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Saúde e Espiritualidade

Cap. 20 - Religiosidade e Saúde


RELIGIOSIDADE E SAÚDE
André Stroppa e Alexander Moreira-Almeida
Capítulo Publicado em:
Saúde e Espiritualidade: uma nova visão da medicina Mauro Ivan Salgado & Gilson
Freire (Orgs.).
Belo Horizonte: Inede, 2008. (pp.: 427-443)
INTRODUÇÃO
Durante o século XX, cientistas e intelectuais de grande influência no meio
acadêmico, principalmente na área de saúde mental, atribuíram à religiosidade um
efeito negativo para o funcionamento psicológico. Partindo basicamente de teorias e
opiniões pessoais, sem base em investigações epidemiológicas sistematizadas,
contribuíram para a disseminação da idéia de que a religiosidade teria um impacto
negativo sobre a saúde mental1,2.
Atualmente as investigações sobre a relação entre religiosidade e saúde buscam
testar e avaliar como crenças e comportamentos religiosos se relacionam ou
interferem na saúde, assim como em outros aspectos da vida do indivíduo. Do ponto
de vista clínico e epidemiológico, importa avaliar o impacto que religião,
religiosidade e espiritualidade possam ter sobre a saúde física e mental de uma
pessoa ou uma comunidade1,2,3.
A influência da religião e religiosidade sobre a saúde e, em especial, a saúde
mental, é um fenômeno resultante de vários fatores. Entre os possíveis modos pelos
quais o envolvimento religioso poderia influenciar a saúde, estão fatores como
estilo de vida, suporte social, um sistema de crenças, práticas religiosas, formas
de expressar estresse, direção e orientação espiritual2.
A ampla maioria dos estudos de boa qualidade realizados até o momento, aponta que
maiores níveis de envolvimento religioso estão associados positivamente a
indicadores de bem-estar psicológico, como satisfação com a vida, felicidade, afeto
positivo e moral elevado, melhor saúde física e mental. O nível de envolvimento
religioso tende a estar inversamente relacionado à depressão, pensamentos e
comportamentos suicidas, uso e abuso de álcool e outras drogas. Habitualmente, o
impacto positivo do envolvimento religioso na saúde mental é mais intenso entre
pessoas sob estresse ou em situações de fragilidade, como idosos, pessoas com
deficiências e doenças clínicas. Os mecanismos teóricos da conexão entre
religiosidade e saúde e as implicações clínicas desses achados serão discutidos a
frente. Atualmente, duas áreas desta conexão necessitam de maiores investigações: a
compreensão dos fatores mediadores dessa associação e a aplicação desse
conhecimento na prática clínica1,2.
Apesar da importância da religião e da espiritualidade para a população, até
recentemente esses temas não eram incluídos no currículo de profissionais de saúde
e nem tinham lugar na prática clínica. Nos últimos vinte anos, várias centenas de
artigos têm sido publicados na literatura acadêmica médica e psicológica sobre a
relação entre religião e saúde. Recentemente, foi publicado um suplemento especial
de uma revista psiquiátrica brasileira inteiramente dedicado à “Espiritualidade e
Saúde”1. Muitas escolas médicas já começam a integrar espiritualidade ao currículo.
Nos Estados Unidos, 84 entre as 126 escolas médicas oferecem cursos sobre
espiritualidade e medicina2. No Brasil, iniciativas pioneiras de oferecimento de
disciplinas sobre medicina e espiritualidade partiram das Faculdades de Medicina da
Universidade Federal do Ceará e da Universidade Federal de Minas Gerais2.
HISTÓRICO
Intelectuais e cientistas importantes do século passado previram que a
religiosidade desapareceria ou decresceria ao longo do século XX, resultando em
completo laicismo da sociedade. Porém, o que ocorreu nas últimas décadas foi um
aumento do interesse dos cientistas pela religiosidade e a manutenção de altos
percentuais de pessoas que se consideram religiosas ou espiritualizadas em suas
várias formas em todo o mundo, especialmente no continente Americano. No Brasil, o
censo de 2000 apontou que apenas 7% dos
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Cap. 20 - Religiosidade e Saúde
recenseados se declararam sem religião. Mesmo entre esses 7%, provavelmente se
incluíram pessoas com alguma expressão de espiritualidade, porém não ligada a uma
religião organizada2.
A idéia de que religião e psiquiatria sempre estiveram em conflito é senso comum.
Ainda hoje, por exemplo, muitas pessoas pensam que, na Idade Média, as doenças
mentais eram habitualmente consideradas feitiçaria ou possessão demoníaca. Esse
ponto de vista sofre sérias limitações e carece de adequado embasamento histórico.
Na “longa noite medieval”, causas naturais para transtornos mentais eram amplamente
aceitas. Vários outros mitos são tidos como verdade até hoje: a de que a idade
média foi a “idade das trevas”, quando se acreditava que a terra era plana, que os
transtornos mentais tinham apenas causas demoníacas e que o surgimento da ciência
moderna se deu a partir da negação da religiosidade/espiritualidade1,2,4.
A alegada oposição entre a iluminada medicina e a teologia obscurantista, assim
como entre o médico humanista e o religioso cruel, são mitos. Na realidade, a
história da religião e a atenção a pessoas sofrendo de doenças físicas ou mentais
têm muitos pontos em comum. Na civilização ocidental, cuidados a pessoas enfermas
surgiram dentro dos mosteiros medievais e organizações religiosas proveram alguns
dos primeiros e melhores cuidados aos portadores de sofrimento mental1,2.
Da Idade Média ao século passado, ordens religiosas criaram e mantiveram a uma
parcela dos hospitais da Europa e América. O primeiro hospital destinado aos
cuidados de enfermos mentais foi construído em Valência, na Espanha em 1409,
dirigido por religiosos. No Brasil, a grande maioria dos primeiros hospitais foi
construída e mantida por grupos religiosos. 5,6
A partir dos séculos XIX e XX, alinhados com alguns intelectuais anti-religiosos,
que consideravam a religiosidade um estado social e intelectual primitivo, alguns
médicos como Charcot e Maudsley desenvolveram críticas e tomaram como patológicas
várias experiências religiosas. Freud, ao adotar evidente postura anti-religiosa,
teve uma grande influência sobre a comunidade médica e psicológica. Em “Futuro de
uma Ilusão” propôs a influência irracional e neurótica da religiosidade sobre a
psique humana. Em 1930, escreveu que religião resultava em desvalorização da vida e
distorção da visão do mundo real, pressupondo uma subestimação da inteligência.
Embora alguns psiquiatras tivessem uma visão positiva da religiosidade, como Carl
Gustav Jung, a postura negativa era predominante2,5.
Mesmo no final dos anos 1980, o psicólogo Albert Ellis, fundador da Terapia
Racional Emotiva, que teve uma grande influência sobre a Terapia Cognitiva,
apontava a religiosidade como equivalente ao pensamento irracional e ao distúrbio
emocional. Defendia que a solução adequada para problemas emocionais era tornar- se
não religioso, pois quanto menos religiosas as pessoas fossem, mais emocionalmente
saudáveis elas seriam. No entanto, essas enfáticas declarações acerca da
espiritualidade e religiosidade em saúde mental não eram baseadas em estudos bem
controlados, mas somente em experiência clínica e opinião pessoal2.
Alguns autores defendem que a existênica de um “abismo religioso” entre
profissionais de saúde mental e seus pacientes pode ter contribuído para essa
atitude negativa em relação à religiosidade. Psiquiatras e psicólogos tendem a ser
menos religiosos que a população em geral. Além disso, profissionais de saúde não
recebem treinamento adequado para lidar com questões religiosas na prática clínica.
Por esse motivo, têm maiores dificuldades em entender pacientes com comportamentos
e crenças religiosas2.
Somente nas últimas duas décadas, pesquisas científicas rigorosas têm sido
realizadas e publicadas em grande número nas literaturas médica e psicológica. Tais
pesquisas têm conduzido a uma série de estudos voltados para a investigação da
relação entre envolvimento religioso e saúde no adulto, vivendo em comunidade ou
hospitalizado por doenças. Desde então, a maioria dos estudos bem conduzidos tem
apresentado uma associação positiva entre saúde e envolvimento religioso. Há uma
tendência favorecendo à reaproximação de religião e psiquiatria em socorro a
profissionais de saúde mental, desenvolvendo habilidades para compreensão de
fatores religiosos que influenciam a saúde física e psíquica. David B. Larson,
Jeffrey S. Levin e Harold G. Koenig são alguns dos pioneiros que abriram uma nova
etapa para a investigação científica a respeito de religiosidade e saúde. Harold G.
Koenig e colaboradores, em seu Handbook of Religion and Health, examinaram os
achados de mais de 1200 pesquisas realizadas no último século a respeito da relação
entre religião e saúde 1,2,5.
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Cap. 20 - Religiosidade e Saúde
RELIGIÃO, RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE
As definições dos termos “religião”, “religiosidade” e “espiritualidade” têm gerado
debates e divergências. Já no início do século XX, foram identificadas dezenas de
definições diferentes de religião. Nesse capítulo, utilizaremos as definições dadas
por Koenig e colaboradores 5 e Hufford7.
Segundo Koenig et al, espiritualidade é uma busca pessoal pela compreensão das
questões últimas acerca da vida, do seu significado, e da relação com o sagrado e o
transcendente, podendo ou não conduzir ou originar rituais religiosos e formação de
comunidades5. Preocupado com os possíveis problemas gerados por definições muito
vagas de espiritualidade, Hufford busca uma definição mais objetiva e ligada à
origem etimológica da palavra espiritualidade, a noção de espírito. Segundo ele,
“espiritualidade se refere ao domínio do espírito”, ou seja, à dimensão não
material, extrafísica da existência que pode ser expressa por termos como: “Deus ou
deuses, almas, anjos e demônios”. Habitualmente se refere a “algo invisível e
intangível que é a essência da pessoa” 7.
Para Koenig et al, religião é um sistema organizado de crenças, práticas, rituais e
símbolos destinados a facilitar a proximidade com o sagrado e o transcendente
(Deus, força superior ou verdade absoluta)5. Segundo Hufford, Religião “é o aspecto
institucional da espiritualidade”, “religiões são instituições organizadas em torno
da idéia de espírito”20. O termo religião aqui usado refere-se ao Cristianismo,
Judaísmo, Islamismo, Hinduismo, Budismo e outras tradições religiosas com suas
diversas vertentes. Religiosidade diz respeito ao nível de envolvimento religioso e
o reflexo desse envolvimento na vida da pessoa, o quanto isso influencia seu
cotidiano, seus hábitos e sua relação com o mundo5.
A religiosidade de uma pessoa, de acordo com Gordon Allport, pode ser intrínseca ou
extrínseca. Na religiosidade intrínseca, as pessoas têm na religião seu bem maior.
Outras necessidades são vistas como de menor importância, e, na medida do possível,
são colocadas em harmonia com sua orientação e crença religiosa. Na religiosidade
extrínseca, a religião é um meio utilizado para obter outros fins ou interesses,
para proporcionar segurança e consolo, sociabilidade e distração, status e auto-
absolvição. Nesse caso, abraçar uma crença é uma forma de apoio ou obtenção de
necessidades mais primárias. A orientação intrínseca está habitualmente associada à
personalidade e estado mental saudáveis2,5 .
RELIGIOSIDADE E COPING
Coping tem um papel central na relação entre religiosidade, espiritualidade e
saúde. A palavra não possui uma tradução exata para a língua portuguesa. Alguns
estudos traduzem coping como enfrentamento, o que não reflete a complexidade do seu
significado. Coping pode ser melhor definido como o conjunto de estratégias
utilizadas por uma pessoa para se adaptar a circunstâncias de vida adversas ou
estressantes. Na perspectiva da Psicologia da Religião, Pargament define coping
como “uma busca por significado em tempos de estresse”, “um processo através do
qual os indivíduos procuram entender e lidar com as demandas significantes de suas
vidas”8
A tradição religiosa ocidental dá ênfase a uma relação pessoal com Deus e com o
próximo. Essas relações podem ter importantes conseqüências sobre a saúde mental,
especialmente com respeito ao enfrentamento de circunstâncias difíceis de vida que
acompanham a doença e suas limitações. Crenças e práticas religiosas podem reduzir
a sensação de desamparo e perda do controle que acompanham doenças físicas. A
percepção de uma relação com Deus pode oferecer uma visão de mundo que proporciona
socorro e sentido ao sofrimento e à doença. Pessoas enfermas podem colocar suas
habilidades a serviço da comunidade proporcionando-lhes um sentido para a vida2.
A religião oferece uma variedade de métodos ou estratégias de coping, que,
contrariando o estereótipo de que seriam meramente defensivos, passivos, focados na
emoção ou formas de negação, se mostram cobrindo toda uma série de comportamentos,
emoções, cognições e relações. Pargament e colaboradores elaboraram uma escala de
coping religioso e espiritual para avaliar esse aspecto. Deste modo, em relação aos
resultados, os estilos de coping religioso e espiritual podem ser classificados em
positivos e negativos. Evidências apontam um uso consideravelmente maior de coping
religioso positivo do que negativo para diferentes amostras sob diferentes
situações estressantes de vida. Estratégias de coping positivo estiveram associadas
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Cap. 20 - Religiosidade e Saúde
com melhor saúde mental (menos depressão e melhor qualidade de vida); a maioria das
estratégias de coping negativo estiveram associadas com pior saúde mental e física.
Exemplos de coping positivo e negativo são apresentados na tabela 1:
Tabela 1
Estratégias de Coping Religioso Espiritual
Coping Positivo
Reavaliação religiosa benevolente
Coping religioso de colaboração Foco religioso
Ajuda através da religião Apoio espiritual
Apoio de membros da instituição religiosa
Perdão religioso
Conexão espiritual
Coping Negativo
Reavaliação de Deus como Punitivo
Exemplos
“Tentei encontrar um ensinamento de Deus no que aconteceu.”
“Senti que Deus estava atuando junto comigo”.
“Fiz o melhor que pude e entreguei a situação a Deus”
“Avaliei meus atos, pensamentos e sentimentos tentando melhorá-los segundo os
ensinamentos religiosos”.
“Pensei sobre como minha vida é parte de uma força espiritual maior” “Pedi a Deus
que me ajudasse a encontrar um novo propósito na vida”
“Ofereci ajuda espiritual a amigos e familiares”.
“Tentei proporcionar conforto espiritual a outras pessoas”.
“Procurei em Deus conforto e orientação”. “Procurei o amor e a proteção de Deus”.
“Me juntei a outros que tivessem a mesma fé”.
“Procurei por amor e cuidado com os membros de minha instituição religiosa”.
“Pedi a ajuda de Deus para perdoar outras pessoas”. “Busquei ajuda espiritual para
superar minhas mágoas e
ressentimentos”.
“Busquei proteção e orientação de entidades espirituais”. “Procurei realizar
tratamentos espirituais”.
Exemplos
“Fiquei imaginando se Deus tinha me abandonado”. “Culpei Deus pela minha situação”.
“Convenci-me que forças do mal atuaram para isso acontecer”. “Questionei se Deus
tem limites”.
“Não tentei lidar com a situação, apenas esperei que Deus levasse minhas
preocupações embora”.
“Questionei se Deus realmente se importava”.
“Senti que meu grupo religioso parecia estar me rejeitando”.
“Não fiz muito, apenas esperei que Deus resolvesse meus problemas para mim”.
Reavaliação demoníaca ou malévola Reavaliação dos poderes de Deus Coping
religioso por delegação
Descontentamento espiritual
Descontentamento religioso espiritual
Intervenção divina
Adaptado de Pargament e colegas (1998), Pargament e colegas (2001), Panzini (2004)
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RELIGIOSIDADE E SAÚDE MENTAL
Crenças religiosas influenciam o modo como pessoas lidam com situações de estresse,
sofrimento e problemas vitais. A religiosidade pode proporcionar à pessoa maior
aceitação, firmeza e adaptação a situações difíceis de vida, gerando paz,
autoconfiança e perdão, e uma imagem positiva de si mesmo. Por outro lado,
dependendo do tipo e uso das crenças religiosas, podem gerar culpa, dúvida,
ansiedade e depressão por aumento da autocrítica. A importância da relação entre
religiosidade e saúde mental é reconhecida teoricamente, porém profissionais de
saúde mental têm dificuldades ao lidar com a religiosidade e espiritualidade de
seus pacientes. Um treinamento adequado é necessário para integrar espiritualidade
e prática clínica. Religiões podem tanto orientar a pessoa de maneira rígida e
inflexível, desestimulando a busca de cuidados médicos, como podem ajudá-la a
integrar-se a uma comunidade e motivá-la para o tratamento2.
Bem-estar psicológico e social
De 100 estudos publicados acerca da associação entre comportamento, prática
religiosa e indicadores de bem-estar psicológico (satisfação com a vida,
felicidade, afeto positivo, auto-estima elevada), 79 estudos encontraram uma
correlação positiva e significativa entre essas variáveis. Embora as correlações
sejam modestas, elas igualam ou excedem as encontradas entre bem-estar e outras
variáveis de suporte social consideradas importantes, como estado conjugal ou
renda, que têm sido freqüentemente investigadas. Essas associações positivas entre
prática religiosa e bem-estar pessoal têm sido semelhantes em amostras de
diferentes centros de pesquisa, envolvendo uma diversidade de religiões, raças e
idades. Em sua maioria, essa associação entre religiosidade e bem-estar se mantém
mesmo após controle de possíveis variáveis de confusão como situação conjugal,
idade, gênero, nível educacional e sócio-econômico2.
Tem havido uma grande discussão sobre os vários mecanismos que ligam religiosidade
e bem-estar social. Duas questões devem ser aqui consideradas:
- A primeira é a integração social, representada pelo vínculo e suporte social
promovidos pelo envolvimento na comunidade religiosa. A participação religiosa
freqüente parece estar ligada não somente a um aumento do número de vínculos e
interações sociais, mas também a melhor qualidade dessas relações.
- Uma outra questão importante é a regulação social. Uma das funções-chave das
comunidades religiosas é estabelecer normas que regulamentam o comportamento e que
são especificadas no ensino do sagrado, reforçadas por líderes eclesiais e
sedimentadas através da interação social dentro da comunidade religiosa. Pessoas
freqüentes a serviços religiosos são menos suscetíveis a iniciar ou continuar
fumando, fazer uso considerável de álcool e drogas, quando comparado com pessoas
que freqüentam menos regularmente ou que não têm freqüência religiosa5.
Práticas religiosas como a oração pessoal, a confissão, o perdão, a liturgia, o
exorcismo e estados alterados de consciência podem ser efetivos em promover bem-
estar espiritual, estabilidade emocional, autoconhecimento, reduzir tensão e
ansiedade, influenciar o humor e modificar o comportamento, necessitando também
mais estudos a esse respeito. Sua aplicação clínica merece maiores
investigações2,5,9.
RELIGIOSIDADE E PROBLEMAS MENTAIS COMUNS
Religiosidade e Depressão
Depressão é o mais comum e tratável dos problemas mentais. Apesar de observações
clínicas há mais de um século já sugerirem uma relação entre depressão e
religiosidade, o envolvimento religioso ainda é uma variável pouco incluída em
estudos epidemiológicos de sintomas e transtornos depressivos. As pesquisas mais
recentes têm procurado investigar a relação existente entre depressão e diversos
grupos religiosos, níveis de envolvimento religioso e o quanto esse envolvimento
pode influenciar como as pessoas lidam com eventos de vida negativos1,2.
A maioria desses estudos tem apontado que o nível de envolvimento religioso está
inversamente associado ao nível de sintomas depressivos. O tamanho dessa
associação, embora modesto, é similar ao encontrado na
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relação entre depressão e gênero, uma das variáveis mais significativas nos
transtornos do humor. A associação entre religiosidade e depressão se mantém entre
as diferentes faixas etárias, gêneros ou etnias1,2.
Vários autores têm examinado os efeitos de atividades religiosas específicas sobre
a depressão. Pargament identificou elementos cognitivos e comportamentais
específicos e inversamente relacionados com a ocorrência e intensidade de sintomas
depressivos, como coping religioso colaborativo, socorro religioso e suporte
proporcionado por membros de sua comunidade religiosa. Koenig, Pargament e Nielsen
também encontraram alguns tipos de coping religioso relacionados diretamente com
depressão, como a crença em um Deus punitivo, religiosidade passiva e submissa,
insatisfação com sua religião ou com sua comunidade religiosa. Também a
interpretação das circunstâncias do estresse como evidência da ausência, castigo e
conflito com Deus. Tais formas de coping podem aumentar o estresse psicológico2,5.
Religiosidade e Abusode Substâncias
Mais de 80% dos 120 estudos publicados até 2000 relacionando religiosidade e uso e
abuso de álcool e outras drogas apresentaram uma correlação inversa entre essas
variáveis, tanto entre adolescentes quanto em adultos5.
Um estudo brasileiro envolvendo 2.287 estudantes de Campinas (SP), da mesma forma,
indicou que fatores religiosos estão fortemente associados com menor uso de drogas
durante o mês anterior à entrevista. Estudantes que não receberam educação
religiosa na infância apresentaram um maior uso de ecstasy e abuso de medicamentos,
comparados com estudantes que tiveram educação religiosa. A falta de afiliação
religiosa estava associada com abuso de cocaína e medicamentos9
Outro estudo brasileiro, envolvendo uma amostra representativa de 2.410 estudantes
de Pelotas (RS), mostrou que a ausência de práticas religiosas estava associada a
um aumento de 30% no uso de drogas, em comparação com estudantes com práticas
religiosas10.
Indivíduos freqüentes a serviços religiosos são menos suscetíveis a iniciar ou
continuar fumando, fazer uso pesado de álcool e drogas, comparado com pessoas que
freqüentam menos regularmente ou que pertencem a denominações religiosas menos
conservadoras ou a nenhuma delas2.
Além de uma maior compreensão dos mecanismos pelos quais a religiosidade está
associada a um menor uso de drogas, uma área que carece de mais investigações é
sobre o papel da religiosidade e dos tratamentos religiosos para o abuso e
dependência de substâncias11.
RELIGIOSIDADE E SUICÍDIO
Diversos estudos apontam a religião como importante fator protetor contra
pensamentos e comportamentos suicidas. Os clássicos trabalhos de Durkheim foram o
ponto de partida para os estudos sociológicos entre religião e suicídio, ao propor
um método que investigava as relações entre afiliação religiosa e taxas de suicídio
em um determinado grupo. Entratanto, a relação entre religião professada e taxas de
suicídio tem se mostrado instável e controversa ao longo do tempo12.
Koenig e cols. (2001) resumiram os principais achados ao longo de um século de
pesquisas sobre o assunto. Não conseguiram encontrar associações seguras entre
afiliações religiosas específicas e risco de suicídio. Por outro lado, um achado
consistentemente replicado foi a associação entre maior religiosidade e menor
freqüência de comportamento suicida. Muitos estudos indicam que o nível de
envolvimento religioso em uma dada área é inversamente proporcional ao número de
mortes por suicídio. Além de propiciar uma rede social de apoio, outros mecanismos
são propostos para explicar o efeito protetor do envolvimento religioso contra o
suicídio. São eles: crenças na vida após a morte, auto-estima e objetivos para a
vida, modelos de enfrentamento de crises, significado para as dificuldades da vida,
uma hierarquia social que difere da hierarquia sócio-econômica da sociedade, além
de desaprovação enfática ao suicídio5,12.
Neeleman e cols. (1997) encontraram, em 19 países ocidentais, que religiosidade
apresentou uma relação inversa com tolerância ao suicídio e taxas de suicídio. Para
os homens, a convicção religiosa dependeu principalmente de viver em ambiente
religioso, além de suas próprias crenças. Para as mulheres dependeu
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Cap. 20 - Religiosidade e Saúde
mais de suas crenças pessoais que das crenças dominantes no meio. Os mesmos autores
identificaram uma menor taxa de suicídio entre negros norte-americanos em relação a
brancos. Investigando suas causas, detectaram que o alto nível de crenças e a
importância da religião entre os negros explicaram as diferenças de modo mais
consistente que variáveis sócio-econômicas, raciais e mesmo a freqüência a grupos
religiosos. A participação religiosa pode trazer benefícios além daqueles advindos
meramente do apoio social12.
O que se sabe hoje é que não basta relacionar simplesmente as taxas de suicídio com
a religião de uma pessoa ou predominante em certa região. Mais importante que isso
é o significado e a importância que a religião tem para a vida daquela pessoa, o
que pode variar muito entre indivíduos da mesma religião. Além disso, mesmo pessoas
ou grupos pouco religiosos podem sofrer forte influência das crenças religiosas de
gerações anteriores. A cultura de nossos antepassados forma a base sobre a qual
formamos nossas atitudes e crenças frente à morte, suicídio, padrões familiares,
estilos de vida, papéis de gênero, etc.13
RELIGIOSIDADE, DOENÇAS FÍSICAS E MORTALIDADE
Religiosidade e Doença Física
Doenças graves estão freqüentemente relacionadas a comportamento e estilo de vida.
Religiosidade desestimula comportamentos e hábitos nocivos como tabagismo, uso
excessivo de álcool, consumo de drogas e comportamento sexual de risco. Estudos têm
revelado que atividades religiosas, como envolvimento em cultos ou atividades
voluntárias, estão associadas a melhor saúde física, particularmente quando ocorrem
no ambiente da comunidade. Quando atividades religiosas não modificam o curso de
doenças físicas ou prolongam a vida, elas podem melhorar a qualidade de vida e o
propósito de viver5.
Os principais artigos publicados entre os anos de 2001 e 2005 correlacionando
religião e saúde foram revisados por Weaver e Koenig. A maior parte desses estudos
confirma a conexão positiva entre envolvimento religioso e saúde física e mental,
além de bem-estar social, qualidade de vida, atitudes e comportamentos saudáveis.
Crenças religiosas influenciam também decisões médicas como indicação de
quimioterapia, “estados de não-ressucitação” e cuidados no final da vida. Alguns
estudos, em menor número, têm apontado uma associação negativa. “Religião mobiliza
alguns dos mais profundos e apaixonados sentimentos humanos, e não se constitui
surpresa o fato de influenciarem a saúde”. Por essa razão, médicos devem ter
conhecimento dos principais avanços do conhecimento nessa área 14.
Religiosidade e Mortalidade
Nas décadas de 1970 e 1980, o foco das investigações a respeito de religião e
mortalidade recaiu sobre membros de subgrupos religiosos com normas e estilos
diferentes de vida, como mórmons e adventistas. Membros dessas denominações,
principalmente aqueles ativos, apresentavam menor risco de mortalidade quando
comparados com a população geral. Comunidades rurais com predomínio de católicos e
evangélicos conservadores, nos Estados Unidos, têm taxas de mortalidade por câncer
menores que comunidades rurais com predomínio de protestantes liberais e pessoas
sem envolvimento religioso, mesmo que estatisticamente controladas por numerosas
co-variáveis. Mais recentemente, a ênfase tem sido dada ao estudo do grau de
envolvimento religioso sobre a mortalidade, enfatizando-se menos as diferenças
entre as diversas denominações religiosas. Uma revisão sistemática com meta-análise
envolvendo 42 amostras e mais de 125 mil indivíduos concluiu que um maior
envolvimento religioso foi associado com menor mortalidade15,16.
O mecanismo pelo qual o envolvimento religioso poderia influenciar a mortalidade
parece incluir aspectos de integração e regulação social e recursos psicológicos.
Muitos desses trabalhos sugerem que religiosidade e espiritualidade podem ter um
impacto significativo sobre a saúde física. Isso se faz tanto como recurso de
prevenção em pessoas saudáveis quanto de coping por pessoas enfermas18. Por outro
lado, crenças e atividades religiosas extremadas podem produzir efeitos negativos
sobre a saúde de uma pessoa, como proibição de vacinas, medicamentos, transfusões
de sangue e ênfase em casamentos endogâmicos17.
CONCLUSÃO
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Saúde e Espiritualidade
Cap. 20 - Religiosidade e Saúde
É importante que profissionais de saúde investiguem a influência da religiosidade e
espiritualidade na vida seus pacientes, e saibam lidar adequadamente com tais
sentimentos e comportamentos. Um treinamento adequado é necessário para integrar
espiritualidade e prática clínica. Profissionais de saúde devem identificar tais
aspectos em sua avaliação. Na prática clínica, quatro questões são fundamentais
para a investigação acerca do papel da religiosidade na saúde do paciente2,9:
 O paciente tem alguma forma de religiosidade ou espiritualidade? Qual a
importância que o paciente atribui a estes aspectos da vida?
 O paciente usa a religião ou a espiritualidade para ajudá-lo a lidar com sua
doença ou essas são fontes de estresse?
 Pertence a uma comunidade religiosa? Caso afirmativo, esta tem sido fonte de
apoio ou de conflitos?
Tem alguma crença espiritual que possa influenciar nos cuidados médicos? Apresenta
algum conflito ou questão espiritual que o preocupa? Tem alguém com quem conversar
sobre estes tópicos? (p.ex.: um padre ou um pastor).
Uma limitação importante no momento é que a maioria desses estudos tem sido feita
com cristãos e judeus, em contexto cultural anglo-saxão. Estudos examinando
técnicas de meditação de tradição oriental e práticas religiosas islâmicas
encontraram resultados semelhantes, apesar de serem ainda em muito menor número.
Investigações adicionais em outras culturas e manifestações religiosas são
necessárias, principalmente além do eixo América do Norte – Europa1.
Estudos epidemiológicos realizados nas últimas décadas apontam de modo consistente
uma relação entre religiosidade e melhores indicadores de saúde. Esses benefícios
parecem estar relacionados a hábitos de vida, suporte social e capacidade de
coping. Em razão da vivência religiosa, pessoas estão menos expostas a situações de
agravo à saúde como uso de tabaco, álcool e outras drogas, comportamento sexual de
risco e envolvimento em situações de violência física. Também parecem compartilhar
uma vida social caracterizada por vínculos que possibilitam maior suporte em
situações de estresse e adoecimento. Pessoas religiosas freqüentemente apresentam
maior capacidade de lidar com circunstâncias adversas de vida com a utilização de
coping religioso positivo

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