer
citação neste ou naquele Livro, por mais sagrado que seja. A
realidade divina está acima da percepção humana.
O sábio sacerdote fariseu Gamaliel, mestre reconhecido da
Lei e acatado por todo Israel, não se enganou ao vislumbrar que

155
aqueles teimosos homens do povo liderados pelo humilde Pedro
poderiam estar certos ao reconhecer em Jesus o próprio Messias. O
sumo sacerdote e os demais, isto é, os componentes do
stablishment judaico, principalmente os aristocratas da poderosa
seita dos saduceus, tomaram-se de inveja contra a seita do
Nazareno ao constatar a notável e crescente influência dos seus
discípulos, mercê de belos ensinamentos e admiráveis milagres.
Aqueles hipócritas de carteirinha morriam de inveja porque sabiam
ser incapazes de curar uma simples dor de cabeça.
Agravando o ressentimento, a seita rejeitada era composta
por gente iletrada saída do Zé Povinho e, por definição,
desprezíveis aos olhos dos vaidosos sacerdotes do Templo de
Jerusalém. Esbanjando prepotência, julgavam-se os donos
exclusivos da Lei e da verdade. Qualquer opinião em contrário
equivalia a uma imperdoável afronta passível de ser punida com
chibatadas ou morte cruel. Dentro deste terrível quadro de
fanatismo exacerbado, queriam assassinar os apóstolos a qualquer
custo, mas Gamaliel, a sensatez personificada, disse-lhes
suavemente:
“Israelitas, atentai bem no que ides fazer a estes homens.
Porque antes destes dias se levantou Teudas, insinuando ser ele
alguma coisa, ao qual se agregaram cerca de quatrocentos homens;
mas ele foi morto, e todos quantos lhe prestaram obediência se
dispersaram e deram em nada. Depois disso, levantou-se Judas, o
galileo, nos dias do recenseamento, e levou muitos consigo;
também pereceu, e todos quantos lhe prestavam obediência se
dispersaram e deram em nada. Agora vos digo: Dai de mão a estes
homens, deixai-os; porque se este conselho ou esta obra vem de
homens, perecerá; mas se é de Deus, não podereis destruí-los, para
que não sejais, porventura, achados lutando contra Deus. E
concordaram com ele. Libertaram os apóstolos, não sem antes
aplicar-lhes severamente o acoite, um motivo de regozijo porque se
consideraram dignos de sofrer afrontas em nome do Mestre”.
A admirável previsão mostrou-se correta - o que vem de
Deus não pode ser destruído pelos homens. Igualmente, segundo o
dito popular: “Quando Deus quer - o homem não pode”. É
impossível ir contra a vontade divina. Infelizmente, a maioria

156
judaica preferiu recalcitrar no erro desafiando os céus, obstinando-
se em não seguir o sábio conselho de Gamaliel, uma sensatez que
teria evitado a autodestruição do povo judaico algumas décadas
depois: “Dai de mão a estes homens”. Isto significaria vencer a si
mesmo, trocando ódio por amor, algo impossível aos réprobos do
Templo. Aqueles rancorosos rabinos eram os famosos “mestres
cegos, guias de cegos”, citados por Jesus. Brevemente, arrastariam
o povo judaico a um profundo abismo e pereceriam juntos em
desgraça ao afrontar Roma.
Vamos expor com tristeza algumas das múltiplas diatribes
contra o Mestre da Bondade. Originam-se de ressentimentos
seculares que revelam o pensamento de um judaísmo atado em si
mesmo, estranhamente infenso ao cristianismo valioso, embora este
seja sinônimo de um judaísmo do mesmo teor. Há que fazer-se uma
ressalva otimista. Começa a soprar uma brisa fresca para aliviar o
eterno clima sufocante causado pela incompreensão mútua. Alguns
judeus, como Sholem Asch, um notável novelista ídche e homem
de profunda compreensão humanística, alegam que Jesus deve ser
aceito como profeta, mestre ou, pelo menos um destacado rabino.
Na verdade, o judaísmo sem o Filho de Deus equivale a um
corpo incompleto e, por definição, incapaz de realizar plenamente
seu objetivo. Reduz-se a uma religiosidade inconsistente e carente
de espiritualidade. Observe-se que não estamos falando de
conversão religiosa. Nada disto, pois até um budista, hinduísta ou
taoista sincero, segundo uma visão universal, é um bom cristão.
Ainda que nunca tenha ouvido falar de Jesus. O Filho de Deus está
acima das regras humanas porque é o ideal divino. A religião é um
simples meio e não um fim em si mesmo. Nas dimensões celestiais
não existem religiões, porque os seres de Luz atingiram níveis
espirituais muitíssimo superiores. Religiões, como a entendemos,
constituem escolas primárias destinadas aos seres insipientes que
habitam planetas menos evoluídos, a exemplo da Terra.
Surgem críticas em ambos os lados sobre estas tentativas
conciliatórias de retornar Jesus de Nazaré ao seu lugar de origem -
a sinagoga. O eminente Dr. Otto Piper ressalta uma tradicional
incompatibilidade que não daria margem a uma reaproximação:
“Os judeus podem estar desejosos de reconhecer a grandeza

157
de Cristo, mas somente pretendem através disto, enfatizar a
grandeza do Judaísmo, pois alegam que Jesus é seu maior filho. Se
o reconhecem como o Messias e Salvador, não mais poderiam ser
judeus”. (God in History. pg 106).
O objetivo precípuo de Cristo é unir fraternalmente os seres
humanos, eliminando-se as mil e uma restrições e discriminações
que costumam impor a si próprios. Ser cristão significa assumir
uma posição de amor em face de Deus e de seus irmãos, isto é, toda
a humanidade. Nada além do enunciado no Velho Testamento. Este
amor estende-se aos seres da Natureza, porque tudo faz parte de um
conjunto divino harmonioso. Entenda-se que a Natureza não se
restringe ao planeta Terra, nem ao Universo material, mas abrange
o Multiverso infinito com belezas magníficas e indescritíveis.
Povos de diferentes nacionalidades seguem o cristianismo.
No entanto, quando se fala em judaísmo, sabemos que se trata da
religião estrita ao povo eleito, segundo o Velho Testamento. O
judaísmo é o amálgama que conseguiu manter o povo hebreu
unido, apesar de disperso pela diáspora. A palavra, “judeu”, possui
dupla conotação. Refere-se aos praticantes do judaísmo e estende-
se aos membros do povo. Isto não impede que alguns judeus
declarem-se ateus. Os elementos étnicos culturais costumam
prevalecer nestes casos.
Os judeus que reconheceram Jesus como o Messias e se
converteram ao cristianismo primitivo acabaram ao longo do tempo
diluindo-se através de casamentos mistos com os gentios. Se
olharmos através de uma ótica restrita, exatamente o oposto do
pensamento do Mestre dos mestres, o povo judeu perderia sua
identidade defendida ciosamente através dos séculos com eterna
paixão. A grande dificuldade é que estamos acostumados a pensar
sob o prisma religioso e ignorar o espiritual. O primeiro não
implica obrigatoriamente no segundo porque se situa em plano
inferior. Aceitar Jesus não implica em aderir a qualquer sistema
religioso construído sobre caprichosas ou bizarras interpretações
“teológicas”. Na verdade, resume-se unicamente em reconhecer
Jesus Cristo como sinônimo do próprio Bem, isto é, daquilo que
desejamos para nós e nossos entes queridos. Já é o primeiro passo
para juntos trilharmos o caminho que conduzirá ao Criador. O Filho

158
de Deus ama todos os seres humanos, até mesmo aqueles que O
rejeitam gratuitamente.
Na tradição cristã, Jesus de Nazaré revela-se absolutamente
sem defeitos ou manchas, como a perfeita revelação do caráter do
Criador. Ele apresenta as características do Deus invisível que se
apresentou na carne para manifestar a sua suprema bondade à
humanidade. Alguns se espantam quando o Messias diz claramente:
“Aquele que me viu, viu o Pai”. O Doutor da Lei confirma-o
fielmente ao legar-nos uma frase de caráter transcendental: “Jesus é
a imagem de Deus”. Prestem atenção, estamos falando que o Filho
de Deus, Espírito, é o reflexo imaculado do Espírito Criador - o Pai.
“O corpo de nada vale”, é efêmero, segundo o próprio Mestre dos
mestres.
O cristianismo baseia-se na doutrina da encarnação, o que
significa dizer que “Deus estava em Cristo”, como uma
concretização daquilo previsto nas Escrituras. Ele foi o Messias e
continua sendo o Filho de Deus. O judaísmo rebate vigorosamente
esta realidade ao rejeitar Jesus como o Filho de Deus e Encarnação
do Ser Divino. O conceito de Deus para os judeus resume-se à idéia
de ser um Único, Indefinível e Indivisível. Na verdade, ambos os
lados prendem-se a uma visão dogmática que não permite plena
compreensão. É preferível olhar para o terceiro lado do escudo,
agora um poliedro.
Já foi explicado anteriormente o significado da Trindade
cristã sob uma madura visão racional. Deus não deixa de ser uno,
mas apresenta infinitas facetas. Entretanto, até um objeto, um copo,
por exemplo, é uno. A palavra mais adequada a caracterizar o
Criador é - Infinito. Deus é o Ser Infinito, isto é, aquele que
engloba e faz-se presente em todo Multiverso. Ele é a Energia
Cósmica Multiversal.
Jesus Cristo é o Filho de Deus. Igualmente, os seres
inteligentes espalhados nos múltiplos universos são filhos de Deus.
Qual a diferença, então? Digamos, em mera metáfora, que é a
mesma existente entre uma poluída gota dágua oceânica e os
oceanos imensos que nos despertam eterna admiração. Ambos se
compõem da mesma “água espiritual” do Espírito Supremo. Isaac
Newton, o genial físico, escreveu que Deus é Substância, uma

159
esclarecedora definição que revela o Criador sob a perspectiva da
verdadeira ciência, abandonando o conceito infantil do
sobrenatural. Após Einstein, atualizando, diríamos que Deus é a
Energia Criadora Multiversal. E desta Energia Infinita sai cada um
de nós como parcela infinitesimal.
E o Espírito Santo, o que é afinal? Simplesmente, Deus em
ação, mostrando-se às suas criaturas. O Espírito Santo estava com
Cristo e em Cristo para cumprir a vontade do Pai. O Criador expôs-
se graciosamente para ensejar plena harmonia à humanidade. Mais
uma alegoria: Se compararmos Deus aos oceanos, suas ondas
representam o Espírito Santo.

CAPÍTULO 19

O MESSIAS E A PAZ UNIVERSAL

160
Outra crucial acusação do judaísmo baseia-se na seguinte
argumentação:
“Jesus de Nazaré não realizou nenhuma das promessas
messiânicas”.
Os rabinos medievais, durante renhidas discussões religiosas
na Idade das Trevas promovidas pela Igreja católica com o teimoso
objetivo de teimosamente converter eternos teimosos, alegavam
seguidamente essa falácia. Por incrível que pareça, ainda nos dias
de hoje, uma corrente judaica finge acreditar nela. Atentem ao
preciosismo farisaico:
“Se Jesus não estabeleceu a paz universal e justiça social em
todo planeta, nem redimiu o povo de Israel, nem tampouco elevou
as montanhas do Senhor acima do topo das outras, não era, por
definição, o Messias”.
Não foi citada em qual parte das Sagradas Escrituras baseia-
se tão surpreendente declaração. Em vista da estranha omissão,
procuremos nós mesmos as origens prováveis:
Segundo as tradições antigas, Iahveh prometera ao rei Davi
que sempre haveria um de seus descendentes sentado no trono de
Israel. As vicissitudes da história não confirmaram a desejável
promessa. A nação de Judá, governada por mais de quatrocentos
anos pelos reis sucessores de Davi, foi destruída de forma
implacável pelos babilônios em 586 a.C. Diante da frustrante
tragédia, a promessa deveria ser reajustada de modo a satisfazer às
exigentes expectativas do povo judaico. Ora, “a esperança é a
última que morre”, diz-nos a sabedoria popular.
Uma passagem do Salmo 2.1-9 da bíblia hebraica antevia a
concretização em imprevisível futuro de um extraordinário sonho
de conquistas:
“Por que os gentios se amotinam e os povos planejam em
vão? Os reis da terra se insurgem, e os príncipes conspiram contra o
Senhor e contra o seu Ungido, dizendo: ‘Rebentemos os seus
grilhões e sacudamos de nós as suas algemas’. Aquele que habita
nos céus ri, o Senhor zomba deles. E depois lhes fala com ira,
confundindo-os com seu furor: ‘Fui eu que consagrei o meu rei

161
sobre Sião, a minha montanha sagrada!’ Proclamarei o decreto do
Senhor: Ele me disse: ‘Tu és meu filho, e hoje de gerei. Pede, e eu
te darei as nações como herança, os confins da terra como
propriedade. Tu as regerás com um cetro de ferro, e as
despedaçarás como um vaso de oleiro”.
No entanto, igualmente tal grandioso vaticínio não passou de
quimeras levadas pelo vento da história. Sião, a pressuposta
montanha sagrada de Iahveh, não foi elevada “acima do topo das
outras”. Na verdade, ficou no mesmíssimo lugar e,
contraditoriamente, as dos gentios se agigantaram. O reino de Davi
jamais retornou e se desvaneceram amargamente as esperanças do
povo eleito.
Outro vidente mais comedido, deixando de lado uma
inexeqüível megalomania, criou outra original expectativa, mas não
menos ousada. O Messias seria um juiz divino do planeta Terra
que, em obediência a Iahveh, derrubaria as forças do mal mediante
fenomenal demonstração de poder. Examinemos as palavras do
notável profeta Enoque (1.69) retratando o extraordinário evento:
“E eles (o povo de Deus) têm grande contentamento, e
abençoam, e louvam e exaltam porque o nome do Filho do Homem
foi revelado a eles. E ele se senta no trono de sua glória, e todo
julgamento é dado ao Filho do Homem, e ele, faz com que os
pecadores caiam e sejam destruídos da face da terra. E aqueles que
tiraram o mundo da rota serão encontrados em correntes, e serão
trancados no local de reunião para sua destruição, e suas obras
desaparecerão da face da terra. E a partir de então não haverá
corrupção, pois que o Filho do Homem surgiu e sentou-se no trono
de sua glória, e tudo de mal desaparecerá e sumirá perante ele”.
Agora, em vez de um rei-guerreiro, surge a imagem
idealizada de um juiz divino, igualmente poderoso. Em ambos os
casos, o futuro Messias, o Filho do Homem, seria uma figura de
grandiosa soberba que iria derrubar os inimigos de Deus num
piscar de olhos e governar seu povo predileto. E de quebra, as
outras nações da terra, os gentios.
Na verdade, ambas as hipóteses acima colocavam Jesus de
Nazaré à margem das esperanças da nação judaica. O Messias veio
sob a forma de um sublime Mestre espiritual cujo modus operandis

162
tornava-se incompreensível ao stablishment judaico. A humildade
do Messias não se ajustava aos moldes de uma grandeza ilusória.
Jesus Cristo é o Salvador, mas sabemos que a redenção da
humanidade dar-se-á progressivamente, mediante os seus
meritórios esforços individuais ou coletivos. O Filho de Deus deu o
primeiro passo e cabe-nos prosseguir na longa caminhada rumo às
nossas origens divinas.
Fantasias à parte, a idéia de uma paz mágica e instantânea
chega a ser infantil. Na verdade, levanta razoável dúvida sobre a
proverbial sapiência dos chamados “mestres de Israel”. Estão eles
tão desinformados do modo como interagem os mundos espiritual e
material? Inicialmente, é triste lembrar, mas os sacerdotes do
Sinédrio manipularam um povo tomado pelo ódio e não
colaboraram nem um pouquinho em prol da paz. Pelo contrário,
levaram à execução da forma mais vil e cruel possível o jovem
Messias, com apenas 33 anos, ou um pouco mais. Restou-Lhe um
breve e reduzido período de três curtos anos para realizar a alegada
aspiração judaica. Pelo menos, deviam ter-lhe dado mais algum
tempo de vida para concretizar o fantástico desiderato.
Analisemos esse aspecto chocante da atuação sacerdotal
judaica que normalmente passa despercebido: Buda, o Iluminado,
chegou aos oitenta anos. Ele teve cinqüenta anos para desenvolver
o budismo. O sábio Confúcio passou dos oitenta, Mohamed
(Louvado seja o Profeta) faleceu com 66 anos. Até o nosso
obstinado patriarca Moisés, a despeito das amargas contrariedades
causadas pelo povo de “dura cerviz”, quase emplaca século e meio
de idade. Em suma, ninguém lhes negou mediante exacerbada
perversidade várias décadas de vida para expor os seus valiosos
ensinamentos. Historicamente, o único povo que liquidou o seu
Avatar, o expoente espiritual máximo de sua cultura e por extensão
da humanidade, foram os judeus, embora seja tristemente
constrangedor constatá-lo.
Alegam aos quatro ventos que Jesus “não estabeleceu a paz e
justiça social em todo planeta”. Voltemos ao cenário daquela época
e façamos um flash back para visualizar mais facilmente a
diferença gritante entre uma fantasia inexequível e a crua realidade:
No ano zero da Era Comum estava o planeta habitado por

163
gente primitiva em estado de barbárie espiritual. Os chamados
“civilizados” resumiam-se aos romanos no Ocidente ou aos persas
e chineses no Oriente. Pretender que o Messias, num passe de
mágica, levasse primatas predadores, incluídos os próprios judeus,
a sublimar o arraigado instinto homicida e transformar-se em seres
humanos capazes de amar o semelhante, subentende-se uma
fantástica pretensão. Desta vez, o imaginário farisaico conseguiu
exceder-se atingindo os píncaros da insensatez. Observe-se que a
incrível exigência refere-se à humanidade como um todo, “em todo
planeta”, o que inclui os habitantes dos cinco continentes, em
estado tribal ou não, sejam do Velho e Novo Mundo, da Ásia,
África e Austrália. Atente-se para o fato histórico de que as
Américas nem ainda haviam sido descobertas.
Em suma, o Nazareno falhou na pressuposta obrigatoriedade
de pronunciar algumas palavras mágicas à semelhança de Iahveh, o
Deus Único hebraico, no mito do Gênesis: “Haja o céu e a terra,
haja luz, haja o firmamento...”. Dentro deste espírito pueril, o
Salvador haveria de proclamar aos quatro ventos: “Haja paz na
Terra!” e - Blááá!!! Tudo estaria resolvido. Num piscar de olhos
inimigos seculares fariam as pazes. Então, teríamos um quadro
surreal onde o impossível torna-se possível, o incrível vira crível e
o bizarro surge trivial.
Os judeus e romanos passariam a andar de mãos dadas com
direito a beijinhos nas faces, idem os chineses e seus seculares
inimigos - os mongóis. Aliás, sem excessos para não dar margem a
comentários maldosos. Igualmente, os sacerdotes maias do Novo
Mundo, no alto das belas pirâmides, largariam instantaneamente as
afiadas facas de obsidiana quando já prestes a arrancar os corações
pulsantes de suas vitimas para ofertá-los à divindade. Cheios de
remorso as enlaçariam em comovente abraço, sem esquecer-se de
pedir mil desculpas. Em súbita solidariedade, a multidão abaixo,
um segundo antes ávida de sangue, aplaudiria o gesto inesperado.
Aliás, a seguir faria pacientemente uma longa fila para abraçar as
felizes quase vítimas fatais em sinal de eterna amizade e apresentar
sentidas escusas: “Ora, tudo não passou de lamentável mal
entendido! Perdoem-nos e vamos esquecer todo o passado”.
Evidentemente, dali por diante as coisas seriam bem

164
diferentes e para melhor. Neste sonho delirante, até os canibais das
Caraíbas tornar-se-iam vegetarianos convictos após jurar com
lágrimas nos olhos que nunca mais comeriam carne de espécie
alguma. Isso apesar de já estarem com a suculenta refeição humana
ainda vivinha no caldeirão e na iminência de atear fogo à lenha.
Tomados por repentino arrependimento confessariam estar ansiosos
por redimir-se do extravagante hábito gastronômico. Por extensão,
os lobos fariam as pazes com os cordeiros, os leões com as zebras,
as hienas e crocodilos com os gnus, os predadores em geral com
suas variadas presas e vai por aí.
Na Idade das Trevas ainda se desculparia uma lógica de
cunho mitológico naquelas rixas patéticas entre padres e rabinos,
igualmente de compreensão escassa. Entretanto, no inicio do
Terceiro Milênio não passa de historieta absurda. Que arranjem
outra argumentação com algum conteúdo. Às vezes, um pouquinho
de autocrítica é recomendável.
Cristo veio aperfeiçoar o modo de resolver os desafios da
vida que o Criador lança para ensejar nossa evolução espiritual. Os
céus dão-nos a vara e o anzol, mas cabe-nos a tarefa de pescar. Isto
implica em ganharmos sabedoria e bondade mediante meritório
esforço individual e coletivo. Não está, absolutamente, nos
desígnios divinos transformar-nos em anjos num relance. Se
estivesse, isto já teria sido feito desde o inicio. A imperfeição
humana não decorreu do ato ingênuo de Eva ter comido um mero
fruto proibido. Deus não é exatamente aquele Iahveh, o Grande
Mágico por excelência, brotado do inconsciente coletivo das tribos
hebraicas. Ele não fez o Universo em seis dias e descansou no
sétimo. De acordo com a ciência, levou bilhões de anos e, de forma
semelhante, aguarda com paciência divina atingirmos o nível
espiritual satisfatório. Ele não tem pressa e tudo ocorre sob seu
absoluto controle nos mínimos detalhes. O tempo da vitória do
homem sobre si mesmo não está longe como muitos pensam.
Apenas alguns milênios à frente, um micro hiato para Deus.
Agora, quanto ao ato de “redimir Israel e elevar as
montanhas do Senhor acima das outras”, é outra história e,
infelizmente, muitíssimo triste. Redimir significa perdoar. Jesus
Cristo perdoou na cruz os seus algozes, sem exceção. Considerou-

165
os como crianças ignorantes do mal feito. Deus praticou a bondade
divina no mais sublime patamar naquele momento crucial. Apesar
dos gravíssimos pecados de seus inimigos, o Messias perdoou
mesmo aqueles que parecem desconhecer a palavra gratidão.
Entretanto, Deus se negaria a defender recalcitrantes no
rancor contumaz dos seus antepassados e seriam punidos por si
próprios. As “montanhas do Senhor”, um sinônimo para
“montanhas de Israel”, não seriam elevadas acima das outras para
satisfazer o milenar delírio de conquistas terrenas do povo de “dura
cerviz”. Deus não se preocupa em elevar montanhas, mas sim, em
elevar espíritos em direção aos céus, em fazer prevalecer nos
corações humanos a mais pura bondade, a paz e a fraternidade. O
espírito é eterno e os maiores picos não passam de um amontoado
de rochas efêmeras fadadas a desaparecer. O Universo material,
obedecendo à lei natural da impermanência, está fadado ao
inexorável fim, encerrando a existência física de todas as criaturas
viventes. Graças a Deus!
Em infundada amargura os judeus queixavam-se do exílio
em terras estranhas, da falta de um lar e da continuação das guerras,
pobreza e injustiças no mundo. Cegos pelo egoísmo, concluíram
que o Messias ainda não havia chegado. Caberia ao verdadeiro
Ungido obter a redenção automática do povo de Israel e de todos os
seus males. Na verdade, trata-se de uma expectativa imatura.
Sabemos que a humanidade deve encontrar por mérito próprio o
seu grandioso destino. Não haverá nenhum passe de mágica para
substituir o esforço individual ou coletivo neste sentido. O ser
humano deve percorrer o caminho apontado pelos céus andando
por si próprio. Somos deuses, filhos de Deus, e somos capazes de
vencer o desafio lançado por nosso Pai. Basta seguir o caminho que
conduz à verdade e à vida - o de Cristo.
Os judeus foram lançados na diáspora porque gratuitamente
arrojaram-se como feras tresloucadas contra os pais da cultura
ocidental - os romanos. Foi o único povinho do império que se
meteu à besta e não teve o desejável bom senso de conviver
proveitosamente com o inconteste dominador. E não seria tão
difícil. Herodes, o grande, em que pese sua alma diabólica,
conseguiu fazer Israel prosperar a olhos vistos e realizou

166
magníficas obras, oferecendo trabalho remunerado aos seus
laboriosos súditos sob a Paz Romana. As guerras, a pobreza e as
doenças decorrem da condição humana e serão superadas ao longo
do percurso na medida em que o homem deixe de ser o seu próprio
inimigo.
Aliás, novamente surge o lado obscuro da história. Ora,
queixam-se de que Cristo não acabou com as guerras. No
imaginário desses “religiosos”, Jesus é o grande responsável por
imperdoáveis omissões. O Crucificado (por culpa deles mesmos)
não findou os males da humanidade e, mais grave ainda, não elevou
Israel aos pináculos do poder e da glória. Ora, sabemos que ricas
famílias de banqueiros judeus financiavam diversos países
beligerantes nas guerras européias usufruindo polpudos juros. Era
um grande negócio. Sem qualquer espírito de critica, apenas uma
constatação. A motivação dos banqueiros é o dinheiro, venha de
onde vier. De qualquer modo, incentivavam as guerras, embora não
fossem os responsáveis por elas. Desde que o mundo é mundo,
conflitos sangrentos existem. É uma manifestação natural da
condição humana. Para confirmar a participação judaica na
interação bélico-financeira basta ler o esclarecedor livro: “Os
judeus, o dinheiro e o mundo”, da autoria de Jacques Attali, um
intelectual judeu de origem nigeriana. Este notável erudito faz uma
análise sincera e objetiva do tema em foco com louvável
imparcialidade.
As contradições acumulam-se flagrantemente. Segundo a
ortodoxia judaica, o Messias devia trazer a paz a um mundo em
plena barbárie, mas tiraram-lhe a vida aos 33 anos. Será que, pelo
menos, não deviam ter-lhe concedido um pouquinho mais de tempo
para transformar a desmedida fantasia em realidade? Outro aspecto:
Jesus não acabou com as guerras, porém justifica-se aumentar o
vulto dos conflitos fratricidas e perdas humanas com o intuito
egoísta de beneficiar-se comodamente? E o que dizer quanto à
apregoada preocupação farisaica com a pobreza e miséria no
mundo? Estariam sensibilizados com a pobreza e miséria dos
gentios? E de onde vem a fama de avareza dos judeus? Não é à-toa
que “farisaísmo” e “hipocrisia” acabaram tornando-se palavras
sinônimas.

167
Na época atual, os judeus vivem às turras com os palestinos,
aumentando a tensão entre o mundo árabe e o ocidental. É bom
lembrar que a tecnologia israelense está em condição de fabricar
artefatos nucleares, o possível estopim de uma hecatombe de
caráter mundial. Foi-lhes oferecida uma oportunidade sensata de
formar uma nação única (Federação Árabe Israelense), mas
recusaram-se ofendidos, pois não consideram os árabes como
irmãos. Infelizmente, o inverso é também uma frustrante realidade!
Surpreendentemente, até o antigo terrorista Yasser Arafat
concordou com a apaziguadora idéia que acabou gorando, embora
fosse compartilhada por alguns admiráveis israelenses de boa
vontade e coração generoso. As fronteiras são erguidas pelos
homens e não por Deus. E se existem não devem separar os povos,
porque somos todos irmãos.
Na verdade, não importa se um lado ou outro se considere o
feliz ganhador desse conflito absurdo. A humanidade sairá
perdendo em ambos os casos. O homem só se tornará vencedor
quando vencer a si mesmo. Tal transcendental evento somente
ocorrerá quando judeus e árabes olharem-se como cordiais irmãos,
dignos de respeito, fraternidade e compreensão mútuos.
A nova pátria comum poderia ser chamada de “Terra da
Promissão”, uma promessa de redenção da humanidade ao
abandonar o egocentrismo e aderir ao altruísmo, voltando-se
sinceramente a Deus. Os judeus sempre se notabilizaram em várias
áreas do conhecimento e saber. Por que não poderiam judeus e
árabes, irmãos bíblicos, dar juntos o primeiro grande passo que
seria bem mais importante do que aquele em solo lunar! Idéia
absurda? Americanos e japoneses viviam às turras durante a
Segunda Guerra Mundial. Hoje são aliados, senão cordiais amigos.
A União Europeia deixa vislumbrar uma fraternal aliança de
antigos contendores para melhor resolver problemas comuns.
Assim, semeia a luminosa ideia de que outros países podem
igualmente irmanar-se de modo louvável. Há tempo para tudo:
“Tempo para odiar e tempo para amar”. O tempo das tempestades
está se esgotando, que venha a bonança e o sol radiante descortine
deslumbrantes horizontes de um auspicioso Mundo Novo.
Inicialmente, “Alá” e “Iahveh” eram palavras sinônimas,

168
mas ao longo do tempo os corações foram-se petrificando e
acabaram virando antônimas. Surgiu, então, um antagonismo
estarrecedor: Iahveh - o Deus judaico - versus Alá - o Deus árabe.
A criatura tem a vã pretensão de dividir o seu Criador ao meio.
Talvez se enquadre este pecado capital no mandamento: “Não
pronunciar o nome de Deus em vão”. O homem insanamente
considera-se dono de Deus e este Criador submisso deve atuar
cegamente em defesa de interesses escusos de grupos ou nações. O
Senhor dos Universos já foi partido e repartido no decorrer da
história segundo as conveniências momentâneas de hostis facções
em “n” pedaços. É chegado o momento crucial neste Terceiro
Milênio de dar-se um basta a tão insensatas tragédias humanas e
seguirmos o caminho de Cristo – o verdadeiro sinônimo de uma
promissora paz.

169
CAPÍTULO 20

JESUS “HOSTIL” À SUA FAMILIA

Continuemos expondo os preconceitos do judaísmo contra o


seu próprio Messias. Ironicamente, o cumprimento das palavras do
Mestre dos mestres teria evitado a diáspora causada pelos romanos
e, entre outros horrores, o terrível holocausto que sofreria no século
XX o povo de Abraão. Analisemos outra “pérola” do pensamento
farisaico restrito:
“Contrariamente à positiva atitude judaica a favor do
matrimônio e da família, Jesus era hostil a estas instituições
tradicionais. Desta maneira, além de rebelar-se contra o casamento,
o Nazareno mostrava-se inimigo dos vínculos de lealdade a pais,
irmãos e irmãs. Ele transgredia o sagrado mandamento de amar os
pais e sem o menor pudor, ao contrário dos sábios rabinos,
conhecedores inigualáveis da Torá”.
E, como se não bastasse, acrescenta-se uma incrível
acusação: “Jesus desmerecia e envergonhava a sua própria mãe e
irmãos em público”.
As imputações são tão bizarras que causam perplexidade.
Antes de qualquer comentário, é interessante lembrar que nenhum
homem na história da humanidade elevou tão alto o nome e a
personalidade da mulher que o trouxe ao mundo como Jesus de
Nazaré. Por acaso, alguém sabe os nomes das mui venerandas mães
de Abraão, de Moisés, dos profetas Amós, Elias e outros

170
personagens bíblicos? De Isaac Newton, de Napoleão, de Voltaire
ou de Einstein? Em alguns casos é impossível e em outros, apenas
historiadores ou familiares. Pois bem, Maria é reconhecida, sem
entrar no mérito da homenagem, como a Mãe de Deus ou Nossa
Senhora por dois bilhões de cristãos. Inclusive, como Mãe do Filho
de Deus, por mais um bilhão de muçulmanos. E qual o sábio judeu
que se capacita a citar sequer as genitoras dos profetas, desde
Abraão até o último deles?
Maomé (mil louvores ao Profeta) reconheceu-a com enorme
carinho no Alcorão como a virgem escolhida a dedo por Alá para
ser a mãe do seu Filho. Ao restante da humanidade esclarecida,
Maria surge como parâmetro inigualável de amor maternal em
nível divino. Milhões de pessoas esperam da Mãe de Jesus, tornada
um símbolo da bondade materna, o alívio para os seus males e a
desejável paz de espírito em seus corações. Já pararam para pensar
por um momento sequer se a sua mãe fosse reverenciada e amada
por milhões e milhões de seres humanos como a Mãe do Senhor
dos Universos, uma protetora espiritual sempre presente em prol da
humanidade. Até o papa João Paulo II implorou-Lhe por sua vida
quando atingido pelo tiro de um fanático. Quem poderia ensejar
maior prova de amor filial senão o Filho de Deus?
A apreciação esdrúxula do judaísmo origina-se de uma
equivocada interpretação de Mateus (12.46-50):
“Falava ainda Jesus ao povo, e eis que sua mãe e seus irmãos
estavam do lado de fora, procurando falar-lhe. E alguém lhe disse:
Tua mãe e teus irmãos estão lá fora e querem falar-te. Porém ele
respondeu ao que lhe trouxera o aviso: Quem é minha mãe e quem
são meus irmãos? E, estendendo a mão para os discípulos, disse:
Eis minha mãe e meus irmãos. Porque qualquer que fizer a vontade
de meu Pai Celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe”.
É interessante salientar que se trata das palavras de Cristo de
mais fácil interpretação - o óbvio ululante! Basta sair de uma
tacanha posição para descobrir que o escudo não é escurecido, de
ferro oxidado, mas brilhante, ornado com puros brilhantes e as mais
belas pérolas. Nessa transcendental metáfora, o Mestre dos mestres
estende graciosamente as benções do Criador às suas criaturas, sem
exceção. A família de Cristo é a humanidade e situa-se em um

171
círculo de raio infinito que abrange todo o Universo. É a natural
dimensão do amor divino. Deus é multiversal e infinito. Entenda-
se: somos todos, sem exceção, irmãos como seres espirituais,
literalmente filhos de Deus. No momento, estamos vivenciando
uma fase terrena no corpo físico. O parentesco sanguíneo do
primata é irrelevante em relação aos laços espirituais. Os povos
viviam ilhados dentro de um egocentrismo familiar restrito. Cada
povo mirava hostilmente o vizinho como potencial inimigo a ser
destruído ou submetido pela força das armas. Especialmente os
judeus consideravam o “próximo” apenas os seus familiares mais
chegados ou, quando muito, os amigos de sua raça e religião. Aos
demais devotavam desdenhosa frieza e flagrante hostilidade. Aliás,
apenas com um fanatismo mais intenso do que os demais povos.
O sagrado “amai-vos uns aos outros”, essência do judaísmo
valioso, persistirá um ideal utópico se não pudermos compreender
qual é a vontade do Pai. Para transformá-la em realidade urge que
abramos nossos corações em todos os sentidos e direções. O ser
humano precisa vencer a si mesmo. Para tal deve-se abandonar a
idéia destrutiva de que vencer na vida significa derrotar aquele
estranho da outra família, o seu vizinho ao lado. Somos irmãos ipsi
litre, filhos autênticos de Deus, isto é, espíritos imortais oriundo do
Espírito Cósmico Multiversal. “O corpo de nada vale” e, terminado
o uso, é descartado.
Na verdade, embora possa parecer uma ideia estranha aos
neófitos, nós somos filhos adotivos de nossos pais consangüíneos.
Em cada nova jornada terrena as posições familiares são, não
raramente, renovadas. Pais, filhos, irmãos, amigos e até inimigos
atuam no palco da vida seguinte em papéis trocados em prol de um
aprimoramento maior. O pai pode vir a ser o filho. O velho inimigo
renascer como irmão, uma excelente oportunidade para ensejar
sincera amizade fraterna abandonando antigos ódios. Na realidade,
somos filhos in totum de nosso Pai Celestial, mas não se espantem
de sermos meros filhos adotivos de nossos pais biológicos.
Inclusive, os seres alienígenas espalhados pelo espaço sideral e
dotados de inteligência são igualmente nossos irmãos, uma vez que
as suas consciências comungam da mesma essência espiritual,
somente variando o invólucro físico. Devemos amá-los do mesmo

172
modo como irmãos cósmicos.
Uma das causas do Holocausto é que os nazistas viam os
judeus como gente de outra família, de outro povo, de outra raça,
encravados em solo pátrio e, por definição, inoportunos inimigos a
serem descartados. No outro lado do escudo, os judeus
consideravam-se o povo eleito, uma minúscula nação dentro de
outra bem maior, a unida família mosaica presa às suas tradições
milenares, mas vivendo avessa à desejável simpatia da orgulhosa
nação germânica. Apesar de usufruir da cidadania comum
mantinham precavida distância dos gentios em nome da monolítica
identidade judaica. Sem aperceber-se, marginalizavam a
humanidade nos lugares onde viviam. E devido a uma lei natural de
ação e reação, eles próprios, ao longo dos séculos, acabaram
tornando-se judeus marginais perante o mundo.
“Dois bicudos não se beijam”, diz a sabedoria popular.
Ambos têm a mesma característica física congênita. É um
simbolismo que explica a tragédia judaico-alemã. Traduzimos
como um delírio pervertido do orgulho humano. Em certa altura da
2ª Guerra Mundial, quando o ódio, a violência e o arbítrio
encontraram suprema garrida, a família alemã, o povo alemão, a
suposta raça ariana, decidiu descartar-se finalmente dos
indesejáveis judeus. Esta gente parecia-lhes um corpo estranho, um
estorvo, uma afronta à predominância nazista em solo pátrio.
Os rabinos cerram os olhos e tapam os ouvidos aos fatos
históricos, mas de modo semelhante, Moisés e Josué trataram os
povos de Canaã. Eles seriam absolvidos da gratuita impiedade pelo
judaísmo mosaico que os considerou meros “paus mandados” de
Iahveh, o Senhor dos Exércitos hebraicos. Nem se conjeturou em
travar qualquer tipo de relação amistosa com os nativos. No intuito
de apoderar-se de suas cidades, mal chegados ao solo estrangeiro,
saíram matando e saqueando indiscriminada e impiedosamente as
populações ao redor, inclusive eliminando animais. Aliás, estes
pobrezinhos sempre foram os bodes expiatórios da “justiça” estilo
Iahveh.
Houve uma conveniente exceção: “Porém, toda a prata, e
ouro, e utensílios de bronze e de ferro, são ‘consagrados ao
Senhor’: irão para o seu tesouro”. (Josué 6. 19). Da mesma forma,

173
já no século XX, o ouro e a prata dos judeus foram ‘consagrados ao
Senhor’ do Estado nazista – o Führer. Ora, o verdadeiro Deus não
precisa de ouro e, muito menos, de prata, porque é o Soberano do
Multiverso.
Num sentido abrangente, a nossa família estende-se ao
espaço multiversal. Não importa onde se esteja no cosmos, os seres
inteligentes são compostos de igual consciência. Não existem
“humanóides”, um termo depreciativo inventado pelos ignorantes
das coisas do espírito, aqueles que ainda acreditam estarmos no
centro do Universo, uma ilusão mitológica oriunda da interpretação
literal do Gênesis. E o restante não passa de figuração. Os seres
cósmicos são exatamente como a gente, em menor ou maior grau
evolutivo. Os inimigos devem se reconhecer como amigos,
abandonar o “eu” por “nós”, em obediência ao desejo do Criador.
Esta é a condição preliminar para merecermos um sensacional
contato com infindáveis e magníficas civilizações extraterrestres,
nossos irmãos mais adiantados do espaço. Eles observam-nos há
milênios, mas evitam os terráqueos por ficarem constrangidos
devido ao nosso baixíssimo nível de evolução. Sabem
perfeitamente que qualquer conhecimento gratuito que nos
forneçam será usado de imediato para usos perversos contra nós
mesmos. Não se dá armas a crianças porque é perigoso. É
exatamente o caso, pois estamos ainda no jardim de infância da
espiritualidade.
Não se espantem tanto assim com essas palavras. O governo
soviético durante a guerra fria deu ordens expressas aos pilotos dos
aviões de caça migs para derrubar impiedosamente qualquer OVNI
avistado ou detectado a fim de recolher os destroços para estudos
científicos de caráter bélico, pouco importa se os tripulantes fossem
aniquilados. E se houvesse sobreviventes, melhor ainda. Seriam
enclausurados para extrair-lhes conhecimentos específicos a
qualquer custo. Pretendia-se desenvolver armas decisórias ao
domínio mundial pelo Estado soviético. Segundo os oficiais
governamentais, os seres de outros planetas perdiam o sagrado
direito à vida quando entravam no espaço soviético. Finda a guerra
fria, o plano maquiavélico foi revelado em chocantes detalhes ao
público por altos oficiais da KGB dentro de um clima de

174
surpreendente sinceridade.
Infelizmente, ao que se consta, a política do Estado
americano não divergiu muito em valor humanitário daquela dos
soviéticos. Preferem manter hermético segredo sobre os diversos
contatos visuais de abalizados pilotos com naves interplanetárias ou
mesmo com extraterrestres para não alarmar o inseguro e iludido
povo americano. Nossos irmãos do Norte, produtos inconscientes
da cultura ficcional de Hollywood, desde a delirante descrição
radiofônica do famoso ator Orson Well sobre imaginários invasores
marcianos, acreditam ingenuamente na possibilidade de truculentos
extraterrestres virem apossar-se do nosso planeta. Em vista disso,
qualquer notícia sobre a chegada de alienígenas levaria as
populações americanas ao pânico descontrolado. Decerto, um
atenuante para a brincadeira de “enconde-esconde” do governo
americano, mas flagrante desconsideração aos esclarecidos
cidadãos do grande país do Norte.
Alguns autores apresentam outro motivo plausível. O povo
americano considera o Estado como uma espécie de “Deus” que
tem a obrigação de garantir-lhe segurança plena e total contra
qualquer tipo de inimigo, vindo da terra, do mar, do ar ou do
espaço. O “Deus-Estado” arbitra-se poderes divinos sobre os
cidadãos. Dispõe de autoridade para liquidar sob o manto da lei
seres humanos, seja por “invadir” áreas militares de segurança ou
em estado de guerra. Inclusive, para executar sem a mínima
piedade supostos criminosos comuns, quer sejam inocentes ou não.
É reconhecidamente um “Deus Terreno”. Ora, as autoridades
governamentais sabem da impossibilidade de satisfazer a exigente
opinião publica neste sentido. E um “Deus” ficcional nunca vai
confessar que não é Deus de fato. O “Deus-Estado” tem um
desmedido orgulho próprio e isto dá para compreender. É uma
criação humana!
Assim, em vez de honestamente declarar que não somos o
protagonista principal e único do Universo, o governo opta por
esconder sem necessidade real fatos comprobatórios. Existe outro
relevante fator a considerar. Tal revelação constituiria um choque
de proporções imprevisíveis às crenças estratificadas das três
religiões do Deus Único. E um “bom” político não quer ter contra

175
si nas eleições uma multidão inconformada com revelações
afrontosas aos seus arraigados mitos. Seria incidir no que se
convencionou chamar atualmente de ato “politicamente correto”.
As grandes potências estão perfeitamente cientes da presença
de alienígenas em nosso planeta. Entretanto, um pensamento
maquiavélico as induz a tirar de algum modo um conveniente
proveito. Não há mais dúvidas quanto ao exposto, pois chegam a
ser repetitivas, até maçantes, as descrições de episódios
documentados envolvendo pilotos ou outros experts da área em
diversos países. Considerável parcela dos pilotos ou astronautas já
viu, em algum momento, naves espaciais vindas do espaço sideral.
Os aparelhos de bordo ou controle de vôo dos aeroportos acusam
estranhas naves nas telas do radar. Existem igualmente milhares de
fotografias e filmagens que endossam tais contatos. A velocidade e
a geometria do trajeto dos “charutos”, “triângulos” ou “discos
voadores” apresentam-se discrepantes dos paradigmas terrestres e
não dão margem a interpretações errôneas.
Sim, os OVNIs existem. Não se originam da ingênua
imaginação das pessoas. Vamos citar, como exemplos notáveis, os
registros oficiais da Força Aérea Brasileira. A FAB mantém desde
1952 arquivos confidenciais catalogando todos os avistamentos de
objetos voadores não identificados nos céus do país. Recentemente,
começaram a ser divulgados pelos militares e estão em Brasília no
Arquivo Nacional. Entre centenas de casos, destacam-se as
aparições de 19 de maio de 1986, data que ficou conhecida como a
“noite dos discos voadores”. Vejamos o relato seguinte:
Às 23h15, a torre de controle de São José dos Campos, no
interior de São Paulo, avistou luzes amarelas, verdes e laranja,
deslocando-se sobre a cidade. Foram detectados no radar objetos
voadores não identificados coerentes com as posições onde se
encontravam as luzes. O fenômeno também foi percebido pelo
coronel da aeronáutica Oziris Pires da Silva, então presidente da
Petrobrás. Voava no avião Xingu e avistou claramente as luzes que
pareciam estrelas grandes e vermelhas. Observe-se que corpos
celestes não emitem sinais de radar.
Um caça da Força Aérea foi investigar de que se tratava. O
piloto viu uma luz branca voando abaixo do seu avião que estava a

176
cerca de 5 mil metros de altitude. O objeto começou a subir até dez
graus acima do caça. O piloto decidiu perseguir a luz, mas esta
subiu até 10 mil metros e por um momento mudou de cor, de
branca para vermelha, depois verde e novamente branca. O radar
do caça registrou a presença do objeto que se situava a 17 km de
distância do avião e voava na direção oeste. O piloto depois de
algum tempo foi obrigado a desistir, pois não teria mais
combustível.
Outro caça decolou da base aérea de Anápolis para perseguir
os objetos detectados naquela região. O piloto chegou a registrar
um OVNI no radar. O jato voava a velocidade super- sônica mas o
objeto mantinha um nível de agilidade incompatível com as
aeronaves terrestres. Voava em zigue-zague, ora se aproximando
ou se afastando, e superava facilmente a velocidade do caça.
Enfim, o piloto desistiu.
No Rio de Janeiro a mobilização continuou. O piloto avistou
uma luz vermelha na posição captada pelos radares em solo. O
mais impressionante aconteceu a seguir. Apareceram mais treze
objetos não identificados no radar. Estavam todos atrás do avião. O
piloto fez uma curva de 180 graus para melhor observá-los, mas
sumiram. O relatório da aeronáutica conclui que os aparelhos em
foco apresentam um conjunto de características não existentes em
nenhum veículo construído pelo ser humano. Óbvio ululante - são
extraterrestres!
Existem outros exemplos mais contundentes como os
ocorridos na pequena cidade de Colares, localizada no estado do
Pará. Em virtude de uma série de aparições e efeitos estranhos nas
pessoas, a população local ficou muito temerosa. Em decorrência, a
Força Aérea designou o capitão Holanda com um grupo de
especialistas para apurar os fatos. Segundo seu relato, além de
comprovar visualmente, por fotos e filmagens os fenômenos, ele
próprio chegou a manter contato pessoal com um ser extraterrestre.
Este, de baixa estatura e fisionomia peculiar, transmitiu-lhe por
linguagem telepática que não deviam temê-los, já que não
pretendiam prejudicá-los de forma alguma.
Uma pergunta tornou-se corriqueira: “Por que eles não
entram em contato direto conosco, de modo a comprovar-se

177
finalmente que existem, se é que existem de fato”? É fácil entender
a precavida conduta dos ETs. Quando vamos ao zoológico não
entramos nas jaulas para travar contato com as feras. Claro, temos
juízo e amor à pele. Não se deve dar comida aos animais e procura-
se evitar ou transmitir doenças. De modo idêntico, agem os
adiantados visitantes vindos do infinito espaço sideral com o nobre
objetivo de estudar nossas civilizações insipientes. Guardam uma
cautelosa e prudente distância de segurança. Existe outro
importantíssimo fator: preservar o respeito às identidades das
múltiplas culturas existentes nos incontáveis planetas habitados.
Eles não pretendem interferir indevidamente no nosso inferior, mas
natural desenvolvimento. Certamente, estão por dentro do processo
evolutivo do cosmos, tanto material como espiritual. Em suma,
estão bem mais perto de Deus do que nós.
Os passos que estamos dando agora são semelhantes aos
deles, há muitíssimo tempo atrás. Eles nos vêem como um
aclamado cientista Ph.D, agraciado com o prêmio Nobel, olharia o
seu irmãozinho de quatro anos cursando ainda o jardim da infância.
Do mesmo modo, com carinho e fraternal curiosidade, os ETs
acompanham o nosso progresso. Em princípio, se interferirem será
para ajudar-nos discretamente e nem ficaremos sabendo. Por isto,
fiquem tranquilos: nunca vão cogitar em nos conquistar ou
dominar, uma idéia natural aos humanos. Nem pretendem fazer-nos
qualquer mal. Se o quisessem, seria algo como um exército
moderno, armado com artefatos nucleares, apossar-se de uma
aldeiazinha de índios com arcos e flechas. Dá para entender? Não
teríamos a menor chance de defesa. Eles se limitam a observar-nos
atentamente para fins científicos, à semelhança de dedicados
etnólogos que estudam culturas primitivas e as tratam com paternal
respeito.
Embora o progresso científico-tecnológico desenvolva-se
mais rapidamente do que o espiritual e, obviamente, quem
consegue chegar ao planeta Terra oriundo das galáxias situa-se
milhares de anos à frente dos humanos nos dois aspectos. Já
ultrapassaram há muito a fase homicida característica das culturas
atrasadas. Em principio, sublimaram o verbo “odiar” e nas suas
extraordinárias civilizações predomina o verbo “amar”. Há outro

178
detalhe a considerar. Eles também estão ainda em fase evolutiva.
Quando atingirem uma espiritualização superior em determinado
grau, irão vivenciar experiências em Universos mais desenvolvidos
espiritualmente ou etéreos. Estes fazem parte dos chamados
Universos Paralelos – o Multiverso.
Nós, por exemplo, estamos presos à carne e por isto temos
dificuldade em visualizar uma sublime espiritualidade. Estamos
aqui preocupados em cuidar da vestimenta (o corpo) e desprezamos
a nós mesmos (o espírito). A razão da percepção ilusória esconde-
se nas enigmáticas palavras de um sábio monge oriental: “Nós nos
olhamos e não nos vemos, e o que vemos não somos nós”. Tal
atitude contraditória é a explicação evidente para a situação de
desarmonia e sofrimento que causamos uns aos outros. Na verdade,
não damos aos ETs os mesmos direitos concedidos aos humanos ou
mesmo aos animais. Por acaso, existe alguma lei que proteja
fisicamente os seres de outros planetas, caso entrem em contato
conosco? Nem nunca se pensou ou cogitou nisto. Ora, decerto, é
uma irrelevância, um detalhe desprezível ou uma bobagem. Muitas
pessoas quando vêem o que acreditam ser um alienígena, somente
pensam em liquidá-lo.
Basta contar um episódio real. Um capiau, morador de
pequena cidade do interior do Brasil, contou certa feita ao curioso
repórter de um conhecido jornal que de fato viu alguns alienígenas
no mato quando estava a caçar animais silvestres. E jurou estar
dizendo a verdade por tudo de mais sagrado. Apesar da baixa
escolaridade era um homem sério e de reconhecida credibilidade na
comunidade local. Escondido em uma moita, chegou a atirar num
deles com sua velha espingarda e com certeza o atingiu, pois caiu
ao chão, mas a indefesa vítima foi socorrida de imediato por outro
companheiro. Em seguida partiram num fechar de olhos em
brilhante nave espacial.
Por que o nosso “herói” agiu assim? Ora, foi o primeiro
pensamento que lhe veio à mente. Atirar para matar em defesa de
nada. É o velho instinto animal, matar para depois averiguar.
Eliminou qualquer chance de uma aproximação proveitosa. Não há
dúvida, esse capiau ingênuo representou fielmente os humanos em
ação típica. E não pensem que generais ou políticos poderosos vão

179
agir de modo benevolente. Na verdade, se comportarão de modo
mais sofisticado, mas não menos perverso.
Outro episódio: Perguntou-se a um universitário se teria
coragem de matar um alienígena. “Claro!”, respondeu à queima
roupa. “Nem é da minha espécie!” Vemos que o homem extravasa
uma hostilidade gratuita que nem os primatas ditos irracionais são
capazes. Não se dá conta de que todos os seres inteligentes são
constituídos de igual essência espiritual, variando apenas o corpo
físico. Um detalhe: o dito jovem, um personagem verídico, tornou-
se um dedicadíssimo médico neurocirurgião. Se os bons são assim,
o que se pode esperar dos maus?
Voltemos a uma conciliadora discussão com nossos irmãos
mosaicos. Encarnando com ardor o papel de advogado do diabo, o
judaísmo restrito prossegue inexorável: “Jesus exigiu de seus
seguidores que odiassem seu semelhante para serem melhores
discípulos”. Realmente, vemos em Lucas (14.26):
“Se alguém vem a mim e não odeia seu pai, sua mãe, sua
mulher, seus filhos, seus irmãos e até a sua própria vida, não pode
ser meu discípulo”.
No caso exposto, uma apreciação superficial pode conduzir a
uma interpretação disparatada das palavras do Mestre da Bondade,
justamente d´Aquele que se imolou como prova do amor divino em
prol do ser humano. Jesus referia-se aos discípulos diretos, os seus
abnegados sucessores. Sabemos que todos, com exceção de São
João, morreram martirizados de forma trágica. Em vida sofreriam
toda sorte de repressão nas mãos dos judeus ortodoxos e dos
romanos. Por exemplo, São Pedro foi crucificado de cabeça para
baixo e São Paulo degolado, ambos em Roma na época do
tresloucado imperador Nero. São Tiago e São Estevão sucumbiram
apedrejados, a mando dos mestres do ódio, os sacerdotes do
Sinédrio.
O Filho de Deus possui o dom da onisciência. Deste modo,
antevê os tremendos dissabores que enfrentariam seus amados
discípulos ao implantar heroicamente a Nova Fé. Eles não
poderiam, decerto, apegar-se aos laços familiares como uma pessoa
comum. Teriam que fazer a dificílima escolha pelo reino dos céus.
Eles seriam obrigados a odiar, isto é, amar menos os valores

180
mundanos em prol dos espirituais. No presente caso, uma clara e
esplêndida metáfora foi usada pelo Salvador para alertá-los da
crucial opção. Caso não aceitassem, poderiam voltar atrás. O
Mestre queria selecionar voluntários dispostos ao sacrifício
supremo. “Odiar”, no caso, significa amar o semelhante colocando
de lado laços de parentesco ou consangüíneos para oferecer-se ao
martírio num exemplar arroubo de ternura em prol da humanidade.
De modo idêntico, quando um candidato a discípulo, diz
levianamente: “Mestre, vou segui-lo, mas deixe-me,
primeiramente, dizer adeus aos que estão em minha casa”, responde
sereno: “Quem coloca sua mão no arado e olha para trás, é
inadequado ao reino de Deus”. Jesus sabia muito bem quem não
seria capaz de assumir o compromisso supremo. Era uma maneira
de dispensá-lo de uma prova para a qual não estava devidamente
preparado.
O judaísmo, atado em si mesmo, continua surdo às palavras
do “Ungido do Senhor”, assim invectiva a torto e a direito em
ácidos resmungos: “Jesus insistia que os discípulos se
desvinculassem das obrigações filiais, conforme suas duras
palavras a um jovem que se prontificou a segui-lo, mas impôs uma
condição preliminar”: “Senhor, deixe-me ir primeiro enterrar meu
pai. Jesus, porém, lhe respondeu: Segue-me e deixe os mortos
enterrar seus mortos”.
A interpretação judaica, sempre avessa aos espíritos
(ironicamente, eles e nós mesmos), novamente empaca em sua
eterna vocação materialista ou arraigado apego à “carne e sangue”.
Daí, conclui:
“Deus não se negaria nunca a demonstrar bondade com os
mortos. Em vez disto, Jesus ordenou asperamente a um discípulo
para deixar o seu pai morto insepulto até que os ‘mortos’ o
enterrassem”.
Em uma equivocada interpretação, os ‘mortos’ são os
parentes vivos. Jesus Cristo, conhecedor profundo da alma humana,
logo viu que aquele jovem falador e de intenções superficiais não
reunia as condições mínimas para ser um daqueles discípulos de
vontade férrea e disposto a enfrentar o mundo, particularmente o
ódio insaciável da cúpula sacerdotal do Templo de Jerusalém.

181
Quanto aos ‘mortos’, não são de modo algum os parentes vivos da
família do falecido. Trata-se de uma velada alegoria referente aos
espíritos desencarnados dos parentes ou amigos do pai do jovem
que já o aguardavam em solidária missão de conduzi-lo
carinhosamente à nova etapa de vida após a morte física. “Deixe
aos mortos enterrar os seus mortos”. Ora, ‘mortos’ não são seres
vivos terrenos. Somente seres espirituais permanecem vivos na
dimensão além da matéria após o falecimento carnal. Cabe a eles a
missão de ‘enterrar’ os ‘mortos’. O grande problema é que o
“Ungido do Senhor” contemplava os céus de onde veio, e os seres
terrenos se restringem a perscrutar o solo, seu elemento natural, e
só descobrem minhocas. Daí decorre uma falta de entendimento
das coisas espirituais mais elementares.
O estarrecedor desprezo às palavras do Filho de Deus
desponta assustador e, como sempre, o descumprimento dos
ensinamentos divinos levou o povo judaico a sofrimentos
incontáveis e, por fim, como se fosse ainda pouco, ao Holocausto
sob o tacão nazista.

CAPÍTULO 21

“AMAI VOSSOS INIMIGOS”

Outra acusação do judaísmo tradicional:


“Jesus exigiu o máximo dos absurdos, o supremo contra-
senso, ao extrapolar a Lei judaica, sem compreender e nem levar
em consideração a natureza humana: Ame seus inimigos e ore por
seus perseguidores”.
O texto completo de Mateus (5. 43-48) é o seguinte:
“Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e
poderás odiar o teu inimigo”. Eu, porém, vos digo: amai vossos
inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos
perseguem. Deste modo, sereis filhos de vosso Pai celestial, pois
ele faz nascer o sol tanto sobre os bons como sobre os maus, e faz
chover tanto sobre os justos como sobre os injustos. Se amardes

182
somente os que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem
assim os próprios publicanos? Se saudais apenas os vossos irmãos,
que fazeis de extraordinário? Não fazem isto também os pagãos?
Portanto, sede perfeitos, assim como vosso Pai celeste é perfeito”.
Evidentemente, uma parca compreensão espiritual contrapõe
às palavras do Nazareno um pensamento condizente com o status
de seres humanos em fase insipiente. Assim, outra vez se
desconhece e rejeita-se o próprio Ungido, o amor divino
personificado. Apega-se ao egoísmo perverso, a fonte de tantos
malefícios contra a humanidade. E ainda insiste:
“A lei judaica não ordena que se ame seu adversário, pois
seria antinatural. Ela ordena, entretanto, que o ajudemos em caso de
emergência, pois isto é o que se espera de um ser humano. A lei
judaica ordena insistentemente amor e respeito aos pais, marido,
esposa, filhos, irmãos, irmãs e todos os membros da família – e
uma preocupação irrestrita em amar os semelhantes”.
Inicialmente, deve-se observar uma contradição em duas
afirmações obviamente opostas: “a Lei não ordena que se ame o
adversário” e “uma preocupação irrestrita em amar os
semelhantes”. Ora, estes últimos não deixam de sê-los por
situarem-se em posição adversa num determinado momento como
adversários ou inimigos. Não esqueçamos de que os ferrenhos
inimigos de ontem podem ser os bons amigos de hoje. Em termos
nacionais, os exemplos se evidenciam. Vejam os belicosos
franceses e ingleses da época do egocêntrico Henrique VIII e os de
agora, quando um benéfico túnel comum por baixo do Canal da
Mancha une os dois países como um cordão umbilical a simbolizar
cordial amizade entre irmãos. Alemães, ingleses e franceses,
outrora inimigos, fazem parte da União Europeia consolidando uma
paz benéfica e duradoura. O relacionamento atual entre japoneses e
americanos enseja um admirável progresso espiritual e material em
prol do relacionamento humano. Em resumo, a inimizade é um
estado transitório, um período de terríveis incompreensões mútuas,
porém que não pode durar eternamente. Como diz o refrão popular:
“Após a tempestade vem a bonança”. A sabedoria do Eclesiastes
endossa-o ao proclamar: “há tempo de guerra, e tempo de paz”.
Cabe somente a nós, neste Terceiro Milênio, fazer prevalecer o

183
“tempo de paz”.
“Perdoar os inimigos” é um valioso ponto comum às
verdadeiras religiões. O Dalai Lama, uma figura exponencial do
budismo, declarou que se fossem introduzidas as palavras de Jesus
Cristo sobre o perdão ao inimigo nos textos budistas, passariam
despercebidas como escrituras comuns ao próprio budismo.
Exemplificando, citou a passagem de um texto da tradição
Mahayana. O Iluminado Shantideva pergunta: “Se não se pratica a
compaixão em relação ao inimigo, então com quem se deve
praticar?” Ora, até os animais demonstram amor, compaixão e
simpatia pelos seus entes queridos. E se procuramos um caminho
espiritual, devemos ser melhor do que os animais, conclui
sabiamente o Dalai Lama.
O sábio Shantideva vai mais além ao ensinar que, se
cultivarmos a atitude correta, nossos inimigos serão nossos
melhores professores espirituais, pois nos darão valiosa
oportunidade de desenvolvermos tolerância, paciência e
compreensão. Assim, embora pareça paradoxal, a presença de
inimigos é crucial até para aprimorar-se na prática espiritual.
O bem se justifica por si mesmo em todo Universo
simplesmente porque se confunde com o Criador. Por isso a
sabedoria oriental inspirada pelos céus do Tao Te Ching irmana-se
aos ensinamentos de Cristo e Buda, e ecoa divina lição: (Poemas 63
e 67)
“Responde ao ódio com amor”.
“Se lutares com amor sairás vitorioso, se defenderes com
amor serás invencível”.
“Pois a quem o Céu quer salvar, ele protege com amor”.
Em suma, toda ação humana deve ser um ato de amor para
legitimar-se perante Deus. Infelizmente, existe um arcaico costume,
incentivado por religiosos de limitada compreensão, visando
perpetuar ódios antigos apesar de originados há milênios. Vejamos
o famoso episódio bíblico ocorrido com Ester, uma belíssima
jovem judia que se tornou prestigiada rainha da Pérsia quando o
irado rei Assuero separou-se da esposa anterior devido à sua
afrontosa desobediência. Aconselhada por seu primo e tutor
Mordechái, a prudente Ester decidiu esconder sua identidade

184
judaica do novo esposo. Havia uma rixa política odienta e odiosa
originada pela rivalidade entre Hamán, o ministro mor do rei, e o
sagaz, mas preterido judeu Mordechái, um cortesão de quase igual
importância.
O primeiro considerou-se ofendido ao constatar que o
segundo recusava-se a cumprir o protocolo da corte, curvando-se
como os demais súditos diante dele, a autoridade maior depois do
rei. Hamán era um homem muitíssimo orgulhoso e cônscio de seu
enorme poder. Segundo a narrativa do Velho Testamento, ele havia
conseguido do rei uma lei neste sentido onde se eliminava qualquer
exceção. Na verdade, naquela época as pessoas se curvavam diante
de uma autoridade proeminente, particularmente o vizir. Não
custaria nada ao não menos arrogante Mordechái fazê-lo. Os
narradores bíblicos sempre procuram induzir os leitores a
acreditarem na versão oficial dos acontecimentos. Nesta, os gentios
são sempre os vilões. Ora, para camuflar a petulância do tio de
Ester, é dito que se recusava a prestar a homenagem de praxe sob a
duvidosa alegação de que “um judeu só pode curvar-se perante
Deus”. Ah! Que belo argumento! Um exemplo admirável de fé no
Deus Único. Não obstante, observe-se um pequeno detalhe. O rei
Assuero devia ser o próprio Deus em carne e osso, já que, decerto,
Mordechái curvava-se humildemente diante dele. Ora, estava no
seu juízo perfeito e queria continuar vivo. Quem desacatasse o
monarca cairia em desgraça e seria executado de imediato.
Há um ditado popular que diz: “dois bicudos não se beijam”.
É este exatamente o caso. O vizir poderia ter feito uma gentil
exceção ou Mordechái ceder em cumprimentá-lo à maneira
oriental, mas ambos detestavam-se porque eram rivais políticos na
corte real. Hamán, decerto, já odiava a colônia judaica e ficou tão
enfurecido que conseguiu persuadir o rei a aprovar um decreto
fatal. Os judeus do reino, homens, mulheres e crianças, não
importa, seriam inapelavelmente mortos em determinado dia
funesto. Não é explicada na narrativa qual foi a sagaz
argumentação apresentada pelo vizir para convencer o rei a tomar
decisão tão radical. Nem é preciso salientar que a conhecida
misantropia hebraica tornava-os sempre malquistos pelos gentios
nos países onde viviam e usufruíam enorme prosperidade. Ao bem

185
da verdade, devido aos próprios méritos.
De qualquer modo, foi feito um sorteio, purim em persa, para
escolher o dia aziago. A Meguilar, o livro bíblico que narra o
episódio do Purim, conta-nos que a terrível ameaça caiu por terra
quando Ester revelou habilmente sua identidade judaica ao esposo.
Sem dúvidas, o rei estava perdidamente apaixonado pela
estonteante beldade e insurgiu-se contra a diabólica trama do seu
vizir, passando a odiá-lo de imediato. No trágico final, na mesma
forca que Hamán armara no pátio do palácio para Mordechái, o
conspirador do morticínio judaico foi vilmente executado. E para
completar o sucesso com fita de ouro, Mordechái ocupou o lugar
vago de vizir. Daí em diante, o dia do Purim passou a ser uma data
nacional de grande júbilo na tradição judaica.
Se o ódio de Hamán aos judeus era enorme, a recíproca é
verdadeira, já que originou a tradicional comemoração do Purim.
Na noite da véspera e na manhã do Purim, ao ser citado o nome de
Hamán nas sinagogas, os rabinos induzem a congregação a vaiar e
fazer barulho numa curiosa tentativa de vilipendiar a memória do
eterno vilão. Alguns têm o costume de escrever o nome de Hamán
nas solas dos sapatos e bater os pés na pretensão de erradicar o
infeliz vizir. Assim, perpetua-se até os dias de hoje um ódio
remoído a um personagem milenar que há muito tempo deveria ter
sido perdoado. Ele pagou com a própria vida e a de seus dez filhos,
bem como de centenas de amigos e seguidores, segundo o Livro de
Ester.
O cultivo do ódio pelo judaísmo restrito somente resultou em
prejuízos individuais e coletivos aos filhos de Abraão. Urge agora
que o sublimemos mediante o amor, único remédio capaz de
propiciar a tão sonhada paz aos povos. Pratiquemos o judaísmo
valioso de caráter universal constante das páginas sagradas do
Eclesiástico (28.1-2) onde se exalta o sensato abandono do ódio
que nos corrói até ao âmago:
“Aquele que quer vingar-se encontrará a vingança do
Senhor, e ele lhe reservará para sempre os seus pecados. Perdoa ao
teu semelhante o mal que te fez e, então, ser-te-ão perdoados os
teus pecados”.
Observe-se que a oração do Pai Nosso reverbera as palavras

186
do Eclesiástico mostrando que o judaísmo valioso e o cristianismo
puro irmanam-se na essência comum a ambos. Enfatizando a
prioridade do amor sobre o ódio, vamos recorrer novamente à
sabedoria oriental do Taoísmo que prega com poéticas palavras
igual compaixão: (Poema 31)
“As armas são instrumentos nefastos que não convém ao
Sábio; só as utiliza contra a sua vontade, quando não há mais
remédio; ele prefere a serenidade e a paz”.
“Quem vence, não deve regozijar-se com a sua vitória; sabe
que desfrutá-la seria como festejar a morte de muitos homens”.
“Quem se regozijar com a morte do semelhante, esse não há
de realizar-se”.
“Quem provocou a morte de seres humanos, deve chorá-los e
lamentar-se”.
“O vencedor da batalha deverá vestir-se de luto.”
Contrariamente ao judaísmo que prioriza regras e ordens, é
necessário entender que o Filho de Deus não exige ou ordena nada
a ninguém. Nem a Judas Iscariotes, quando a ovelha negra estava
em via de dar o passo final para concretizar sua traição fatal, o
Nazareno exigiu ou ordenou algo para detê-lo. De fato, não
levantou nem o dedo mindinho. Na última ceia, em companhia dos
discípulos, por divino respeito ao livre arbítrio do ser humano,
disse-lhe apenas: “O que pretendes fazer, faze-o depressa”. Cada
má ação origina uma reação negativa contra o seu autor. É a lei da
ação e reação divina, o carma da sabedoria oriental. Jesus
simplesmente comenta com os discípulos à mesa sobre o justo
castigo reservado a Iscariotes: “O Filho de Homem vai conforme
está determinado, mas aí daquele por intermédio de quem está
sendo traído”. (Lucas 22.22). Judas arrependeu-se, enforcando-se
em triste ato solitário, sob o enorme peso do remorso e desprezado
pelo mundo, inclusive por si próprio. Hoje em dia, sabemos por
meios de idôneas fontes mediúnicas que foi perdoado, pois teve
várias oportunidades para redimir-se mediante auspiciosas vidas
terrenas.
O Filho de Deus contempla os mortais com divina
serenidade. Ele não interfere diretamente em seus atos. Apenas se
limita a ensinar o caminho do bem e cada um vai trilhá-lo per si em

187
busca do aprimoramento espiritual. Evidentemente, não se dá
ordens a ninguém na dimensão celestial conforme imagina nossa
estreita concepção terrena. A missão do Messias foi exatamente
aperfeiçoar a doutrina do judaísmo, baseada em leis e regulamentos
mil, limitada a mudar o homem de fora para dentro, exigindo-lhe
uma obediência do tipo: Obedece ou morre! Nessa fase primária até
os animais são bodes expiatórios dos pecados humanos perante a
justiça de Iahveh, a insipiente versão judaica do Criador. Nem o
canto dos passarinhos, a graciosidade dos coelhinhos ou a beleza
das flores escapam da sanha “divina”.
Veja o exemplo da bela lenda de Noé, uma significativa
metáfora que expõe a ação vingadora de Iahveh, o Deus dos
exércitos, estranhamente decepcionado com o sofrível desempenho
ético da humanidade. Trata-se de uma emocionante história de
amor e ódio entre o Criador e suas amadas ou abjetas criaturas.
Iahveh é um Deus volúvel e incrivelmente inseguro, um fato que
causaria espanto aos filósofos gregos. Inimigo da lógica mais
elementar, sempre ignora a própria onisciência. Uma única
explicação plausível decorre desta flagrante contradição: Iahveh é a
primeira revelação da divindade ao homem ainda no estado de
barbárie. O neófito em nível primário, não conseguindo visualizar
plenamente a imagem divina, insere elementos próprios segundo a
ótica terrena. O Criador torna-se a imagem do homem, contrariando
a lógica natural do Universo. A vingança “divina” traduz-se na
morte física e indiscriminada de homens, mulheres, crianças, bebês
e inclusive de animais de todas as espécies.
Entretanto, a intenção do Pai, o Deus verdadeiro, onisciente
e consciente, amoroso e bondoso, em uma segunda fase, aquela
exemplificada por seu Filho, pretende igual objetivo - a perfeição
humana – porém de modo inverso: mudar o ser humano de dentro
para fora. Já é tempo de sair do abc e entrar no primeiro ano do
ensino primário. O Ph.D virá dentro de alguns milênios. Rapidinho,
segundo a contagem dos céus porque tudo acontece no devido
tempo e conforme as previsões divinas.
Não se trata mais de colocar uma bonita vestimenta no ser
humano, mas torná-lo belo por dentro, não importando sua
aparência externa. O instrumento divino por excelência neste

188
sentido é o amor – a única arma usada pelo Senhor da Paz – o Filho
de Deus. Expondo a vontade do Pai, acrescentou:
“Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu,
porém, vos digo: Não resistais ao perverso; mas a qualquer que te
ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e ao que demandar
contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. E se alguém de
obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede, e
não voltes às costas ao que deseja que lhe emprestes”.
A lei do Talião foi assimilada pelos hebreus, herdeiros do
célebre código de Hamurabi. O famoso, “olho por olho, dente por
dente”, causa perplexidade no mundo moderno ao homem de bons
sentimentos. No entanto, naquela época representava um relevante
grau de humanização das leis tradicionais onde primava extrema
barbárie. Antes, nem sequer havia qualquer restrição à represália
incontida. Prevalecia a lei da espada. Um olho vazado do filho
querido, mesmo sem dolo, poderia dar margem ao extermínio do
autor da ofensa e por extensão da sua família inteira. Um dente
quebrado resultaria em dez cabeças rachadas sob o machado. Não
obstante, um latente senso de justiça elementar foi-se
desenvolvendo e, em dado momento, estabeleceu-se uma razoável
equivalência entre a ofensa e a punição, um passo importante para
elaboração das leis jurídicas nas civilizações antigas. A
perversidade somente seria punida com intensidade igual e
recíproca. Caso o súdito se excedesse, incorreria em grave
transgressão e seria punido pelo rei. Ora, o mundo caminha para
frente e as leis vão-se aperfeiçoando ao longo dos tempos.
Jesus representa o caminho para um mundo melhor onde o
sentimento de vingança seja sublimado e o perdão prevaleça.
Exatamente para evitar os horrores dos dias atuais quando os
palestinos jogam foguetes nos judeus e estes jogam bombas dos
aviões na faixa de Gaza. Para cada judeu morto, uma dezena de
palestinos é aniquilada sem piedade. Tal violência configura uma
chocante perda de vidas. Em pleno Terceiro Milênio não se
obedece nem à lei do Talião: “Olho por olho, dente por dente”. De
fato, são: “Dez olhos por um olho, dez dentes por um”. Não se
consegue nem cumprir a Lei antiga e, decerto, a nova surge como o
maior dos absurdos. O Holocausto não serviu de proveitosa lição

189
para induzir um desejável respeito pelo sofrimento alheio. Ambos
os lados persistem no erro comum, embora quem possua poder
maior saia ganhando ilusoriamente. A verdadeira vitória ocorre
somente quando se vence a si mesmo.
Dá para compreender que o cumprimento de regras
elementares é mais acessível ao neófito do que atender aos
princípios divinos. Jesus Cristo não ditou regras, simplesmente
apontou o caminho. Para percorrê-lo faz-se necessário longo e
denodado esforço pessoal e coletivo. De fato, os Dez Mandamentos
são possíveis de serem satisfeitos em menor dimensão. Ele pode
produzir o homem “reto e justo”, mas nunca o ser humano integral,
capaz de amar verdadeiramente a Deus e ao semelhante. Trata-se
de uma segunda etapa mais sutil de aperfeiçoamento espiritual,
depois de cumprida a primeira. Aprendido o abc, passa-se ao
ensino fundamental. É algo semelhante.
Há uma contradição evidente nas palavras do judaísmo
restrito: “A lei judaica, ordena, entretanto, que evitemos pensar em
vingança contra o inimigo e ainda que o ajudemos em caso de
emergência”. Novamente, o termo ordena repete-se exprimindo um
autoritarismo desatualizado. Sabemos que os humanos são
incapazes de amar profundamente e sem discriminação e, muito
menos, abster-se facilmente do revide.
Na verdade, historicamente, os personagens da saga judaica,
à exceção do Messias e seus discípulos, viveram norteados pelo
sentimento de conquista, ódio e vingança. Aliás, à semelhança dos
povos de maneira geral. Basta lembrar um nome - Gengis Khan. O
invencível conquistador mongol declarou nada haver de melhor do
que se satisfazer ante a morte e sofrimento dos povos conquistados.
Outro perverso famoso, Stalin, também comentou que sentia
inigualável prazer ao saborear um bom vinho comemorando a
eliminação física de supostos inimigos. O próprio Moises iniciou a
carreira de líder desforrando-se em um egípcio e, mais adiante, em
três mil irmãos de raça, acrescentando-se ainda outros milhares de
infelizes vítimas pertencentes aos povos seculares da Terra
Prometida.
Os juizes do Velho Testamento, inclusive alguns profetas, a
exemplo de Elias, não se furtavam a vingar-se de alguém. Se não

190
havia um motivo pessoal, prevalecia aquele eterno fanatismo
religioso que conduzia a similar derramamento de sangue, senão
pior. Os reis, sem exceção, foram insensíveis homicidas, como
Davi e Salomão. Este último, apesar de ter granjeado a fama de rei
“sábio”, viveu luxuriosamente na sua dispendiosa corte em função
de um egoísmo fenomenal. E lançou, antes de falecer, as sementes
do dissídio fatal entre as doze tribos.
Os hebreus desconheciam o amor entre irmãos, basta dizer
que se dividiram em dois reinos oponentes: Israel e Judá. Ambos
fadados fatalmente a desaparecer, cada um anulando os esforços
positivos de sobrevivência do outro e guerreando-se de modo
fratricida entre si. Ora, conforme disse Jesus: “Uma casa dividida
não pode subsistir”. Odiaram exageradamente os romanos, embora
fossem tratados com considerável tolerância e razoável amizade.
Vide o sucesso histórico de Herodes, o Grande, aquele temível rei
paranóico. Em compensação, um político sagaz que primou pelo
bom senso e foi alvo das benesses dos césares. Ganhou fama de
louco sanguinário, mas não de estúpido. O povo judaico,
entretanto, esqueceu o bom senso e preferiu partir para uma
represália insensata e gratuita, sinônimo de desgraça coletiva.
Essa tendência suicida acabou por tornar-se secular.
Vejamos o exemplo seguinte: Amós era um simples camponês que
viveu há dois mil e oitocentos anos. Este notável profeta, movido
por heróico altruísmo, deixou os seus rebanhos na montanha para
transmitir com ousadia a providencial mensagem do Senhor na qual
procurava despertar a consciência de um povo escravo da própria
maldade intrínseca. Antes da destruição de Judá pela Babilônia do
rei Nabucodonosor, alertou repetidamente aos conterrâneos contra
a contumácia no pecado em eloqüentes palavras. A advertência de
Amós permaneceria atual na época da segunda destruição do
Templo de Jerusalém, desta vez pelos romanos:
“Assim disse o Senhor...Enviarei sobre Judá um fogo que vai
devorar os palácios de Jerusalém...Porque vendem o inocente por
prata e o necessitado por um par de sapatos; espezinham os pobres
e desviam os humildes do caminho ...”.
Igualmente a sabedoria do Pirkei Avot, observa: “A inveja, o
mau impulso e o ódio às criaturas expulsam o homem do mundo”.

191
De fato, em ambos os casos citados com conseqüências
catastróficas. Os judeus foram expulsos do mundo simbolizado
pelo Templo de Jerusalém quando se deixaram dominar por
irrefreável “mau impulso” baseado na “inveja” e no “ódio às
criaturas”.
Existem duas interpretações históricas: a mítica e a real. A
segunda evidentemente desagrada e choca os ingênuos.
Particularmente aqueles religiosos de espírito dogmático que
enaltecem cheios de emoção: “Ah, a fé inabalável do rei Davi! Ah,
a grande sapiência do rei Salomão! Que tempos de esplendor!
Quanta beleza! Quanto poder e sabedoria! Quanta poesia! Que
incomparáveis versos! Quanta riqueza!”... “Ah!”, diríamos nós, se
fosse possível ouvir os lamentos das centenas de infelizes vítimas!
Jesus estendeu o conceito de núcleo familiar aos seres
humanos indistintamente. Nós formamos a grande família
universal. Os laços tradicionais de raça, religião, nacionalidade,
cultura, pátria, surgem irrelevantes diante do bem maior - a
amizade fraternal. Esta virtude suprema conduzirá à paz e ao bem
comum. O cimento capaz desse milagre de caráter transcendental é
o amor sem barreiras ou fronteiras. Ora, o único meio capaz de
deter a tendência compulsiva ao ódio é contrapondo a capacidade
de amar. Senão ficaremos sempre aferrados a um círculo vicioso
“Eu de odeio, tu me odeias e nós nos odiamos, igualmente. Quero a
tua cabeça na bandeja, assim como tu queres a minha”.
Oferecer serenamente a face ao agressor sem revidar não
constitui, como pode parecer aos acostumados à brutalidade
instintiva do primata, um ato flagrante de pequenez ou covardia. Na
verdade, constitui uma prova de excepcional coragem, de manifesta
superioridade moral e de altiva espiritualidade. Representa o ápice
da supremacia das virtudes maiores que engrandecem o gênero
humano sobre a mesquinhez de uma multidão de defeitos. Somente
quem atingiu um elevado grau de espiritualidade é capaz de postar-
se neste patamar altaneiro.
Decerto, as palavras do Mestre dos mestres vão permanecer
por longo tempo como um enigma aos ignorantes das coisas do
espírito, aqueles na fase do abc. Para estes, a única resposta à
violência resume-se em retaliar com selvageria maior ainda. Desta

192
forma, chegará um dia nefasto em que nossa desvairada espécie
humana, utilizando insanamente terrível arsenal atômico,
encontrará o fim comum aos perversos. Para evitá-lo devemos
lembrar que o caminho, por mais longo que seja, começa com o
primeiro passo. A este, sucedem-se os demais. Basta persistir para
chegar ao destino. O Messias deu o passo inicial pelo homem e
cabe a nós segui-Lo.
O Holocausto do povo judeu foi uma conseqüência funesta
de apego exacerbado ao conceito de pátria, nação e família,
agravado por uma total falta de amor e respeito ao semelhante,
particularmente por nazistas assoberbados pelo poder ilimitado. As
famílias alemãs e judaicas haviam cultivado um antagonismo
histórico. Ambas, como água e azeite, entenderam que não deviam
misturar-se e se repudiaram reciprocamente. Adotou-se exatamente
o comportamento oposto às sublimes lições pregadas por Cristo. Os
alemães revelaram-se cristãos nominais. Eles tomaram para si a
hipocrisia dos sacerdotes do Templo de Jerusalém ao ignorar
insanamente os ensinamentos puros do cristianismo, sinônimo de
um judaísmo valioso que prega sincero amor a Deus e ao
semelhante. Muitos nazistas e fascistas “cristãos” iam
religiosamente aos cultos protestantes ou missas católicas aos
domingos, acompanhados das respectivas famílias, sem
conscientizar-se dos crimes hediondos perpetrados durante a
semana. Ignoravam a palavra remorso porque se tornaram
diabólicos serial killers.
É interessante ressaltar que o livro de Trude Weiss expondo
com veemência o pensamento fundamentalista do judaísmo teve a
sua primeira edição lançada nos EEUU em 1943, em plena 2ª
Guerra Mundial. Ela sabia das perseguições nazistas aos cidadãos
de origem judaica na Alemanha de Hitler, mas ignorava as agruras
fatais do seu povo nos campos de concentração. Nem sequer
menciona uma linha a respeito.
É quase certo que o seu livro acabou chegando ao
conhecimento de Pio XII, na Roma controlada pelos nazi-fascistas.
Caso positivo, o seu conteúdo, baseado em criticismo infundado ao
Messias, influenciou negativamente o papa na lastimável decisão
de omitir-se sobre o genocídio de calamitosas dimensões cometido

193
pelos nazistas. Ele era um papa da velha guarda que acreditava
dogmaticamente no Filho de Deus. O Nazareno constituía o centro
das amorosas atenções de uma vida dedicada à fé cristã, segundo
sua interpretação pessoal. Talvez tenha refletido sobre os
desesperados pedidos em prol dos judeus presos em campos de
extermínio: “Por que expor a minha sagrada pessoa juntamente
com a cristandade à imprevisível represália nazista em defesa de
um povo que antipatiza visceralmente com Cristo. Eles continuam
sendo os grandes inimigos do Filho de Deus e, portanto, bateram na
porta errada”.
Na verdade, as portas estavam cerradas em toda parte.
Nenhuma igreja católica, protestante ou evangélica, moveu sequer
o dedo mindinho em defesa do povo de Abraão. Realmente, amar a
quem não nos ama e despreza-nos é uma questão crucial. Seguir as
palavras de um Cristo que nos contempla com os olhos marejados
pelos nossos pecados constitui transcendental desafio. A hipótese
de quais seriam as conseqüências em face de uma corajosa e
veemente denúncia do pontífice ao mundo sobre as atrocidades
nazistas constitui uma das grandes interrogações da história.
A opinião, embora corajosa e sincera de nossa irmã, é triste
reconhecer, revela que o judaísmo regulamentar reserva ao seu
filho mais célebre uma imagem muitíssimo deprimente. Uma
chocante atitude discriminatória contra Aquele que se distinguiu
como auspicioso divisor de águas da História, um marco
benemérito para toda humanidade. Os judeus comuns desconhecem
a grandeza do seu Ungido. As simples letras - a.C ou d.C -
representam um dilema crucial a ser evitado.
Não se apercebem que Jesus Cristo engrandeceu o judaísmo
valioso ao dar-lhe continuidade histórica e abrangência universal.
Vivificou-o através das várias correntes religiosas cristãs e
influenciou positivamente o islamismo. O judaísmo, encerrado em
si mesmo, olvida-se de que faz parte de um mundo em fase
acentuada de globalização. No universo cristão, basta comparecer
às missas ou cultos para confirmar que se enaltece diariamente a
sapiência, a coragem, a fé dos profetas, reis e personagens da saga
judaica através de bocas inflamadas pela fé, o mesmo profundo
sentimento desposado pelo venerável pai dos patriarcas - Abraão.

194
Iahveh, no livro do Gênesis, declarou solenemente ao
patriarca primordial: “Sai de tua terra natal e da casa de teu pai e
farei de ti uma grande nação e amaldiçoarei aquele que te
amaldiçoar e todas as famílias da terra serão por ti abençoadas”.
Historicamente, a primeira parte da suposta promessa de
Iahveh não foi cumprida integralmente. O povo de Abraão não
formou uma grande nação. No tempo dos reis nunca passou de um
pequeno país, pouco expressivo no contexto mundial, que para
sobreviver via-se obrigado a pagar tributos aos impérios vizinhos.
Negando-se teimosamente a submeter-se aos poderosos, pereceu
sucessivamente sob os exércitos dos assírios, babilônios e romanos.
Os sábios ensinamentos que deveriam advir dos revezes anteriores
foram ignorados repetidas vezes.
Nos tempos atuais, a duras penas, o novo Estado de Israel
tenta consolidar-se na chamada Terra Santa, mas à custa dos
desditosos palestinos, engolfando o Oriente Médio num mar de
sangue em que as partes conflitantes sofrem os horrores de uma
guerra sem tréguas. O cenário belicoso lembra os velhos tempos de
Moisés, Josué e companhia. Agora, os jebuseus e congêneres
viraram os palestinos em versão moderna, mas curiosamente
semelhante.
Quanto à maldição de Iahveh sobre os demais povos,
aconteceu tudo ao contrário. Nenhum povo existente sobre a face
da terra foi tão abominado quanto o hebraico. Já havia sido pelos
assírios, babilônios, persas, sírios, romanos e “cristãos”, (na
verdade, um cristão de fato não abomina ninguém). Agora, soou a
vez dos árabes amaldiçoarem os israelenses diariamente. Se praga
matasse, os judeus já estariam “mortinhos da silva”. Os furibundos
inimigos árabes não se conformam com a existência do Estado de
Israel, uma dádiva dos ingleses a custa das suas terras.
A segunda parte da promessa: “...e todas as famílias da terra
serão por ti abençoadas” foi descumprida por Israel. As benções
divinas foram distribuídas universalmente contra a vontade
majoritária e apenas por poucos discípulos judeus de Cristo. Haja
vista a enorme reação contrária ao cristianismo nascente desde a
época do Templo de Jerusalém. Maomé deu nova seqüência à
religião do Deus Único através de um islamismo desprezado e

195
combatido pelas tribos hebraicas do deserto que acabaram por trair
o profeta durante sua aguerrida fase de implantação.
Os ouvidos dos hebreus, obstruídos pela areia do deserto,
não estavam atentos e entenderam ao inverso as premissas de
Iahveh, isto é, “alho por bugalho”. O Senhor dos Exércitos deve ter
dito: “Todas as famílias da terra serão por ti abençoadas e todas as
nações igualmente te abençoarão, desde que abençoes a todas e
nunca amaldiçoes ninguém”. Esta versão parece ser a mais
coerente, originando-se de um Deus bondoso e justo que ama igual
e intensamente os seus filhos. Na prática, Israel omitiu-se em
cumprir a parte terrena e, portanto, o Criador não se viu na
contingência de fazer prevalecer a celestial.

CAPÍTULO 22

JESUS, O “VINGATIVO”

Existem dezenas de acusações do judaísmo arcaico contra


Jesus Cristo, segundo interpretações as mais esdrúxulas. Aquele
que morreu inocente na cruz e perdoou aos seus algozes é tachado
de “impiedoso e vingativo”. Vejamos a face do escudo pelo lado da

196
extenuante oposição, sempre opondo um bizarro ponto de vista:
“Jesus estava longe de ser piedoso e, muito menos, isento do
desejo de vingança. Ao avistar uma figueira no caminho,
despertou-lhe fome, mas nada encontrou nela, senão folhas. Então,
disse: Nunca jamais alguém coma fruto de ti. E seus discípulos
ouviram isto”.
O resto do episódio em Marcos (11. 20-24) é omitido, mas
vamos descrevê-lo por completo para permitir apreciação mais
imparcial:
Ao retornar de Jerusalém, os discípulos constataram
surpresos que a figueira secara desde a raiz. Então, Pedro,
lembrando-se, falou abismado: “Mestre, eis que a figueira, que
amaldiçoaste, secou. Ao que Jesus lhes disse: Tende fé em Deus.
Porque em verdade vos afirmo que se alguém disser a este monte:
Ergue-te e lança-te ao mar, e não duvidar no seu coração, mas crer
que se fará o que diz, assim será com ele. Por isso vos digo que
tudo quanto em oração pedirdes, crede que receberás, e será assim
convosco”.
A interpretação tradicional cristã é que se tratou de uma
proveitosa lição aos discípulos. Um onisciente Messias quis
exemplificar o poder imensurável da fé inabalável em Deus, um
modo divino de valorizar o sagrado sentimento sentido por Abraão.
A fé liga os filhos, nós todos, ao Pai que responde ao nosso apelo
de forma generosa. Ela vai ajudar-nos a vencer as dificuldades e
agruras da vida, além de manter-nos no bom caminho. Eis o óbvio
ululante das palavras do Mestre.
É realmente espantoso que o judaísmo não faça sequer uma
longínqua referência crítica à perversidade de qualquer personagem
bíblico, desde que seja visto como figura heroica do judaísmo. Ao
chegarem os hebreus na Terra Prometida assassinou-se, roubou-se,
apropriou-se, violentou-se e sem qualquer contemplação ou
remorso. O sangue das vítimas escorreu qual transbordante rio
vermelho cujo odor nauseante fez-se sentir a milhas de distância,
trazendo horror aos homens de boa vontade e alguma sensibilidade.
Os exemplos de sanguinolenta perversidade e intolerância
religiosa são chocantes. Iahveh ordena a Moisés a destruição de
sete nações, a dos heteus, gergeseus, amorreus, cananeus, ferezeus,

197
heveus e jebuseus e, de quebra, seus adorados ídolos:
“E o Senhor teu Deus as tiver dado diante de ti, para as ferir
totalmente e as destruirás. Não farás com elas acordo, nem terás
piedade delas”. (Deut 7.1-2).
“Mas eis como procedereis a seu respeito (dos ídolos):
destruireis seus altares, quebrareis suas estelas, cortarás suas
asserás de madeira e queimareis suas imagens de esculturas”. (Deut
7.5)
A truculência continua engrossando durante o período do
vingativo Josué, o fiel discípulo e sucessor de Moisés. Ninguém,
nem úteis e indefesos animais, escapavam da sanha homicida dos
líderes hebraicos na Terra Prometida, uma dádiva exclusiva
presenteada aos queridos pupilos pelo ciumento Iahveh.
Diante de um cenário de barbaridades mil que não consegue
sensibilizar unicamente aos insensíveis, não é de admirar-se que
tenham surgido algumas “preciosidades” da sapiência mosaica que,
por incrível que pareça, foram fielmente obedecidas por aqueles
literalmente fiéis, tais como lidar com filhos insubmissos:
“Quando alguém tiver um filho rebelde, que não obedece à
voz do pai e da mãe, e, o castigando, não lhes der ouvidos, ele
deverá ser levado à presença dos anciãos de sua cidade. E lhe dirão:
Este é o nosso filho rebelde, não dá ouvidos à nossa voz. Então,
todos os homens da sua cidade o apedrejarão com pedras, até que
morra: e tirarás o mal do seu meio”. ( Deut 21. 18-21).
Que belíssima solução! É uma lástima que não a utilizem
hoje em dia, uma vez que proporcionava excelentes resultados nos
“bons tempos” das antigas doze tribos. Resolvia-se em definitivo o
problemático antagonismo, pai versus filho, de uma vez por todas
mediante a supressão pura e simples do pimpolho insuportável. É
interessante reconhecer o elogiável espírito de justiça desta radical
legislação. Ainda acrescentava a vantagem extra de proporcionar
uma diversão fortuita aos homens entediados da aldeia ou cidade,
especialmente aos jovens ociosos e sempre irrequietos que
aproveitavam para aprimorar a pontaria num excitante alvo humano
vivo. Inclusive, as crianças dela participavam, pois se revelava um
excelente exercício ao aprimoramento do corpo e da mente no
exato cumprimento da Lei. Surgiu até uma improvável lenda na

198
qual o jovem Davi, futuro rei, não perdia uma destas oportunidades
ímpares para adestrar-se com a funda, donde se originou sua
incomparável habilidade.
Outra “pérola” da moralidade mosaica: Se o homem
descobrisse que a jovem com quem se casou não era virgem,
recomendava-se friamente: “...levarão a moça à porta da casa de
seu pai, e os homens da cidade a apedrejarão, até que morra....”.
(Deut 22.13).
Naquela época de fraternal bem querença, alguns hebreus,
antes de sair à rua, enchiam os bolsos com pedras escolhidas a
dedo. Eram exímios neste afã de avaliar quais delas provocariam
um dano maior, senão fatal. A expectativa de uma emocionante
lapidação era tão entusiástica que alguns andavam de pernas
arqueadas sob o enorme peso extra. Caso surgisse a tão aguardada
ocasião, o que não era raro, não se ia perder um precioso tempo
catando pedrinhas aqui ou ali. Começava-se logo a lançá-las com
vigor davídico para ver quem ganhava o mérito de ser o primeiro a
liquidar a pecaminosa vítima, aliás, diga-se de passagem, indigna
de qualquer pena ou comiseração. Sempre surgia, em decorrência
de habilidade individual, um inveterado e invejado campeão local
que atraía sobre si apaixonadas atenções femininas. A certa altura,
este tipo de “esporte” chegou a descambar em altas apostas entre os
mais aficionados por qualquer tipo de jogo, literalmente de azar
para os condenados.
Diante do quadro exposto em ligeira amostragem, vê-se que
acusar o Messias de ser um vingativo exterminador de árvores,
senão inimigo primordial do ecossistema, sinceramente é hilariante.
Sem querer, vem à mente um termo que caracterizava o perfil
psicológico do farisaísmo templário. Não vamos citá-lo por respeito
aos filhos de Abraão que possuem noções de bondade e justiça, isto
é, aqueles de espírito cristão no sentido intrínseco da palavra.

199
CAPÍTULO 23

“SERPENTES, NINHO DE COBRAS”

Finalizemos a controvérsia comentando os ataques mais

200
viperinos contra o Messias baseados em alardeada discordância
contra os fariseus. Queixam-se amargamente de que Jesus poderia
ter sido tudo, menos tolerante com os últimos. Referiu-se a eles
como “serpentes” que juntas formavam um “ninho de cobras”,
além de ameaçá-los com a punição eterna no mundo vindouro. É
importante esclarecer o assunto porque o farisaísmo é a única
corrente que sobreviveu à segunda destruição do Templo de
Jerusalém pelos senhores romanos. Os saduceus e essênios
extinguiram-se após a tomada de Jerusalém, dando lugar durante a
diáspora aos rabinos que se consideram herdeiros diretos do
farisaísmo. De início, deve-se observar que existem fariseus e
fariseus, rabinos e rabinos, isto é, em alguns prevalece gratuita
incompreensão e noutros esclarecida bondade, aliás, como em toda
coletividade. Realmente, Jesus fez várias advertências aos maus
fariseus e vamos transcrever algumas contidas em Mateus (23. 27-
36):
“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Sois semelhantes
a sepulcros caiados que por fora se mostram belos, mas
interiormente estão cheios de ossos de mortos, e de toda imundície.
Assim, também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas
por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade. Ai de vós,
escribas e fariseus, hipócritas! Edificais os sepulcros dos profetas,
adornais os túmulos dos justos. E dizeis: Se tivéssemos vivido nos
dias de nossos pais, não teríamos sido seus cúmplices no sangue
dos profetas. Assim, vós mesmos testificais que sois filhos dos que
mataram os profetas. Enchei vós, pois, a medida de vossos pais.
Serpentes, raça de víboras! Como escapareis da condenação do
inferno? Por isso eis que eu vos envio profetas, sábios e escribas. A
uns matareis e crucificareis: a outros açoitareis nas vossas
sinagogas e perseguireis de cidade em cidade. Para que sobre vós
recaia todo o sangue justo derramado sobre a terra, desde o sangue
do justo Abel até o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, a quem
matastes entre o santuário e o altar. Em verdade vos digo que todas
estas coisas hão de vir sobre a presente geração”.
Na verdade, toda religião tem o seu lado mau em que
prevalece a hipocrisia sobre as virtudes nobres, infelizmente
escassas nos seres humanos. Se assim não fosse, nosso mundo seria

201
um paraíso. O próprio catolicismo viveu atolado na hipocrisia após
o período luminar da igreja primitiva quando a influência dos
santos autênticos foi-se desvanecendo e cedeu lugar ao
oportunismo egoísta de líderes religiosos oriundos das classes
nobres dominantes, ávidos de poder e riquezas. A igreja dos
humildes tornou-se ao longo do tempo um instrumento de
opressivo terror em mãos espúrias, quando a bondade jazeu
encolhida e colhida, sem meios de prevalecer. Os fins - riquezas e
poder - passaram a justificar quaisquer meios ilícitos para manter-
se no topo da hierarquia clerical.
Aliás, a expressão - “serpentes, raça de víboras” – faria
injustiça somente às víboras, inocentes animais que só matam para
garantir a sobrevivência. Elas não são responsáveis pelo extermínio
através dos séculos de milhões e milhões de seres humanos.
Obviamente, as palavras do Messias estendem-se àqueles
escondidos em uma capa de falsidade que manifestam, em vez de
amor, ódio pernicioso ao semelhante. Devemos ter coragem e
humildade de assumir nossa flagrante culpabilidade, pois somos
pecadores, sem exceção. E ninguém tomou conhecimento de algum
protesto em nome das serpentes e víboras. É um sinal que tais
répteis, por natural razão, não ficaram zangados com as palavras do
Messias.
Religião, poder e riqueza passaram a significar valores
sinônimos. Basta nos lembrarmos de Urbano II, o papa das
cruzadas, aquele desvirtuado sumo pontífice que ensejou um
morticínio desastroso pretensamente em nome de Deus. Sem falar
nos papas e antipapas que viveram a digladiar-se num vale-tudo
sem escrúpulos que choca até aos insensíveis. A hipocrisia do clero
atingiu níveis tão requintados que faria inveja ao próprio Caifás, o
gênio do mal. Não resta a menor dúvida de que se Cristo-Espírito
voltasse a terra e batesse às portas das igrejas seria rechaçado e
crucificado novamente de alguma forma. Os hipócritas de
carteirinha iriam considerá-Lo um ser etéreo, sem corpo físico, um
fantasma estranho à religiosidade dogmática ou utópico intruso
alheio à realidade terrena.
Ora, naqueles tempos antigos quando a barbaridade era
regra, a justiça exceção e a bondade uma duvidosa virtude, não é de

202
admirar-se flagrarmos no Templo de Jerusalém sacerdotes
fanáticos, perversos e sanguinolentos que faziam da insídia sua
profissão. Tal cenário espiritual não espanta a ninguém
suficientemente esclarecido, porque faz parte da condição humana
em nível insipiente. Aqueles atores do mal no palco da vida
ostentavam uma bela máscara de justiça e retidão para esconder a
verdadeira face nua e crua. Eles iriam não somente assassinar o
Messias, a Bondade Divina personificada, mas igualmente conduzir
um povo envenenado pelo ódio mortífero como gado raivoso ao
matadouro implacável das legiões romanas. Foram perversos uma
vez e o seriam duplamente a seguir. Ao insano desafio aos céus,
seguir-se-ia o castigo merecido, um exemplo histórico da
inconseqüência humana. O sangue dos justos profetas recaiu de
fato sobre aquela geração perversa, exatamente como previra o
Mestre dos mestres.
As palavras do Ungido do Senhor continuam verdadeiras nos
dias atuais. Jesus não era inimigo de rabinos, nem de ninguém e
permanece um amoroso Pai ou Irmão de todos nós, velando com
divino carinho pela humanidade. “Cristãos” mataram “cristãos” em
várias épocas. Se houvesse de fato cristãos, tais crimes horrendos
jamais teriam acontecido. As 1ª e 2ª Guerras Mundiais foram
embates, essencialmente, de “cristãos”. Uma Alemanha,
pretensamente cristã, mergulhou o mundo em terrível hecatombe
mundial e abominou rudemente as palavras de Cristo. A hipocrisia
individual ou coletiva vem se manifestando ao longo dos séculos de
diferentes formas em todas as sociedades porque faz parte da
condição humana em nível espiritual insipiente.
Pio XII, em que pese a seu favor uma camuflada
solidariedade aos judeus, ficou no muro da conveniência porque
temeu ir além. Seria um absurdo seguir ipsi litre o exemplo de
Cristo. Um candidato a papa deve ser, antes de tudo, um hábil
político para ter seu nome cogitado ao disputado trono de São
Pedro. Um santo autêntico nunca ocuparia a cadeira de sumo
pontífice. Jamais o deixariam. Ora, seria um estranho no ninho! Já
foi descrito em parágrafos anteriores a incompatibilidade entre os
valores terrenos e os celestiais e a diferença básica entre
religiosidade e espiritualidade.

203
Desde que o mundo é mundo, os políticos lutam
prioritariamente pela própria sobrevivência no usufruto do poder. É
necessário aparentar ser um cristão sincero, porém sem chegar a
extremos inconvenientes. Afinal, há que se estabelecer um limite à
bondade. Onde está o natural senso de preservação do indivíduo
que se confunde com o da espécie? O crucial dilema traz à tona a
antiga questão: “Mestre, quantas vezes devemos perdoar nossos
inimigos? Decerto, até sete vezes, não”?
Tal pensamento limitante originou-se no judaísmo. É
interessante que este critica no cristianismo exatamente o que prega
abertamente. Considera-se errado apenas aquilo que vem da outra
parte, a de um suposto ou real inimigo. Quando os hebreus
aniquilavam os gentios estavam cumprindo a vontade de Iahveh, o
Senhor dos Exércitos. Quando acontecia o contrario: Ah, que
horror! Quanta brutalidade! Aí, cometia-se um imperdoável pecado
contra os céus. A vontade de Iahveh confundia-se com os desejos
do povo eleito e perdia-se a reta e justa percepção entre o certo e o
errado - o bem e o mal.
Há que se considerar outro ponto importantíssimo. Jesus
jamais deixou uma palavra escrita. Ele contentou-se em confirmar
os princípios divinos, resumidos em uma palavra tão eloqüente que
se torna desnecessário repeti-la. Os céus se manifestam e os
homens sinceros traduzem a vontade celestial da melhor maneira
por escrito. No entanto, refletir toda a luz do sol em diminutos
espelhos é impossível. Ainda mais quando entram em cena fatores
emocionais inerentes ao ser humano.
Quem nos transmitiu as supostas palavras do Messias foram
homens que sofreram implacável repressão do judaísmo dominante.
Vários deles, Pedro, Paulo, João, Mateus, Tiago e Judas foram
discípulos diretos de Jesus. Os evangelistas, Marcos e Lucas,
seguidores posteriores. O Novo Testamento consolidou-se ao longo
dos anos pelas versões indiretas de outros adeptos fervorosos. De
qualquer modo, um judaísmo intolerante sempre os desprezou,
perseguindo-os de maneira implacável. Seria impossível que
permanecessem imunes por completo ao sentimento odiento do
opressor. Quem odeia sem limites, não pode receber um amor
ilimitado. Aquilo que o judaísmo restrito condena na face do

204
Messias é o reflexo espelhado de sua própria fisionomia. Ódio não
pode refletir amor. Somente Cristo, o Mestre Divino, é capaz de
amar os inimigos de forma plena e total.
Vejamos o exemplo legado por dois fariseus notórios e
membros ilustres do tradicional Sinédrio – José de Arimatéia e
Nicodemos. O judaísmo restrito insiste em afirmar que Jesus
manifestava uma atitude cáustica contra os fariseus e rabinos
discordantes de seus ensinamentos. Na verdade, o Messias
reprovava a maldade humana e a ninguém pessoalmente. Se de fato
os odiasse, José e Nicodemos, ambos rabinos de carteirinha
assinada, jamais iriam colocar em risco tudo o que haviam
conquistado de mais valioso até então, sejam as suas invejáveis
posições, honrarias e fortunas, inclusive as próprias vidas, para
oferecer àquele humilde homem crucificado da maneira mais
indigna possível um apoio inconteste.
A resoluta solidariedade eivada da mais pura santidade
chegou às raias da loucura. A tranqüila coragem demonstrada em
face de circunstâncias tragicamente adversas revela ao mundo a
imensidão de uma amizade incomensurável e destemida. Um
sentimento tão estranho ao Templo que Caifás, o anjo das trevas,
tomou-se de incontrolável ira, considerando-o uma imperdoável
afronta pessoal e passível de morte. Algo muitíssimo forte impeliu
José de Arimatéia e Nicodemos a rumar inexoravelmente em
direção oposta àquela tomada pelos próprios seguidores íntimos do
Mestre. Ousaram aproximar-se do Nazareno quando os discípulos
viravam-Lhe as costas. As pessoas normalmente procuram os
poderosos para se beneficiarem, mas eles ousaram agir de modo
inverso. Ora, por que Lhe dedicaram tanta afeição quando os seus
pares o odiavam visceralmente?
Existem duas explicações possíveis em face de posturas
flagrantemente antagônicas.
A primeira: O Nazareno afrontava pessoalmente o farisaísmo
representado por José e Nicodemos com atitudes, palavras e gestos.
Era um dissidente herético que procurava depreciar toda a tradição
da Lei em que ambos acreditavam ser verdadeira no judaísmo
valioso. O Messias não gostava de rabinos em geral e,
particularmente, odiava os fariseus. Assim, seria natural que José e

205
Nicodemos O repudiassem. Trata-se de mera extensão à versão
judaica tradicional. O ódio e desprezo geram sentimentos
semelhantes.
A segunda: o Mestre tratava-os com particular afeição,
revelando-lhes grandes segredos e amava-os profundamente, a
ponto de impregná-los com Luz celestial tão intensa que não lhes
foi possível dela desvencilhar-se. Optaram por compartilhar a
desgraça comum para não desapontar aquele admirável Mestre,
denegrido e crucificado, mas tido por eles como o verdadeiro
Messias - o Filho de Deus.
Se a hipótese farisaica for verdadeira, conclui-se que os dois
rabinos perderam completamente o juízo quando seguiram uma
rota suicida de colisão com o poderoso Sinédrio ao qual
pertenciam. Optaram contra o senso comum pelo inimigo quando a
conveniência pessoal lhes apontava a prudente conveniência de
harmonizar-se com seus pares e amigos nominais. Em suma, além
de pouco inteligentes, foram tomados por louco delírio e perderam
a noção da realidade.
Ora, a versão em que o amor prevalece ajusta-se como uma
luva e explica tudo. Ainda permanece uma dúvida: Por que
somente uma escassa minoria, dois homens apenas entre setenta,
agiu de modo espantoso? O motivo é simples. Eles eram
aprofundados no estudo das Escrituras, mas de boa vontade,
excepcional humildade e mente aberta. Estavam em condições de
entrar em sintonia com o Filho de Deus de modo a captar as
mensagens divinas. Infelizmente, esses admiráveis rabinos não
legaram à posteridade por escrito as valiosas conversas referentes
às revelações espirituais do Mestre, algumas vezes vedadas aos
doze discípulos.
Lembram-se quando Jesus responde a Nicodemos sobre a
impossibilidade de ingressar-se de imediato no reino dos céus: “Em
verdade, em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus. O espírito é como o vento, não se sabe de
onde veio e nem para onde vai”. O fariseu muito se espanta,
levando o Mestre a prosseguir: “Em verdade, em verdade te digo:
Quem não nascer da água e do espírito, não pode entrar no reino
dos céus”. Trata-se obviamente de uma referência à multiplicidade

206
de vidas terrenas. Na verdade, nem deveria ser uma revelação sui
generis, pois diz ao eminente doutor da Lei: “Tu és mestre em
Israel, e não compreendes estas coisas?”. É sugestivo que a
transcendental conversa tenha sido transmitida à posteridade pelo
espiritualizado “discípulo amado”.
Os demais sacerdotes estavam contaminados pelo ódio e
envenenados pelo despeito. Tudo o que vinha daquele líder
considerado um falso Messias era negativo por definição. Eram
homens fechados em si mesmo, sem a capacidade de receber a Luz
celestial que esclarece mentes e corações. Saulo de Tarso também
foi vítima em primeira instância de soberba rebeldia quando se
mostrou refratário ao amor divino. Em resumo, a hipocrisia era a
vestimenta usual dos maus fariseus, infelizmente a maioria, para
camuflar uma abismal intolerância e fanatismo contra o
semelhante.

207
CAPÍTULO 24

FANATISMO GERA INTOLERÂNCIA

As sementes do fanatismo geram os frutos malévolos da


intolerância. Daí, um judaísmo desvirtuado acabaria voltando-se
contra o próprio povo de Abraão no decorrer da história. Evidencia-
se uma perene dificuldade em discernir entre o bem e o mal, entre o
amor e o ódio. Constatamos pasmos o eu asfixiar o nós sem
contemplação, o altruísmo ser vencido pelo egoísmo e o mal
derrotar o bem. Muitas passagens do Velho Testamento são
apresentadas como exemplos louváveis de opção inabalável a
Iahveh, o Deus Único, quando na verdade são episódios lastimáveis
de um fervor religioso aniquilador. Uma perniciosa atitude que não
encontramos comumente no hinduísmo, no budismo, jainismo,
taoismo, e outras religiões universais, pelo menos de forma tão
acirrada e calamitosa, basta citar as absurdas guerras entre católicos
e protestantes.
Se não bastasse os genocídios iniciados por Moisés ao
chegar à Terra Prometida, em que pese a seu favor uma suposta
revelação de inegável legado ético - os dez mandamentos. Aliás, o
fiel escudeiro foi o primeiro a descumprir o desejável “Não
matarás”. Liquidou logo de saída mais de três mil irmãos, ingênuos
e inofensivos adoradores do Bezerro de Ouro, para implantar a
crença no Deus Único de forma contraditória e truculenta. Um
Iahveh agradecido multiplicou a carnificina contra o seu próprio
povo, tudo se resumindo numa competição fatídica em que ambos
se sobrepujaram em crueldade. Houve neste lamentável episódio
uma calamitosa desproporção entre uma presumível heresia e o

208
castigo fatal. Ninguém hoje em dia seria executado oficialmente
por adorar um bezerro de ouro. Talvez, nem seria preso ou
assassinado mesmo no Israel “moderno”. Na verdade, a
humanidade em geral sempre optou pelas riquezas e poder,
simbolizados pelo Bezerro de Ouro, a começar pelos próprios
hebreus. No judaísmo insipiente, a matéria prepondera sobre
sublime espiritualidade vista como insípida e duvidosa, senão
fantasmagórica.
Infelizmente, o morticínio dos seus liderados por
divergências religiosas pelo próprio Moisés foi o prenúncio de uma
série incontável de homicídios. No futuro, um “cristianismo”
eclesiástico daria continuidade ao sinistro legado da mãe judaica.
Vejamos a narrativa do famoso profeta Elias versus os
sacerdotes de Baal, no monte Carmelo (Reis 18. 40). Foi um
exemplo flagrante de como acirradas disputas religiosas movidas
pelo fanatismo podem extravasar intolerância fatal contra o
semelhante. O trágico episódio ocorre durante o reinado de Acabe,
casado com a geniosa Jezabel, uma bela princesa filha de Etbaal,
rei dos sidônios. Influenciado pela carismática mulher, dona de
forte personalidade, o jovem rei passa a adorar Baal, o deus dos
povos vizinhos. Chega a levantar-lhe um belo altar no templo em
Samaria, edificado em louvor ao deus dos sidônios. E, como se
fosse pouca homenagem, dedica-lhe um poste ídolo, “de maneira
que cometeu mais abominações para irritar o Senhor Deus de Israel
que todos os reis de Israel antes dele”, segundo I Reis (16. 33).
Deduz-se que o ciumento Iahveh, o Deus hebraico, devia
estar extremamente contrafeito diante da adoração do suposto rival,
o Baal dos povos vizinhos. Na realidade, nada tão alarmante se
considerarmos que o verdadeiro Deus tem infinitas faces, o que não
lhe tira a unicidade. Cada pessoa tem o direito de vislumbrá-lo à
sua maneira, desde que não incorra esta percepção individual em
maldade contra outrem. A verdadeira face do Senhor do Multiverso
projeta-se em infinitas dimensões e está além da limitada
compreensão humana. No entanto, a bondade era artigo de luxo
naquele tempo, e não melhorou muito desde então.
Em capítulo anterior, narramos como o Senhor dos
Universos, em determinado momento de sua divina carreira, havia-

209
se cansado inexplicavelmente de ser eternamente um Deus
Multiversal. Em controversa aposentadoria resolveu abandonar sem
cerimônia tudo e todos para dedicar-se particularmente às doze
incorrigíveis tribos hebraicas no incógnito planeta Terra. A
deserção divina constituiu um escândalo sem precedentes que
deixou perplexos os resplandecentes Seres de Luz das indescritíveis
dimensões celestiais. Graças à ação providencial dos Arcanjos, o
Multiverso não experimentou um caos completo devido à
imprevista deserção de seu Senhor. Obviamente, trata-se de uma
ilustrativa alegoria para que se possa perceber a realidade em meio
a tanta fantasia. Nela descreve-se o impossível para tornar
compreensível o possível.
Voltemos ao episódio que tem Elias como notável
protagonista. Infelizmente, a arrogante Jezabel odiava os profetas
ou sacerdotes do Senhor de Israel e vice-versa. Uma antipatia
recíproca que iria gerar acirrada e original disputa entre ambos os
“Deuses”, com o objetivo de comprovar-se de uma vez por todas
quem era de fato o Deus verdadeiro. A situação era bastante grave.
Obadias, o corajoso mordomo real, enquanto se comprazia “Jezabel
a exterminar os profetas do Senhor, tomou sob sua proteção cem
profetas e de cinqüenta em cinqüenta escondeu-os numa cova, e os
sustentou a pão e água”.
O profeta Elias, aquele que deveria anunciar o Messias
futuramente na pessoa de João Batista, inconformado com a
humilhante situação propõe-se a defender Iahveh contra a dura
repressão de Jezabel e oferecer uma “solução final” para desfazer a
herética ambigüidade do povo eleito. Exalando indignação por
todos os poros, vai arriscar a própria cabeça ao procurar
afoitamente Acabe. Este não o suportava nem um pouquinho, um
tradicional sentimento que ocasionava atritos entre reis e profetas,
geralmente fatais aos últimos. Mal o vê, o rei exclama com grande
irritação: “És tu o perturbador de Israel”? O homem de Deus,
consciente de cumprir uma missão divina, corajosamente não se
deixa intimidar pelas palavras hostis. Defende-se de pronto dizendo
que não perturbava Israel, mas “tu e a casa de teu pai, porque
deixastes os mandamentos do Senhor, e seguistes os Baalins”.
Ordenou a Acabe, em notável exercício de autoridade

210
outorgada pelos céus, “ajuntar todo Israel no monte Carmelo, como
também os quatrocentos e cinqüenta profetas de Baal e os
quatrocentos profetas do poste-ídolo, que comem à mesa de
Jezabel”. Dá para notar que os adoradores do Deus rival haviam
prosperado em número e influência. Adoravam refestelar-se a
comer e beber do bom e do melhor, e nada menos na prestigiosa
companhia da voluntariosa rainha. Infelizmente para eles, o nosso
aguerrido Elias estava firmemente decidido a acabar de vez com a
mordomia real dos adeptos de Baal.
Quando todo o povo estava reunido em manifesta obediência
no Monte Carmelo, o homem de Deus admoestou-o severamente:
“Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é
Deus, segui-o; se é Baal, segui-o. No entanto, o povo nada
respondeu”. Sem dúvida, os hebreus estavam divididos em sua fé e
adoração. Ora, se imploravam ao Senhor de Israel alguma merecida
mercê, eram muitas vezes atendidos. Ora, se dirigiam as suas
preces a Baal, igualmente ocorria algo semelhante. Na verdade, o
Senhor dos Universos atende aos filhos não se importando com
qual nome ou idioma Lhe dirigem as justas súplicas. O grau de
ignorância espiritual dos humanos não é levado em consideração,
mas somente a sinceridade de seus corações.
A orgulhosa Jezabel e, muito menos, Elias, imersos em
acerbo fanatismo de natureza cruenta, não pensavam assim.
Sobrava-lhes ódio nos corações e escasseava amor puro. Na
verdade, este último sentimento era de fato o último, um quase
nada. Ambos eram, reciprocamente, odientos e odiosos.
Predominava neles um maniqueísmo equivocado que os conduzia
insensatamente à trágica e fatal rota de colisão.
O carismático Elias, muito senhor de si, disse à multidão
atenta: “Só eu fiquei dos profetas do Senhor, e os profetas de Baal
são quatrocentos e cinqüenta homens”. Deduz-se que os profetas do
Senhor estavam na ocasião mortos ou bem escondidinhos para
salvaguardar a própria pele, o que não é de se estranhar. A seguir,
pediu que lhe dessem dois novilhos, divididos em pedaços. Cada
metade foi colocada sobre achas de lenha seca armadas em duas
fogueiras. A incrível disputa se resumiria em saber quem
conseguiria atear fogo na sua, se os ardorosos sacerdotes de Baal

211
ou o nosso inabalável Elias, o fiel servo do Senhor. Ambos os
contendores invocariam o seu presumível Deus, mas somente o
verdadeiro teria o poder de atender ao incrível chamamento. Era
uma prova crucial para revelar ao povo de Israel a quem devia
louvar sem sombra de dúvidas - a Baal ou Iahveh.
Os profetas de Baal, mui atemorizados e estarrecidos, viram-
se entre a cruz e a espada. O palco estava armado e os diletos
pupilos de Jezabel não podiam recusar o desafio de Elias lançado
cara a cara diante do povo reunido. Aliás, sabemos como eram as
multidões naqueles tempos, sempre propensas a atos de explosiva
violência, especialmente quando protegidas pela impunidade. Já
dissemos que alguns andavam até com pedrinhas no bolso para
participar com presteza de imprevistas lapidações, justamente
aquelas mais emocionantes. Ambos os antagonistas viam-se
compulsados a prosseguir no radical enfrentamento, seja qual fosse
o resultado.
Os adoradores de Baal invocaram-no “desde a manhã até o
meio dia, dizendo: Ah! Baal, responde-nos! Porém não havia uma
voz que respondesse; e, manquejando, movimentavam-se ao redor
do altar que tinham feito”. Um tranqüilo Elias, já ao meio-dia,
ainda permanecia confiante e fazia pouco, zombando em alto e bom
som dos sacerdotes. Estes, em desespero, passaram a retalhar-se
com facas e lancetas, um velho costume tribal onde o sangue
derramado enfatizava uma súplica ardente aos deuses.
Elias, por sua vez, mandou em singular desafio alguns
encherem quatro cântaros de água e derramá-la sobre o seu
holocausto e sobre a lenha. E disse: “Ó Senhor, Deus de Abraão, de
Isaque e de Israel, fique hoje sabido que tu és Deus em Israel, e que
eu sou teu servo, e que segundo a tua palavra fiz todas estas coisas.
Responde-me, Senhor, responde-me, para que este povo saiba que
tu Senhor, és Deus, e que a ti fizeste retroceder o coração deles”.
Súbito, com a velocidade de um raio, caiu um presumível fogo do
Senhor, consumindo em enormes labaredas o holocausto, a lenha,
as pedras e a água que estava no rego. Uma atemorizada multidão
prostrou-se de rosto ao solo exclamando em altas vozes: “O Senhor
é Deus! O Senhor é Deus!”.
Aproveitando-se do manifesto entusiasmo do povo, o bem

212
sucedido Elias ordena-lhes: “Lançai mão dos profetas de Baal, que
nem um deles escape”. Em delirante obediência, agarraram
rudemente os sacerdotes e levaram-nos ao ribeiro de Quisom, onde
um truculento Elias refestelou-se prazeroso em letal banho de
sangue ao esfaqueá-los um por um, sem dó e nem piedade, não
deixando nenhum escapar com vida. A incrível carnificina leva
qualquer serial killer moderno a morrer de inveja, senão
humilhado, pois ao todo e num só dia foram trucidadas 850
vítimas.
Sem querer desfazer da inquebrantável fé do nosso “heroico”
Elias e de seus seculares admiradores, surge uma pontinha de
dúvida. Será que era água mesmo ou algum líquido inflamável
secretamente conhecido por ele? Então, tudo não passou de um
ardil bem engendrado. Bem, coloquemos de lado a impertinente
suposição, pois não convém lançar suspeita sobre beleza do
episódio e nem é sinceramente nosso propósito. Creiamos que tudo
aconteceu exatamente do modo narrado em I Reis. O importante é
tirarmos as conclusões devidas.
A primeira logo se evidencia: a violenta intolerância do
“homem de Deus” não ficou nem um pouquinho atrás da
perversidade da “mulher de Baal”, a repressiva rainha. A rixa entre
ambos faz lembrar o antigo ditado; “dois bicudos não se beijam”.
A segunda: Elias desconhecia a palavra compaixão, era um
fanático de Iahveh, o Deus tribal criado à imagem do homem em
plena barbárie. Nem tentou sequer conceder uma última
oportunidade aos sacerdotes rivais para que se convertessem àquele
tido como o Deus verdadeiro. Para variar, tudo se resumiu em outra
narrativa regada copiosamente a sangue do Velho Testamento na
qual impera um instinto homicida desenfreado e sem qualquer
apelação. Uma bela fábula para aqueles de mentalidade primária,
mas uma frustrante narrativa para quem amadureceu o suficiente
para ultrapassar a fase do abc espiritual.
O exclusivismo além dos limites plausíveis sempre foi
norma de conduta do judaísmo restrito, corroborado enfaticamente
por outros dois episódios do Velho Testamento. Ciro, o rei dos
persas, decidiu ajudar o povo eleito desterrado na época de
Nabucodonosor, e decretou: “O Senhor, Deus dos céus, me deu

213
todos os reinos da terra, e me encarregou de lhe edificar uma casa
em Jerusalém, que está em Judá; quem entre vós e de todo o seu
povo, que suba, e o Senhor seu Deus seja com ele”.
Na época da diáspora, alguns judeus mais humildes haviam
remanescido em Samaria e, juntos com muitos imigrantes gentios
convertidos, permaneceram fiéis ao judaísmo. Quando souberam
que os judeus voltavam do cativeiro para reerguer o Templo do
Senhor rejubilaram-se, acreditando que seriam de inestimável valia
na grande obra de reedificação. Afinal, representavam um elo
significativo do judaísmo que havia sobrevivido e prosperado,
motivo suficiente per si para se identificarem alegremente com os
bem-vindos recém-chegados, antevendo entusiástica
confraternização. Dentro desta premissa otimista, mas ingênua,
ofereceram-se como solidários voluntários aos líderes hebraicos
encabeçados por Zorobabel, dizendo-lhes amigavelmente: “Deixai-
nos edificar convosco, porque, como vós, buscaremos a vosso
Deus; como também já lhe sacrificamos desde os dias de Esar-
Hadon, rei da Assíria, que nos fez subir para aqui”. (Esdras 4.2).
“Porém Zorobabel, Jesua e os outros cabeças de famílias lhes
responderam: Nada tendes conosco na edificação da casa a nosso
Deus; nós mesmos sozinhos a edificaremos ao Senhor, Deus de
Israel, como nos ordenou Ciro, rei da Pérsia”. A desdenhosa
discriminação por tais cabeças (duras) transformou num relance
amigos em inimigos. Obviamente, aquela gente da terra que seguia
com estrita fé o mesmo judaísmo sentiu-se deveras humilhada e se
viu tentada a sabotar-lhes os esforços. Então, esses inimigos
gratuitos remeteram uma missiva ao rei persa Artaxerxes alertando-
o que se deixasse Jerusalém ser edificada, os judeus ao sentirem-se
fortes não iriam querer pagar mais os tributos devidos. O rei
alarmou-se e mandou parar de imediato a obra que só recomeçaria
no segundo ano do reinado de Dario, o seu sucessor.
Em resumo, a mentalidade de excessiva misantropia vem
prejudicando o povo de Abraão ao longo dos séculos. Aliás, o
alerta não foi falso porque os judeus haviam sido trucidados e
dispersos sucessivamente pelos assírios, babilônios e o seriam,
séculos mais tarde, pelos romanos, simplesmente porque “ao
sentirem-se fortes” iriam negar-se a pagar-lhes os tributos de praxe.

214
Os samaritanos modernos são descendentes daqueles fiéis do
Senhor que foram rechaçados, mas continuam formando uma
corrente original que segue com fiel devoção idêntico judaísmo,
embora sejam ainda vítimas de milenar discriminação.
Esdras, o principal sacerdote, um exemplo lastimável de
desnaturado zelo religioso, chegou ao cúmulo de obrigar os judeus
de Jerusalém a separar-se das mulheres nativas quando já se
haviam formado famílias bem constituídas e felizes. Num exercício
reprovável de descabida intransigência, declarou-lhes: “Vós
transgredistes casando-se com mulheres estrangeiras, aumentando a
culpa de Israel. Agora, pois, fazei confissão ao Senhor Deus de
vossos pais, e fazei o que é do seu agrado; separai-vos dos povos de
outras terras, e das mulheres estrangeiras”. Ora, que descalabro!
Imaginemos o pungente sofrimento daquelas esposas e mães que
amavam de todo coração seus maridos. E o trágico abandono dos
filhos por seus pais queridos? Quantas lágrimas derramadas pelas
inocentes criaturas pretensamente em nome de Deus! Em resumo, a
absurda e cruel separação traduzida em aversão implacável aos
gentios, isto é, aos seres humanos situados além do universo
judaico, faria com que o povo de Abraão se tornasse prisioneiro de
uma fé religiosa sinônima de imenso fanatismo tribal.
Na Idade das Trevas ver-se-iam obrigados a viver em guetos
separados da sociedade. Curiosamente, foi observado por alguns
escritores judaicos que a situação humilhante comprazia-lhes por
“protegê-los” de um mundo considerado profano. Na verdade,
ocorreu uma discriminação mútua entre gentios e judeus. Estes
preferiam situar-se como estranhos à margem daquela sociedade
“herética” que lhes dava guarida, pois preferiam um “isolamento
sagrado”. Uma concepção religiosa desvirtuada passou a ser usada
perversamente para separar irmãos e filhos do mesmo Deus, e não
uni-los em desejável fraternidade. Em vez de servir de meio ao
bom entendimento da humanidade, acabou virando um fim em si
mesmo, visando tão somente preservar tabus retrógrados de uma
ortodoxia depositária de mitos, lendas e crendices tribais.
A intolerância iria fazer escola ao contagiar um
“cristianismo” eclesiástico no velho estilo medieval. Não saberiam
viver em harmonia os judeus e os cristãos, nem os próprios

215
“cristãos” entre si. Basta lembrar as carnificinas lastimáveis entre
protestantes e católicos. Foram conflitos evitáveis porque há
séculos budistas e xintoístas no Japão convivem em belíssima
harmonia. Uma influência mútua e benéfica enriqueceu ambas as
religiões que fazem jus ao nome, isto é, são escolas voltadas com
sucesso ao desenvolvimento espiritual. E a primeira lição é amar ao
próximo, uma extensão do amor a Deus.
Escreveu o filósofo Blaise Pascal que “os homens nunca
praticam o mal de modo tão completo e animado como quando o
fazem a partir de convicção religiosa”. Igualmente, Jonathan Swift,
estarrecido com as matanças em nome de Deus, fez um interessante
comentário: “Temos religião suficiente apenas para nos fazer odiar,
mas não o bastante para nos fazer amar uns aos outros”. O pecado
maior do espírito humano é ser rico em ódio e paupérrimo em
amor. Assim, manifesta-se com facilidade pelo primeiro e em
avarentas doses pelo, literalmente, último.
O judaísmo restrito e sua versão “cristã” não tiveram o
monopólio da matança em nome de Deus. Mesmo antes do
nascimento de Cristo, o poeta romano Lucrécio alertava: “Quantos
males derivaram da religião!” Dá para vislumbrar um padrão
sinistro na história, pois quando a religião é a força dominante de
uma sociedade induz ao fanatismo e terror. Os blá-blá-blás e os
blu-blu-blus julgam-se donos do pensamento e querem impô-lo a
todo custo. Uma cultura dominada por fé deturpada
invariavelmente é perversa com as pessoas que não a
compartilham. A emoção delirante despreza a razão consensual.
Quando a religião era poderosa na Europa deu margem aos
banhos de sangue das Cruzadas, às câmaras de tortura da
Inquisição, ao extermínio em massa de “hereges”, isto é, trezentos
anos seguidos queimando-se inocentes dissidentes ou imaginárias
“bruxas” e, para variar, massacrando-se vez por outra os judeus. O
ocaso do fanatismo religioso foi iniciado pelos filósofos do
Iluminismo e gradativamente o conceito de proteger os direitos
humanos e a liberdade do cidadão desenvolveu-se. A fé espúria
mantém grupos e nações separados por uma alienação hostil. Uma
religião desviada dos seus primordiais objetivos nobres gera ou
agrava os conflitos.

216
O ser humano é contraditório em seus pensamentos e ações.
Revela-se um estonteante misto de anjo e demônio, uma natureza
controversa do tipo “Dr. Jekyl e Mr. Hyde”, uma combinação
estranha do bem e do mal, capaz dos mais belos atos de compaixão
e dos mais irracionalmente brutais. Mesmo no chamado “homem
de bem” esconde-se um insidioso monstro, sempre à espreita,
aguardando tão somente um momento infeliz para despontar como
impiedoso cavaleiro do Apocalipse capaz de infundir terror nos
corações.
Quando perguntaram ao velho Harry Truman, um bom
homem por sinal, fiel assíduo aos cultos de sua igreja evangélica, se
sentia algum remorso, menorzinho que fosse, por ter ordenado os
bombardeios de Hiroshima e Nagasaki e acarretado suas
catastróficas consequências, ele, sem perder a pose presidencial,
respondeu convicto: “Nunca tive dificuldade em dormir
tranquilamente com a cabeça sobre meus travesseiros”. Na verdade,
se o resultado da 2ª Guerra Mundial fosse o inverso, os aguerridos
generais japoneses teriam idêntico comportamento, senão mais
insensível. Talvez, tomassem uma dose de saquê diariamente em
comemoração antes de irem para cama contentes e felizes.
Em ardoroso discurso de campanha, o candidato à
presidência, Barack Obama manifestou claramente que pretendia
matar sem dó, nem piedade, Osama Bin Lade. Um fanatismo
destruidor apoderou-se da mente do líder terrorista que levou a
crueldade inconsequente ao limite máximo, pois acreditava cumprir
ordens expressas de Alá. Osama chegou a sorrir de contentamento
ao descrever com gestos de mão a destruição das torres gêmeas que
causou a morte de mais de três mil inocentes.
Dentro deste quadro de ódio e vingança, evidentemente, se
um moderado Barack dissesse que pretendia apenas prendê-lo para
sofrer severo julgamento e submetido a mais dura prisão perpétua,
estaria eliminado sumariamente da eleição. Já bastava seus nomes
“Obama” e “Osama” diferenciarem-se por apenas uma consoante.
Um “bom” presidente americano deve ser capaz de liquidar sem
compaixão os inimigos do Estado, caso contrário é visto como um
fraco Comandante em Chefe.
Aliás, cada povo tem o governo que merece. Talvez o ser

217
humano Obama não tenha coragem nem de matar um coitado
franguinho, mesmo para o seu almoço. No entanto, para vencer na
arena política como incontestável líder americano sabe qual é a
imagem exigida por uma massa de eleitores de mentalidade
insipiente. Infelizmente, negam a um homem visivelmente simples
e bom o direito de portar-se como verdadeiro cristão.
Algum tempo depois, Bin Lade foi executado brutalmente a
tiros de metralhadora em sua mansão esconderijo no Paquistão por
tropas especiais americanas que invadiram o esconderijo à revelia
da soberania paquistanesa. Em seguida, jogaram-no no oceano para
dar sumiço definitivo ao cadáver. Uma precavida maneira de evitar
polarizações populares de apoio junto ao túmulo do temido líder
islâmico. Uma multidão de americanos saiu às ruas em clima
festivo, reunindo-se em frente à Casa Branca para comemorar
euforicamente o trágico aniquilamento do terrorista.
A reeleição de um sorridente presidente Obama estava assim
provavelmente assegurada. Pagou o preço de sangue para manter-se
no poder, uma evidência de que a humanidade continua contumaz
em seus desatinos. O assassino Bin Laden sorriu ante uma
despropositada, triste e lastimável “vitória”. Barack Obama sorriu
ante o que julgou um assassinato sinônimo de justiça e inegável
sucesso político junto aos eleitores. Tornou-se o grande herói do
momento. E quando nós vamos vencer a nós mesmos, viver em paz
e harmonia, para nos alegrarmos até o fundo da alma com o
sublime sorriso de Cristo?
Certamente, o divino amor do Filho de Deus ressoa nas
sábias palavras do Tao Te Ching, o livro sagrado do taoísmo:
“As armas são instrumentos nefastos que não convêm ao
Sábio; só as utiliza contra sua vontade, quando não há mais
remédio; ele prefere a paz”
“Quem vence não deve regozijar-se com sua vitória: sabe
que desfrutá-la seria como festejar a morte de parte da
humanidade”.
“Quem se regozija com a morte do semelhante, não há de
realizar-se”.
“Quem provocou a morte de seres humanos, deve chorar e
lamentar-se”.

218
“O vencedor da batalha deve vestir-se de luto”.
Resumindo, se houve uma vitória sobre os maus, conserve-se
ao menos humilde serenidade e não se refestele na maldade
comum. É o mínimo que os céus esperam de nós pecadores.

CAPÍTULO 25

O “DEUS ESTADO”

Os EEUU, todos sabem disto, é o lar por excelência dos


serial killers, aqueles psicopatas que lá surgem em maior número
do que em outras partes do mundo e não se sabe bem por qual
motivo.Visando combater o apavorante fenômeno e acabar de vez
com os sociopatas em terras do Tio Sam, a solução encontrada foi
colocar em prática leis baseadas no odiento e vingativo sentimento
do “olho por olho, dente por dente” preconizado no Velho
Testamento, um legado do velhíssimo Código de Hamurabi. Em
paranóia chocante, movida por “homens de bem”, o Estado
americano já entrou para o Livro dos Recordes como o maior Serial
Killer da história. Dispondo-se a liquidá-los sistematicamente,
acabou por liderar um sinistro somatório. O “Deus Estado”
assemelha-se aos piores criminosos e até mesmo os supera.
Aliás, numa infrutífera ação que parece incentivar a
insanidade homicida em vez de desencorajá-la. Alguns estados
americanos, irmanando-se ao mundo dito civilizado, em feliz
decisão eliminaram essa prática condenável que levou um número

219
alarmante de inocentes à morte, particularmente de negros pobres e
desprotegidos pela discriminação racial. O exame de DNA
aperfeiçoou em muito a justiça criminal, mas não eliminou ainda os
inúmeros erros judiciais decorrentes da lamentável falibilidade do
ser humano. No país dos analistas da mente nenhum até agora
tentou ao menos explicar o porquê de tantos desvios fatais do
comportamento humano. E muitos “psicólogos” são a favor de
eliminar radicalmente o que não compreendem por pura ignorância
profissional, senão perversidade.
A prisão perpétua, embora necessária em casos extremos, é
aplicada sem parcimônia e com rigor estarrecedor, chegando-se a
bizarros exageros que chocam até aos insensíveis. Basta citar um
caso curioso. Um menino de onze anos, acusado de assassinato,
está cumprindo prisão perpétua. Agora já está com treze anos e dois
de cadeia. Órgãos humanitários internacionais, indignados com a
despropositada insensatez que chega às raias do ridículo,
questionaram a absurda condenação. Como podem os americanos
declarar-se ardorosos defensores dos direitos humanos quando
manifestam flagrante incongruência em seu próprio país?
A cultura de nossos irmãos do norte parece incentivar a
criminalidade por meio de lucrativos filmes onde imperam cenas
ficcionais de violência fatal. Acreditando ainda viver nos tempos
do farwest, inúmeros cidadãos guardam verdadeiros arsenais em
suas casas e julgam-se no direito de andar armados para defender-
se de eventuais ou imaginárias agressões. Inclusive, incentivam
desde cedo os filhos menores ao uso de armas de fogo. Os estandes
de tiro multiplicam-se aqui, ali e acolá. De fato, são redutos dos que
não têm algo melhor para fazer. Tal prática descabida é incentivada
pelas indústrias de armamentos que veem os seus lucros
aumentarem, pouco lhes importando se ferem os valores éticos
mais elementares.
Dentro deste clima de escassez espiritual, não é de se
admirar que alguns de mente pervertida acabem por tornar real a
trágica fantasia de matar por mero prazer. Como exemplo, o
seriado da televisão Dexter endeusa as atividades de um bizarro
serial killer do “bem” que se compraz em matar outros serial killers
do mal. É um “herói” às avessas, pois se considera um destemido

220
protetor da sociedade. A mídia doura a pílula apresentando um
simpático jovem que age à margem da lei, embora cheio de boas
intenções e capaz de angariar a simpatia do público.
O enredo baseia-se na antiga tática de aliar-se ao demônio
para combater o diabo. Por incrível que pareça, Dexter está fazendo
escola e já surgiram fanáticos adeptos. Um insuspeito jovem diretor
de TV, com promissora carreira pela frente, decidiu cometer
assassinatos e o pior contra inocentes, na estranha tentativa de
imitar o seu “querido” Dexter. A estas alturas, periga surgir até
clubes estilo Dexter em vários estados americanos.
Não nos admiremos que ocorram assassinatos múltiplos, às
vezes perpetrados por adolescentes desajustados nas escolas ou
outros lugares públicos quaisquer. Infelizmente, a sociedade
americana parece não estar amadurecida para assumir uma
desejável posição de liderança espiritual no mundo atual.
Contraditoriamente, limita-se a dar exemplos negativos aos demais
povos, justamente àqueles que a consideram símbolo maior de
sucesso material e procuram seguir ingenuamente seus passos.
Um por cento da sociedade americana, isto é, cerca de dois
milhões de indivíduos, vive nos cárceres onerando em demasia uma
sociedade amante de penas draconianas e execuções capitais. E, por
incrível que pareça, os criminosos não se sentem intimidados. De
forma alguma a pena capital diminui a criminalidade. Ao contrário,
torna a sociedade mais insensível e violenta, açulando as tendências
perversas de tresloucados agressores. Certamente, o presidiário
deve cumprir a sua pena, mas também ter a oportunidade de
regenerar-se. Todos nós cometemos crimes não visíveis aos olhos
humanos, como o orgulho, a hipocrisia, o falso perdão, o ciúme, a
inveja, a insensatez, a discriminação e pensamentos nocivos que
ferem nossos semelhantes. Mais cedo ou tarde seremos condenados
por nossa consciência.
É um costume arraigado em sociedades insipientes o hábito
de atribuir-se ao Estado um ilusório status de Deus. Acreditam que
o “Deus-Estado” possui divino poder de vida e morte sobre os
cidadãos, mesmo em alguns países que se intitulam democráticos e
se autodenominam cristãos. Na verdade, qualquer execução,
mesmo judicial, revela-se um crime hediondo contra a humanidade

221
e uma afronta aos céus. Não importando a gravidade do delito
cometido, a sociedade não pode rebaixar-se ao nível deplorável do
criminoso e dar sequência vingativa à atrocidade por ele
perpetrada. Configura-se um péssimo exemplo “justificado” pelo
“Deus-Estado” a eliminação física do semelhante, especialmente
aos jovens cujas personalidades estão ainda em formação. Toda
ação humana, mesmo as punitivas por justa causa, deve ser um ato
de amor. É hipocrisia declarar-se cristão - sem Cristo.
Ninguém é tão bom para julgar-se com o direito de eliminar
a vida de outrem, pois se o fosse jamais o faria. As guerras
provocadas pelos “homens de bem”, os respeitados líderes dos
países conflitantes ao longo da história, causaram milhares de vezes
mais mortes do que os assassinatos praticados por criminosos
comuns. Faça as contas e fique estarrecido. É a diferença entre
milhões e milhares, respectivamente. As catastróficas guerras
mundiais foram lideradas por prestigiadas “elites” de suas
respectivas nações.
A pena capital foi abolida em vários países progressistas por
considerá-la um ato de radical intolerância contra o próprio ser
humano. Quem se considera cristão ou ao menos um ser sensível
não pode transgredir o “Não matarás”, baseando-se falsamente em
exceções advindas da falibilidade humana. Como se sabe, a história
registra inumeráveis erros judiciais com a morte irremediável de
inocentes. Irene Khan, secretária geral da Anistia Internacional,
declara com indiscutível bom senso:
“A pena de morte representa um castigo derradeiramente
cruel, desumano e degradante. Decapitações, eletrocussões,
enforcamentos, injeções letais, fuzilamentos e apedrejamentos não
têm lugar no século XXI”.
Saiamos da Idade da Barbárie. Trata-se de falsa ilusão tentar
purificar o imenso lago poluído da espiritualidade terrena jogando-
se mais água suja à existente. Já que é impossível trocar todo o
líquido, deve-se acrescentar água pura, isto é, a sociedade deve
punir sem espírito de vingança para redimir-se de seus pecados
seculares, embora seja penoso reconhecer. O ódio incontido torna a
justiça cega e propensa a crueldades sem conta, inclusive arrasta
inocentes ao cárcere ou à morte. Ao tratar nossos inimigos com

222
compaixão, inclusive os criminosos, nós próprios nos tornamos
seres humanos dignos da bondade divina e contribuímos para um
mundo melhor.
Há outro importante aspecto. A abolição da pena de morte é
o passo inicial para acabar com as guerras entre os povos. As
nações que a descartarem estarão mais propensas a estabelecer uma
paz duradoura entre si, pois desenvolvem imunidade ao natural
instinto homicida do ser humano. Não esqueçamos que a ameaça de
uma hecatombe nuclear com resultados catastróficos ainda paira
sobre nosso planeta. Assim sendo, partamos do simples ao
complexo, tornemos possível o impossível, eliminemos a violência
em troca da paz. Como triste exemplo, basta lembrar que os
terroristas que explodiram as Torres Gêmeas eram oriundos de
sociedades de mentalidade atrasada e ferrenhas adeptas da pena de
morte, senão de mutilações punitivas.
Felizmente, o mundo progride e não regride. É cada vez
menor o número de países onde impera o homicídio judicial. No
fenômeno apavorante do nazismo, uma nação “cristã” desprezou
tudo o que se pode considerar como bondade e declarou-se
submissa ao “Deus Estado” para cometer as mais hediondas
atrocidades. Literalmente, chutou os ensinamentos de Cristo ao ar.
No entanto, se o nazismo foi o criminoso doloso por crimes
hediondos, o judaísmo recalcitrante exerceu o papel culposo por
adotar uma conduta malsã de isolamento secular contra as
sociedades. O exercício fanatizado de crenças e crendices, atos e
atitudes de antipatia recíprocas, criou o clima insano que arrastou
os filhos de Abraão a uma rota de colisão contra seus inimigos
potenciais.
Os religiosos modernos devem parar por um momento para
meditar em grave reflexão. Os círculos da fé devem ser tracejados
em linhas pontilhadas e não contínuas de modo a ensejar um
desejável livre trânsito entre amigos e não um asfixiante
confinamento contra imaginários inimigos. A fé verdadeira visa
unir amorosamente os seres humanos e não separá-los em clima de
ódio. Na entrada do Terceiro Milênio faz-se necessário abandonar
os radicais sectarismos, ainda que milenares, para adotar-se um
pensamento universal e, diríamos melhor - multiversal - o único

223
que esclarece e leva-nos à compreensão da grandeza infinita do
Criador.
Paradoxalmente, cabe às religiões, embora instrumentos
imperfeitos, o papel universal de gerar o bem, o amor e a
compaixão. A ciência mostra-se omissa neste sentido. Não fede e
nem cheira. Tanto é usada para o bem, como para o mal. Pode
salvar como destruir. Não é à-toa que das profundezas do oceano
sangrento do Velho Testamento tenha emergido como joias de
suma preciosidade os dez mandamentos, uma diretriz não
obedecida, porém uma luz divina a acenar em convite eterno no
fundo do túnel. Um sinal primordial para trilharmos o caminho do
Filho em obediência ao Pai - Deus em verdadeira grandeza. De
maneira idêntica, os grandes Avatares - Buda, Confúcio, Lao Tsé,
Zoroastro, Hilel, Gandhi - legaram à humanidade exemplos
semelhantes ao de Cristo. O bem divino é uníssono quando visa ao
aperfeiçoamento espiritual comum.
Em suma, o grande desafio resume-se em atender ao
chamamento das correntes religiosas que pregam o amor e evitar
entrar em consonância com nosso lado obscuro, quando fingimos
agir em nome de Deus para justificar nosso desvairado egoísmo.
Nesse caso, estaremos desprezando o Senhor do Multiverso e
seguindo satanás. A escolha é nossa e o julgamento de Deus.

224
CAPÍTULO 26

O DEUS HEBRAICO

O judaísmo considera-se a religião do Deus Único. Segundo


esta mítica perspectiva bíblica, o Senhor dos céus e da terra deu
inicio à religião de Abraão. Na verdade, ocorreu uma interação
entre o homem e a divindade. Os hebreus criaram unilateralmente o
Deus Único à sua imagem e não o oposto. Em determinado instante
da Eternidade, segundo o Gênesis, surge das alturas celestiais o
Todo Poderoso. O Supremo vai dar origem ao planeta Terra, seus
habitantes e as configurações do cosmos. É uma primeira e original
visão terrena e, como tal, limitada à percepção insipiente do gênero
humano em fase primitiva. Parte do princípio de que o nosso
planeta abriga o homem e ambos, o morador e sua nave espacial,

225
situam-se fixos no centro do universo. O ser humano surge como o
personagem central do quadro divino e tudo se resume nele. O
restante, literalmente, está limitado à mera figuração, uma
infindável moldura para enaltecê-lo. Ele se julga o senhor da Terra
e solitariamente do universo, segundo a suposta vontade do
Criador.
Entretanto, o Onipotente permanece misteriosamente além
do entendimento dos seres humanos. Ninguém fica sabendo o
porquê de tudo existir a partir de um transcendental átimo. O que
fazia Deus quando inexistia o Universo, antes do memorável
Gênesis? E o que fará quando o Universo tangível a nós
desaparecer? A ciência de ponta revelou ao mundo que
caminhamos para um fim astronomicamente próximo e inexorável.
Apenas alguns bilhões de anos adiante, nada mais, e eis que
estaremos diante do apocalipse final. E Deus? O que fará sem nós?
Afinal, o Criador sem as suas irrequietas criaturas vai tornar-se um
Deus desativado, por assim dizer. Imaginemos um proprietário de
uma enorme fábrica de carros sem os seus futuros donos. Deve ir
para casa a fim de gozar uma solitária aposentadoria? Será algo
mais ou menos semelhante. Bem, diante deste panorama sombrio, o
nosso objetivo é chegar a um entendimento mais racional, dentro
dos parâmetros atuais do conhecimento humano que nos possibilite
entender o nosso Criador e o conjunto sem fim que engloba.
Diferentes povos ao longo dos tempos vão criar lendas,
fábulas ou mitos com o intuito de fornecer alguma explicação
plausível que satisfaça às pessoas das diferentes culturas em
variados níveis de evolução espiritual. Para dar-lhes crédito, basta
possuir somente uma fé de cunho religioso e, então, despontam
como verdades incontestáveis.
A ciência moderna originou-se da genialidade dos filósofos
gregos que deram início à compreensão de nosso Universo sob
outro ponto de vista - o da razão. A partir daí, a religiosidade
emotiva vê-se constrangida a submeter-se gradativamente à crítica
racional. Sonhos, devaneios, fábulas, lendas, mitos e metáforas são
obrigados a sair do pedestal reservado aos deuses antigos e
conceder à razão uma posição de crescente importância. Afinal, o
ser humano é classificado pela ciência como “animal racional”,

226
pelo menos nominalmente, e não um “animal emocional” ou um
“animal religioso”.
De acordo com a narrativa bíblica, Deus criou os céus e a
terra e tudo que neles há em seis dias, por meio de magia ou algo
parecido. Na versão mítica, o Onipotente revela-se o grande
Mágico Divino, nada havendo que lhe seja impossível. A ciência
moderna não participa deste contexto. De modo surpreendente,
apesar de onipotente, não deixa de sofrer o efeito desgastante de tão
magnífica proeza. No sétimo dia, concede a sim próprio o direito de
descansar, o que sugere que nem mesmo o Criador é de ferro.
Existe outra conjectura paralela oriunda da inesgotável sabedoria
rabínica. Iahveh certamente não se fatigou, mas apenas fingiu com
o intuito de beneficiar as suas criaturas inteligentes. “Se até Eu me
canso, mas descanso, vocês têm igual direito”. Nesta sugestiva
interpretação enxerga-se o primeiro ato de bondosa humildade do
Criador com seus filhos.
Os primeiros personagens bíblicos vão-se revelando em
maravilhosa sequencia. Eles são Adão, Eva e, não esqueçamos, a
famosa Serpente falante do paraíso. Não nos parece sensato omiti-
la em imperdoável discriminação, apenas por ser um simples
animal. Eles formavam um formidável trio primordial, infelizmente
de convivência limitada a um felicíssimo período de curta duração.
O ofídio era um ser agradável e sagaz, embora extremamente
insidioso, e acaba ensejando a queda da humanidade ao conduzir a
mulher ao pecado original. A seguir, os três recebem de Iahveh
uma justa e exemplar punição. Assim, aprendem desde tenra
infância os povos do Livro.
As gerações vão se sucedendo. Os filhos de Adão e Eva são
Abel e Caim. O primeiro representa o lado bom dos seres humanos.
O segundo, o aspecto mau, pois é um homem dominado pelo
destrutivo sentimento da inveja. Iahveh sabia disto muitíssimo bem
e como havia procedido com Eva e Adão, quis submetê-lo à prova
crucial do bem e do mal. Ora, o Criador havia dado ao homem o
livre arbítrio, o que implica em razoável capacidade de
discernimento para fazer a escolha certa entre a bondade e a
maldade, o certo e o errado. Dentro desta premissa, deve-se incidir
na primeira hipótese, caso contrário há que defrontar-se com a

227
justiça divina por causa do erro cometido.
Caim traz ao Senhor os mais belos frutos da terra escolhidos
a dedo mindinho imaginando ingenuamente receber um enorme
elogio que encheria o seu orgulhoso ego de satisfação. Entretanto, a
sua carinhosa oferta é recebida com premeditado desdém. Logo
depois, Abel escolhe um dos primogênitos de seu rebanho. Aliás,
vai ver, nem era lá grande coisa, talvez um cabritinho magro e
feioso, senão adoentado. Seria até uma oportuna ocasião de
desvencilhar-se do bichinho.
Não obstante, o Senhor inexplicavelmente logo se agrada
dele, manifestando flagrante contentamento. Sentindo-se
desprezado, humilhado e ferido no cerne de sua alma, o coração de
Caim enche-se de um ódio incontrolável contra o felizardo
maninho. Ainda tentando apaziguá-lo, o Senhor dispõe-se a
aconselhá-lo paternalmente: “Por que andas irado? E por que
descaiu o teu semblante? Se procederes bem, não é certo que serás
aceito? Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o
teu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo”. (Gênesis 4.6-
7).
Vemos claramente neste episódio que Iahveh pretende
submeter Caim à dura prova. Ele quer peneirá-lo a fim de livrá-lo
da sua imperfeição espiritual, no entanto, cabe ao próprio o
transcendental esforço. Deus não é uma Babá Universal, como
alguns imaginam. Apesar da natural tendência do gênero humano
ao pecado, nunca será uma justificativa per si perante a justiça
divina. A vida se resumirá, sob o ponto de vista celestial, em fazer
o homem aprender a diferença entre o bem e o mal, não importa se
o último apareça aos seus olhos, vezes sem conta, muitíssimo mais
atraente e conveniente aos seus inatos desejos egocêntricos.
Naquela época fabulosa, Deus permitia-se dialogar com os
humanos oferecendo-Se em amigáveis colóquios para conduzi-los
ao caminho desejado. O Onipotente adorava um ilustrativo bate
papo com seus filhos primordiais. Apesar do celestial privilégio,
Caim insensatamente não Lhe deu a mínima atenção, optando por
ouvir a voz maligna de seu coração rancoroso e decidir-se por
radical solução final. Executado o crime hediondo, a voz de sangue
do bom irmão clamou com a potência de um trovão da terra aos

228
céus, exigindo justiça premente. Deus a ouviu de imediato e irou-
se, censurando asperamente Caim:
“És agora, pois, maldito por sobre a terra cuja boca se abriu
para receber de tuas mãos o sangue de teu irmão. Quando lavrares o
solo não te dará ele a sua força; serás fugitivo e errante pela terra”.
O Senhor, como sempre, alternando-se entre extrema
severidade e compungida bondade, não quis abandonar o pupilo
transviado à própria sorte e não nega complacência ao atenuar-lhe o
infortúnio. Caim temia fugir errante pela terra e ser morto por
alguém tão perverso quanto ele próprio. Aliás, se assassinou o
único irmão, de quem temia tanto uma fatal vingança? Estaria sob
tão forte tensão emocional devido ao remorso a ponto de sentir-se
perseguido por fantasmas? Afinal, antes da tragédia, a escassa
população global resumia-se a Caim, Abel, Adão e Eva. Isto é, se
os genitores ainda estivessem ambos vivos, pois a narrativa omite
esta interessante informação.
Entretanto, o Senhor já havia se dado por satisfeito com a
punição infligida e, sem deter-se em meros detalhes irrelevantes,
declarou solidário: “Qualquer um que matar a Caim, será vingado
sete vezes. E pôs um sinal em Caim para que não o ferisse
mortalmente quem quer que o encontrasse. Retirou-se Caim da
presença do Senhor e habitou na terra de Node, ao oriente do
Éden”. (Gênesis 4.15-16). De qualquer modo, sob a benevolente
proteção divina, o irmão malvado estaria a salvo de qualquer
eventual inimigo, fosse real ou fruto de sua conturbada imaginação.
A seguir, vai-se evidenciando a corrupção de gênero
humano, já perversamente iniciada por Caim. Constata-se a
contragosto que, infelizmente, do irmão transviado todos nós
descendemos. A semente do bem foi sumariamente eliminada e
restou solitária aquela do mal, simbolizada pelo descendente
assassino do casal primordial. O nome Caim passa a ser sinônimo
de criminosa inveja. Aliás, os seus pais não poderiam queixar-se do
filho errático, porque eles próprios haviam ensejado a perdição das
gerações sucedâneas. De acordo com a voz popular: “Filho de
peixe, peixinho é”. Pelo menos, sabemos a razão de sermos tão
invejosos, sempre de olho gordo naquilo que nos fascina, ainda que
pertença a outrem. “A galinha do vizinho é mais gostosa”, há

229
séculos estatuiu-se este ditado popular e sem nenhuma contestação.
Diante das assustadoras evidências, “viu o Senhor que a
maldade do homem havia-se multiplicado na terra, e que era
continuamente mau todo desígnio do seu coração; então se
arrependeu o Senhor de ter feito o homem na terra, e isto lhe pesou
no coração”. (Gênesis 6.5-6). Sabemos de cor e salteado que Iahveh
sempre foi dado a repentinos e tardios arrependimentos, malgrado
sua fantástica onisciência. Era divinamente teimoso, pois sabendo
de antemão que algo não ia dar certo, insistia assim mesmo.
Entretanto, ninguém deve atrever-se a censurá-Lo, pois há muito
tempo chegou-se à conclusão de que “Deus escreve certo por linhas
tortas”.
Assim, Iahveh viu-se obrigado a punir o gênero humano.
Somente o justo “Noé achou graça diante do Senhor, uma vez que a
terra encontrava-se corrompida e cheia de violência”. Ainda hoje
em dia, entrados já no Terceiro Milênio, a bíblica censura ajustar-
se-ia como uma luva. A corrupção do gênero humano não cessou e
a violência espoca aqui, ali e acolá, a ponto de afligir os homens de
boa vontade. O mal teima em permanecer irredutível na sua
trincheira infernal em eterna luta contra o bem.
A história do dilúvio é-nos bem conhecida. “Abriram-se as
barreiras do céu” durante “quarenta dias e quarenta noites”. As
águas inundaram tudo com incontida violência. Noé com “toda sua
casa”, talvez incluídos alguns íntimos, os chamados amigos do
peito, bem como um casal de cada espécie, protegidos em sua
enorme arca são os felizardos sobreviventes de um colossal e
punitivo dilúvio. Resta somente uma ligeira ressalva, sem querer
incidir em irreverente heresia. Por que havia de perecer quase a
totalidade dos inocentes animais do planeta por conta dos pecados
humanos? Sem falar na exuberante vegetação que cobria de forma
espetacular todo o globo. Decerto, imersa por tempo excessivo
sucumbiu tristemente. Diante da incrível hecatombe ecológica
jamais sobrepujada, indagamos: “O que alhos têm a ver com
bugalhos”? Por favor, não se considerem nossos queridos
fundamentalistas ofendidos com o despropositado comentário.
Tratou-se apenas de um ligeiro lapso de nossa parte, um
pensamento mal pensado e logo excluído. Sinceramente, perdoem-

230
nos!
Lá pelas tantas começa o relacionamento de Deus com
Abraão. Ele chama paternalmente o futuro patriarca e faz-lhe
promessas solenes: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de
teu pai, e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande
nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma
benção: Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te
amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra”.
Vemos que Iahveh surge desde o início como um Deus tribal,
voltado prioritariamente aos hebreus primordiais. As bênçãos ou
maldições vão ser futuramente distribuídas em função do
tratamento generoso ou hostil dos gentios ao chamado “povo
eleito”. A perspectiva divina será sempre através da ótica dos
protagonistas do Velho Testamento. Afinal, foram eles que
escreveram o Gênesis. Se outro povo quer usufruir também a fama
de “eleito” que faça o seu próprio Livro Sagrado, uma laboriosa
obra redigida arduamente através dos séculos e banhada com
sangue, suor e lágrimas, além de imaginação sem limites.
Iahveh institui também a circuncisão, um antigo costume
entre os povos semitas, mas neste caso particular vai afiançar uma
aliança férrea entre Ele e Abraão, a ser prolongada continuamente
por sua descendência. Assim como os humanos marcam a ferro e
fogo o seu rebanho, Iahveh não deixa por menos. Quer uma prova
visível e factual. O Deus de Abraão será, a partir de então, adotado
pelos hebreus. Haverá um choque com os deuses já existentes, mas
a fidelidade ao Deus Único será a condição sine qua non ao sucesso
do povo escolhido. Iahveh, o Senhor dos Exércitos, zelosamente se
compromete a conduzi-los a inumeráveis triunfos em suas
incontáveis lutas contra os povos vizinhos.
Estranhamente, nem sempre a vitória sorrirá aos hebreus e
estes ficarão indagando-se desorientados qual o erro cometido na
desventurada ocasião contra o Deus de Abraão para incorrer em sua
justa ira. Algum tipo de gravíssimo pecado deve explicar o mau
humor divino. Uma obediente e inconteste fidelidade é, em
princípio, o fator essencial para garantir a favorável intervenção
divina. Na tradicional perspectiva bíblica, a bondade fica relegada a
plano secundário, senão irrelevante. Afinal, tratava-se de um

231
período de costumeira barbárie e contumaz crueldade. A bondade
era vista com desconfiança, mais como pecado do que virtude. Se
alguém gritava colérico por algum motivo: “Apedreja!”, o outro ao
lado bradava solidário, mesmo sem saber exatamente o motivo:
“Até a morte!”
Depois de desfrutarem da hospitalidade egípcia por longos
quatrocentos e trinta anos, acabam entrando finalmente em atrito
com seus anfitriões. Eram os egípcios tão maus com os hebreus
para ensejar um ódio tão intenso? A elucidativa narrativa do Êxodo
(12.35) talvez nos dê a resposta:
“Os israelitas, segundo ordem de Moisés, tinham pedido aos
egípcios objetos de prata, objetos de ouro e vestes. O Senhor lhes
fizera ganhar o favor dos egípcios, que atenderam ao seu pedido.
Foi assim que despojaram aos egípcios.”
Se acreditarmos no Êxodo, “objetos de prata, objetos de ouro
e (como se fosse pouco) vestes”, não foram ofertados graças à
generosidade egípcia, mas unicamente pela intercessão do Senhor,
Deus de Israel. Nesta curiosa versão, os anfitriões agiram como
robôs comandados pelos céus. Entretanto, olhemos pelo outro lado
do escudo. Ora, segundo o senso comum, só se cede valiosos
objetos de prata, ouro e vestes a amigos mui queridos. Quem os
daria a odiados inimigos? Então, chega-se à surpreendente
conclusão de que os egípcios viam os judeus como amigos, apesar
da proclamada rixa política entre Moisés e o Faraó. Daí surge uma
intrigante pergunta: semelhante sentimento era recíproco por parte
dos judeus?
Bem, deixemos a questão no ar e passemos adiante. Após a
rocambolesca fuga do Egito, Moisés lidera o êxodo das tribos
hebraicas pelo deserto durante quarenta anos. A seguir, depois de
apossar-se com fúria e violência incontidas das terras ocupadas por
seus tradicionais donos na Terra Prometida, os hebreus acabam
finalmente formando um reino. Os reis Davi e seu favorito filho
Salomão representam o memorável período áureo de prosperidade,
riqueza e poder. Infelizmente, Salomão favoreceu injustamente a
sua tribo de origem, a de Judá, em detrimento das demais,
impondo-lhes tributos escorchantes para manter uma fabulosa e
custosa corte real (aliás, nunca conseguiu gravar o nome de suas

232
mil mulheres). Por isso, a divisão do reino de Israel em dois reinos
rivais tornou-se favas contadas.
A lastimável insensatez de Salomão daria margem à
inexorável extinção de ambos em médio prazo. Primeiro, o reino de
Israel é destruído pelos assírios. Então, o reino irmão de Judá passa
a ter os seus dias contados. Mais adiante, é liquidado pelos
babilônios de Nabucodonosor. Após o benevolente Ciro, o rei dos
persas, segue-se um período de restauração do Templo de
Jerusalém, mas depois de alguns sucessos protagonizados pela
família dos heroicos macabeus, o renascido Judá é exterminado
pelos romanos, dando margem à terceira diáspora quando os judeus
espalham-se erraticamente mundo afora.
No ano zero de nossa Era aparece uma figura transcendental
- Jesus Cristo – o Ungido do Senhor. Ele vai traduzir o judaísmo
valioso segundo o que se entende por bondade divina. Deus faz-se
representar no homem para exemplificar o desejo divino a seus
filhos. Dá-lhes um Mestre dos mestres, o chamado Filho de Deus,
para apresentar um paradigma de comportamento ético-espiritual
de natureza celestial. A face bondosa do Criador é graciosamente
ofertada aos mortais, porém é vista como um corpo estranho por
uma geração pródiga em perversidade e avara na bondade. Ignoram
o reino dos céus, pleno de espiritualidade, pois espíritos insipientes
regozijam-se no materialismo carnal inerente à barbárie.
Semelhantes a porcos, não titubeiam em pisotear a mais bela pérola
e preferem chafurdar-se na lama imunda, o seu habitat predileto.
Assim, se explica o porquê de se terem negado a Deus e ousado
esbofetear a face divina.
Seis séculos decorridos do aparecimento do Messias, os céus
fizeram um levantamento da situação espiritual reinante no planeta
Terra. Nessa altura, os ensinamentos divinos haviam sido
distorcidos pelos homens. A religião eclesiástica não conseguiu
libertar-se do fanatismo atroz que a conduziu, paradoxalmente, em
direção oposta às lições do Filho de Deus. É a vez de um
carismático comerciante árabe, o profeta Maomé, ser incumbido
pelo arcanjo Gabriel de apresentar outra versão da vontade divina,
desta vez de cunho mais terreno. Para alunos em nível abc, um
professor de nível primário nesta fase pode ser preferível a um

233
Celestial Mestre PhD. É como se tendo sidos reprovados na
primeira série, os alunos voltassem ao jardim da infância devido à
incontornável dificuldade de compreensão. Agora, o entendimento
será geral e imediato. As conquistas do recém-criado mundo
islâmico são de fácil assimilação aos ardorosos adeptos que se vão
multiplicando como areia do deserto.
Por ironia, é exatamente o que os judeus sonhavam quando
se viram frustrados, decepcionados e enraivecidos com o seu
próprio Messias - o Ungido do Senhor. Se Jesus, em vez de
milagres mil enaltecedores da bondade divina, tivesse fulminado
sem compaixão os odiados romanos da guarnição de Jerusalém
mediante mega raios aterrorizantes oriundos dos céus, inclusive
aniquilado suas mulheres, grávidas ou não, crianças ou criancinhas
e até bebês, sem única exceção, teria sido apoteoticamente
aclamado rei de Israel, o Messias, o Filho de Deus, pelos sacerdotes
do Templo. Idem pelos zelotes e mais uma multidão entusiástica de
perversos. Não obstante, agora o poder, a riqueza e a fama acenam
aos guerreiros das tribos semitas do deserto. Consegue-se, depois
de alguns combates vitoriosos contra os refratários, uma adesão
plena e total. Todos ficam satisfeitos, pelo menos até um
determinado tempo. Posteriormente, a ambição insaciável os levará
às lutas fratricidas com conseqüente fracionamento do poderoso
Islã. “Uma casa dividida não pode prosperar”, como disse Jesus
Cristo.
Até o mítico Paraíso, uma fascinante visão terrena dos céus
com haréns de mulheres belíssimas, é oferecida aos crentes como
justa recompensa a quem se propõe morrer heroicamente lutando
por Alá, a versão árabe de Iahveh - o velho Senhor dos Exércitos. O
nome divino, uma mera sinonímia árabe do Deus Único, passa a ter
uma interpretação individual segundo esses filhos do Criador.
Iahveh e Alá tornam-se personalidades distintas. Cada uma vai
tutelar separadamente os seus pupilos, como se um pai se dividisse
para defender os interesses particulares de dois filhos, tornados
inimigos irreconciliáveis. Na verdade, ficamos com três - o original
Iahveh judaico, o Deus pró-cristão e o Alá pró-árabe. Cada filho
terá o seu próprio pai, um unilateral Tutor em detrimento dos
outros irmãos, não importa que este Pai seja o Deus Único.

234
Desponta uma intrigante trindade de rivais que constitui através dos
tempos um enigma indecifrável aos grandes sábios e mais notáveis
psicólogos.
A eterna acepção religiosa de caráter ortodoxo tende a
discriminar os seres humanos do modo mais radical possível.
Imaginemos que alguém pretendesse separar o joio considerado
indesejável do trigo quando possui apenas o primeiro e nenhuma
semente do segundo. Na verdade, abunda o joio e escasseia o
precioso trigo, no entanto, muitos se enquadram como o segundo,
sem sê-lo.
A fidelidade a Iahveh por parte dos hebreus mostrou-se
historicamente bem recompensada em sua fase lendária. O
imaginário Deus tribal liberta-os de suposta opressão do domínio
egípcio e os conduz à extenuante peregrinação pelo deserto árido
sob a liderança do fabuloso Moisés. As vozes dos inconformados
com a nova situação, saudosos dos bons tempos de vacas gordas do
país do Nilo, são silenciadas a golpes de armas brancas. Iahveh e
seu fiel escudeiro não admitem heréticas contestações e nem a
mínima desobediência. A morte é a punição inexorável. Não há
clima para a liberdade de pensamento, vista como gravíssimo
pecado capital.
Já pensaram em alternativa mais coerente com a proclamada
bondade do Pai Universal? Os judeus permaneceriam no Egito e, se
abandonassem o arraigado exclusivismo, poderiam converter os
egípcios ao Deus de Abraão. Semelhante fenômeno aconteceu com
os rudes e impiedosos romanos quando se renderam ao Deus
Único. Afinal, os egípcios constituíam um povo com louvável
senso de justiça e menos chegado a barbaridades cruentas do que os
demais. Na religião egípcia havia uma consolidada crença ética.
Acreditavam que os bons seriam premiados e os maus punidos no
tribunal de Osíris. A tradição diz-nos que Moisés foi
primorosamente educado na corte do Faraó com o objetivo de
tornar-se um prestigiado sacerdote. Sendo assim, não é de
estranhar-se que alguns dos valores essenciais da religião egípcia
tenham sido inseridos no judaísmo nascente.
Depois da morte do rei Salomão segue-se por três séculos a
decadência do povo eleito. Iahveh se esquece de seus pupilos por

235
causa de seus muitos pecados, segundo a explicação costumeira do
judaísmo. Na verdade, os hebreus nunca chegaram a constituir um
império, mas apenas um ou dois pequeno(s) reino(s) espremido(s)
entre impérios poderosos. Os hebreus estavam destinados ao fim
inexorável, uma vez que dominados por incontrolável orgulho
mostraram-se sempre inconformados e rebeldes ao domínio dos
gentios. Há outro fator pouco lembrado, mas igualmente
importante. Uma radical misantropia limitava o crescimento
populacional judaico, pois evitavam o convívio ou casamentos com
pessoas oriundas dos povos vizinhos. Imagine-se o que seria dos
EEUU atual sem a inestimável contribuição dos imigrantes
oriundos das várias partes do globo. Certamente, não seriam a
superpotência atual caso não os tivesse acolhido de coração aberto,
oferecendo-lhes uma nova pátria e auspiciosa oportunidade de vida.
Os judeus, desde a derrota frente aos romanos, foram
condenados a errar mundo afora. Mesmo com a criação do Estado
de Israel, continuam espalhados pelas nações porque nelas se
enriquecem e se aprazem viver. Jamais irão todos superpovoar a
Terra Prometida e nem caberiam lá em termos de qualidade de
vida. A sua religião continua a ser o traço de união essencial, visto
que se consideram, antes de tudo, judeus, mesmo que prosperem
alhures. Uma vez foi apresentado pelos camaradas de farda, a um
sargento de origem judaica, o seguinte dilema:
Se houvesse uma suposta guerra entre Israel e o país tropical
onde vivia como cidadão nato servindo ao Exército, ao qual
ofereceria a sua leal fidelidade? “Ao Estado de Israel”, respondeu
sem titubear. A partir deste dia, passaram a olhá-lo com
desconfiança, senão antipatia.
Em resumo, o judaísmo criou para si um Deus de caráter
tribal em quem acreditou ardorosamente desde o início, não
importando quão genocida se mostrasse vezes seguidas. O objetivo
de Iahveh, por definição, resumia-se em defender de modo
sanguinolento, justa ou injustamente, os hebreus. Entretanto, ao
longo dos séculos, aos inesquecíveis sucessos iniciais foram se
sucedendo amargos desastres e crescentes decepções. As derrotas
trágicas acabaram por tornar-se uma constante e as gloriosas
vitórias, meras lembranças de um saudoso passado longínquo.

236
Os hebreus criaram um Deus Único à sua imagem e
acreditaram ser seu único dono. O notável físico Albert Einstein
deu-se conta desse tradicional, mas frustrante fenômeno do
inconsciente coletivo, quando escreveu imerso em profunda
desilusão a um amigo íntimo: “A palavra Deus, para mim, nada
mais é que expressão e produto da fraqueza humana. A Bíblia é
uma coleção de lendas veneráveis, mas primitivas e infantis”. Ora,
ele, sendo um judeu alemão, não conseguia entender o significado
do inevitável Holocausto do povo hebreu em pleno século XX e
declarou: “Se existe o Deus do Velho Testamento, o nosso Iahveh,
por que permanece tão indiferente ao destino atroz dos judeus, o
seu povo eleito, a quem deveria defender com unhas e dentes
(simbolicamente, é claro) das mãos dos nazistas?”.
Em suma, se não existe o velho Iahveh judaico, não existe
um Deus Universal, foi a amarga conclusão do famoso cientista
judeu. Quando muito, deveria haver um Deus invisível no espaço
infinito, ocupando-se apenas em manter o cosmos em perfeita
harmonia, mas indiferente ao destino de seus pupilos terrestres,
meros primatas invisíveis a olho nu do espaço e qual formigas
presos pela gravidade à superfície de nosso insignificante planeta.
“Não creio em um Deus pessoal”, em 1954 proclamou com
sinceridade. Em resumo, só ingênuos são capazes de aceitar a idéia
de um Criador com características humanas, onipotente e
onisciente, uma crença comum às grandes religiões monoteístas.
Os rabinos não ficaram nem um pouquinho satisfeitos com
as palavras do célebre irmão de raça, um orgulho para toda a
comunidade hebraica, mas peça destoante do judaísmo tradicional.
Decerto, havia um grave engano a ser corrigido e isto deveria ser
feito em tempo útil. Talvez tudo fosse fruto de um mal entendido
ou uma distorção inconsequente da mídia sempre sensacionalista. O
mui ortodoxo rabino Herbert Goldstein sentiu-se profundamente
decepcionado e resolveu ir mais além a fim de esclarecer a
inquietante situação de uma vez por todas. Enviou-lhe um
telegrama ultimato, inquirindo-o laconicamente no antigo estilo
grego: “Você acredita em Deus? Resposta paga – 50 palavras”.
Evidentemente, se o destinatário extrapolasse com uma palavrinha
a mais, a despesa correria toda por sua conta. Ora, a tradição

237
judaica ensina que “a economia é base da prosperidade”, polêmicas
à parte.
No entanto, sabia Einstein que “para um bom entendedor,
uma palavra basta”. Ele, precavidamente, não utilizou a metade
delas para dar-lhe uma conclusiva resposta: “Acredito no Deus de
Spinoza, que se revela na harmonia de tudo o que existe, não num
Deus atento ao destino e às ações de humanidade”. Evidentemente,
ele comungava o pensamento do holandês, Baruch Spinoza, o
famoso filósofo judeu defensor de um Deus sem personalidade
afetiva, insensível às vontades ou necessidades humanas e que se
manifestava apenas na harmonia ordenada do Cosmos. Como era
de se esperar, em sua época foi excomungado oficialmente por
rabinos pela ousadia de manifestar discrepante “heresia”. Segundo
a tradição, os sacerdotes sempre perseguiram os profetas.
Confundindo as coisas, não é de admirar-se que tenham
aproveitado a oportunidade para estender sua milenar ojeriza ao
nosso genial pensador. No Universo simplista de Spinoza milagres
deixam de fazer sentido e não há uma separação entre Deus e o
mundo visível. Deus confunde-se com a Natureza, em vez de
obrigatoriamente ser o seu Criador.
A religiosidade de Albert Einstein, segundo muitos
cientistas, seria o estágio de singular maturidade da religião. O
primeiro teria sido aquele do medo da fome, dos animais selvagens,
das doenças, das catástrofes e da morte. Um complexo de fatores
intimidadores que levaram o homem primitivo a criar um Deus
pessoal, sempre de prontidão para defendê-lo, desde que O
cultuassem fielmente, mediante orações, oferendas e, até mesmo,
sangrentos holocaustos, humanos ou não. Segundo outro raciocínio,
todo evento do mundo físico e toda causa pode ser descrita, mais
cedo ou tarde, pelas leis científicas. Trocando em miúdos: na
ordem que rege o cosmos não há espaço para o Deus bíblico. Ele é
uma infantil concessão humana ao chamado sobrenatural. Einstein
chegou a dizer: “os cientistas sérios são os únicos homens
profundamente religiosos”.
A tragédia do Holocausto perpetrado pelos nazistas seria
uma prova conclusiva da omissão ou não existência divina.
Lembremos que até a desesperada tentativa dos oficiais insurgentes

238
contra Hitler para assassiná-lo, mediante a explosão de um petardo,
fracassou. De modo decepcionante significou um fiasco de
conseqüências fatais. Façamos um flash back do episódio relativo
ao sensacional atentado. O jovem e corajoso tenente coronel Von
Stauffenberg decidiu, estranhamente, utilizar uma só carga de
dinamite quando havia duas à sua imediata e inteira disposição na
ocasião. Caberiam ambas perfeitamente em sua pasta de couro sem
despertar maiores suspeitas. Por que não pôs prudentemente as
duas dentro dela? Foi o primeiro erro lamentável.
Pelo menos a pasta foi colocada corretamente embaixo da
mesa, bem aos pés do ditador, mas foi afastada por um alto oficial
que se sentiu incomodado ao tocá-la com a perna e mudou a sua
posição para o lado oposto do robusto pé de mesa. Este mero ato
inadvertido de um “espírito de porco” histórico significou a
salvação de Hitler e o trágico fracasso do golpe militar, seguido de
execução ou suicídio dos seus infelizes participantes. Mesmo neste
acaso fortuito, duas cargas seriam letais, segundo laboriosa
reconstituição pós-guerra por especialistas e laudo abalizado sobre
seus destruidores efeitos.
Provavelmente, a morte de Hitler desestabilizaria a liderança
nazista e significaria a queda do regime, o fim da guerra com a
Alemanha e a salvação de milhões de prisioneiros que aguardavam
a morte inevitável nos infernais campos de concentração. Ora, onde
estava Iahveh que se omitiu por tão pouquinho? Por que não
influenciou o infeliz coronel a obter um retumbante sucesso que
salvaria a vida de milhões, principalmente as do povo escolhido por
Ele próprio? Bastariam duas cargas ou evitar a ação casual de um
cretino.
Olhando-se pelo outro lado de escudo, permanece a
impressão de que o Onipotente objetivava exatamente o contrário.
O estado de infernal desarmonia entre os humanos deveria
prolongar-se até chegar às derradeiras consequências para
evidenciar os terríveis erros do ditador de forma incontestável. O
povo alemão, culpado maior por ter-se deixado embalar pelo canto
de sereia do tresloucado “Messias” e endossado de corpo e alma as
suas maldades, não poderia atribuir jamais a sua derrota fragorosa
frente aos aliados a um punhado de “traidores”. “Se Hitler estivesse

239
vivo, de um jeito ou de outro, nós teríamos conquistado uma
esplêndida vitória”, ecoaria em eterno lamento. Por esse provável
motivo, a enorme perda de vidas humanas que poderia ter sido
poupada foi desconsiderada pelos desígnios divinos.
Há outro aspecto importante. O tratado de Versalhes redigido
em termos vingativos pelas potências vitoriosas impôs opressivo
ônus e desmoralizante humilhação à Alemanha derrotada,
originando as condições ideais para o surgimento do nazismo.
Algumas notáveis figuras da época chegaram a criticá-lo com
veemência antevendo funestas consequências futuras. Daí, vemos
que Hitler não despontou por acaso. Por isso, as nações europeias
arcavam com inegável parcela de culpa pela eclosão da 2ª Guerra
Mundial e deveriam, também, pagar pelo erro.
E quanto ao povo de “dura cerviz”? Ora, seria devedor de
antigos pecados, seguidor de uma religiosidade desvirtuada pelo
fanatismo, portador contumaz de incomensurável culpa coletiva a
ser resgatada para ensejar reflexão profunda e desejável
aperfeiçoamento espiritual. São meras conjecturas, mas tentativas
válidas para explicar o inexplicável. Caso contrário, não há um
Criador interagindo com suas criaturas, pelo menos segundo a
concepção dos povos do Livro.
Na verdade, Deus não se omite, mas espera que os humanos
se desenvolvam espiritualmente mercê de seus méritos próprios.
Ele não é o “Babá do Planeta Terra”, mas um Deus Multiversal. Há
infinitas dimensões com infinitos seres sob Seus cuidados. Os
alunos devem aprender mediante enganos e erros. Ele interfere com
discrição e somente nos momentos convenientes. Os pais não vão à
escola sentar-se ao lado do filho, ainda que sejam renomados
professores. Eles se limitam a orientá-los para que aprendam per si
mediante esforço pessoal.
A religião é um fenômeno cultural e desde a antiguidade
foram imaginados deuses poderosos capazes de favorecer a
sobrevivência do homem em fase tribal face ao ambiente hostil e,
particularmente, para defendê-lo dos inimigos eventuais de sua
própria espécie. Não foi diferente com os hebreus. Um Deus
nacional deveria conduzi-los ao sucesso terreno, algo que
aconteceu de maneira efêmera e precária. Na verdade, derrotas e

240
sofrimentos tornaram-se quase uma constante ao longo dos tempos,
desembocando finalmente no Holocausto e, de quebra, na guerra
contra os árabes que os consideram demônios em forma de gente.
Se pudessem, seus inimigos ferrenhos matariam todos os judeus ou
israelenses.
Infelizmente, houve um lamentável retrocesso histórico no
relacionamento entre muçulmanos e judeus. A idade de ouro do Islã
na Espanha, iniciada em 711, durou cerca de oito séculos. Judeus e
muçulmanos, durante este frutífero período de harmonia,
conviveram de modo satisfatório e ambos floresceram
engrandecendo-se mutuamente. As contribuições dos judeus foram
notáveis. Eram cortesãos e, inclusive, médicos, artesãos, joalheiros,
sem falar nas atividades comerciais em que se destacaram sempre
sobejamente. Extremamente identificados com o judaísmo,
desenvolveram sua própria linguagem, conhecida como ladino ou
judezmo. É uma escrita em caracteres romanos ou hebreus e baseia-
se numa mistura da língua hebraica com o espanhol. Entretanto, os
velhos associados de outrora viraram inimigos mortais em
caprichoso retrocesso histórico no século XX.
É interessante notar que um arcaico e exagerado espírito de
identificação nacional vai constantemente prejudicá-los, ao cercear-
lhes a convivência amigável com os demais povos. Igualmente,
ressalta o eterno sentimento de superioridade como “povo eleito”, o
único que se julga capaz de entender e ser fiel ipsi litre ao “seu”
Deus Único, o velho Iahveh bíblico. Devem desprezar eternamente
as “falsas” versões dos gentios e seguir a interpretação de rabinos,
considerados mestres infalíveis. Infelizmente, nos demais círculos
das variadas religiões costuma ocorrer algo parecido. São os
pretensos donos da verdade. Daí decorre a velha rixa entre os blá-
blá-blás , os bli-bli-blis e os blu-blu-blus.
O objetivo desses comentários é ensejar uma reflexão
construtiva visando o nosso bem comum. Visa demonstrar que cada
povo imagina seres divinos atuando dentro de sua cultura e
segundo as suas crenças tradicionais. Tal perspectiva conduz
frequentemente a enganos e erros calamitosos. Não estamos
dizendo que não existe um Criador ou um Senhor dos Universos ou
Multiverso. Constata-se, tão somente, que o Deus imaginado pelos

241
homens não exprime a Sua magnificente grandeza. Muito menos, o
modo como atua em relação à humanidade. O mistério resume-se
em várias questões transcendentais. Quem é o Criador ou quem é
Deus? Ambos se resumem na mesma coisa? Existem de fato? Qual
a relação entre a Divindade e os seres humanos? O que somos para
o Criador?Continuamos a viver depois da morte física? Existem
seres em outros planetas? O que representa o Universo para o
Criador ou Deus? Nosso Universo vai se extinguir? Existem outros
Universos ou Multiverso? Por que existe tudo? Como é e de que é
feito o Criador? Somos de fato seus filhos? Como surgiu Deus?
Conceituados rabinos, face ao imponderável da tragédia
judaica, viram-se diante de um grande desafio. Afinal, por que
cultuar tanto um Iahveh que se mantém alheio ao destino do seu
povo? A característica da religião é a fé e os sacerdotes são homens
de fé inabalável. A razão pouco lhes importa, já que lhes surge
irrelevante. A resposta do judaísmo foi culpar o próprio povo judeu
por não ter seguido fielmente os preceitos divinos.
Certamente, algum tipo de desobediência que não avultou
claramente deve ter ocorrido, concluíram consternados. Embora
constitua um mistério, não chega a ser um problema aos religiosos.
Ao contrário, se algo está muito claro e racional não cai em seu
agrado. Mil hipóteses foram formuladas para explicar o
inexplicável, porém nenhuma a contento. Talvez as 632 regras
talmúdicas tenham sido desrespeitadas pelos irreverentes. Alguns
inadvertidamente nadaram ou andaram de bicicleta durante o
sagrado Shabat. E as rigorosas prescrições alimentares? Descobriu-
se com temerosa perplexidade que muitos desobedientes
incorrigíveis comiam sanduíche de presunto e tomavam leite ao
mesmo tempo. Não se respeitava nem o regulamentar período de
seis horas de intervalo. Inclusive, o presunto é feito com a
proibitiva carne de porco. Outros se empanturravam a comer
gostosos camarões, infligindo outro importantíssimo tabu. E como
se fosse pouco, alguns irreverentes deliciaram-se tomando sopa de
tartaruga. Como vemos, atingiu-se o maximo maximorum do
desplante. Quão inimagináveis afrontas somavam-se contra os
céus!
Entretanto, existiu apenas uma que ocorreu há dois mil atrás

242
e que não foi lamentada por seguidas gerações. Não vamos insistir
relembrando-a outra vez. Já tratamos anteriormente do delicado
assunto. O misticismo oriental chama-o de carma, isto é, dívidas ou
recompensas espirituais de cada ser humano ao longo do tempo.
Algo semelhante a um curriculum vitae de boas e más ações de
cada indivíduo, ou melhor, de cada ser espiritual. É a maneira
divina de recompensar nossas virtudes e punir nossos erros, de
modo a induzir-nos ao caminho certo. A maldade carrega dentro de
si o germe do castigo que, cedo ou tarde, despontará e deverá ser
cumprido pelo pecador.
É interessante, nesta altura, fazer uma correlação com outras
tradições e culturas orientais de modo a evidenciar que as
calamidades ou insucessos humanos ao longo da história
normalmente são atribuídos à justiça ou ira divina, não importando
as particulares crenças religiosas dos povos. Vejamos um notável
episódio que teria importantes conseqüências históricas. Se não
houvesse ocorrido, provavelmente as Américas haveriam sido
colonizadas pelos chineses.
Na noite de maio de 1421 d.C. uma indescritível tempestade
desabou sobre a Cidade Proibida, a residência e sede do governo
imperial da China. Raios de proporções calamitosas atingiram o
magnífico e recém-construído palácio do imperador Zhu Di com
incrível violência. O fogo, com o poder de “cem mil tochas com
óleo e pavio” alastrou-se implacável por toda parte. A ala das
mulheres, a sala de audiência e 250 luxuosíssimos cômodos foram
destruídos. O próprio trono imperial ficou reduzido a um
insignificante montinho de cinzas, deixando Zhu Di traumatizado
diante da atemorizadora imagem.
Movido por intensa angústia, o “Filho do Céu” dirigiu-se ao
templo imperial, inclinou-se em respeitosa reverência e falou
compungido em humilde suplica:
“Oh, Deus do Céu, por que queimaste o meu belo palácio,
embora eu não tenha praticado nenhum ato mal. Não ofendi meu
pai, nem a minha mãe, nem me comportei tiranicamente com meus
súditos”.
“Uma desgraça nunca vem só”, diziam os antigos. O choque
diante da tragédia acabou matando a sua concubina favorita,

243
deixando-o mais inconsolável ainda. Acresceu ao infortúnio uma
séria crise econômica devido às despesas extraordinárias para
construção de uma frota formidável que antecedeu a dos ocidentais
na descoberta dos novos continentes, um fato somente agora
revelado ao mundo por Gavin Menzies, no surpreendente livro: O
ano em que a China descobriu o Mundo.
Os gastos conjuntos com tais empreendimentos
monumentais foram demais, mesmo para a riquíssima China. A
situação caótica foi agravada por uma terrível epidemia que assolou
o campo matando mais de 174000 camponeses. A fome passou a
rondar o interior do império continental. Parecia a implacável ira
dos deuses punindo o imperador por alguma ofensa misteriosa.
Imbuído de enorme sentimento de culpa, o “Imperador Sincero”,
fazendo jus ao seu título histórico, promulgou um singular edito ao
povo onde expunha com coragem e franqueza os terríveis males
que o afligiam até o cerne da alma:
“Meu coração está cheio de um medo que não sei como
enfrentar. Parece que houve algum desleixo nos rituais em honra do
Céu e homenagem aos espíritos. Talvez tenha havido alguma
transgressão da lei ancestral ou alguma perversão nos assuntos do
governo. Talvez homens vis ocupem cargos importantes, enquanto
os bons fogem e se escondem, e não se distingue mais o bem do
mal. Talvez os castigos e detenções tenham sido excessivos e
injustamente aplicados aos inocentes, e os justos confundidos com
os perversos... Teria sido isto que trouxe o fogo? Dureza com o
povo abaixo e acima, contrariando o Céu. Em minha confusão, não
consigo descobrir a razão... Se nossos atos até aqui foram
impróprios, deveis mencioná-los um por um, nada me escondendo,
de modo que possamos tentar nos reformar e voltar a merecer o
favor do Céu”.
Revela-se louvável o sentimento de justiça e sincera
humildade do grande imperador em sua comovente e corajosa
autocrítica. Na antiga China, a ética era ditada por antigos cultos
aos espíritos dos ancestrais, pelo taoísmo, confucionismo e
budismo. Havia, ao contrário do que se pensa no Ocidente, uma
percepção relevante do bem e do mal, flagrantemente revelada nas
palavras imperiais. Muitos chineses eram adeptos do budismo, uma

244
religião que prega o amor universal, a compaixão e a igualdade de
todos os seres. Isto seiscentos anos antes de Cristo. O taoísmo e o
confucionismo já recomendavam sabiamente a justiça individual e
social. Não é de estranhar-se que o respeito aos pais, aos súditos, a
prática correta da justiça fossem parâmetros enaltecidos no belo
auto de presumível culpa do notável imperador. Ele não se dirige
ao Deus Único da concepção judaica, mas ao Céu, outro símbolo
igualmente válido do poder divino. No final das contas, embora os
nomes do Ente Supremo sejam diferentes em cada cultura, o
valioso sentido comum é resguardado. O ser humano manifesta o
mesmo sentimento de religiosidade e comporta-se nessas situações
de modo semelhante.
Algo deu errado e originou uma tragédia. Decerto, a
harmonia desejável pela divindade em quem acreditavam piamente
foi quebrada pela insensatez da corte imperial. Infelizmente, as
formidáveis navegações chinesas, que antecederam às do Ocidente
nos anos de 1421 a 1424, foram abandonadas por causa da
destruição da Cidade Proibida, pois a corte imperial acreditou ter
despertado insensatamente a ira do Céu. A história passaria a ser
escrita daí em diante pelos países europeus. A sofisticada
civilização chinesa fechar-se-ia em torno de si mesma e hibernaria
no casulo do tempo ao longo dos séculos seguintes. Quando
despertou, verificaria desapontada que havia ficado para trás de
modo lastimável e deveria amargar sob o domínio das potências
ocidentais por causa da sua omissão histórica.
Fazendo um paralelo, as misérias recaídas sobre os judeus no
decorrer dos tempos sempre causaram um sentimento de
perplexidade sobre as suas misteriosas causas que sugerem uma
origem transcendental. Aos sacerdotes sempre coube conjecturar
quais ofensas ou afrontas ao Deus Único deram margem à justa
punição divina.
Os povos antigos praticavam holocaustos com vítimas,
escolhidas entre os inimigos capturados ou mesmo seus entes
queridos, até meninos ou meninas de tenra idade, senão recém-
nascidos. Não havia limites nos sacrifícios extremos para acalmar
os deuses. A seca, as más colheitas, as epidemias ou outras
calamidades incertas tinham como origem presumível o

245
descontentamento dos deuses devido a algum comportamento
impróprio, motivo de sua tempestiva ira contra os humanos.
Dentro desta visão mística, os grandes empreendimentos,
como as conquistas ou guerras, deviam ser antecedidos igualmente
por uma preliminar consulta aos poderes sobrenaturais. Era função
dos adivinhos ou oráculos, profetas, sacerdotes ou congêneres,
descobrir se havia uma prévia anuência das entidades celestiais.
Caso contrário, arriscavam-se a serem vítimas de sua má vontade e
qualquer projeto grandioso estaria destinado ao fracasso já no
berço. No Velho Testamento, os exércitos hebraicos lutavam com
denodo especial quando os líderes acreditavam piamente que o
Deus Único havia-lhes entregue antecipadamente o inimigo em
suas mãos.

CAPÍTULO 27

A FÉ E A RAZÃO

Com o advento do Iluminismo, um ponto de inflexão sensato

246
aos excessos do fanatismo religioso, surgiu uma visão
esclarecedora onde a razão devia ser levada em conta e não
desprezada. A religiosidade perversamente desvirtuada de cunho
medieval não poderia mais ser parâmetro único de uma conduta
humana perdida em desvarios “teológicos”. Surge a ciência
moderna propondo uma bem vinda visão humanística para livrar o
homem da ignorância camuflada nos hábitos dos religiosos
seculares. Apesar da justa desilusão com o comportamento
reprovável destes, alguns homens notáveis da ciência não
descartaram uma visão holística esclarecida, aquela que une a razão
e a fé. Cabe à metafísica ir desvendando em sequência interminável
como a Inteligência Cósmica manifesta-se em todo Multiverso.
Um exemplo notável foi Isaac Newton. Ele foi um cientista
completo que se mostrou capaz de visualizar a união do céu e da
terra como sublime espelho da harmonia divina. O escudo pode ser
de prata em uma face e na outra de ouro. Igualmente, uma moeda,
embora mostre duas faces, cara e coroa, não deixa de ser única.
Newton pronunciou-se sobre o Senhor dos Universos de maneira
ampla e profunda a exigir interpretação à altura de sua genialidade
ímpar. Vejamos:
“Da sua soberania resulta que o Deus verdadeiro é um ser
real com inteligência e poder infinitos. E de suas divinas perfeições
que Ele é supremo ou absolutamente perfeito. Ele é eterno e
infinito, onipresente e onisciente, ou seja, sua duração perdura da
eternidade para eternidade, sua presença, do infinito para o infinito,
Ele governa todas as coisas, e sabe tudo o que é ou pode ser feito.
Ele não é eternidade ou infinidade, mas eterno e infinito, Ele não é
duração ou espaço, mas dura e está presente”.
“Ele é onipresente, não só virtualmente, mas também
substancialmente, pois a virtude não pode subsistir sem a
substância. Nele, todas as coisas estão contidas e se movem,
entretanto uma não afeta a outra. Deus nada sofre com o
movimento dos corpos, pois os corpos não encontram resistência na
onipresença de Deus. É admitido por todos que o Deus Supremo
existe necessariamente e pela mesma necessidade existe em toda
parte. Donde também é todo infindável, todo olho, todo ouvido,
todo cérebro, todo braço, todo poder de percepção para

247
compreender e agir, mas de maneira não humana, não corpórea: de
maneira absolutamente desconhecida para nós”.
Vemos descritas com inigualável clareza as condições que o
Todo Poderoso possui para exercer de modo completo sua
infindável plenitude divina. Infinito, onipresente, onisciente, eterno
são apenas algumas delas. É elucidativa a observação de que não
existe virtualmente, mas substancialmente. O sábio aborda um
aspecto que passa despercebido àqueles alheios ao pensamento
científico - Deus é substância, é algo, não um fantasma, um
delirante fruto da imaginação humana, criado apenas para que se
possa clamar por socorro em nosso desespero existencial. “Deus é
Espírito”, definiu em caráter definitivo o Filho de Deus. Tudo
aponta na mesma direção, não importa com quais palavras.
Traduzindo sob a perspectiva da ciência atual: “Deus é a Energia
Vital ou Essencial do Multiverso”. Como corolário, diríamos
igualmente: “É o somatório, o conjunto de toda energia criativa
existente”.
Fora de Deus nada existe. E sabemos que se manifesta de
inumeráveis maneiras, sendo uma delas através da matéria, a
energia condensada de nosso Universo. Estamos localizados num
pontinho aparentemente perdido do espaço sideral. Nele vivemos
fazendo parte de um cosmos infindável. Este nós podemos percebê-
lo tangivelmente até certos limites, mas é-nos vedado o acesso às
demais dimensões do Multiverso, enquanto estivermos em nosso
planeta.
Nós somos constituídos de uma parte visível e outra invisível
aos nossos cinco sentidos. Em suma, somos seres espirituais
vivenciando uma existência transitória na dimensão da matéria.
Nascemos, vivemos e morremos, pois são as condições naturais da
existência carnal. Temos dois componentes: o corpo físico, pelo
qual participamos da natureza animal, e a alma, pela qual
participamos da natureza imaterial. A imortalidade decorre da
natureza espiritual - uma partícula, faísca, centelha, gota d’água,
microenergia ou qualquer outro nome coerente, oriunda do Espírito
Todo Poderoso que abrange tudo e todos. Somos parte de Deus,
uma consciência individual que não se dissipa, permanece em
múltiplas vidas terrenas até atingir a evolução necessária ao

248
ingresso em outras dimensões superiores. Em derradeira etapa,
volveremos a Deus - Origem de onde viemos.
Por que existe o Universo material? Somente para servir de
meio à evolução espiritual que subtende dois aspectos essenciais:
amor e conhecimento. Em resumo, a universidade representada
pela Terra concede a valiosa oportunidade de nos tornarmos sábios
com plena capacidade de amar. Ora, mas quem são os mestres? A
própria vida apresenta-nos inumeráveis mestres. Nossos pais,
professores, amigos, companheiros e até, por incrível que pareça,
os nossos inimigos, contribuem para nosso aprimoramento, pois
toda experiência é válida. A vida lança-nos em situações as mais
diversas e difíceis para testar nosso esforço e talento. Ela nos
peneira para livrar-nos das impurezas. Do jardim de infância
passamos á alfabetização. Depois aos graus de ensino sucessivos na
escola da vida. Algo como ensino fundamental, médio, superior,
Mestrado, PhD e mais aperfeiçoamentos sem conta que nos
aguardam. Além dos mestres do cotidiano, recebemos a visita
inspiradora dos Avatares. São seres espirituais em nível altíssimo
que nos apontam o caminho correto a ser seguido. Cristo, Buda,
Lao Tsé, Confúcio, Zoroastro, Ghandi, Martin Luther, Madre
Tereza e outros foram exemplos admiráveis a legar-nos
graciosamente paradigmas ideais de conduta. Deus manifesta-se
através deles. No caso de Jesus Cristo, em Verdadeira Grandeza.
No entanto, nosso saber é limitado enquanto o Criador é
Infinito em todos os aspectos. Ele é tudo - o imaginável e o
inimaginável, o alfa e o ômega. O estado de caos aparente em que
vive a humanidade representa uma simples fase transitória na nossa
transcendental caminhada em cumprimento aos desígnios de Deus
que nos aguarda até volvermos a Ele, pois é um paciente Senhor do
Tempo. Tudo ocorre no momento certo. Diríamos que escreve certo
por linhas tortas e daí decorre a nossa dificuldade em entendê-Lo.
Muitos questionam o modo do Ser Supremo conduzir os
negócios do espírito e da matéria devido ao estado de desarmonia
caótica reinante na nossa nave espacial - o planeta Terra. Alguns,
de mente excepcionalmente brilhante, legaram-nos críticas
curiosas. Oscar Wilde, o talentoso dramaturgo e escritor inglês,
autor do inesquecível romance Retrato de Dorian Gray, granjeou

249
fama e invejável posição social na época vitoriana, mas curtiu
alguns amargos anos na cadeia por ter-se envolvido em trágico
escândalo sexual com um jovem da nobreza. A justiça inglesa,
situada altivamente sobre um pedestal de preconceitos, puniu-o
com perversa severidade. Foi condenado a oito anos de reclusão em
encarceramento que incluía rudes trabalhos forçados. Sem dúvidas,
vivenciou drasticamente a falibilidade chocante do ser humano. Por
isso, desabafou desencantado: “Ao criar o homem, Deus
superestimou a Sua capacidade”.
Assim, tornou-se comum uma crítica inconformada daqueles
que pensam colocar a perfeição e felicidade humana como
condições sine qua non para a existência do Criador. Se existe um
Criador Onipotente, como explicar a nossa imperfeição. E o que
dizer das trágicas calamidades que afligem o homo sapiens desde
os alvores da história? Certamente, não foi por causa do trio
primordial do Gênesis, uma bela metáfora, mas que não passa disto.
Nela, imagina-se uma suposta intenção divina de dar margem à
perfeição, mas estabelecendo a priori uma condição insuperável ao
casal original. Este se vê desafiado a vencer a armadilha lançada
por Iahveh, o seu Criador. A onisciência divina obviamente
permitia saber de antemão o desenlace fatídico da disputa. Adão,
Eva e Serpente falante não teriam a mínima chance. Iriam servir de
bode expiatório para preservar o conceito humano da infalibilidade
de um Criador “mui amigo, pero ni tanto”.
Como a perfeição absoluta pode dar margem a qualquer
imperfeição? É uma pergunta válida. O Gênesis responde com
aparente coerência. De qualquer maneira, os narradores hebraicos
da Torá foram geniais, pois deram o melhor de si e da forma mais
talentosa possível. No entanto, estamos situados alguns milhares de
anos à frente e donos de conhecimentos mais atualizados. Então,
podemos apresentar uma explicação que se aproxima da verdade.
Deus se confunde com a própria Razão. “Ele”, antes de tudo,
não é uma pessoa. Deus é Espírito, mas não um ser localizado. É
uma Energia Criadora que ocupa todo Multiverso. Fora dele, nada
existe, lembremo-nos disto. Por que o Todo Poderoso não nos fez
perfeitos como se supõe seja Ele próprio? Como a imperfeição
pode originar da perfeição? A título de resposta, vamos acrescentar

250
à narrativa do Artista Divino, constante do capítulo 6, outro conto
que conduz à idêntica conclusão:
Em Viena havia um médico sábio e de reconhecida
competência. Ele era venerado por todos os citadinos, mercê de
notória capacidade profissional, conduta ilibada e prestimosa
atenção aos seus pacientes. Todavia, não tinha nem um filho, o seu
grande desejo não realizado, embora fosse casado há vários anos.
Imaginava em seus devaneios como seria plenamente feliz se
tivesse um herdeiro médico, possuidor de enorme talento e
conhecimento, a maneira perfeita de ver-se perpetuado e retratado
diariamente.
Apesar do sucesso profissional e ter uma esposa
maravilhosa, vivia desiludido, matutando amargamente sobre sua
única, mas angustiante frustração. Um dia, quando estava triste e
solitário em um canto, surgiu-lhe um anjo reluzente. O Ser de Luz
revelou-lhe que estava ali para satisfazer o seu grande sonho
irrealizado, tornado uma obsessão tão grande que havia
sensibilizado os céus. Afinal, era o momento de manifestar o desejo
acalentado há tanto tempo. Bastava pedir e seria atendido. Na
verdade, seria suficiente pensar a respeito, pois o ente celestial
traduziria fielmente a sua vontade. O médico logo se imaginou ao
lado de um filho jovem, mas homem feito. Viu em sua mente
ambos realizando pesquisas médicas avançadas para aquele tempo,
alguns séculos atrás. Ele era um homem estudioso e como dedicado
cientista sempre tentava descobrir um remédio novo capaz de
mitigar o sofrimento alheio. Em resumo, um filho perfeito, o retrato
fiel e ideal de si mesmo, era o que mais desejou naquele instante.
Seria como um maravilhoso clone de si mesmo.
Quando retornou ao lar, contou à sua querida consorte todos
os incríveis lances da fantástica aparição, mas ambos criaram em
suas mentes ideias diferentes. Ela, cheia de esfuziante alegria
imaginou-se prestes a engravidar de um lindo bebê. Já se via
amamentando e cuidando de suas fraldas. E não importando os
eventuais dissabores, iria acompanhá-lo carinhosamente da infância
à adolescência, até a fase adulta. Nem se preocupava em saber qual
seria a sua profissão futura, almejava somente fazê-lo feliz. Em
suma, queria curtir desde o berço um filho enviado pelos céus. Ele,

251
todavia, era um homem extremamente prático, e jamais pensara
num bebê sorridente, quanto mais chorando e sujando fraldas. Na
verdade, aguardava ansiosamente um companheiro de profissão.
Infância, adolescência, essas fases normais do ser humano nem lhe
passaram pela cabeça.
Em um belo dia, alguém lhe bateu à porta e foi atender. Já
havia até se esquecido naquele instante do anjo, pensando que tudo
não tivesse passado de um sonho ilusório. Ora, seria bom demais
para ser realidade. Ao abri-la, viu-se diante de um homem vestido
com apurada elegância e belo sorriso. Sentiu estar refletido naquele
rapaz que se assemelhava muitíssimo com ele próprio quando
jovem. Ficou bastante surpreso, embora o estranho despertasse
imediata simpatia. Pareceu-lhe mesmo alguém extremamente
familiar, como se o conhecesse há longos anos. Amavelmente,
perguntou-lhe quem era e o que queria. As suas palavras quase o
fizeram desmaiar.
“Sou seu filho, um ser perfeito, além de médico com
invejável conhecimento da profissão. Estou aqui para servir-lhe de
fiel companhia, exatamente como o senhor, meu amado pai, pediu
ao anjo celestial. Os céus me enviaram para satisfazer o seu grande
sonho. Fico igualmente feliz por poder realizá-lo pessoalmente.
Estou à sua inteira disposição”.
O doutor ficou atônito. Precisou de alguns segundos para
recompor-se, embora reconhecesse que tudo ocorria segundo os
seus mais sinceros desejos. Subitamente, deu-se conta de que sua
esposa, talvez estivesse esperando algo “ligeiramente” diferente.
Veio-lhe à mente que vivia comentando com as amigas sobre o
enxoval de neném, roupinhas, brinquedinhos, etc. Não lhe deu a
devida atenção, pois era um homem profundamente dedicado ao
trabalho. Certos pormenores irrelevantes, senão fúteis, lhe
escapavam facilmente. Após ligeira hesitação, pediu ao cavalheiro,
o seu próprio “filho”, para sentar-se um momento, pois queria
apresentar-lhe à (...?). Na verdade, ficou embaraçado e meio mudo.
Não sabia se dizia: à minha esposa ou “à sua mãe”.
Ela, da sala de jantar, viu-o atender solícito o cavalheiro.
Curiosa, perguntou-lhe quem era aquele jovem desconhecido que
lembrava o próprio marido quando ainda eram noivos. Pareceu-lhe

252
à primeira vista ser um colega do seu amado esposo. Por isto, com
os olhos a cintilar de contentamento, comentou:
“Não me lembro deste jovem médico, embora pareça ser um
amigo seu. É um antigo aluno? Já sei, ele vai cuidar do meu parto
em breve. Você pensa em tudo, não é querido? É por isto que te
amo. Seremos os pais mais felizes do mundo!”
O nosso doutor empalideceu. Apercebeu-se num piscar de
olhos do lamentável equívoco cometido por ele próprio. Ele havia
se portado de maneira ingênua e egoísta. Imaginara um filho
homem feito, um parceiro de trabalho, um sócio nas lides diárias.
Assim, ficaria dispensado da responsabilidade paternal de criar um
rebento sem saber exatamente como seria no futuro. Temia de
antemão os riscos de uma sorte fortuita ou ingrata. Homem ou
mulher, bom ou mau, trabalhador ou indolente, médico ou soldado,
santo ou criminoso? Seriam problemas que poderiam advir no
futuro, mas não havia como evitá-los. O mérito consistia em
enfrentá-los junto com sua amada esposa. Em um átimo revelador
enxergou claramente a beleza da condição humana, apesar dos
pesares inerentes à incerteza do destino. Então, com grande
presença de espírito, limitou-se a dizer:
“Sim, você acertou, querida. Infelizmente, meu dileto colega
se escusou revelando-me que está de viagem para uma cidade
distante daqui. Não se preocupe, arranjarei outro médico, se eu
mesmo não cuidar do seu parto.”
Ela ficou satisfeita com as palavras do marido. A esta altura,
o parteiro era uma figura secundária. O bebê era o protagonista
único e principal. Aliviado, ele retornou ao “filho” e pediu sentidas
desculpas, esforçando-se por conter as lágrimas:
“Por misericórdia, diga ao Anjo Celestial que estou
profundamente agradecido. Não obstante, reconheço que me
enganei redondamente ao imaginar uma situação artificial contra o
mínimo de bom senso. Se os céus perdoarem meu grave erro, diga-
Lhe, meu filho, que te aguardo de forma natural e jamais tentarei
impor qualquer desejo vão de minha parte”.
Passadas algumas semanas, a sua mulher, numa explosão de
euforia, anunciou-lhe para felicidade geral: “Estou grávida!”
Moral da estória: Os pais verdadeiros, apesar de todos os

253
revezes sempre amarão seus filhos. Eles se deleitarão no prazer e
na árdua responsabilidade de criá-los. Do mesmo modo, o Pai
Celestial cuida de nós, espalhados pelo Universo, desde o “berço”
até a maturidade espiritual e jamais nos abandonará. Ele enseja
filhos imperfeitos para permitir que se tornem perfeitos pelo
próprio mérito. Não Lhe importa quanto tempo vai-se levar para
atingir tal objetivo. Eles são seus filhos diletos na eterna caminhada
da Vida. Certamente, as incontáveis experiências em n dimensões
ensejarão individualidades únicas, plenas de amor e conhecimento.

CAPÍTULO 28

DEUS - ESPÍRITO INFINITO

254
A grande dificuldade do ser humano é entender a ideia de
haver um Ser Supremo e compreender a relação deste Criador
Infinito com suas criaturas. No entanto, uma sugestiva fábula
contada por sábios filósofos da Grécia antiga, os pais da Lógica,
pode esclarecer a interação do Pai Celestial com seus filhos
terrenos:
Em certa ocasião, os habitantes do Oceano Sem Fim viram-
se deveras alarmados. Toda a confusão surgiu em decorrência de
boatos propagados por alguns sábios ou sabichões. Eram eles: uma
sábia tartaruga bem idosa, um bem vivido peixe voador pra lá de
viajado e um velho polvo resmungão com fama de filósofo.
Visando dar um fim à enorme celeuma, decidiram reunir-se em
sessão extraordinária para esclarecer de uma vez por todas o
transcendental assunto. Dela deveria sair uma resposta conclusiva
sobre a intrigante questão. Na verdade, antiqüíssima, mas que
nunca havia se apresentado tão emocional e despertado tanta
curiosidade naquelas águas tranquilas.
Deveria merecer algum crédito a idéia absurda sobre a
existência de uma entidade máxima chamada “Deus Oceano”, um
“Deus Único” das Profundezas que ninguém percebia? Alguns
declaravam que este Soberano Supremo seria o Criador de toda
vida marinha e dele dependiam todos. Sem Ele, todos morreriam
asfixiados ou de inanição. Urgia rogar-Lhe todos os dias por Sua
benevolência para garantir a felicidade geral no mundo dos peixes,
algas, caranguejos, camarões, golfinhos, em suma, de todos os
seres subaquáticos.
Iniciada solenemente a memorável sessão, um temido
tubarão, notório valentão de aspecto nada tranqüilizador,
afoitamente decidiu pronunciar-se. Para falar a verdade, haviam-lhe
advertido de antemão que contivesse o seu voraz apetite, senão
incontida gula, pelo menos em respeito à singular ocasião, único
modo de salvaguardar a preciosa vida dos pares presentes. Cheio de
empáfia, ele partiu numa tempestiva contestação:
“Não acredito que exista um Deus Oceano! Já percorri todas
as profundezas, caçando aqui, ali e acolá, e nunca me deparei com

255
este ser fantasioso que Dona Tartaruga, o Peixe Voador e o Polvo
Sábio vivem alardeando, embora eu lhes conceda merecido
respeito. Quem é este gaiato metido à besta que não aparece em
nenhum lugar? Eu só acredito se o ver, cara a cara, e ponto final! E
mais, não vou fugir com minhas barbatanas abaixadas, não, eu vou
enfrentá-Lo peixe a peixe! Não é à-toa que a galera me alcunhou de
Tubarão Valente”.
Dona Tartaruga, sem perder a paciência diante de tanta
fanfarronice, contra-argumentou com costumeira ponderação:
“Concordo que nunca ninguém O viu, mas temos notícias
oriundas de fontes bem informadas sobre a Sua existência. Tudo
depende d’Ele e sem Ele não estaríamos agora aqui discutindo. No
principio relutei bastante, pois estava mergulhada em profundo
ceticismo. No entanto, depois de longas e profundas meditações,
cheguei serenamente à mesmíssima conclusão do Peixe Voador e
do Polvo Sábio. Não há qualquer dúvida de que este Ser Supremo -
o Oceano Sem Fim – existe e é a origem de todas as coisas. Sem
Ele, nada faz sentido para nós todos”.
O Polvo Sábio era conhecido por sua lendária sapiência e
prudência. Basta dizer que o Tubarão valentão rendia-lhe particular
veneração. Adorava ouvir as suas sábias preleções tão atentamente
que até se esquecia de estar diante de uma suculenta refeição. O
Polvo e o Peixe Voador concordaram com Dona Tartaruga em
gênero, número e grau. A existência do Deus Oceano era
incontestável, não importa que não fosse tangível aos seres
aquáticos.
A plateia, cheia de espanto, dividia-se entre as opiniões prós
e contras. Era como se estivesse eletrizada naquele momento
crucial. Muitos se solidarizaram com o tubarão incrédulo, apesar de
não lhe renderem simpatia. Afinal, era um detestável predador. Já
havia se banqueteado com os parentes de alguns deles. O ambiente
foi ficando intensamente tumultuado e, como se não bastasse, o
Peixe Voador assomou à tribuna e lançou outra surpreendente e
incrível declaração que tirou o oxigênio de quase todos. A delicada
Dona Golfinho, grávida de um lindo neném, chegou a desfalecer.
Eis a transcrição fiel de suas palavras:
“Nunca quis dar conhecimento ao mundo marinho de um

256
segredo que guardo comigo há muito tempo. Sempre temi causar
um espanto geral e até sofrer possíveis repressões daqueles
ortodoxos que odeiam novas idéias, mas vou fazê-lo agora diante
desta seleta audiência. Existe um desconhecido mundo habitado por
monstros terríveis que se comprazem em matar-nos para comer,
mal sentem a nossa presença! Nós descobrimos esta dimensão
incrível quando fomos obrigados a voar para fugir dos tubarões
famintos. Então, nos deparamos, subitamente, com um lugar tão
apavorante que nos arranca arrepios!”.
Foi demais a bombástica revelação. Se já não houvesse uma
transbordante excitação geral provocada pela interminável
discussão sobre a existência ou não do Deus Oceano, a notícia de
haver outro mundo habitado fez a maioria quase sair de órbita. A
turma da incredulidade cega logo explodiu em veemente refutação.
Os corais, ostras, mexilhões e lagostas das profundezas protestaram
em uníssono. Aliás, alguns deles muito se orgulhavam de ter uma
“mentalidade científica”:
“Mentira! Não acreditamos nesta falácia inventada pelos
peixes voadores. São uns mentirosos. Nenhum de nós viu estes
seres mirabolantes! Nós preferimos encarar tudo com seriedade. É
sabido que somos amantes da ciência e só aceitamos a realidade.
Não vamos atrás de lendas infantis. Essa crendice só existe na
cabeça de ingênuos e ignorantes!”.
Uma considerável fração dos seres marinhos apoiou-os de
imediato. Eles desconheciam de fato a existência de outro mundo
habitado e, por puro egocentrismo, a revelação de outra vida
surgia-lhes como imperdoável desafio à sua suprema importância.
Eles eram os únicos protagonistas de um mundo tangível. Jamais
iriam dar credito aos peixes voadores, uma minoria ínfima de
conhecidos tagarelas. Na verdade, achavam-nos uns deslavados
mentirosos. Nem entendiam porque viviam dizendo que “voavam”.
O que significava de fato - “voar”? A maioria dos seres aquáticos
considerava-se os únicos seres viventes. Não queria nem saber de
novidades bizarras que lhe perturbassem a valiosa tranqüilidade.
Realizada a votação final, o mundo aquático mostrou-se
dividido e assim permanece até hoje. Uns acreditam no Deus
Oceano, deduzindo que sem Ele não haveria vida. E, também, num

257
outro mundo habitado por outros seres diferentes. Os demais
acharam ambas as idéias duvidosas e, cá entre nós, uma tremenda
besteira. Sobrevivem há milênios sem precisar do tal “Deus”,
preferindo também pensar que são os únicos seres vivos. Ora, tudo
não passava de invencionices irrelevantes de algumas mentes
fantasiosas! Como dar crédito a tão grandioso Ser eternamente
invisível a todos os peixes? Quanto mais acreditar em um ilusório
mundo desconhecido e aterrador!
Conclusão: Na dimensão do nosso universo tangível
acontece algo semelhante. Não vemos Deus em nenhum momento,
embora a cada segundo tudo o que nos rodeia indica a sua
existência. Não vemos o Autor das infindáveis obras que a
Natureza nos apresenta aqui, ali e acolá. Seja uma simples flor,
uma formiga, as árvores, os céus, em suma, uma natureza
prodigiosa, belíssima, cativante e sem fim. A inteligência
verdadeira choca a incredulidade ingênua. Se alguém ficar diante
de um simples quadro de algum artista, famoso ou não, mesmo que
desconheça o autor, vai afirmar que alguém o pintou. Uma obra
implica, obviamente, na existência de um criador. Na verdade, a
Natureza que se apresenta na dimensão da matéria é apenas uma
das infinitas manifestações do Ser Supremo. Existem outras
incontáveis dimensões e inúmeros mundos habitados. Exatamente
como revelou o Filho de Deus: “Na casa de meu Pai há várias
moradas”.
Ora, os habitantes do Deus Oceano não O vêem embora
estejam mergulhados nele, rodeados por Ele e O têm dentro de si,
já que a água de seus corpos origina-se Dele. Evidentemente, nessa
bela metáfora, os seres marítimos não dispõem de conhecimentos
básicos para separar a realidade da fantasia. Assim, trocam uma
pela outra. Vivenciam um delírio ingênuo, trocando o real por uma
percepção ilusória. E, por incrível que pareça, é exatamente o que
acontece conosco, os seres “inteligentes” do planeta Terra.
Temos Deus dentro de nós, o nosso espírito imortal, nossa
consciência, nós mesmos na verdade. Não foi por acaso que o
Mestre dos mestres, Jesus Cristo, disse que “O reino de Deus está
dentro de nós”. O corpo animal é efêmero, transitório. “Depois de
valioso uso para nada serve”. O Ser Supremo envolve-nos, estamos

258
mergulhados Nele. Você se move dentro Dele. Ele é o alento, é o
anima de toda a vida no Multiverso. Todos nós viemos Dele e
voltaremos a Ele. No entanto, perguntamos intrigados: Quem é
Ele? Onde está Ele. Resumindo, Ele é Tudo e está em todo lugar.
Essencialmente Espírito - a Energia Divina Inteligente - manifesta-
se através de vários tipos de energia no Multiverso. Talvez
possamos dizer por extensão de raciocínio que a dimensão da
matéria, os infindáveis mundos habitados ou não, sejam o “corpo
físico de Deus”.
O Universo material é perecível e um dia deixará de existir
na forma presente. Toda matéria tem início, duração e fim.
Somente espíritos vindos do Grande Espírito perduram. Os mundos
tangíveis aos mortais servem de escolas para permitir futuramente
um desfrute indizível nas dimensões que não conseguem perceber -
as etéreas. Daqui a alguns bilhões de anos o nosso Universo
desaparecerá. Nada alarmante. Outros surgem e desaparecem
através do cosmos. Os seres de luz, anjos, espíritos evoluídos ou
qualquer outra sinonímia, não importa, seguem sua gloriosa
trajetória em obediência aos desígnios traçados pelo Espírito
Eterno. Eles ajudam o Criador a governar o Multiverso.
A existência da Energia Multiversal confunde-se com toda
energia em suas infinitas manifestações. “Deus” é apenas uma
palavra, pois nenhuma pode descrever Aquele que se intitula no
Velho Testamento - “Sou o que sou”. Veja bem, não se trata de
uma pessoa em qualquer hipótese. É o Espírito Infinito Multiversal.
Em termos de conhecimento científico da física atual seria o
somatório de toda energia espiritual criativa. Na elucidativa
linguagem da matemática moderna seria o Conjunto
Transcendental Cósmico que gera, contém e controla tudo e todos,
sem exceção.
Muito se fala a Seu respeito e, surpreendentemente, todas as
opiniões são parcialmente corretas. E o caso da lenda dos dois
valentes cavaleiros medievais e do magnífico escudo de ouro e
prata. Ambos consideravam-se certos, já que cada um via somente
um de seus lados. Imaginemos não um escudo, mas um poliedro de
infinitas faces inscrito numa esfera incomensurável. Surgirão
visões incontáveis, conforme a posição do observador.

259
Citemos algumas esclarecedoras opiniões de mentes
brilhantes das mais diversas áreas do conhecimento humano:
Mahatma Gandhi (1869-1948), líder político e espiritual
indiano. O homem que conseguiu libertar a Índia do jugo britânico
por meio do admirável uso da não violência. Ele praticou um
cristianismo vivo para servir de exemplo ao mundo, em particular
àqueles que se julgam cristãos, mas apenas superficialmente. Ele
foi um advogado indiano de elevadíssima espiritualidade que
entrou em consonância com Jesus Cristo: “Se te baterem em uma
face, oferece a outra”. O mal, obviamente, somente será vencido
pela prática do bem. A maldade humana não pode ser vencida pelo
ódio, à ponta de faca, mediante forca, cadeira elétrica, câmara de
gás, injeção letal, tiros de revólver, metralhadoras ou canhões.
Fazendo jus ao merecido título, o Mahatma afirmou que
“Deus não tem religião”. Ghandi foi criado desde criança no
hinduísmo, mas confraternizou cedo com o janaísmo e o islamismo.
Posteriormente, assimilando in totum na fase adulta as palavras de
Cristo, tornou-se um dos poucos que as vivenciou com a abnegada
fé dos santos. O adepto de uma religião em grau de Mestre
verdadeiro situa-se próximo a Deus e se qualifica a vislumbrar com
altivez os círculos religiosos onde se acham aqueles alunos do abc,
ainda carentes.
Traduzindo-se, a religião valiosa não se resume a um círculo
de fanáticos em que todos vivem presos a regras ou crenças
duvidosas, destinadas a separar a priori, os seres humanos uns dos
outros e colocá-los sob a tutela ominosa de sacerdotes dominadores
ou autoritários. É a contumaz prisão sem grades da religiosidade
quando desvirtuada de sua mais nobre finalidade. Ela tem o dever,
isto sim, de criar uma corrente viva de amor ou compaixão, a
envolver todos em verdadeira fraternidade. É um meio e não um
fim. Jamais uma fábrica de ódios e incompreensões! Nos céus não
existem igrejas, templos e nem religiões. Um suposto “Deus
Único” não está sentado num mirabolante trono dourado, cravejado
de ouro e pedras preciosas, e encimado pela bandeira nacional de
algum país especial.
Vejam só a que ponto pode descer a mesquinhez humana!
Gandhi foi assassinado por um indiano revoltado porque tratava os

260
muçulmanos com equidade, justiça e bondade, visando manter a
sua amada Índia unida, não lhe importando a mera crença de seus
concidadãos. A separação da Índia do Paquistão foi um exemplo
lastimável do mau uso do conceito de religião, uma aberração
odienta e odiosa voltada contra o ser humano. Um país de
riquíssima tradição milenar, formado por hindus e muçulmanos,
simplesmente bipartiu-se porque os seus habitantes comungavam
crenças distintas. Um episódio triste da história político religiosa de
uma civilização magnífica que perdeu a oportunidade de dar um
edificante exemplo de sábia tolerância e convivência fraternal a um
mundo delas carente.
Madre Tereza de Calcutá, de modo semelhante ao de
Ghandi, defendia o respeito à independência individual da fé e
mostrava-se totalmente isenta de preconceitos retrógrados. Por
definição, quem discrimina afasta-se de Cristo, cuja família inclui a
humanidade sem exceção. Madre Tereza provou ser uma santa
inconteste por natural indicação dos céus ao propor um cristianismo
atuante e desprendido, dedicando-se de corpo e alma à abnegada
missão de ajudar os carentes. Não lhe importava crenças ou origens
culturais, mas simplesmente agir em prol do ser humano - corpo e
espírito. Ela sabiamente dizia: “O importante é ajudar um hindu a
tornar-se um hindu melhor, um muçulmano a tornar-se um
muçulmano melhor e um católico a se tornar um católico melhor”.
Em suma, não é a religião em si o objetivo, embora se resuma à
valiosa ferramenta para permitir a evolução espiritual quando
conduz os homens a amarem seus semelhantes. É a condição
preliminar para amar a Deus.
Friedrich Nietzche (1844-1900), notável e controvertido
filósofo alemão, declarou: “O homem em seu orgulho criou Deus à
sua imagem e semelhança”. Nietzche foi considerado um ateu, mas
sua descrença derivava de profunda desilusão ante a hipocrisia de
religiões incapazes de cumprir os seus nobres fins. Suas palavras
traduzem uma amarga verdade. Todas as religiões, talvez com
exceção do espiritualizado budismo, criaram um Deus que se
ajustasse ao egocentrismo do ser humano. Um Deus a ser
obedecido às avessas - “venha tudo a nós”, e “nada ao vosso
reino”.

261
Iahveh, o Deus judaico ciumento e vingativo inicia sua
bizarra carreira levando Moisés a sacrificar mais vítimas hebraicas
do que qualquer deus rival. Elias, o seu fiel profeta, dá seqüência à
idêntica crueldade: “O deus dos gentios se chama Baal? Então,
vamos matar todos os adoradores de Baal”. Ora, não seria Baal o
mesmo Ser Supremo com outro nome, já que nenhuma palavra é
capaz de descrevê-Lo? Na realidade, o Velho Testamento apresenta
duas faces opostas – a do mal e a do bem. Na primeira, a terrena,
tudo se resume em contendas sanguinárias de povos tribais em fase
espiritual primária. A força bruta e o egoísmo prevalecem. Na
outra, a divina, através de profetas inspirados, de modo sublime
revela-se a verdadeira vontade dos céus que ensina a adoção de
comportamento justo, reto e, acima de tudo, amoroso com o
próximo.
As igrejas “cristãs” cometeram cinicamente ao longo dos
séculos os maiores desatinos em nome de Deus. A religião
sufocada pela hipocrisia não foi capaz de erradicar as guerras. Em
extrema contradição, dedicou-se a promovê-las, prevalecendo
sempre contumaz paixão pelos interesses mundanos em vez do bem
comum. O judaísmo arcaico estava preso a uma religiosidade
restrita e de insípida espiritualidade, o grande mal das três religiões
do Livro. Isto ocorre por causa de um exacerbado fanatismo e
precário amor a Deus ou ao próximo, porque ambos se confundem.
Um perde o sentido sem o outro. Deus significa tudo. Amor aos
passarinhos, às flores dos campos, às árvores, ao mar, às florestas,
ao solo, aos céus, aos animais, aos seres em geral, aos nossos
irmãos extraterrestres, enfim, a toda manifestação do Criador.
São Francisco de Assis, o santo impagável do cristianismo,
legou-nos exemplos admiráveis ao externar infindo amor à
Natureza em suas variadas formas. Ele percebeu a beleza
incomparável da extensão divina nos seres e coisas mais simples,
justamente aqueles que olhamos com desatenção ou desdém.
Enaltecia as obras do Artista Universal de um modo único. Ele se
referia a elas com especial carinho: “Irmão Sol, irmã Lua, irmão
Fogo, irmão Pássaro, e assim por diante”.
Se o ser humano não preza a Natureza, obra prima do
Criador, por sua vez despreza o próprio Deus. O artista e a sua obra

262
confundem-se. Quem exalta Picasso, o famoso pintor do
modernismo, vê em suas telas o retrato de uma personalidade
singularmente criativa. Assim, irmanando obra e autor, exclama
maravilhado: “Este é um Picasso!”. De modo semelhante, se
alguém, num dia esplendoroso de belo sol radiante, contemplar o
firmamento repleto de nuvens graciosas, aleatoriamente dispostas
em original desenho, e exclamar deslumbrado: “Isso é Deus!”, não
se admirem, pois não é um absurdo. Se em plena tempestade,
dessas que derrubam enormes árvores das florestas e arrasa
quarteirões, diante deste incontrolável poder da Natureza, alguém
repetir semelhante frase, não é estultice. Em cada caso está se
visualizando uma das infinitas facetas do Criador.
Voltemos ao nosso admirável Einstein. “A palavra Deus para
mim nada mais é que a expressão e produto da fraqueza humana. A
Bíblia é uma coleção de lendas veneráveis, mas primitivas e
infantis”. A perspectiva do famoso cientista está coerente, embora
peque por exagerado radicalismo, fruto de uma compreensível
frustração diante da tragédia judaica. Ele era um judeu de corpo e
alma. O judaísmo prega uma religiosidade essencialmente
materialista e de parco conteúdo espiritual. Trata-se de um
corolário às palavras de Nietzche: “O homem em seu orgulho, criou
Deus à sua imagem e semelhança”. A ingenuidade humana somada
ao seu egocentrismo vê Deus segundo os seus interesses
mesquinhos. Cada círculo religioso quer ser o dono privativo de um
“Deus Único”, mas pequeno e limitado, ao serviço de seu
incomensurável ego. Deste modo, ao adotar uma postura
estratificada, afastam-se do verdadeiro Deus, o dadivoso Ser
Multiversal Infinito. Somos deuses, filhos de Deus, não resta
qualquer dúvida, entretanto, estamos ainda no abc da
espiritualidade, vítimas de compulsória imperfeição e incapazes de
visualizar nosso Pai em verdadeira grandeza.
Tereza de Ávila (1515-1582), freira e escritora espanhola,
disse. “Uma prova de que Deus está conosco não é o fato não se
cair, mas de se levantar depois de cada queda”. A visão da santa
origina-se de uma percepção altamente espiritualizada da relação
homem-divindade, fruto de uma fé genuína. A vida impõe-nos
duras provas no quotidiano, mas se perseverarmos sempre havemos

263
de vencer porque o Pai, sem que o saibamos, observa atento e cuida
de nós - seus filhos.
Vejamos a opinião de outras mentes brilhantes que negam a
existência de Deus, pelo menos sob a concepção tradicional. Eles
declaram-se orgulhosamente ateus de carteirinha e representam
correntes de opinião predominantes nos meios científicos. Daniel
Dennett encabeça o ranking dos críticos da atualidade opostos à
crença em Deus, ao lado de Richard Dawkins e Steven Pinker. Um
repórter perguntou a Dennett se Deus existe e qual é a prova de sua
existência ou não. Ele respondeu:
“A palavra Deus pode significar tantas coisas que se torna
impossível responder a essa pergunta. Para alguns, é apenas um
nome para a beleza do universo, e não tem nada a ver com forças
sobrenaturais. Este Deus obviamente existe. O que não existe é um
agente sobrenatural que responde às nossas preces ou supervisiona
e guia a evolução das coisas. A humanidade acredita em Deus há
milhares de anos. Só que, agora, já sabemos o motivo. Até aqui, foi
natural ao homem acreditar em algo divino, uma espécie de
infância da evolução humana. Mas nós nos tornamos maiores do
que Deus”.
Daniel manifesta flagrante ceticismo diante da presumível
existência de um ser Supremo. A visão de Einstein, negando
qualquer interação do Criador Cósmico com suas criaturas, é
endossada em suas enfáticas palavras: “A criatura criou um Deus
capaz de socorrê-la nas adversidades da vida, único modo de sentir-
se protegido”. Portanto, segundo essa perspectiva, não existe um
Deus verdadeiro, mas somente um “Deus virtual”. Dennett, com
complacência, afirma que não pretende perturbar a paz de quem
acredita ou, mesmo, roubar do individuo o alívio que a crença num
“Deus” imaginário possa representar para os seus sofrimentos. A
sua única restrição limita-se ao desvirtuado fanatismo religioso que
pode conduzir a ações perversas ou violentas. Por fim, desabafa
com certa razão e algum exagero: “Levar pessoas de bem a fazer
coisas ruins é uma especialidade das religiões”.
O desvirtuamento das religiões na ânsia abominável de
alcançar fins duvidosos de cunho egocêntrico foi uma prática
comum que ainda se prolonga aos dias atuais. O ser humano não

264
consegue livrar-se de seu lado mau e tenta colocar a fé a serviço de
seus interesses mesquinhos. Exatamente por isso, a dimensão
material propicia-lhe um sem número de valiosas oportunidades
para, mediante erros e acertos ao longo de múltiplas vidas,
distinguir claramente entre o bem e o mal, e optar pelo primeiro. Os
céus observam-nos do “alto”, mas procuram interferir o mínimo
possível em nossas vidas por respeito ao livre arbítrio do homem. A
individualidade precisa desenvolver-se em liberdade plena. O nosso
Pai Celestial não pode submeter-se às provas vivenciais em nosso
lugar por mais árduas e espinhosas que se nos apresentem. Afinal,
onde estaria o nosso mérito? O Criador não é um Babá Universal.
Pais terrenos, mesmo os mais “corujas”, não permanecem
nas salas de aula a pretexto de “defender” os seus filhos contra os
professores. Obviamente, seria contraproducente. Não obstante,
genitores responsáveis acompanham atentamente o rendimento
escolar de cada um deles. Algo semelhante acontece no
relacionamento céu-terra. Ainda que alguém negue a dimensão
celestial, uma proteção efetiva não lhe será negada. Todos somos
filhos do Deus vivo multiversal e, igualmente, deuses em fase
insipiente. Estamos percorrendo um caminho previsto rumo ao
transcendental reencontro com a Fonte Divina de onde saímos
originalmente.
Cada religião imagina um Deus coerente com os interesses e
cultura de seu povo. Assim, vêem, definem e imaginam um “Deus”
que obrigatoriamente não corresponde ao verdadeiro Deus. A
perspectiva humana não consegue visualizar o Todo-Poderoso em
plena magnitude. O pensamento de Daniel está resumido em
simples frase quando diz: “O que não existe é um ser sobrenatural
que responde às nossas preces ou supervisiona e guia a evolução
das coisas”. É a reação natural de uma razão de cunho científico
desiludida com uma fé sem conteúdo racional, baseada em mitos,
fábulas e lendas, que por inúmeras vezes descambou perversamente
em atos horríveis contra o gênero humano. Na verdade, Deus não é
sobrenatural. Nada é mais natural do que o Criador. E por extensão,
nada ocorre de modo sobrenatural em sua Criação, na verdade tudo
e todos.
Expliquemos melhor. O grande empecilho, seja por parte de

265
crentes ou não, agnósticos ou ateus, à compreensão do Multiverso,
é limitar a existência do mundo espiritual ou de Deus a um
fenômeno ou algo “sobrenatural”. A percepção física dos sentidos
humanos, à semelhança de todos os seres vivos, desenvolveu-se
somente para garantir a própria sobrevivência. A evolução natural
das espécies comprova-o. Às vezes, esta “evolução” torna-se
sinônimo de uma aparente “involução”. Por exemplo, o boto, o
golfinho dos mares adaptado aos rios da Amazônia, é quase cego
porque vive em águas turvas. A visão plena, no caso, foi-se
tornando inviável e, por conseguinte, este anfíbio desenvolveu um
sonar natural altamente compensatório.
Queremos dizer com isso que o homo sapiens possui
limitados sentidos físicos, justamente aqueles necessários à sua
perpetuação física. Entretanto, ao contrário dos animais, sendo em
essência um ser espiritual, possui um sexto sentido - o pensamento.
Usando o poder do pensamento, os filósofos gregos antigos
iniciaram a incrível descoberta do Universo ao descortinar novos
horizontes à compreensão humana. As portas de um misterioso
mundo novo, intangível aos nossos cinco sentidos, começaram a
ser descerradas. Eles deduziram a esfericidade de nosso planeta,
calcularam com admirável precisão as suas dimensões, tais como o
seu raio e distância ao sol, entre outras descobertas fenomenais. Em
resumo, devemos enxergar além de nosso restrito mundo
perceptível, senão jamais chegaremos à parte alguma e ficaremos
perdidos em algum ponto do Universo infinito no nosso diminuto
planeta.
Se abrirmos o dicionário, lemos o significado corriqueiro do
termo “sobrenatural”: “superior ao natural, sobre-humano, que
excede às forças da natureza: que não tem explicação científica;
milagroso; o que é muito extraordinário ou maravilhoso”. Na
verdade, a percepção do ser humano do Multiverso é reduzida a
uma parcela infinitesimal se comparada às dimensões
incomensuráveis, além de nossos sentidos, dos múltiplos
Universos. Em suma, o Multiverso que acreditamos ser algo
“sobrenatural”, fantasmagórico, na verdade, representa o todo,
subtraído de uma coisinha de nada - nós! A concepção de algo ser
sobrenatural é uma falácia que dificulta a compreensão do restante,

266
justamente quase tudo. Vamos, portanto, deixá-la de lado, apenas
reservada aos dicionários.
Diante desta perspectiva realista e abrangente, Deus não
pertence ao mundo sobrenatural. Pelo contrário, o Criador se
confunde com a Natureza em suas infinitas manifestações. Não
existe nada mais natural do que Deus. Ele não é apenas a origem de
tudo. É tudo por extensão. Simbolicamente, é o Oceano em que
vivemos. À semelhança dos seres aquáticos, o Oceano Sem Fim
envolve-nos e O temos dentro de nós. Sem Ele não existiríamos.
Em suma, somos deuses, filhos de Deus, em plena evolução
espiritual até o reencontro com nosso Pai.

267
CAPÍTULO 29

O DEUS EX MACHINA

O grande equívoco a respeito do Ser Supremo é imaginá-Lo


sobrenatural, um Deus ex Machina ou ex Natura, um Corpo
Estranho, um Expectador Extra Universo, quando não um Deus
antropomorfo, limitado à pessoa física. Em suma, Alguém
localizado em determinado ponto do Universo, um “Deus Pontual”,
como acontece no Antigo Testamento. Em suas belas páginas,
deparamo-nos com o velho Iahveh no papel de incorrigível “Ama
Seca” das tribos hebraicas. Sem nada melhor para fazer, distraía-se
entabulando bate papos com Abrão, Isaac, Rebeca, Jacó, Moisés e
outros profetas bíblicos. Apaixonado pelo povo eleito, não se nega
a abrir fabulosamente as águas do mar para deixar passar os seus
pupilos hebreus à custa de um terrível morticínio, justamente
daqueles, até pouco tempo atrás, generosos anfitriões - os egípcios.
Por quarenta anos as doze tribos vagaram sem destino no
deserto embora a lamentar-se dos bons tempos de vacas gordas às
margens do abençoado Nilo e sob o belo luar do Egito. Segue-se
um chocante mar de sangue para consolidar as tribos hebraicas na
chamada Terra Prometida que já tinha donos seculares de
documento cartorial nas mãos. Entretanto, Iahveh ignorou uma
situação real que geraria mais adiante graves conflitos, pois sob sua
ótica “divina” lhe pareceu supérflua. Deste modo, a primeira visão
do ser humano com respeito ao Deus Multiversal submete-O a um
papel de mérito controverso. Para os hebreus podia ser um Deus do
Bem, no entanto para suas incontáveis vítimas, um Deus do Mal.

268
A visão mítica de Deus segundo a narrativa do Velho
Testamento foi transmitida ipsi litre ao chamado cristianismo,
versão terrena, porém com uma dose exacerbada de fanatismo fruto
de ingenuidade condizente com uma cultura tribal. A fantasia de
serem os prediletos do Deus Único levou os judeus a sofrerem uma
série sem paralelo de trágicas derrotas, quer seja frente aos
egípcios, assírios, babilônios, sírios e romanos, finalizando no
dantesco Holocausto nazista. Houve apenas uma notável exceção
oferecida pelos bem sucedidos asmoneus, antes da dominação
romana. Resumindo, acreditaram que o fantástico milagre das
águas afastando-se em rigoroso 90° iria repetir-se indefinidamente
no momento crucial de cada batalha decisiva. Afinal, se os judeus
perdessem, Iahveh estaria derrotado juntamente com o “seu povo”.
Em que pese tão ardorosa religiosidade, a crença no Deus judaico
não evitou guerras e morticínios, inclusive, entre os próprios
“cristãos”. O Deus Único acabou por legar uma herança de
sanguinolenta violência.
Não se está afirmando que não existe um Deus verdadeiro. É
um caso semelhante ao mito do Papai Noel. Há duas versões: a
infantil e a adulta. Na primeira, um generoso velhinho vem do Pólo
Norte num trenó puxado por renas para distribuir presentes às
crianças. Na versão real, nossos pais assumem o papel reservado ao
mítico Papai Noel. Os presentes são dados de acordo com as posses
dos genitores. No final das contas, o espírito paternalmente
amoroso do Natal é preservado, embora limitado em sua
grandiosidade original pela condição humana.
Daniel Dennett está parcialmente certo quando diz “não
haver um agente sobrenatural que responde às nossas preces ou
supervisiona e guia a evolução das coisas”. Já foi devidamente
explicado que nada, em qualquer parte do Multiverso, é
sobrenatural. Esta é uma palavra vazia, sem qualquer sentido
racional. Em segundo lugar, o Criador não é um “Babá Universal”
para atender continuamente nossas preces egoístas ou fúteis. Os
pais de bom senso sabem que não podem satisfazer às vontades e
desejos infantis de seus filhos. Exatamente o mesmo ocorre com o
Pai Celestial. As dificuldades e sofrimentos da Escola da Vida não
ocorrem por acaso. Nas nossas escolas terrenas, os alunos são,

269
também, submetidos a constantes desafios, único modo de
aprenderem as lições com o devido mérito.
Deus ajuda-nos utilizando uma multidão de seres espirituais
superiores, reflexos da Divindade Suprema em graus diversos, para
orientar cada ser cósmico ou espírito vivenciando na matéria, mas
respeita o livre arbítrio de cada um. As provas existenciais são
individuais. Na escola terrena não se deve fazer a prova pelo colega
do lado. A cola é prejudicial. Igualmente, ninguém pode viver a
vida alheia. “Cada um por si e Deus por todos”, diz-nos a sabedoria
popular.
Dennett afirma que “até aqui foi natural acreditar em algo
divino, uma espécie de infância da evolução humana. Mas nós nos
tornamos maiores do que Deus”. É a síntese de sua negação às
crenças e crendices que julga incompatíveis com a modernidade do
mundo atual. É uma razoável concessão à razão aparente. No
entanto, alguns bilhões de gotas d’água jamais serão maiores do
que o Oceano Sem Fim. A própria matemática nos ensina que um
somatório limitado de infinitésimos jamais chega ao Infinito. A
percepção da existência do Ser Supremo ainda permanece além da
compreensão humana.
Novamente repete-se a história dos dois cavaleiros
medievais. Vislumbra-se somente um lado do escudo. A existência
de outra face é descartada sumariamente. A ciência acadêmica não
é menos dogmática do que as religiões tradicionais. Enquanto os
religiosos ortodoxos acreditam em tudo, não importa quão absurdo
seja, desde que inserido no seu círculo específico de crenças, a
ciência restrita limita-se a um ceticismo exagerado. Ela fica, na
melhor das hipóteses, a espera de uma ratificação de cunho
acadêmico. É como se os objetos não fossem atraídos em direção
ao centro da Terra até o momento de Newton descobrir a lei da
gravidade. O insigne Pasteur foi ridicularizado pelo douto mundo
acadêmico quando anunciou a descoberta de um universo
microscópico que interagia com o nosso. Até se provar que “pulga
não é elefante” levou-se um bom tempo. O grande sábio foi
estigmatizado de início. Uma corrente “científica” cultua o dogma
do ceticismo radical com a mesma teimosia dos religiosos mais
fanáticos.

270
Na verdade, foi e continua sendo natural para muitos
acreditar em algo divino, mas baseado em mitos. A infância da
evolução humana ainda não acabou, pois continuamos vivenciando
um estado de espírito insipiente. Quer pelas religiões, quer pela
chamada “ciência”. Realmente, não se deve acreditar em “algo
divino”. A palavra “acreditar” traz implícita certa possibilidade de
descrença. Digamos que se pergunte a alguém: “Aquele menino, o
José, é seu filho biológico?”. E obtenha a seguinte resposta:
“Acredito que sim!”. Ora, o que vai pensar o interrogador? É
provável que José seja filho de verdade deste homem, todavia, ele
nutre ainda dúvidas a respeito. A resposta definitiva seria bem
simples: “Sim, este menino é meu filho!” De modo semelhante, se
indagamos: “Fulano, Beltrano é de fato o teu pai?”. E o Fulano
responder: “Acredito que sim”! Novamente, levanta-se uma
possibilidade maior, porém não se elimina a incerteza. Em suma,
pode ser ou não! Somente um exame de DNA tiraria as dúvidas e
revelaria a verdade. Isso comprova que a razão é superior à fé
baseada em crenças.
Vemos assim que a própria religiosidade tradicional não está
segura cem por cento da existência de Deus quando se limita a
“acreditar” no Ser Supremo. A declaração: “Acredito em Deus”, dá
margem à significativa incredulidade. Poucos homens
compreenderam melhor o sentido real da palavra Deus do que o
genial físico e matemático Isaac Newton. Para os religiosos, Deus
limita-se a uma crença, mas para quem está realmente ciente das
coisas do espírito trata-se de uma realidade baseada na razão.
Isso ocorre porque toda polêmica a respeito da divindade
suprema desenvolve-se em termos emocionais sobre algo
sobrenatural. Um mundo intangível que escapa por definição à
nossa razão e que se presume explicável somente à luz da fé. E
como a religião, desde o princípio, opôs-se à ciência, esta, por seu
lado, olha desconfiada a existência de Deus como uma concessão à
irracionalidade. Ora, o Ser Supremo independe de qualquer crença
religiosa ou da opinião dos cientistas. A existência do Criador
deriva-se simplesmente por ser a explicação natural para um
Multiverso racional. Nada é mais natural que Deus. Ele é a Energia
Absoluta que origina e rege todas as demais em suas múltiplas e

271
infinitas formas. A religião e a ciência são igualmente
manifestações divinas, tudo ocorre de acordo com o modus
operandis do Criador. Obviamente, as contradições ocorrem devido
à nossa espiritualidade ainda primária. Em qualquer hipótese ou
circunstância, o conhecimento científico aponta para a existência de
quem chamamos tradicionalmente de “Deus”, ou o “Sou quem
sou”.
Nas dimensões espirituais evoluídas não existem religiões,
como nós entendemos em nossa rude instância planetária. Deus,
como sabiamente observou o Mahatma Ghandi, não tem religião
alguma. E mais, “dimensão espiritual” não quer dizer “dimensão
sobrenatural”. Trata-se de Universos reais regidos por “energia
específica” e são perfeitamente explicáveis pelas leis naturais da
ciência. Ora, o Multiverso apresenta-se de forma harmônica e
coerente, uma decorrência de existir uma Inteligência Multiversal,
um dos inumeráveis nomes do “Sou quem sou”. Atualmente, as
teorias quânticas e das cordas engatinham, mas já dão início ao
descortino dos segredos metafísicos dos Universos e assim
prosseguirá através dos séculos. Tudo ou quase nada será oculto ao
homem.
Nós somos seres divinos, filhos de Deus, maravilhosas
centelhas oriundas do Criador. No entanto, jamais nos tornaremos
maiores do que Ele, assim como algumas gotas dágua não podem
ser maiores do que o Oceano, nem centelhas do sol brilhar mais do
que o astro rei. A ciência, embora muitos não percebam, revela ao
homem a grandeza de um Universo bem maior do que o descrito no
Gênesis. Na verdade, existe um Multiverso mergulhado no Oceano
Sem Fim. Os índios peles-vermelha americanos chamavam-no com
surpreendente intuição de Grande Espírito. O temperamental
Iahveh, o irascível Deus tribal restrito ao pequenino planeta Terra é
somente a imagem inicial reduzidíssima da realidade divina.
A humanidade, o somatório de todos nós, uma concepção
extensiva aos infinitos seres inteligentes da imensidão do cosmos,
adquire gradativamente maior espiritualidade e enorme
conhecimento em variados aspectos, mormente o cientifico. O Pai
(a Natureza absoluta) irá se revelando gradualmente aos seus filhos.
Um dia, a Universidade da Matéria, o nosso Universo, findará, mas

272
já terá propiciado o Campus necessário em tempo suficiente para
cumprir o desiderato divino. Graças a Deus! Nada alarmante, pois
prosseguiremos em outras dimensões. Somos imortais e exatamente
da mesma essência do Criador. Em proporção infinitesimal e ainda
impura, mas autêntica. Nada para se espantar, pois somos parte
natural da Fonte Origem.
Considerando-se um ateu de carteirinha na mão, Daniel
Dennett, declara orgulhosamente que: “nós nos tornamos maiores
do que Deus”. Assim, acaba por admitir inadvertidamente a
existência do Criador. Ora, só se pode ser maior em comparação
com algo real. “Nada” é, por definição, o “não existente”. Um ateu
autêntico deveria considerar “Deus” e “Nada”, como sinônimos. Na
verdade, falar sobre nada significa um desproposito. O Criador
parece sobreviver no fundo de seu inconsciente com valor
relevante. Caso contrário, qual o mérito de sermos maiores do que
Deus, se Ele nada representa?
A confusão mental de alguns “homens da ciência” se origina,
como em tantos outros, por considerar Deus como uma entidade
“sobrenatural” ou “fantasmagórica”, uma concepção obsoleta
inventada por religiões alheias aos avanços científicos do mundo
moderno. Tal visão não deixa de ser parcialmente verdadeira. O
homem tende a criar um Deus à sua imagem. O “Sou quem sou”,
revela-se a priori nas culturas tribais através de metáforas, surgindo
através de uma névoa densa que mui lentamente vai-se esvoaçando.
Impossibilitado de conseguir um vislumbre real da divindade, o
homem completa-a com a própria imagem. Partindo de um
pontinho borrado, pinta arrogantemente o próprio retrato e exclama
envaidecido – eis Deus!
Ironicamente, Dennett tropeça em suas próprias palavras e
cria uma armadilha para si mesmo. A seu modo, acaba por afirmar
implicitamente que somos “deuses”. É exatamente o que estamos
tentando dizer. Ora, somente “deuses” podem pretender igualar-se
a Deus, senão imaginar, num rompante de vaidade, que podem
superá-Lo. Ninguém diria, por exemplo, que um navio é superior a
um melão ou vice-versa. Coisas distintas são incomparáveis. Isto
faz lembrar a estória do inocente menininho que na infância achava
o pai um sábio incomparável. Já grandinho, considerou-se quase

273
tão sábio quanto o pai. Na maturidade, cheio de si, passou a
acreditar-se superior em tudo. Por fim, falou envaidecido com seus
botões: “Ora, o Velho não é lá essas coisas que eu pensava! Que
decepção! Está sempre por fora das coisas modernas! Eu sou mais
esperto e muito mais inteligente. Eu sou mais eu!”
Deus não se aborrece com filhos pretensiosos. Na verdade,
ama-os com intensidade e aprecia constatar quão confiantes se
tornam, a ponto de ignorar a paternidade divina. Vejamos o caso de
outro pretenso ateu convicto, sempre de plantão para negar, senão
esbravejar, contra o Criador, isto é, o seu próprio Pai. Estamos
falando de Richard Dawkins, o autor do livro, Deus, um delírio.
Materialista convicto, ele atribui a existência do Universo a um
inexplicável acaso. O “Acaso” é o deus dos ateus. Segundo
Dawkins: “Deus é tão improvável, quanto uma rocha se
transformar em uma pessoa”.
O ateísmo acredita que somente da matéria física nasce nossa
mente, de modo a permitir uma percepção tangível do mundo, em
suma, do complexo fenômeno da vida. De fato, ocorre uma
interação tão harmônica e perfeita entre as naturezas física e
espiritual que nos dá a ilusão da inexistência da segunda. Os
chamados médiuns formam uma exceção à parte. São pessoas
privilegiadas e em número reduzido. Eles possuem o dom de
interagir com o mundo além da matéria e estão capacitados a
transmitir-nos preciosas informações sobre o Universo
adimensional. Eles servem de ponte espiritual entre os céus e a
terra.
A Natureza nos oculta a lembrança das vidas anteriores de
modo a permitir na atual uma desejável independência em relação
às experiências passadas. Eventualmente poderíamos estar face a
face com nosso assassino ou vice-versa. Deu para entender? Nós
sempre vamos começar da estaca zero, sujando as fraldas, uma
singular oportunidade para purificar o nosso carma mediante uma
luta árdua para vencer os obstáculos inerentes à condição humana e
sofrer revezes diversos aos quais estaremos sempre sujeitos. Um
pastor evangélico, pessoa alheia neste assunto, mas de grande
percepção, curiosamente expressou a questão em foco com
exatidão: “Não estamos aqui na Terra a passeio, mas a serviço!”. É

274
exatamente esta a idéia do Criador. Aos bons ou belos momentos
ocorrerão outros difíceis ou amargos para testar-nos e melhorar o
nosso desempenho.
No entanto, a ferrenha posição antideísta do nosso querido
cientista apresenta um razoável respaldo. Dawkins critica quem
pratica a fé somente visando o benefício da crença, vendo a religião
como algo válido apenas para ajudá-lo em suas dificuldades
existenciais. Ele igualmente repudia o excesso de fantasias
inerentes às religiões, citando Douglas Adams: “Não é bastante ver
que um jardim é bonito sem ter que acreditar também que há fadas
escondidas nele?”. Nesse ponto Dawkins acerta no centro do alvo.
O objetivo da verdadeira religião resume-se em ensinar-nos a
substituir o “eu” por “nós”, isto é, sublimar um contumaz egoísmo
pelo altruísmo regenerador. Não deve ser um sinônimo de
superstições ou crendices. Inclusive, já dissemos que não existe o
sobrenatural. Deus e seres espirituais são naturalmente pura
realidade.
O principal problema dos ateus é associar a existência de
Deus às crenças absurdas e práticas abusivas de religiões
desvirtuadas que persistem em agravar os males e gerar violências
desmedidas e despropositadas. A destruição chocante das torres
gêmeas do World Trade Center deixou a amarga convicção de que
sem um imenso fanatismo jamais ocorreriam eventos tão trágicos.
Entretanto, Deus independe das religiões, vistas como círculos
restritivos em que os fiéis devem adotar determinadas crenças e
abominar arrogantemente as demais. Nas dimensões espirituais não
existem igrejas e nem religiões. Estas são exclusivas do mundo
material. Religiões espelham os defeitos e virtudes de seus adeptos
em fase primária de evolução. Nesta fase insipiente, a maldade e
bondade misturam-se criando situações altamente contraditórias ou
explosivas. Às vezes, os fiéis parecem servir a Deus e, em outras,
claramente ao demônio, neste caso uma mera palavra para
simbolizar o mal.
Paradoxalmente, Richard não teme a morte. Em seu livro
“Desvendando o arco-íris”, declara que “nós vamos morrer, e isto
torna-nos afortunados”. Argumenta que teve a felicidade de nascer,
enquanto outros possíveis nascituros perderam a oportunidade, pois

275
o potencial de nosso DNA excede o conjunto de pessoas reais. É
positiva a sua atitude otimista quando vemos contraditoriamente
uma corrente tradicional “cristã” afirmar que devemos temer a
morte. Somos seres espirituais imortais e o invólucro carnal serve-
nos de vestimenta transitória. A morte física dá continuidade
natural à vida em outra dimensão espiritual. De fato, ninguém
morre e Deus está sempre conosco. Às vezes, os ditos ateus
traduzem melhor os desígnios divinos do que os religiosos.
Cientistas observam com surpreendente admiração a
grandeza da Mãe Natureza, ainda que desprovida da religiosidade
convencional. Carl Sagan, o físico americano que se dizia ateu,
notou a pequenez da visão tradicional oferecida pelo Velho
Testamento, onde a realidade reduz-se a um ponto do Universo, o
nosso planeta, e a um Deus igualmente pontual. Na mente dos
ingênuos tudo se resume em dois pontos perdidos na imensidão do
cosmos infindável. É uma figuração mesquinha e inexplicável. Um
deslumbrado Sagan declarou: “O Universo é muito maior do que
disseram os nossos profetas, mais grandioso, mais sutil, mais
elegante... Em vez disso, dizem: Não, não, não! Meu Deus é um
deus pequenino, e quero que continue assim”. Em curioso
paradoxo, os descrentes da ciência parecem ter uma percepção mais
real da grandeza do Criador. Eles se maravilham diante da extensão
incomensurável da magnificência divina enquanto alguns religiosos
restritos, de olhos baixos, não enxergam além das páginas ditas
sagradas. Sem dignar-se a levantar o olhar para a beleza infindável
dos céus, contentam-se em apreciar minhocas no solo.
Infelizmente, a constatação de Sagan revela a nua realidade,
a pequenez mental de religiosos presos a uma percepção micro do
Deus verdadeiro e do Multiverso. Este controvertido cientista,
embora negasse a existência do Criador, extasiava-se diante de sua
obra magnífica, o Universo extraordinário com que se defrontava
diariamente em profícuas pesquisas. Imaginem alguém extasiado
diante dos quadros de Picasso, mas que negue a existência do
genial pintor. O ser humano quando se restringe aos seus cinco
sentidos somente acredita no mundo tangível. Olhou o telescópio e
não vê um velhinho de barbas brancas acenando-lhe sorridente em
algum lugar do espaço. Conclusão ingênua: “Deus é uma fantasia”.

276
Em resumo, um ateu seria alguém que não acredita haver
nada além do mundo natural ou físico, nenhuma inteligência além
do mundo tangível aos cinco sentidos humanos, desprezando-se o
sexto sentido, isto é, o pensamento. Einstein fez uma concessão ao
judaísmo quando disse que “Sem a religião, a ciência é capenga,
sem a ciência a religião é cega”. Decerto, quis agradar aos rabinos,
já inconformados, senão irados, com sua desconcertante
irreligiosidade. Desde então, eles se comprazem em alardear aos
quatro ventos a famosa frase.
No entanto, a bem da verdade um destemido Einstein
revelou sem meias palavras o seu pensamento autêntico:
“É claro que era mentira o que você leu sobre minhas
convicções religiosas, uma mentira que está sendo
sistematicamente repetida. Não acredito num Deus pessoal e nunca
neguei isso, e sim o manifestei claramente. Se há algo em mim que
possa ser chamado religioso, é a admiração ilimitada pela estrutura
do mundo, do modo como nossa ciência é capaz de desvendar”.
“Sou um descrente profundamente religioso. Isto é, de certa
forma, um novo tipo de religião. Jamais imputei à natureza um
propósito ou um objetivo, nem nada que possa ser entendido como
antropomórfico. O que vejo na natureza é uma estrutura magnífica
que só compreendemos de modo muito imperfeito, e que não tem
como não encher uma pessoa racional do sentimento de humildade.
É um sentimento genuinamente religioso, que não tem nada a ver
com misticismo. Eu não acredito num Deus pessoal”.
Einstein sofreu em vida uma séria de ataques injustos, às
vezes amargos, por suas declarações sinceras. Vejamos uma delas,
talvez a mais comedida: “Respeitamos a sua sabedoria, Dr.
Einstein, mas existe uma coisa que o senhor não parece ter
aprendido. Deus é um espírito e não pode ser encontrado pelo
telescópio ou por um microscópio, assim como, o pensamento ou a
emoção humana, não podem ambos ser encontrados na análise do
cérebro. Como todo mundo sabe, a religião se baseia na fé e não no
conhecimento”.
Há que se apresentar duas ressalvas à crítica deste bem
intencionado religioso, mas ligeiramente equivocado. A primeira:

277
“Deus é Espírito”, como afirmou Jesus Cristo. “Ele” é o Ser
Espiritual Infinito por natureza e não um Espírito, expressão esta
inapropriada, pois reduz o Criador ao infinitésimo ou um ponto
perdido no espaço sideral. Seria o mesmo que definir o Sol como
um fóton ou o Oceano Sem Fim por uma única gota de água. A
segunda - “A religião se baseia na fé”, mas nem por isto deve
contradizer a ciência no que já está obviamente compreendido
como verdade inconteste. Exemplo: A terra gira em torno do sol e
não o inverso ou o sol está condenado à extinção, assim como o
nosso Universo em alguns bilhões de anos.
Criou-se um antagonismo absolutamente desnecessário e
gratuito - Ciência versus Religião - devido à mútua falta de
compreensão. As religiões baseiam-se em mitos e desprezam a
razão. A ciência acadêmica respalda-se em suposta razão, que
ignora o Multiverso, embora este esteja sendo, no momento,
vislumbrado por ela própria. E, obviamente, infinitos efeitos
inteligentes só podem originar-se de uma causa infinitamente
inteligente, o que subtende a existência de uma Inteligência
Multiversal – o Criador. Não esqueçamos que tudo se resume em
energia: a matéria (energia condensada) ou energia pura.
Como revelou Isaac Newton, (mesmo antes da teoria da
relatividade descobrir que massa e energia possuem a mesma
essência) - “Deus é substância” - isto é, algo real sob o ponto de
vista da física moderna. Ele não é um fantasma. O Grande Espírito
é a Origem e Fim e, embora não O possamos ver, estamos
mergulhados Nele. Um tipo de energia preenche o Multiverso,
conforme já compreendido por cientistas de ponta. Não existe o
“Nada”. E a harmonização das forças da Natureza segue objetivos
coerentes, deixando vislumbrar o “dedo” do Criador em toda parte,
sem exceção.
Na verdade, a chave para o entendimento do Universo pelos
humanos deve basear-se numa religião irmanada com a ciência e
vice-versa. Ambas contribuindo para formar uma superior
espiritualidade e melhor entendimento das obras divinas.
Infelizmente, as religiões têm a tendência de atar-se ao fanatismo
absurdo, fruto de mentes primárias incapazes de raciocinar e, pior
ainda, de amar o semelhante. Tais adeptos desvirtuados são

278
propensos ao ódio, bastando surgir um motivo banal. Na Idade
Média, ficava-se à espera de algum fanático lançar um brado irado:
“Mata o herege!”, para irmanar-se em perversa consonância: “Isto
mesmo! Joga na fogueira!”.
Um jornal dinamarquês publicou doze caricaturas do profeta
Maomé, um ato desrespeitoso e gratuito que levantou uma
indignação de caráter extremista por um grupo de muçulmanos
radicais que mora na Dinamarca. Alguns jornais ocidentais
republicaram as caricaturas num gesto inconseqüente de
solidariedade ao Jyllands- Posten, pondo mais lenha na fogueira
tragicômica. Uma histeria de caráter violento espalhou-se pelo
mundo islâmico como um rastilho de pólvora incendiando mentes e
corações. Numa manifestação ocorrida no Paquistão contra as
caricaturas dinamarquesas, uma mulher, camuflada em seu traje
negro, carregava um cartaz onde se lia: “Deus abençoe Hitler”,
decerto, a estas alturas, estendendo o protesto contra os judeus.
No final das contas, até igrejas católicas no Paquistão, sem
nenhum tipo de ligação com os tristes eventos, foram incendiadas
por muçulmanos exaltados. Inocentes morreram injustamente em
nome de Alá que, certamente, do “alto”, reprovou a carnificina
entre os seus filhos. Uma recompensa de um milhão de dólares
chegou a ser oferecida por um enfurecido imã paquistanês pela
cabeça do cartunista dinamarquês.
A suposta ofensa teria passado despercebida, restrita a um
assunto local, se não fosse o endossamento irresponsável seguido
por uma reação de ódio terrível. Parece que uma corrente do Islã
ainda está na Idade das Trevas, a mesma fase deplorável pela qual
passou a Igreja Católica em triste período de obscuridade
criminosa, quando foi liberada a contragosto, pelo menos em
significativa parte, do abismo da ignorância pelo Iluminismo de
filósofos esclarecidos.
Richard Dawkins lamenta os eventos originados na
Dinamarca e constata que desde os primórdios do cristianismo os
seus adeptos mais sensíveis ficaram horrorizados, particularmente o
controvertido Marcião, com a face perversa das Escrituras. Homem
de forte personalidade, ele foi um dos pais do cristianismo
primitivo, mas que se viu excluído pela maioria ortodoxa quando

279
propôs o abandono puro e simples do Velho Testamento. O Deus
de Cristo, o Pai amoroso e benevolente, surgia-lhe completamente
incongruente quando comparado ao Deus judaico. Aliás, a estranha
conduta de Iahveh nunca escandalizou somente aos próprios
hebreus, pois são ensinados desde a infância a considerar sagrados,
como expressão da pura verdade toda e qualquer palavra ou evento
contidos nas velhas Escrituras. Não se importam quão absurdos
surjam aos olhos de uma pessoa com mínimo bom senso.
Dawkins, endossando Marcião, lança uma indignada crítica:
“O Deus do Antigo Testamento é talvez o personagem mais
desagradável da ficção: ciumento, e orgulhoso; controlador
mesquinho, injusto e intransigente; genocida étnico e vingativo,
sedento de sangue; perseguidor misógino, homofóbico, racista,
infanticida, pestilento, megalomaníaco, sadomasoquista e
malévolo”.
Concordamos em gênero, número e grau. Somente a fé cega
consegue tapar o sol com peneira. Ironicamente, Iahveh,
acompanhado de seu fiel escudeiro, Moisés, o cúmplice perfeito
para homicídios em massa, talvez tenham servido de inspiração ao
famigerado Hitler quando retribuiu sadicamente com o Holocausto
as desumanas ações hebraicas na usurpação da Terra Prometida,
conforme as chocantes narrações da Bíblia. Posteriormente,
agravaram-nas os judeus de Jerusalém ao praticar crueldades
abomináveis com o Ungido do Senhor e seguidores. A
insensibilidade grau zero diante de tais crimes hediondos é
agravada pela falta de arrependimento. Inclusive, ao ser endossada
sem medir as funestas consequências por rabinos ao longo dos
séculos, piorou a situação.
Então, vemos que se somaram crueldades agravando um
pesadíssimo carma negativo que passou a exigir o justo preço. O
mal se pune a si mesma lançando perversos contra malvados. Com
o devido respeito, constata-se que o judaísmo ousou considerar
Moises como o “Mestre dos mestres”. Por quais vítimas, por quais
assassinatos, por quais genocídios, perguntaria algum insolente.
Não é o mesmo título de Jesus Cristo? Entretanto, o Messias curou
e salvou vidas, propagando a valiosa essência do judaísmo
verdadeiro, aquele que ensina a amar a Deus e aos semelhantes sem

280
distinção. Deu o exemplo máximo de bondade incomensurável ao
oferecer a própria vida por todos nós. Mestre é quem salva vidas e
não quem as liquida. Entre a Luz e as Trevas há uma diferença
enorme.
Apesar dos pesares, a argumentação de ateus como Richard,
embora fundamentada, é vã porque uma coisa não se prende
literalmente a outra. A visão de Deus oferecida pelos antigos
hebreus foi deturpada por incomensurável egoísmo atado à
condição humana. Naquela época, cada tribo ou povo tinha os seus
deuses ou deusas particulares. As guerras entre os povos resumiam-
se a conflitos bélicos em que os ídolos nacionais deviam impor-se e
destruir uns aos outros. Nem parecia estranho aos derrotados
adotarem os deuses dos vencedores, pressupostamente mais
poderosos ou verdadeiros. Um exemplo é-nos dado pelas dez tribos
perdidas de Israel. Desapareceram sem deixar vestígios. Sem a
imagem poderosa de Iahveh, esvaeceu-se a identidade judaica.
O ciumento Deus Único espelha o espírito reinante em plena
barbárie. Resumindo, “tudo o que fazemos é certo, e o errado fica
por conta de nossos inimigos”. Não existia um sentimento de
justiça genuíno e mesmo nos dias atuais este ainda não prevalece.
A justiça embasada pelo amor permite a visualização de Deus em
verdadeira grandeza. O Pai que nos ama aguarda pacientemente
que o imitemos. O mundo ainda se encontra em fase primária de
evolução espiritual, e não nos iludamos com os avanços
tecnológicos. Por isso, as guerras continuam eclodindo aqui, ali e
acolá, agora com armas modernas que intensificam enormemente a
destruição do semelhante - nossos próprios irmãos.
A história dos dois cavaleiros medievais repete-se
seguidamente, pois a paz só ocorre depois de derramar-se sangue
de forma gratuita. Os céus deram-nos uma inteligência divina, mas
teimamos em usá-la contra nós e não a nosso favor. Até contra a
Nave Mãe, nossa sagrada morada doada graciosamente pelo
Criador, esse espírito destrutivo de caráter suicida teima em
mostrar-se incontrolável e pouco importa ao egocentrismo
inconseqüente que sejam nossos filhos e netos as principais
vítimas.
É interessante constatar de início alguns lugares comuns que

281
tanto, crentes ou não, apegam-se porque desconhecem o plano
divino. Em primeiro lugar, vamos repetir que não existe algo ou
coisa alguma sobrenatural. Tudo o que ocorre no Universo é
natural. Os sentidos limitados do primata não devem ser
considerados fator predominante, nem ponto de referência ou
parâmetro à metafísica de caráter multiversal. Abra a mente e deixe
o sexto sentido, isto é, o pensamento valioso levar à plena
percepção da realidade divina.
Outro conceito controverso refere-se ao Ser Supremo. Ele é
“pessoal” ou “não pessoal”? Einstein acreditava “no Deus de
Spinoza, que se revela na harmonia ordenada daquilo que existe,
não num Deus que se preocupa com os destinos e as ações dos
seres humanos”. Deste modo, negava a existência do Deus pessoal,
ao contrário dos adeptos ortodoxos do cristianismo, judaísmo ou
islamismo, as religiões do Livro, em sua percepção terrena. Além
de acreditarem no Criador, entendem haver um relacionamento de
proteção ou punição da divindade com relação aos humanos.
Estamos, portanto, diante de duas versões: uma corrente
tradicional, movida pela fé, diz ardorosamente que Deus é
“pessoal” e a outra, de natureza cética, pensando respaldar-se na
razão ou na “ciência”, nega-o com igual veemência. Novamente
surge a figura do escudo de ouro e prata. Dois insights, duas
percepções aparentemente opostas.
Na verdade, ambas são insatisfatórias. As grandes questões
não podem ser simbolizadas por simples escudos, mas por
poliedros de várias faces. Quem acredita numa apenas, o faz levado
por pura emoção. Quem nega está pensando que a ciência não
provou a existência de algo e por puro dogmatismo considera uma
fantasia. Esses ingênuos elevam a ciência atual à condição de
divindade absoluta, sem levar em consideração que a própria
ciência evolui e está sempre descortinando novos horizontes e
revelando novidades.
Contraditoriamente, a postura “científica” do ateísmo é
também emocional. A religião quando abandona a razão resume-se
a uma coleção de mitos. Não obstante, a ciência sem a metafísica
revela-se incoerente consigo mesma. Quem acredita em Deus,
aceita implicitamente que outros não acreditem. Quem não

282
acredita, de forma semelhante, aceita o oposto. A razão em ambos
os casos é posta de lado. Assemelha-se este dilema a uma discussão
de ébrios.
Para começar, Deus não é exatamente “pessoal”. E, também,
não é “impessoal”. Aí está o motivo de tanta confusão. Deus é
Espírito, não um Espírito localizado aqui, ali ou acolá, mas o
“Oceano Sem Fim” no qual tudo e todos estão imersos, incluindo
os Universos incontáveis. E como seres espirituais somos
essencialmente filhos de Deus. Então, o que é Deus, afinal? Muito
simples. É o Espírito Pater e Mater. Assim sendo, só pode ser
espiritual, obviamente. Quando falamos de pessoas podemos nos
referir como sendo pessoais. Decerto, faz sentido. O que é uma
pessoa? Um ser espiritual que interage em simbiose com o seu
invólucro carnal, o primata terrestre no qual habita
temporariamente. Assim, não podemos a rigor falar de um Deus
pessoal. A energia condensada (matéria) é apenas uma
manifestação da divindade. O Ser Supremo, literalmente, é a
Suprema Energia Cósmica. Não é matéria, nem um Mágico ou
Fantasma.
Todos os seres inteligentes do Multiverso vêm da Origem,
isto é do Criador. Somos, em essência, seres espirituais. A
dimensão material tem por finalidade ensejar oportunidades mil de
evolução. Os planetas habitados por seres inteligentes através do
Universo são escolas ou universidades que ensejam o progresso dos
mesmos. Deus não cria anjos, pois seriam clones de Si mesmo. Ele
quer individualidades que, através de múltiplas vidas, mediante
duras penas e mérito próprio vão ganhando bondade e sapiência, os
dois requisitos essenciais da divindade. Uma vida é um período
insuficiente para aprender-se a amar em plenitude e angariar
conhecimento.
Reflita-se sobre o seguinte aspecto fundamental. O Senhor
do Multiverso não está preocupado particularmente com a nossa
vestimenta carnal, a nossa efêmera indumentária. Esta é meio e não
fim. “O corpo para nada serve”. Estão lembrados de quem falou
esta frase? É exatamente isto. O Universo onde habitamos no
planeta Terra está, como toda a matéria, condenado à extinção.
Alguns bilhões de anos adiante e o sol definhará, assim como todas

283
as estrelas e corpos celestes. Uma escuridão total se seguirá e nada
visível aos olhos humanos restará. Depois do Big Bang sabemos
hoje que os corpos celestes afastam-se uns dos outros em
velocidades incríveis seguindo rumos aleatórios. O inicio do
Universo veio propiciando o próprio fim. De modo similar, os seres
vivos já iniciam o processo da morte desde o instante do
nascimento.
Devemos nos preocupar com isso ou com qualquer outra
eventual calamidade cósmica? Nem um pouquinho, porque faz
parte do plano divino. Sempre estaremos vivíssimos, sem exceção,
pois somos seres imortais, filhos diretos da divindade, deuses filhos
de Deus. E estaremos em cada momento sob a proteção de nosso
Pai. Calamidades as mais diversas, sejam doenças ou epidemias,
enchentes ou incêndios devastadores, desabamentos horríveis,
destruições aterradoras devidas a irrupções vulcânicas ou sunamis,
para não falar nas mortes causadas pela fome quando os alimentos
escasseiam, podem apenas destruir nosso corpo físico, mas sempre
haverá uma nova oportunidade na dimensão apropriada ao nosso
progresso espiritual. Nada há a temer.
O primata no qual coabitamos já nasce condenado à morte
desde o berço. Na existência terrena vivenciamos a dor, o
sofrimento, os desenganos, a doença, a velhice e por fim a morte
física. Não é por sadismo, mas por amor. Deus submete-nos às
provas existenciais para atingirmos a perfeição. Bons pais
enaltecem as escolas que propiciam aos seus filhos queridos o
preparo indispensável por mais exigentes que sejam. Entretanto,
ninguém levará para a dimensão espiritual qualquer objeto material.
Lutamos na terra pela posse de bens e riquezas, mas no final perde-
se invariavelmente tudo, inclusive a vida animal. Aliás, este drama
do ser humano foi ressaltado com maestria pelo grande Buda.
Cristo e Buda pregaram idêntica espiritualidade com palavras
semelhantes. Amor e compaixão para os bons de coração são
palavras sinônimas. As demais virtudes são meras extensões.
Ora, o nosso Universo caminha rumo à própria destruição e
devemos ficar tranqüilos apesar deste fato atemorizador? Sim,
simplesmente habitaremos outros Universos adimensionais ou não
para prosseguir em constante evolução rumo ao Criador. Universos

284
paralelos surgem e desaparecem. Nada se mantém inalterado, com
exceção de Deus. A impermanência é uma realidade multiversal.
O importante é continuar em busca da união com o Pai. Dentro
dessa visão auspiciosa, a dimensão da matéria na qual vivemos por
períodos descontínuos constitui um mundo ilusório destinado ao
fim inexorável. O nosso Universo encontrará o seu predestinado
término, porém até lá terá ensejado o desenvolvimento espiritual de
incontáveis seres inteligentes em primeira instância em todo
cosmos.
Paradoxalmente, aos olhos dos ingênuos o mundo tangível é
a realidade verdadeira e o mundo adimensional não passa de ilusão,
um limbo reservado às almas, um lugar fantasmagórico que o vulgo
teme profundamente. Espíritos, os chamados fantasmas, dão-nos
medo. É uma tradição iniciada no Velho Testamento quando se
proibia mediante sentença capital qualquer contato com as almas
dos mortos. Veja o episódio no qual o rei Saul procura uma mulher,
a médium de En-dor. Ele queria entrar em contato com o falecido
profeta Samuel. Ela temeu por sua vida ao saber estar diante do
infortunado rei, visivelmente transtornado em seu desvario. Saul
havia cruelmente eliminado os médiuns e adivinhos do reino. Neste
caso particular, por interesse próprio faz uma exceção e a mulher
acalma-se e evoca Samuel. Ao surgir em espírito, o profeta vaticina
a vitória dos filisteus contra o desgraçado rei. Aliás, Samuel havia
sido em vida um espinho no pé do infeliz Saul e, no Além,
continuou sendo um “espírito de porco”.
Qual a origem da aversão ao mundo espiritual oculto a nós
mortais? Os grandes médiuns constituem uma exceção à parte.
Inicialmente, lembramos que cada instância no plano físico deve
ser vivenciada per si. Todavia, as vidas passadas podem ser
lembradas através da regressão hipnótica, quando do nosso
subconsciente emergem episódios passados, mesmo ocorridos há
séculos. No entanto, cada vivência revela-se única e livre de
influências inconvenientes ou desagradáveis anteriores. De modo
promissor oferece novas oportunidades de redimirmos nossos atos
maus.
O judaísmo desde o início manteve uma ótica materialista do
mundo, embora sob o império de uma religiosidade baseada em

285
mitos. A combinação deste materialismo árido com exaltada
religiosidade, agravada por fraca espiritualidade, conduziriam os
hebreus sob o ficcional comando do “Senhor dos Exércitos” a
algumas memoráveis vitórias e uma multidão de derrotas. A
corrente dos poderosos aristocratas saduceus nem acreditava que o
ser humano tivesse qualquer elemento espiritual. Os fariseus, a
maioria não predominante no poder, acreditavam na alma, mas
como elemento desprezível aos olhos dos homens. Devia-se evitar
o contato com tais seres fantasmagóricos por puro temor. Ninguém
queria ser alma de outro mundo, mas gente de carne e osso, os
privilegiados seres humanos de um mundo tido como real. As
almas, depois da morte iam para o Sheol, um lugar escuro e
indefinível. Lá ficavam fazendo não se sabe o que e nem por qual
motivo. Também, ninguém estava interessado nelas e muito menos
na vida além-túmulo. Isso é coisa de fantasmas, é melhor deixar pra
lá!

CAPÍTULO 30

O JUÍZO FINAL

286
Finalmente surge no Velho Testamento uma sensacional
promessa de vida após a morte física. Afinal, muita gente estava
insatisfeita com o próprio fim irremediável e definitivo. A senhora
Morte haveria de ser vencida de alguma maneira, embora em
imprevisível momento. Em certo ponto do Velho Testamento, o
profeta Isaias fala de “alma” e “espírito” em seu sugestivo
monólogo com Iahveh, todavia, acaba por contradizer-se ao
oferecer graciosamente uma divina ressurreição corporal em
oposição ao sono eterno:
“Com minha alma suspiro de noite por ti, e com o meu
espírito dentro de mim, eu te procuro diligentemente; porque,
quando os teus juízos reinam na terra, os moradores do mundo
aprendem justiça”. (Isaías 26.9)
“Mortos não tornarão a viver, sombras não ressuscitam; por
isso os castigaste e destruíste, e lhes fizeste perecer da memória”.
(Isaías 26.14)
“Os vossos mortos e também o meu cadáver viverão e
ressuscitarão, despertai e exultai vós que habitais no pó, porque o
vosso orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à
luz os seus mortos”. (Isaías 26.19)
Incrivelmente, daí vai surgir a tradicional crença farisaica na
ressurreição dos mortos. O notável profeta trata da “alma” ou
“espírito” de modo desprezível. No imaginário hebraico um corpo
carnal possuía um espírito ou alma, mas como elemento secundário
ou complementar. Ora, “sombras não ressuscitam”, isto é, são
imagens surreais, portanto há que se adotar uma solução radical.
Em resumo, ninguém aspira ao status de “sombra”. No entanto, o
“orvalho de Iahveh” será o “orvalho de vida, e a terra dará à luz os
seus mortos”. Este mito fantástico será suplementado por outro - o
Dia do Juízo Final - quando Deus ressuscitará os mortos
fisicamente para serem submetidos ao julgamento derradeiro. Não
importa que não haja mais túmulos, nem sequer sombra ou
vestígios dos cadáveres.
Nesse extraordinário evento, após julgamento divino
sumário, os pecadores irão para o inferno e os bons para o céu.
Filhos e pais, amigos e inimigos serão separados, como o joio do
trigo, por toda a eternidade. A palavra perdão perderá todo e

287
qualquer sentido neste dia aziago para a grande maioria da
humanidade, já que almas puras ou santas são raras. Incontáveis
sacerdotes, papas, monges, padres, pastores, rabinos ou fiéis, reis
ou súditos, presidentes ou cidadãos, nobres ou plebeus, ricos ou
pobres, famosos ou anônimos, milionários ou miseráveis,
espremidos uns contra os outros, qual sardinhas em lata, sofrerão
sua pena literalmente perpétua no abrasante calor de um
indescritível inferno para lá de dantesco na fatídica ocasião.
O temível Iahveh das sagas hebraicas ressurgirá inexorável
qual um raio flamejante caído dos céus para exercer pela derradeira
vez o terrível poder de uma extremada vingança. Desta vez, sem
qualquer apelação contra os seus próprios filhos pecadores. Neste
infelicíssimo dia para os maus (a maioria), a Divindade Suprema
não mostrará qualquer arrependimento, ao contrário de vezes
anteriores quando vacilava em suas atitudes punitivas contra seus
ingratos pupilos terrenos.
A incrível operação divina resume-se em reunir, como num
passe de mágica, à semelhança do dia da Criação do Gênesis, os
átomos dispersos aleatoriamente na dimensão da matéria para
configurar novamente os corpos humanos originais que foram
tolhidos pela Senhora Morte. Talvez, os futuros agraciados venham
mais novos e bonitos e os infelizes a ser condenados mais velhos e
feiosos. Presume-se ser uma fase natural da divina solução final,
um prenúncio da iminente punição ou recompensa. Ora, são
detalhes ocultos ao homem, inclusive aos sábios mestres de Israel,
embora apreciem uma discussão acalorada sobre tais enigmáticos
assuntos.
O Dia do Juízo Final provavelmente foi baseado no mito
egípcio do Julgamento de Osíris, quando os corações seriam
pesados para avaliar a enormidade dos pecados. Em seguida, os
bons são recompensados com a vida eterna e os maus punidos com
a morte definitiva. A versão hebraica aproveitou os elementos
essenciais da egípcia. Na verdade, alegoricamente, apresenta
bastante fundamento. Deus agracia os bons e pune os maus, porém
nunca em caráter definitivo e jamais todos serão julgados em
determinado dia. Os céus agem espiritualmente de modo contínuo.
Os perversos, por piores que sejam, terão sempre uma nova

288
oportunidade de redimir-se aos olhos do Criador. Se os céus
permitem a imperfeição é porque sabe que é de curta duração aos
“olhos” divinos.
Essa incapacidade de visualizar ou interagir com o Universo
adimensional compulsou o pensamento judaico a posicionar-se em
profunda ojeriza ao mundo espiritual. Quem fosse agraciado pelos
céus com o dom da mediunidade que lhe permitia comunicar-se
com espíritos deveria ser morto. No Velho Testamento ordena-se o
extermínio sumário das feiticeiras. Aliás, este espírito implacável
ensejou na Idade das Trevas a terrível Inquisição. Essa aversão
radical ao mundo espiritual será transmitida ao cristianismo versão
eclesiástica, já que os pais da Igreja eram imbuídos de secular
tradição farisaica. Espíritos eram sinônimos de fantasmas, seres
depreciados por definição. Nesta perspectiva existia um corpo
físico ou nada havia de valor real. As desafortunadas almas que
ficassem lá no mundo das sombras, o aterrador Sheol, e os hebreus
vivos no mundo tangível, embora um vale de lágrimas, mas
considerado por definição uma privilegiada dimensão - a única
digna de vivenciar-se.
Quando Jesus Cristo foi crucificado, os apóstolos ficaram
petrificados pelo temor e desolação. Mesmo depois de algumas
aparições do Mestre, São Tomé permaneceu incrédulo porque não
estava presente na ocasião. As palavras sinceras dos demais
apóstolos não o convenceram porque estava imbuído da crença
tradicional. Assim, exigiu de forma irredutível: “Se eu não ver nas
suas mãos os sinais dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não
puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei”.
A descrença não era só de Tomé, como muitos pensam.
Jesus, na aparição anterior aos demais discípulos, precisou mostrar-
lhes detalhadamente as mãos e o lado. Ora, para que é preciso o
corpo falecido se “o corpo de nada vale”, segundo o próprio
Mestre. Simplesmente porque aos olhos daquela gente rude, a vida
real era um sinônimo de vida corporal. O Filho de Deus para reaver
a liderança perdida sobre seus ingênuos discípulos havia de
mostrar-se vivo fisicamente, isto é, em carne e osso. Por este
motivo vê-se constrangido a comer pão, peixe e favo de mel para
comprovar a sua plena e completa ressurreição. Talvez tenha

289
tomado vinho, embora não seja mencionado este detalhe. Só faltou
ao Messias o inocente ato de fazer pipi, se não o fez para regozijo
geral. Então, exclamariam cheios de júbilo: “Ah, agora sim! Sem
dúvidas, é o nosso Mestre ressuscitado! Eis que estamos frente à
frente com o Filho de Deus”!
Na verdade, em algumas destas aparições os discípulos não o
reconhecem inicialmente. No entanto, decorrido algum momento
Jesus revela-se aos seus olhos. Em resumo, todo o sucesso do
cristianismo passou a depender do corpo físico de Cristo, isto é, de
um cadáver ressuscitado. Mesmo que surgisse resplandecente,
irradiando aquela Luz esplêndida que tanto impressionou Saulo de
Tarso, e transmitisse a mensagem divina exata e integralmente, não
acreditariam no Ser Espiritual diante deles - o próprio Filho de
Deus. Não seria a Imagem de Deus, conforme a descrição de um
maravilhado São Paulo. Presenciaram centenas de sinais e milagres
indubitáveis, mas eram insuficientes para abrir suas mentes
atrofiadas pelas crendices. Uns pedacinhos de pão, peixe e um
pouquinho de mel fariam toda a diferença naqueles momentos,
literalmente, cruciais.
Na perspectiva judaica só a matéria era sinônimo
incontestável de vida autêntica. Caso contrário, liderados agora
pelo cético São Tomé, tomariam o rumo de casa desiludidos até ao
âmago e a comentar amargamente:
“Quanta desilusão! Pensamos que era o nosso Mestre
querido, mas tratou-se de terrível engano! Era meramente uma
alma, um fantasma, uma luz muitíssimo reluzente, mas um nada, e
ainda dizendo coisa estranhas! Sentimos um medo arrepiante!
Estávamos tão aterrorizados que nenhum de nós conseguiu ouvir de
qual estranho assunto falava, afinal!”
“Deus é Espírito”, logo o seu Filho só pode ser Espírito. A
matéria é perecível. Jesus Cristo não precisa de corpo físico. Então,
o que aconteceu realmente naquela ocasião? Simplesmente, o
Espírito em grau maximo maximorum prepondera sobre a matéria.
Nada sobrenatural, apenas o natural domínio de altíssima
espiritualidade sobre a matéria e conforme as leis da Natureza.
Jesus, o Enviado dos Céus, detém divinos recursos para apresentar-
se de modo tangível diante dos incrédulos discípulos.

290
E o que aconteceu ao cadáver do Mestre? Na verdade, este
enigma desperta justa curiosidade, mas é completamente
irrelevante. O importante é entender o seguinte: O Ser Espiritual,
Filho de Deus, nunca morreu, está vivo, atuante e dispensa o corpo
de um primata terrestre para servir de desnecessário contrapeso
através da dimensão celestial. A matéria permanece no mundo da
matéria segundo as leis cósmicas. A física de ponta vislumbra a
existência dos Universos Paralelos, cada um com características
próprias. Um corpo físico, particularmente de um primata, não
pode estar passeando nas dimensões além da matéria. Jesus Cristo,
a Imagem Divina, não precisa do invólucro animal no Reino de
Deus.
Há que atentar-se ao seguinte: o Mestre dos mestres não atua
somente na direção espiritual do planeta Terra, mas igualmente
manifesta a divindade do Pai pelos Universos, trabalhando em prol
da evolução dos seres espirituais em “n” dimensões. A sua atuação
não se limita à nossa Nave Espacial. Senão, não seria uma
manifestação divina plena, mas um ponto no espaço a cuidar de
outro ponto onde vive cerca de seis bilhões de primatas no jardim
de infância espiritual, uma insignificância diante da grandeza
transcendental do Multiverso com número infinito de seres
inteligentes.
Jesus Cristo sabia e sabe que o judaísmo é extremamente
materialista. Por isso, ensinou que “Deus é Espírito”. Veja bem,
Deus não é um Espírito, mas Espírito Absoluto que engloba todo
Multiverso. E mais: “o corpo de nada vale”, obviamente, porque é
descartável após valioso uso, mas de qualquer modo efêmero.
Entretanto, estava ciente do nível primário dos hebreus, assim
como de toda humanidade. Aliás, já progredimos razoavelmente,
mas ainda estamos percorrendo conturbada fase insipiente.
Não havia maturidade espiritual entre os judeus, inclusive
dos discípulos, para assimilar os ensinamentos do Mestre
integralmente. Bastava naquele momento doar-se amorosamente
em prol daquela humanidade perversa. Obedecendo aos desígnios
divinos, o Filho do Homem ofereceu-se em supremo holocausto. O
Ser Espiritual nunca morreu, mas apenas o seu invólucro físico
desapareceu. Mais adiante, Jesus convoca o doutor da Lei, Saulo de

291
Tarso, um fariseu de carteirinha. Paradoxalmente, Saulo haveria de
traduzir a doutrina do Mestre, daquele que considerou a “Imagem
de Deus”, para o cristianismo nascente em primeira instância. O
Messias saiu de cena deixando a São Paulo, como singular
protagonista, a dificílima tarefa de apresentar a mensagem divina
de modo tradicional, evitando-se escandalizar mais ainda os judeus
presos aos velhos mitos.
Façamos uma ilustrativa comparação. Um notável PhD, um
gênio ganhador de vários prêmios Nobel, um Einstein, por
exemplo, obviamente não é o professor ideal para ensinar abc às
criancinhas do jardim da infância. Seria um evidente contra-senso.
Uma meiga professorinha de nível primário pode fazê-lo com
maior facilidade. Ela sente-se à vontade para respeitar a fantasia
inerente à idade infantil. Não precisa revelar ao aluno de cinco anos
que Papai Noel, em sua versão mítica, é uma fantasia. Foi
exatamente o que aconteceu. O Mestre dos mestres deixou um
fariseu amoroso dar singular prosseguimento à missão divina. Jesus
Cristo nunca quis eliminar a essência ingênua do velho judaísmo.
Cada passo da evolução espiritual ocorre de modo gradativo.
São Paulo faria a concordância teológica da tradição
simbólica do Velho Testamento com os ensinamentos recebidos via
celestial do Messias redivivo. Uma missão dificílima! Obviamente,
segundo se conclui de suas próprias palavras, ele esteve diante de
um Ser Espiritual, a Imagem de Deus. Jamais um Jesus carnal, com
ferimentos aqui e ali, um cadáver ambulante vestido com roupas
ensangüentadas. O doutor da Lei era um homem com notável
inteligência e de sensibilidade admirável. Não fora à-toa escolhido
para a transcendental missão quando havia outros devotados
seguidores do Messias e até mais antigos na fé. Ele, o irascível
inimigo dos céus, havia de transformar-se num relampejar de olhos
no mais ardoroso amigo.
Observe-se que São Paulo não afirmou ter estado diante do
Deus vivo, mas de sua Imagem. Imagens se compõem de energia,
apenas. “Para um bom entendedor uma palavra basta” ou “para
quem sabe ler um ponto é letra”, diz a sabedoria popular. Ora, o
nosso amado Apóstolo compreendeu os momentos de sublime
espiritualidade que havia graciosamente vivenciado. Inclusive, foi

292
convidado em determinado ponto de sua heróica carreira a visitar a
dimensão celestial, certamente em espírito, mas de modo tão
contundente que ficou confuso se não foi de corpo inteiro. As suas
impressões do maravilhoso episódio ressaltam a dificuldade do
farisaísmo em compreender a dupla condição humana - corpo e
alma - sendo o primeiro um simples meio e o segundo o fim a ser
aprimorado conforme os desígnios divinos.
No entanto, ninguém mais do que Saulo achava-se inserido
no contexto religioso judaico. Havia aprendido desde jovem que,
por ocasião do Dia do Juízo Final, o Deus Único julgaria os vivos e
os mortos, ressuscitados estes últimos segundo a revelação de
Isaías: “o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a
terra dará à luz os seus mortos”. Certamente, tratava-se de uma
ressurreição física, tipo “carne e osso”. Os átomos dispersos pelo
espaço seriam reunidos mediante comando divino de maneira a
reconstituir milagrosamente os corpos decompostos. Era a velha
magia do judaísmo em ação, iniciada por Iahveh no Gênesis
quando imperiosamente ordena: “Faça-se isto, faça-se aquilo!”
Nesta ótica fantasiosa, Iahveh é o Grande Mágico Universal.
Assemelha-se à fase alegórica da estória de Papai Noel. Esta
concepção judaica bizarra chocou inicialmente os gregos. Os pais
da lógica negavam com veemência a impossibilidade física de tão
bizarra concepção transformar-se em realidade. Eles não estavam
errados, mas fazia parte da crença comum do mundo hebraico onde
a fantasia associa-se à realidade formando um todo inseparável.
Sem mitos e lendas, o judaísmo ver-se-ia despojado de sua
vestimenta fabulosa que lhe dá um fantástico colorido e perderia
todo encantamento.
São Paulo percebeu que havia realmente um resplandecente
mundo celestial diante do qual a matéria revela-se irrelevante.
Certamente, Cristo reinava nesse paraíso e recepcionaria os seres
espirituais agraciados. A dimensão celestial era preponderante e a
única a ser considerada de fato. A companhia do Filho de Deus
seria a justa recompensa no final de sua abnegada jornada terrena.
Estar com Cristo é o objetivo transcendental do discípulo que O
ama. O Filho de Deus representa os céus em sua indescritível
grandeza. A matéria surge deletável diante da magnitude do

293
Universo espiritual. No entanto, a visão judaica exigia um primata
com corpo tangível (carne, osso, cabelos, veias, etc.) para participar
do Dia do Juízo Final. Ninguém ia querer, após esperar
pacientemente na obscuridade do arrepiante Sheol por longuíssima
temporada, a perfazer séculos, continuar a ser um mero fantasma.
Em suma, tal perspectiva desanimadora era pouquíssimo atraente,
senão repugnante, à mentalidade vigente, e seria um sinônimo de
punição eterna.
Havia-se, também, que dar um papel essencial ao Messias, já
reconhecido pelos adeptos, como o protagonista principal desse
evento único. Então, diante de um dilema aparentemente sem
solução, o talentoso doutor de Tarso apresentou a sua versão
individual que seria adotada pelo cristianismo eclesiástico em seus
variados segmentos, apesar da ocorrência durante o passar dos
séculos de graves dissensões ou cismas. Nosso criativo São Paulo
vai optar pelo meio termo e de maneira conciliatória.
Os corpos físicos seriam ressuscitados, mas ressurgiriam sob
a singular forma de “corpos celestiais”. Apesar de iguais aos
originais, usufruiriam no Divino Julgamento de uma bela aparência
e desejáveis propriedades. Seriam incorruptíveis, imunes à fome, à
dor e ao frio. Enfim, não passíveis de qualquer desconforto inerente
à punição de Iahveh contra nossos queridos, mas desastrados
antepassados primordiais - Adão e Eva. Foi uma solução tão genial
que agradou a gregos e troianos, isto é, católicos, ortodoxos,
protestantes, evangélicos e demais correntes fiéis ao mito do
Gênesis. As igrejas cristãs se digladiaram no passado e até hoje
discutem futilmente por esse ou aquele aspecto doutrinário, mas
nessa questão primordial são concordes por unanimidade. O “corpo
celestial” soma as vantagens terrenas às espirituais. Convencidos da
conveniência da proposta paulina, ninguém reclamou até agora.
São Paulo era um homem que aceitava as narrativas do
Velho Testamento como a mais pura expressão da verdade.
Naquela época não havia uma ciência moderna para opor
parâmetros de pura razão às interpretações teológicas de caráter
fabuloso. As controvérsias resultantes destas confrontações
persistem em nossos dias, pois ainda estamos em fase insipiente de
evolução espiritual. Na mente dos religiosos ortodoxos, nosso

294
planeta, teologicamente falando, permanece como centro do
Universo - o sol girando em torno - e os céus servem de gracioso
enfeite, embora não tenham coragem de admiti-lo abertamente.
Afinal, o Gênesis é ou não um mito? Sim, sem sombra de
dúvidas, porém não deve ser menosprezado por este simples
motivo. Resume-se a um entendimento preliminar, uma apreciação
primordial que o homem em sua fase primitiva faz dos mistérios
transcendentais de nossa existência. Vários povos criaram diversos
mitos para explicá-los, todavia os hebreus fizeram-no com
particular maestria, uma característica deste povo notável que
ensejou luminares nos diversos campos do saber em todas as
épocas. A merecida constatação não os salva de prenderem-se a
uma religiosidade excessiva e de carente espiritualidade, a causa
essencial de seus padecimentos sob o domínio brutal de inimigos
seculares movidos por não menor fanatismo.
Em suma, sem abandonar as raízes farisaicas e, acima de
tudo, valorizando o contexto hebraico antigo, o nosso genial São
Paulo apresentou uma versão sui generis do judaísmo, de fácil
assimilação ao cristianismo nascente. Seria aceita sem contestação
pelos seguidores judeus e gentios em via de engrossar as fileiras do
Crucificado. A visão carnal não poderia ser abandonada, caso
contrário dificultaria o entendimento pelos hebreus acostumados à
tradição testamentária. A perspectiva da “carne glorificada”, agora
digna dos céus, satisfaria aos justos merecedores da salvação. Os
pecadores empedernidos iriam direto para o inferno eterno, talvez
até para regozijo dos “bons”.
Jesus Cristo havia dito que o “corpo de nada vale”, isto é,
findo o uso efêmero, a vestimenta carnal volta ao pó de onde veio.
E que “Deus é Espírito” - não “um” Espírito - mas Espírito
Absoluto e Infinito que engloba tudo e todos. Na verdade, não há
diferença alguma entre um “corpo espiritual” e um “ser espiritual”.
Seres espirituais imortais são oriundos do Espírito Divino e
habitam incontáveis Universos, com ou sem vestimenta material.
Não há qualquer necessidade de ressurreição da carne, já que
somos seres espirituais imortais. A vida nos Universos
adimensionais celestiais apresenta indescritível beleza e dispensa
qualquer vestimenta carnal, um anacronismo contra as leis da

295
física, isto é, do próprio modo de ser do Senhor do Multiverso.
Jesus falou que “na casa de meu Pai há muitas moradas”. Elas nos
aguardam na medida em que galgarmos superiores patamares
espirituais. Nós, aqui no planeta Terra, estamos em fase semelhante
ao primeiro ano escolar de alfabetização, mas ninguém se aflija,
teremos “n” oportunidades de vivenciar a matéria de maneira mais
positiva e reconciliatória rumo à nossa sublime Origem.
São Paulo foi um homem admirável e permanece um ente
espiritual eternamente apaixonado pela humanidade. Ele adaptou
uma versão infantil de fácil assimilação para iniciantes. É o mesmo
caso do Gênesis, uma estória verídica somente para neófitos, e veja
o sucesso sem precedentes. Até hoje, os sacerdotes amantes da
tradição folclórica aceitam-na ipsi litre ou fingem acreditar nela
com medo de que o abandono do mito seja sinônimo de perda
irreparável da fé. Para o judaísmo, particularmente, representaria o
desaparecimento dos judeus como um povo bíblico. Eles temem
perder o controle sobre os fiéis e ver o poder de manipulá-los
escapar em definitivo de suas mãos. Não entendem que a fé sem a
ajuda da razão pode conduzir perigosamente ao fanatismo, como
aconteceu no passado e vem repetindo-se no presente, com
resultados calamitosos. Devemos nos prevenir contra a fé cega para
possibilitar um futuro promissor onde a paz seja uma constante e
não uma exceção.
Os padres ou congêneres afirmam que não há novas vidas e
tudo se resume na carne complementada por uma misteriosa
alminha ou fantasmazinho inoportuno, conforme crença legada
pelo judaísmo restrito. Não obstante, quem o disse foi o próprio
Jesus Cristo e em diversas passagens do Novo Testamento.
Relembremos a bela narrativa de São João:
Nicodemos, um dos principais sacerdotes fariseus,
costumava visitar amiúde o amado Mestre. Prudentemente
esgueirava-se protegido pelas sombras da noite. Sabia que
afrontava o poderoso stablisment religioso ao qual pertencia. No
entanto, não conseguia evitar o aprendizado amigável com aquele
carismático Jesus de Nazaré. Ninguém podia realizar os sinais
miraculosos que Ele fazia tão naturalmente, uma prova inegável,
como acabou por concluir, de sua autenticidade.

296
Inquieto diante dos mistérios da fé, perguntou-Lhe como
seria possível atingir a salvação. Jesus explicou-lhe: “Em verdade,
em verdade te digo que se alguém não nascer de novo, não pode
ver o reino de Deus”. Nicodemos muito se espanta, pois seria
impossível a um homem velho como ele voltar ao ventre da mãe.
Ele havia interpretado tudo literalmente, mas a resposta vem
imediata: “Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar
no reino de Deus. O que é nascido da carne é carne; e o que é
nascido do Espírito é espírito. Não te admires de eu te dizer:
Importa-vos nascer de novo. O vento sopra onde quer, ouves a sua
voz, mas não sabes donde vem nem para onde vai; assim é todo que
é nascido do Espírito”.
O nosso fariseu não conseguiu conter mais a sua estupefação
diante do aparente enigma descrito de modo tão poético: “Como
pode suceder isto?”. Jesus finaliza: “És mestre em Israel, e não
compreendes estas coisas?”
É interessante observar que tal revelação não foi feita aos
doze discípulos com quem estava em contato diariamente, mas
àquele “mestre em Israel”. João, o mais jovem dos discípulos, devia
ser uma testemunha atenta na ocasião, já que registrou o valioso
diálogo, embora sem entendê-lo naquele momento. Não seria
conveniente ensinar aos discípulos o mistério das vidas múltiplas
porque já haviam assimilado as tradicionais crenças farisaicas de
cunho materialista. Nós todos nos lembraríamos de nossas vidas
anteriores se Deus quisesse revelar a priori esse mistério
transcendental. Neste aspecto, é mais importante o esquecimento
do que a recordação, de modo a tornar única cada vivência na
escola terrena. Não obstante, a pergunta do Mestre ainda seria
aplicável extensivamente hoje em dia: “Sois mestre em Jerusalém,
em Roma, em Moscou, em Nova York, em Paris, em Londres,
aqui, ali e alhures, e não compreendeis estas coisas”?
Os sacerdotes das três religiões do Deus Único de maneira
geral temem aceitar a pluralidade de vidas porque implica em
reconhecer a evolução natural do ser humano no sentido espiritual.
É uma lei válida para todos os seres inteligentes dos infinitos
planetas habitados. É um denominador comum ao Universo
material. A igreja católica, desde o tempo de Constantino, rejeitou a

297
corrente que a defendia por temer a minimização do papel dos
padres na salvação individual. A confissão, a excomunhão e demais
ferramentas capazes de infundir ao fiel o pavor de ser condenado ao
inferno eterno, constituíam maneiras eficazes para permitir à igreja
católica o exercício de enorme poder sobre a cristandade. Daria
margem à tirania sobre o livre pensamento ao esmagar qualquer
tipo de opinião contrária aos supostos donos da verdade. Não se
quer aqui diminuir a amorosa e abnegada ação dos bons sacerdotes,
mas levá-los a compreender que Deus age por meios válidos para
apressar a evolução espiritual dos seus filhos espalhados por todo
Multiverso.
Aproveitando as palavras de São Paulo quando afirma que o
cristão deveria ser um “homem novo”, isto é, um homem renovado
na fé e santidade, a ortodoxia apresentou uma interpretação
metafórica que satisfizesse às suas conveniências. Segundo ela,
Jesus Cristo quis dizer que Nicodemos deveria se transformar nesse
“homem novo” para conseguir a salvação. Observe-se que esta
ficcional idéia é bem posterior às palavras de Cristo sobre a
existência da vida após a morte. Tal versão foi aceita facilmente
pelas igrejas, pois mantém a natural tendência farisaica por uma
religiosidade que privilegia a matéria em detrimento do espírito e
maximiza a autoridade sacerdotal a fim de engrandecer o poder
temporal sobre os fiéis.
Em Mateus (17.9-13) é evidenciada outra vez a pluralidade
de vidas. As Escrituras previam que o profeta Elias viria de novo
para anunciar a gloriosa vinda do Messias. O problema maior era
que o profeta há séculos falecera. Como, então, poderia ser
cumprida a enigmática passagem do Velho Testamento? Havia uma
evidente impossibilidade difícil de ser ignorada. Movidos por
incontida curiosidade e não menor incredulidade, os discípulos
apresentaram à queima roupa a delicada questão ao Mestre: “Por
que dizem os escribas ser necessário que Elias venha primeiro?
Então, Jesus respondeu-lhes: De fato Elias virá e restaurará todas as
coisas. Eu, porém, vos declaro que Elias já veio, e não o
reconheceram, antes fizeram com ele tudo quanto quiseram. Assim,
também, o Filho do homem há de padecer nas mãos deles. Então,
os discípulos entenderam que lhes falara a respeito de João

298
Batista”. Posteriormente, o padecimento do Mestre nas mãos dos
sacerdotes do Sinédrio confirmaria a previsão.
A versão ortodoxa não se dá por vencida e apela para outra
duvidosa alegoria, mesmo contradizendo a importante, senão
definitiva, opinião dos próprios apóstolos. Ora, São João Batista
não era o profeta Elias reencarnado, mas outra pessoa que,
“simbolicamente”, atuou no sentido de cumprir o Velho
Testamento. Em suma, o Mestre dos mestres apresentou uma
resposta que seria igualmente verdadeira na boca de qualquer
pretenso Messias. Ora, os falsos Ungidos historicamente sempre
foram anunciados por alguma personalidade notável. Em resumo,
Jesus de Nazaré não esclareceu coisa alguma. Alguém já falou que
uma mentira, se repetida incessantemente, acaba tornando-se
verdade. Por mera conveniência abandonou-se a versão original
oriunda do próprio Cristo para apegar-se à inconsistente
interpretação de cunho farisaico. Esta, embora falsa, era bem mais
conveniente aos interesses mundanos de uma igreja pós-apóstolos
mui interessada em aumentar seu poder terreno.
Entretanto, a ideia de vidas sucessivas não era estranha ao
pensamento judaico como se evidencia em algumas passagens
evangélicas. Em Mateus (16.13-1), quando Jesus pergunta: “Quem
diz o povo ser o Filho do Homem?”, respondem os discípulos:
“Uns dizem João Batista, outros Elias e outros Jeremias ou algum
dos profetas”. A resposta dos discípulos não teria sentido caso
acreditassem haver somente uma vida única.
No Livro da Sabedoria (8.19-20), atribui-se a Salomão a
seguinte afirmativa: “Eu era um menino de um natural feliz e havia
obtido uma alma boa. Sendo bom, vim em um corpo sem mancha”.
Ora, se eliminarmos a crença em uma existência anterior o texto
fica sem sentido.
Há referência semelhante no Livro de Jeremias (1:5):
“Antes que te formasses no ventre, te conheci, e antes que
saísses da madre, te santifiquei; às nações te dei por profeta”.
Evidencia-se aí a preexistência de Jeremias em elevada posição
espiritual, uma justa razão para os céus credenciá-lo como notável
profeta junto ao seu povo.
Diante de um cenário insipiente, onde reinavam irmanadas a

299
ignorância e a crueldade, o Filho de Deus, em divina obediência ao
Pai, decidiu imolar-se na cruz. Foi um ato supremo de amor à
humanidade que ficaria eternamente na memória dos homens de
boa vontade. Naqueles momentos cruciais foi ensinado o máximo
que o homem, cursando o jardim da infância no planeta Terra,
poderia assimilar, ainda assim com enorme dificuldade. Apenas
cerca de trinta e três anos permaneceu o Mestre Inesquecível entre
nós. Para a pregação ostensiva restou-lhe apenas três. A grande
lição - o importante é saber amar. Crenças ou crendices religiosas
são produtos significativos das múltiplas culturas, todavia não
passam de manifestações folclóricas irrelevantes diante do objetivo
transcendental. Jesus Cristo limitou-se a plantar as sementes e
nosso mérito consiste em cuidar para que cresçam sadias dando
frutos um por mil, e mil por milhão.

300
CAPÍTULO 31

ALÁ - O DEUS ISLÂMICO

Posteriormente, o judaísmo daria margem ao islamismo. Ora,


em um pequeno copo não cabem todas as águas do Oceano Sem
Fim. Esta simples observação restringe a capacidade de assimilação
espiritual da humanidade e viabiliza outras opções de evolução.
Maomé, um homem justo e reto, porém possuindo uma
personalidade sujeita à condição humana, seria a solução natural
para ensejar o amor divino contido no judaísmo valioso à outra
significativa parcela da humanidade. Novamente um espetacular
fenômeno religioso ocorre à revelia da mãe judaica que prefere
comportar-se friamente como contumaz madrasta ao ignorar seus
dois outros rebentos. De forma irredutível somente reconhece o
primogênito, considerado único por definição.
Desta vez, os céus designariam um professor de nível
primário para transmitir a mensagem divina a alunos sabidamente
de nível insipiente e consoante com a elementar escola terrena. Não
houve maiores preocupações com o que chamamos de santidade.
Maomé (Louvado seja o Profeta) possuía elevadas virtudes, porém
era uma personalidade sujeita à condição humana. Ele deu
exemplos de sábia moderação e proverbial honestidade de conduta
e propósitos, contudo isto não o impediu de externar natural
volúpia, pois possuía várias esposas, mesmo em número superior a
quatro, um privilégio especial concedido a si mesmo - o último e
definitivo Mensageiro de Alá. Aniquilou também inimigos de
forma sangrenta nas ocasiões em que julgou indispensável livrar-se
sem piedade deles em nome do Deus Único. No entanto,
demonstrou compaixão ao conceder muitas vezes generoso perdão

301
aos seus acirrados inimigos. Ele foi tão semelhante a nós, homens
comuns, que até enfrentou boatos de ter sido traído por sua esposa
Fátima, a mais jovem e bonita. Aliás, o que não parece tão difícil
de entender.
Esse profeta admirável vai liderar vitoriosamente os árabes
sob a bandeira do Senhor dos Exércitos, abrandado em seu terrível
zelo compulsivo pela amorosa influência de Jesus Cristo,
reconhecido como singular Mensageiro bíblico pelo Alcorão. Para
sermos sinceros, em dimensão mais modesta do que consideram os
cristãos, todavia não isenta de valiosa significação. O Profeta
islâmico, primando por sublime compreensão, aceita com sabedoria
os veneráveis personagens do Velho e Novo Testamento e cita-os
frequentemente como admiráveis exemplos a serem seguidos no
seu Alcorão. O Islamismo declara-se uma divina continuação ou
extensão da fé no Deus Único, uma crença nascida com o patriarca
Abraão. Maomé seria o ápice, a pedra final do milenar fenômeno
religioso.
A tradição judaico-cristã foi adaptada de uma maneira
agradável à grande maioria árabe ao espelhar sua cultura
tradicional. Unidos sob a bandeira do aclamado Senhor dos
Exércitos, agora chamado de Alá, as tribos do deserto, antes
desunidas por secular discórdia, conquistam seguidamente outros
países e formam magnífico império. Alá é uma palavra árabe que
significa “O Deus”, sendo o artigo “O” essencial para diferenciá-Lo
das múltiplas divindades cultuadas na época pelos árabes,
caracterizando grave pecado, uma imperdoável afronta à nova fé.
As tribos hebraicas do deserto árabe repudiaram o processo
islâmico, considerando-o espúrio e estranho ao judaísmo.
Ironicamente, Maomé (Mohamed) e seguidores colherão os louros
de gloriosas conquistas sobre os demais povos, tornando realidade
a grande aspiração hebraica jamais realizada. O Profeta, caso fosse
judeu, teria sido o Messias de um judaísmo sonhador que nunca
despertou de seu quimérico mundo de ilusórias aspirações
frustradas. Na verdade, por mais magníficos que tenham sidos os
impérios islâmicos, eles desapareceram com o passar dos séculos, a
exemplo dos demais grandes impérios, evidenciando que a maior
vitória do ser humano deve ser sobre si mesmo, o inseparável

302
inimigo que se oculta dentro de nós e que é a causa de grandes
sofrimentos.
Nesta altura, surge a pergunta crucial. Afinal, qual a razão
das três religiões do Livro? O que os céus tinham em mente? O
judaísmo trouxe um objetivo resumido no ideal do homem reto e
justo. Uma aspiração particular de um povo voltado para si mesmo,
unido sob o Deus de Israel, mas olhando os demais povos como
potenciais inimigos que deveriam ser discriminados e rejeitados.
Dentro desta introvertida perspectiva misantrópica, teme-se até a
cordial amizade dos gentios receptivos, já que poderiam colocar em
risco a identidade judaica, tão preciosamente guardada a sete
chaves sob as presumíveis ordens do irascível Iahveh.
Jesus Cristo veio para libertar o judaísmo verdadeiro que se
encontrava aprisionado no restrito universo hebraico de maneira
semelhante ao gênio encerrado na lâmpada mágica de Aladim. A
repressão do stablishment religioso de Jerusalém foi terrivelmente
truculenta, mas nem por isto conseguiu impedir o cumprimento dos
desígnios divinos. A humanidade foi beneficiada em sua evolução
espiritual. O Filho de Deus é o divisor de águas da história e
paradigma por excelência do amor de nosso Pai.
Então, surge uma intrigante questão. Qual o papel do
islamismo, se todo o problema, embora não resolvido, já estava
equacionado? Talvez, a resposta esteja no dito popular: “Deus
escreve certo por linhas tortas”. Naquela ocasião, uma carismática
personalidade seria o “homem certo, no lugar certo” para implantar
o judaísmo valioso no coração dos árabes. Os cristãos eram olhados
com cultural desconfiança e os judeus, como sempre, estavam
imobilizados dentro do impenetrável casulo mosaico. A
humanidade não trilha um caminho reto em direção ao Criador,
mas segue diversas veredas, curtas ou longas, tanto à esquerda
como à direita, e às vezes parece retroceder. O Holocausto nazista-
judaico foi um exemplo clássico.
Existe outro relevante fator a considerar. Não importa
quão grande seja a bondade divina. O ser humano, um aprendiz
na fase abc, só consegue assimilar uma minúscula porção da
espiritualidade ideal. Neste aspecto, é mais importante o volume
do recipiente de cada indivíduo do que a quantidade de líquido

303
disponível a ser despejado. Simplesmente é impossível colocar
toda a água do Oceano Sem Fim num recipiente limitado. Só
sobrará um copinho ou dedal cheio d’água e nada mais. Às
vezes, nem isto. Tal decorre do fato de cada ser humano ter um
nível espiritual em função de seu grau de perfeição ou
imperfeição.
Vejamos um exemplo ilustrativo. Quando os “cristãos”,
insuflados por Urbano II, aquele maquiavélico papa arquiteto das
cruzadas, tomaram Jerusalém, não deixaram escapar, apesar dos
apelos angustiados dos sitiados, uma viva alma. Tomados por
espírito demoníaco preferiram, como porcos selvagens,
chafurdar-se no sangue de suas infelizes vítimas.
Desconheceram a palavra compaixão, influenciados por padres
fanáticos que se compraziam em levá-los ao extremo da
intolerância.
Por outro lado, quando Saladino, o Magnífico, retomou
Jerusalém pelas armas, demonstrou de modo inesquecível ao
mundo a sublime grandeza do perdão. Não somente poupou a
vida dos cristãos sitiados, como lhes permitiu usufruir um
convívio pacífico e profícuo com os vencedores. No coração do
admirável líder coube algo da bondade divina que afastou o vil
sentimento de vingança, a conhecida lei do talião, “olho por
olho, dente por dente”. Não obstante, a capacidade espiritual
minúscula daqueles intitulados “cristãos” não lhes permitiu,
quando arrogantes vencedores, externar qualquer sentimento de
piedade. No singular episódio, os muçulmanos estavam mais
próximos, não só da tolerância gratificante do Profeta, como da
benevolência amorosa de Cristo.
As três religiões do Livro, o judaísmo e os dois filhos
enjeitados, o cristianismo e o islamismo, possuem como
denominador comum uma mesmíssima crença no Deus Único.
Entretanto, as três colocam-se em posições diferentes ao
contemplá-Lo e, por conseguinte, vêem-No de maneira individual.
Nada tão surpreendente, pois Deus possui infinitas facetas. A mãe
judaica e seus rebentos teimam em jurar que só eles estão diante da
imagem autêntica da Divindade. Muitos “cristãos” persistem em
idêntico comportamento. No entanto, se sete notas sonoras

304
produzem belas músicas independendo da multiplicidade cultural,
deveria ocorrer na religiosidade fenômeno igual. A música, não
importa a origem, é composta para ser apreciada por quaisquer
ouvidos. Ela é universal, uma vez que não se prende às fronteiras.
As verdadeiras religiões deveriam ser semelhantes neste aspecto.
Há que se oferecer uma beleza sublime para ser apreciada por todos
sem exceção. O essencial é consolidar a fraternidade universal.
O Alcorão, livro sagrado do islamismo, pode ensejar à
semelhança do Velho Testamento, uma variada gama de
interpretações ou sentimentos, bons ou maus, conforme os crentes
prefiram basear-se em partes ambíguas para confirmar suas idéias
ou propósitos pessoais. Alá, tal como Iahveh, mostra-se
voluvelmente divino ao relevar ou punir:
“Perdoa a quem lhe apraz e castiga quem lhe apraz”. (2:284).
Os perversos sempre vão se identificar com a maldade,
enquanto os tolerantes com a bondade. O irredutível aiatolá
Komeiny afirmava que obedecia literalmente ao Alcorão quando
impôs o chador à nação iraniana. O controvertido líder considerava
justo mandar apedrejar adúlteras, executar homossexuais,
contrabandistas ou traficantes, bem como proibir a música, a dança
ou fechar as escolas mistas. O espírito vingativo do tresloucado
religioso encontrou fiel ressonância no versículo seguinte:
“Ao ladrão e à ladra, cortai as duas mãos em pagamento pelo
que tiverem lucrado: um exemplo imposto por Deus. Deus é
poderoso e sábio”. (5:38)
Entretanto, o mesmíssimo Alcorão recomenda generosa
clemência para com os que se arrependem e repete centenas de
vezes que Deus é compassivo e misericordioso.
Assiste-se nos últimos anos ao renascimento de um Islã que
invoca o Alcorão para reorientar a vida de alguns países desde o
norte da África até o sul da Ásia. Assim, assistimos a cenas
peculiares da prática quotidiana dessa fé. No reino da Arábia
Saudita, as bebidas alcoólicas são proibidas em caráter terminante.
No Paquistão, açoita-se legalmente um ladrão em praça pública sob
as olhares exultantes de delirante multidão que se compraz em
extravazar chocante sadismo. Milhões de mulheres muçulmanas
continuam ou voltaram a cobrir o rosto com véu, um símbolo de

305
precavido pudor.
Em nome desse Livro Sagrado, 40 dos 152 países do mundo
formaram uma aliança que procura exercer influência defensiva ou
mesmo ação agressiva contra o mundo ocidental. É flagrante o
contraste de um Islã restritivo, intolerante versus as sociedades
democráticas, liberais e permissivas, uma preocupante visão que
parece configurar um conflito de civilizações.
Aliás, um alarmante confronto entre o tradicionalismo e o
modernismo manifestou-se nos próprios países muçulmanos.
Ataturk, na Turquia, e Riza Khan, no Irã, rejeitaram no começo do
século XX o Alcorão e seus severos costumes, preferindo impor a
lei e os costumes europeus. Certamente, viam o islamismo como
um entrave retrógrado ao progresso de seus países já que estavam
sendo ultrapassados flagrantemente em todos os sentidos pelas
poderosas nações européias. Entretanto, depois do falecimento dos
citados líderes, uma tremenda reação fundamentalista arrasou suas
reformas e restabeleceu a lei islâmica.
Segundo o Alcorão, os seres humanos estão divididos em
dois mundos antagônicos por definição: o primeiro seria dos
muçulmanos (os crentes) e o segundo dos não muçulmanos (os
descrentes ou infiéis). No dia da Ressurreição, a versão islâmica do
Dia do Juízo Final, os eleitos, obviamente os crentes, serão
contemplados com o Paraíso “onde permanecerão enquanto houver
céus e terra”. (11:107). Os demais, amaldiçoados e condenados,
irão para a Geena, o inferno, e ficarão nele para sempre, isto é,
aquela eternidade ipse litre transcrita do Velho Testamento.
Aos incrédulos, uma drástica advertência é feita:
“Supõe o homem que nunca juntaremos seus ossos? Sim!
Somos capazes de restaurar-lhe até a ponta dos dedos. Mas o
homem prefere prosseguir na sua libertinagem. E diverte-se:
Quando será o dia da Ressurreição?” (75:3-6)
O Paraíso será um feliz retorno a Deus, como “uma gota que
volta ao Oceano”. A descrição das delícias do Paraíso sensibiliza
principalmente o beduíno do deserto ao oferecer os valiosos
aspectos que mais lhe aprazem, sejam majestosos rios,
restauradoras fontes d’água nascente, jardins admiráveis, frutas
deliciosas, além de esposas formosas com sorrisos insinuantes e

306
belos olhos negros. No entanto, as imagens mais impressionantes
são reservadas à atemorizante descrição do dia da Ressurreição:
“Quando a trombeta soar, e a terra e as montanhas forem
erguidas e depois esmagadas de um só golpe, naquele dia será a
Ressurreição.” (69:13).
“Nesse dia, os homens serão como borboletas dispersas e as
montanhas se movimentarão como se fosse uma miragem.”
(78:20).
“E enrolaremos o céu como se enrola um pergaminho. E
como iniciamos a criação, iniciaremos a segunda”. (21:104).
“Os que rejeitam os nossos sinais, breve jogá-lo-emos no
Fogo. Cada vez que suas peles forem queimadas, substituí-las-emos
por outras para que continuem a experimentar o suplício”. (4:56).
O Alcorão exorta os árabes a obedecerem não só a Deus,
mas também a Maomé. Caso contrário, castigos inimagináveis lhes
estão reservados. Serão obrigados a suportar o insuportável quando
ocorrer o dia da Ressurreição.
“Crentes são aqueles que crêem em Deus e em seu
Mensageiro”. (24:62).
“Para aqueles que não crêem em Deus e em Seu Mensageiro,
preparamos um fogo flamejante”. (48:13).
Ao dividir o mundo em duas partes, a dos crentes ou não
crentes, resulta às vezes um exclusivismo que extravasa ambígua
intolerância contra os povos do Livro, já que Maomé acatou
respeitosamente os sábios ensinamentos do Velho e do Novo
Testamento:
“Com certeza, Alá separará, no dia da Ressurreição, os que
crêem dos judeus e sabeus e nazarenos e magos e idólatras”.
Alguns versículos são favoráveis ou desfavoráveis aos
chamados “adeptos do Livro”, judeus ou cristãos, variando
conforme foi crescendo a animosidade político-militar entre eles e
os muçulmanos. O arcaico exclusivismo judaico é superado, mas
não totalmente descartado pelo islamismo. Resumindo o
pensamento de Maomé ou seguidores, podemos dizer que Deus
revelou sua vontade aos judeus e cristãos, mas estes desobedeceram
ou mal cumpriram as suas divinas ordens. Caso contrário, teriam a
benevolência divina:

307
“Dize: Ó adeptos do Livro, em nada vos apoiais enquanto
não observardes a Torá e o Evangelho e o que vos foi revelado por
vosso Senhor...” (5:68)
“Os que creem e os que abraçaram o judaísmo e os sabeus e
os nazarenos e quem quer que creia em Deus e no último dia e
pratique o bem nada têm a temer e não se entristecerão. Fizemos
outrora uma aliança com os filhos de Israel e enviamos-lhes
Mensageiros. Mas cada vez que um Mensageiro lhes trazia o que se
opunha às (más) inclinações de suas almas, a uns desmentiam, e
outros os matavam”. (5: 69-70)
Os judeus e cristãos corromperam as Escrituras. Além disto,
os cristãos adoram Jesus Cristo como o próprio Deus ou Filho de
Deus. Ora, o Criador quer ser adorado com absoluta exclusividade:
“São descrentes aqueles que dizem que Deus é o Messias, o
Filho de Maria, quando o próprio Messias declarou:
“Ó filhos de Israel, adorai Deus, meu Senhor e vosso Senhor.
Em verdade, quem atribuir associados a Deus, Deus lhe proibirá o
Paraíso e lhe dará o Fogo por morada”. (5:72)
São cinco os deveres básicos que o muçulmano deve
obedecer - a prece, o jejum, o pagamento do tributo aos pobres, a
peregrinação à Meca e a guerra santa.
Na época de Maomé, a guerra contra os árabes não crentes
parecia justificada porque permitiria a implantação da fé no Deus
Único e expansão de um islamismo ainda não aceito por todos. O
derramamento de sangue em nome de Alá devia ser visto como
sagrada obediência individual que conduziria o crente ao paraíso.
Uma vingança atroz é reservada aos que persistem em combater o
Mensageiro de Alá e não se arrependem:
“São realmente crentes os que crêem em Deus e em seu
Mensageiro, que não duvidam e que lutam, com suas vidas e
posses, pela causa de Deus”. (49:15).
“Que combatam pela causa de Deus os que trocam esta vida
terrena pela vida futura! Pois quem combater pela causa de Deus,
quer sucumba ou vença, receberá uma grande recompensa (no
paraíso)”. (4:74)
“O castigo dos que fazem guerra a Deus e a Seu Mensageiro
e semeiam a corrupção na terra é serem mortos ou crucificados ou

308
terem as mãos e os pés decepados, alternadamente, ou serem
exilados do país; uma desonra neste mundo e um suplício no Além.
(5:33)
Com exceção daqueles que se arrependem antes de serem
dominados por vós. Deus é perdoador e misericordioso. (5:34)
Lembremo-nos que no decorrer dos séculos um cristianismo
nominal, contrariando os amorosos ensinamentos de Cristo,
exorbitou-se em crueldades e impôs-se sobre outros povos pela
força das armas. Uma evangelização a duras penas foi imposta aos
infelizes nativos das Américas que não conseguiram escapar nem
aos rigores da hedionda Inquisição. No final das contas, o
comportamento humano assemelha-se, não importando qual
divindade seja citada para justificar as próprias atrocidades
cometidas.
O Alcorão favorece um Estado teocrático, baseado na
orientação de um chefe supremo, supostamente justo, que aplique a
palavra de Deus, e na igualdade de todos os muçulmanos, sem
discriminação de raça, classe social, nacionalidade, grau de
instrução ou posse. Segundo a vontade do Profeta, a paz deveria
reinar fraternamente no mundo islâmico:
“Todos os crentes são irmãos. Fazei a paz entre vossos
irmãos e temei a Deus. Então, recebereis misericórdia”. (49:10)
Não obstante, as sábias palavras parecem não surtir qualquer
efeito positivo quando sujeitas a uma conflituosa realidade, ainda
que limitada aos crentes. A guerra entre o Irã e o Iraque, islâmicos
ambos, resultou em horrenda carnificina com milhões de vítimas
fatais, fora os feridos e mutilados, tudo a troco de vil mesquinharia.
No final, decorridos vários anos da infernal contenda, por ocasião
da assinatura do tratado de paz nem sabiam exatamente por qual
motivo lutaram. Tudo não passou de uma intolerante retomada de
ódios seculares entre o antigo império persa, atual Irã, e uma facção
belicosa do mundo árabe. Em particular, originou-se da insensata
rixa entre o desvairado fanatismo de aiatolá Komeiny versus a
desmedida truculência de Saddam Hussein. Ambos assistiram com
frieza ao trucidamento mútuo de seus conterrâneos, enquanto
ficavam comodamente assentados no poder.
O Alcorão contém versões mais ou menos fiéis de

309
acontecimentos bíblicos e evangélicos como o Gênesis, Adão e
Eva, a história de José e de seus onze irmãos, a perseguição do
Faraó aos judeus liderados por Moisés e a ida destes à Terra
Prometida, a história de Salomão e da rainha de Sabá, o nascimento
de Jesus, e muitos outros episódios, evidenciando admirável
adaptação do Velho Testamento ao mundo árabe, segundo a visão
de Maomé, o Mensageiro de Alá. As fábulas hebraicas foram
interpretadas e recontadas como se fossem a expressão de pura
realidade. O amor à fantasia é um denominador comum aos
semitas, sejam judeus ou árabes. Caracteriza a expressão cultural de
sua intensa religiosidade.
Dezenas de detalhes do comportamento social são prescritos
no Alcorão:
“Ó vós que credes, quando vos pedem nas assembléias:
‘Apertai-vos para dar lugar aos demais’, daí lugar aos demais. Deus
vos dará lugar no Paraíso. E quando vos dizem: ‘Levantai-vos’,
levantai-vos...”
Além das sutilezas, as virtudes pessoais e sociais
representam o supremo legado do Alcorão que as enaltece
sobremaneira. É quando o islamismo ultrapassa os limites da
religião para aplicar-se ao homem de modo geral, não importando a
época e nem o lugar onde vive:
“A boa ação e a má ação não são iguais. Repele o mal da
melhor maneira, e verás o teu antigo inimigo agir como se fosse teu
amigo leal”. (41:34).
A sapiência dessas palavras parece ter frutificado na mente
de Saladino, o Magnífico, quando de modo complacente respeitou
as vidas dos aterrorizados cristãos cercados em Jerusalém. É uma
extensão do ensinamento básico dos grandes mestres espirituais da
humanidade, desde Buda e Lao-Tsé, a Jesus Cristo. Ensina que o
mal só pode ser vencido pelo bem.
A religiosidade deve dar margem ao sentimento de justiça,
cultivando-se a humildade e repudiando-se a arrogância, assim
como a maldade contra o semelhante:
“Meu filho, observa a oração, prescreve a justiça, proíbe o
mal e suporta com força de alma o que te atingir... E não trates os
outros com altivez, e não caminheis com jactância, pois jamais

310
fenderás a terra e jamais atingirás a altura das montanhas.”(31:17-
18)
A solidariedade aos menos afortunados é também enaltecida
sobremaneira:
“Nos vossos bens, que haja sempre um quinhão para o pobre
e o deserdado.”(51:18)
Compare-se com as palavras de São Pedro espelhando
aquelas do Livro dos Provérbios: “a caridade cobre uma multidão
de pecados”.
Em várias partes do Alcorão é ensinado com veemência que
Deus é o Criador com poderes absolutos sob a sua criação,
englobando tudo e todos:
“Não sabes que a Deus pertence o reino dos céus e da terra e
que, fora d’Ele, não tendes nem defensor e nem protetor?”.(2:107)
A opressão contra o semelhante é criticada. Deus observa
com severidade quem não segue um caminho reto:
“Segue, como os que se arrependeram contigo, o caminho
reto, como te foi mandado. E não oprimais. Deus observa o que
fazeis.”
Embora o Profeta desconhecesse a democracia moderna,
pois em sua época era impraticável, decerto reconheceria nos
tempos atuais ser a única forma de governo que permite relativa
liberdade aos cidadãos e minimiza a opressão tirânica por parte dos
poderosos.
O universo do Alcorão é masculino. Alá fala aos homens e
limita-se a fazer comentários sobre o comportamento das mulheres.
Nas mesquitas, os homens rezam separados das mulheres que
permanecem aparte, à semelhança das sinagogas.
Maomé (Louvado seja) condena claramente os juros
obrigando os banqueiros muçulmanos modernos a usar uma
sinonímia eufemística, quando denominam os juros de “taxas de
serviço bancário”:
“Ó vós que credes, não vivais dos juros que vão dobrando a
importância emprestada. E temeis a Deus. Quiçá vençais”. (3:130)
“Os que vivem de juros não se levantarão de seus túmulos
senão como aqueles que o demônio esmaga. É porque dizem: ‘O
juro é como comércio’... Deus aniquila o juro e faz frutificar a

311
caridade. Deus não ama o pecador e o ingrato.”
Na verdade, a cobrança de juros permanece controversa
mesmo na atualidade. A agiotagem é crime passível de punição nos
países modernos. Uma usura comedida que concilie os interesses
opostos de credores e devedores ainda permanece assunto
discutível. De qualquer modo, o dinheiro oriundo de empréstimos
razoáveis, quando bem empregado, faz prosperar o sistema
capitalista que não vive sem ele. Donde concluímos que a perfeição
plena não pertence ao mundo terreno.
Tratemos agora de um assunto assaz controvertido. Maomé
considerava Jesus Cristo um Filho especial de Deus ou mesmo o
Filho de Deus? Ou muito pelo contrário? O que nos revela o
Alcorão? Vejamos:
“E quando os anjos disseram: ‘Ó Maria, Deus te escolheu e
te purificou e te exaltou acima das mulheres do mundo”. (3:42)
“E quando os anjos disseram: ‘Ó Maria, Deus te anuncia a
chegada de Seu Verbo, chamado o Messias, Jesus, filho de Maria.
Será ilustre neste mundo e no outro, e será um dos favoritos de
Deus”. (3:45)
“E ela perguntou: ‘Senhor meu, como poderei ter um filho
quando nenhum mortal me tocou? Respondeu: ‘Deus cria o que
Lhe apraz. Quando determina algo, basta-lhe dizer: ‘Sê’, para que
seja”. (3:47)
“E Deus ensinar-lhe-á as Escrituras e a sabedoria e a Torá e
o Evangelho”. (3:48)
“E ele será um Mensageiro aos filhos de Israel: (E dirá),
Trago-vos um sinal da parte de vosso Senhor. Com barro formarei
uma figura de pássaro e nela soprarei e, pela graça de Deus, ela será
um pássaro. E curarei o cego e o leproso, e ressuscitarei os mortos
com a graça de Deus. E dir-vos-ei o que estiverdes comendo e o
que estiverdes amontoando em vossas casas. Haverá nisso um sinal
para vós se sois crentes”. (3:49)
“Aos olhos de Deus, Jesus é como Adão: criou-o do barro,
depois lhe disse: ‘Sê’ e ele foi”. (3:59)
“Esta é a verdade de teu Senhor. Não esteja entre os céticos”.
(3:60)
Evidentemente, o Profeta dos crentes considerava Jesus

312
Cristo um Mensageiro do Senhor criado de maneira tão original
como Adão, o primeiro homem. Era o Verbo divino em carne e
osso. O Criador revelou-se ao mundo através de suas palavras,
ensinamentos e exemplos. Inclusive, o Messias era capaz de dar
vida a um pássaro de barro, ou seja, transformar o inanimado em
animado, de modo semelhante ao seu Pai - o Criador.
A mãe do futuro rebento celestial representa a pureza
feminina personificada. Ela é imaculada por definição. Nenhum
mortal tocou em Maria para inseminá-la por meio natural, pois o
próprio Senhor dos Universos reservou para Si esta divina tarefa.
Basta que Ele diga: “Sê, para que seja”.
E como se fosse pouco, Jesus Cristo foi agraciado com
poderes especiais de cura, além da onisciência plena sobre as coisas
e as criaturas. Mais adiante vemos que o destino trágico do
Salvador já fazia parte dos desígnios divinos. Cristo oferecerá a
própria vida como holocausto supremo em prol da evolução
espiritual de uma humanidade em nível de barbárie. E aqueles que
rejeitarem o Filho de Deus serão punidos mais cedo ou mais tarde:
“E quando Deus disse: ‘Ó Jesus, matar-te-ei e elevar-te-ei até
Mim, e purificar-te-ei dos que descreem, e colocarei teus
seguidores acima dos descrentes até o Dia da Ressurreição”. (3:55)
“Quanto aos que descreem, submetê-los-ei a um castigo
doloroso neste mundo e no outro, e não haverá quem os socorra”.
(3:56)
Se há uma corrente islâmica que negue a filiação divina do
Messias, decerto entra em contradição com o Alcorão e o
pensamento de Maomé.
Mais adiante surge uma aparente contradição com os
versículos citados que tanto enaltecem de forma singular Jesus
Cristo:
“Descreem os que dizem que Deus é o Messias, o filho de
Maria. Dizei: “Quem seria capaz de fazer seja o que for contra
Deus se Ele quisesse aniquilar o Messias, o filho de Maria, e sua
mãe e todos os habitantes do mundo? A Deus pertence o reino dos
céus e da terra e tudo quanto existe entre eles. Deus cria o que lhe
apraz. Ele tem poder sobre tudo”. (5:17)
“Dizem os judeus e os cristãos: ‘Somos os filhos de Deus e

313
Seus amados’. Pergunta: ‘Por que, então, Ele vos castiga os
pecados? Sois antes criaturas humanas iguais às demais de Suas
criaturas. Ele perdoa a quem lhe apraz e castiga a quem lhe apraz.
A Ele pertence o reino dos céus e da terra e tudo quanto existe
neles. É para Ele que será o retorno”. (5:18)
A explicação é simples. Nessas alturas surgia acirrado
confronto entre o cristianismo existente e um islamismo ainda em
formação. Ambos defendidos por crentes fanáticos que se achavam
os donos da verdade, sempre prontos a apegar-se às irrelevâncias
odientas e desprezar a essência regeneradora, pois viviam cegos
pela arrogância, ambição e vaidade. As comunidades “cristãs”
procuravam desprestigiar ao máximo os adeptos do Islã e,
infelizmente, a recíproca era igualmente verdadeira. Para se
autovalorizar os judeus e cristãos afirmavam serem os únicos filhos
de Deus. E os cristãos acreditavam ainda na divindade de Cristo,
como Filho de Deus.
Na verdade, à luz dos conhecimentos recentes da
espiritualidade e ciência modernas, podemos afirmar:
Existe o Espírito criador e harmonizador dos Universos.
Tudo e todos estão nele inseridos. No entanto, o Senhor do
Multiverso não é exatamente aquele Deus Único, vingador e
irascível do Velho Testamento que vivia a tagarelar com os
hebreus. Trata-se simplesmente de uma visão primária de um povo
talentoso, mas ainda em estado insipiente.
Na realidade, somos todos, os incontáveis seres inteligentes
do Multiverso Infinito, literalmente filhos imortais do Criador.
Cada um de nós é uma “fagulha” ou “centelha divina” que vivencia
ao longo dos séculos inúmeras oportunidades no universo material
para aperfeiçoar-se espiritualmente. Jesus Cristo é o Espírito que
atingiu divina perfeição e veio para transmitir à humanidade a
vontade de seu Pai - o Criador. É o Filho por excelência - o Filho
de Deus. O Avatar Divino. E Deus é o Oceano sem Fim ou a
Chama Incomensurável no qual estamos todos inseridos. Dele
viemos e para Ele voltaremos após longuíssima jornada
multimilenar.
Embora o Alcorão se baseie no Velho Testamento que não
ensina de modo explícito a reencarnação, parece sugestiva a sura

314
abaixo:
“Como podeis renegar Deus, já que estáveis mortos e Ele vos
ressuscitou e vos matará de novo e vos ressuscitará outra vez e para
Ele voltareis? (2:28)
De maneira reveladora existe uma corrente esotérica no
islamismo que prega a multiplicidade de vidas, embora seja
minoritária.

CAPÍTULO 32

BUDA, KRISHNA E CRISTO

Irmanando-se às três religiões do Livro, temos o budismo,


uma crença mais antiga de caráter universal com cerca de meio
milhão de adeptos. Nele pratica-se uma fé que ignora a existência
do Deus Único e, por conseguinte, não o cultua e nem o venera.
Buda criou o budismo seis séculos antes de Jesus Cristo. Assim,
como o cristianismo e islamismo originaram-se do judaísmo, o
budismo nasceu do hinduísmo, porém adotando a transcendental
ótica de seu fundador, o príncipe Sidarta Gautama. Os seus adeptos
sinceros adquirem uma notável espiritualidade. O Dalai Lama, líder
espiritual e temporal do Tibete, é um admirável exemplo de amor à
humanidade e benevolência com os seus inimigos declarados - as
renitentes autoridades chinesas. Vemos aí o amor de Cristo e a
compaixão de Buda fundir-se de modo singularmente auspicioso e
revelador.
É interessante lembrar que o budismo nunca foi usado como
justificativa para atos perversamente prepotentes de uma classe
religiosa ou guerreira. Jamais houve uma “guerra santa” ou jihad

315
em nome de Buda proclamando ter o justo direito de derramar sem
compaixão o sangue humano. Iahveh ou Alá, o Deus dos Exércitos,
nunca se aventuraria no universo budista porque, sem batalhas ou
conquistas, se enfadaria sob o tédio insuportável da paz perene. E
igualmente nenhum budista O evocaria para justificar repressões
em nome da fé ou aventuras sangrentas. Ignorado por completo, o
deveras ciumento e irascível Deus Único sentir-se-ia
desprestigiado, senão marginalizado, e cairia em divina depressão.
Ora, diante do evidente sucesso do budismo em favorecer o
progresso espiritual de seus adeptos, causa certa perplexidade à
mente ocidental, quando ignorante das coisas do espírito, essa
aparente indiferença ao seu Deus tradicional - o antigo Deus de
Abraão, Isaque, Jacó, José, Davi, Salomão, e enfim de toda família
hebraica unida por laços memoráveis de sangue. Mais adiante,
entretanto, ficará evidenciado que o budismo apóia-se, também, no
“Sou o que sou”, mas de maneira racional e infensa às lendas e
crendices de tradições fanaticamente dogmáticas. Apaixonados
amantes de mitos e fábulas chegam a questionar se o budismo
constitui de fato uma religião. Na verdade, não deixa de ser um
elogio involuntário de quem tenta inútil e ingenuamente
desprestigiar o legado de Buda.
Segundo a tradição, um mago previu que o recém- nascido
príncipe Sidarta Gautama tornar-se-ia um asceta, uma notícia pouco
auspiciosa aos seus pais. Desde aí, o rei e a rainha do pequeno reino
dos shakias, situado onde é hoje o Nepal, ficaram
preocupadíssimos. Queriam certamente assegurar a continuação da
dinastia através de seu único herdeiro. Então, dedicaram por
precaução um zelo extremado ao querido filho. Visando mantê-lo a
salvo isolaram-no nas dependências do palácio, onde estaria livre
de quaisquer influências estranhas capazes de impedir o curso
natural dos acontecimentos. Ora, aquele menino haveria de tornar-
se um grande rei capaz de sobrepujar os reinos vizinhos rivais.
Os anos foram se passando e o jovem príncipe convivia com
os nobres, distraindo-se nas frequentes festas palacianas sob o
atento e generoso patrocínio real. Além disso, exercitava-se
sobremaneira no manejo do arco, na esgrima, na equitação e na
caça. Nem mesmo os mais afamados instrutores conseguiam

316
derrotá-lo. Era imbatível em tudo o que aprendia ou fazia e tornou-
se o centro de admiração dos cortesões. Mal saído da adolescência
casou-se com uma bela princesa que lhe deu lindos filhos. A esta
altura, o seu pai, Sudhodana, ao cercá-lo de tudo o que um homem
podia ambicionar, alegrava-se aliviado acreditando tê-lo livrado do
mau augúrio daquele vidente inconveniente. Nada de anormal
parecia prestes a acontecer e muito menos capaz de quebrar a
tranqüilidade real.
Aos vinte e nove anos, Sidarta finalmente conseguiu driblar
a vigilância paterna e deu uma escapadela. Movido por curiosidade
incontrolável saiu do palácio para tomar contato inicial com o
mundo exterior, um lugar estranho conhecido apenas através das
bocas dos cortesãos. Decerto, sentia que algo lhe faltava
intimamente apesar de usufruir das benesses terrenas em grau
máximo por ter nascido em esplêndido berço de ouro. Fora dos
muros palacianos, o belo jovem iria deparar-se finalmente com
situações humanas que provocariam profundas reflexões em sua
mente irrequieta, a ponto de causar uma mudança radical em sua
existência principesca.
A primeira delas foi a chocante visão de um ancião muito
magro e de rosto enrugado, vergado sob o peso do próprio corpo.
Com visível esforço caminhava lentamente apoiando-se no seu
bastão. A segunda foi oferecida pelo sofrimento atroz de um
homem que gemia sem cessar, pois estava acometido de grave
doença que o consumia lentamente. Seus queixumes de dor soaram
aos ouvidos do príncipe de modo inquietante. A terceira foi a de um
cadáver envolvido num simples sudário de algodão branco. Ia
sendo transportado nos ombros de parentes no rumo ao local de
cremação. O príncipe, evidentemente, sabia que as pessoas
morriam, mas aquela cena trágica envolvida por indescritível
tristeza foi agravada pelo choro lamuriento de familiares e amigos.
Tudo aquilo tocou profundamente o seu coração sensível. A
morte revelava-se inexorável ao impedir a continuidade da vida. A
crua realidade presente contrastava com o ilusório mundo do
palácio onde vivia seguro e feliz como se estivesse dentro de uma
protetora redoma de vidro. A quarta ocorreu quando, já chocado
com uma realidade até então ignorada e tomado por pensamentos

317
sombrios, deparou-se com um sadhu, isto é, um santo de vida
errante. Não obstante sua condição paupérrima, aquele pobre
homem irradiava em seu semblante a mais pura paz de espírito,
parecendo espelhar incompreensível felicidade.
De volta ao palácio, o jovem que vivia em meio ao luxo, no
conforto, bajulado pelos cortesãos, além de bafejado pelo carinho
dos pais, esposa e filhos, viu-se imerso em intrigantes pensamentos.
O que afinal significava a existência humana? Ninguém podia
evitar o sofrimento. A velhice, a doença e a morte sempre surgiriam
inexoráveis para atormentar o ser humano. Ele passou a questionar
tudo e inesperadamente resolveu dar ciência ao alarmado pai que
havia decidido tornar-se um monge itinerante. Mil conselhos,
argumentos, súplicas e lágrimas não o demoveram do objetivo fixo.
Num dia inesquecível de sol radiante, sem despedir-se de ninguém,
partiu solitário rumo ao seu transcendental destino, ao qual estava
predestinado desde o nascimento. Iniciaria aos 29 anos a
sacrificada jornada de um grande e inesquecível Mestre em prol da
humanidade. Ele tornar-se-ia Buda, isto é, o Iluminado.
Após ter renunciado aos prazeres da vida anterior,
peregrinou à procura dos sábios mestres mais eminentes do país.
Durante seis longos e penosos anos vagou pelo vale do Ganges em
busca da verdade. Os ensinamentos recebidos de notáveis gurus
não o convenceram plenamente, embora houvesse chegado, ele
próprio, ao grau mais elevado de concentração e percepção. A
prática da austeridade e mortificação exaustiva revelou-se
infrutífera, uma desilusão amarga, embora houvesse jejuado tanto
que “seu umbigo e coluna vertebral se tocavam”. O
enfraquecimento físico perturbou-lhe a mente que se mostrou
incapaz de manter-se tranqüila, condição sine qua non favorável à
perfeita meditação. Agora, por sua própria conta haveria de atingir
a verdade, o segredo da vida, da perfeição e da paz. Enfim, a
sabedoria e compaixão resultantes da mais completa Iluminação. O
Nirvana é o nível espiritual mais elevado do ser humano, quando
desaparecem todas as ilusões e o espírito domina completamente a
matéria. A Verdade Eterna é conquistada em sublime quietação.
Buda proclamou suas quatro nobres verdades que dizem
respeito ao sofrimento. O nascimento é sofrimento. A velhice é

318
sofrimento. A doença é sofrimento. A morte é sofrimento. Estar
perto daquilo que não se ama é sofrimento. Estar longe daquilo que
se ama é sofrimento. Não realizar um desejo é sofrimento. Em
poucas palavras - tudo parece opor-se à nossa felicidade plena.
Quando se atinge à velhice, aguardando a morte próxima, se
olharmos atentamente para trás constatamos a veracidade das
palavras de Buda. A tarefa do Iluminado foi oferecer uma solução
viável às questões vivenciais que afligem o ser humano desde o
nascimento até a morte inevitável.
Finalmente convenceu-se de que a felicidade e a alegria
trazem inerentes dentro de si inevitáveis dor e sofrimento. No
entanto, inicialmente tudo se apresentava como uma questão
insolúvel para o jovem ex-asceta. Veio-lhe o pensamento de que a
libertação da dor só poderia estar dentro de si. Em memorável dia,
depois de anos de profunda meditação, já com trinta e cinco anos,
sentou-se na posição de lótus à sombra de uma frondosa e bela
figueira à beira do caminho, intuindo que finalmente encontrava-se
na iminência de obter a revelação suprema.
Nem a inclemência ocasional do tempo conseguiu perturbá-
lo em sua sagrada obstinação. Num átimo de divina percepção
concluiu que a ignorância era a verdadeira causa das impressões
falsas que iludiam os homens. Somente uma vida pura poderia
arrancar o homem do ciclo de nascimento e morte, bem como livrá-
lo da dor que liga um acontecimento ao outro. Sidarta sabia que no
momento em que alcançasse o nível espiritual de Buda, romperia
com o ciclo de nascimento e morte que aprisiona todos os homens.
Ele viveria mais 45 anos peregrinando e ensinando pacientemente a
sua descoberta transcendental aos felizes adeptos.
Para alcançar tal desiderato ideal é preciso ter em mente as
Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo. O seu
cumprimento representa a culminância final das existências
múltiplas que vivenciam intermitentemente as etapas de
nascimento, crescimento, envelhecimento, doença e morte. Buda
também observou que a alegria e o sofrimento constituem faces da
mesma moeda e não podem ser separados. Apesar dessa
constatação, os seres humanos, sem exceção, buscam a felicidade e
lutam por diversos meios no sentido de evitar o sofrimento. Todos

319
querem fugir da dor em suas variadas formas, mas na raiz de tudo
está o apego ao mundo irreal criado pela mente. Esta nos engana
levando-nos a acreditar que tudo é permanente e nada vai mudar. É
preciso compreender a impermanência que existe em tudo e não ter
medo de mudanças.
Buda, a humildade personificada, não se intitulava dono da
verdade. Sempre declarava que ninguém deveria acreditar no que
ele dizia, mas que deveria experimentar pessoalmente, testar, sentir
e manter uma posição crítica sobre os seus ensinamentos. Um deles
é essencial: causar sofrimento a outras pessoas inexoravelmente
provoca sofrimento a nós mesmos. E isso só é possível, segundo
Buda, por meio da meditação, uma profunda introspecção livre das
influências negativas externas, tais como a raiva, a inveja, o ódio, o
orgulho, a cobiça, a ganância, a luxúria, etc.
Ao livrar-se de seu lado mal, o ser humano desabrocha como
uma flor de lótus nascida no pântano, mas deslumbrante e pura.
Mediante longo esforço individual, o budista revela-se sensível ao
amor e compaixão para com todos os seres vivos de um modo
extensível a toda Natureza. Diríamos, sob a ótica cristã, que nasce
um homem novo capaz de amar plenamente a Criação - a maneira
mais perfeita de louvar o Criador. Existe maior reverência a um
artista do que amarmos a sua arte? Quanta beleza não existe numa
flor?
Afinal, o que se almeja no budismo? Simplesmente viver
sem nenhum augúrio para o dia seguinte, estar confiante de que,
como as aves silvestres sempre haverá um quinhão certo para
satisfazer as nossas necessidades. Aliás, Jesus falou algo
semelhante a respeito das preocupações humanas exageradas. Em
suma, não se pode fugir do sofrimento, mas devemos encará-lo
com naturalidade, minimizá-lo e sublimá-lo, enquanto aguardamos
melhores dias.
Buda e Jesus Cristo não deixaram nada escrito. Os seus
seguidores preservaram as suas preciosas palavras e depois a
transcreveram. Ilustrando melhor o pensamento de Buda, vejamos a
sua primeira pregação no Sermão de Benares:
“Ó monges, sabei que toda a existência não passa de dor: dor
é o nascimento, dor é a velhice. Igualmente, a morte é a união com

320
quem não amamos, é a separação do que amamos ou a
impossibilidade de satisfazer o próprio desejo. Na origem da dor
universal encontra-se a ânsia de existir, a ânsia de prazeres fruídos
pelos cinco sentidos e pelo sentido interior, e mesmo o medo de
morrer...”
Os monges ouvintes ficaram embevecidos e antes que
alguém pudesse fazer alguma pergunta, Buda ensinou o caminho da
libertação:
“Qual será, ó monges esse caminho do meio descoberto por
mim, que abre os olhos do espírito e conduz ao repouso, como à
ciência, à iluminação e ao Nirvana? Aprendei logo que ele se acha
exatamente entre o ascetismo e a vida mundana. Sabei, em seguida,
que é um caminho que possui oito ramificações assim chamadas: fé
pura, resolução pura, linguagem pura, ações puras, vida pura,
aplicação pura, memória pura e meditação pura. Monges, eis a
verdade santa sobre a dor. Eis, aí, ó monges, a verdade santa sobre
as oito atividades puras não afetadas pelo desejo do desejável nem
pelo temor temível”.
Buda vagou durante longos anos pelo norte da Índia, sendo
recebido como verdadeiro salvador da humanidade. Ele não
procurava ensinar ao povo em caráter geral porque evitava entrar
em atrito com os sacerdotes brâmanes. Estes divulgavam crenças,
crendices, rituais e magias que seria dificílimo mudar no pouco
tempo que lhe restava de vida. Algo semelhante ao relacionamento
de Jesus Cristo com os sacerdotes do Templo, embora o hinduísmo
não primasse por um ódio exacerbado e hostil. Sabiamente, Buda
deixaria a propagação de suas idéias aos seguidores mais chegados.
Não pode, contudo, evitar que a religião tradicional o visse como
um mestre subversivo do status vigente, uma vez que dispensava a
intermediação dos deuses para a salvação do homem.
Não obstante, reis e soberanos curvaram-se diante do
Iluminado, sem excluir a sua família, a qual reencontrou depois de
trinta longos anos. Milhares de discípulos espalhavam-se pela Índia
e divulgaram o dharma, isto é, a doutrina de Buda. Quando já
estava com oitenta anos sentiu que a morte se aproximava
inexorável. Seu principal seguidor preparou-lhe com esmerado
carinho seu último leito. Buda sentou-se na posição de lótus e falou

321
em tom solene aos amados discípulos pela última vez:
“Não existe em todos os universos, visíveis ou invisíveis,
senão uma única e mesma força, sem começo, sem fim, sem outra
lei além da sua, sem predileção e sem ódio. Mata e salva sem outra
finalidade além de executar o destino”.
“A morte, a dor são lançadeiras de seu tear; o amor e a vida
são seus filhos”.
“Mas não tenteis medir o Incomensurável com palavras,
como tampouco mergulhar a corda do pensamento no impenetrável,
pois quem interroga engana-se como se engana também o que
responde”.
“Não espereis nada dos deuses inclementes, submetidos,
também eles, sujeitos à lei do karma. Eles nascem, envelhecem e
morrem para renascer, eis que ainda não lograram alijar a carga da
própria dor. Esperai tudo de vós mesmos. Não esqueçais que cada
homem cria a própria prisão e que cada um pode adquirir um poder
superior ao próprio indra.”
Buda, nessa magnífica mensagem, mostra seu conhecimento
altamente revelador referente ao Senhor do Multiverso, enfim, do
próprio Deus vivo. Ele é o único “em todos os universos, visíveis e
invisíveis”, a possuir “uma única e mesma força (ou energia), sem
começo e sem fim”. É o alfa e o gama. O passado, presente e
futuro. O Onipotente expõe-nos “sem predileção e sem ódio” ao
jugo da “morte e dor”, mas visa tão somente conceder-nos a vida
eterna bafejada por Seu divino amor. “O amor e a vida são seu
filhos”. Deus é sinônimo de amor e vida, pois ambos estão
relacionados.
O Iluminado estava perfeitamente ciente da existência de
inúmeros universos, “visíveis e invisíveis”, somente agora
revelados pela física quântica. Há um universo material, o nosso, e
“n” outros não tangíveis - o Multiverso.
“Não existe outra Lei além da Sua”. O Criador rege tudo e
todos. Igualmente, Jesus Cristo disse que “não cai uma folhinha de
uma árvore sem sua permissão”. Ele rege a vida e a morte, a dor e
alegria, pois são manifestações da mesma moeda. Ao olharmos
uma face, não vemos a outra. Elas formam a simbiose interativa
entre opostos e representam a unidade perfeita.

322
Buda não usou a palavra Deus porque esta advém de uma
cultura posterior e desconhecida para ele - a greco-romana. Havia
deuses no hinduísmo, mas sabiamente, “não se deve tentar medir o
“Incomensurável” com palavras”. Iahveh, o indefinível “EU SOU”
hebraico, no mundo romano seria traduzido como “Deus”.
Inclusive, os mestres judeus evitavam citar o nome do
Incomensurável, porque sabiam ser inominável.
Buda passou pela Terra seis séculos antes de Cristo, mas
possuía a incrível onisciência de um Iluminado. Observe-se que os
deuses a que se refere Buda estão submetidos, também, à lei do
carma. Eles não são fictícios. São seres espirituais que “nascem,
envelhecem e morrem (na carne) para renascer”. Ora, existem Deus
e deuses, nada mais. Estes são seus filhos (incluindo nós todos),
centelhas divinas submetidas à Lei do karma nas infinitas
dimensões. Exatamente o que Jesus Cristo ensinou ao perplexo
Nicodemos, aquele fariseu membro do Sinédrio de Jerusalém.
Notáveis coincidências, mas nada de estranho. Cada Avatar revela
a mesmíssima essência dos mistérios transcendentais de uma
maneira original.
Reflitamos sobre a surpreendente revelação de Buda sobre o
Multiverso e sua interação com o Criador. A mesma verdade pode
ser dita de modo diverso, porém “ao bom entendedor, um ponto é
letra e uma palavra basta”. É impressionante a similaridade entre
Cristo e Buda. Dir-se-ia haver estreita interligação entre ambos.
Espíritos em nível espiritual divino são expressões gêmeas do
próprio Deus Infinito que se manifesta por seu intermédio. Deus
não fala com ninguém, mas manifesta-se através de seus próprios
filhos.
Façamos um parêntese para uma explicação essencial. O
hinduísmo, do qual nasceu o budismo, ensina que devemos nos
libertar das cadeias do mundo material em busca de uma
espiritualização ideal, isto é, “cada homem cria a sua própria
prisão”, sem paredes e nem grades tangíveis. A corrente
fundamental da crença hindu ensina que o espírito, o ser espiritual
cósmico, retorna diversas vezes à matéria nos infinitos planetas em
busca da perfeição espiritual. A libertação deste ciclo é vista como
a liberação permanente de todos os seres espirituais. Carma em

323
sânscrito significa “ato”. Assim, o indivíduo deve procurar
melhorar com pensamentos e atos positivos o seu karma, princípio
de causa e efeito, evitando que ações negativas possam atrasar o
caminho rumo à perfeição. Os sofrimentos causados aos outros
seres serão pagos com padecimentos compatíveis, nesta ou em
outra vida.
Um trágico exemplo: Adolf Hitler causou dores
incomensuráveis aos seus irmãos em sua passagem funesta pela
terra. Deverá pagar em tantas trajetórias, aqui e na dimensão
espiritual, quantas se fizerem necessário. Irá conquistar, à própria
custa, um carma positivo, mas depois de longuíssimo e múltiplo
itinerário na mesma terra onde infernizou a vida de seus sofridos
habitantes. Ninguém é punido eternamente. Se o fosse, coitados até
dos incontáveis sacerdotes, tais como papas, bispos, padres e
seguidores seculares inconsequentes, responsáveis diretos pelas
lamentáveis inquisições, sanguinolentas cruzadas e vis disputas
bélicas ou políticas, pois estariam condenados a um imaginário
fogo eterno. Quando recalcitramos em nossos erros, logicamente
devemos pagar por eles para merecer o perdão. É a Lei divina.
O panteão hindu possui milhares de deuses simbólicos,
sendo o principal - Brahma - a personificação do Absoluto, o
Criador do mundo. É um dos três deuses supremos da tríade hindu
e é reverenciado como o criador do grupo essencial. Os outros dois
são Vishnu e Shiva. Nessa tríade, Vishnu é visto como o
Preservador, uma força de amor transcendente. O terceiro, Shiva,
simboliza as potentes energias do Supremo. Geralmente
representado com quatro braços, ele é a força criativa (está
associado ao símbolo fálico) e também à idéia de destruição.
Buda, desde o início de sua pregação, embora seus mestres
iniciais fossem representantes do hinduísmo tradicional, mostrou-se
indiferente ou reticente quanto ao papel essencial que tais deidades
simbólicas desempenhariam em seu original método de
aperfeiçoamento espiritual. Não negava a existência desses deuses
culturais e nem pelo contrário. De fato, evitava qualquer discussão
a respeito. Contrastando ainda com a velha guarda sacerdotal,
combatia a secular divisão da sociedade em castas estratificadas,
uma tradição milenar sócio-religiosa da Índia.

324
O Iluminado apresentou um sistema paradoxal em que a
espiritualidade máxima convive e suplanta a realidade terrena, sem
apelar para deuses imaginários. O céu está no interior do ser
humano e cabe a cada um de nós atingi-lo por esforço próprio.
Nunca as palavras de Jesus Cristo foram tão verdadeiras: “O reino
de Deus está dentro de vós”. Buda, diferentemente de Jesus e
Maomé, não necessitou que seguidores inconformados declarassem
ter ele subido em carne e osso aos céus. Simplesmente desapareceu.
Veio do pó e ao pó retornou. Morreu aos oitenta anos como
qualquer mortal. Não subiu às alturas como muitos entendem, mas
havia atingido espiritualmente o nirvana. Nada mais poderia
esperar após a morte, uma vez que encontrara o estado de
consciência pleno e por isso escapou do ciclo cármico em que nos
encontramos. Nirvana quer dizer literalmente quietação
transcendental. Somente o alcança quem se libertar da agitação dos
sentidos e tornar-se espiritualmente uno com o Incomensurável.
A busca do nirvana para o budista passa a ser a conquista da
consciência cósmica no mais elevado nível. Ninguém pode
conceder graciosamente o nirvana a ninguém. Ele não pode ser
doado e nem comprado. É preciso trabalhar humildemente por ele.
Praticar a moralidade, ajudar o próximo e nunca prejudicar
ninguém. Buda alertou bastante contra as coisas atraentes, mas
capazes apenas de produzir uma ventura temporária. Achar que
felicidade é viver na luxúria, participar de ricos banquetes, ter
carros superluxuosos ou dispor de vultosas contas bancárias,
ignorando ou desprezando os menos afortunados, é mera ilusão.
Bens materiais são perecíveis e prazeres duvidosos são efêmeros,
somente o espírito é eterno. A felicidade duradoura não se obtém
de fora, mas advêm de dentro, de uma imorredoura paz interior. A
ignorância dos valores reais é a causa do sofrimento humano. Buda
e Cristo são irmãos divinos e seus ensinamentos ressoam
uniformes:
“Buscai antes o reino de Deus e a sua justiça e todas essas
coisas vos serão dadas por acréscimo...”
“Dai esmolas, fazei para vós bolsas que não se gastam,
ganhareis um tesouro inesgotável nos céus, aonde não chega o
ladrão e a traça não destrói. Pois onde estiver o vosso tesouro, ali

325
estará também vosso coração”. (Lucas 12:31-34).
O budismo identifica a raiz do sofrimento cuja origem
provém do desejo incontido. Desejo é o mesmo que dor, pois um
não existe sem o outro. Desejos incontroláveis levam à frustração.
Tudo se resumindo em uma ação pessoal que os deuses não podem
interferir. Tudo depende de cada um. Para atingir tal nobre
desiderato não há necessidade obrigatória de um sacerdote, padre,
rabino, pastor, otman, brâmane ou qualquer intermediário. O
homem defronta-se consigo mesmo. A bondade de cada um deve
prevalecer sobre a maldade inerente. Na prática, um mestre ou guru
facilita a compreensão para atingir-se o estado de iluminação ou
despertar.
O Iluminado lutou para acabar com as crenças populares
apoiadas em cerimônias. O irrelevante é desnecessário, a exemplo
de rituais, mas ainda assim não conseguiu acabar com eles. O povo
queria sinos, genuflexões, mãos postas, mantos, cânticos, isto é,
toda a parafernália da religiosidade tradicional.
Sidarta ignorou os múltiplos deuses de sua época,
considerando-os crenças não essenciais à salvação. Ele dispensou a
existência de um salvador e nem mesmo se considerava um. É
interessante observar que ritos, cerimônias, incensos e uma
multidão de monges foram agregados por diversas culturas nos
2500 anos de budismo, a despeito do pensamento original de Buda.
Ele, certamente, surpreender-se-ia diante de suas inúmeras e
colossais estátuas, embora sejam homenagens sinceras dos seus
seguidores. Humanos em nível espiritual insipiente são apegados à
matéria, assim exigem algo tangível, passível de se ver e tocar.
Jesus disse que este não era o seu mundo. Para Buda, este
não era igualmente o seu mundo. Para Sidarta, uma pessoa é a
combinação de matéria e mente. Na verdade, um ser humano é a
simbiose de um corpo material e de um corpo espiritual,
comumente chamado de espírito ou alma. Buda preferiu não fazer
uma distinção exata entre mente e alma. Em nossa ótica, a mente é
simplesmente a conjugação perfeita da consciência (espírito)
atuando no cérebro (matéria). O cérebro por si só não possui
consciência, atributo inalienável da alma. De modo semelhante, não
faz sentido falar da mente de espíritos ou seres espirituais. Estes se

326
restringem somente à consciência. Na nossa dimensão terrena, de
fato corpo e alma se confundem, porque um não existe sem o outro.
No entanto, os espíritos não são tangíveis às pessoas normais, com
a rara exceção de alguns médiuns privilegiados.
Alguns dizem que Buda chegou mesmo a negar a existência
da alma. Talvez um exagero. O pensamento real dos Avatares é
traduzido geralmente de modo precário por seus seguidores, já que
não conseguem entendê-Los plenamente. Seria uma afirmação
estranha, uma vez que sem a existência de um ser espiritual imortal,
a multiplicidade de vidas nos infinitos planetas se tornaria
inexplicável. Se o corpo físico desaparece, a consciência, isto é, a
alma permanece como único meio de possibilitar o retorno à
matéria e continuar evoluindo para desenvolver o karma individual.
Neste sentido, Espírito e Consciência são sinônimos. Exatamente
do modo como Jesus Cristo ensinou a Nicomedes. “Há que se
renascer para alcançar a espiritualidade adequada ao reino dos
céus”.
Buda era um Mestre prático. A existência dos inúmeros
deuses culturais do panteão hindu pareceu-lhe confusa e de pouca
valia diante de seu método salvador. Eles não passavam de deuses
simbólicos, meras metáforas culturais oriundas da pródiga
imaginação religiosa e, portanto, demasiadamente subjetivos para a
mente racional do Iluminado. Não obstante, o objetivo de Buda não
é nem um pouquinho diferente daquele de Cristo. Aliás, caímos
novamente no caso dos dois cavaleiros medievais e do escudo
pendente. O mesmo escudo era de ouro ou de prata, dependendo do
ângulo visual do observador. Buda, paradoxalmente, ignora o
conceito de alma, evitando discussões estéreis, mas permanece
firme visando uma espiritualidade excepcional. O importante é a
existência de um carma corretivo. Detalhes do processo são meros
detalhes, segundo a sua original perspectiva.
As mensagens de Buda e Cristo não são diferentes como à
primeira vista parecem aos olhos dos neófitos, normalmente atentos
à exterioridade das coisas, mas sem aperceber-se do conteúdo.
Comparando-as com imparcialidade vemos que possuem igual
essência valiosa e de profunda transcendência. Ambos estavam
cientes de que os sacerdotes da religiosidade vigente não

327
apresentavam a solução ideal ao problema da existência humana.
Buda e Cristo procuraram melhorar o sistema sob um ponto de
vista particular e ao mesmo tempo universal. O budismo e o
cristianismo são religiões universais, ao contrário do hinduísmo e
do judaísmo, particularmente este último, eternamente preso à idéia
restritiva de raça e nação ou de carne e sangue.
Obviamente, os Avatares não se preocupam em fundar
religiões porque simplesmente estão acima de todas elas. Um
Avatar não tem religião particular, senão não seria um espírito em
nível divino, uma manifestação do Deus verdadeiro. As religiões
são fundadas por seguidores para permitir o progresso das mentes
terrenas. Elas vão traduzir as palavras dos Mestres segundo o
entendimento particular e limitado de cada grupo ou corrente
cultural. São as escolas primárias do abc espiritual. “Não mate, não
roube, não inveje, não prejudique,...”, em suma, não faça aquilo
que os humanos há milênios vêm fazendo da maneira mais funesta
possível. Há muito ódio e pouquíssimo amor na terra, um planeta
de expiação por definição. Obviamente, quem está aqui nessas
turbulentas pragas necessita aprender e se aperfeiçoar. Por isso
acontecem tantas desgraças e não sabemos exatamente as razões.
De maneira geral, a causa de tudo reside em nós mesmos.
Cristo e Buda ensinam a mesmíssima lição. O mundo
material é ilusão. A impermanência rege a dimensão gravitacional.
O nosso planeta é uma escola de vida com tempo de duração
limitado para ensejar uma série de vivências efêmeras, mas
regeneradoras. Os desejos egoístas e os prazeres mundanos
compulsivos são graves empecilhos ao desenvolvimento espiritual
do ser humano. Devemos procurar em nosso interior a verdadeira
paz, abandonando os pensamentos maus, aqueles que prejudicam a
nós e ao nosso semelhante, extensivo a todos os seres vivos. Em
suma, devemos amar tudo e todos. Se algo não é Deus, de algum
modo provém d’Ele. Os céus, as montanhas, as florestas, os mares,
os oceanos, os animais, as flores, os frutos, tudo enfim, são obras
do Criador e representam deslumbrante manifestação de vida sob as
mais variadas formas. Tudo e todos, animado ou inanimado, somos
aparentados de alguma forma, pois oriundos da Inteligência
Cósmica Multiversal. O universo material é uno. O que existe em

328
uma parte existe sempre em outras de modo similar. Se há peixes
num pequeno córrego, com toda certeza, também, haverá nos rios e
oceanos.
Buda ofereceu a meditação como instrumento essencial de
aperfeiçoamento espiritual. Tal método secular já se mostrara
eficiente desde os primórdios e fazia parte do hinduísmo. Em
síntese, a meditação é um valioso caminho para purificarmos o
nosso eu interior. Existe o hinduísmo valioso, assim como há o
judaísmo valioso. Valores preciosos existentes não devem ser
desprezados. Cada Avatar procura tirar o melhor da cultura onde
vai atuar para beneficiar ao máximo os seres da dimensão
gravitacional. Deus está em toda parte. Se conseguirmos eliminar o
lado mau que está dentro de nós, podemos ficar em sintonia ou
unos com nosso Criador.
O budismo originou-se essencialmente do hinduísmo,
todavia Buda mostrou-se reticente diante do panteão de deuses
hindus para seus objetivos práticos. Sendo assim, surge uma
pergunta crucial: o que o budismo e hinduísmo possuem em
comum ou quais as diferenças?
O Bhagavad Gita - Canto do Senhor ou Canção Sublime - é
o sexto e mais famoso livro sagrado do Mahabharata - a extensa
narrativa da saga fundadora da civilização hindu. O famoso líder
espiritual indiano Bhaktivedanta Prabhupada, profundo conhecedor
da sabedoria antiga diz que “a humanidade está tão absorta em
atividades mundanas que não é possível ler todas as literaturas
védicas. Mas isso não é necessário, o Bhagavad Gita é suficiente
porque é a essência de todas as literaturas védicas”. Em suma, sua
leitura representa o âmago do hinduísmo.
No Gita desenvolve-se um diálogo transcendental entre
Krishna, o Eu Multiversal, e Arjuna, o eu humano. Isto é, entre a
divindade e o homem. O jovem príncipe Arjuna perdeu seu trono e
reino usurpados por seus parentes malévolos tomados por
desmedida ambição. Ainda apoiado por leal facção, ele encontra-
se na iminência de guerrear para reaver o trono, todavia acha-se
imerso em profunda luta de consciência. É um espírito de boa
índole e avesso ao inevitável derramamento de sangue que se
seguirá. Em conturbado estado de espírito lamenta-se movido por

329
comovente sinceridade diante da divindade.
Krishna, no entanto, insiste com Arjuna para não deixar-se
vencer pela amargura. Deve lutar e derrotar os usurpadores do
reino para fazer a justiça prevalecer contra a injustiça. Diante de
um Arjuna confuso, Krishna argumenta que o mal não consiste no
ato físico de matar alguém, mas sim no ódio gratuito. Na verdade,
ninguém pode matar a alma de outrem porque o espírito é imortal.
O conflito em foco pode ser visto como uma metáfora da eterna
luta entre o bem e o mal. Vejamos um breve resumo da narrativa:
Fala Arjuna:
“Ó Krishna! Ao reconhecer como meus parentes todos esses
homens que devo matar, sinto meus membros paralisados, a
língua ressequida, o coração a tremer e os cabelos eriçados na
cabeça...”
“Não, Krishna. Não quero vencer! Não quero dessa maneira,
conquistar soberania e glória, riqueza e prazer”
“Ai, que desgraça será se trucidarmos nossos parentes
movidos pela ambição do poder”
“Bem melhor seria a rendição ao inimigo e deixar que nos
matem, sem luta, arma ou defesa”.
“Com a alma repleta de temor e compaixão, eu te suplico
Senhor, dize-me qual o caminho certo. Eu, teu discípulo,

refugio-me em ti para saber o que devo ou não fazer”.


“De que me serviria um reino próspero, se não me libertar da
culpa? De que me serve possuir o mundo, se aqueles que eu amo
não mais existem?”
Krishna:
“Arjuna, visando ao teu próprio dever, não vaciles. Para um
príncipe da classe dos guerreiros nada é superior a uma guerra
justa. Se fores morto na batalha, entrarás nos céu; se fores
vencedor, gozaras os prazeres da terra. Portanto, Arjuna, tem
coragem e luta”.
“Aceitando prazer e sofrimento, ganho ou perda, vitória ou
derrota com a mesma serenidade de espírito, entrarás na peleja e
não pecarás”!
“Perecíveis são os corpos, esses templos do espírito; eterna,

330
indestrutível e infinita é a alma que neles habita*. Por isto, ó
Arjuna, luta!”
“Assim como o homem se despoja de uma roupa gasta e veste
roupa nova, assim também a alma incorporada se despoja de
corpos e veste corpos novos”.
“Mas se não combateres esse bom combate incorrerás em pecado
pelo fato de abandonardes o teu dever e a tua honra”.

*Jesus Cristo considerou igualmente o corpo como templo do


espírito. De si mesmo falou aos sacerdotes de Jerusalém:
“Destrua este templo e o reconstruirei em três dias”. A seguir
Krishna refere-se à simbiose corpo-espírito, o primeiro perecível
e o segundo imortal, de modo a ensejar a multiplicidade de vidas.

Krishna revela também a Arjuna as características de um


homem que atinge a perfeita sabedoria espiritual:
“Quando o homem é perfeitamente liberto de todos os
desejos do ego finito e alcança a paz da alma pela realização do
Eu divino, então é um homem de perfeita sabedoria”.
“Quando alguém permanece calmo e sereno em meio ao
sofrimento, quando não espera receber do mundo objetivo
felicidade permanente,e quando é livre do apego, medo e ódio,
então, ele é um homem de perfeita sabedoria”.
Krishna, porém, argumenta:
“Arjuna, visando ao teu próprio dever, não vaciles. Para um
príncipe da classe dos guerreiros nada é superior a uma guerra
justa”.
“Se fores morto na batalha, entrarás nos céus; se fores
vencedor, gozarás a terra. Portanto, Arjuna, tem coragem e luta”.
“Aceitando prazer e sofrimento, ganho e perda, vitória e
derrota com a mesma serenidade de espírito, entrarás na peleja e
não pecarás”!
“Assim como o homem se despoja de uma roupa gasta e
veste roupa nova, assim também a alma incorporada se despoja de
corpos gastos e veste corpos novos”.
“Mas se não combateres esse bom combate incorrerás em
pecado pelo fato de abandonares o teu dever e a tua honra”.

331
* Note-se que Jesus Cristo considerou igualmente o corpo como
templo do espírito. De si mesmo falou aos sacerdotes: “Destrua
este templo e o reconstruirei em três dias”. Igualmente, é lembrada
por Krishna a simbiose corpo-espírito - o primeiro perecível e o
segundo imortal - de modo a ensejar a multiplicidade de vidas.
Krishna explica também a Arjuna as características de um

homem que atinge a perfeita sabedoria espiritual:


“Quando o homem é perfeitamente liberto de todos os
desejos do ego finito e alcança a paz da alma pela realização do
Eu divino, então é um homem de perfeita sabedoria”.
“Quando alguém permanece calmo e sereno no meio de
sofrimentos, quando não espera receber do mundo objetivo
felicidade permanente e quando é livre do apego, medo e ódio,
então, ele é um homem de perfeita sabedoria”.
Os dois parágrafos anteriores se confundem em sua essência
com os ensinamentos de Buda. Em contrapartida, vemos que
Krishna também justifica a guerra desde que seja por um motivo
justo. Ora, vivemos em um mundo de nível espiritual insipiente,
onde todos os contendores consideram “justos” os seus anseios e
desejos egocêntricos, embora em detrimento do semelhante.
Desde o início do mundo o egoísmo prevaleceu sobre o
altruísmo, o eu sobre o nós. No caso presente, a causa de Arjuna
desperta simpatia, uma vez que é o legítimo herdeiro do trono. A
ação pecaminosa recai em seus ambiciosos parentes que querem
usurpá-lo indevidamente. Então, deparamo-nos com o eterno
dilema. É lícito ou não matar por “justa causa”?
Krishna, o Alter Ego da tradição religiosa hinduísta, diz que
sim. Certamente, Buda e Cristo dizem não. O “não matarás”
não admite exceção sob o ponto de vista do Criador. Afinal,
se somos todos literalmente filhos de Deus, qual o bom pai que se
regozija com uma luta fatal entre irmãos? Quanto mais o Pai
Celestial.

Fala Arjuna:

332
Em decorrência, deparamo-nos com duas visões contraditórias
à primeira vista. Krishna parece ceder à realidade terrena. Conflitos
bélicos sempre ocorreram e ocorrem pelos mais variados ou bizarros
motivos. Ou mesmo, sem eles. Na verdade, o egocentrismo incontido
é suficiente para desencadear explosões de ódios que culminam em
guerras desastrosas.
Buda e Cristo conheciam e conhecem o ser humano. Não se
pode citar por parte deles qualquer palavra ou ato a favor da guerra,
mesmo pela simples razão de ser uma natural manifestação da
imperfeição humana. Entretanto, faz-se necessário estabelecer um
paralelo entre o sim e o não. A guerra faz parte de uma realidade
presente e a paz um ideal a ser alcançado.
É necessário, antes de tudo, que o homem vença a si mesmo - o
seu grande inimigo. Cristo e Buda representam o futuro a ser
conquistado quando o amor ou compaixão prevalecer e a
humanidade sair finalmente vitoriosa de uma milenar luta
individual para usufruir uma paz perene.
Deus está dentro de nós e temos que reencontrá-Lo. Como nos
diz Krishna, isto se dará somente “quando o homem achar-se
perfeitamente liberto de todos os desejos impuros do ego finito e
alcançar a paz da alma pela realização do Eu divino, então será um
homem de perfeita sabedoria”. Só ficaremos unos com nosso Pai
quando estivermos plenos de amor e sabedoria.
Vejamos outros pensamentos de Krishna:
“Consoante o talento e a capacidade de cada um, estabeleci
classes entre os homens, superiores e inferiores, mas eu mesmo, que
crio mutações, sou imutável e transcendente a elas”
Krishna estabelece classes, mas não exatamente castas. Estas
foram desconsideradas por Buda. Na Índia atual tal visão arcaica
que visa eternizar a estratificação da sociedade é combatida pelos
governantes mais esclarecidos.
“Quem se integra ao Ser Supremo e nele repousa está livre
da incerteza e trilha caminho luminoso, do qual não há retorno,
porque a Luz da Verdade o libertou do mal.”
Existe um paralelismo com as palavras de Cristo:
“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E “os homens
amaram mais as trevas que a luz, porque suas obras eram más”.

333
Krishna:
“O que caracteriza um homem integral, com o coração cheio
de sabedoria e santidade, é a sua atitude de serena benevolência
para com todos que dele se aproximam, amigos ou inimigos,
conhecidos ou estranhos, bons ou maus, afetos ou desafetos - todos
lhe merecem amor”.
Krishna aí se confunde com Cristo e Buda - amor e
compaixão. Os céus ensinam a mesma lição. “O sol ilumina a
todos, bons e maus, sem discriminação”. Na verdade, o ódio só será
vencido pelo amor.
Krishna:
“Imerso em Deus, em longínqua solicitude, permanece o
homem santo, livre da escravidão de sentimentos, pensamentos e
desejos”. O mundo ilusório afasta o ser humano de Deus.
“Os mundos estão todos enfiados em mim, assim como as
pérolas unidas por um fio. Eu sou o sabor da água que bebes; eu
sou o fulgor da Lua e do Sol; eu sou a harmonia dos espaços; eu
sou a força procriadora dos homens”.
Ora, a Criação está imersa no Criador. Deus é o Oceano Sem
Fim onde todos se encontram. E tudo o que existe d’Ele provêm ou
emana e nada acontece sem sua anuência.
“Eu sou o verdadeiro Ser, o Espírito Supremo, do qual
emana a essência da vida e a vida de toda criatura”.
É o equivalente às palavras de Cristo: “Deus é Espírito”.

Issac newton
Isaac Newton escreveu que Deus é substância (energia),
então deduzimos que Deus é a Energia Cósmica Criadora que
habita todo Multiverso. Espiritualidade e verdadeira Ciência
convergem e se confundem.
Krishna:
“Eu – Espírito - sou a lei que faz existir ou não existir todas
as coisas. Eu crio a Natureza e esta é a razão de tudo evoluir”.
A Natureza ou Multiverso é o espelho ou manifestação de
Deus. O Espírito Supremo manifesta-se por sua Criação Infinita.
Aliás, o grande filósofo Spinoza legou-nos um belo pensamento,

334
decerto inspirado pelos céus, quando enunciou: “Deus é a alma do
Universo e o mundo é o corpo de Deus”.
O Tao Te Ching, o livro sagrado chinês do taoismo emite
ideia semelhante:
“O Tao dá vida a todas as coisas. O Tao dá vida a todos os
seres. É a origem do universo. É a mãe do mundo.”
E Krishna confirma:
“Eu sou a essência espiritual que habita nas profundezas da
alma e no íntimo de cada criatura”
“Eu sou o princípio, o meio e o fim dos Universos, sua
essência real e sua existência aparente. Eu sou a sapiência dos
sábios, a vidência dos videntes, o verbo das línguas, a luz dos
olhos”.
“Quem não quer mal a ser algum e, liberto do ódio e
egoísmo, é benévolo para com todas as criaturas; quem permanece
fiel a si mesmo, no prazer e no sofrimento, sempre sereno e
paciente - esse me é querido”.
O Tao Te Ching reverbera a divina sapiência de Krishna:
“O sábio não é escravo do egoísmo e seu coração não exclui
ninguém. Ele trata os bons com bondade e os maus com
benevolência. É a suprema virtude do amor”.
Daí, não é difícil concluir que as mais diversas fontes
religiosas exprimem a sublime essência dos céus. O amor
apresenta-se em mil e uma formas diferentes, mas de mesmo teor.
Simplesmente porque - “Deus é amor”.

335
CAPÍTULO 33

TAO, BRAHMA ou DEUS.

O taoismo baseia-se no Tao. Trata-se de uma tradição espiritual milenar


chinesa que ensejou importante corrente religiosa. É uma das mais puras
expressões da sabedoria oriental e conserva até os dias atuais a energia e a
beleza de suas origens. Exerceu uma notável influência sobre a cultura, as
artes e a ciência da China antiga. Seu ideal de amor e justiça encontrou
ressonância em várias dinastias imperiais. Muitos imperadores demonstraram
especial interesse pelo Tao e aceitaram a orientação de mestres taoistas para
tornar realidade seus sagrados ensinamentos. O espírito do Tao perdura em
qualquer chinês, mesmo de modo inconsciente, apesar das radicais
transformações políticas impostas à China pelo comunismo marxista.
Tao foi revelado ao mundo pelo livro sagrado Tao Te Ching escrito por
Lao Tsé que nasceu por volta de 604 a. C. Tao espelha a visão oriental sobre
a Divindade Cósmica Universal. De modo correlato, a palavra Deus resume a
crença no Criador conforme a tradição ocidental. Tao Te Ching pode ser
traduzido como: Livro (Ching) do Criador (Tao) e da Virtude ou Amor (Te).
Lao Tsé era uma personalidade de espiritualidade transcendental. Um
misto de sábio e santo em sua acepção mais profunda, um Avatar capaz de
legar à humanidade lições de incomensurável valor seis séculos antes de
Cristo. Contemporâneo de Confúcio (Kong Fu Tsé), Lao nunca passou de
simples funcionário público, cronista ou bibliotecário real em Zhou na China
Imperial. Sendo um homem amante do anonimato, avesso às honrarias e

336
manifestações sociais, transmitia aquela singela aura de humildade que
dignifica os sábios e engrandece os santos.
Lao, assim como Cristo e Buda, ganhou da posteridade o direito a uma
bela fábula enaltecendo seu singular nascimento. Conta-se que sua mãe o
concebeu ao contemplar embevecida uma maravilhosa estrela que brilhava de
modo inusitado no céu. Certamente, anunciava a vinda ao mundo do bem
vindo bebê. Dizem que ocorreram outros extraordinários eventos. Por
exemplo, Lao levou longos anos no seio materno antes de vir à luz. Embora
tivesse nascido com um bonito rostinho, aparentava bem mais idade,
lembrando a de um velho. E curiosamente seus cabelos eram longos e
pareciam penteados. Por este motivo, alguns tradutores interpretam o nome
Lao-Tsé como “A Velha Criança”.
Segunda a história, no fim de sua vida, passando dos oitenta anos, seguiu
solitário montado em enorme búfalo rumo à fronteira do oeste, na direção da
Ásia Central. O caos reinante no império nesta ocasião impeliu-o a procurar
refúgio tranquilo em terras distantes onde pudesse sentir-se uno com os céus
para continuar merecedor de suas grandiosas mensagens.
Yin Xi, o guarda da fronteira sentiu-se deveras prestigiado com sua
honrosa presença, pois aquele ascético ancião de barbicha já era reconhecido
como homem de grande sapiência. Temeroso de jamais revê-lo e tomado por
divina inspiração, resolveu pedir-lhe um resumo de seu vasto conhecimento.
Um cordial Lao Tsé aquiesceu e bastou-lhe uma noite para escrever 81
poemas bem concisos e sem floreios literários. É um livro de caráter
universal que desafia o entendimento superficial dos neófitos. O seu valioso
conteúdo revela-se gradativamente àqueles realmente interessados em
conhecer o modus operandis do Tao, isto é do Criador dos Universos.
Observe-se que os ideogramas chineses exprimem ideias e sua tradução para
as línguas ocidentais apresenta-se difícil e dá margem a várias versões,
embora todas corretas. Não é de estranhar-se que a essência do Tao coincida
com as sublimes mensagens das religiões dignas do nome. “Deus é amor” em
todo o universo.
Vejamos alguns dos reveladores poemas do Venerável Lao
Tsé:

Poema 1

O Tao que pode ser compreendido não é o Tao eterno

337
O Nome que se pode nomear não é o eterno Nome.
No Inominável está a origem dos Universos
O que é nominável constitui a origem dos seres
No Tao contempla-se o deslumbramento eterno
Na sua Criação contempla-se o deslumbramento finito
Ambos com nomes diversos formam um mistério
Mistério que se renova em outro mistério
A origem de todo deslumbramento

338
Comentário elucidativo: Tao é a Divindade Infinita Universal (Deus ou
Criador). Não é acessível ao nosso conhecimento finito, portanto é
enigmático e inominável, ainda que o representemos simbolicamente por mil
e um nomes. Apenas parte da sua Criação é tangível ou acessível a nós
mortais e ambos (finito e Infinito) formam um grande e renovável mistério,
“a origem de todo deslumbramento”. “No Inominável está a origem dos
Universos”, isto é, Deus é o criador do Multiverso - os Universos paralelos.
A Natureza manifesta-se em infinitas formas.

Poema 2

Quando se conhece o belo, distingue-se o feio


Quando se conhece o bem, percebe-se o mal
O divino e o terreno se completam
O fácil e o difícil se complementam
O longo e o curto se encontram
O alto e o baixo se harmonizam
As faces de uma moeda coincidem
O homem santo atinge o objetivo sem atuar
E ensina sem falar
Os seres dele se aproximam
E Ele os recebe e os ajuda
Cria e nada possui e tudo realiza
Por isso, concluída a obra, permanece eterna

Comentário elucidativo: Neste poema revela-se a lei da bipolaridade


universal. As duas faces da moeda se completam. O escudo também tem duas
faces. O bem e o mal, o belo e o feio, o fácil e o difícil, o longo e o curto, a
felicidade e a infelicidade, a saúde e a doença, a tristeza e a alegria, a
permanência e a impermanência. Toda antítese aguça a percepção e
aprofunda o conhecimento do mundo pelo homem.
Cristo ao oferecer-se em holocausto por amor à humanidade é o exemplo
por excelência de quem “atinge o objetivo sem atuar e ensina sem falar”. Seu
inolvidável exemplo permanece eterno apontando claramente aos homens de
boa vontade a divina vontade dos céus.

339
Poema 7

O céu e a terra parecem durar para sempre


Por não viverem para si vivem eternamente
Por isso o homem sábio e santo não vive para si
Despoja-se de si mesmo
E com humildade se sobressai
Dando tudo de si se realiza diante dos céus

Comentário elucidativo: O universo (o céu e a terra) parece-nos eterno ao


propiciar a vida aos seres que nele habitam. Existe para servir a todos. Do
mesmo modo, o homem sábio e santo abandona o seu eu e adota o nós para
servir com humildade o semelhante. O egoísmo é sublimado em prol do
altruísmo. Assim, cada Avatar cumpre sua excelsa missão e realiza-se diante
dos céus. O Filho de Deus serviu-nos com inexcedível amor “dando tudo de
si” - a própria vida (carnal) - em obediência aos céus.

Poema 8

O bem supremo é como a água


Beneficia a todos sem discriminação
Habita nos lugares mais baixos
Onde os homens desdenham
Por isso abeira-se à margem
Onde o sábio faz sua morada
De seu coração brota o amor
Fala sempre com sinceridade
Se governar procura a paz
Não compete com ninguém
E não lhe fazem oposição

Comentário elucidativo: O bem supremo, como a água, a todos beneficia


sem distinção. O amor reúne em si todas as virtudes e enseja tudo o que há de
bom no ser humano. São Paulo disse que o amor é o bem supremo. Sem
água não podemos viver e sem amor não somos felizes.

Poema 10

340
Mantenha o corpo e alma numa unidade inseparável
Tão suave como a respiração de um bebê
Limpe o espelho de seu espírito até ficar sem mácula
Ame o semelhante tratando-o com suavidade
Aja com benevolência com todos.
A iluminação dispensa erudição
Produza e crie com amor
Gere sem egoísmo
Não espere nada em troca
Assim é a Virtude que agrada aos céus

Comentário elucidativo: O binário inseparável - corpo e alma - forma o ser


humano. Uma união natural que deve ser tão harmônica e suave como o
alento infantil. Livre cada um o seu espírito de toda maldade para ficar sem
mácula. Sublime o eu para engrandecer o nós, em benefício de tudo e de
todos. Assim evoluímos e agradamos a Deus.

Poema 14

Ao tentar vê-Lo não é visível


Ao tentar escutá-Lo não é audível
Ao tentar tocá-Lo não é tangível
No entanto forma a Unidade Cósmica
Não podemos nomeá-Lo
Não tem forma nem imagem
Ao defrontá-Lo não enxergamos seu rosto
Ao segui-Lo não o percebemos
Se subirmos não se chega ao topo
Se descermos não se atinge a base
O Tao infinito está além de nossos sentidos

Comentário elucidativo: É uma magnífica descrição do Inominável. Deus é o


Criador de todas as coisas, mas a Realidade Suprema permanece além da
percepção humana, pois não nos é tangível. A visão de Isaac Newton sobre o
Ser Supremo e a de Lao Tsé coincidem de modo admirável.

341
Poema 29

Querer conquistar o mundo e tentar moldá-lo


Origina uma luta infindável fadada ao fracasso
O mundo é o campo ideal para evolução espiritual
Quem o manipula, corrompe-o
Não se pode apropriar-se dele
Todos tem uma função própria
Uns avançam
Outros param
Uns clamam
Outros calam
Uns prosperam
Outros declinam
O sábio não usa a força
Não se arvora em dominador
Não usa da violência

Comentário elucidativo: A sede de conquistas leva o mundo ao sofrimento e


ao caos. “Bem aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra”. Todos
os Avatares como Cristo, Buda, Lao Tsé e Gandhi ensinam a grande lição da
não violência. Cada ser humano deve assumir uma atitude de paz e amor com
o próximo de modo a bem cumprir sua missão terrena.

Poema 31

As armas parecem belas e excelentes


Mas são instrumentos nefastos
Quem ama Tao as despreza
O homem nobre em tempo de paz
Usa de benevolência com todos
Somente na guerra recorre à violência
E mesmo durante a luta almeja a paz
As armas não são instrumentos auspiciosos
E o homem nobre de espírito não as usa
Quando vence não deve embelezar a vitória
Quem se exulta com a morte do semelhante

342
Não evolui em espírito
Quem provocou a morte de seres humanos
Deve chorar e lamentar-se
O vencedor deve vestir-se de luto

Comentário elucidativo: A guerra é um instrumento nefasto que prejudica a


humanidade. Além das vidas perdidas, coloca-se em risco a segurança e a
qualidade de vida. A economia arruína-se com enorme prejuízo para as
nações. E o homem nobre “mesmo durante a luta almeja a paz”. É preciso
entender que na guerra não há vencedores. Não se pode regozijar-se com a
morte de irmãos, pois somos igualmente filhos de Deus. Por isso, “O
vencedor deve vestir-se de luto”
Poema 39

O homem santo é altruísta


Seu coração pertence a todos
É bom com os bons
E igualmente com os maus
É fiel com os fiéis
E também com os incertos
É a virtude do amor
Vive em paz sob os céus
Transmite tranquilidade a todos
E os trata como filhos queridos

Comentário elucidativo: A perfeição espiritual plena exige amor


incondicional. Cristo ensinou que devemos amar não só os amigos, mas
também os inimigos. Esse sublime sentimento avulta um paradoxo
inaceitável àqueles em fase insipiente, mas é compreensível aos espíritos
elevados. O ódio só pode ser vencido pelo amor – a virtude maior do Tao.

Tao, insondável e profundo, é o caminho da Verdade


Aquele que conduz à Fonte Original da Vida
É manancial eterno de amor e conhecimento
Manifesta-se no esplendor magnífico da Natureza
Sussurra pelas folhas das árvores que balouçam ao vento

343
Canta através dos lindos gorjeios dos pássaros
Murmura no tranquilo chiar das fontes
Revela-se na pureza da translúcida gota de orvalho
Ou nas águas bravias que descem das montanhas
Faz-se sentir na suave brisa ou no indomável vendaval

Brilha incomparável nas estrelas que enfeitam os céus


Resplandece amoroso nas belas noites enluaradas
Expõe-se singelo nos graciosos brotos de bambu
Ressoa contente no riso alegre das crianças
Dormita suave no doce sono dos bebês

Habita na majestade dos elevados cumes nevados


E na árida desolação dos desertos
Encontra-se na Terra e nos céus infinitos
Tao tudo cria, anima e está em toda parte
E afinal quem é Tao?
Tao é o Criador
Tao é Deus

O homem virtuoso do Tao


É sensível à magnificência da Natureza
Pisa a terra úmida com amor e respeito
Se enternece ao ouvir atento o belo canto dos pássaros
Sorri agradecido ao sentir a brisa acariciar seu rosto
Alegra-se ao escutar o som irrequieto dos regatos

Vive em harmonia com a Natureza


E obedece ao seu ritmo cadenciado
Flui natural como as estações do ano
Aceita tudo com paciência
Assim como o dia e a noite
A alegria e a dor
A vida e a morte

Contenta-se com pouco


Livre da ganância e da inveja

344
Ama tudo e todos
Assim segue tranquilo o caminho do Tao
O redimível caminho de Cristo

CAPÍTULO 34

DEUS E SEUS FILHOS

Nós somos seres espirituais, filhos verdadeiros de Deus e da


mesma natureza, como qualquer filho é de seus pais. Nossa filiação
a Deus não é simbólica, nem subjetiva, mas literal e real. Somos
feitos da mesma energia infinita do Criador. A diferença é que cada
um de nós a contém em quantidade infinitesimal, mas ainda assim
extremamente poderosa. Nosso Pai não estabelece limites para as
justas conquistas da humanidade porque nos ama e quer que nos
realizemos completamente. No entanto, apesar de contaminado pela
impureza espiritual, em determinado momento, mediante esforços
persistentes e bem intencionados, o ser humano pode libertar-se de
si mesmo e atingir a Iluminação. Semelhante fenômeno espiritual
ocorreu com santos autênticos como São Francisco de Assis e os
Apóstolos. Buda, igualmente, legou-nos maravilhoso exemplo. Um
santo ama a todos, sem estabelecer condições discriminatórias. Está

345
livre para pairar acima dos círculos restritivos criados
arbitrariamente pelos homens, religiosos ou não.
Jesus Cristo não ensinou a multiplicidade de vidas, a
chamada reencarnação, a qualquer um. Limitou-se a comentá-la
com um membro do Sinédrio, o valoroso Nicodemos. Sem
enfatizar de maneira especial, revelou aos discípulos que São João
Batista era Elias redivivo. Basta dizer que a conclusão óbvia ficou
por conta dos Apóstolos. Nós não nos lembramos de nossas vidas
passadas, embora fique gravada no subconsciente individual. Não
seria conveniente naquela ocasião desfavorável trazer uma
informação inédita a um judaísmo carnal e de cunho estritamente
farisaico, arredio às Boas Novas e ao amor do Filho de Deus. Essa
amnésia existencial é uma dádiva divina para permitir uma nova
vida a partir da estaca zero. Exatamente como Buda, o Mestre dos
mestres desconsiderou aquilo que não lhe pareceu essencial porque
lidava com alunos em nível insipiente.
Depois de dar o exemplo máximo do amor divino, deixando-
se imolar em prol da humanidade, Jesus Cristo permitiu que o
Apóstolo dos Gentios adaptasse a sua mensagem ao judaísmo
farisaico, um meio de oferecer os fundamentos teológicos da igreja
primitiva, naquela ocasião uma seita marginal mal vista e
perseguida. Não se deve esquecer que foi implantada por uma
heroica minoria judaica arrebanhada ao custo de amorosa
persuasão. Pouco adiantava complicar uma dificílima
evangelização com conceitos não tradicionais à simplória
mentalidade hebraica naqueles momentos cruciais.
Já vimos que São Paulo criou uma versão do cristianismo
baseada nos mitos do judaísmo, como o Gênesis, que duraria até
hoje. Iahveh continuaria sendo o Mágico Universal. Até o seu
famoso “homem novo” descrito nas Epístolas seria aproveitado
pelos bispos da igreja primitiva para negar a multiplicidade de
vidas. Os sacerdotes católicos, nem um pouquinho nela interessado,
usaram o conceito do Apóstolo, inserido originalmente em outro
contexto, para criar um sofisma conveniente aos interesses terrenos
da igreja. Daí surgiu a tradicional versão ortodoxa: Cristo quis dizer
que Nicomedes deveria, alegoricamente, renascer como um
“homem novo”, isto é, um homem renovado na fé ou coisa

346
parecida. Ora, Nicodemos mostrou-se um amigo fiel e corajoso do
Cristo crucificado, mas não poderia atingir a santidade num passe
de mágica. Segundo as palavras de Jesus, ao menos outra
oportunidade ser-lhe-ia concedida para atingir um grau de
espiritualidade compatível com a dimensão celestial. No caso de
Elias e São João Batista, no entanto, o sofisma do “homem novo”
nem pode ser aproveitado. Apelou-se para uma alegoria vazia,
totalmente incompatível com um Messias sinônimo da verdade.
Há que se entender uma idéia fundamental. Por sermos filhos
do Espírito Multiversal, somos seres espirituais, não importa se
estamos vivenciando num corpo animal ou não. Um ser espiritual
pode desenvolver-se em outros planetas numa simbiose com corpos
físicos similares ao nosso. E igualmente em outras dimensões mais
espiritualizadas, até atingirmos aquelas perfeitamente etéreas,
segundo o conceito estereótipo de um “céu ideal”. No Universo
multidimensional o tempo não existe à nossa maneira. A evolução
em nossa dimensão dos seres vivos é a mesma em todo cosmos. Do
inanimado, em determinado momento, surge a surpreendente vida
porque a semente divina está disseminada em toda parte. Nada
ocorre por mágica ou de modo sobrenatural. A Natureza espelha a
vontade do Criador e desenvolve-se segundo suas leis.
A ciência por seus próprios méritos explicará ao longo dos
tempos esse incrível fenômeno natural, pois o Pai nada oculta aos
seus filhos. O corpo efêmero do primata evoluído ou outro similar
alienígena serve de meio adequado ao aprimoramento espiritual em
nosso Universo. Existem infinitas escolas semelhantes à terrena
espalhadas pelo cosmos. Em decorrência, civilizações mais
adiantadas ou atrasadas espalham-se através do espaço sideral. As
primeiras observam-nos há vários milênios, pois estão interessadas
em avaliar o singular desenvolvimento dos humanos, mas sem
interferir no processo evolutivo, a não ser para beneficiar-nos sem
que o percebamos.
Portanto, eliminando-se em caráter definitivo a idéia ilusória
de um ser espiritual confundir-se com sua mera vestimenta carnal,
chegamos à conclusão de que somos filhos naturais de Deus -
nosso Pai ou Mãe verdadeiro. Nossos pais biológicos são, tão
somente, valiosos pais adotivos no cumprimento da vontade divina.

347
Pais, filhos, parentes e amigos ou até inimigos podem mudar de
posições vivenciais ao longo das múltiplas vidas, inclusive até de
sexo. O ser espiritual não tem sexo, uma simples decorrência de
encarnar em um primata masculino ou feminino.
Por exemplo: um pai atual pode ter sido a filha de seu
tataravô anteriormente. Contudo, há uma observação interessante.
Os espíritos, mesmo fora da dimensão material, preservam uma
predominância espiritual de caráter masculino ou feminino. Em
principio, esta característica é mantida ao longo das vidas
sucessivas de modo a se evitar frustrações ou desajustamentos
óbvios, já que a consciência procede do espírito e não do corpo. A
harmonia entre corpo e espírito deve ser a mais natural e perfeita
possível. Na tradição do taoismo, o Absoluto manifesta-se por seu
lado positivo ou negativo - yang ou yin - masculino ou feminino. A
visão oriental revela o mesmo segredo de uma questão universal.
No palco da vida interpretamos uma multidão de
personagens sem que tenhamos consciência deles quando estamos
representando um determinado papel. Somos artistas existenciais.
De uma maneira ou de outra, apesar de nossos erros, estaremos
sempre nos aprimorando em dois elementos fundamentais - amor e
conhecimento. O conhecimento decorre de toda e qualquer
experiência, seja na escola, na vida profissional ou no
relacionamento quotidiano. Esse vasto e crescente saber, aliado ao
amor adquirido, resulta na verdadeira sapiência. Deus não se
contenta apenas com filhos puros. Ele os quer igualmente sábios
para o momento sublime de recebê-los de volta em seu seio. Cada
um apresentando única e original individualidade. Daí avulta o
valor da verdadeira ciência quando objetiva beneficiar a
humanidade. A boa ciência, da mesma forma que a religião valiosa,
existe para que nos aproximemos de Deus ao favorecer a
eliminação da ignorância, mãe espúria do fanatismo. Fé desprovida
da razão tanto conduz ao bem como ao mal. Buda deu tanto valor à
razão que, no último instante de vida, alertou para se ter cuidado
com a ignorância, uma vez que a salvação também depende do
saber, seu importante instrumento.
Por que há sofrimento no mundo? Porque é um meio de nos
aperfeiçoarmos espiritualmente. Na verdade, sob uma ótica de

348
superior espiritualidade, mesmo os nossos inimigos podem
contribuir para nossa evolução quando conseguimos retribuir o mal
com tolerante e amorosa compreensão. O judaísmo legou ao
Ocidente a idéia primária de que Deus é um ser pessoal. Um ser
poderoso, um Ser Supremo de natureza material, talvez um Espírito
situado em algum lugar do Universo. Um Deus pontual que tem por
obrigação estar sempre protegendo os únicos habitantes de um
ponto situado a esmo no espaço sideral chamado Terra, de tudo e
de todos, particularmente os hebreus.
Não é exatamente assim. Deus não é apenas um Espírito. Um
espírito é cada um de nós, seres inteligentes. Na verdade, como
disse Jesus Cristo - Deus é Espírito. Ele é o Conjunto Espiritual
Absoluto que engloba tudo e todos. É a Consciência Cósmica
Multiversal. Estamos imersos Nele e O temos dentro de nós
mesmos. Somos um infinitésimo oriundo do Infinito. A gota d’água
imersa no Oceano Sem Fim, aquela centelha que voltará, mais cedo
ou tarde, ao Astro-Rei, o filho pródigo que já redimido reencontrará
radiante de felicidade o Pai generoso.
Deus não é pessoal no sentido restrito da palavra. Uma
pessoa é a simbiose de um espírito atuando num corpo físico. Deus
é espiritual. O Supremo Criador, Espírito Puro, não está
particularmente preocupado com os corpos de primatas ou
similares que habitam os incontáveis planetas - o Universo
tridimensional. “O corpo de nada vale”, bem ressaltou o Filho de
Deus. Por isso o ser humano está sujeito às várias doenças, às
inúmeras calamidades, naturais ou não, aos desastres acidentais ou
incidentais, aos assassinatos, inclusive à velhice e morte física
natural da qual ninguém escapa. E da vida terrena nada se leva! A
meta primordial do Espírito Supremo resume-se em ensinar
paternalmente aos seus filhos, isto é, aqueles que d´Ele se originam.
A matéria surge importante como meio de servir à espiritualidade,
nada mais. Não é eterna. Mais cedo ou mais tarde, o nosso planeta
e o Universo material deixarão de existir. E muito antes, os
primatas completarão seu ciclo na Terra, assim como todas as
espécies.
O Universo está expandindo-se e resfriando de uma maneira
contínua e fatal. Como nós, a dimensão gravitacional começou a

349
morrer desde quando nasceu. Exatamente a partir do instante físico
do Big Bang. Haverá uma seqüência de extinção inexorável:
primeiro qualquer forma de vida na Terra, em seguida o nosso
planeta, em terceiro o nosso sistema solar e finalmente o Universo.
Os dinossauros existiram por duzentos milhões de anos. Talvez,
não cheguemos nem a um milhão de anos no futuro desconhecido.
Graças a Deus! Devemos regozijar-nos porque tudo ocorre em
obediência ao plano divino. “Não cai uma folha de uma árvore sem
que Deus o permita”.
Algum problema? Nenhum. Somos seres imortais. Seremos
transferidos para outras escolas ou dimensões superiores onde
continuaremos a viver de modo muitíssimo melhor. Deus sempre
nos reservará a melhor parte porque somos seus filhos diletos. O
fim do Universo material nada significa para quem alcançou uma
espiritualidade compatível com outros desejáveis mundos celestiais
de beleza indescritível. Até o temível Apocalipse termina
anunciando em espírito de festiva celebração que, quando “o
primeiro céu e a primeira terra” deixarem de existir, surgirá algo
infinitamente melhor. O futuro é auspicioso, brilhante e
maravilhoso para aqueles com plena consciência da existência de
um Pai apaixonado por suas criaturas. E cabe-nos retribuir amando-
O de maneira recíproca.

350
CAPÍTULO 35

A CIÊNCIA E O CRIADOR

Fazendo-se uma retrospectiva do que já foi apresentado em


capítulos anteriores chega-se à conclusão de que o judaísmo,
baseado literalmente na tradição do Velho Testamento e nas
frustradas aspirações das tribos hebraicas, legou ao “cristianismo
ortodoxo”, isto é, essa insipiente versão terrena dos ensinamentos
de Cristo, uma concepção ilusória do Universo que não condiz com
a realidade. Certamente ignorou o Multiverso, porque só agora é-
nos possível vislumbrá-lo mediante novíssimas informações
oriundas de auspiciosa ciência de ponta e com endosso recíproco
das mais avançadas revelações mediúnicas da atualidade.

351
O Velho Testamento acabou por incutir arraigadas crenças
ao arrepio da lógica no subconsciente coletivo, particularmente no
pensamento ocidental. Elas se tornaram parâmetros de obediência
ou convicção, mesmo por quem desdenha da religião, sejam
cientistas ou simplesmente ateus ou agnósticos. As velhas
convicções refletem essencialmente a concepção do Universo
exposta no Gênesis, tudo em função do relacionamento ficcional de
Moisés, o lendário líder político religioso, com o temperamental
Iahveh - o mítico Deus Único - guardião ciumento e vingativo das
tribos hebraicas.
Embora passe despercebido à maioria, verifica-se que há
uma arraigada tendência em considerar crendices antigas como
verdades incontestes. É o que podemos denominar de Síndrome de
Iahveh - o Deus Único. Ela contagia tanto religiosos como
cientistas, influenciando crentes e até ateus. Façamos uma análise
sucinta de sua origem. A visão legada pelo Velho Testamento às
religiões do Livro baseia-se em sete parâmetros fundamentais que
podemos classificar em:
Unitário
Centrista
Puntiforme
Materialista
Sobrenatural ou mágico
Homem, medida universal.
Deus ex machina.
Vejamos como tal perspectiva ilusória direciona o
subconsciente coletivo de um modo incrivelmente restritivo:
O homem é o único ser inteligente no único Universo. Ele é
o centro cósmico para o qual convergem as atenções do Criador
bíblico. O restante da criação resume-se a uma moldura
infindavelmente maior do que o próprio quadro, mas secundária,
senão irrelevante. As inumeráveis estrelas ou corpos celestes foram
criados tão somente para enfeitar os céus e maravilhar os olhos
humanos.
Iahveh, o Deus Único hebraico, criou a humanidade de único
casal, nossos ancestrais primordiais, de forma sobrenatural ou
mágica. Infelizmente, Adão e Eva deram origem a todos nós da

352
forma mais desastrada possível.
O único planeta habitado, a Terra, é o centro do Universo.
Em segunda instância, se não é a Terra, é o Sol, única estrela capaz
de ensejar vida inteligente - nós próprios. Ora, seres alienígenas
não fazem parte da ultrarreduzida concepção uno do Gênesis e não
podem, por definição, existir. Tudo se resume a uma visão
primordial fictícia e egocêntrica em função do nível espiritual
insipiente da humanidade.
O Criador - o Deus Único - é um superser com poderes
sobrenaturais ou mágicos voltado primordialmente à proteção da
nação hebraica e, por mera extensão, aos seus adeptos de outras
nações. É o Deus genérico do mundo ocidental. Embora possa
haver um pensamento mais espiritualizado do Ser Supremo, ainda
permanece de maneira geral a ideia de que se reduz a um ser
antropomorfo ou, quando muito, a um Espírito puntiforme situado
no Universo material, um Deus ex machina. O Criador e a
Natureza existem separadamente. Deus pertence ao mundo
sobrenatural ou fictício e a Natureza resume-se ao universo
material ou real. Outras dimensões agora vislumbradas pela ciência
de ponta são consideradas levianamente elucubrações imaginárias
de cientistas alienados.
O conjunto - Deus e espíritos - por conseguinte, pertence ao
mundo sobrenatural. Esta ilusão decorre de julgar-se o homem a
medida de todas as coisas. Somente é real aquilo que lhe é
tangível. O incompreensível (quase tudo) é sobrenatural.
O homem, segundo a crença judaica ortodoxa, dispõe
somente de única vivência terrena, entretanto pode almejar a
eternidade no mundo físico, daí a crença no Dia do Juízo Final. Em
único, incrível e extraordinário dia, Iahveh descerá dos céus
sentado majestosamente em seu magnífico trono, secundado por
anjos, arcanjos e querubins e ao som de estrondeantes trombetas
celestiais. Decerto, raios e trovões aterradores alertarão aos
atemorizados humanos da iminente presença divina. Então, a morte
será vencida num passe de mágica, criando-se um reino de cunho
terreno, mas limitado aos eleitos. Os demais infelizes estão
destinados eternamente ao inferno único onde permanecerão
sofrendo martírios inimagináveis.

353
No entanto, podemos conciliar razoavelmente os
conhecimentos fornecidos pela ciência de ponta e mediunidade
superior com as revelações alegóricas do insipiente legado
hebraico. O Universo material, nossa escola de evolução, findará
em alguns bilhões de anos. E quanto a isto não há dúvida alguma.
Na verdade, haverá múltiplos dias do Juízo Final, pois existem
infinitas civilizações espalhadas pelo espaço sideral. O
desaparecimento da vida “carnal” em cada planeta não se dará ao
mesmo tempo, isto é, não será simultâneo, obviamente devido à
imensidão cósmica.
Nessas alturas, a multiplicidade de vidas ensejará uma
passagem natural dos amorosos e sábios seres inteligentes
remanescentes para dimensões etéreas ou paradisíacas e ninguém
será condenado aos horrores de um imaginário inferno. Deus é
infalível e não perderá nenhum de seus filhos nas “chamas
eternas”. Ele dará o tempo necessário para que sua infindável prole
se salve e sem exceção. Lembremo-nos das sábias palavras de São
Pedro: “Deus não quer que alguém pereça, mas que todos se
arrependam”. (II Pedro 3.8)
Se analisarmos os conceitos do legado judaico à luz de um
conhecimento atualizado, vemos que se estabeleceu um modelo
extremamente parco para permitir a plena compreensão do
Universo ou Multiverso. A parte infinitesimal é confundida com o
todo - o Infinito. Ficamos arrogantemente com um tiquinho da
criação divina e desprezamos a esplendorosa beleza do Infindável -
o restante.
Embora se saiba que a terra gira em torno do sol e nenhum
religioso ousaria afirmar hoje em dia o contrário por medo do
ridículo, a mentalidade dogmática prevalece ainda e continuam a
pensar erroneamente que o nosso planeta é o centro do universo. O
homem permanece arrogantemente julgando-se o único ser
inteligente existente no cosmos e medida de todas as coisas, apesar
de mil e um indícios apontando para a multiplicidade da vida em
infinitos planetas espalhados pelo espaço sideral.
Bastaria citar um deles – a unicidade do Universo. Em
decorrência dela, qualquer fenômeno que acontece no planeta
Terra, um mero elemento do conjunto infinito, ocorre de modo

354
semelhante nos demais. Se aqui os seres vivos são constituídos
mediante o modelo do DNA, obviamente um DNA similar rege os
seres dos planetas habitáveis. O metabolismo dos seres vivos
adapta-se às particularidades do meio ambiente. É uma
característica da Mãe Natureza em todo espaço sideral. A vida
surge espontaneamente aqui, ali e acolá em decorrência de
idênticos processos físicos e bioquímicos naturais. A origem da
vida é a mesma em todo Universo porque a semente primordial está
espalhada em toda parte. E a Natureza evolui de acordo com a
concepção do Criador, isto é, a Inteligência Cósmica Multiversal.
Sem dúvidas, a Ciência é seu instrumento essencial e tudo se
sucede dentro da mais pura Lógica Divina - um sinônimo para
Deus.
Obviamente, as características físico-biológicas de seres
extraterrestres divergem dos humanos em vários sentidos,
entretanto o design básico universal é obedecido através de um
cosmos comum a todos. Sob a ótica de cada civilização sideral nós
somos, na verdade, seres alienígenas. Corroborando a pluralidade
de vidas no Universo há milhares de fidedignos testemunhos de
leigos, peritos ou pilotos de terem avistado, fotografado, filmado ou
detectado nas telas do radar OVNIs cujos aspectos e deslocamentos
impressionantes no espaço ou mesmo no oceano indicam a
procedência alienígena.
Entretanto, evitam normalmente o contato direto conosco
porque temem perturbar a nossa natural evolução, além de estarem
cientes da reação agressiva de terráqueos em fase evolutiva
insipiente. Eles estão milhares de anos à nossa frente e fazem parte
de avançadíssimas civilizações. Observam-nos há milênios e sabem
perfeitamente que qualquer conhecimento tecnológico cedido
graciosamente será utilizado de imediato para fins militares
aumentando o risco, sempre latente, de nossa autodestruição. Os
humanos não querem aceitar que não se libertaram ainda da fase de
barbárie, não obstante o flagrante instinto homicida que os levam a
guerras desastrosas. O não matarás ainda está longe de ser
compreendido para dar lugar à amorosa compaixão pelo
semelhante.
Um ser inteligente de nosso Universo, não importa de qual

355
planeta, é constituído de corpo espiritual e físico. O primeiro é
exatamente o mesmo, só variando o invólucro material. O ser
espiritual é eterno e não está sujeito à degradação do corpo físico
comum ao Universo gravitacional cujo fim se antevê para alguns
bilhões de anos à frente. O corpo espiritual obedece, assim como o
de carne e sangue, à singular complexidade. Um espírito não é um
fantasma. Trata-se apenas de um ser oriundo da Fonte Eterna
segundo as leis naturais ainda fora do alcance da compreensão,
embora já se esboce atualmente sérios estudos a respeito. A título
de ilustração, lembremos que a luz viaja pelo espaço sideral em
infindáveis anos-luz. O ser espiritual é formado com elementos de
energia semelhante e por isto não se extingue. A ciência limita-se a
descobrir as leis da Inteligência Suprema que regem o Multiverso e
nada lhe será ocultada através dos tempos. Inclusive, em futuro não
tão longínquo será estudada nas salas de aula pela Metafísica a
constituição dos corpos espirituais, isto é, nós mesmos. Há muito
chão a percorrer e mal iniciamos a longa caminhada rumo ao
conhecimento.
O Criador não é exatamente um Deus Único, mas um Deus
Infinito, o Espírito Divino que abrange e rege o Multiverso - os
Universos existentes. A palavra - “Único”- originou-se de
imaginário ciúme do velho Iahveh do folclore judaico contra o
“herético” culto aos deuses pagãos, tanto aqueles conhecidos pelos
rudes hebreus como pelos povos antigos em geral. Atribui-se no
Velho Testamento um sentimento estranhamente homicida ao Deus
Onipotente e Onisciente.
Obviamente, a Suprema Inteligência Multiversal sabe que os
variados povos, em sua fase cultural primitiva, procuram a imagem
divina espelhada em múltiplos aspectos da natureza, seja nas
estrelas, nos planetas, nos mares, nos rios, nas montanhas e
florestas, inclusive nos animais. Confundem o Criador com suas
admiráveis obras. E procuram retratar os seus infindáveis aspectos
sob a forma de figuras ou ídolos. Basta lembrar que o notável
imperador Constantino, antes de converter-se ao cristianismo,
cultuava o Sol Invictus, já que os antigos romanos viam o sol como
símbolo do Deus supremo de seu rico panteão. O astro-rei sempre
ocupou um lugar de destaque em várias religiões, à semelhança do

356
xintoísmo. O sol nascente até faz parte essencial da bela bandeira
japonesa. Nada tão absurdo ou pecaminoso a ponto de justificar um
extermínio cruel pelo Senhor dos Universos dos próprios filhos por
pressuposto pecado capital, um sinônimo para imperdoável afronta.
Aliás, se chamarmos Deus de Único, estaremos pressupondo que se
pode compará-lo com outras divindades. No caso em pauta, seres
imaginários. Tal pensamento afigura-se disparatado contra-senso,
se entendermos que Deus engloba tudo e todos. Nada existe além
do Criador e sua Criação.
É comum um apreciador de arte, diante de um quadro do
célebre pintor, afirmar admirado: “Eis um Picasso!”. Igualmente,
não seria absurdo se alguém, diante de um belo pôr do sol,
exclamar extasiado: “Eis Deus”! Simplesmente confunde o Criador
com uma de suas inumeráveis obras. Se um aluno cursando o
jardim de infância contar à professora de seu contentamento por
causa da chegada do Papai Noel no Natal, ocasião festiva em que
os petizes esperam ganhar lindos presentes, certamente ela não vai
castigá-los. Ela se associará à alegria dos pupilos sem arruinar-lhes
a bela crença infantil. Deus igualmente vê a humanidade como
crianças em fase espiritual primária. O Ser Supremo não vai matar
ninguém por tão pouco. Ignorância ingênua per si só nunca
constituiu crime.
Alguns povos vizinhos aos hebreus chamavam Deus de Baal.
Como vimos em capítulo anterior, uma inocente sinonímia de
caráter cultural sobre o mesmo Criador foi mal interpretada pelos
adeptos de ambos os cultos. De modo insensato deixaram-se
envolver em gratuito antagonismo. O profeta Elias exterminou
cruelmente em tresloucada vingança os seus congêneres - os
sacerdotes de Baal. Tratou-se de lamentável equívoco e péssimo
exemplo que ensejaria as futuras guerras entre judeus, romanos,
católicos, islâmicos, protestantes e outros desvirtuados pela
ignorância comum. Atualmente, a insana guerra - árabes versus
judeus - dá continuidade à milenar ignorância das coisas do espírito
e vem sendo acirrada por crendices religiosas ao ponto de fazer-se
sentir seus efeitos calamitosos em alguns países ocidentais,
particularmente nos EEUU, haja vista as catastróficas destruições
das Torres Gêmeas.

357
Um belo exemplo de que a fé religiosa não precisa
obrigatoriamente conduzir às guerras fratricidas é-nos dado pelo
budismo e xintoísmo, cujos adeptos convivem em harmonia há
séculos no Japão. A esclarecida interação ou sincretismo de
budistas e xintoístas fez-se de maneira proveitosa para ambas as
partes, com significativo progresso espiritual. Graças ao bom Deus,
o catolicismo medieval implantado com sucesso inicial por
fanáticos jesuítas não vingou no país do Sol Nascente. No breve
período em que por lá andaram, os padres de batina preta só
serviram para acirrar o antagonismo agressivo entre facções feudais
rivais, já que a igreja romana nutria a vã pretensão de obter a
qualquer custo o domínio temporal de novas terras.
Lamentavelmente causaram guerras e mortandades, em vez de
acrescentar amor e paz conforme os divinos ensinamentos de
Cristo. O velho catolicismo, falsamente cristão, acabou vencido e
foi expulso em tempo útil das ilhas nipônicas. Se vencedor, a
historia nos legaria os tristes espetáculos daquela conhecida
perversidade sem limites: “hereges” budistas e xintoístas ardendo
em enormes fogueiras da Inquisição Japonesa, contraditoriamente
em nome de um Deus que ama a todos.
Já foi exposto claramente que a herança cultural do judaísmo
reduz-se drasticamente ao mundo tangível. Fora da nossa dimensão
material caí-se num limbo sobrenatural ou fantasmagórico que se
deve temer e evitar. É o nada alentador Sheol. Libertemo-nos desse
contexto imerso em elucubrações sombrias que nada explicam
sobre a existência e finalidade das coisas e das criaturas. Devemos
apelar para uma razão que nos permita vislumbrar a realidade
transcendental segundo novos parâmetros baseados não mais em
tradições e religiosidades arcaicas.
Dentro de uma novíssima visão holística não existe em
absoluto algo ou ser sobrenatural pelo simples motivo de escapar à
percepção humana. O homem não é a medida de todas as coisas
como nos ensinaram desde a infância. Por exemplo: a formiga
desconhece a existência individual dos seres e coisas a partir de
determinado tamanho. Ela vive num minimundo perceptível e
suficiente à perfeita sobrevivência da sua espécie. Evidentemente,
não percebe a existência dos elefantes, mesmo que esteja andando

358
em cima de um deles. De modo semelhante, se o homem não se
apercebe de seres de outras dimensões ou da atuação constante do
Criador em tudo, nem por isto passam a ser sobrenaturais. Nada é
mais natural do que Deus.
A Natureza em todo Multiverso é manifestação divina, assim
como um pintor manifesta-se em valiosos quadros ou um escultor
em belas obras. Simplesmente, a ignorância humana, assim como a
limitada visão das formigas, não permite uma percepção plena e
tangível de muitíssimas coisas. Para enxergar mais adiante o
homem deve usar o seu poderoso sexto sentido - o pensamento.
Exatamente como os filósofos gregos fizeram para deduzir séculos
antes de Cristo que a terra era esférica, apesar de aparentemente
plana, e medir o seu diâmetro, a circunferência e a distancia dela ao
sol ou à lua com surpreendente precisão. Os filósofos gregos foram
os incríveis autores de feitos espetaculares que ensejaram o
nascimento da ciência e tecnologia do mundo moderno. São
parâmetros espetaculares para uma visão holística do Universo.
A primeira ótica do homem sobre o seu Criador, segundo o
Velho Testamento, derivou-se de uma alegoria considerada
sobrenatural. Segundo o Gênesis, Iahveh, o antropomórfico Deus
judaico fez isto, isso e aquilo com seus poderes de natureza mágica.
Daí os crédulos ingênuos têm como verdade literal que Iahveh
criou o mundo em seis dias, descansou no sétimo, criou a
humanidade de um único casal, andou para lá e para cá paparicando
as tribos hebraicas, batendo papos mil com Noé, Abraão, Isaac,
Jacó, seu fiel escudeiro Moisés e vários profetas, alguns até
perversamente homicidas.
E, como ainda se fosse pouco, Iahveh estabelece o pacto da
circuncisão com Abraão, incrivelmente estendido aos judeus até os
tempos atuais pela ingenuidade farisaica. Por causa de uma
imaginária ordem divina, bebês inocentes no oitavo dia de
nascimento tornam-se vítimas compulsórias de pais e rabinos
equivocados quanto à sublime essência do judaísmo. A voz
trovejante do Deus hebraico ainda ecoa atemorizante através dos
séculos:
“O varão incircunciso, do qual não se tenha cortado a carne
do prepúcio, será exterminado de seu povo por ter violado minha

359
aliança.” (Gênesis 17.14).
Ora, mutilar o corpo de um nascituro não o torna um ser
melhor, capaz de ofertar amor e sapiência à humanidade. Apenas
perpetuará uma milenar misantropia, um arraigado culto às
diferenças ilusórias que separam os seres humanos. Elas
contribuíram para tornar realidade o holocausto judaico-nazista.
Esse Deus da versão bíblica não se deu conta de que deveria
cuidar precipuamente do Multiverso onde habitam infinitos seres
inteligentes. Ainda hoje em dia o homem julga-se o centro do
universo e apela para o sobrenatural quando as coisas ficam acima
de seu entendimento. Infelizmente, a idéia de que o não tangível é
sobrenatural ficou arraigada no subconsciente ocidental, inclusive
de significativo número de cientistas, alguns até notavelmente
famosos.
Charles Darwin ao descobrir a evolução das espécies, um
processo natural segundo o qual os seres vivos se reproduzem e
adaptam-se ao meio ambiente da melhor maneira possível para
possibilitar a sobrevivência das múltiplas espécies, aliás, um
processo que ocorre em todo Universo, ficou estarrecido. Em
seguida, declarou-se ateu de carteirinha e jogou a Bíblia para
escanteio ao admitir que o mítico Iahveh bíblico resumia-se à pura
fantasia. Ele não podia acreditar como um cientista “sério” no
sobrenatural. Em contrapartida, como se fosse pouco, os
“teólogos” da época insurgiram-se de tacape na mão e por milagre
o nosso genial cientista saiu ileso, embora chamuscado pelo
fanatismo de uma religiosidade equivocada. A revelação de que
descendíamos de macacos primitivos parecia-lhes uma afronta
imperdoável ao orgulho da humanidade.
Esse dilema controverso lembra-nos a estória dos dois
cavaleiros medievais e do valioso escudo. Cada um via a questão
somente por um lado. Um afirmava que o escudo era de ouro e o
outro de prata, entretanto era tanto de ouro como de prata. Existe,
também, uma piada que ilustra essa alienada disputa. Um louco
falou para o outro:
“Vamos subir neste muro alto para apreciar a paisagem, você
topa?”
“Claro que sim!” - respondeu o outro muito entusiasmado.

360
“Então vou acender a minha lanterna e você sobe pelo facho
de luz. Depois jogo a lanterna e você me faz subir. Entendido”?
O segundo louco pareceu logo concordar, mas em seguida
fez uma expressão cheia de desconfiança e refutou contrariado:
“Não, não vou, não! Quando estiver lá em cima, você desliga
a lanterna e eu me esborracho no chão!”
Por incrível que pareça, a celeuma em torno da evolução das
espécies é uma discussão semelhante. Duas argumentações
parecem opor-se, mas nada significam, pois são meros absurdos.
Ora, obviamente, a versão bíblica é uma bela e criativa metáfora de
caráter folclórico da formação do mundo, do homem e dos demais
seres que habitam nosso planeta. Embora apresente alguns aspectos
reveladores e verdadeiros, não é para ser levada ao pé da letra por
pessoas maduras e com razoável escolaridade.
E muito menos a evolução das espécies - nem de longe -
elimina a existência do Criador, invisível a nós, mas presente em
toda Natureza. O Multiverso incomensurável é uma manifestação
natural de Deus. A Natureza não se limita ao planeta Terra ou ao
nosso Universo. Qualquer ser ou coisa, tangível ou não, é produto
da Inteligência Cósmica Multiversal e, em decorrência, afigura-se
um elemento da Natureza. Entretanto, jamais veremos um
imponente velhinho de barba branca, olhar severo e longo cajado
na mão surgindo de forma espetacular e proclamando-se Deus
somente para fazer os tolos acreditarem em sua existência.
Ninguém melhor que Darwin esteve na privilegiada posição
de deslumbrar-se com a magnificência do Criador em face das
notáveis descobertas que revelou a uma humanidade presa às
crendices tradicionais. Lembremo-nos que Isaac Newton ao
descrever as leis da gravidade maravilhou-se com a grandeza divina
e legou-nos enaltecedoras revelações a respeito de Deus. Newton
tinha uma visão altamente elucidativa do Ser Supremo. Em suma, a
evolução das espécies, assim como a gravidade, obedece às leis de
uma Natureza regida por seu Criador.
A Inteligência Multiversal age de forma tão natural que se
confunde com a Natureza e ocorre além da percepção humana. A
visão que Charles Darwin tinha de Deus provinha da concepção do
Gênesis que lhe inculcaram desde tenra idade e ele acabou levando

361
uma bela alegoria ao pé da letra. Ora, se as espécies surgiram
através dos milênios e não em curtos seis dias, evidentemente
Iahveh era um mito. E refletiu desiludido: “Deus, infelizmente, não
existe”! Darwin equivocou-se devido à Síndrome de Iahveh.
Isso lembra-nos a estória do Papai Noel. A criança acredita
no velhinho de barbas brancas, mas sempre chega o malfadado dia
quando um menino maldoso de maior idade revela a verdade. “Não
existe Papai Noel! São nossos pais que dão os presentes de Natal”!
Alguns petizes choram ante a notícia traumatizante e até se
insurgem contra os pais. Na verdade, o Papai Noel de carne e osso
continuará existindo enquanto pais amorosos derem presentes aos
seus filhos. De modo semelhante, se não há um Deus folclórico,
nem por isto o Deus real deixa de existir, senão nem estaríamos
aqui. Deus é o Oceano Sem Fim no qual tudo está contido. “Deus é
Espírito”, como definiu o Messias - a Inteligência Infinita, a
Energia Origem, o Alfa e o Ômega, que engloba o Multiverso. Na
verdade, a palavra Deus por si só nada significa. É ilusório dar
nome aquilo que desconhecemos. Deus é o Grande Enigma, o
Incognoscível, o Mistério Insondável ao ser humano.
Entretanto, seu modo de manifestar-se através da Natureza
incomensurável está perfeitamente ao nosso alcance. Deu não
impõe limites ao conhecimento humano ou de nossos irmãos
alienígenas. A Natureza é um livro aberto onde uma persistente
ciência pode escrever sensacionais descobertas em infindáveis
páginas em branco. O Criador vai-se revelando ao homem através
dos séculos e milênios e cada vez mais nos deixará deslumbrados
diante de sua grandeza infinita.
Por isso devemos adotar uma visão mais avançada das
questões transcendentais abandonando de vez as crenças ou
crendices tradicionais que separam os seres humanos em vez de
uni-los fraternamente. É preferível procurar também nas revelações
da ciência de ponta e da mediunidade racional explicações
coerentes, particularmente quando se endossam de forma explícita.
Sem dúvida, as palavras do Filho de Deus servem-nos de parâmetro
decisivo para obtermos as conclusões mais próximas da realidade,
embora limitadas por uma percepção insipiente de nossa parte.
Comecemos pelas revelações espetaculares da avançada

362
ciência moderna. Brian Greene, brilhante físico graduado pela
Universidade de Harvard e doutor emérito por Oxford, em seu
revelador livro - O Universo elegante - descreve-nos com singular
talento o admirável esforço de cientistas renomados para
desenvolver os pilares que sustentam a física moderna. Um deles é
a relatividade geral de Albert Einstein. Ela nos fornece uma
espetacular teoria para compreensão do Universo em escala macro,
compreendendo estrelas, galáxias, aglomerados de galáxias ou
nebulosas e demais corpos espalhados pelo espaço sideral. O
segundo pilar refere-se à mecânica quântica que oferece a estrutura
teórica para compreensão do Universo na escala micro, isto é, o das
moléculas, dos átomos e inúmeras partículas subatômicas, como os
quarks up e down, os neutrinos, os múons, os taus, os neutralinos,
os áxions, entre outros. Afamados cientistas, mercê de árduas
pesquisas, já confirmaram com precisão incrível muitas das
previsões destas geniais teorias.
No entanto, dificultando um entendimento pleno, não se
apresentam certas ao mesmo tempo, respondendo com precisão a
todas as questões, mas mostram-se incompatíveis. Cada uma
limita-se a explicar o mundo macro ou micro, mas não ambos de
forma satisfatória. Almejando-se um esclarecimento amplo,
desenvolveu-se a reveladora teoria das super cordas ou cordas em
que se procura unir os dois enfoques descritos e promover a tão
almejada harmonia entre as leis da física de maneira geral,
eliminando-se frustrantes exceções.
Embora a teoria das cordas esteja ainda engatinhando, já
oferece esclarecimentos científicos suficientes para afirmar-se que
veio para ficar, ensejando o descortino progressivo de uma visão
magnífica dos Universos Paralelos - o Multiverso - que emerge de
modo surpreendente do desconhecido e revela magnificente
grandiosidade aos olhos maravilhados do gênero humano.
Como se sabe, as quatro forças fundamentais que regem o
cosmos são: a força da gravidade, a força eletromagnética, a força
forte e a força fraca. A gravidade é a mais conhecida. Ela mantém-
nos orbitando em volta do sol e com os pés no solo, sendo função
direta da massa de cada objeto. A força eletromagnética é a
segunda nossa grande conhecida. Ela nos proporciona os confortos

363
da vida moderna, tais como lâmpadas, rádios, televisores, telefones,
etc. Surge, também, nas tempestades e na eletricidade estática.
As forças forte e fraca são forças nucleares que só foram
descobertas mais recentemente. A força forte é responsável por
manter os quarks presos dentro dos prótons e nêutrons. Um próton
é constituído de dois quarks, um up e um down. Um nêutron de um
quark up e dois quarks down. E a força fraca permite a
desintegração radioativa de elementos como urânio e o cobalto,
entre outros metais pesados. Ela dá origem à utilização da energia
nuclear.
Daí surge uma série de perguntas que permanecem como
intrigantes enigmas aos cientistas que estudam o Universo micro.
Por que as forças fundamentais são quatro e não, cinco, três, duas
ou uma só? Por que têm propriedades tão diferentes? Por que as
forças fortes e fracas confinam-se às escalas micro, enquanto a
gravidade e o eletromagnetismo possuem alcance tangível ao ser
humano? Por que coexistem as quatro de forma harmônica?
Bastaria uma pequenina alteração em uma, duas, três ou quatro
dessas forças fundamentais para comprometer em caráter
catastrófico o equilíbrio entre elas. Tais hipóteses perturbadoras
acarretariam a inexistência do Universo como o conhecemos e
tragicamente dos seres que nele habitam - nós próprios, inclusive.
Por exemplo, a existência de núcleos atômicos estáveis que
formam todos os elementos depende de delicada proporção entre a
força forte que age em meio aos quarks mantendo-os juntos e a
força eletromagnética que os repele. Os físicos imaginaram
inúmeras outras interessantes situações de desequilíbrio que
tornariam o nosso Universo inviável. Obviamente, existe uma
Inteligência Universal, ou melhor, Multiversal, mantendo a
harmonia de tudo. As coisas não acontecem de modo racional
através do cosmos infinito por puro acaso. Uma causa inteligente,
não aleatória, evita o caos na Natureza e dá origem a efeitos
inteligentes, ou vice-versa. Assim nos sugere o conhecimento
científico que se baseia em pura lógica. Existe uma Inteligência
Suprema que cria e mantém a harmonia do Multiverso e não existe
outra hipótese viável. O Criador Todo-Poderoso e Onisciente é a
Causa Inteligente que origina e mantém em maravilhoso equilíbrio

364
o deslumbrante conjunto multiversal.
A teoria das cordas procura a união harmoniosa entre a
relatividade geral e a mecânica quântica. Ela constitui uma terceira
visão da física de alto nível. Segundo ela, o tecido microscópico de
nosso Universo apresenta-se como um labirinto multidimensional
ricamente urdido e as cordas do universo vibram sem cessar de
maneira a ritmar as leis universais e, por conseguinte, a
maravilhosa existência do cosmos. As cordas estão profundamente
unidas ao tecido do espaço e tempo. Essa ousada afirmação sacode
os alicerces da física contemporânea ao levantar uma teoria
singularmente adiantada que altera substancialmente o número de
dimensões conhecidas do Universo.
Essa surpreendente perspectiva surgiu em 1909 quando um
inspirado matemático polonês, Theodor Kaluza, teve a auspiciosa
temeridade de sugerir que o Universo não se restringia às três
dimensões conhecidas na época. O tecido de nosso Universo
poderia ter tanto dimensões estendidas quanto dimensões
recurvadas. Um desconhecido Kaluza enviou o seu desafiador
trabalho ao famoso Albert Einstein que ficou bastante intrigado, no
entanto não conseguiu chegar a uma conclusão definitiva. Era uma
visão extremamente avançada até mesmo para Einstein.
Felizmente, o conhecimento humano ocorre por etapas
progressivas e tudo se vai esclarecendo no devido tempo. É como
no campo de futebol. Para se conseguir o tão almejado gol é
necessário que o jogador faça incontáveis passes, dribles e chutes,
ainda que muitas jogadas se percam. Na física não é diferente. O
esforço coletivo, baseado em contribuições individuais, cria as
condições ideais em determinado momento - o ponto crítico - para
propiciar a merecida vitória. Acrescente-se que os cientistas só
conseguem grandes feitos por estarem apoiados, à semelhança de
Isaac Newton, nos ombros de gigantes, os seus abnegados
antecessores.
A evolução da teoria das cordas, mercê do trabalho de
cientistas fora de série como Michael Duff, Paul Townsend e
Witten, apresenta-nos, para espanto de alguns teóricos
conservadores, a existência de dez dimensões espaciais e mais uma
temporal. Witten já é visto no mundo científico como o maior

365
físico de todos os tempos, um inigualável sucessor de Einstein. Vê-
se que o genial, três + um, do criativo físico judeu deu margem ao
início de uma infindável odisséia intelectual que levará a
humanidade a espetaculares descobertas. Na verdade, a ciência está
como um bebê engatinhando, pois o caminho a percorrer é
inexaurível.
A mecânica quântica e a teoria da relatividade permitiram,
entre outros valiosos avanços, o entrelaçamento do espaço e do
tempo, dos buracos negros e do Big Bang. Ninguém imaginaria que
o Universo mecânico e preciso de Isaac Newton se mostraria
limitado em relação à extraordinária visão atual dos Universos que
se amplia dia a dia. A ciência defronta-se com enigmas intrigantes
e ousa desvendá-los. Os físicos prosseguem na luta incansável em
busca de uma teoria definitiva para um Universo que tudo indica é
apenas mais um mergulhado no superespetacular Multiverso. Este é
formado por universos paralelos que coexistem harmonicamente
como manifestações surpreendentes da Suprema Inteligência
Multiversal. Esses Universos além do nosso não permitem a
formação da matéria na escala conhecida, a das galáxias, estrelas,
planetas e da vida semelhante à terrena. Certamente, a Natureza
manifesta-se sob outras formas de vida favoráveis ao ser espiritual
que somos essencialmente.
Sugestivas hipóteses ensejam vislumbres do modo
divinamente criativo da Consciência Cósmica. Em um experimento
muito esclarecedor, alguns cientistas descobriram que se ajustarem
uma constante da Natureza em função de um selecionado
parâmetro variável, mantendo-se os demais fixos, ocorre algo
surpreendente. Por exemplo, a força nuclear fraca manifesta-se
como uma presença sutil na vida quotidiana. Inicialmente, pensou-
se que seria improvável que pudesse subsistir um estranho
Universo baseado apenas nas outras três leis da Natureza. No
entanto, esses mesmos abalizados físicos chegaram à surpreendente
conclusão. Um Universo baseado nas outras três forças da física
seria possível e agradável. Uma vasta gama de universos sem a
força fraca poderia ter existência real e, por incrível que possa
parecer, oferece habitabilidade. Isso significa a existência de seres
com características singulares apropriadas ao referido Universo. De

366
modo surpreendente a Natureza não se prende a uma solução única,
mas dá margem a mil e uma combinações em função de
impressionante criatividade. O Criador Multiversal detesta a avara
unicidade e ama a generosa multiplicidade.
O nosso Universo começou com o Big Bang há cerca de 13,7
bilhões de anos e tem-se expandido e resfriado desde então.
Evoluiu de uma sopa de partículas elementares para o cosmos
maravilhosamente estruturado de hoje. Em ínfima fração de micro
segundo a matéria predominou sobre a antimatéria e lançou as
sementes siderais para surgimento das galáxias e demais corpos. A
matéria escura, juntamente com a energia escura, ainda não foi
decifrada em essência pela ciência, mas indubitavelmente revela-se
o fator de equilíbrio de um cosmos extremamente complexo.
Ambas são sumamente importantes. Basta dizer que 71,5% de
nosso Universo é energia escura e 24% de matéria escura. Apenas
4% de gás e 0,5% de estrelas e planetas. Os seres viventes fazem
parte desta última fração diminuta em relação ao todo. E o futuro
do Universo está relacionado com a matéria escura, esta forma de
energia desconhecida que fez com que a expansão cósmica
começasse a acelerar-se há alguns bilhões de anos.
Segundo hipóteses recentes, mas ainda influenciadas pela
Síndrome de Iahveh, antes do Big Bang não havia absolutamente
nada. Então, do Nada surgiu o nosso universo. É um modo pueril
de tornar tardiamente verdadeiro o mito da criação do Gênesis. O
papa Pio XII adorou esta versão incoerente. Ora, pela lei da
conservação da energia, antes e depois do Big Bang, a energia
permaneceu constante. Nosso universo não surgiu do nada, mas
simplesmente de energia equivalente sob outra forma ainda não
compreendida.
Passaram-se alguns bilhões de anos e, há um milhão de anos,
surgiram os primatas que finalmente deram origem às civilizações
terrenas. Dentro de um conceito restrito ao universo único não
houve universos anteriores. Se havia uma Causa Primordial, ao
qual chamamos de Criador ou Deus, certamente estava desativada
sem ter o que fazer ou criar antes dos 13,7 bilhões de anos - um
quase nada na contagem sem fim de um tempo incomensurável.
Então, poder-se-ia dizer que Deus e Nada seria quase a mesma

367
coisa, pois não haveria nenhum ser inteligente para atestar-lhe a
existência. Nesse contexto acanhado, o Universo tridimensional
reduz-se a um ponto na infinita reta do tempo. A ação do Criador é
ínfima, esporádica e inexplicável. Ora, a lógica leva-nos a supor
que o nosso universo é um evento cíclico. Obviamente, o Criador
trabalha ininterruptamente para manter um Multiverso sem começo
ou fim, um espelho natural de sua divina eternidade.
Uma conjectura paupérrima mostra-se sem conteúdo diante
dos avanços da teoria das cordas. Existem infinitos Universos
paralelos que devem o seu surgimento a algo parecido com o Big
Bang. O planeta Terra foi banido do centro do Universo por
Copérnico no século 16 e este Universo, além de ser perecível, uma
vez que está fadado a desaparecer inexoravelmente, afigura-se um
entre incontáveis Universos.
Por extensão, outra teoria esclarecedora foi apresentada por
Martin Bojowald, professor do Institute for Gravitation and the
Cosmos na Pennsilvânia. Ele pesquisa a reveladora gravidade do
loop quântico. A teoria do loop quântico estipula um limite para a
quantidade de energia que é possível acumular em determinado
espaço e deste modo substitui a singularidade do Big Bang por
notável oscilação. O Big Bang, na verdade, reflete uma transição
de um estado preexistente. Neste cenário esclarecedor, a existência
de nosso Universo material é cíclica. Ele anteriormente havia-se
encolhido, atingido sua densidade máxima e explodiu novamente,
dando margem a inumeráveis ciclos de existência. Sem querer nos
alongar demasiado diante de uma ciência que aos poucos tudo
desvenda e enobrece sobremaneira o gênero humano, conclui-se
que o Multiverso modifica-se em constante evolução, mas é eterno,
exatamente como o seu Criador. Entretanto, o Universo
gravitacional é efêmero e cíclico.

CAPÍTULO 36

368
CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE

Vejamos agora outra perspectiva das dimensões paralelas


vislumbradas recentemente pela ciência, mas desta vez baseada nas
valiosas revelações de seres espirituais a médiuns. Estes são
pessoas notavelmente dotadas de um dom especial que lhes permite
servir de intermediário entre os vários mundos. Os seres espirituais,
comumente chamados de espíritos, quando não estão encarnados
em múltiplas vivências, habitam outros planos dimensionais. De
acordo com o nosso nível ou estado evolutivo, os diretores
espirituais dos planos superiores nos encaminham aos planetas
onde há culturas ou civilizações em maior ou menor grau de
adiantamento.
Por exemplo, a Terra é um lugar de expiação para permitir o
progresso de seres espirituais em estado primário ou insipiente,
uma espécie de jardim da infância. No momento, estamos no nível
abc do aprendizado. Por isto predomina comumente o ódio sobre o
amor, uma obscura ignorância sobre o luminar esclarecimento e a
arbitrariedade sobre a justiça. Nela eclodem guerras e atrocidades
deploráveis, assim como se presencia a prepotência truculenta do
forte sobre o fraco. Uma simples frase - “Não matar o próximo” -
permanece incompreensível. Em suma, ocorrem inumeráveis
abusos do homem contra si próprio e é flagrante a dificuldade de
convivência harmônica entre irmãos. Ainda não aprendemos a
viver conforme os desejos do Criador.
As revelações de espíritos superiores são expostas no Livro
dos Espíritos de Alan Kardec, um pseudônimo para Leon Denizard
Rivail, um pesquisador francês de invejável formação científica.
Suas perguntas existenciais de enorme interesse para humanidade
aos espíritos superiores foram respondidas através de médiuns
particularmente dotados e de forma esclarecedora. Assim, ficou
confirmado que Deus é a Inteligência Suprema, a causa primeira de
todas as coisas. A existência do Criador deriva do axioma básico de
não ser possível existir efeito inteligente sem causa inteligente. O

369
nada não produz nada e, na verdade, não existe. “Não existe vazio
em qualquer parte do espaço multiversal”, confirma-nos a ciência
de ponta. Observe-se que mais uma vez há coincidência das
revelações mediúnicas com as teorias da física deste milênio.
É interessante reconhecer uma resposta aceita pela ciência
atual com séculos de antecedência: “Os mundos se formam pela
condensação da matéria”. Infelizmente, os espíritos de Alan Kardec
nessas famosas entrevistas mediúnicas pareciam não saber de tudo,
aliás, o que é perfeitamente natural devido aos inumeráveis níveis
de conhecimento existentes. Seres espirituais somente podem
informar aquilo que sabem, como todos nós. Por exemplo,
afirmaram ser impossível ao homem conhecer a duração da
formação dos mundos, como o da Terra, bem como a época do
surgimento do homem. No entanto, hoje a ciência já desvendou tais
enigmas, estimando em 5 bilhões de anos o período de formação de
nosso planeta. Inclusive, a idade de nosso Universo em 13,7
bilhões de anos após a singularidade do Big Bang. O homem
apareceu aproximadamente há um milhão de anos.
“No começo tudo era caos, os elementos estavam em
confusão. Pouco a pouco, cada coisa tomou o seu lugar: então,
apareceram os seres vivos apropriados ao estado do globo”. Isto
soa bem condizente com a ciência atual. E os elementos orgânicos
estavam, por assim dizer, em estado fluido pelo espaço, esperando
a criação da Terra para começar a disseminação de novas
existências sobre o novo globo. O gérmen primitivo dos seres
materiais encontra-se no espaço sideral e está disponível para
ensejar a vida como se concebe hoje em infindáveis planetas de
nosso Universo.
“Os espíritos são seres inteligentes da Criação. Povoam o
Universo fora do mundo material. São criados por Deus e
submetidos a sua vontade. Podemos dizer que somos eternos, pois
Deus sendo eterno tem criado sem descanso, mas quando e como
nos criou é um mistério. O espírito é incorpóreo. Imaterial não seria
bem o termo exato, mas formado por outro tipo de energia ou
quinta essência da matéria e não tem fim”.
“Os espíritos ou seres espirituais estão por toda parte.
Povoam infinitamente espaços infinitos. Estão sempre ao vosso

370
lado, observando e agindo sobre vós sem o perceberdes como uma
das forças da Natureza e são os instrumentos de que Deus se serve
para a realização de seus desígnios; mas nem todos vão a toda parte
porque há regiões interditadas aos menos adiantados. Eles penetram
em tudo: o ar, a terra, as águas e mesmo o fogo lhes são
acessíveis”.

Observe-se bem a afirmação que os seres espirituais se


fazem presente em toda parte e são instrumentos naturais do
Criador para cumprir os seus desígnios. Deus governa o Multiverso
por meio de seus próprios filhos, conforme o seu grau de evolução
espiritual, e estes estão espalhados em todas as dimensões. As
etéreas exercem poder divino sobre as mais ou menos
materializadas.
“Os espíritos possuem envoltórios oriundos do fluido
universal de cada globo. Por isso não é o mesmo em todos os
mundos. Passando de um mundo para outro o espírito troca seu
envoltório como se muda de roupa. Tem a forma que o ser
espiritual deseja e pode tomar forma visível e mesmo palpável”.
Normalmente, estes envoltórios possuem ligeiramente alguma
massa, pois servem de intermediário entre o corpo físico e o
espiritual.
A lembrança do Filho de Deus aparecendo aos apóstolos
depois de crucificado vem automaticamente à mente, porém
segundo uma perspectiva espiritualizada. Kardec denominou este
envoltório de perispírito. Observe-se a revelação de que possui
uma minimassa.
Os seres espirituais estão em graus variáveis de
adiantamento. “O grau de perfeição é ilimitado, contudo podemos
colocar em primeiro lugar aqueles que alcançaram uma desejável
perfeição. São os puros. Em seguida, vêm os intermediários,
aqueles preocupados em espalhar o bem. Por último, os
imperfeitos, caracterizados pela ignorância, pelo desejo do mal e
dominados por paixões inferiores que lhes retardam o progresso”.
Nesta última classificação encontram-se os seres espirituais que
vivenciam encarnações em planetas insipientes como o nosso,
infestado de figuras do tipo de um Hitler, um Stalin, um Pol Pot e

371
de outros com igual, menor ou maior perversidade.
Arcanjos, anjos, querubins e congêneres são expressões
metafóricas de seres espirituais em nível elevado, mas cuja
perfeição foi conquistada pelo esforço próprio mercê de múltiplas
vivências em vários Universos. De forma idêntica, satanás, diabos e
demônios são meramente seres em nível inferior de evolução. Deus
não cria clones perfeitos de Si mesmo porque não teriam a
individualidade derivada de mil e uma experiências e não lograriam
nenhum mérito. O Criador não quer bebês saídos do parto com o
diploma de Harvard numa mão, de master pela Sorbonne e de PhD
por Oxford na outra, além de ostentar uma luminosa auréola
angelical. Universidades formam doutores com conhecimentos
específicos, mas somente vidas múltiplas ensejarão sábios capazes
de amar o Criador e suas criaturas.
Não esqueçamos que os líderes citados acima somente
assolaram a terra porque inúmeros imperfeitos entraram em
consonância com sua liderança infernal. Demônios estão sempre
aguardando um satanás à altura para conduzi-los às mais terríveis
maldades. Basta lembrar que Adolf Hitler deu-se ao luxo de jamais
visitar um campo de extermínio. Não quis presenciar o sofrimento
atroz das desditosas vítimas nos infernos gerados por sua paranóia.
Talvez se perturbasse diante dos olhares acusadores e angustiados
lamentos de tantos infelizes. Semelhante cena imaginária jamais
ocorreu e nem foi preciso. Uma multidão de adeptos fanatizados
agiu com extrema eficiência no “cumprimento do dever” e
concretizou com diabólica eficácia o plano de seu satânico mestre.
Na verdade, Deus cria os seres espirituais “simples e
ignorantes, isto é, sem ciência”, mas todos se tornarão perfeitos, em
função de infindáveis vivências no universo material, bem como
em outros mundos mais adiantados onde predomina superior
espiritualidade. Se os filhos tivessem sido criados puros pelo Pai
não teriam merecimento para desfrutar da perfeição e
individualidade única. Até a um Adolf Hitler serão oferecidas mil e
uma chances para clarear o seu carma horrivelmente obscuro.
Provavelmente, alguns milhares de anos adiante e teremos mais um
anjo ou espírito de Luz.
“Nossas diferentes existências corporais ocorrem em

372
diferentes universos ou mundos, pois a atual não é a primeira e nem
a última, mas apenas uma das mais materiais e distanciadas da
perfeição. Deus não cria seus filhos com caráter perverso, mas
simples e ignorantes, isto é, com aptidão tanto para o bem como
para o mau. Felizmente, em todas as dimensões impera a lei do
progresso porque nenhum ser espiritual regride na longa caminhada
para a perfeição”.
É errado temer a morte per si. Não confundir com sofrimento
que, merecido ou não, ninguém quer. Até o Filho do Homem, face
à iminência de crudelíssima crucificação, suou sangue e pediu aos
céus para poupá-lo do atroz padecimento se ainda fosse possível:
“Pai, afasta de mim este cálice, contudo que se faça o que tu
queres”. Após a morte física, qualquer ser espiritual encarnado do
Universo material, finalmente liberto do invólucro carnal, vai
vivenciar noutra dimensão um período de aprendizado, em melhor
ou pior situação de acordo com seu mérito ou demérito espiritual,
mas será sempre uma expiação de caráter educativo, de modo a
prepará-lo adequadamente ao regresso no planeta origem. Deus não
se vinga de seus filhos por piores que sejam e sempre procura
ajudá-los a se soerguerem. Finalmente, os seres iluminados que
atingirem o grau máximo de evolução na matéria ficam
dispensados de encarnar novamente e são encaminhados aos
mundos etéreos reservados aos espíritos em grau sublime de
perfeição.
“Os pais transmitem aos filhos uma semelhança física, mas
um espírito não procede de outro espírito. Características da
inteligência humana procedem do corpo espiritual e não do corpo
carnal”. Por exemplo, Albert Einstein não devia sua admirável
genialidade ao singular fato de possuir um cérebro supostamente
superior ou provido de neurônios especiais, mas nasceu
desenvolvido intelectualmente como espírito evoluído na área
científica para proporcionar excepcional contribuição à
humanidade. Os seus conhecimentos desenvolveram-se em
dimensão intermediária e não foram perdidos. Senão teríamos que
reiniciar sempre da estaca zero. Exatamente como nas escolas
terrenas não esquecemos o aprendizado essencial da série anterior.
Não é por acaso que a sabedoria popular nos ensina: “Quem é bom

373
nasce feito!”
Obviamente, a consciência do ser humano vem do espírito e
não da carne, entretanto é bom ressaltar que a simbiose “corpo -
espírito” exige um cérebro sadio. Fazendo-se uma comparação:
uma televisão com peças defeituosas transmite imagens deformadas
embora estejam corretas as ondas transmitidas pela emissora. Uma
doença mental pode ser derivada tanto do corpo como do espírito.
Sendo assim, um hipotético irmão gêmeo de Einstein, um clone
ideal, mesmo sendo fisicamente igual ao célebre físico, teria
personalidade própria. Poderia preferir ser jogador de futebol,
dançarino, músico ou qualquer outra profissão. Inclusive, detestar
as ciências exatas. Curiosamente, alguns eminentes médicos,
desconhecedores da simbiose corpo-espírito, examinaram com
particular atenção o cérebro de Einstein após sua morte e nada
encontrando de extraordinário ficaram decepcionados. Não é para
menos!
“Os mundos são submetidos à lei divina do progresso
constante. Todos começam por um estado inferior. A própria Terra
é um exemplo evidente. Gradativamente a humanidade caminha
rumo ao que imaginamos ser um paraíso terrestre conforme
progrida, utilizando a ciência e tecnologia unicamente em prol do
bem comum”.
A qualidade de vida média de um indivíduo no século XXI
revela-se flagrantemente muitíssimo superior àquela da época das
cavernas, da Idade das Trevas ou mesmo dos séculos mais recentes.
As conquistas sociais, o progresso da medicina, da biologia, da
engenharia, das ciências em geral e o aprimoramento das
instituições econômicas e sócio políticas em vários países já
proporcionam auspicioso vislumbre de um admirável mundo novo.
Muitos pessimistas, desiludidos diante das adversidades da
época atual, não se apercebem da lei do progresso que impera nas
sociedades terrenas. Até um prisioneiro que fosse transportado de
sua cela fétida, infestada de baratas e ratos, da Bastilha, na época da
revolução francesa, para cumprir a pena restante num presídio
moderno neste século, onde desfrutaria de alimentação adequada,
assistência médica, um mínimo de lazer, com direito a praticar
exercícios físicos, jogos e assistir televisão, talvez até receber

374
visitas íntimas, apesar da liberdade restrita, julgar-se-ia no paraíso.
De modo semelhante, se pudéssemos viajar através do tempo de
nosso milênio para o ano 3000, caíramos para trás de tanto espanto.
Também pensaríamos estar no próprio Éden. O que diríamos no
décimo milênio? Nesta época será rotina entrar em contato com
civilizações extraterrestres superadiantadas que adicionarão
conhecimentos inimagináveis aos humanos de uma maneira
extraordinária.
Embora mais lento do que o tecnológico, o progresso
espiritual ensejará um mundo sem guerras ou opressões e voltado
para o bem estar geral. Agora, uma notícia muitíssimo interessante.
Não é necessário viajar numa máquina do tempo ficcional em
direção ao futuro longínquo para nos depararmos com civilizações
superadiantadas. Vivenciaremos em carne e espírito experiências
maravilhosas, pois teremos seqüenciais oportunidades de contribuir
individualmente nas épocas vindouras por meio de infindáveis
vidas terrenas. Deus é divinamente generoso e nos concede “n”
oportunidades. Ele ainda nos dá o direito de escolher o valor de “n”
conforme as nossas necessidades.
Observe-se que os séculos vindouros serão melhores não
somente pelo benefício de sofisticada tecnologia, mas
principalmente porque os seres espirituais evoluem per si ao longo
das vivências terrenas. As sociedades progridem não só
coletivamente, mas individualmente. Obviamente, cada ser humano
apresenta-se melhor preparado após cada vida terrena e reflexivo
estágio de aprendizado em plano superior. É como se cada vida
fosse uma série escolar. Os desaprovados ficam obrigados nas
férias a uma segunda época, de menor ou maior duração.
Uma significativa corrente do judaísmo diz que já estamos
na Era Messiânica. Realmente, Cristo, Buda, Confúcio, Lao-Tsé,
Hilel e outros Avatares, como o autor dos dez mandamentos
bíblicos, espalharam as sementes de amor que dão margem à
evolução espiritual da humanidade. Sem os grandes Mestres
ficaríamos praticamente imóveis na estaca zero, sem conseguir
livrar-se da barbárie quando somos algozes e vítimas de nossa
perversidade intrínseca.
Vejamos um exemplo ilustrativo: “Um jovem filho pródigo

375
geriu mal seus negócios indo à falência. Não foi a primeira vez que
se deparou com a insolvência. Implorou em desespero ao pai para
tirá-lo dos apuros. Jurou que se sentia mais maduro em função da
desgastante situação e se portaria de forma positiva no futuro,
motivo suficiente para esperar o seu beneplácito. O pai era um
homem bom, muito rico e amava-o profundamente. Assim, embora
contrariado, disse-lhe: Você é meu filho dileto. Sei que errou várias
vezes, mas eu pagarei a sua dívida e o ajudarei a abrir outra firma.
Quero que limpe o seu nome, mas evite cometer os mesmos erros,
senão jamais terá o sucesso tão esperado”. Se até um pai terreno
consegue ser generoso e não se nega a dar outra oportunidade ao
filho, por que o Pai celestial, divinamente generoso e infinitamente
rico, pois tudo lhe pertence, não nos daria sempre a derradeira
chance?
Não devemos nos preocupar quanto ao futuro longínquo.
Quando o nosso Universo esgotar-se na fria penumbra sideral
continuaremos em outros mundos etéreos, muitíssimo mais
evoluídos e deslumbrantes, uma incrível jornada quase sem fim
rumo ao Criador. Nosso Pai nos quer santos e sábios e por isto dá
aos seus diletos filhos os meios necessários ao cumprimento de seu
plano inigualável. Deus, sendo onisciente, sabe que uma única
vivência, da mesma maneira que um ano letivo escolar, é
insuficiente para assimilar o aprendizado ideal. Devemos olhar com
otimismo o correr dos tempos já que oferece oportunidades de
vidas incontáveis cada vez mais evoluídas onde o amor ganha
intensidade à luz do conhecimento sob a inspiração divina do
Criador - nosso eterno Pai.
Dando continuidade à análise holística deste livro, falemos
algo sobre a Cabala. É a corrente mística do judaísmo, uma
reveladora perspectiva que apresenta vários pontos em comum com
a ótica atualizada do Criador e da Criação, compatível com o
terceiro milênio. Oriunda da religião judaica, a Cabala afirma que
tudo o que existe vem do Deus Todo Poderoso. Até aí, nada mais
racional, entretanto, acrescenta que Ele é não somente o Criador,
mas também a própria Criação.
Entretanto, isso não é tão difícil de entender. Deus é o
Cientista Supremo e o Artista Criador de toda Natureza. Quando

376
falamos de Picasso, o genial pintor espanhol, não se pode dissociá-
lo de seus quadros. Igualmente, se nos referimos a Einstein, vem
logo à nossa mente a teoria da relatividade. Devido às suas
magníficas obras, ambos são reconhecidos mundialmente.
Igualmente, sem a Criação - a Natureza - da qual os seres,
animados ou inanimados, do Multiverso fazem parte, Deus
encontrar-se-ia inoperante e desconhecido. Não estaríamos falando
d´Ele neste momento e ninguém haveria para sequer negar ou
afirmar sua existência.
Vejam outra interessante coincidência. Os cabalistas
preferem sensatamente usar o termo Deus Infinito, tradução de Ein
Sof (hebraico). Deus “Único” pressupõe a possibilidade de
comparação com outrem e já vimos em capítulo anterior configurar
isto uma ideia absurda. E mais, Aquele a quem chamamos de
Iahveh - Eu Sou - não possui forma ou semelhança com qualquer
outra coisa. O contato com Ele é realizado indiretamente por seus
“desdobramentos”.
A Cabala é a única corrente dentro do judaísmo que aceita a
natural necessidade de vidas múltiplas que evoluem em várias
realidades ou dimensões - a chamada reencarnação. Aprendendo
através de experiências vivenciais ascendemos aos planos
superiores. Os espíritos retornam aos corpos materiais
seguidamente. Algumas vezes, quando já altamente desenvolvidos,
encarnam voluntariamente para servir de mestres. São os famosos
Avatares.
Curiosamente, até hoje o estudo da Cabala é condenado por
várias vertentes religiosas judaicas ortodoxas. A tradição surgiu
com o sábio judeu Shimon Bar Yochai no século 2 como uma
revelação de Deus para o homem. Ele passou 13 anos vivendo
solitário em profunda meditação numa caverna e finalmente
encontrou a iluminação necessária para apresentar a Cabala ao
mundo. Outros sábios, a exemplo de Moises de Leon e Isaak Luria
deram segmento ao seu desenvolvimento.
Nos dias atuais, o mestre Yitzhak Kadouri afirma que “o
estudo da Cabala é proibido para mulheres e não judeus”. Em
2004, durante a visita de Madonna a Israel, recusou-se
teimosamente a falar com a famosa cantora. Entretanto, a família

377
Berg, através de uma rede com 50 centros de estudo da Cabala,
procura auspiciosamente apresentá-la como sabedoria universal
aberta ao mundo. Deve ser usufruída igualmente por judeus ou
não.
Outra variante da Cabala tem como expoente o Bnei Baruch
Kabalah Education Research Institute, fundado em 1991. Ele
representa o maior grupo de cabalistas de Israel. Seu mentor, Bnei
Baruch não considera a cabala como misticismo, mas “uma
ferramenta científica para o mundo espiritual”. Eles preferem
compreender o Universo aliando estudos científicos de física,
química e da biologia, ao saber cabalístico. Nada mais lógico, pois
religião e ciência são faces da mesma moeda. Ambas não podem
contradizer-se, mas devem coincidir em desejável e completa
harmonia.
Assim, presenciamos um caso inédito. Um ramo altamente
revelador do judaísmo liberta-se do asfixiante casulo mosaico,
embora nele continue inserido como moderna singularidade. Em
suma, a Cabala explica-nos qual a razão do homem existir e de
viver, de onde viemos e para onde vamos quando completamos
nossa existência terrena. Aliás, coincidindo basicamente com as
respostas deste livro, porque a verdade é uma só, não importando
o modo como seja revelada.

378
CAPÍTULO 37

O SOFRIMENTO HUMANO

Uma visão holística retira o homem de sua fictícia posição


central onde se julga ingenuamente superior ao restante do
universo. Fantasias à parte, a realidade permite uma compreensão
melhor das coisas e das criaturas. Já falamos de um mundo
progressivo, mas o que se poderia dizer sobre o sofrimento
individual e coletivo que pesa sobre a humanidade? Se para muitos
a amargura da dor conduz à fé em Deus, em outros o sofrimento
leva ao ceticismo. Em doloroso lamento perguntam: “Será que o
Criador nos abandonou desta vez? Ou será que não existe”? O
legado da tradição bíblica traz a idéia implícita de que um Deus
poderoso está ativamente envolvido com os seres humanos. É um
Deus pessoal preocupado com suas criaturas. Então, diante de uma
tormentosa realidade, surge uma aparente contradição entre a
proclamada bondade divina e uma inexplicável intemperança.

379
Se Deus é todo poderoso, se é amor, por que há sofrimento?
Há cerca de 2500 anos, o famoso filósofo grego Epicuro apresentou
em tom queixoso contundente crítica:

“Se Deus quer impedir o mal, mas não consegue, então é


impotente”.
“Se é poderoso, mas não quer erradicá-lo, concluímos que é
malévolo”.
“Se é capaz, mas permite o mal, então qual a diferença entre
o bem e o mal?”
Quando falamos de sofrimento no mundo atual vem-nos à
mente as imagens do Holocausto na última grande guerra. Um total
de oito milhões de vítimas, sendo seis milhões somente de judeus.
Isso significou homens, mulheres e crianças mortas pela fome,
maus tratos, espancamentos, tiros ou gazes asfixiantes. O desprezo
do ser humano por si próprio nunca havia atingido uma magnitude
tão horripilante. Houve inúmeros casos de crianças vivas serem
jogadas pelos algozes nas chamas no afã de apressar as eliminações
sumárias.
Aliás, Iahveh, o Deus da tradição bíblica não livrou o povo
eleito das inúmeras tragédias que se lhe abateram qual uma
avalanche impiedosa. Inicialmente, o reino de Israel foi destruído
pelos assírios em 722 a.C., redundando no desaparecimento
histórico das dez tribos de Israel. Seguiu-se em 586 a.C. a invasão
de Judá pelos babilônios. Posteriormente, Jerusalém seria arrasada
pelos romanos em 66 a.C. E como se não bastassem tais tragédias,
a horrível provação do Holocausto levou a fé dos judeus além dos
limites do suportável. Não poucos nos campos de extermínio
colocaram em dúvida a existência do Criador Bíblico e arrazoaram
indignações contra os céus. Na visão judaica, um Deus pessoal, isto
é, particularmente preocupado em evitar as atribulações de seu
povo escolhido deveria posicionar-se de forma tangível contra as
barbáries nazistas, mas isto nem por sombra ocorreu.
Os profetas bíblicos atribuíram os sofrimentos seculares dos
hebreus à contumaz desobediência do povo de “dura cerviz” às leis
divinas. O enorme somatório de pecados leva inapelavelmente ao
castigo como forma de punição divina. No caso do reino de Israel,

380
Amós vaticinou o trágico destino que aconteceria em breve como
vingança do poderoso Iahveh:
“E assim diz o Senhor”:
“Por três transgressões de Israel e por quatro, não sustarei o
castigo”.
“Porque os juízes vendem o justo por dinheiro e condenam o
indigente por causa de um par de sandálias”.
“Eles esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos e
pervertem o caminho dos mansos”.
“Um homem e seu pai coabitam com a mesma jovem para
profanar o meu santo nome...” (Amós 2. 6-7)
O senhor, enraivecido por tantas ofensas contra si,
particularmente por não venerá-lo com sincera fidelidade, decide-se
lançar a desgraça total sobre Israel.

De modo similar, o profeta Oséias lança a imagem mais


perturbadora de todas contra a capital do reino do norte:
“Samaria deverá expiar porque se revoltou contra o seu
Deus”
“Cairá pela espada, seus filhos serão esmagados”
“E suas mulheres terão os ventres abertos (à espada)”.

Quanto ao reino de Judá, a mensagem do profeta Isaías não


foi menos aterradora:
“Aí de ti, nação pecadora! Povo cheio de iniqüidades!”
“Da raça dos malfeitores e dos filhos pervertidos!”
“Como se transformou em prostituta a cidade fiel
(Jerusalém)?”
“Sião, onde prevalecia o direito, onde habitava a justiça,
agora está povoada de assassinos...”
“Os teus príncipes são rebeldes e companheiros de ladrões,
cada um deles ama o suborno e corre atrás de propinas. Não
defendem o direito do órfão e menos ainda o das viúvas”.
“Portanto, diz o Senhor dos Exércitos, o Poderoso de Israel:
Voltarei contra ti a minha mão, purificar-te-ei como com potassa as
tuas escórias, e tirarei de ti todo metal impuro”.
Na verdade, olhando-se sob um aspecto puramente racional,

381
deixando-se de lado o culto aos falsos deuses, pecados e pecadilhos
aparte contra o irascível Deus Único, todas as invasões sofridas,
sob a fúria dos assírios, babilônios e romanos ao longo dos séculos
poderiam ter sido evitadas pela prática de uma prudente política de
convivência. Nesses casos um sinônimo para sobrevivência. Os
governantes judeus jamais deveriam negar-se a pagar os tributos
exigidos pelos suseranos ou dominadores num mundo regido pela
lei da espada. As omissões foram consideradas afrontas
intoleráveis. Os mais fortes dominavam os mais fracos e nada se
podia fazer a respeito. Os próprios hebreus não se furtaram a cobrar
e receber vultosas contribuições nos tempos dos juízes e reis dos
povos vassalos, isto quando não dizimavam sem a mínima
contemplação os seus vizinhos. Aliás, já vimos como a alardeada
“sapiência” de Salomão ensejou a divisão suicida do reino hebraico
em dois, tornando-os presas frágeis de vizinhos poderosos.
Lamentavelmente, ainda no mundo moderno vigora a lei do
mais forte, bastando citar o tratamento truculento que os chineses,
tão humilhados outrora pelas potências ocidentais, reservam agora
aos seus irmãos tibetanos. Nada aprenderam de louvável, pois não
se importam em reincidir no mesmo comportamento reprovável ao
afrontar a opinião pública esclarecida dos países civilizados.
Fazendo-se um retrospecto das desgraças que afligem a
humanidade podemos dividi-las em dois grupos, caso sejam
oriundas de causas propositais ou aleatórias. No primeiro grupo
temos as disputas violentas entre humanos desde o começo do
mundo. Inumeráveis motivos levam as nações a guerrear-se
mutuamente para usufruir domínio e vantagens umas sobre as
outras. O Velho Testamento testemunha as inúmeras guerras
regadas a sangue movidas ou sofridas pelos hebreus contra os
povos vizinhos. Na verdade, as disputas bélicas sempre foram
consideradas atividades inerentes ao ser humano em qualquer lugar
ou época. Muitos acreditaram cobrir-se de glórias nos campos de
batalha, insensíveis à desgraça dos infelizes que morreram ou
ficaram aleijados.
No século XX, a Primeira Guerra Mundial elevou as
estatísticas fatais para quinze milhões. Os combatentes sucumbiram
de forma horrenda e torturante porque a guerra das trincheiras

382
impôs uma terrível provação a ambos os lados. Até gases
asfixiantes foram utilizados sem piedade ocasionando ferimentos e
mortes atrozes. O humilhante tratado de paz em Versalhes foi o
gérmen da discórdia que alimentaria o sentimento revanchista dos
derrotados e faria surgir da escuridão a figura nefastamente
vingativa de Adolf Hitler. Decerto, o sangue derramado nas
trincheiras não serviu de lição ao mundo. Horrores em escala
tríplice estavam ainda por vir.
A Segunda Grande Guerra elevou as baixas fatais para cerca
de cinqüenta milhões, isto é, quase 3% da população do planeta
Terra. Isto para não falar nos feridos graves, nos aleijados, naqueles
destruídos emocionalmente, cujas seqüelas físicas e psicológicas
iriam atormentá-los pelo resto de suas pobres vidas. Depois
ocorreram as guerras da Coréia, do Vietnã, do Irã contra o Iraque,
dos EEUU contra o Iraque, da Rússia ou EEUU contra o
Afeganistão e, como se fosse pouco, novamente dos EEUU contra
o Iraque. Por milagre não estourou uma guerra atômica entre União
Soviética e EEUU na época de Kennedy e Kruchev, sendo pivô o
ditador de Cuba, Fidel Castro.
Não dá nem para imaginar a catástrofe que se abateria sobre
o planeta, nossa acolhedora nave mãe. Finda a guerra fria, não se
encerrou o clima de hostilidades, pois quando sai um perturbador
do cenário mundial entram outros para conturbar a situação. O
terrorismo atual é uma conseqüência do ódio exacerbado advindo
do radicalismo islâmico contra os EEUU. As hostilidades
recíprocas agravaram-se por causa do ostensivo posicionamento do
governo americano a favor de Israel, considerado inimigo mortal
pelo mundo árabe.
Na verdade, todas essas guerras poderiam ter sido evitadas e
somente ocorreram por causa da tendência fratricida de não se
procurar sinceramente uma solução pacífica para antagonismos
mútuos. Obviamente, cada contendor julga-se cheio de razões e o
outro lado é o culpado por tudo. Embora possa se apontar um
responsável maior, todas as nações têm uma parcela de culpa.
Muitos conflitos poderiam ter sido evitados sem conseqüências
danosas. Por exemplo: as guerras da Coréia, do Vietnã, do Irã
versus Iraque e EEUU contra o Iraque.

383
O caso do Irã e Iraque foi um estarrecedor conflito sem
finalidade relevante e causador de um milhão de baixas fatais. Até
hoje nenhum dos lados sabe explicar claramente as razões da vã
contenda. Talvez pela posse exclusiva de uns poçinhos de petróleo
há muito em litígio e situados na fronteira. Entretanto, no fim da
guerra, tudo permaneceu do mesmo modo, sem vantagens ou
desvantagens, sem vencedores ou vencidos. Dá para acreditar? Os
únicos perdedores foram os infelizes iranianos ou iraquianos
mortos ou aleijados. Foram desperdiçados estupidamente recursos
que poderiam ajudar os necessitados, particularmente as crianças. E
os insensíveis governantes continuaram vivinhos para prosseguir
infernizando a terra.
A guerra dos EEUU contra o Iraque, além das vidas perdidas
de ambos os lados, trouxe um avassalador prejuízo à economia
americana que se viu combalida diante de gastos e prejuízos
superiores a um trilhão de dólares. Uma importância enorme sem
retorno. Infelizmente, nenhum governo jamais destinaria tais verbas
generosamente em benefício direto do ser humano, como alimentar
e abrigar os sem tetos, dar assistência médica e bolsas escolares aos
menos favorecidos, custear as pesquisas contra doenças incuráveis
ou mesmo incrementar o programa espacial. Pelo menos,
evidenciou-se o aspecto promissor de que as guerras de conquista
são coisas do passado. Ambos os contendores saíram perdendo com
pesados danos às suas economias. Se o Iraque tornar-se uma
democracia responsável em médio prazo será um consolo diante de
tanto prejuízo mútuo.
A conquista do espaço traz inimagináveis benefícios para a
humanidade. É o meio ideal para substituir os gastos inúteis com
armamentos. Não se pode ignorar que há um complexo industrial
militar demandando guerras sem fim. Um estado de eterna
beligerância representa a galinha dos ovos de ouro da indústria
bélica. De modo lamentável, os cofres públicos estão sempre
escancarados quando se trata do questionável propósito de
alimentar conflitos destrutivos, mas para a louvável ação de ajudar
o próximo acham-se cerrados em chocante avareza. Não saímos
ainda da Idade das Trevas, quando um papa carismático levou
multidões às sangrentas cruzadas. À semelhança de Urbano II,

384
surgem líderes políticos na atualidade prontos para lançar seus
povos em inconseqüentes aventuras bélicas.
Daí, conclui-se que o maior inimigo do homem é ele próprio.
As grandes vitórias não serão conquistadas nos campos de batalha,
mas nos corações humanos porque são as únicas capazes de ensejar
a paz em caráter definitivo. À luz de uma visão transcendental,
capaz de vislumbrar um admirável Mundo Novo neste terceiro
milênio, os governos, assim como as religiões, não podem separar
os seres humanos, mas devem servir de instrumento à união
fraterna. As guerras advêm de causas originadas no egoísmo
compulsivo que conduz à violência desenfreada. Os sofrimentos
causados por morticínios insensatos não podem ser atribuídos aos
céus, apesar de inocentes pagarem pelos pecadores durante o caos
reinante.
Tratemos agora das causas aleatórias, aquelas que ocorrem
contra a vontade do homem quando reduzido a um ser indefeso.
Quando nascemos, o tempo inicia a contagem fatal até o derradeiro
suspiro de nossa existência. A velhice anuncia a morte inexorável e
abre caminho à degeneração física e mental expondo o corpo
combalido às doenças terminais. É uma projeção otimista onde o
homem, sem maiores vícios ou abusos, alcança cerca de oitenta
anos. A vida humana é abreviada, muitas vezes, com grande
sofrimento por outras causas fortuitas como as que se seguem:
Uma epidemia de gripe matou em 1918 mais soldados e civis
americanos do que todas as guerras do século xx juntas. Morreram
550 mil americanos e assustadores 30 milhões em todo mundo. A
chamada Peste de Justiniano dizimou quase metade dos habitantes
de Constantinopla e da população do Mediterrâneo, na época do
famoso imperador. A Peste Negra ou bubônica de meados do
século XIV matou, em meio a horríveis padecimentos, trinta por
cento da população europeia.
Os povos nativos das Américas não foram somente
dizimados por causa da cobiça fatal dos conquistadores europeus,
mas em número bem maior pelas doenças que os mesmos
trouxeram em seus corpos do Velho Mundo. No mundo atual
milhões de pessoas já morreram ou estão infectadas com HIV. O
câncer continua praticamente incurável e incide geralmente na

385
velhice causando aos idosos um triste final de vida. Em suma, as
doenças são nossas eternas inimigas.
Terremotos, inundações, vulcões, furacões, ciclones,
tsunamis, secas, avalanches de terra ou de água, pragas que
dizimam as colheitas e outras calamidades mil atormentam-nos
desde os tempos imemoriais. Tantas desgraças levam até pessoas
profundamente religiosas a descrer da proteção divina.
Relembremos algumas catástrofes gigantescas dentre as milhares
que ocorrem em todos os tempos:
No dia 30 de abril de 1731 a cidade de Pequim foi toda
derrubada por um terremoto. A violência atroz dos primeiros
tremores foi tão grande que deixou um saldo de 100 mil mortos nas
ruínas de suas próprias casas. E, como se não bastasse, a destruição
nos arredores de aldeias inteiras acrescentou mais 80 mil mortos.
Em 13 de novembro de 1985 um vulcão ao norte da
Colômbia entrou em erupção. As avalanches de lama cobriram e
destruíram quatro cidades. O número de mortos ultrapassou 30 mil
pessoas, todas surpreendidas à noite e muitas durante o sono.
No mês de dezembro um terremoto devastador sacudiu o
oceano Índico, com epicentro próximo de Sumatra, na Indonésia.
Provocou uma série de tsunamis por todo sul e sudeste da Ásia
deixando em sua fúria mais de 300 mil corpos sem vida.
Os furacões ceifam milhares de vidas a cada ano, além de
causarem prejuízos impressionantes. Raios matam, também, alguns
infelizes. Desastres de aviões, navios, carros e trens acrescentam
mais vítimas. Assassinatos decorrentes de variadas causas e de
modo chocante traumatizam familiares e amigos. Serial killers
causam perplexidade a uma opinião pública que não compreende a
razão de tanto sadismo. O próprio homem se compraz em executar
o seu semelhante mediante homicídios judiciais e, não raras vezes,
inocentes servem de bodes expiatórios. Ninguém está imune à dor e
para morrer basta estar vivo.
Muitas vezes a reação ao sofrimento reduz-se a desesperados
lamentos. O Velho Testamento oferece-nos alguns memoráveis
exemplos. O profeta Jeremias tentou de todas as maneiras ao seu
alcance levar o recalcitrante povo judaico ao arrependimento de
seus enormes pecados para salvar Jerusalém da iminente destruição

386
ante os ameaçadores exércitos da Babilônia, tornados agora em
justo instrumento para Deus extravasar sua ira, mas nada
conseguindo, exclamou tomado por dolorosa frustração:
“Maldito o dia em que nasci!”
“O dia que minha mãe me gerou não seja abençoado”
“Maldito o homem que deu a meu pai a boa nova:”
“Nasceu-te um filho homem”.
Igualmente na tragédia do insuspeito Jó, um riquíssimo
homem, mas justo, reto e temente a Deus. Diante do infortúnio
crescente ao ver todos os seus haveres destruídos pelo fogo do céu,
mortos os seus filhos e, como se ainda fosse pouco, achar-se com o
corpo coberto de tumores lancinantes, lançou em desabafo uma
maldição:
“Pereça o dia em que nasci e a noite que
disse”:
“Foi concebido um homem”
“Converta-se aquele dia em trevas”.
“Por que não morri eu na madre?”
“Por que não expirei ao sair dela”.

Afinal ninguém é de ferro. Existe para cada um de nós um


limite à dor além da qual o mundo torna-se insuportável. A vida
perde completamente a graça ao ser toldada tragicamente pela
desgraça. O desespero induz muitos ao suicídio se não houver uma
fé providencial capaz de fortalecer o espírito durante a provação
extrema. É a solução fugaz de quem não confia nos desígnios de
Deus.
Não é fácil dar uma explicação completa e definitiva às
causas transcendentais do sofrimento humano. Entretanto, se
descartarmos alguns aspectos fantasiosos do legado farisaico,
teremos um melhor entendimento. Vejamos os aspectos principais
que permitem uma visão atualizada da realidade:
Deus, nosso Pai, é Espírito e não um Espírito e jamais um ser
antropomorfo.
A Suprema Energia Criadora ocupa todos os espaços dos
Universos - o Multiverso.
O Criador é o Oceano Sem Fim que engloba tudo e todos, de

387
modo semelhante aos oceanos que abrigam a vida marinha.
Nós somos seres espirituais, filhos do mesmo Pai e da
mesma natureza divina. Ele, como todo pai, está preocupado
essencialmente, com seus filhos, espíritos imortais, e não com seus
vestuários carnais. Vestuários são meios importantes, mas efêmeros
e transitórios, por isto não fazem parte do objetivo fim do Criador.
Depois do uso não têm nenhum valor. Vide as palavras de Jesus
Cristo.
A paternidade divina não se limita a seis bilhões de
habitantes de um planeta solitário perdido na imensidão sideral,
mas estende-se a uma infinidade de seres espalhados pelo
Multiverso. E a exemplo de uma família com muitíssimos filhos, os
mais velhos cuidam dos mais novos. Isto é, os espíritos de Luz ou
anjos são responsáveis pela orientação daqueles em nível inferior.
Ninguém morre já que somos imortais. Não se deve temer a morte
porque sempre seremos favorecidos com outras vidas físicas, uma
nova oportunidade para evoluir. Entretanto, se possível, o
sofrimento deve ser evitado.
A morte física, sob a ótica terrena é chocante, mas para o
Criador significa uma experiência valiosa a ensejar outra oportuna
vivência na terra com um período de alternância reflexivo na
dimensão espiritual, até ser de todo dispensável. Então, o espírito
será promovido a um etéreo mundo superior. A antiga cosmologia
farisaica, desconhecendo a ciência moderna, criou uma visão
arcaica onde se pressupõe um Universo composto de três níveis. O
primeiro é aquele em que vivem os humanos numa terra plana.
Vem a seguir um reino obscuro, abaixo de nós, onde vivem as
almas - o Sheol. E finalmente um terceiro, acima de nós, onde Deus
está situado e, num arroubo de imaginação, sentado em celestial
trono.
Hoje em dia todo mundo sabe que os planetas são esféricos.
A noção de acima e abaixo não faz sentido. Deus não vive lá em
cima, nem os mortos lá em baixo e a terra não é plana. Existem
apenas seres vivenciando diversas fases de evolução no Multiverso
do Criador.
Em suma, Deus permite o mal e o sofrimento, mas em
compensação concede-nos oportunidades mil de livrar-nos de

388
ambos. A cada má ação corresponde uma reação punitiva igual e
contrária que a tradição oriental chama de carma. Em linguagem
moderna, o carma é o nosso curriculum vitae existencial onde
todas as ações estão registradas, sejam boas ou más. Deus é
onisciente e quer saber com exatidão de nossos méritos e
deméritos. Sendo assim, devemos purgar o sofrimento que
causamos ao próximo, além de adquirir valiosos conhecimentos. Se
a prestação de contas não se der na vida presente ocorrerá nas
futuras.
Muitas vezes ficamos perplexos quando algo de ruim
acontece a pessoas consideradas boas e acima de qualquer suspeita
segundo nosso ingênuo juízo, entretanto não sabemos das ações
negativas cometidas em épocas anteriores e olvidadas pelo
superego. Ninguém se lembra das vidas anteriores, o que explica o
ceticismo de muitos. Somente uma regressão hipnótica realizada
por profissional perfeitamente capacitado permite desvendar, pelo
menos parcialmente, o passado. Uma coisa é certa: os santos são
honrosas exceções num mundo onde prevalece a maldade e o
egoísmo. Normalmente, um avatar vem para cá em missão especial
para ajudar o desenvolvimento da humanidade, a exemplo de São
Francisco de Assis, Hilel, Ghandi ou Francisco Xavier (famoso
médium cristão). Observe-se que os grandes gênios também podem
ser considerados avatares, como Sócrates, Platão, Galileo, Newton,
Descartes, Einstein, etc. O progresso científico está associado ao
espiritual, embora este seja bem mais lento do que o primeiro.
Afinal, quem cometeu inimagináveis perversidades nos “atos
de fé” das Inquisições, nas cruzadas sangrentas, nos morticínios
generalizados, senão genocídios em incontáveis guerras, conflitos
religiosos, nas cruéis discriminações de cunho racista, nas
execuções judiciais de inocentes, na exploração dos fracos pelos
mais fortes ao longo dos séculos? Não se diga que nada se sabe a
respeito. Fomos nós mesmos, uns aos outros, porque a maldade do
passado é responsabilidade das gerações presentes. E não se culpe
somente os líderes, pois um satanás sem demônios não faz maiores
estragos coletivos. “Uma andorinha só não faz verão”, diz a
sabedoria popular. Atrás de um Hitler, de um Stalin ou um Pol Pot
escondia-se uma multidão de perversos em diabólico apoio

389
irrestrito.
Bart Ehrman, um ex-pastor de profunda religiosidade, no seu
interessante livro - O problema com Deus - analisa as respostas que
a religião não consegue dar ao sofrimento. O famoso autor ficou
traumatizado quando assistiu ao seu amado pai ser vítima de câncer
incurável e falecer depois de atroz sofrimento. Procurou consolo
nas palavras da Bíblia, entretanto tão indignado ficou com as
argumentações julgadas inconsistentes que em extremo ato de
rebeldia abandonou a igreja evangélica e declarou-se agnóstico.
Desiludido, acabou por concluir que o Deus bíblico não se
preocupa nem um pouquinho conosco ou não existe. Caso
contrário, teria posto um termo final aos graves dissabores,
desgraças e fatalidades mil que se abatem sobre a humanidade de
forma inexorável há milênios.
O problema é que o Deus verdadeiro não é exatamente o
Deus idealizado pelos hebreus, aquele Senhor dos Exércitos, a Ama
Seca tribal que deveria levá-los às grandes vitórias e ao domínio
impiedoso dos povos vizinhos. Um lendário Moisés, à testa de uma
ingrata multidão foragida do bom trabalho, bate com a varinha nas
águas e o mar se abre em enormes paredões de 90º, deixando a
turba passar e engolindo a seguir os infelizes egípcios, seus
generosos anfitriões por décadas. E, após perambular a esmo pelo
deserto, os fugitivos dizimaram sem resquício de piedade os povos
da Terra Prometida. Bem, deixemos de lado as contradições das
narrativas bíblicas para não ferir a suscetibilidade dos ingênuos.
Aliás, para quem não se deu conta, já entramos no Terceiro
Milênio, um forte motivo para abrirmos nossas mentes a novos
parâmetros e revelações.
O Criador não é o Grande Mágico. Existe um Ser Infinito e
Supremo que cria e rege o Multiverso. Deus cuida de generalidades
e não de particularidades. Age no atacado e não no varejo. Existe
uma infinidade de seres de Luz ou anjos para cuidar de nós
individualmente em obediência à orientação divina. Ele dá o anzol
e a linha de pescar, mas pegar o peixe faz parte da atribuição
natural de seus filhos. Digamos que não gosta de indolência e
prestigia a ação. E nosso Pai não está preocupado com vestuários
físicos descartáveis, mas conosco, seres espirituais imortais. Vejam

390
um episódio elucidativo:
O filho adorado de um casal sofreu um gravíssimo acidente.
Infelizmente, não conseguiram nem recuperar o corpo, mas
somente algumas peças do seu vestuário. A família reúne-se aos
prantos em pungente velório diante das roupas rasgadas do ente
querido, seus derradeiros vestígios salvos da tragédia. De repente,
em meio à tristeza geral, eis que chega um alvoroçado mensageiro
com auspiciosa notícia: “Qual a razão de tanta choradeira? Ora, o
seu querido filho julgado morto pelas autoridades foi encontrado
vivo, são e salvo”. A família de imediato trocou o pranto pela
alegria em clima de festa. E as roupas? Ora, foram jogadas fora.
Moral da estória: De modo semelhante, a morte física não
entristece os céus porque o espírito é imortal. Corpos carnais são
efêmeros e descartáveis.
Na verdade, com exceção dos santos, não há inocentes na
terra. O simples fato de estarmos aqui significa que estamos por
consentimento dos céus à mercê de tudo o que pode nos acontecer.
Senão, estaríamos habitando mundos mais saudáveis ou evoluídos.
Entendam o plano do Criador. A sua divina bondade está oculta
atrás de paternal severidade. O Deus real tem algo em comum com
o Iahveh bíblico. É mais ou menos assim:
“Vocês não querem sucumbir nas guerras ou contendas?
Então, evitem o derramamento de sangue inútil. Amem os seus
irmãos e evitem tornarem-se algozes de um antagônico ódio
insensato. Enquanto continuarem aniquilando-se mutuamente não
os livrarei das fatalidades naturais, como as que se seguem”.
“Não querem ser vítimas de terremotos, tsunamis, furacões,
ciclones e de outras calamidades? Pois progridam na ciência e
tecnologia adequada para resguardá-los dessas catástrofes.
Asseguro-lhes que é perfeitamente possível se insistirem em
solucioná-las”.
“Meus filhos. Vocês não querem morrer de doenças? Então,
desenvolvam a medicina adequada. Inteligência não lhes falta”.
“Querem usufruir uma ótima qualidade de vida? Estudem,
trabalhem, aumentem e distribuam com equidade as riquezas, pois
toda a terra lhes pertence. Amem tudo e a todos. Façam o melhor
uso da Natureza. Ela é tão minha quanto de vocês”.

391
“Eu sou o Criador, mas vocês são meus criativos filhos.
Vejam que não estabeleci nenhum limite à evolução dos seres
inteligentes no Universo e concedo-lhes tanto a imortalidade, como
o livre arbítrio. Vocês fazem parte de Mim, mas o paraíso em cada
planeta deve ser conquistado através do esforço e mérito de cada
geração. E mais uma auspiciosa notícia - depois dos estágios neste
Universo material reservo-lhes moradas celestiais em
deslumbrantes Universos etéreos”.
Certamente, o Ser Supremo ama-nos divinamente. No
entanto, voltemos à ciência contemporânea, particularmente à física
e astronomia de ponta. Vimos que a revelação da existência do
Multiverso ou Universos Paralelos veio para ficar. A ciência está
desvendando mundos desconhecidos cuja existência corrobora o
conhecimento metafísico de outros mundos, até então vislumbrados
de forma metafórica pelas religiões, mas agora revelados com
maior clareza pelo testemunho de médiuns de alto nível, inclusive
muitos com invejável formação científica.

CAPÍTULO 38

AS DIMENSÕES ESPIRITUAIS

392
Já deu para compreender que seres espirituais são todos os
seres inteligentes do Multiverso, encarnados ou não, em infinitos
planetas. Ciência e Espiritualidade são faces da mesma moeda.
Uma jamais deve opor-se a outra. Não dizemos “ciência e religião”,
porque a segunda nem sempre é sinônimo de elevada
espiritualidade. As religiões estão ainda presas a crenças ou
crendices ingênuas e, muitas vezes, adeptos equivocados mostram-
se mais propensos a disseminar o mal do que praticar o bem. No
entanto, aquelas bem intencionadas tendem a evoluir e podem
oferecer uma iniciação promissora aos neófitos. De maneira geral,
pode-se aprender mais nelas do que fora delas.
O cristianismo apresenta-se em diversas facetas, cada uma
constituindo singular vertente da mesma verdade. Como exemplo,
o espiritismo cristão oferece-nos um vislumbre dos céus e da terra
sem recorrer aos antigos mitos e alegorias das tradições religiosas.
A descrição da vida espiritual após a vida física leva-nos a refletir
sobre o modus operandis do Ser Supremo governar o multiverso.
Existem várias descrições interessantes sobre a dimensão
espiritual como as contidas em Paulo e Estevão, Nosso Lar e Os
Mensageiros, criptografadas pelo inigualável médium brasileiro
Francisco Xavier. Nosso Lar, um extraordinário best-seller, foi
transmitido pelo Espírito André Luís e obteve o primeiro lugar
entre os dez melhores livros do gênero publicados no século XX.
Acabou originando uma versão cinematográfica que alcançou
grande sucesso junto ao público. É de bom alvitre ressaltar que não
se trata de obra de ficção.
Em Nosso Lar é descrita a vida em uma cidade real
governada por espíritos de Luz. Esta colônia está situada em
Universo paralelo não tangível aos humanos e destina-se a acolher
aqueles saídos da última vivência terrena. O referido Universo é
perfeitamente verossímil à luz da razão porque as forças
fundamentais da física são harmonizadas segundo as leis da
Natureza para permitir a existência de outras dimensões. (Vide
capítulo anterior: A Ciência e o Criador). Tais espíritos em fase
insipiente encontram-se extremamente desorientados no Umbral,
um limbo de baixa frequência da crosta terrestre, onde purgam sob
o peso das faltas graves cometidas contra o próximo. Curiosamente,

393
alguns não se dão conta de sua morte carnal e tentam comunicar-se
inutilmente com parentes e amigos.
O Espírito André Luís passou inicialmente por uma fase
penosa no Umbral antes de ser acolhido em Nosso Lar. Ele se
deixara dominar por vícios na vida terrena que atentavam contra
seu próprio corpo. Por isto, apesar de ter sido um amoroso pai de
família, foi considerado um suicida involuntário, portanto
merecedor de justo castigo. Decorrido algum tempo, graças à
providencial intervenção e generosa acolhida por espíritos de Luz,
André teve a oportunidade de redimir-se completamente e
reencontrar a paz interior.
Ele havia sido um médico com significativa formação
científica e, portanto, qualificado para transmitir valiosas
observações sobre a vida no mundo espiritual. Então, passou a
atuar como um singular repórter do além-túmulo, capaz de
descrever-nos em detalhes suas originais experiências. Em suma, a
existência humana e sua contínua evolução espiritual surgem
vivazes aos nossos olhos de modo surpreendente. A mensagem de
André Luiz revela-nos importantes aspectos essenciais:
A vida não cessa. A vida é fonte eterna e a morte é o jogo
escuro das ilusões.
A alma percorre caminhos variados e etapas diversas,
avoluma-se em expressão e purifica-se em qualidade antes de
encontrar o Oceano Eterno da Sabedoria.
Uma existência é um ato.
Um corpo - uma veste.
Um século - um dia.
Uma morte - um sopro renovador.
No Umbral há regiões inferiores semelhantes ao que
imaginamos ser o inferno. A luz ambiental é baça e vai diminuindo
até uma escuridão deprimente. Um odor forte e desagradável
domina um ambiente horrivelmente tétrico. Figuras
fantasmagóricas vagueiam vítimas, elas próprias, de perturbadora
inquietude. Aí permanecem enquanto não tomarem consciência dos
seus pecados abismais de injustiça, crueldade e ódio e, depois de
arrependidos, implorarem por misericórdia.
Nosso Lar situa-se em Universo de materialidade diminuta,

394
porém ainda regido pelo mesmo sol que nos aquece. Entenda-se
que a matéria em grau reduzido ainda se faz necessária aos espíritos
insipientes arraigados às sensações da carne. Nessa curiosa
dimensão persistem as necessidades fisiológicas básicas, mas em
caráter mais brando. Por exemplo, a alimentação é bem ligeira,
constando de caldos reconfortantes e a água possui uma
importância terapêutica para nós ainda desconhecida. Por incrível
que possa parecer, existem na colônia grandes fábricas. “A
preparação de sucos, tecidos e artefatos em geral dá trabalho a mais
de cem mil criaturas que se regeneram e iluminam ao mesmo
tempo”.
A percepção visual do ambiente circundante permite o
prazeroso desfrute de uma natureza prodigamente bela. Árvores
paradisíacas compõem impressionante paisagem. Jardins
prodigiosos expõem lindos conjuntos florais que se espalham por
toda parte. Inúmeros canais e lagos de água límpida são
emoldurados por graciosas pontes. Caprichosos repuxos de água
colorida ziguezagueiam no ar formando figuras interessantes. E
como se fosse pouco, os prédios exibem ornamental elegância
arquitetônica.
De modo excelso forma-se um cenário encantador que
enleva os espíritos conectando-os com o Criador. Durante os
deslumbrantes crepúsculos é comum a prática conjunta de orações.
Em resumo, a prestimosa colônia representa uma espécie de
purgatório auspicioso ou paraíso preliminar para permitir a
vivência futura em outras dimensões mais etéreas ou paraísos em
graus ascendentes. Inclusive, quem dela usufrui voltará a novas
vivências terrenas em nível espiritual mais elevado e decerto vai
contribuir para um mundo melhor. Vemos assim que a evolução da
humanidade se processa individual e coletivamente.
Devemos entender que Deus nunca abandona seus filhos e
cada um pune a si mesmo por suas maldades. Aqueles que se
esforçam por praticar o bem são recompensados e não devem temer
a morte. Eles serão recepcionados amorosamente por espíritos de
Luz e desfrutarão de agradável companhia e prestimosa orientação
em moradas aprazíveis.
Atualmente, o mundo espiritual está sendo revelado com

395
respaldo da ciência de ponta por meio de contatos mediúnicos,
técnicas de regressão, lembranças de vidas passadas e experiências
de quase morte. Para um melhor entendimento leia-se Conversando
com os espíritos, do excepcional médium americano James Van
Praagh. É uma valiosa publicação que facilita a compreensão
holística do papel do homem no Multiverso face ao seu Criador.
James compreendeu durante a infância que era um menino
diferente dos outros. Desde bebê enxergava os espíritos e nunca
teve medo de vê-los ou ouvi-los porque se assemelhavam a esferas
de luz. Pensava até que todos podiam percebê-los. Curiosamente,
as únicas pessoas em quem realmente confiava eram os espíritos. E
por muito tempo iria ignorar a razão de dispor de um portal para
outra transcendental dimensão. Evidentemente, nasceu com o dom
da mediunidade. Já adulto, chegou à luminosa conclusão que
deveria se dedicar a servir de elemento de ligação entre dois
mundos - o material e o espiritual - visando desenvolver a
compreensão, a paz e o amor entre os seres humanos.
Ele estudou quando criança na escola católica do Sagrado
Coração. Como muitos meninos da sua idade, imaginava que Deus
era um sujeito bondoso com enorme barba branca e que amava a
todos. No entanto, se fizessem alguma coisa de errado, passaria a
odiá-los e seriam postos no inferno como castigo. Sempre
curioso, ficava intrigado sobre o que seria uma alma ou questões
semelhantes. Infelizmente, as freiras não conseguiam compreendê-
lo e nem estavam dispostas a dirimir as desconcertantes dúvidas de
um pirralho. “Cale a boca e pare de fazer tantas perguntas!”,
respondiam incomodadas.
Quando ia à igreja com sua mãe gostava dos cânticos e
cheiro de incenso. Via muitos espíritos circulando por entre as
fileiras de bancos. Inclusive, pais e mães falecidos ao lado dos
filhos e até espíritos irrequietos de crianças. Ficou-lhe a lembrança
nítida de certo domingo. O padre no altar erguia a hóstia sagrada e
repetia uma prece em latim. Neste momento solene viu vários
espíritos iluminados, vestidos com mantos brancos, atravessando a
parede do tabernáculo. Entendeu que eram seres especiais vindos
do céu para transmitir um clima de adoração e reverência. Ficou tão
emocionado que perguntou inocentemente à sua mãe se eles eram

396
anjos. Ela, diante dos olhares críticos dos presentes, fez sinal para
que se calasse. Certamente, as igrejas criam vórtices de energia
espiritual, não importando a crença que professam. Os fiéis se
reúnem com humildade para louvar, contemplar e rezar em nome
de Deus. Essas ações valiosas energizam o mundo espiritual e
motivam espíritos benfazejos a influenciar-nos favoravelmente com
seu amor e orientação. Por isto usufruímos um aconchegante
sentimento de paz e quando estamos no interior dos templos.
James, embora valorize a religião e seus inegáveis princípios
humanitários, percebeu que os líderes religiosos muitas vezes estão
mais interessados em garantir o seu poder na terra do que em
preparar os fiéis para o reino dos céus. Ironicamente, se o
catolicismo não lhe servia, encontrou algo mais simples e profundo
em que acreditar - Deus. E não era aquele Deus sentado em
magnífico trono nos céus, era o Deus de amor que habita dentro de
cada um de nós. Não podia mais acreditar numa mitologia centrada
na culpa e no castigo de uma maneira simplista e radical. De fato, o
Senhor do Multiverso nunca abandona seus filhos por piores que
sejam, embora pela lei da ação e reação divina o pecado traga
dentro de si o castigo justo e redentor.
Como todo médium de alto nível, Van Praagh descobriu que
somos feitos espiritualmente à imagem e semelhança de Deus.
Nossa consciência é feita da mesma chama ou centelha do Criador,
ainda quando parecemos cruéis e perversos. Em suma, somos
deuses, filhos de Deus, em pleno processo de evolução espiritual. E
onde Deus habita? Em toda parte, inclusive dentro de nós, pois
somos feitos da Energia Divina. Deus é Luz, a mesma Luz que
habita em todos os seres. E como já vimos, existem outras
dimensões de caráter paradisíaco que vamos vivenciar ao longo de
nossa evolução espiritual.
James mostra pleno conhecimento de que o perispírito ou
corpo astral é uma réplica exata de nosso corpo físico e, como tal,
possui todos os seus órgãos. As moléculas do perispírito vibram em
velocidade muito maior do que sua correspondente física. Somente
os médiuns possuem a capacidade de visualizar o corpo astral que é
liberado após a morte do corpo físico.
Por fim, enaltece o poder do amor: “Quando amamos

397
incondicionalmente, utilizamos a energia em sua forma mais
elevada. Quando amamos sem regras ou restrições e aceitamos algo
ou alguém como é, o amor pode crescer e se desenvolver”. Em
poética metáfora explica que o Criador criou os seres humanos de
uma forma maravilhosa, como se fossem as facetas de um diamante
ímpar. Cada uma é diferente e possui sua própria beleza, mas juntas
criam a joia mais linda. A singularidade de cada faceta forma a
beleza deslumbrante do diamante. Em decorrência, todas as crenças
são válidas quando pregam a sabedoria do amor. Devemos celebrar
com compreensão nossas diversidades e amar uns aos outros sem
impor condições ou restrições. Somente assim alcançaremos a paz
na Terra. Se persistirmos em avultar diferenças e matar nossa
própria espécie, ficaremos em baixo nível na escala da evolução
espiritual.
Outra publicação esclarecedora é Muitas Vidas, Muitos
Mestres, de Brian Weiss. Trata-se de uma séria pesquisa de
regressão a vidas passadas realizada por talentoso psiquiatra
americano que revela a realidade do mundo espiritual sem temer a
previsível reação crítica de acadêmicos presos a preconceitos
ultraconservadores.
O professor Weiss é psiquiatra e neurologista de renome,
formado pela Universidade de Columbia com vários títulos
universitários, além de ser membro eminente das mais importantes
associações científicas. Ele tomou a corajosa decisão de escrever
sobre uma controvertida questão que se apresenta, ainda nos dias de
hoje, como um enigmático tabu a desafiar os paradigmas em que se
alicerça a psiquiatria ou psicanálise vigentes.
O doutor Brian ao tratar de uma sofrida paciente penetra no
enigmático mundo do subconsciente. Então, defronta-se perplexo
com uma realidade insofismável e decide expô-la publicamente.
Catherine é uma bela e inteligente jovem, há muito tempo vítima de
depressões e fobias graves. Estas são aparentemente infundadas,
mas persistem em atormentar-lhe a sofrida existência. Já havia
procurado em vão vários terapeutas na esperança de livrar-se de
seus males. Ela tomava religiosamente todos os remédios
prescritos, mas não conseguia usufruir os resultados esperados. Na
verdade, como veremos adiante, achava-se perfeitamente sadia sob

398
o ponto de vista físico.
O doutor Brian, como seus colegas, inicialmente utilizou os
métodos terapêuticos convencionais, mas nada pareceu funcionar.
Diante do insucesso, tenta a terapia de regressão a vidas passada.
Então, descortina para ambos um longuíssimo passado revelador de
surpreendentes vidas anteriores. Após sucessivas sessões de
hipnose emergem do inconsciente de Catherine as causas reais de
seus males, o que vai permitir uma cura em caráter definitivo. É
quando a realidade suplanta a fantasia e passa a exigir explicações
coerentes de uma ciência que não deve temer ir além da mesmice
do conhecimento tradicional.
Na verdade, muitos psiquiatras com larga experiência se
defrontam com fenômenos semelhantes, chamados de
parapsicológicos, todavia não se atrevem a interpretá-los de modo
racional para chegar-se a sérias considerações. Eles se recusam a
avaliar em caráter conclusivo os significativos casos que
evidenciam a sobrevivência da consciência após a morte física.
Embora não possam negá-los, permanecem sentados no muro da
indiferença, contentando-se com meros comentários restritos aos
círculos íntimos. Obviamente, ficam receosos de ferir conceitos
normativos e enfrentar o desanimador ceticismo de uma maioria
dominante.
Felizmente, o progresso da humanidade ocorre quando
antigos paradigmas são desmantelados por auspiciosas evidências
que, por sua vez, criam novos paradigmas. Caracteriza ao longo dos
séculos a eterna luta do revolucionário inovador contra o
pensamento ultrapassado do establishment. Infelizmente, rejeita-se
a terapia de regressão por preferir desconhecê-la, afirmando-se que
se trata de uma questão sem comprovação científica. Aliás, como
se alguma forma de psicoterapia o fosse.
Há também uma desinformação de mentes insipientes que
confundem espiritualidade com religiosidade. Acreditam que a
multiplicidade de vidas resume-se à crença ou crendice religiosa
baseada no sobrenatural. Temem aderir a uma visão progressista
que colocaria a psicanálise ou psiquiatria fora do universo de uma
ciência restrita. Pura ingenuidade, pois não existe o sobrenatural.
Nem nada no multiverso está além da compreensão da verdadeira

399
ciência. Tudo, se não tem hoje, terá amanhã uma explicação à luz
da razão. Infelizmente, não interessa a alguns que das mentes de
grande número de pessoas surjam estranhas memórias de outras
existências, mesmo quando não religiosas ou místicas. Julgam mais
conveniente considerar tais relatos fantasias pueris, um produto de
mentes alucinadas, por mais que sejam confirmados pelos fatos.
Em resumo, em vez de tentar decifrar desafiantes enigmas, julgam
melhor acomodar-se e permanecer perenemente enredados numa
ciência estratificada.
Ironicamente, durante muitos anos o próprio Freud não
conseguiu aceitação de suas brilhantes teses na universidade de seu
país. Quando Galileu descobriu as luas de Júpiter, os astrônomos da
época chegaram ao cúmulo de recusar-se cheios de empáfia a olhar
tais satélites. Por arcaica definição, a existência deles era
incompatível com suas crenças irrisórias. Vemos que a semelhança
entre reprováveis atitudes, antigas e atuais, não é mera
coincidência. Apesar dos fatos inegáveis, muitos psiquiatras e
outros terapeutas teimam em permanecer de olhos cerrados e
ouvidos tapados, recusando-se a aceitar fenômenos flagrantes da
sobrevivência da consciência humana após a morte física.
Por afirmar verdades negadas por outros, Jesus Cristo foi
crucificado, Galileu quase queimado vivo e Giordano Bruno
estorricado brutalmente na fogueira da Inquisição. Graças a Deus,
em que pesem os pesares, há tempo para tudo. Como nos diz
sabiamente o Eclesiastes:
“Para cada coisa há um momento sob os céus. Há tempo para
matar e tempo para sarar. Tempo para chorar e tempo para rir.
Tempo para odiar e tempo para amar. Tempo para a guerra e tempo
para a paz”. E por extensão, “há tempo para a obscura ignorância e
tempo para o luminar esclarecimento”. Façamos dos últimos os
primeiros para alargar os horizontes da humanidade.
Outro livro interessante no assunto é Encarnação, histórias
verdadeiras de vidas passadas, da autoria de Roy Stemman, um
talentoso jornalista, infatigável pesquisador e escritor. Ele expõe
com honestidade e clareza ímpares as evidências da multiplicidade
da existência humana. Conta-nos diversos casos selecionados entre
os mais impressionantes. De fato, algumas pessoas mantém viva na

400
memória a lembrança de episódios de suas vidas passadas.
O interesse de Stemman pela reencarnação manifestou-se
ainda na juventude. Anos mais tarde, seu encontro com Bertha
Harris, uma médium inglesa de reputação ilibada, ampliou seu
horizonte espiritual. Ela venceu seu ceticismo inicial em crucial
entrevista quando lhe revelou com clareza diversas informações
íntimas de sua vida pessoal. Desde então, há mais de três décadas,
Roy reúne depoimentos autênticos de pessoas que apresentam
evidências de terem vivido anteriormente. Nesse livro registra as
recordações de espíritos que viajaram no tempo e acabaram
reencontrando-se de maneira singular. São fatos insofismáveis da
eternidade do ser espiritual que sobrevive ao corpo carnal ao longo
de múltiplas vivências. Assim, são descritos vários episódios e
pessoas em que a reencarnação desponta como a explicação mais
simples e coerente.
É interessante citar alguns personagens famosos que
guardaram na memória várias passagens de suas vidas passadas. O
famoso general George Patton, herói americano da 2ª Guerra
Mundial, lembrava-se de ter estado nos muros de Tiro com
Alexandre, o Grande, tendo sido um membro da falange grega que
enfrentou Ciro, rei dos persas. Em outra existência, participou da
Guerra dos Cem Anos e serviu como general sob o comando de
Murat, o brilhante marechal líder da cavalaria do exército de
Napoleão. Patton descreveu as emoções de suas nítidas lembranças
em curioso poema. Um dos versos diz:

Através de um escuro vidro


Vejo a luta de muitas eras
Nomes e corpos destruídos
Mas sempre eu mesmo em outras guerras

Sylvester Stallone, o astro de Hollywood, recorda-se de ter


vivido durante a revolução francesa e sofrido uma morte trágica ao
ser decapitado na guilhotina. Inúmeras celebridades guardam
reminiscências de vidas passadas, mas isto não é privilégio de
ninguém, pois todos nós vivenciamos várias passagens na terra.
Um dos casos mais impressionantes é o da inglesa Jenny

401
Cockell, mãe de crianças de um tempo passado. Desde a infância
Jenny se lembrava de impressionantes detalhes de sua vida anterior
quando era uma mulher chamada Mary Sutton. Ao contrário do que
costuma ocorrer normalmente suas lembranças se mantiveram
vivas e nítidas mesmo com o passar do tempo. Para resolver a
intrigante questão decidiu submeter-se à hipnose por abalizado
perito que a ajudou a desvendar o mistério.
Jenny era uma dona de casa que morava em Nothamptonchire,
todavia identificou a cidade irlandesa de Malahide como o local de
sua última existência. Então, pode revelar a todos que fora mãe de
oito filhos e havia morrido no hospital, após o parto de uma
menina, o último deles. De fato, Mary Sutton havia tido oito filhos
e o seu marido havia sido um beberão inveterado, um desagradável
vício agravado pelo seu temperamento violento. Em decorrência
desta triste realidade, após a morte da esposa seu cônjuge
encaminhou todas as crianças a lares adotivos.
Ela contou sua singular história em estarrecedor livro,
Yesterday Children (Crianças do passado), que se tornou um best-
seller na Inglaterra. Alguns de seus filhos anteriores já haviam sido
encontrados, mas a publicação do livro permitiu à família reunir-se
pela primeira vez com todos os irmãos juntos. Dois deles moravam
próximos um do outro e nem desconfiavam do íntimo parentesco.
Sonny, o mais velho, confirmou uma série de acontecimentos de
sua infância contados por Jenny. Igualmente, curiosas lembranças
ocorreram com os demais. Tal fato permitiu que se identificassem
amorosamente como mãe e filhos dedicados. Quando Jenny
conseguiu reunir toda a sua família ficou muitíssimo feliz. Ela
superou a amarga sensação que há muito tempo a atormentava por
não haver concluído a contento sua missão terrena anterior, quando
foi uma abnegada, mas infeliz mãe de vários filhos.
Na verdade, a encarnação está presente em várias religiões
orientais, sejam no hinduísmo, budismo, jainismo e taoismo. Já foi
salientado em capítulo anterior que o judaísmo transmitiu sua
vocação materialista ao cristianismo em sua versão eclesiástica,
embora em ambos já houvesse lúcidas correntes que admitiam a
multiplicidade de vidas.
O imperador Justiniano condenou no sínodo de 543 D.C. a

402
crença na reencarnação, pois esta não convinha aos propósitos dos
bispos ortodoxos, mui preocupados em aumentar a autoridade
terrena da Igreja em causa própria. Dez anos depois, no Segundo
Conselho de Constantinopla, Justiniano declarou seu “Anátema a
Orígenes”. Este santo de grande inteligência viveu entre os anos de
185 e 254 d. C. e foi descrito por São Jerônimo como o “maior
professor da Igreja depois dos apóstolos”. Orígenes era profundo
conhecedor dos segredos da alma humana e disse que:
“Toda alma vem a este mundo fortalecida pelas vitórias, ou
enfraquecida pelas derrotas de sua vida anterior”.
“Seu lugar no mundo, destinado à honra ou desonra, é
determinado por méritos ou deméritos anteriores”.
Ele foi torturado e preso por sua sábia e realista concepção. O
imperador decretou ser pecado acreditar na “fábula da preexistência
das almas”. De modo truculento, forçou os cristãos a aceitarem que
cada alma é criada no corpo de uma criança recém-nascida e a
carne desaparecida ressurgirá por encanto divino no dia do Juízo
Final.
Vejamos outra esclarecedora faceta do escudo da vida. Luiz
Gonzaga Pinheiro em Perispírito e suas Modelações apresenta
outra obra importante com revelações de cunho metafísico sobre o
ser humano. Este é analisado em seu aspecto quaternário: corpo
físico, duplo etérico, perispírito e corpo mental. Após o término da
vivência terrena, abandonamos o corpo carnal, mas o perispírito e
espírito, ou consciência, sobrevivem em outra dimensão.
Então, ficamos diante de uma espantosa realidade. O
perispírito possui ligeira massa e todos os órgãos do corpo carnal,
por mais incrível que pareça. São as matrizes de um organismo
imponderável aliado ao corpo denso, formando com este uma
perfeita simbiose, célula a célula, molécula a molécula. Por
definição, é um elemento intermediário de ligação do corpo com o
espírito. E mais, o perispírito acompanha o espírito e dele faz parte
em cada dimensão evolutiva, embora ao longo do tempo vá se
tornando cada vez mais etéreo.
Daí se compreende porque os espíritos, energia pura, podem
ser visualizados por meio de seus perispíritos e precisam ingerir
alimentos apropriados, como é exposto em Nosso Lar. O perispírito

403
possui um sistema digestivo completo e o sangue impulsionado
pelo coração corre em suas veias e artérias. Evidentemente, os
espíritos mais evoluídos alimentam-se de sucos e caldos de
essências especiais e evitam uma alimentação pesada. A colônia
evidentemente pertence a um mundo ou dimensão em que a matéria
foi minimizada por uma Natureza que utiliza sua fenomenal
ferramenta - a Ciência.
O espírito recebe as impressões dos sentidos por meio do
perispírito e por meio deste transmite ao corpo físico as suas
vontades. Ambos interagem em perfeita sintonia. Daí, o ser
humano não precisa programar-se ou pensar para promover os
fenômenos automáticos. O perispírito é também indicador do
estágio evolutivo do espírito, seja por visualização fora do corpo,
luminosa ou opaca, quanto pelas formas harmoniosas ou não que
imprime ao corpo carnal.
Nele encontra-se a origem das mais variadas enfermidades.
Quando submetido a ações mentais positivas beneficia-se de
refinado magnetismo, entretanto pensamentos ou ações negativas
podem originar doenças que serão transmitidas ao corpo físico em
determinada fase da vida. Em suma, a maldade ou excessos
prejudiciais cometidos pelo homem contra si mesmo torna-o
propenso a sofrimentos que se originam na intimidade de seu ser
interior. Por exemplo, aquele alcoólatra que morreu de cirrose
hepática lesou não só seu corpo físico, mas também seu perispírito,
particularmente o fígado. Caso não seja este órgão restaurado por
médicos espirituais apresentará sequelas na vida existencial futura.
Outro elemento fundamental - o duplo etérico - é formado por
emanações neuropsíquicas que pertencem ao campo fisiológico.
Funciona como intermediário entre o corpo físico e o perispírito e
permite ao espírito uma perfeita interação com o mundo em que
vive. Não possui existência própria e desintegra-se após a morte
carnal. Trata-se de um corpo vaporoso com pequena massa e que
guarda semelhança com o corpo físico, porém prolonga-se além
deste cerca de um centímetro em toda extensão.
O duplo etérico fornece informações valiosas sobre a saúde
física e evolução espiritual por meio de suas emanações energéticas
que possuem colorido peculiar. Assim, permite o diagnóstico

404
precoce de doenças que irão acometer ao indivíduo futuramente.
Nos suicidas, ainda plenos de energias vitais, permanece ligado ao
perispírito e ao cadáver, transmitindo ao espírito perturbadoras
sensações oriundas da decomposição carnal sob a ação dos vermes.
Causa ainda uma redução nas funções vitais e queda de temperatura
quando se afasta do corpo carnal.
Vimos que o perispírito é elemento intermediário entre o
espírito e o corpo físico. De maneira semelhante, o duplo etérico
situa-se entre o perispírito e o corpo físico ou carnal. A energia mui
sutil do espírito tem sua vibração rebaixada pelo perispírito. A
operação de redução repete-se no duplo etérico, permitindo uma
harmoniosa transmissão ao corpo físico.
De modo semelhante, o corpo mental completa o aspecto
quaternário do homem. Serve de ponte entre o espírito ou
consciência e o perispírito. Qualquer parte deste danificada pode
ser restaurada com base no arquivo indestrutível do corpo mental. E
o espírito, pelo menos para efeitos didáticos, localiza-se na parte
cerebral dos quatro elementos descritos.
A ciência acadêmica ainda vacila em reconhecer que existem
dimensões além da matéria, embora a física de ponta já considere
uma flagrante realidade a existência do multiverso, isto é, dos
universos paralelos. No campo da mediunidade, a notável
psicografia de Francisco Xavier confirmou, por meio de
incontáveis comunicações de mães, esposos e filhos saudosos com
parentes já falecidos, a imortalidade da vida em outra dimensão.
Entretanto, qual a razão da existência de nosso universo
insipiente fazer parte de uma infinidade de universos?
Simplesmente, cada um funciona à semelhança dos períodos
didáticos das universidades terrenas. Os mais etéreos representam
as séries adiantadas durante a longa evolução dos seres inteligentes
cósmicos. Quanto mais o espírito se purifica, mais sutil se torna a
essência do seu perispírito e a influência da matéria vai diminuindo
à medida que se progride. Tudo se resume em sermos seres
amorosos e sábios, espiritualmente puros, em obediência ao divino
desejo de nosso Criador.
A estas alturas não deve surpreender a ninguém as EQM ou
experiências de quase morte. O Instituto Gallup descobriu em 1982

405
que oito milhões de americanos tinham vivido uma EQM.
Narremos um deles noticiado internacionalmente pela televisão:
Uma senhora, durante uma delicada operação do cérebro,
sofreu morte clínica confirmada claramente pelos aparelhos.
Durante vinte minutos os abnegados médicos fizeram de tudo para
restituir-lhe a vida, embora soubessem quão difícil a tarefa seria.
Eles inesperadamente tiveram sucesso, mas ficariam surpresos com
a revelação posterior da paciente já fora de perigo.
Ela saiu do corpo carnal e contemplou a equipe completa de
médicos e enfermeiras tentando com enorme empenho salvá-la.
Descreveu minuciosamente o que faziam e diziam na sala de
operações e mesmo fora dela quando uma enfermeira saiu para
apanhar um providencial instrumento cirúrgico. Viu os seus
familiares aguardando ansiosamente na sala de espera próxima e
revelou o que estavam fazendo e até os trajes que vestiam. Note-se
que espíritos vêem através de paredes.
Em seguida, foi transportada por uma espécie de túnel e
travou contato com seres espirituais, sendo alguns deles parentes
seus já falecidos. Alguns, ela os desconhecia, mas foi depois
confirmada sua existência. Embora sentisse indizível bem estar e
felicidade, um espírito de Luz ou anjo explicou-lhe que seria
conveniente regressar, pois seus queridos filhos dependiam de seus
cuidados. Assim, convenceu-a a segui-lo, embora ainda relutante, à
sala de operações onde voltou ao corpo. Os médicos e familiares
confirmaram ipsi litre seu testemunho, porém os primeiros
confessaram que eles próprios não sabiam explicar o surpreendente
fato. Observe-se que o túnel coincide com as descobertas da ciência
de ponta que visualiza algo semelhante para permitir a passagem de
uma dimensão à outra.
Quem volta de uma EQM descreve contextos semelhantes,
pouco importa se professam ou não crenças religiosas. Em suma,
de maneira geral, vivenciam:
- Uma sensação de flutuar sobre o próprio corpo e de ver
coisas ou pessoas ao redor.
- Uma agradável leveza, calma e paz de espírito.
- A travessia de um túnel ou passagem estreita de luz.
- Uma inesperada saudação por parentes falecidos.

406
- O encontro gratificante com benevolentes seres de Luz.
- Uma revisão transcendental da própria vida.
- Por último, ocorre o retorno ao próprio corpo
sob a amorosa orientação dos seres de Luz,
embora obedeça com relutância.

Cada caso representa uma experiência individual, no entanto


as pessoas concordam que se sentiram profundamente
transformadas com a experiência de quase morte. Passam a
entender melhor seu propósito de vida. Adquirem uma percepção
profunda sobre as lições que aprenderam. Uma vida com novas
cores surge auspiciosa daí em diante. Enfim, o amor divino revela-
se ante seus olhos como uma realidade tangível e verdadeira.
Sugerimos ler A Luz que vem do Além, do psicólogo
americano Raymond Moody, para melhores esclarecimentos. As
EQM foram divulgadas pela primeira vez quando Moody lançou A
Vida Depois da Vida, um best-seller com 13 milhões de exemplares
em todo mundo. Suas sérias pesquisas com mais de cem casos
analisados provocaram uma verdadeira onda de novas
investigações. É a realidade de outra dimensão da existência
espiritual revelando a vida em plano ainda inexplorado.
A literatura da Idade Média está repleta de casos similares,
mas Raymond deu-lhe um nome: Experiência de Quase Morte. A
EQM representa um novo paradigma para as pesquisas nesta
intrigante área do conhecimento. O célebre psicólogo C. G. Jung
legou-nos valiosas palavras que exprimem a grandeza da dimensão
após a vida terrena:
“O que acontece após a morte é tão indescritivelmente
glorioso que nossa imaginação e nossos sentimentos não são
suficientes para formar até mesmo uma concepção aproximada
disto”.
Moody passou a se interessar pelo assunto ao tomar
conhecimento da experiência de um psiquiatra na sua cidade, o
doutor George Ritchie. Este, embora fosse acometido por forte
pneumonia dupla e dado por morto, acabou sendo ressuscitado com
sucesso. Quando esteve “morto”, Ritchie viveu a singular
experiência de passar por um túnel e encontrar-se com seres de

407
Luz. O psiquiatra descreveu pessoalmente que viu o próprio corpo,
aparentemente morto, deitado no leito do hospital. Ele próprio, a
consciência, estava em certa altura acima. Foi a seguir na direção
de uma Luz brilhante que emanava amor e viveu momentos
grandiosos em outro plano tridimensional.
A Luz brilhante que envolve aqueles que usufruem a EQM é
a Luz divina. Quando estamos na dimensão terrena, nosso pesado
corpo carnal dificulta a conexão direta com nosso Pai. Livre da
matéria, sentimo-nos imersos no amor divino. Nada espantoso, já
que “Deus é amor”, como nos ensinou São João.
É interessante ler os autores apresentados acima porque a
abrangência do assunto é enorme e foge ao escopo deste livro
apresentar particularidades de caráter tão extenso.
Em resumo, as dimensões além da matéria são perfeitamente
exequíveis à luz da razão, embora não nos sejam tangíveis. Nós não
podemos visualizar um quark up ou down, elementos essenciais do
átomo, mas a ciência atual aceita a sua incontestável existência.
Sem eles, a física moderna ficaria inconclusa. É o mesmo caso do
mundo espiritual. Sem ele, o mundo material não faz sentido algum
e parece um caos desordenado, um enigma indecifrável além da
compreensão humana.

408
CAPÍTULO 39

A SUPREMA INTELIGENCIA

Cruzando-se as informações da ciência de ponta com as


fornecidas pela espiritualidade moderna e comparando-as com as
mensagens contidas nos cernes valiosos das várias tradições
religiosas, consegue-se delinear uma visão harmoniosa do plano
divino e de como nós fazemos parte dele. Tudo e todos têm uma
razão de ser. Nenhum conhecimento espiritual autêntico é contrário
ao conhecimento científico e vice-versa. Nada é sobrenatural e tudo
é natural. Na verdade, a ciência oferece-nos sem cessar novas
revelações que possibilitam o melhor entendimento do Universo,
inclusive sob o ponto de vista metafísico. Diante do exposto, as
crenças tradicionais originadas da imaginação ingênua devem ser
substituídas por uma visão holística atualizada.
A fé desprovida de razão é uma arma insegura que tanto
pode conduzir ao bem como ao mal. Por isso, as religiões devem
evoluir e não permanecer estratificadas, limitando-se a versões
pueris oriundas de uma fé ingênua que é fruto da ignorância. Deus
é o Cientista Supremo por excelência e a ciência é o instrumento de
que se vale para criar e harmonizar a Natureza. Esta compreende
todo o Multiverso - a imagem espetacular do Deus Infinito. Em
decorrência, os cientistas se limitam a desvendar as leis que regem
a Natureza – a divina manifestação do Criador. Apenas restará uma
única pergunta sem resposta. Por que existe Deus? Ele é o Ser
Supremo, a razão de tudo, porém tal entendimento situa-se além da
compreensão do ser humano.
Em suma, vemos que a existência da Inteligência Suprema

409
não é conseqüência de crenças fantasiosas, mas de uma realidade
endossada por amadurecida razão. Quem diz que acredita em algo,
implicitamente, dá margem à descrença por parte de outrem.
Vejamos um exemplo: Um homem, movido pela forte curiosidade,
indagou ao amigo: “Esse senhor, o Seu Paulo, é de fato seu pai”? E
obteve uma resposta sincera: “Acredito que sim”.
Ora, evidenciou-se uma dúvida flagrante quanto à verdadeira
paternidade por parte do suposto filho. Ele não está convicto de
serem consangüíneos, apesar de nutrir uma significativa crença
nesta possibilidade. Caso contrário, diria: “Claro, é meu pai!”
Decerto, um exame de DNA daria uma conclusão científica
definitiva. Do mesmo modo, a razão conduz mais plenamente à
compreensão do Ser Supremo do que a fé movida por crenças. O
Messias sacrificou-se na cruz em benefício da humanidade, mas
não foi por meramente acreditar na existência do Pai. É
ingenuidade pensar desta maneira. Qualquer crença subtende
dúvida e não pode motivar per si um sofrimento de transcendental
dimensão. O Messias possuía divina fé em Deus, isto é, uma
confiança ilimitada, porque a existência do Pai era-lhe
espiritualmente tangível e real. Do mesmo modo como qualquer
filho considera a relação com seu verdadeiro pai um fato real e não
fruto de mera crença.
As incontáveis religiões são manifestações culturais dos mais
diversos povos. Criavam os seus deuses e deles se tornavam
escravos. Infelizmente, tal cenário ainda permanece uma chocante
realidade. Os maias, incas e astecas sacrificavam seres humanos
para apaziguar a suposta ira das divindades e ganhar suas benesses.
Os fenícios procediam de maneira semelhante. Até criancinhas não
escapavam ao fanatismo sacerdotal. Os antigos hebreus cometeram
morticínios chocantes sob a duvidosa justificativa de obedecer ao
irascível Iahveh. Outros povos, tanto os gregos como os romanos
atribuíam suas vitórias a um panteão de incontáveis seres divinos.
Deus ou deuses deveriam conduzi-los a sangrentas vitórias sobre os
povos vizinhos, não importando os sofrimentos causados.
O Messias ensinou a divina concepção de amor ao próximo.
Entretanto, por mais que Jesus tivesse pregado a compaixão entre
os homens sem qualquer discriminação ou preconceito, um Urbano

410
II, o chefe máximo da cristandade, a pretexto de liberar um
imaginário “túmulo” de Cristo, desencadeou sangrentas cruzadas.
Acrescentem-se as fogueiras da Inquisição quando desvairados
anticristos de batina praticavam aterrorizante sadismo. E como se
ainda fosse pouco, em nome de Deus, protestantes e católicos se
digladiaram ferozmente. Ambas as correntes “cristãs”
desenvolveram um sistema de crenças onde a rival não tinha lugar.
Seria preciso exterminar os irmãos tornados inimigos por crendices
opostas, nascidas da ignorância comum.
Até os dias de hoje as religiões delimitam a convivência de
seus adeptos em círculos discriminadores. Um sistema de crenças,
sinônimo de crendices, criadas pelos homens torna-se verdade
absoluta na mente de fanáticos. Os sacerdotes não primam em
procurar o convívio fraternal entre seus pares ou irmãos alhures,
isto é, de outras tradições religiosas, visando dar exemplos
dignificantes de amor em prol da união harmoniosa da humanidade,
mas refugiam-se egoisticamente na própria arrogância. Julgam-se
uns melhores do que os outros e cada círculo pensa ser o dono de
seu próprio deus, uma micro projeção avarenta e mesquinha do
verdadeiro Deus - nosso Pai. Isto é uma regra geral que, felizmente,
começa agora a ter auspiciosas exceções.
O papa e o dalai-lama iniciaram profícuo diálogo que seria
impensável algumas décadas atrás. Como resultado de uma atitude
cristã autêntica, constatamos atualmente um enaltecedor
intercâmbio de sacerdotes de boa vontade que desfrutam da
amigável estadia de monges budistas em mosteiros católicos e vice-
versa. Monges e lamas redescobrem com satisfação que comungam
do mesmo amor ou compaixão pela humanidade. A meditação não
era estranha aos nossos monges. Na verdade, sempre foi um meio
de aprimoramento espiritual. Para maiores esclarecimentos leia o
livro O Monge e o Lama da autoria de Dom Roberto Le Gail e
Lama Jigme Rinpoche.
E, também, Jesus e Buda, Irmãos, do sábio budista Thich
Nhat Hanh. Neste livro, Deus é descrito como incomparável artista
divino. “Olhe ao redor. Nada é mais bonito do que aquilo que se vê
- o nascer do sol, o esplêndido crepúsculo, o oceano, as estrelas, as
flores, folhas e árvores, as nuvens”. Línguas diferentes falam a

411
mesma coisa. Nosso pai é o Supremo Artista. E, como filhos
diletos, herdamos parcelas de suas qualidades divinas. Nada é mais
auspicioso quando tradições diferentes comungam dos mesmos
valores essenciais ao ser humano e o fazem progredir.
Os círculos religiosos devem considerar as crenças apenas
como meras expressões culturais de teor folclórico e nada mais.
São insignificantes e descartáveis diante de uma realidade que se
resume facilmente em poucas palavras:
Existe o Ser Supremo, o Oceano Multiversal, onde estamos
totalmente imersos. Somos seus filhos, isto é, seres espirituais
imortais espalhados pelos Universos. Começamos na imperfeição e
ao longo de milênios, por meio de experiências incontáveis em
inumeráveis dimensões, iremos adquirindo a perfeição, sinônimo
de amor e sabedoria. Mestres por excelência, os Avatares surgem
ao longo do caminho para ensinar-nos o verdadeiro sentido do
amor. Religiões que espelham a sublime e universal espiritualidade
dos grandes Mestres, sem perder-se em irrelevâncias, são essenciais
ao processo evolucional. E, parafraseando Hilel, nosso inesquecível
mestre do judaísmo valioso: “qualquer acréscimo não passa de
comentário”.
Compreenda-se um aspecto essencial. “Deus é Espírito”.
Não está aqui, ali ou acolá, neste ou naquele Universo. Ou
soberbamente sentado em magnífico trono, cercado de arcanjos e
querubins, a emitir ordens ou decretos do alto de sua divina
autoridade. É infindo e está em toda parte. Jamais dialogou, falou
ou se dirigiu a alguém do modo pueril como imaginamos. Não é
pessoa, personagem ou individualidade e nem se resume a um
espírito, como todos nós, inclusive o seu Filho – o Messias.
Entretanto, Jesus Cristo revelou qual é o procedimento celestial do
Espírito Supremo - nosso Criador.
“O Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo o
julgamento”. (João 5.22). “Quem vê o Filho, vê o Pai”. “Estou no
Pai e o Pai está em mim”. (João 14.9-11). São três frases
esclarecedoras em caráter definitivo. O Messias representa a
imagem e vontade divina. O Filho é a perfeição incomparável e age
em consonância com o Pai. O Espírito Santo manifesta-se por seu
intermédio. Em resumo, o Filho insere-se na Suprema Inteligência

412
Multiversal e dela faz parte natural para fazer cumprir os seus
sublimes desígnios. É o Diretor Supremo da evolução espiritual ao
longo dos tempos, não só na Terra, mas também alhures em outras
dimensões, porque o Multiverso está todo interligado. Cada
Universo é uma etapa a ser vivenciada visando um aprimoramento
ideal. É como se fossem os períodos escolares de uma
universidade. Temos que ser aprovados em todos para concluirmos
a etapa final.
De tudo isso, o mais importante é que podemos visualizar em
futuro mui distante um auspicioso evento. No momento mais feliz
de nossa trajetória multidimensional, cada um de nós estará em
condições de apresentar-se diante da mais bela e suprema Luz
Celestial - o Filho do Deus - e declarar imerso em profunda
emoção:
“Eis me aqui, Senhor! Percorri um longuíssimo caminho,
mas agora creio ser digno de Vós. Peço humildemente que me
aceite em Vosso reino. Dizei-me o que devo fazer para ajudar
nossos irmãos”.

FIM

413
SUMÁRIO

CAPÍTULOS

1. A MÃE MADRASTA ...................................5


2. A TRINDADE CRISTÃ.................................10
3. PODERES DIVINOS DO MESSIAS............25
4. A ERA MESSIÂNICA...................................36
5. OS MILAGRES DO MESSIAS.....................41
6. A IMPERFEIÇÃO HUMANA.......................49
7. O DEUS DE MOISÉS....................................60
8. A RESSURREIÇÃO DE CRISTO.................74
9. A SALVAÇÃO EM CRISTO.........................82
10. CARNE, JEJUM E CELIBATO.....................88
11. A ALEGRIA DO JUDAÍSMO....................... 90
12. ESPÍRITO versus MATÉRIA........................ 95
13. CRISTO E AS RIQUEZAS............................104
14. FÉ versus LEI.................................................117
15. OS DEZ MANDAMENTOS........................ 122
16. O “MAGO DA PROPAGANDA”.....................126
17. O JUDAÍSMO VALIOSO..............................134
18. CRISTO E MOISÉS........................................145
19. O MESSIAS E A PAZ UNIVERSAL............. 156
20. JESUS “HOSTIL” A SUA FAMÍLIA............. 165
21. AMAI VOSSOS INIMIGOS........................... 177
22. JESUS, O “VINGATIVO”...............................191

414
23. “SERPENTE, NINHO DE COBRAS”................195
24. FANATISMO GERA INTOLERÀNCIA..........202
25. O “DEUS ESTADO”........................................213
26. O DEUS HEBRAICO.......................................219
27. A FÉ E A RAZÃO............................................240
28. DEUS – ESPÍRITO INFINITO.........................248
29. O DEUS EX MACHINA.................................. 261
30. O JUÍZO FINAL...............................................279
31. ALÁ, O DEUS ISLÂMICO.................................293
32. BUDA,KRISHNA E CRISTO......................... 307
33. TAO, BHRAMA OU DEUS............................326
34. DEUS E SEUS FILHOS...................................334
35. A CIÊNCIA E O CRIADOR............................ 340
36. CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE...................357
37. O SOFRIMENTO HUMANO...........................367
38. AS DIMENSÕES ESPIRITUAIS.....................380
39. A SUPREMA INTELIGÊNCIA........................396

415
BIBLIOGRAFIA

Autor - Obra - Editora

Luís Gonzaga Pinheiro. O Perispírito e suas Modelações. EME


Francisco Cândido Xavier. Nosso Lar. FEB
Francisco Cândido Xavier. Os mensageiros. FEB
Thich Nhat Hanh. Jesus e Buda. Irmãos. Bertrand Brasil
Dom Robert. Lama Jigme. O Monge e o Lama. Bertrand
Frank J. Tipler. A física do Cristianismo. Cultrix
Michael Berg. O Caminho. Imago
Richard Dawkins. DEUS, um delírio. Companhia da Letras
Trude Weiss-Rosmarin. Judaísmo e Cristianismo. As Diferenças. SÊFER
Mansour Challita. O Alcorão. ACIGI
Dalai Lama. Minha Autobiografia Espiritual. Bertrand
“Senhor Krishna”. Bhagavad Gita. Martin Claret
H. Wayne House. O Jesus que nunca existiu. Hagnos
Dalai Lama. O Dalai Lama fala de Jesus. Fissus Editora
Gavin Menzes. O ano em que a China descobriu o mundo. Bertrand.
Roy Stemman. Reencarnação. Butterfly
Amit Goswami. A Física da Alma. Editora Aleph
Bart Ehrman. Pedro, Paulo e Maria Madalena. Record

416
Plínio Salgado. Vida de Jesus. Edições GRD
Lao-tsé. Tao Te King. Editora Eko
Lao-Tsé. Tao Te Ching. Martin Claret
Aristóteles. Política. Martin Claret
Antonio Ghirelli. Tiranos. Difel
Sam Harris. A Morte da Fé. Companhia da Letras
Dr. Mike Goldsmith. Albert Einstein. Companhia das Letras.
Kenneth Boa. 20 Evidências de que Deus existe. CPAD
João Paulo II. Fides et Ratio. Paulinas
H. Wayne House. O Jesus que nunca existiu. Hagnos
Alan Kardec. O livro dos Médiuns. IDE
Alan Kardec. O Céu e o Inferno. IDE
Alan Kardec. A Gênese. IDE
Alan Kardec. O que é espiritismo. IDE
Fernando Jorge. Lutero. Novo Século
Albert Einstein. Como Vejo o Mundo. Saraiva
Richard Simonetti. Reencarnação. CEAC
Fernando Jorge. Lutero. Novo Século
Jonathan – Bodian. Budismo para Leigos. ALTA BOOKS
Alan Adelson. O Diário de David Sierakowiak. Record
Antônio Freire. Ciência e Espiritismo. FEBB
David-Arnold Brody. As sete maiores descobertas científicas da história.
Companhia das Letras
Brian Weiss. Muitas Vidas, Muitos Mestres. Círculo do Livro
Francisco Bithencout. História das Inquisições. Companhia das Letras
Ayaan Hirsi Ali. A Virgem na Jaula. Companhia das Letras
Victor Hellern. O Livro das Religiões. Companhia das Letras
Osho. A semente de Mostarda. Ícone Editora
Apócrifos. Os Proscritos da Bíblia. Mercuryo
Brian Green. O Universo Elegante. Companhia das Letras
Francis S. Collins. A Linguagem de Deus. Editora Gente
Stephen Hawking. Os gênios da Ciência. Editora Campos
Lama Surya Das. O Despertar do Buda Interior. Rocco
David I. Kertzer. O Vaticano e os Judeus. Rocco
Hermínio Cl. Miranda. A Reencarnação na Bíblia. Pensamento
James Van Praagh. Em busca da Espiritualidade. Sextante
James Van Praagh. Conversando com os Espíritos. Sextante

417
Fida Hassnain. Jesus, a Verdade e a Vida. Madras
Fernanda de Camargo Moro. Arqueologia de Madalena. Record
Haim Cohn. O julgamento e a Morte de Jesus. Imago
Johnn Cornwell. O Papa de Hitler. Imago
Karn Armstrong. Uma História de Deus. Companhia das Letras
Piers Paul Read. Os Templários. Imago
Augusto Cury. Maria. Planeta
Vassula Ryden. A Verdadeira Vida em Deus. Edições Boa Nova

COMPLEMENTO

“Ó Krishna! Ao reconhecer como meus parentes todos esses homens que


devo matar, sinto meus membros paralisados, a língua ressequida, o coração
a tremer e os cabelos eriçados na cabeça...”
“Não, Krishna. Não quero vencer! Não quero dessa maneira, conquistar
soberania e glória, riqueza e prazer”
“Ai, que desgraça será se trucidarmos nossos parentes movidos pela
ambição do poder”
“Bem melhor seria a rendição ao inimigo e deixar que nos matem, sem
luta, arma ou defesa”.
“Com a alma repleta de temor e compaixão, eu te suplico Senhor, dize-me
qual o caminho certo. Eu, teu discípulo, refugio-me em ti para saber o que
devo fazer”.
“De que me serviria um reino próspero, se não me libertar da culpa? De
que me serve possuir o mundo, se aqueles que amo não mais existem?”

418
Krishna:
“Arjuna, visando ao teu próprio dever, não vaciles. Para um príncipe da
classe dos guerreiros nada é superior a uma guerra justa. Se fores morto em
batalha, entrarás nos céus; se fores vencedor, gozarás os prazeres terrenos.
Portanto, Arjuna , tem coragem e luta.
“Aceitando prazer e sofrimento, ganho ou perda, vitória ou derrota com a
mesma serenidade de espírito, entrarás na peleja e não pecarás”!
“Perecíveis são os corpos, esses templos do espírito, eterna, indestrutível
e infinita é a alma que neles habita*. Por isto, ó Arjuna, luta!”

*Jesus Cristo considerou igualmente o corpo como templo do espírito. De


si mesmo falou aos irascíveis sacerdotes de Jerusalém:
“Destrua este templo e o reconstruirei em três dias”. A seguir Krishna
refere-se à simbiose corpo-espírito, o primeiro perecível e o segundo imortal,
de modo a ensejar a multiplicidade de vidas.

Krishna revela a Arjuna as características de um homem que atinge a


perfeita sabedoria espiritual:
“Quando o homem é perfeitamente liberto de todos os desejos do ego
finito e alcança a paz da alma pela realização do Eu divino, então é um
homem de perfeita sabedoria”.
“Quando alguém permanece calmo e sereno em meio ao sofrimento,
quando não espera receber do mundo objetivo felicidade permanente,e
quando é livre do apego, medo e ódio, então, ele é um homem de perfeita
sabedoria”.
Os dois parágrafos anteriores se confundem em sua essência com os
ensinamentos de Buda e Cristo. Em contrapartida, vemos que Krishna
também justifica a guerra desde que seja por um motivo justo. Neste caso, a
morte em batalha pode ser uma porta aberta para entrar nos céus. Ora,
vivemos em um mundo de nível espiritual insipiente, onde todos os
contendores consideram justos os seus anseios e desejos egocêntricos,
embora em detrimento do semelhante.
Desde o início do mundo o egoísmo prevaleceu sobre o altruísmo, o eu
sobre o nós. No caso presente, a causa de Arjuna desperta simpatia, uma vez
que é o legítimo herdeiro do trono e propenso à bondade com o semelhante.
A ação pecaminosa recai em seus ambiciosos parentes que querem usurpá-lo
indevidamente. Então, deparamo-nos com eterno dilema. É lícito ou não

419
matar por “justa causa”?
Khrisna, o Alter Ego da tradição religiosa hinduísta, diz que sim. Buda e
Cristo dizem não. O “não matarás” não admite exceção sob o ponto de vista
do Criador. Afinal, se somos todos, literalmente, filhos de Deus, qual o bom
pai que se regozija com a tragédia de uma luta fatal entre irmãos? Quanto
mais o Pai Celestial.

ORELHA

Alexandre Oliveira serviu como capitão engenheiro do Exército em


plena Amazônia, na fronteira do Brasil com a Colômbia na época do regime
militar. De sua vivência nessa época turbulenta escreveu o emocionante
romance Amor e Ódio no Inferno Verde, onde descreve impressionantes
episódios da vida amazônica. A seguir, saído da floresta com seu emaranhado
de acontecimentos empolgantes, lançou-se na vida urbana com Sol de Verão,
que enfoca os dramáticos conflitos emocionais de um tumultuado divórcio
sob a perspectiva do cônjuge.
Agora, adota outra visão de singular maturidade e oferece-nos Mistérios
do Cristianismo – A Fé e a Razão. Uma tão proclamada diferença
incontornável entre as religiões, motivo espúrio para distanciar o ser humano

420
de seu próprio semelhante e envolvê-lo em graves e sangrentas contendas de
caráter fratricida, pois todos somos irmãos, é analisada a fundo neste livro
visando um abrangente denominador comum – a bem vinda síntese em
benefício de todas elas. O autor advoga que todas as correntes religiosas
dignas do nome e a verdadeira ciência devem convergir em desejável
harmonia sob uma perspectiva holística inerente à evolução espiritual da
humanidade no Terceiro Milênio.

421
Índice
CAPÍTULO 1 A MÃE MADRASTA 6
CAPÍTULO 2 A TRINDADE CRISTÃ 11
CAPÍTULO 3 PODERES DIVINOS DO MESSIAS 26
CAPÍTULO 4 A ERA MESSIÂNICA 37
CAPÍTULO 5 OS MILAGRES DO MESSIAS 42
CAPÍTULO 6 A IMPERFEIÇÃO HUMANA 51
CAPÍTULO 7 O DEUS DE MOISÉS 62
CAPÍTULO 8 A RESSURREIÇÃO DE CRISTO 76
CAPÍTULO 9 A SALVAÇÃO EM CRISTO 84
CAPÍTULO 10 CARNE, JEJUM E CELIBATO 91
CAPÍTULO 11 A ALEGRIA DO JUDAÍSMO 96
CAPÍTULO 12 ESPÍRITO versus MATÉRIA 98
CAPÍTULO 13 CRISTO E AS RIQUEZAS 107
CAPÍTULO 14 FÉ versus LEI 121
CAPÍTULO 15 OS DEZ MANDAMENTOS 126
CAPÍTULO 16 O “MAGO DA PROPAGANDA” 130
CAPÍTULO 17 O JUDAÍSMO VALIOSO 138
CAPÍTULO 18 CRISTO E MOISÉS 149
CAPÍTULO 19 O MESSIAS E A PAZ UNIVERSAL 160
CAPÍTULO 20 JESUS “HOSTIL” À SUA FAMILIA 170
CAPÍTULO 21 “AMAI VOSSOS INIMIGOS” 182
CAPÍTULO 22 JESUS, O “VINGATIVO” 196
CAPÍTULO 23 “SERPENTES, NINHO DE COBRAS” 200
CAPÍTULO 24 FANATISMO GERA INTOLERÂNCIA 208
CAPÍTULO 25 O “DEUS ESTADO” 219

422
CAPÍTULO 26 O DEUS HEBRAICO 225
CAPÍTULO 27 A FÉ E A RAZÃO 246
CAPÍTULO 28 DEUS - ESPÍRITO INFINITO 254
CAPÍTULO 29 O DEUS EX MACHINA 268
CAPÍTULO 30 O JUÍZO FINAL 286
CAPÍTULO 31 ALÁ - O DEUS ISLÂMICO 301
CAPÍTULO 32 BUDA, KRISHNA E CRISTO 315
CAPÍTULO 33 TAO, BRAHMA ou DEUS. 336
CAPÍTULO 34 DEUS E SEUS FILHOS 345
CAPÍTULO 35 A CIÊNCIA E O CRIADOR 351
CAPÍTULO 36 CIÊNCIA E ESPIRITUALIDADE 368
CAPÍTULO 37 O SOFRIMENTO HUMANO 379
CAPÍTULO 38 AS DIMENSÕES ESPIRITUAIS 392
CAPÍTULO 39 A SUPREMA INTELIGENCIA 409

423

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