1 Carta Aos Coríntios

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1 CARTA AOS CORÍNTIOS

https://youtu.be/XVVM-AP3IB0?list=PLsDpUPJTUcXGo-fUpDSrWPyOWNUMnGNOT

Durante a segunda viagem missionária (50-52 d. C), Paulo realiza sua


missão em Tessalônica (At 17,1-9) durante um período e, após incidentes com
os judeus, o Apóstolo segue viagem para Beréia (At 17, 10-15), chega em
Atenas (At 17, 16-34) e, a seguir, em Corinto (51 d.C.), naquela época uma das
mais importantes cidades do mundo mediterrâneo.

Corinto, cidade importante, capital da província da Acaia e sede do


procônsul romano desde 27 d.C. A Acaia era uma província senatorial,
governada por um procônsul indicado pelo senado romano. Em 51-52 d. C., o
cargo era exercido por Lúcio Júnio Gálio ou Galião. Seguindo esta reflexão,
(FITZMYER, 2011, p. 1475)1, diz que o proconsulado de L. Júnio Galião na Acaia
diante de quem Paulo foi levado em Corinto (at 18,12) é o único elo entre
ministério do apóstolo e a história geral que é aceito por todos os estudiosos
ainda que seja registrado apenas por Lucas. Outra prova é a menção do
proconsulado de Galião numa inscrição grega localizada em um templo de Apolo
descoberta em Delfos em 1905 e 1910 e só publicada em 1970, tratando-se da
cópia de uma carta de Cláudio em resposta a um relatório e Galião referente ao

1
FITZMYER, Joseph A. Paulo. In Novo Comentário Bíblico S. Jerônimo, p. 1475.
2

despovoamento de Delfos. A partir desse documento é possível deduzir que


Galião era proconsul na Acaia no ano 52 d. C.

Segundo (FABRIS, 2021, 357), a Nova Corinto, refundada por Júlio César, é
uma cidade rica e movimentada, onde povos, religiões e culturas diferentes se
encontram. Nesta cidade há uma sinagoga, e presença de judeus da diáspora.
A arqueologia tem material com inscrição a qual confirma a sinagoga. Embora
seja datada de um período ´posterior, julga-se importante porque havia o
costume de edificar novas sinagogas sobre os fundamentos das antigas.

1. Corinto: localização geográfica

Corinto estava situada em um platô no extremo sul do estreito de istmo e


sustentada pelo monte Acrocorinto, de 573m de altura, Corinto controlava a rota
terrestre do Peloponeso2 ao continente grego e tinha acesso aos mares Egeu e
Adriático através de seus portos em Cencreia e Lechaeum. Desde a Antiguidade
remota, os impostos sobre o comércio das rotas Norte-Sul e Leste-Oeste lhes
deram o epiteto de cidade “rica”.3

A reputação de Corinto como cidade do pecado por excelência se baseia na


afirmação e Estrabo o qual faz analogia do nome com a licenciosidade sexual e
a devassidão moral (korinthiastés = “devasso”; koré = “prostituta”), porém a
história de Estrabo tem se mostrado totalmente desprovida de fundamento,
inclusive a referência a outros eventos da cidade. Logo, a narrativa de que havia
mil prostitutas sagradas no templo de Afrodite, pode não se confirmar porque
essa deusa tem uma posição bastante secundária no panteão de Corinto. Em
termos de moralidade sexual, Corinto não era pior do que qualquer outra cidade
portuária do Mediterrâneo.

2. Data e lugar de origem da carta

Sempre que buscamos informações sobre lugar e origem das Cartas


paulinas, valemo-nos de autores que já fizeram esse trabalho. O tempo que nos
distância do fato e a distância geográfica do lugar, são fatores que podem exigir
um pouco mais de quem se atende a aprofundar os escritos bíblicos. Sabe-se
que o mundo do entorno e as questões sociais, políticas, econômicas e
religiosas interferem na dinâmica do anúncio do Evangelho pelo apóstolo Paulo
e seus colaboradores. Muitas informações sobre as comunidades cristãs podem
ser acessadas através do livro dos Atos dos Apóstolos. Para a fundação da igreja
em serve, vale conferir At 18, 1-18. Num relato suscinto o autor do Livro dos

2
O Peloponeso é uma extensa península montanhosa no sul da Grécia, com 21 439 quilômetros
quadrados, unida ao continente pelo istmo de Corinto. Seu nome deriva de Pelopos Nisos, mas
na obra de Homero é chamada genericamente de Argos, uma cidade da região.
3
Jerome Mutphy-O’Cornnor, O. P. Primeira Carta aos Coríntios. In Novo Comentário Bíblico S.
Jerônimo, p. 453.
3

Atos fala de sua chegada, sua relação com o casal Aquila e Priscila, sendo eles
judeus com a mesma profissão, o reencontro com Silas e Timóteo, o tempo de
permanência, cerca de um ano e meio, sua intensa atividade de evangelização
no início da igreja, os conflitos e sua despedida, seguindo viagem de retorno à
Antioquia, concluindo assim a segunda viagem missionária.

Sobre o local, o próprio Paulo nos diz que a carta foi escrita na primavera
em Éfeso (1Cor 16,8), mas o ano é uma questão controvertida. As datas
sugeridas variam de 52 a 57 d.C., e a maioria opta por uma data próximo ao
meio desse período. Quando se levam em conta todas as relações complexas
de Paulo com os coríntios, a data mais provável é a primavera de 54d.C. Quanto
a autenticidade, não há discussão.

Tratativas com Corinto


Estima-se que Paulo retomou seus contatos com Corinto no fim do verão
de 53 d.C., ou bem no início da primavera de 54 d.C., quando Apolo voltou de lá
para Éfeso. Formal ou in formalmente, Apolo deu sua impressão sobre o
progresso da Igreja em Corinto. Entre outras coisas, alguns continuavam com
as práticas imorais do passado pagão e a comunidade reconhecia a situação ,
mas parecia não saber como remediá-la. Isso deixou Paulo extremamente
incomodado e imediatamente enviou uma carta, hoje perdida (1Cor 5,9), onde
dizia que deviam cortar relacionamentos com os indivíduos em questão.

Notícias sobre a situação de Corinto4

Outras notícias chegaram através do relatório dos funcionários de Cloé, uma rica
comerciante de Éfeso que tinha enviado seus escravos e homens livres ao
centro comercial de Corinto para ser a primeira a negociar os produtos trazidos
do oeste.

As notícias que os funcionários de Cloé trouxeram deixou Paulo perplexo


(1Cor 1,11-12). A comunidade estava dividia. Apolo tinha atraído os mais
intelectuais e, por causa disso, os menos instruídos se afastaram. Diante da
eloquência de Apolo, o ensinamento de Paulo centrado em Jesus crucificado, foi
tido como insuficiente. Pode-se dizer que comparando com os oradores que
atraíam seguidores pela eloquência, Paulo fazia má figura. Fala-se ainda num
grupo de Cefas, esse seria o símbolo do judeu-cristão, isso daria margem para
pensar num grupo de convertidos do judaísmo com dificuldade de se integrar na
comunidade de predominância gentílica (1Cor 12,2).
Além disso, disseram-lhe os de Cloé, os crentes não se sentiam culpados
por recorrerem a tribunais pagãos (1Cor 6,1-11); frequentavam prostitutas

4
MURPHY- O’CONNOR, J. Paulo de Tarso História de um Apóstolo. São Paulo: Loyola e Paulus, 2007, p.
176-177
4

dizendo que Paulo lhes ensinara que estavam livres de qualquer lei (1Cor 6,12-
20). Porque dizia que não havia diferença entre homens e mulheres na Igreja, a
comunidade aceitou um homem homossexual, com refinado penteado feminino,
como líder da assembleia litúrgica (1Cor 11, 2-16). Além do mais, Paulo tinha
dito: “não há mais macho nem fêmea” (Gl 3,28: a;rsen kai. qh/lu\). Os empregados
de Cloé viram ainda que na reunião eucarística havia divisão entre os que os
que tinham muito pra comer e os que não tinham nada ((1Cor 11, 17-34). O autor
ameniza um pouco essas informações dizendo que seria normal ridicularizar o
comportamento dos coríntios.
Paulo teria desejado enviar Timóteo a Corinto, mas pouco antes de partir,
eis que chega uma delegação, formada por Estéfanas, Fortunato e Acaio (1Cor
16,15-17), chegava de Corinto trazendo uma carta, na qual a Igreja de Corinto
pedia o parecer de Paulo sobre vários pontos controvertidos (1Cor 7,1). Vários
assuntos: sexualidade no casamento, comer carnes sacrificadas, aos ídolos,
hierarquia dos dons espirituais, a ressurreição dos mortos. A discussão sobre
esses assuntos prejudicava a caridade fraterna entre os partidários da
comunidade. As informações precisas de gente de dentro da comunidade deram
a Paulo a possibilidade de citar os “slogans” usados pelos diferentes grupos em
defesa de suas opiniões. Paulo já abalado com a notícia das facções, ficou
arrasado ao saber que havia mais divisões ainda, e muito mais profundas. A
situação exigia uma solução urgente. A resposta está na 1Carta aos Coríntios
como a lemos hoje.

Os motivos que levaram Paulo a escrever as cartas

A carta traz muitos elementos dado a situação complexa da comunidade.


Voltemos ao relato de (At 18,23), deixando Antioquia, Paulo viaja novamente por
terra através do norte da Galácia e Frigia até Éfeso. A capital da província da
Ásia torna-se o centro de sua atividade missionária pelos próximos três anos (At
20,31). De Éfeso escreve cartas às Igrejas fundadas por ele. A primeira Carta
aos Coríntios nasce nesse contexto. Acontece que durante este período
chegaram a Paulo relatos sobre a situação da igreja de Corinto. Segundo
Fitzmyer (p. 1487), para enfrentar a situação que envolvia dúvidas, facções,
ressentimento para com o próprio Paulo, escândalos, ele escreveu pelo menos
cinco cartas aos coríntios, das quais apenas duas sobreviveram. Uma carta
precedeu 1Cor (cf. 1Cor 5,9), advertindo os coríntios acerca da associação com
cristãos imorais (e provavelmente recomendando uma coleta para os pobres
de Jerusalém (cf. 16,1).
A carta seria o meio usado para comentar sobre relatos e responder
perguntas enviadas a ele. Escreveu pouco depois de Pentecostes. Esta carta,
não foi bem recebida, e suas relações com a igreja de Corinto, dividida em
facções, pioraram. A situação exigiu uma rápida visita a Corinto (2Cor 12, 14; 13,
1-2) “uma visita dolorosa” (2Cor 12,21), que de fato nada conseguiu. Quando
retornou a Éfeso, Paulo escreveu aos coríntios uma terceira carta, composta
5

“com muitas lágrimas” (2Cor 2,3-4.9; 7, 8.12; 10,1.9). Esta carta pode ter sido
levada por Tito, que visitou os coríntios pessoalmente numa tentativa de facilitar
as relações.

Segundo o pensamento de (FITZMYER, 2011 p. 1487), provavelmente


durante a ausência de Tito ocorreu a revolta dos ourives de Éfeso (At 19,23-
20,1). Esta experiência motivou Paulo a deixar Éfeso e ir trabalhar em Trôade
(2Cor 2,12). Não encontrando Tito ali, decidiu ir para a Macedônia (2,13).
Possivelmente encontrou Tito em Filipos e soube que tinha acontecido a
reconciliação dos coríntios com Paulo (cf. 2Cor 7,5-16). Da Macedônia, Paulo
escreveu aos coríntios sua quarta carta no outono de 57 d.C. (seria a carta A de
2Cor 1-9). Não é possível dizer se Paulo prosseguiu imediatamente para Corinto
ou se foi primeiro da Macedônia para Ilíria (cf. Rm 15,19) de onde pode ter escrito
2Cor 10-13 (Carta B). Finalmente, Paulo chegou a Corinto, em sua terceira visita,
provavelmente no inverno de 57 e permaneceu por três meses na Acaia (At 20,2-
3; cf. 1Cor 16,5-6; 2Cor 1,16).

Estrutura da 1Carta aos Coríntios

Há várias propostas de divisão da Primeira Carta aos Coríntios. Para


(GONZALEZ RUIZ, 1980, p.62), a Carta está dividida em duas grandes partes:
1ª – Capítulos 1-6: divisão e escândalos
2ª – capítulos 7-15: Solução de problemas

Para (BARBAGLIO, 1989, P. 175 ss) traz uma proposta um pouco mais
elaborada. Vejamos:
Endereço e saudação: 1 Cor 1,1-3
Agradecimento: 1 Cor 1,4-9
A cruz de Jesus: chave interpretativa da realidade cristã: 1 Cor 1,10-4,21
Igreja e mundo: 1 Cor 5-6
Casamento e celibato: 1 Cor 7
A liberdade cristã: 1 Cor 8-10
As reuniões comunitárias: 1 Cor11, 2-14,40
A esperança cristã: 1 Cor 15
Conclusão: 1 Cor 16

Um esboço da estrutura mais detalhado, facilitando a leitura e o entendimento


da 1Cor é apresentado por (MURPHY-O’CONNOR, 2011, p. 453).

Introdução: SAUDAÇÃO E AÇÃO DE GRAÇAS (1 Cor 1,1-9)


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Parte I: DIVISÕES NA COMUNIDADE (1 Cor 1,10-4,210)


A. Grupos rivais na comunidade (1, 10-17)
B. Deus tem padrões diferentes (1, 18-31)
C. O poder da pregação de Paulo (2,1-5)
D. A verdadeira sabedoria e a linguagem do amor (2,6-3,4)
E. A atitude correta em relação aos pastores (3,5-4,5)
F. Aplicação aos coríntios (4,6-13)
G. A visita de Timóteo (4, 14-21)
Parte II: A IMPORTÂNCIA DO CORPO (5,1-6,20)
A. Um caso de incesto (5,1-8)
B. Esclarecendo um mal-entendido (5,9-13)
C. Processos entre cristãos (6,1-11)
D. Promiscuidade sexual (6,12-20)
Parte III: RESPOSTAS ÀS PERGUNTAS DOS CORÍNTIOS (7,1-14,40)
A. Problemas relativos à condição social (7,1-40)
a. Relações sexuais no casamento (7,1-9)
b. Casamento e divórcio (7,10-16)
c. Mudanças na condição social (7, 17-24)
d. Mudanças de status sexual (7,25-40)

B. Problemas provenientes do ambiente pagão (8,1-11,1)


a. Alimentos oferecidos aos ídolos (8,1-13)
b. Paulo renuncia a seus direitos (9, 1-27)
c. Os perigos do excesso de confiança (10, 1-13)
d. O significado de gestos sociais (10,14-22)
e. Os escrúpulos dos fracos (10,23-11,1)

C. Problemas nas assembleias litúrgicas (11, 2-14,40)


a. Vestes nas assembleias litúrgicas (11,2-16)
b. A eucaristia (11,17-34)
c. Os dons do Espírito (12,1-11)
d. O corpo necessita de muitos membros (12,12-31)
e. Amor, o maior dom (13,1-13)
f. A profecia é mais importante do que as línguas (14,1-25)
g. Ordem no uso dos dons espirituais (14,26-40)

Parte IV: A RESSURREIÇÃO (15, 1-58)


A. O credo da Igreja (15,1-11)
B. As consequências de teses diferentes (15, 12-28)
a. A tese dos coríntios (15, 12-19)
b. A tese de Paulo ( 15,20-28)
C. Argumento ad hominem em favor da ressurreição (15,29-34)
D. O corpo Ressuscitado (15, 35-49)
E. A necessidade de transformação (15, 50-58)
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CONCLUSÃO: (16, 1-24)

Alguns aspectos importantes da 1Carta aos Coríntios

1. Sabedoria do mundo e loucura da Cruz


- Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo para anunciar o
Evangelho, sem recorrer à sabedoria;
- Anunciamos Cristo crucificado, que para os judeus, é escândalo, para os
gentios é loucura, mas para aqueles, tanto judeus como gregos, é Cristo, poder
de Deus e sabedoria de Deus (1, 23-24);
- Para vos anunciar o mistério de Deus. Não quis saber de outra coisa entre
vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo Crucificado (2, 2-3);
- Deus o revelou pelo Espírito, pois o Espírito sonda todas as coisas, até
mesmo as profundezas de Deus (2,10);
- Jesus Cristo é o fundamento e não pode ser posto outro diverso do que
já foi posto (3,11);
- Vós sois templos de Deus e o Espírito habita em vós (3,16);

2. A boa ordem nas assembleias


a) a conduta dos homens e das mulheres;
Se as mulheres devem pregar ou rezar na igreja sem véu não é uma
questão de emancipação, mas do costume geralmente aceito da
igreja.

1º: um elogio por conservar as Final: Se, no entanto, alguém


tradições = cultura, costume (11, quiser contestar, não temos esse
2) costume, nem tampouco as Igrejas
de Deus (11,16)

Qe,lw de. u`ma/j eivde,nai o[ti panto.j avndro.j h` kefalh. o` Cristo,j evstin( kefalh. de.
gunaiko.j o` avnh,r( kefalh. de. tou/ Cristou/ o` qeo,jÅ

Seguindo o pensamento de (MURPHY-O’CONNOR, 2011, p. 473-474)a


questão das vestes nas assembleias gerou muitas reflexões. O autor diz que a
tentativa de Walker e Trompf de provar que esta seção não provém de Paulo
não são convincentes. Tratar-se-ia antes, da tentativa de Paulo em ressaltar a
importância da diferença entre os sexos, porque a maneira a maneira pela qual
8

certos homens e, possivelmente, algumas mulheres usavam seu cabelo sugeria


tendências homossexuais.

A origem de todo homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem, e a cabeça


de Cristo é Deus (11,3).

Cabeça: o temo Kefalē nunca conota autoridade. Origem é o único


significado apropriado. A origem de todo homem é Cristo. Aqui Paulo evoca o
papel de Cristo na nova criação (cf. 2Cor 5,17).

Para (BARBAGLIO, 1989, p. 303) Paulo apresenta uma concepção


teológica piramidal, que encerra o mundo divino e o mundo humano dentro do
esquema ideológico-religioso da cabeça: “A cabeça de todo homem é Cristo, a
cabeça da mulher é o homem, e a cabeça de Cristo é Deus” (v,3). Perpassa
uma ideia hierárquica da realidade, onde os termos correlatos Deus-Cristo,
Cristo-homem, homem-mulher são vistos sob a marca da superioridade e do
senhorio de um sobre os outros. Paulo joga com o duplo significado de Kefalē
que, corresponde ao temo hebraico rô’sh, significa cabeça em sentido físico e
em sentido de domínio. Há de se notar que o texto fala uniformemente da mulher,
de toda mulher. Não se limita ao relacionamento entre marido e mulher.
Essa normativa que Paulo impõe à comunidade de Corinto, deve ser
avaliada frente a compreensão que se tem hoje da relação homem e mulher. O
avanço sobre a superação de preconceitos e leituras redutivas e androcêntricas
devem fazer parte do estudo bíblico e da teologia para que se avance na visão
e práticas mais igualitárias dentro da Igreja e da sociedade em geral.
Na sequência Paulo orienta quanto a postura de homens e mulheres que
orem ou profetizem. Os homens não devem ter cabelos longos, a mulher não
deve ter a cabeça descoberta. Cabelos longos para os homens ou cabelos curtos
para as mulheres denotava sinais de homossexualidade. Como isso era visto
como um mal, então devia-se evitar.
No livro do Gênesis lemos: “Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de
Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou” (1,27). Segundo (MURPHY-
O`CONNOR, 2011, p. 474) Paulo não podia dizer isso aqui, pois ele estava
querendo acentuar a diferença entre os sexos e a ideia de que a mulher
proporcionava glória ao homem era justificada por Gn 2,18 a que ele se refere
no v.9. Segundo o autor, Paulo quer insinuar que, se Deus houvesse
intencionado que homens e mulheres fossem iguais, os teriam criado da mesma
maneira.
No que tange a questão dos cabelos, a linguagem revela uma
dependência da filosofia moral do estoicismo: “não fica bem”, a natureza ensina.
Paulo apela para cânones éticos gerais, para o critério da conveniência ou
decência, e para o princípio do direito natural, diz (BARBALHO, p.307).
9

O versículo 13 avkataka,lupton (descoberta) traz dificuldade de interpretação. É


traduzido como “sem estar coberta de véu”. Outros traduzem como: “a mulher
deve ter uma autoridade sobre sua cabeça”. Considera-se uma expressão
condensada , por isso só pode ser traduzido no contexto. Exousian echein
somente pode significar autoridade a ser exercida, e Paulo pressupõe que
mulheres desempenhem um papel de liderança na comunidade (v.5). Ela
desfruta desta autoridade exatamente como mulher e, assim, deve destacar seu
sexo através do penteado por causa dos anjos, ou seja, não escandalizar
enviados de outras igrejas. Para o autor, a base do argumento de Paulo nos vv.
7-10 era a narrativa da criação, que os judeus usavam para provar que a mulher
era inferior ao homem. Paulo recusa totalmente essa interpretação agora, diz ele
que a mulher não existe sem o homem, logo, na comunidade cristã, de forma
alguma é inferior ao homem. Deste modo, na lógica do apóstolo, tudo vem de
Deus, e dizendo que todo homem nasce da mulher, anularia a interpretação
judaica de Gn 2, 21-23. Toda mulher que ore ou profetize, isto é, as mulheres
que exercem esse papel importante deveriam ajustar-se aos costumes da Igreja.
De fato, a proibição vem minimizada quando entendemos que essa medida
disciplinar não inviabiliza o papel das mulheres no exercício de seus dons na
comunidade.

O argumento final de Paulo é a prática de outras igrejas. Ele podia ter


certeza de que todos concordariam que devia ter uma distinção entre homens e
mulheres e nãos seria oportuno apresentar-se diferentemente nas assembleias
litúrgicas.

b) A “Ceia do Senhor”

Paulo trata com seriedade o problema da ceia do Senhor que se dá nas


assembleias sociais cristãs. Sem amor uns aos outros não é possível haver
eucaristia. Logo, comer do pão e beber do cálice do Senhor indignamente , será
réu do corpo e do sangue do Senhor. Sem discernimento e sem amor, come e
bebe a sua própria condenação.

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