A Memória

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A Memória

1. Introdução
A nossa relação com o exterior não faria sentido se não tivéssemos uma forma de registar e
relembrar os resultados das nossas interações. Criar, reter e recordar representam etapas
importantes e necessárias no processamento de informação e dizem respeito essencialmente à
memória. Estas três operações são interdependentes, pelo que o sistema de memorização só
funcionará corretamente se conseguirmos codificar, armazenar e recuperar a informação.

Com este trabalho, pretendemos aprofundar os nossos conhecimentos acerca da memória, tal
como os diferentes tipos da mesma e os fatores de esquecimento. A memória é, a par da
percepção e da aprendizagem, um dos mais importantes processos cognitivos. Inicialmente, a
mente humana era vista como um conjunto de habilidades de raciocínio e pensamento lógico.
Com o tempo, porém, compreendeu-se que a mente envolve também emoções, sentimentos e
ações, sendo, por isso, um sistema integrado que combina processos cognitivos, emocionais e
conativos em constante interação.

2. O que é a memória
Quando falamos da memória, remetemos o ser humano à sua relação com o tempo. Isto, pois, a
memória é uma das mais importantes faculdades humanas, visto que é através dela que
formamos a nossa identidade pessoal.

Pois quando falamos o que somos, no que fomos e autorizamos uma especulação minimamente
sustentada sobre o que seremos, encontramos um sentido de continuidade visto que para
respondermos a essas perguntas ligamos o passado ao presente.

Logo, o tempo é um fator crucial na memória, pois é através dele que remetemos para a memória.
Por exemplo, sejam as nossas experiências um fracasso ou um sucesso como, a beleza de uma
paisagem que vimos ou um acidente de bicicleta, estas vão informar a nossa ação no presente
fazendo nos tomar mais cuidado com certas situações como é o caso da bicicleta, ou voltarmos a
repetir sítios que gostamos anteriormente, como a paisagem que observamos, ou seja a memória
é essencial à nossa sobrevivência.

Através disso percebemos que o humano “é um animal de hábitos”, pois a memória está ligada à
aprendizagem, como referido nos exemplos anteriores e o facto de partilharmos as mesmas
representações mentais linguísticas, por exemplo, todos sabemos o que representa a palavra
“cão” mesmo que tal animal não esteja diante de nós, ou seja sabemos de memória o que as
palavras significam.

3. Formação da memória
A memória é a capacidade do ser humano registar um acontecimento que se deu no passado e
de o evocarmos posteriormente. Para que isto seja possível vai ocorrer um processo através do
qual se codifica, armazena e recupera a informação obtida.

CODIFICAÇÃO:

A codificação começa quando ocorre a chegada da informação sensorial ao nosso cérebro.


Esta consiste na tradução da informação para um código que seja mais fácil de memorizar.

A codificação pode ser feita de forma involuntária ou voluntária.

Um exemplo de uma codificação é o uso de uma mnemónica.

ARMAZENAMENTO:

Para que a informação já codificada seja conservada, para posteriormente poder ser usada,
esta vai ter que ser armazenada.

A este registo que é armazenado dá-se o nome de traço mnésico ou engrama.

Apesar de tudo aquilo que já sabemos a questão que é feita é: onde as memórias ficam
guardadas?

RECUPERAÇÃO:

Este processo é muito importante pois é este que determina a eficácia dos dois processos
anteriores. Só é possível recordar algo se a codificação e o armazenamento do mesmo ter sido
feito de forma correta.

No nosso dia a dia é muito comum utilizarmos as seguintes expressões: “ recordo-me que…”
ou “ lembro-me de…”, através dessas expressões é possível identificar que o sujeito está a
relembrar de uma informação que já foi codificada, ou seja, está a trazer essa informação à
consciência e a descodificar a mesma.

● Existem dois métodos para se recuperar a informação codificada:

MÉTODOS:

- Recordação: O próprio indivíduo aplica aquilo que já havia aprendido.


- Reconhecimento: Dá-se, por exemplo, ao sujeito várias alternativas e este terá que
identificar entre elas a verdadeira. Ou seja, recordamos aquilo que já havíamos aprendido.

4. Tipos de memória
De acordo com uma das teorias mais consensuais na Psicologia, existem três tipos de memória:

- Memória sensorial;
- Memória a curto prazo;
- Memória a longo prazo.

O critério a que obedece essa distinção é conjuntamente o da função e o da duração de cada um


dos tipos de memória.

A memória sensorial é um registo momentâneo, de frações de segundo, de estímulos dos


sentidos: a imagem de um degrau debaixo dos nossos pés enquanto caminhamos, o som na
fechadura da porta de entrada de casa, o toque no botão do volume do comando de televisão. A
memória sensorial é o primeiro armazém da informação que chega dos nossos órgãos recetores:
ouvidos, nariz, pele, etc.

Existem vários tipos de memórias sensoriais:

- Memória icónica que regista informação através da visão;


- Memória ecoica que retém a informação proveniente dos ouvidos;

Mas, se nada for feito para preservar o que foi aprendido, essa informação pode se perder
definitivamente. Assim, de que depende a sua manutenção? Sobretudo da atenção.
Quando focamos a nossa atenção em algo específico, conseguimos que essa informação passe
da memória sensorial para a memória de curto prazo. Por isso, muitas vezes
surpreendemo-nos ao perceber detalhes em coisas que já vimos ou ouvimos várias vezes, mas
que nunca realmente notamos, por não termos prestado a devida atenção.

A passagem de uma memória sensorial para uma memória curto prazo, depende da nossa
atenção prestada à mesma.

A memória a curto prazo é um armazém no qual a informação é guardada apenas enquanto é


útil. Quando deixa de o ser, é esquecida, mas não completamente, já que alguma informação
passa para a memória a longo prazo, como veremos a seguir.

É semelhante ao que acontece com uma agenda: vamos passando de tarefa em tarefa até o fim
do dia. Após isso, as informações são descartadas, pois não são mais relevantes para o dia
seguinte. Como essa informação vem da atenção, é nesse momento que ela ganha significado
pela primeira vez. Para que a informação se mantenha, a codificação é essencial.

George Miller, foi um psicólogo, que realizou uma experiência em que descobriu que a
capacidade da memória de curto prazo é limitada. Ele observou que, em média, as pessoas
conseguem reter cerca de sete itens (mais ou menos dois) na memória de curto prazo, o que
ficou conhecido como o "número mágico 7 ± 2". Isso significa que, ao tentar lembrar listas de
números, letras ou palavras, normalmente conseguimos recordar de cinco a nove elementos
antes de começarmos a esquecer. A experiência de Miller mostrou que a memória de curto prazo
possui uma capacidade limitada, ajudando a entender como organizamos e processamos
informações rapidamente.

Sabemos, no entanto, que nem todas as nossas memórias de curto prazo se apagam. Podemos
não conseguir hoje repetir a façanha de obter 18 ou 19 valores num determinado teste de
avaliação que fizemos há anos, porque o que decoramos para o fazer, entretanto, já esquecemos.
Mas alguma coisa ficou e continua connosco. Concluída a tarefa, essas memórias que ficaram, e
que eram de trabalho, sofreram uma espécie de metamorfose. Passaram para a memória a longo
prazo. Então, de que depende essa passagem?

A repetição pode ajudar a manter a informação na memória de curto prazo, mas não é suficiente
para uma memorização eficaz. Muitas vezes, estudamos para um teste repetindo o conteúdo,
mas, após esse teste, grande parte dessa informação perde-se. É necessário o que chamamos
de recapitulação elaborada, que envolve conectar novas memórias a memórias anteriores,
relacionando-as a estruturas existentes ou a imagens que já conhecemos bem.
Um exemplo prático de recapitulação elaborada ao estudar frações é associar o conceito a uma
situação do dia a dia, como dividir uma pizza. Por exemplo, se pedi-mos uma pizza cortada em 8
pedaços, cada fatia representa 1/8 da pizza. Ao fazer essa conexão com uma experiência familiar,
fica mais fácil entender e lembrar o que são frações e como é que elas funcionam na prática.

A memória a longo prazo, é o último armazém da memória. Desconhece-se a qual a sua


capacidade, mas sabe-se ser de um vastidão imensa, até porque a informação é registada em
redes semânticas (ou de significado) em que várias ideias se associam para formar um único
conceito. A memória a longo prazo é um sistema imensamente complexo. Sendo assim,
subdivide-se em: memória declarativa e memória não declarativa.

Memória não declarativa

Também conhecida como memória procedimental ou memória do saber-fazer, é uma memória


automática. Como a expressão indica, não há necessidade de explicação verbal durante a sua
execução. Trata-se de um comportamento automático, sem palavras. Isso é semelhante ao que
ocorre ao nível de um saber-fazer, ou seja, em habilidades mais práticas, como andar de bicicleta
ou amarrar os sapatos.

Por exemplo, podemos pedalar enquanto conversamos, assim como conduzir, que envolve
lembrarmo-nos de coisas como acelerar, usar o pisca ou girar o volante. O facto de fazermos tudo
isso de forma rápida e quase automática não significa que não estamos a usar memórias. Na
verdade, precisamos de ter aprendido essas habilidades antes, como quando aprendemos a
andar de bicicleta ou a dirigir.

Memória declarativa

Também conhecida como memória explícita ou memória com registo, é uma memória que implica
o discurso verbal ao contrário da anterior.

Responder a um teste é, por exemplo, declarar o que se sabe. Regista-se na folha de respostas o
que conhecemos, porque, de algum modo, o memorizamos. Esta é uma memória que exige estar
consciente ao ser utilizada, pois temos uma noção clara e focada, do que estamos a recordar.
Não está ligada ao saber-fazer, mas sim ao conhecimento em si: factos, pessoas e
acontecimentos.

Aqui distinguem-se 2 tipos de memórias declarativas: as memórias semânticas, e as memórias


episódicas.
A memória semântica acolhe muito do que aprendemos na escola e ainda sabemos como,
por exemplo, datas históricas ou fórmulas matemáticas. A localização no tempo das nossas
memórias semânticas é inexistente. O que ainda sabemos do que aprendemos, sabemo-lo
apenas, sem conseguir evocar a situação na qual o aprendemos com os pormenores que as
caracterizam. Somar ou dividir são operações que fazemos praticamente todos os dias, sem nos
recordarmos do momento em que aprendemos como as fazer. Se o conseguirmos fazer,
pormenorizadamente e completamente, parecendo-nos até ouvir o professor a explicá-lo, então já
estamos a entrar no território das memórias episódicas.

A memória episódica, também conhecida por memória autobiográfica, é onde estão


armazenados episódios das nossas vidas: situações marcantes, as nossas músicas preferidas, as
datas de aniversário das pessoas mais chegadas a nós… É uma memória pessoal, muitas vezes
ligada a emoções vividas na primeira pessoa e em que, muitas vezes, no momento em que as
recordamos, é como se fizéssemos uma viagem no tempo.

Endel Tulving- Foi um dos psicólogos que mais contribuiu para a nossa compreensão da
memória. Ele assinalou a importância deste tipo de transporte para a definição do que é ser
humano.

5. Esquecimento
O esquecimento é a incapacidade de recordar, de reconstruir ou de recuperar uma informação
memorizada.

Todos nós olhamos para o esquecimento como algo negativo, o que não é totalmente
verdade. É preciso que haja esquecimento para que a antiga informação saia da nossa memória
para que informação nova entre, ou seja, é o esquecimento que permite que o ser humano
continue a memorizar, dado que evita a acomulação de tudo o que percecionamos. ( ex: memória
sensorial)

Existem algumas razões que levam ao esquecimento:

- Perda de indícios: Consiste na inapropriação das condições de recuperação, isto é, não


temos a pista que nos leva até à memória.
- Efeito de interferências: Consiste na dificuldade de obter uma informação uma vez que há
interferência daquilo que aprendemos antes ou depois daquilo que estamos a tentar recuperar.

Existem dois tipos de interferência:

- Inibição pró- ativa: É quando algo que já foi aprendido no passado interfere pró-
ativamente numa memória recente levando ao esquecimento da mesma.

- Interferência retroativa: É quando aquilo que foi aprendido recentemente Interfere na


atualização de uma informação que foi adquirida muito tempo antes.

- Esquecimento motivado: Esta razão para o esquecimento é sustentada por Sigmund


Freud, um neurologista, o qual diz que o ser humano tem a capacidade de esquecer uma
memória quando esta é desagradável.

Neste caso o esquecimento é sinónimo de recalcamento, uma vez que estas recordações
continuam connosco , mas há uma motivação inconsciente que as impede de aceder à nossa
consciência, por isso é que não nos recordamos delas. Isto é uma maneira do nosso cérebro nos
proteger, evitando assim distúrbios psíquicos que colocam em causa a nossa saúde mental.

6. Ilusões da memória
“Na vida real, assim como em experimentos, as pessoas podem acreditar em coisas que nunca
realmente aconteceram.” - Elisabeth Loftus
Nós damos muita importância aos testemunhos, mas o grande problema é saber se o
testemunho é verdadeiro, uma vez que eu o posso inventar. Por isso é que devemos garantir se
há ou não falibilidade da memória, já que é a memória que constitui a base dos testemunhos.
Como foi estudado anteriormente foi possível concluir que existem falhas na memória e que
por vezes esta pode ser esquecida, mas quando alguém diz que se lembra de algo e até se
recorda com riqueza de pormenores, será que podemos confiar plenamente neste indivíduo?
Um exemplo verídico deste acontecimento é o Thomas Haynesworth, um homem que foi
condenado a 74 anos de prisão por crimes que nunca cometeu. Este foi condenado pelo
testemunho das vítimas que afirmaram ter 100% da certeza de ser ele o atacante.
Mais tarde, com o avanço da tecnologia, foi realizado um teste ADN o qual mostrou que na
verdade o criminoso não era ele.
7. Pecados da memória
O seguimento desta linha de investigação tem sido levado a cabo por psicólogos como
Daniel Schacter, que nos fala de sete pecados da memória. Sendo os três primeiros
designados por Daniel Schacter de “pecados de omissão”, e os restantes que são os de
recordação são designados de “pecados de comissão”.

Daniel Schacter - um renomado psicólogo e pesquisador na área da memória e cognição.


Ele é conhecido por suas contribuições significativas para o campo da psicologia,
especialmente no estudo da memória episódica e dos processos de recordação.

Os sete pecados da memória que Daniel Schacter nos introduz são divididos em 3 unidades,
os que esquecemos, as recordações que se confundem, e os que recordamos o que
desejamos esquecer.

ESQUECEMOS:

● Transitoriedade: A memória fica deteriorada com o tempo. As memórias mais


antigas tendem a ser mais facilmente esquecidas e que sempre que as recordamos,
voltando a processá-las, tendemos a fazer ligeiras alterações.
● Desatenção: Nem sempre damos suficientemente atenção ao que estamos a fazer,
como as coisas do nosso quotidiano, ex: guardar as chaves de casa depois de fechar
a porta, o cérebro acaba por não guardar essa informação.
● Bloqueio: Usamos como exemplos a síndrome “na ponta da língua”: quando
sabemos muito bem uma coisa mas não nos conseguimos lembrar dela, ocorre
muitas vezes por efeito da interferência de outras recordações.

AS RECORDAÇÕES CONFUNDEM-SE:

● Atribuição errada: Quando recuperamos corretamente uma informação, mas


atribuímos-lhe uma origem incorreta. Ex: recordamos corretamente uma determinada
conversa, mas julgamos erradamente a situação em que ocorreu.
● Sugestionabilidade: Desenvolvemos falsas memórias a partir de uma história que
nos foi contada, na resposta que damos a uma pergunta sugestiva.EX: sentir um
sintoma sobre uma doença no qual já se leu que não se tem, é evocar uma falsa
memória.
● Enviesamento retrospectivo: distorce uma recordação, deixando que ela seja
afetada pela pessoa que, entretanto, nos tornamos . Por exemplo, julgarmos que não
nos enganamos num determinado cálculo (no passado), porque aconteceu numa área
em que somos (hoje) especialistas. A percepção do passado a partir do presente
pode gerar, como gera neste caso, um desvio cognitivo.
RECORDAMOS O QUE DESEJAMOS ESQUECER:

● Persistência: Acontece quando constantemente recordamos algo que não nos


queremos recordar, por se tratar, por exemplo, de algo embaraçoso.

Schacter afirma, no entanto, que estes “pecados” não são propriamente falhas da memória.
São, sobretudo, fragilidades essenciais ao seu normal funcionamento, que é bastante
complexo e na maioria das vezes excepcionalmente eficiente. Isto pois, a memória tem de
esquecer para poder funcionar bem, e nesta seletividade permanente que tem de efetuar -
sob pena de ficar sobrecarregada- há erros.

8. Conclusão
Assim, este trabalho explorou a memória como um processo essencial para a nossa
interação com o mundo e formação pessoal. Analisamos os tipos de memória e fatores do
esquecimento, percebendo que a memorização vai além do simples armazenamento de
informações, envolvendo também emoções e intenções. Compreendemos, assim, a
memória como um processo integrado que, junto com a percepção e a aprendizagem,
enriquece a nossa experiência e orienta as nossas ações e decisões.

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