As Cronicas de Fernando Fernandez

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As Crônicas de

Fernando Fernandez

Renata Oliveira de Souza1

BOOK REVIEW
Fernando Fernandez. Os Mastodontes de Barriga Cheia e Outras Histórias - Crônicas de
Biologia e Conservação da Natureza. 1. ed. Rio de Janeiro: Technical Books. 2016. 279 páginas.
ISBN: 978-85-61368-53-1.

O ecólogo e paleontólogo Fernando Fernandez (n. 1961) obteve um Ph. D. em


Ecologia pela Durham University (Inglaterra). Atualmente, é professor da Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Por meio de importantes publicações, como a de seu
primeiro livro, “O Poema Imperfeito”2, que foi um dos maiores sucessos editoriais
brasileiros sobre conservação da natureza, Fernandez tem dado grandes
contribuições científicas nos campos da ecologia de populações, da biologia da
conservação e da paleoecologia.

1 Doutorado em Desenvolvimento Sustentável (Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília), Brasil. ORCID:
0000-0002-8881-6439. renataros@hotmail.com
2 Fernandez, Fernando, O Poema Imperfeito Crônicas de Biologia, Conservação da Natureza e Seus Heróis (UFPR, 2011)

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v.10, n.2 (2020) • p. 322-326 • ISSN 2237-2717 • https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i2.p322-326
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Renata Oliveira de Souza

O livro “Os Mastodontes de Barriga Cheia e Outras Histórias - Crônicas de


Biologia e Conservação da Natureza”, publicado em 2016, é uma coletânea que traz
uma série de 30 crônicas que Fernandez escreveu para o site “O Eco”
(https://www.oeco.org.br/), do qual ele é o Presidente do Conselho de
Administração. Os textos têm como temática central a biologia e a conservação da
natureza com ramificações para as mais diversas áreas, como paleontologia, evolução,
ecologia, literatura, cinema, sustentabilidade e muitas outras.

O título do livro faz referência ao primeiro texto da obra, que conta o caso dos
mastodontes de barriga cheia, cujos restos dos chamados mastodontes norte-
americanos datados de 9.900 anos foram escavados em solos congelados da região
dos Grandes Lagos, pelo paleontólogo Dan Fisher, considerando o maior especialista
do mundo em presas de elefantes fósseis. A pesquisa demostrou, por meio de análise
das presas das elefantas, que os mastodontes estavam se reproduzindo normalmente,
diferente do que aconteceria se elas estivessem sofrendo com graves mudanças
climáticas. Dessa forma, a sua extinção nada teve a ver com alteração das condições
ambientais durante o Quaternário, como sugerem alguns, e sim com a aparição dos
seres humanos na vida desses animais, que o caçaram até a extinção.

Este primeiro texto mostra aspectos que estamos vivendo atualmente em


relação aos problemas ambientais. Trata-se de um acontecimento de extinção na qual
preferimos ignorar ou até negar a participação humana, apesar das muitas evidencias
dela. Assim acontece com muitos outros eventos ambientais catastróficos em relação
aos quais, por receio de ter que sair de suas zonas de conforto, a humanidade está
optando por se esquivar da responsabilidade.

A mesma observação quanto a essa atitude de negação pode ser observada em


outros textos reunidos no livro, como “Nunca é por causa da demografia” (p. 105), que
discorre sobre como se evita falar a respeito da demografia como responsável por
vários problemas sociais e ambientais. O autor faz alguns relatos de como o
crescimento demográfico exponencial, como o acontecido no pós-Segunda Guerra
Mundial, acarretou sérios problemas sociais como miséria, fome e desigualdade.
Apesar de terem havido alguns alertas bem alarmantes, como o de Paul Ehrlich, em

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v.10, n.2 (2020) • p. 322-326 • ISSN 2237-2717 • https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i2.p322-326
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“The Population Bomb” 3, a questão demográfica e os seus efeitos sociais e ambientais


rapidamente voltaram a ser desprezados.

Sob uma óptica mais prática, o livro traz textos mais otimistas, como
“Preenchendo com vida a floresta vazia” (p. 112) e “Os ursos de Răcădău e a esperança”
(p. 203) os quais o autor dá esperança de reversão da problemática ambiental. No
primeiro, Fernandez discorre sobre métodos propostos para a recuperação da
biodiversidade perdida. Como o “Pleistocene rewilding”4 de Josh Donlan, que sugere a
introdução de uma fauna de grandes vertebrados aparentados das espécies extintas
na América do Norte até o final do Pleistoceno. Outro método, sugerido pelo próprio
autor e o seu colega Luiz Gustavo Oliveira-Santos, seria a “refaunação” de florestas
vazias, para repor extinções locais e recentes. Nesse método a restauração seria de
faunas inteiras, por meio da reintrodução de conjuntos de espécies nativas em
ecossistemas dos quais elas foram localmente extintas. A sugestão de Fernandez é
introduzir a técnica de “refaunação” na agenda para a conservação do século XXI.

Como cientista ambiental, assim que comecei a ler sobre a “refaunação” de


Fernandez, me veio à mente os diversos desafios que esse método enfrentaria para
atingir o seu propósito sem causar novos problemas ambientais. No entanto, ao final
da leitura, passei a ver essa proposta como uma possibilidade válida para tentar
reverter a crise de perda de biodiversidade em situações específicas nas quais essa
técnica poderia ser implantada. Ripple & Beschta (2012)5, mostra como a reintrodução
de uma espécie recuperou um ambiente. Nesse trabalho, apesar de não ter sido
reintroduzidos conjuntos inteiros de espécies nativas, a reintrodução de uma, o lobo,
já foi suficiente pra gerar um grande impacto positivo naquele hábitat.

Quanto a outra manifestação de otimismo do autor, em “Os ursos de Răcădău


e a esperança” (p. 203), ele trata de uma passagem do livro “A canção do Dôdo”6 de
David Quammen que conta o caso de um condomínio da classe média baixa chamado
Răcădău localizado na periferia da cidade romena de Brasov. O local é cercado por

3 Paul R. Ehrlich, The Population Bomb (Buccaneer Books, 1995)


4 C. Josh Donlan et al. Pleistocene Rewilding: An Optimistic Agenda for Twenty‐First Century Conservation. The American Naturalist
2006. 168:5, 660-681
5 W.J. Ripple, R.L. Beschta. Trophic cascades in Yellowstone: The first 15 years after wolf reintroduction. Biological Conservation

2012. 205–213
6 David Quammen, A Canção do Dodô (Companhia das Letras, 2008).

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v.10, n.2 (2020) • p. 322-356 • ISSN 2237-2717 • https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i2.p351-355
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morros e florestas separados da área urbana apenas por uma rua, na qual é depositado
o lixo em grandes caçambas. Atraídos pelos restos de comida, todas as noites alguns
ursos descem das florestas para revirar o lixo em busca de comida. Esse hábito se
tornou um espetáculo para a população local que passou a fazer questão de deixar as
lixeiras abertas, mesmo após esforços do governo de mantê-las fechadas. O autor
conta que todas as noites uma pequena multidão se reúne para ver esse espetáculo,
sentindo muito orgulho de ter esses ursos tão perto. Nesse momento, as
preocupações cotidianas não importam mais, pois a pequena janela que a aparição dos
ursos abre para a natureza é simplesmente importante demais para os habitantes do
condomínio.

Esse texto traz uma reflexão profunda e revela uma esperança maior do que a
que é gerada por ações baseadas em razões utilitárias. Fernandez mostra que a
natureza ainda está fortemente presente na essência do comportamento humano. Ela
continua sendo um lugar de conforto. Tê-la por perto ainda nos agrada e nos faz
sentir orgulhosos. Esses motivos podem levar à uma forte esperança de que ainda há
chance de não acabarmos com a natureza.

Dentre todos os textos reunidos no livro, há um que destaco– intitulado “Um


caminho para a empatia” (p. 227). Neste texto, o autor conta uma história fictícia de
uma família de elefantes de forma que cada vida animal é colocada no mesmo nível de
importância de uma vida humana. A história é contada de tal forma que nos leva a dar
a mesma relevância que daríamos à qualquer história de vida humana. Esse texto nos
desperta empatia em relação às vidas não humanas e sugere que a importância da
natureza é, sobretudo, intrínseca.

A leitura deste livro de Fernandez nos leva a mudar de pensamento no que diz
respeito à relação da humanidade com o meio ambiente, pois mostra as nossas falhas
nessa relação, causadas pela dinâmica do mundo moderno. Mostra também o sentido
pelo qual podemos seguir para tornar essa relação mais saudável. Fernandez sustenta
que a empatia em relação à natureza, juntamente com a percepção da importância
intrínseca dela, está presente na essência humana. Esse seria o grande e verdadeiro
caminho da conservação. Muito mais do que esgotamento de recursos, as crises

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v.10, n.2 (2020) • p. 322-356 • ISSN 2237-2717 • https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i2.p351-355
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sociais e as perdas genéticas, a causa da preservação da natureza está simplesmente


dentro de nós.

Afortunadamente, o livro não tem um público específico. Devido à sua


linguagem informal e fluida, não é necessário ser um especialista da área do meio
ambiente para ler o livro. Qualquer um que tenha interesse nos assuntos ligados à
natureza e à sua conservação pode lê-lo facilmente com proveito.

REFERENCIAS

C. Josh Donlan, Joel Berger, Carl E. Bock, Jane H. Bock, David A. Burney, James A.
Estes, Dave Foreman, Paul S. Martin, Gary W. Roemer, Felisa A. Smith, Michael E.
Soulé, e Harry W. Greene. Pleistocene Rewilding: An Optimistic Agenda for Twenty‐
First Century Conservation. The American Naturalist 2006. 168:5, 660-681

David Quammen, A Canção do Dodô (Companhia das Letras, 2008).

Fernando Fernandez, O Poema Imperfeito Crônicas de Biologia, Conservação da


Natureza e Seus Heróis (UFPR, 2011).

Paul R. Ehrlich, The Population Bomb (Buccaneer Books, 1995)

W.J. Ripple, R.L. Beschta. Trophic cascades in Yellowstone: The first 15 years after wolf
reintroduction. Biological Conservation 2012. 205–2

Recibido: 01/07/2019
Aprobado: 18/02/2020

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