Dimensoes Da Nao Aprendizagem 02

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Fracasso escolar:

a dimensão do ensino

Abordagem social do fracasso escolar


Discutir o fracasso escolar sob a dimensão do ensino exige, antes de tudo, considerar que qual-
quer tentativa de análise nessa direção perpassa por várias outras relacionadas. Ignorar a influência
dos aspectos internos do aluno pode limitar a própria ação pedagógica na busca do êxito de sua edu-
cação. Como afirma Carvalho (2000), tão perverso como atribuir aos alunos a culpa por seus insuces-
sos, isentando o papel da escola e do professor, é atribuir a culpa do fracasso somente aos métodos de
ensino e ao modo como a escola estrutura-se em seu currículo. O fracasso escolar deve ser analisado
e explicado considerando-o na sua complexidade.
Durante muito tempo as causas do fracasso escolar foram buscadas na família e no aluno. Por
influência da concepção médica e da psicologia, fatores como predisposição genética, aptidões here-
ditárias, dificuldades orgânicas e psicológicas foram argumentos bastante discutidos e validados para
explicar a falta de êxito no aprendizado escolar.
Somente na década de 1970, o fracasso escolar passou a ser concebido a partir de perspectivas
mais amplas. A teoria da carência cultural foi uma das contribuições para aquele momento histórico,
ao afirmar que o êxito na escola estaria diretamente relacionado ao sistema socioeconômico e cultural
em que se insere o educando. Essa teoria influenciou profundamente a educação brasileira, instigan-
do a criação de programas compensatórios no sentido de recuperar o atraso e diminuir o estado de
carência dos alunos. Essas ações foram defendidas como formas de garantir a igualdade de condições
de aprendizagem aos alunos “carentes culturalmente”, ou seja, àqueles que, devido à sua condição
socioeconômica desfavorecida, não possuíam os subsídios considerados necessários a uma educação
integral.
A teoria da carência cultural logo sofreu críticas acirradas por influenciar a concepção acerca
do fenômeno do fracasso a partir de uma abordagem preconceituosa. Segundo os críticos, essa abor-
dagem favorecia a desigualdade social e o assistencialismo, já que consideravam que as classes menos
favorecidas, devido a sua condição socioeconômica, eram inferiores culturalmente. A teoria da carên-
cia cultural contribuiu para certo imobilismo nos meios educacionais que, de maneira fatalista, não se
viam em condições de resolver o problema do fracasso escolar de maneira efetiva.
Estudos posteriores buscaram explicitar a relação entre o modelo excludente de sociedade capi-
talista e a escola enquanto avalista e reprodutora de práticas igualmente excludentes. Assim, a partir
da década de 1980, outras contribuições teóricas se deram no sentido de ampliar as discussões acerca
das implicações do sistema educativo, tal como está organizado, nos índices de fracasso escolar.
Embora os avanços de tal discussão apontem para uma visão multidimensional, ainda predo-
mina nos meios educacionais um entendimento de que o fracasso tem como uma de suas principais
causas o próprio aluno, ou ainda, a sociedade tal como se encontra organizada.
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Podemos observar a influência dessa percepção expressa cotidianamente na


fala dos professores para justificar o rendimento de seus alunos.

O problema é da família, pois os pais não têm estudo e não incentivam


seus filhos.
Se o governo investisse mais em recursos educacionais acabaria o pro-
blema da educação no Brasil.
A criança não tem motivação para estudar porque não tem perspectiva
de um futuro melhor.
O aluno fracassa porque se alimenta mal desde pequeno e isso preju-
dica a sua aprendizagem.

Poderíamos certamente esgotar as próximas páginas com argumentações


parecidas, todas apresentando em comum a crença de uma possível isenção da
escola no que se refere à problemática do fracasso escolar.
Essa percepção denota que o fracasso “do aluno” ocorre por alguma coisa
que ele não possui e que, portanto, faz-lhe falta como um ambiente familiar mais
estruturado, mais recursos materiais, maior inteligência, servindo à isenção da
escola como coadjuvante nesse processo.
De acordo com Patto (1996), a superação do fracasso escolar passa pelo
reconhecimento da complexidade desse fenômeno, considerando os múltiplos as-
pectos que o determinam: a instituição escolar tal como é organizada, as políticas,
o contexto sócio-histórico, a condição social e as ideologias sob as quais se ampa-
ra a prática educativa.
Para Sacristan (2002), o currículo é uma seleção cultural. O modo como ele
se organiza dentro de uma estrutura educacional determina os aspectos da cultura
a serem priorizados, portanto, essa escolha não é passível de neutralidade. Tendo
no currículo a sustentação de uma ideologia dominante, a escola revive, por meio
de suas práticas, os mecanismos excludentes da estrutura social instaurando e
promovendo a manutenção do fracasso.
A apropriação do conhecimento e dos produtos produzidos em determinado
ambiente cultural é um processo possibilitado e intensamente influenciado pelos
mecanismos de comunicação em massa, pela família e grupos sociais. É a escola,
no entanto, que mais contribui para esse processo de apropriação do conhecimen-
to, ou ainda, de interiorização das ideias e normas sociais.
A aprendizagem, processo que inicialmente parece ser “natural”, serve à
sobrevivência da espécie humana. No entanto, também serve à sobrevivência das
próprias instituições sociais, sendo a escola uma delas. Quando o aluno, com a sua
própria história e experiências socioculturais, não se identifica com os valores,
normas e conhecimentos difundidos na escola, passa a ser considerado cultural-
mente inferior.
A esse respeito, convém nos perguntarmos: quantos de nós não julgamos a
inferioridade de um aluno por se expressar utilizando gíria ou terminologias não
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apropriadas às normas da língua materna? Ou mesmo, deparamo-nos indignados


com a preferência de um jovem por uma revista em quadrinhos quando deveria
apreciar livros e belas histórias?
As supostas “deficiências socioculturais”, portanto, só aparecem em função
de uma cultura imposta. Sem essa imposição de conteúdos, das normas e valores
restariam apenas as diferenças com as quais a escola deveria enriquecer-se e tam-
bém aprender. Em outras palavras, podemos dizer que as diferenças e desigualda-
des extraescolares (biológicas, psicológicas, econômicas e culturais) somente se
transformam em “deficiências” e “problemas” de aprendizagem quando subme-
tidas aos padrões de conduta e cultura impostos pelo sistema vigente de ensino,
normalmente bastante diferente dos padrões culturais da maioria da população
que frequenta as escolas públicas brasileiras.
De acordo com Perrenoud (2000), é comum definir o fracasso escolar como
simples consequência de dificuldades de aprendizagem ou ainda como expressão
objetiva da falta de conhecimentos e de competências. Contudo, a discussão so-
bre o tema passa, segundo o autor, pela compreensão de como a escola percebe a
manifestação das diferenças. Essa instituição se organiza e se constitui a partir de
determinados interesses que são conflitantes diante da aceitação do diferente. Em
uma sociedade escolarizada a valorização do conhecimento científico coloca-se
hierarquicamente como superior às outras formas de saber. Desse modo, classi-
ficam-se e validam-se determinadas categorias de conhecimento que excluem e
rejeitam outras formas de expressão, ou seja, aquilo que destoa das prescrições e
modelos de cognição humana.
É necessário considerarmos que todos os indivíduos, independentemente
de fazerem parte de um mesmo contexto sociocultural, revelam características
de compreensão e ação sobre o mundo de modo diferente e singular. Devemos
considerar a existência das especificidades de cada um como um processo natural
do ser humano, pois todos somos diferentes e essa diferença existe em todas as
sociedades.
O surgimento da educação escolar, segundo Perrenoud, ampliou a “visibi-
lidade das desigualdades culturais”, que passaram a serem vistas não mais como
um processo natural, mas como um desvio das prescrições dominantes.
Para que a escola reconheça as diferenças como naturais, é preciso reconhe-
cer que algumas desigualdades são oriundas de ambientes extraescolares, de ex-
periências vivenciadas pelo aluno fora da escola, próprias de sua condição étnica,
política e de outros domínios que marcam a visão de mundo desse educando.
Considerar a desigualdade como um “problema” acaba por determinar o
fracasso escolar, na medida em que influencia a relação pedagógica entre educan-
do e escola, embora essa mesma relação já tenha sido negada a ele pelo simples
fato de não se adequar ao preestabelecido.
De acordo com Perrenoud (2000), o fracasso escolar somente existe porque
insere-se em uma instituição, a escola, que julga, classifica e tem o poder de de-
clarar o fracasso do aluno apenas porque não se adequou ao sistema da instituição
ou não aprendeu pelos métodos convencionais.
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Como se vê, a questão do desempenho escolar está sempre relacionada ao


que a escola espera e exige do aluno, refletindo no currículo uma hierarquia de
valores onde determinadas habilidades e conteúdos são validados em detrimento
de outros. É preciso, portanto, que a escola conheça o aluno nas suas condições
concretas e que esse conhecimento resulte em práticas pedagógicas mais coeren-
tes com a realidade da comunidade que se serve dela.
Enquanto a escola se intitular única detentora de saberes válidos, depre-
ciando o repertório sociocultural dos alunos, o mito da carência cultural ainda
predominará na explicação do fracasso escolar.

Diversidade como um desafio da escola


Como já vimos, é natural que sejamos diferentes. São as diferenças que permi-
tem a relação de completude entre os indivíduos e impulsionam a humanidade ao de-
senvolvimento. Contudo, a diferença pode se transformar em desigualdade na medida
em que “as singularidades dos sujeitos ou grupos permitem que alcancem determina-
dos objetivos na escola e fora dela de maneira desigual” (SACRISTAN, 2002, p. 13).
Mesmo compreendendo que os alunos não

Inmagine.
são culpados, ou, os únicos responsáveis pelo
próprio desempenho escolar, alguns educadores
costumam afirmar que pouco ou quase nada po-
dem fazer para a superação do fracasso escolar,
pois se consideram despreparados e desmotiva-
dos. Supõe-se que cabe aos especialistas (psicó-
logos, neurologistas, fonoaudiólogos, psicopedagogos etc.) resolver o problema do
aluno, que após a mágica solução estaria pronto para aprender novamente.
A superação do fracasso escolar passa efetivamente pela educação inclusiva,
por uma pedagogia que acolha as diferenças, resguardando o comum sem desres-
peitar a singularidade. A esse desafio referem-se muitas indagações dos educadores
que se encontram perdidos em torno de como atender a diversidade. Questionam,
por exemplo: “Diversificar é o mesmo que individualizar o ensino?”, “Seríamos
realistas ao projetarmos uma escola capaz de assumir a diversidade em sua totali-
dade, trabalhando e atendendo individualmente as necessidades dos alunos?”
Para Sacristan (2002), atender a diversidade envolve, necessariamente, uma
ação de equilíbrio entre a comunhão de objetivos e a contemplação possível da
individualidade. Pressupõe da escola e de seus educadores uma predisposição à
flexibilidade da ação pedagógica, à convivência com as incertezas, à visão multi-
dimensional dos processos envolvidos na aprendizagem.
A educação para a diversidade é um desafio para o qual a escola não foi
originalmente preparada. Ao contrário, para atender aos apelos do mundo do tra-

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balho, a educação se estruturou em torno de conteúdos escolares fixos, compar-


timentados e homogêneos. Atualmente, já se acredita que o aluno assumiu uma
nova postura diante da educação escolar. Não se porta mais como um receptáculo
que absorve passivamente o conteúdo ensinado na escola que concorre com outras
formas de comunicação e transmissão de conhecimento, potencialmente mais se-
dutoras quanto às formas de veicular as mensagens.
Nessa perspectiva, a não aprendizagem do aluno pode ser entendida como um
sintoma por meio do qual ele denuncia um sistema escolar dominador, massificado
e insensível ao seu capital cultural interno, ou seja, aquilo que o constitui na sua
singularidade.
De acordo com Sacristan (2002), um aspecto que corrompe a ideia de pe-
dagogia para a diversidade refere-se às normas disciplinares do trabalho escolar,
pois ainda predomina a crença de que para o trabalho com a diversidade são
necessárias condições ideais e previsíveis, ou seja, os educadores pensam em tra-
balhar com a diversidade apenas em um contexto escolar dotado de excelentes
recursos materiais e humanos, com alunos perfeitos e adaptáveis. Essa ideia nos
parece no mínimo paradoxal com a própria ideia de diversidade, uma vez que,
certamente, estariam excluídos dessa condição os grupos marginalizados e des-
favorecidos. Não há pedagogia para a diversidade se somente algumas diferenças
são respeitadas enquanto outras são negadas.
Quando os educadores assumem não estar preparados para atender a diver-
sidade em sua sala de aula, isso não decorre somente pelo fato de desconhecerem
essa prática. É também resultado de um conjunto de representações, criadas his-
toricamente sobre o lugar da diferença na educação.
O reconhecimento das diferenças de aprendizagem entre alunos não é algo
novo. No início do século XX, a Psicologia já se ocupava em explicar e identificar
as diferenças entre o desempenho escolar de alunos, fornecendo contribuições
importantes à compreensão dos processos de aprendizagem. Ao mesmo tempo,
desenvolveram-se estudos e instrumentos para distinguir em graus o desempenho
cognitivo, a prontidão e as outras características da personalidade.
A educação, influenciada pelos conhecimentos da psicologia e direcionada
a preparar os indivíduos para a lógica do mundo do trabalho, estabeleceu a clas-
sificação e a diferenciação de alunos, de acordo com seu desempenho de forma a
obter maior eficácia na educação da população.
Até meados do século XX era comum haver salas de aula em que se sepa-
ravam os alunos “fortes” dos “fracos”. Ao longo do desenvolvimento do sistema
de ensino, desenvolveram-se os mecanismos cujo próprio nome já sinaliza seu
propósito: recuperação, classe especial, entre outros. O currículo, por sua vez,
foi organizado a partir de uma hierarquia de conhecimentos predeterminados,
divididos em períodos, especialidades, horas-aula etc.

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Condição da prática
pedagógica para a diversidade
Explicações para o fracasso escolar são encontradas, muitas vezes, no cam-
po das relações sociais, por exemplo, no modo como os professores veem seus
alunos e os compreendem. A relação professor-aluno não é algo objetivo, pois é
marcada por expectativas e representações de um em relação ao outro. O aluno
que não aprende frustra as expectativas do professor e a si mesmo. Do mesmo
modo, o professor que age com indiferença ou intimida seus alunos, também aca-
ba por frustrá-los.
Esse fenômeno é denominado profecia autorrealizadora e se refere à postu-
ra dos professores de depositar nos alunos baixas expectativas quanto ao desem-
penho escolar. O ato de estar contribuindo para a formação dos indivíduos é algo
altamente gratificante ao professor. Quando esse profissional percebe que suas
aulas não encaminham seus alunos à aprendizagem, sente-se fracassado e desmo-
tivado e a profecia se realiza encorajada pela ação docente e pela escola.
De forma a evitar a ideia de fracasso ou frustração pessoal, alguns professores
tornam-se adeptos da ideia de que certos alunos são “menos” capazes de aprender.
Para corroborar com essa ideia existem algumas teorias explicativas das diferenças
de desempenho escolar entre os alunos de um mesmo contexto sociocultural, como
as neurológicas, psicológicas, antropológicas etc. Tais teorias acabam validando a
justificativa de que o problema do êxito e aprendizagem escolar se dá por conta
somente do aluno.
A profecia autorrealizadora é uma consequência do modo como a sociedade
é hierarquizada e de como seus valores são difundidos. O aluno em sua relação
com a escola é guiado por esses valores e, influenciado por eles, acaba por ter de
corresponder com o esperado para a obtenção de êxito em seus estudos. Por isso,
de forma equivocada, pode acabar assumindo o papel de fracassado, ou de “aluno
problema”, ainda que esse rótulo não lhe caiba.
É comum os professores indicarem os supostos defeitos de seus alunos em
uma reunião de conselho ou, ainda, aos seus colegas de profissão, fato que contri-
bui com a manutenção da profecia. Quem nunca ouviu professores comentarem
entre si: “Cuidado com aquele aluno que senta no fundo, ele não quer saber de
aprender!”. Ou então: “Fulano é comportado em sala de aula, mas não vai muito
longe. Tem muita dificuldade em aprender!”. Essas ideias preconcebidas sobre
os alunos tendem a se solidificar e se perpetuar ao longo dos anos em que eles
permanecem na escola, fazendo com que aquele que sempre foi mal visto tenha
poucas oportunidades de desenvolvimento. Por outro lado, o aluno que sempre
recebeu elogios dificilmente deixará de recebê-los, ainda que assuma uma postura
diferente e que, por algum motivo, perca a vontade de aprender.
É fundamental que os educadores reflitam sobre suas profecias de modo a
despir-se de ideias preconceituosas que mobilizem o aluno para o fracasso. Isso é
possível por meio de atitudes de encorajamento da autoestima, do reconhecimento
e da legitimação da aprendizagem do aluno.
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Diversidade e competência docente


Philippe Perrenoud (2000), ao discutir os objetivos na formação profissional
do professor, define 10 competências para ensinar.

“Dez competências para ensinar”


1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem.
2. Administrar a progressão das aprendizagens.
3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.
4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho.
5. Trabalhar em equipe.
6. Participar da administração escolar.
7. Informar e envolver os pais.
8. Utilizar novas tecnologias.
9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão.
10. Administrar a própria formação.

Embora todas sejam fundamentais à ação docente, detalharemos a terceira,


que mais se aproxima da discussão apresentada nesta aula.

“Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação.”

Essa competência consiste propriamente em:


administrar a heterogeneidade no âmbito de uma turma;
abrir, ampliar a gestão da classe para um espaço mais vasto;
fornecer apoio integrado, trabalhar com alunos portadores de grandes
dificuldades;
desenvolver a cooperação entre os alunos e certas formas simples de
ensino mútuo.
O atendimento à diversidade
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remete-se diretamente ao modo como


a situação de ensino se organiza. Esse
é um desafio a ser trabalhado pelos
professores, não somente porque os
alunos aprendem de formas diferentes
e possuem diferentes necessidades,
mas para que todos possam participar
de situações variadas de ensino.

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Como atingir os objetivos da pedagogia da diversidade


Há diversos meios para alcançar os objetivos de aprendizagem. Abaixo es-
tão listadas algumas formas de facilitar o processo:

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O professor pode utilizar es-
tratégias metodológicas diver-
sificadas, porém essa diversi-
ficação deve estar amparada
em uma concepção pedagógi-
ca que reconheça no aluno a
construção da aprendizagem.
Ter como princípio básico que
os alunos não aprendem so-
mente com o professor. Desse modo, é necessário desenvolver estratégias de
aprendizagem cooperativa como recurso fundamental ao desenvolvimento
pessoal e cognitivo dos alunos. Entende-se por aprendizagem cooperativa o
processo educacional em que os alunos interagem de maneira solidária, atuan-
do como parceiros entre si e entre o professor com a finalidade de aprender.
Possibilitar aos alunos a realização de atividades que possuam diferentes
graus de complexidade e que permitam diferentes possibilidades de exe-
cução. Por exemplo, pode-se propor várias formas de abordar um mesmo
conteúdo de ensino; ou abordar diferentes conteúdos em uma mesma ati-
vidade de modo que a articulação entre os conhecimentos seja efetivada.
Ter como princípio que os alunos possuem interesses diversos, de for-
ma a lhes garantir a possibilidade de escolher qual a melhor maneira de
realizar as atividades propostas. Essa forma de organização permite o
acolhimento das diferenças individuais e o autoconhecimento dos alunos
enquanto aprendizes.
Fornecer oportunidades para que os alunos pratiquem e apliquem o que
aprenderam.
Utilizar recursos materiais diversificados de modo a possibilitar diferen-
tes atividades e abordagens de um mesmo tema ou assunto.
Diversificar as formas de agrupamento em sala de aula. As situações hete-
rogêneas são enriquecedoras. É importante assegurar que aqueles alunos
que possuem maiores dificuldades em relação a determinadas tarefas pos-
sam se integrar a grupos que correspondam melhor às suas necessidades.
Realizar avaliação coerente com o princípio de uma educação para a
diversidade, avaliação que deve se adaptar aos diferentes estilos, capa-
cidades e possibilidades de expressão dos alunos. O processo avaliativo
deve ser contínuo e formativo.
Organizar o espaço da sala de aula de modo a permitir a integração, a
convivência, facilitando a autonomia e a mobilidade dos alunos. Aqueles

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com dificuldades poderão ocupar espaços em que possuam um acesso


maior à informação podendo se comunicar e se relacionar com os cole-
gas e o professor.
Organizar os tempos levando em conta as atividades, como também as
necessidades de apoio individualizado dos alunos.
Criar um clima de respeito e valorização entre os alunos, estimulando a
comunicação, integração e coesão do grupo.
A essa altura, você já deve estar se perguntando sobre a viabilidade prática
dessas ações, considerando as dificuldades enfrentadas na ação pedagógica e no
sistema educacional como um todo.
Uma questão que se impõe: de um lado, temos o ensino homogeneizado
que, excluindo o aluno que não aprende pelas vias impostas, leva-o ao fracasso
escolar. Do outro, está a constatação de que o ensino totalmente particularizado e
individualizado não é nem viável e nem possível.
De acordo com Sacristan (2002), o ensino se coloca diante da tensão entre a
necessidade de atender às diferenças individuais e assegurar um corpo de conhe-
cimentos e metodologias comuns a todos, tornando difícil um equilíbrio entre o
desejável e o possível em educação. Para esse autor, uma instituição nunca pode
estar radicalmente direcionada para o ensino individualizado, tampouco ignorar
que os alunos aprendem de maneiras diferentes.

Homogeneizar ou diferenciar?
Destacamos abaixo alguns aspectos para a compreensão e superação da
dicotomia homogeneização versus diferenciação, no âmbito da educação escolar.
É importante que o currículo da escola seja favorável às diferenças. Quan-
to à sua elaboração, o que será ensinado ou validado deve considerar a
distinção entre aquilo que essencialmente deve fazer parte do currículo
comum, abrindo-se para a flexibilização das ações e dos conteúdos de
ensino. O currículo escolar, tal como se encontra organizado – segmenta-
do em conteúdos, horas-aula e disciplinas inflexíveis – não favorece uma
aprendizagem por outras vias.
Embora o professor acredite na diversidade, inevitavelmente terá de tra-
balhar suas próprias expectativas quanto aos avanços da aprendizagem
de seus alunos. Deve ter em mente que essas expectativas não podem
ser tão baixas a ponto de empobrecer a aprendizagem dos que atingem
facilmente os objetivos. Por isso, deverá desenvolver a aprendizagem
tanto daqueles que estão além, quanto aquém dos objetivos previamente
planejados pelo docente de forma que todos estejam incluídos nesse pro-
cesso e tenham consciência disso.
A diversificação depende muito das condições materiais e dos recursos pe-
dagógicos indispensáveis à estimulação e motivação para a aprendizagem.

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A ideia de dispor de itinerários formativos diferenciados requer uma re-


formulação no âmbito organizacional escolar, de modo a romper com o
engessamento do currículo, do tempo escolar, dos conteúdos e metodo-
logias.
A questão central a que devemos nos atentar como educadores é que, embo-
ra as mudanças sejam necessárias à Pedagogia para a diversidade, não podem ser
impostas por um currículo prescrito. Elas devem nascer da própria escola, com
seus objetivos, suas necessidades, seus alunos, impulsionando as transformações
no plano macroinstitucional.
Como vimos, a educação deve se guiar reflexivamente por um projeto que
acolha a diversidade de seus alunos. Contudo, para que esse projeto se efetive, há
de se flexibilizar o currículo, superar os estereótipos e preconceitos responsáveis
pelas profecias autorrealizadoras, bem como, reorganizar as práticas educativas.
Ou seja, a superação do fracasso escolar requer, antes de tudo, a intervenção sobre
o sistema educacional de uma forma ampla e significativa.

Aprendizagem como ponto-chave


para a superação do fracasso escolar

Comstock Complete.
A capacidade de ensinar e de aprender,
atributo fundamental dos seres humanos, torna
possível que os indivíduos se beneficiem com o
ensino, particularmente daquele que ocorre na
escola, tendo em vista que é uma das principais
vias para o intercâmbio de ideias, cultura e va-
lores entre os seres.
Esse processo de aprendizagem é essencial ao desenvolvimento psicológico
do homem, cabendo à escola não apenas a transmissão de um corpo de infor-
mações, mas da utilização de ferramentas, técnicas e operações intelectuais que
facilitam as interações sociais. Quando buscamos entender o motivo pelo qual a
aprendizagem muitas vezes não ocorre, a prática do ensino exige que considere-
mos as circunstâncias de aprendizagem dos alunos.
De acordo com as ideias de Vygotsky, a educação (que inclui o processo
ensino-aprendizagem) destina-se a desenvolver a personalidade, criando condi-
ções para a descoberta e manifestação dos potenciais criativos dos alunos. Ainda,
segundo a concepção citada, o processo de ensino deve se colocar de forma pros-
pectiva em relação à aprendizagem, pois ensinar é uma ação intencional e delibe-
rada e não deve, portanto, furtar-se em impulsionar o desenvolvimento. Deve aliar
a competência técnico-pedagógica ao compromisso político com a transformação
da realidade social.
A educação pressupõe o conhecimento do aluno no seu aspecto concreto,
porém não deve se limitar ao conhecimento do que ele é, mas do que pode vir a
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ser. A qualidade do trabalho pedagógico se encontra associada à capacidade do


ensino em promover o desenvolvimento do aluno. A partir disso, Vygotsky intro-
duz o conceito de zona de desenvolvimento proximal que se refere ao espaço entre
as conquistas já alcançadas pelo aluno – aquilo que ele já sabe e é capaz de reali-
zar sozinho – e aquelas que para se efetivar dependem da participação de sujeitos
mais capazes – aquilo que o aluno tem a competência de saber ou de desempenhar
somente com a colaboração de outros sujeitos.
Há uma tendência da escola em valorizar somente o nível de desenvolvi-
mento real dos alunos, ou seja, o de suas conquistas já alcançadas sem ajuda, ou
ainda, aquilo que ele já desenvolveu. Uma expressão clássica dessa valorização é
a prioridade que a escola dá às atividades que ocorrem de forma individualizada,
em detrimento da interação social. Normalmente, tende-se a considerar mais váli-
das as avaliações individuais do que aquelas realizadas com grupos de alunos.
É comum a avaliação da aprendizagem levar em consideração apenas o
resultado final do processo, ou seja, as respostas dadas pelos alunos, sem se pre-
ocupar sobre como eles chegaram às respostas. Para Vygotsky, as experiências
de aprendizagem compartilhadas (realizadas coletivamente) atuam na zona de
desenvolvimento proximal, permitindo que as funções ainda não consolidadas
venham a amadurecer. Essa zona de desenvolvimento é responsável por todas as
atividades que o indivíduo ainda não realiza de modo independente, mas, assim o
fará com a ajuda de um grupo ou de uma pessoa. A tendência de nosso desenvol-
vimento é a de nos tornarmos independentes para realizarmos nossas atividades
por meio do uso de nossas habilidades já desenvolvidas. Porém, até conquistarmos
essa forma de independência, continuamos nosso desenvolvimento com ajuda dos
nossos parceiros, sejam eles professores ou colegas de classe.
Avançando nossa discussão em torno do papel prospectivo da educação para
a aprendizagem, consideremos então o caso do aluno que, mesmo participando das
interações sociais e de seus desafios, ainda apresenta dificuldades em aprender.
Para Vygotsky, as funções psicológicas possuem uma base orgânica e cultu-
ral. Do ponto de vista orgânico, as funções psicológicas têm no cérebro um sistema
aberto e de grande plasticidade (flexibilidade) com capacidade de se modificar por
interferência das relações socioculturais, ou seja, nosso aparato cerebral ajusta-se
aos desafios do contexto social e cultural no qual estamos inseridos.
Essa flexibilidade do funcionamento cerebral permite que um processo sen-
sorial prejudicado seja substituído por uma operação puramente intelectual. Por
exemplo: uma criança que apresenta dificuldades de percepção auditiva pode, não
somente, ser estimulada a discriminar os fonemas e seus significados por outros
meios que não o da audição, mas também ser desafiada a essa compreensão a
partir de aprendizagens que façam sentido conjuntamente com outras habilidades
psicológicas fundamentais à apreensão do mundo, como a atenção, a memória, o
raciocínio lógico etc. Isso facilitaria a apropriação do conhecimento mediante a
mobilização de várias funções cognitivas.
Diante do exposto, a aprendizagem é um processo cujo objetivo final só pode
ser alcançado se consideramos o educando em sua amplitude, buscando abarcar
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todas as influências, externas e internas. Somado a isso, cabe ao professor a cons-


ciência de que o desenvolvimento desse educando se dá primordialmente na escola,
motivo pelo qual foi conferido a essa instituição o papel de impulsionar o desenvol-
vimento humano. As limitações próprias da natureza de cada aluno muitas vezes
acabam por privá-los do direito de acesso aos bens culturais da sociedade de sua
época. A escola não deve se eximir de garantir esse direito aos alunos, pois poten-
cialmente é essa razão de existir, a função educativa.
A escola traz a possibilidade de desenvolvimento integral do indivíduo, in-
dependentemente de suas limitações, particularidades e dificuldades, tal como
prevê a pedagogia para a diversidade.

1. Entendendo que diversificar o ensino não é a mesma coisa que individualizá-lo, discuta com seu
grupo e responda:
a) De que modo a prática pedagógica pode se realizar, respeitando e potencializando as diferen-
tes características e necessidades dos alunos?

b) De acordo com a perspectiva de Vygotsky, de que modo a ação educativa pode visar à supe-
ração do fracasso escolar?

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2. Leia atentamente o texto a seguir e, depois, desenvolva as atividades sugeridas.

A história de Ricardo
Ricardo é um garoto de 9 anos que, embora leve uma

Inmagine.
vida simples, nunca lhe faltou sustento. Mora numa fave-
la próxima à escola em que estuda. O seu sustento vem
do trabalho de seu pai como pedreiro e de sua mãe como
empregada doméstica. Na escola, Ricardo não consegue
obter êxitos, especialmente por conta de sua dificuldade
com a escrita e por isso já foi reprovado.
Assim como outros alunos que apresentam dificul-
dades, Ricardo recebe tratamento diferenciado na sala de
aula: é praticamente ignorado enquanto outras crianças usufruem da atenção da professora que
sempre os questiona se estão com dúvida ou dificuldade.
Ricardo fica disperso na aula. Segundo sua professora, ele não conseguirá acompanhar o
ensino, pois já está bastante atrasado em relação aos demais.
A coordenadora pedagógica da escola acredita que o fracasso de Ricardo é consequência da
falta de cultura dos pais que são praticamente analfabetos. Eles reconhecem que seu filho está
desinteressando quanto à escola, mas não sabem explicar por que isso ocorre. A mãe suspeita que
o menino seja preguiçoso e que a escola deveria lhe exigir mais.
Para Ricardo, o cotidiano da escola é uma desagradável rotina. Não vê motivação nas tarefas
e se sente incapaz de aprender, já que frustra constantemente as expectativas dos pais e da escola.
Ricardo representa um exemplo bastante comum de fracasso escolar. Muito embora não apre-
sente antecedentes traumáticos ou problemas cognitivos, não consegue satisfazer as exigências
do ensino.

Tendo em vista o que você estudou sobre a questão do fracasso escolar, discuta com seu grupo
o caso de Ricardo procurando responder a questão:
Que relação pode-se estabelecer entre a profecia autorrealizadora e a problemática vivenciada
por Ricardo?

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Fracasso escolar: a dimensão do ensino

Nenhum a Menos – Direção de Zang Yimou. Com Wei Minzhi, Zhang Huike, Tiam Zhend e Gao
Enman – China, 1998.
O filme se passa na antiga China comunista de Mao Tsé-Tung, numa paupérrima escola rural
chinesa. Lá, uma garota de 13 anos recebe a incumbência de substituir o professor titular da escola,
licenciado por um mês. Ela não dispõe de um livro sequer; pode gastar no máximo um giz por dia e,
ainda por cima, deve morar na sala de aula junto com seus 28 alunos. Por falta de móveis adequados,
as carteiras ganham a função de camas. A menina tem como principal obrigação evitar a evasão es-
tudantil, um problema crônico no país. A trama se inicia quando um aluno abandona os estudos e vai
para a cidade grande em busca de emprego. A pequena mestre não tem dúvida: segue no encalço do
fujão.
O filme nos ajuda a refletir sobre o fracasso escolar em sua relação com o contexto sociocultu-
ral, as influências e o sistema escolar desse contexto.
Para aqueles que desejam se aprofundar a respeito do tema desta aula, recomenda-se o livro
de Maria Helena Souza Patto, intitulado A Produção do Fracasso Escolar: história de submissão e
rebeldia, da editora T. A. Queiroz, de 1996.

1.
a) A prática pedagógica deve ser diferenciada, com a utilização de recursos e metodologias
diversificados de modo a valorizar a participação e cooperação dos alunos respeitando suas
diferentes necessidades.
b) A ação educativa deve valorizar no aluno aquilo que ele está prestes a desenvolver, portanto,
deve ser prospectiva. Além disso, deve promover a interação social e valorizar o conheci-
mento que esse aluno já conquistou por meio de suas experiências anteriores, dentro de seu
contexto sociocultural.
2. Ao longo de sua vida escolar, o jovem Ricardo demonstrou alguns indícios de que possui algu-
mas dificuldades que, no entanto, não foram devidamente levadas em consideração pelos seus
pais ou pelos seus professores. Do contrário, as dificuldades de aprendizagem de Ricardo foram
interpretadas como sinal da falta de interesse do jovem pela escola. Nesse caso, cumpre-se o
que estamos chamando de profecia autorrealizadora, aquela que faz com que o aluno acredite
no seu próprio fracasso.

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