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ASSINATURAS | DEFENSORIAS | MAGISTRATURA E MP

AULAS DE CRIAÇÃO DE BASE


DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS
Professor Tiago Fensterseifer
Email. profcei.tiagofens@gmail.com

Elaborado por Larissa de Figueiredo | Advogada. Especialista em Direito


de Família e Sucessões. Coautora das obras “Julgados interpretados de
Direito Civil” e “Julgados comentados de direito do consumidor”.

AULA 02: PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO AMBIENTE.

1. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO AMBIENTE.

O professor inicia a aula revisando tópicos da aula anterior.

O princípio do Estado de Direito (nas suas diferentes dimensões) é um dos princípios


fundamentais do constitucionalismo contemporâneo. Mas o Estado de Direito (aqui
compreendido sempre como um Estado Democrático) tem assumido diferentes
configurações ao longo da evolução do constitucionalismo.
Assim, tendo em conta os novos desafios gerados pela crise ecológica e pela sociedade
tecnológica e industrial, a configuração de um novo modelo de Estado de Direito no
horizonte jurídico-constitucional contemporâneo, superando os paradigmas antecedentes,
respectivamente, do Estado Liberal e do Estado Social, passou a assumir um lugar de
destaque.

A. DIREITO AO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL DE 3ª


DIMENSÃO (OU GERAÇÃO)

O reconhecimento de um direito fundamental a um ambiente ecologicamente


equilibrado ajusta-se, consoante já enfatizado, aos novos enfrentamentos históricos de
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natureza existencial postos pela crise ecológica, complementando os já amplamente


consagrados direitos civis, políticos e socioculturais.

Com efeito, considerando a insuficiência dos direitos de liberdade e mesmo dos


direitos sociais, o reconhecimento de um direito fundamental ao meio ambiente (ou à
proteção ambiental) constitui aspecto central da agenda político-jurídica contemporânea.

2. PRECEDENTES:

 Constituição Portuguesa de 1976 uma das precursoras ao positivar a proteção do meio


ambiente;
 Constituição Espanhola 1978;
 Modelo constitucional alemão
 Constituição Brasileira 1988 (art. 225 da CF/88)

CAPÍTULO VI
DO MEIO AMBIENTE
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1o - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder
Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o
manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do
País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de
material genético;
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III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e


seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração
e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem
sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade
potencialmente causadora de significativa degradação do meio
ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará
publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de
espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2o - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar
o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida
pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3o - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente
sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais
e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os
danos causados.
§ 4o - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do
Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio
nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições
que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto
ao uso dos recursos naturais.
§ 5o - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos
Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos
ecossistemas naturais.
§ 6o - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua
localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser
instaladas.

A CF/1988 delineou a competência administrativa (art. 23), em sintonia com os


deveres de proteção ambiental, de todos os entes federativos (Municípios, Estados,
Distrito Federal e União) na seara ambiental, de modo que incumbe a todos a tarefa – e
responsabilidade solidária – de “proteger o meio ambiente e combater a poluição em
qualquer de suas formas (inciso VI)” e “preservar as florestas, a fauna e a flora (inciso
VII)”.5 A partir de tal entendimento, a omissão ou não atuação (quando lhe é imposto
juridicamente agir) ou a atuação insuficiente (de modo a não proteger o direito
fundamental de modo adequado e suficiente), no tocante a medidas legislativas e
administrativas voltadas ao combate às causas geradoras da degradação do ambiente,
pode ensejar, em alguns casos, até mesmo a intervenção e o controle judicial, inclusive
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no tocante às políticas públicas levadas a cabo pelos entes federativos em matéria


socioambiental.

Há, nesse sentido, um papel determinante do Poder Judiciário, bem como das
instituições públicas voltadas à tutela dos direitos socioambientais e que dispõem de
legitimidade para a adoção de medidas extrajudiciais e judiciais – por exemplo, do termo
de ajustamento de conduta e da ação civil pública – para a resolução de tais conflitos,
como é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública, além, é claro, das
associações civis de proteção ambiental e do próprio cidadão, este último através do
manuseio da ação popular.

3. DIREITO (E DEVER) FUNDAMENTAL AO AMBIENTE

 Não confundir: DEVERES DE PROTEÇÃO DO ESTADO (Estado) x DEVERES


FUNDAMENTAIS (particulares)

O tratamento jurídico-constitucional dispensado à proteção do ambiente pela nossa Lei


Fundamental de 1988 permite a constatação de que a norma constitucional não impôs
apenas deveres de proteção ambiental ao Estado, mas também lançou mão da
responsabilidade dos particulares para a consecução de tal objetivo constitucional.
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Ao dispor no caput do seu art. 225 que se impõe “ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, a tutela
constitucional do ambiente passou a vincular juridicamente (para além de uma obrigação
moral) também os particulares – e não somente os entes públicos –, atribuindo aos
mesmos não apenas um direito fundamental ao ambiente (pelo menos no sentido de um
direito de exigir que o Estado e terceiros se abstenham de atentar contra o ambiente e
atuem no sentido de protegê-lo), mas também deveres fundamentais de proteção do
ambiente atribuídos aos particulares (pessoas físicas e jurídicas), inclusive por forca da
eficácia entre particulares (ou horizontal) do direito ao ambiente, o que conduz ao
reconhecimento do direito ao ambiente como autêntico direito-dever.

4. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS MODELOS DE ESTADO DE DIREITO

Há a necessidade de transcender de um pacto social para um pacto ecológico, em vista


de contemplar o novo papel que o Estado e a sociedade desempenham no âmbito do novo
Estado Ambiental ou Ecológico de Direito. Deve-se projetar uma nova postura política
(e também jurídica) para a sociedade civil, que, especialmente sob o marco normativo
da solidariedade, deverá compartilhar com o Estado (não obstante em menor
intensidade) a carga de responsabilidades e deveres de tutela do ambiente para as
gerações presentes e futuras.

MODELOS FUNÇÃO PRINCÍPIO DIMENSÕES


DE ESTADO ESTATAL BÁSICO
DE DIREITOS
DE DIREITO (EM RELAÇÃO FUNDAMENTAIS
AOS DIREITOS

FUNDAMENTAIS)

Estado Liberal Defensiva/negativa Liberdade 1a dimensão ou direitos

liberais
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Estado Social Prestacional/positiva Igualdade 2a dimensão ou direitos

sociais

Estado Preponderantemente Solidariedade 3a dimensão ou direitos


Ambiental
prestacional/positiva (ou Fraternidade) ecológicos
(e
Democrático)

No compasso da evolução histórica dos direitos fundamentais, passou-se da


perspectiva do indivíduo à da espécie humana, considerada inclusive em perspectiva
futura, através da proteção jurídica dos interesses das futuras gerações. Assim como, das
liberdades individuais migrou-se à solidariedade planetária.

Ademais, da mesma forma como os direitos liberais tem o seu alicerce normativo no
princípio da liberdade e os direitos sociais são formatados sob a égide do princípio da
igualdade, os direitos fundamentais de terceira dimensão, como é o caso do direito ao
ambiente, encontrariam o seu suporte normativo-axiológico no princípio (e dever) da
solidariedade. As duas dimensões (liberal e social) dos direitos humanos e fundamentais
conformam as duas maiores tradições políticas (o pensamento liberal e o pensamento
social). A primeira resulta do liberalismo cunhado no Século 18 e reformulado nos
Séculos subsequentes, ao passo que a segunda marca os Séculos 19 e 20, desembocando
na estruturação do modelo contemporâneo do Estado Constitucional, na condição de um
Estado Democrático, Social e Ecológico de Direito 1, comprometido, para além das
liberdades individuais, com as noções de igualdade substancial e solidariedade.

A Declaração de Estocolmo das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano


(1972) apresenta-se como o marco histórico-normativo inicial da proteção ambiental,
projetando pela primeira vez no horizonte jurídico internacional, a ideia em torno de um

1
V. SARLET, Ingo W.; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ecologico. 6.ed. Sao Paulo: Revista
dos Tribunais, 2019.
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direito humano a viver em um ambiente equilibrado e saudável, tomando a qualidade


do ambiente como elemento essencial para uma vida humana com dignidade e bem-estar.

“Princípio 1 - O homem tem o direito fundamental à liberdade, à


igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um
meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida
digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e
melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras”.

De acordo com Guido F. Silva Soares, a Declaração de Estocolmo “pode ser


considerada como um documento com a mesma relevância para o Direito
Internacional e para a Diplomacia dos Estados que teve a Declaração Universal dos
Direitos do Homem (...). Na verdade, ambas as Declarações têm exercido o papel de
verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos que devem figurar
tanto nas legislações domésticas dos Estados, quanto na adoção dos grandes textos do
Direito Internacional da atualidade”. 2

Vinte anos após a Declaração de Estocolmo, a Declaração do Rio sobre Meio


Ambiente e Desenvolvimento (1992), quando da Conferência das Nações Unidas (Eco-
92), em 1992, reforçou o mesmo entendimento.

“Princípio 1 - Os seres humanos estão no centro das preocupações com


o desenvolvimento sustentável. Tem direito a uma vida saudável e
produtiva em harmonia com a Natureza”.

A Declaração e Programa de Ação de Viena (1993), promulgada no âmbito da


2.ª Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, também conferiu, no seu art. 11,
destaque especial ao direito humano ao desenvolvimento, considerando que o mesmo
deve ser realizado de modo a satisfazer as “necessidades ambientais e de
desenvolvimento das gerações presentes e futuras”.
O direito ao ambiente tomou acento de forma definitiva também no âmbito do Direito
Internacional dos Direitos Humanos e dos Sistema Global e Regionais de Proteção

2
SOARES, Direito internacional do meio ambiente..., p. 55.
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dos Direitos Humanos, em razão da sua essencialidade à dignidade da pessoa


humana.
No âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos, o Protocolo de San
Salvador Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos em Matéria de
Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1988) consagrou expressamente o direito
humano a um meio ambiente sadio no seu art. 11:

“Artigo 11 (Direito a um meio ambiente sadio) 1. Toda pessoa tem


direito a viver em meio ambiente sadio e a contar com os serviços
públicos básicos. 2. Os Estados Partes promoverão a proteção,
preservação e melhoramento do meio ambiente”.

Mais recentemente, merece registro o fenômeno designado de “greening” (ou,


em português, “esverdeamento”) da jurisprudência da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (Corte IDH), com o reconhecimento gradual e progressiva da
proteção ecológica para o exercício dos demais direitos humanos no seu conjunto. O
ponto culminante de tal evolução jurisprudencial da Corte IDH foi a edição da Opinião
Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos”, conforme
veremos em tópico subsequente.

A CF/1988 (art. 225 e art. 5.º, § 2.º), seguindo a influência do direito constitucional
comparado (por exemplo, a Constituição portuguesa de 1976) e do direito internacional,
sedimentou e positivou ao longo do seu texto os alicerces normativos de um
constitucionalismo ecológico, atribuindo ao direito ao ambiente o status de direito
fundamental, em sentido formal e material, orientado pelo princípio da solidariedade,
conforme inclusive já resultou reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de
emblemática decisão relatada pelo Ministro Celso de Mello.

JURISPRUDÊNCIA STF: “A QUESTÃO DO DIREITO AO MEIO


AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO – DIREITO DE
TERCEIRA GERAÇÃO – PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE. O
direito à integridade do meio ambiente – típico direito de terceira
geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva,
refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a
expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo
identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente
mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos
de primeira geração (Direito Civis e Políticos) – que compreendem as
liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da
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liberdade e os direitos de segunda geração (Direitos Econômicos,


Sociais e Culturais) – que se identificam com as liberdades positivas,
reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de
terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o
princípio da solidariedade e constituem um momento importante no
processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos
humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais
indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, MS
22.164/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995).

Ademais, muito embora o art. 225 esteja topograficamente situado fora do Título
II da CF/1988 (onde se encontram arrolados os direitos fundamentais), a doutrina e a
jurisprudência brasileira são pacíficas no sentido de reconhecer o direito ao
ambiente como integrante do rol dos direitos e garantias fundamentais da pessoa
humana, constante da Carta Magna de 1988. Na medida em que integra a Constituição
formal (art. 225), mesmo que não inserido expressamente no catálogo dos direitos
fundamentais, pode-se dizer que o direito ao ambiente se trata de um direito formal e
materialmente fundamental. A despeito de não estar previsto no Título II da
Constituição, é por intermédio do direito constitucional positivo, ou seja, da cláusula de
abertura material do catálogo de direitos fundamentais (art. 5°, § 2°, da CF/88), que
é atribuído ao direito ao ambiente fundamentalidade material.
Aquém de tal padrão ecológico, a vida e a dignidade humana estariam sendo
violadas no seu núcleo essencial. A qualidade, o equilíbrio e a segurança ambiental,
com base em tais considerações, passaria a figurar como elemento integrante do conteúdo
normativo do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, fundamental ao
desenvolvimento de todo o potencial humano num quadrante de completo bem-estar
existencial.
Atualmente, pode-se dizer que os valores ecológicos tomaram assento
definitivo no conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana. Portanto, no
contexto constitucional contemporâneo, consolida-se a formatação de uma dimensão
ecológica da dignidade humana, que abrange a ideia em torno de um bem-estar
ambiental (assim como de um bem-estar social) indispensável a uma vida digna,
saudável e segura. Dessa compreensão, pode-se conceber a indispensabilidade de um
patamar mínimo de qualidade ambiental para a concretização da vida humana em níveis
dignos.
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Não se pode conceber a vida – com dignidade e saúde – sem um ambiente natural
saudável e equilibrado. A vida e a saúde humanas (ou como refere o caput do art. 225 da
CF/1988, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só estão asseguradas no
âmbito de determinados padrões ecológicos. O ambiente está presente nas questões mais
vitais e elementares da condição humana, além de ser essencial à sobrevivência do ser
humano como espécie natural.

5. OPINIÃO CONSULTIVA 23/2017 SOBRE “MEIO AMBIENTE E DIREITOS


HUMANOS” DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

A Opinião Consultiva n. 23/2017 sobre “Meio Ambiente e Direitos Humanos” da


Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), conforme referido anteriormente,
representou o ápice do reconhecimento da relevância da proteção ecológica e do direito
humano ao meio ambiente no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. O mesmo
fenômeno também tem sido verificado no Sistema Global ou ONU de Proteção dos
Direitos Humanos, com a criação, no âmbito do Alto Comissariado de Direitos Humanos,
por decisão tomada pelo Comitê de Direitos Humanos em 2012, de um mandato
específico sobre os “direitos humanos e o meio ambiente” e, desde 2015, com uma
relatoria especial sobre Direitos Humanos e Meio Ambiente.

A CIDH reconheceu, por meio da Opinião Consultiva n. 23/2017, “a inegável relação


entre a proteção do meio ambiente e a realização de outros direitos humanos”. Foi a
primeira vez a Corte Interamericana desenvolveu o conteúdo do direito a um ambiente
saudável, previsto no artigo 11 do Protocolo de San Salvador e em alguma medida,
também no artigo 26 da Convenção Americana, que contém os direitos econômicos,
sociais e culturais. A CIDH reconheceu expressamente a relação de interdependência e
indivisibilidade entre direitos humanos, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

A Opinião Consultiva n. 23/2017 foi elaborada a partir de consulta formulada pela


Colômbia, em 14 de março de 2016. Um dos pontos mais relevantes do documento da
CIDH diz respeito às obrigações dos Estados-Partes para proteger o meio ambiente. Entre
outros pontos, a CIDH assinalou que os Estados- Partes estão obrigados a respeitar e
garantir os direitos humanos de todas as pessoas e que isso pode incluir, numa base
casuística e excepcional, situações que ultrapassem os seus limites territoriais, inclusive
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como uma obrigação de prevenir danos transfronteiriços. Da mesma forma, a CIDH


estabeleceu as obrigações derivadas do respeito e da garantia dos direitos à vida e à
integridade pessoal no contexto da proteção ambiental.

Entre os pontos mais relevantes da Opinião Consultiva 23/2017, a obrigação dos


Estado-Partes de:
- regular, supervisionar e supervisionar as atividades sob sua jurisdição, realizar estudos
de impacto ambiental, estabelecer planos de contingência e mitigar danos;
- agir em conformidade com o princípio da precaução contra eventuais danos graves ou
irreversíveis para o ambiente, que afetem os direitos à vida e à integridade pessoal,
mesmo na ausência de certeza científica;
- cooperar de boa fé com outros Estados-Membros para a proteção contra danos
ambientais significativos;
- garantir o acesso à informação sobre os eventuais efeitos no ambiente;
- garantir o direito à participação pública dos indivíduos na tomada de decisões e nas
políticas que possam afetar o ambiente; e
- assegurar o acesso à justiça no que respeita às obrigações do Estado em matéria de
proteção do ambiente.

Por fim, outro aspecto inovador verificado no documento da Corte IDH diz respeito
ao reconhecimento da proteção jurídica autônoma, ou seja, “em si mesma” da Natureza,
destacando “uma tendência a reconhecer a personalidade jurídica e, por fim, os direitos
da Natureza, não só em decisões judiciais, mas também nos ordenamentos
constitucionais”.

JURISPRUDÊNCIA STJ. Mínimo existencial ecológico:

1) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO.


SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA.
PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL.
NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTO
EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE
DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. 1.
Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço
essencial, imprescindível à manutenção da saúde pública, o que o torna
submisso à regra da continuidade. Sua interrupção, ou ainda, a sua
prestação de forma descontinuada, extrapola os limites da legalidade
e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana,
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porquanto o cidadão necessita utilizar-se desse serviço público,


indispensável à sua vida em comunidade. 2. Releva notar que uma
Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida
mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai
consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de
restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. (...). 3. Em função
do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a
todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que
todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-se na esfera
desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do
mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública. 4. A determinação
judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do
judiciário na esfera da administração. Deveras, não há
discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados,
quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem
admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 5.
Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das
desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo
patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar a
saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das
mais belas e justas garantias constitucionais. (...) 9. Ressoa evidente
que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em
dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes,
porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado
soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a
ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da
lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática
da promessa constitucional. 10. "A questão do lixo é prioritária,
porque está em jogo a saúde pública e o meio ambiente." Ademais, "A
coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados
como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência
do grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as
necessidades inadiáveis da comunidade, conforme estabelecem os arts.
10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta
natureza são regidos pelo princípio da continuidade”. 11. Recurso
especial provido” (STJ, REsp 575.998/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz
Fux, j. 07.10.2004).

2) “O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o


mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo
existencial abrange também as condições socioculturais, que, para
além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um
mínimo de inserção na ‘vida’ social”. (STJ, REsp 1.185.474/SC, Rel.
Min. Humberto Martins, j. 20.04.2010).

6. O DIRETO AO AMBIENTE COMO CLÁUSULA PÉTREA DA CF/1988

Inicialmente, cabe destacar que não há qualquer distinção quanto ao regime jurídico
ou força jurídica a ser aplicada aos direitos fundamentais presentes no catálogo e àqueles
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incluídos no rol através da abertura material do art. 5°, § 2°, da CF/88, tendo, portanto, o
direito fundamental ao ambiente aplicação imediata, na linha do que dispõe o § 1º do art.
5º, bem como constituindo-se de norma de eficácia direta e irradiante frente a todo
ordenamento jurídico e passando a integrar o rol das cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, inc.
IV, da CF/88).

Do ponto de vista material, houve uma decisão tomada pelo constituinte brasileiro ao
consolidar o direito subjetivo dos indivíduos e da coletividade a viverem em um (e não
qualquer) ambiente ecologicamente equilibrado, considerando ser o mesmo “essencial à
sadia qualidade de vida” (art. 225, caput, da CF/88).

Ao declarar ser a qualidade ambiental essencial a uma vida humana saudável (e


também digna), o constituinte consignou no pacto constitucional sua escolha de incluir a
proteção ambiental entre os valores permanentes e fundamentais da República brasileira.
Portanto, eventual retrocesso em tal matéria constitucional – por exemplo, supressão total
ou parcial do conteúdo na norma inscrita no art. 225 da CF/88 – representaria flagrante
violação aos valores edificantes do nosso sistema constitucional.

Conforme a lição de José Afonso da Silva, em razão da aderência do direito ao


ambiente ao direito à vida, há a contaminação da proteção ambiental com uma qualidade
que impede sua eliminação por via de emenda constitucional, estando, por via de
consequência, inserido materialmente no rol das matérias componentes dos limites
materiais ao poder de reforma constantes do art. 60, § 4°, da CF/88, de modo a conferir
ao direito fundamental ao ambiente o status de cláusula pétrea.

Art. 60 (...) § 4o - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda


tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.


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Outra não poderia ser a interpretação constitucional dada ao direito ao ambiente, em


vista da consagração da sua jusfundamentalidade. Com o reconhecimento da proteção
ambiental como cláusula pétrea, a Constituição brasileira, como identificou Antonio
Herman Benjamin, conferiu um “valioso atributo de durabilidade” à proteção ambiental
no âmbito ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, o qual “funciona como barreira
à desregulamentação e a alterações ao sabor de crises e emergências momentâneas,
artificiais ou não”.

O reforço constitucional que se pretende conferir ao direito fundamental ao ambiente


por meio do seu reconhecimento como cláusula pétrea também está em consonância com
a garantia constitucional de proibição de retrocesso (social e ecológico ou
socioambiental), já que tal instituto jurídico-constitucional objetiva blindar o bloco
normativo constitucional-ambiental contra eventuais retrocessos. O STJ, nesse sentido,
passou a reconhecer a categoria jurídica dos direitos ambientais adquiridos, como “limite
constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a
preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais” (art. 225, § 1o, I).

 JURISPRUDÊNCIA DO STJ:

Direitos ambientais adquiridos. “PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL.


AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESPONSABILIDADE POR DANOS
AMBIENTAIS. MATA CILIAR AO REDOR DO RESERVATÓRIO
HIDRELÉTRICO DE SALTO SANTIAGO. ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE. DANOS AMBIENTAIS. REFLORESTAMENTO. (...)
NOVO CÓDIGO FLORESTAL. IRRETROATIVIDADE.
PRECEDENTES.(...) O novo Código Florestal não pode retroagir
para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos
e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as
necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de
ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de
transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da
“incumbência” do Estado de garantir a preservação e a restauração
dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1o, I). Precedentes.
Agravo regimental improvido.”

(STJ, AgRg no REsp 1.434.797/PR, 2a Turma, Rel. Min. Humberto


Martins, j. 17.05.2016)

7. EFICÁCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL AO AMBIENTE NAS RELAÇÕES


ENTRE PARTICULARES
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A irradiação da eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares


(ou eficácia horizontal) assume função central na consolidação do Estado
Socioambiental de Direito contemporâneo, ressalvando-se que hoje as fronteiras entre o
Público e o Privado diluírem-se na convergência e unificação de ambos rumo ao horizonte
normativo de proteção da dignidade humana e dos direitos fundamentais. A partir de um
resgate jurídico-normativo do princípio da solidariedade, juntamente com os deveres
fundamentais correlatos aos direitos, a eficácia entre particulares (ou, como refere a
doutrina alemã, a Drittwirkung) balanceia a relação entre Estado e sociedade, em vista de
que o primeiro é destituído do cargo de único responsável (e guardião) pela efetivação
dos direitos fundamentais.

De tal sorte, coloca-se agora parcela da responsabilidade (e deveres jurídicos) também


nas mãos dos particulares (pessoas físicas e jurídicas), o que tem especial importância
num contexto social onde certos atores sociais privados possuem tanto ou mais poder
(econômico, político, técnico, etc.) do que os próprios Estados nacionais. Há que se
postular, portanto, um dever de respeito e consideração mútuo entre particulares,
fundado no marco constitucional da solidariedade, o que, no seu conjunto, e diante do
quadro de risco existencial imposto pela degradação ecológica, impõe maior carga de
responsabilidade (e deveres) pelas ações e omissões de particulares (pessoas físicas e
jurídicas), que, de alguma forma, possam, mesmo que potencialmente – em face da
aplicação do princípio e dever de precaução –, comprometer o equilíbrio ecológico.

A título de exemplo, a inversão do ônus da prova pode ser fundamentada na eficácia


dos direitos fundamentais entre particulares. No entanto, o mecanismo de equalização da
relação processual suscitado não deve ser tomado de forma abstrata ou a priori, mas
sempre à luz da constatação da desigualdade na relação jurídica posta no caso
concreto (ou seja, a posteriori). Juntamente com a inversão do ônus da prova, há que
se ter em conta também o dever fundamental de informação ambiental como projeção
normativa da eficácia entre particulares do direito fundamental ao ambiente.

8. MÍNIMO EXISTENCIAL ECOLÓGICO (OU SOCIOAMBIENTAL)

O reconhecimento da condição de direito humano e fundamental à proteção do ambiente


tem como corolário a identificação de novos elementos normativos relacionados ao
conteúdo do assim chamado “direito e garantia a um mínimo existencial”, abrindo
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caminho para a noção de uma dimensão ecológica do direito-garantia ao mínimo


existencial. A necessária integração entre a tutela ecológica e a proteção e promoção de
uma existência digna em termos socioculturais (portanto, não restrita a um mínimo vital
ou fisiológico), há de ser designada pelo rótulo de um mínimo existencial
socioambiental ou ecológico, coerente, aliás, com o projeto político-jurídico do Estado
Ambiental ou mesmo Socioambiental de Direito.

A preocupação doutrinária de se conceituar, no plano normativo, um padrão mínimo


em termos ambientais para a realização de uma vida digna e saudável justifica-se a
partir da importância que o equilíbrio e segurança ambiental representam para o
desenvolvimento da vida humana em toda a sua potencialidade. Tais condições materiais
elementares de natureza socioambiental, conforme pode ser facilmente identificado na
hipótese da falta de saneamento básico em dada localidade, constituem-se em premissas
do próprio exercício dos demais direitos (fundamentais ou não), resultando em uma
espécie de direito a ter e exercer os demais direitos.

Sem o acesso a tais condições existenciais básicas (que, todavia, não podem ser
compreendidas no sentido de uma redução da proteção dos direitos socioambientais a um
patamar minimalista), que exigem o respeito, proteção e promoção de um padrão mínimo
– no sentido de necessário – de qualidade ambiental, não há que falar em liberdade real
ou fática, quanto menos em um padrão de vida digno. Dentre outras justificativas que se
poderia invocar, assume relevância a noção do dever de respeito e consideração, por parte
do Estado e da sociedade, pela vida de cada indivíduo. Mais recentemente, a Corte IDH,
por meio da Opinião Consultiva 23/2017, reconheceu expressamente que "vários direitos
fundamentais exigem, como condição prévia necessária para o seu exercício, uma
qualidade ambiental mínima e são profundamente afetados pela degradação dos
recursos naturais”. 3

JURISPRUDÊNCIA STJ. Mínimo existencial ecológico:

1) “PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. COLETA DE LIXO.


SERVIÇO ESSENCIAL. PRESTAÇÃO DESCONTINUADA.
PREJUÍZO À SAÚDE PÚBLICA. DIREITO FUNDAMENTAL.
NORMA DE NATUREZA PROGRAMÁTICA. AUTO
EXECUTORIEDADE. PROTEÇÃO POR VIA DA AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. POSSIBILIDADE. ESFERA DE DISCRICIONARIEDADE

3
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, Opinião Consultiva n. 23/2017..., p. 22.
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DO ADMINISTRADOR. INGERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO. 1.


Resta estreme de dúvidas que a coleta de lixo constitui serviço
essencial, imprescindível à manutenção da saúde pública, o que o torna
submisso à regra da continuidade. Sua interrupção, ou ainda, a sua
prestação de forma descontinuada, extrapola os limites da legalidade
e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana,
porquanto o cidadão necessita utilizar-se desse serviço público,
indispensável à sua vida em comunidade. 2. Releva notar que uma
Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida
mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai
consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de
restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. (...). 3. Em função
do princípio da inafastabilidade consagrado constitucionalmente, a
todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que
todos os cidadãos residentes em Cambuquira encartam-se na esfera
desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do
mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública. 4. A determinação
judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do
judiciário na esfera da administração. Deveras, não há
discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados,
quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem
admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 5.
Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das
desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo
patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar a
saúde pública a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das
mais belas e justas garantias constitucionais. (...) 9. Ressoa evidente
que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em
dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes,
porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado
soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a
ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da
lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática
da promessa constitucional. 10. "A questão do lixo é prioritária,
porque está em jogo a saúde pública e o meio ambiente." Ademais, "A
coleta do lixo e a limpeza dos logradouros públicos são classificados
como serviços públicos essenciais e necessários para a sobrevivência
do grupo social e do próprio Estado, porque visam a atender as
necessidades inadiáveis da comunidade, conforme estabelecem os arts.
10 e 11 da Lei n.º 7.783/89. Por tais razões, os serviços públicos desta
natureza são regidos pelo princípio da continuidade”. 11. Recurso
especial provido” (STJ, REsp 575.998/MG, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz
Fux, j. 07.10.2004).

2) “O mínimo existencial não se resume ao mínimo vital, ou seja, o


mínimo para se viver. O conteúdo daquilo que seja o mínimo
existencial abrange também as condições socioculturais, que, para
além da questão da mera sobrevivência, asseguram ao indivíduo um
mínimo de inserção na ‘vida’ social”. (STJ, REsp 1.185.474/SC, Rel.
Min. Humberto Martins, j. 20.04.2010).
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JURISPRUDÊNCIA STF:

“(...) o mínimo existencial é aquele conjunto de bens materiais e


imateriais sem o qual uma pessoa não pode levar uma vida digna e esta
inclui, evidentemente, um meio ambiente hígido, condição sine qua
non, registre-se, para viabilizar a própria continuidade da vida dos
seres humanos na Terra. Embora raramente inscrito de forma textual
nas Constituições, o mínimo existencial representa a própria essência
de qualquer ordenamento jurídico que se julgue civilizado”.
(Passagem do voto do Min. Lewandowski na ADI 4;903/DF, j.
28.02.2018).

- OPINIÃO CONSULTIVA 23/2017 DA CIDH: reconheceu


expressamente que “vários direitos fundamentais exigem, como
condição prévia necessária para o seu exercício, uma qualidade
ambiental mínima e são profundamente afetados pela degradação dos
recursos naturais”.

Mais recentemente a ADPF 708, ministro Barroso citando uma passagem da OC 23,
ele fala da dimensão ecológica do mínimo existencial.

Atenção: Outro julgado mencionado pelo professor sobre “direitos ambientais


adquiridos”, já foi destacado na página 15 deste resumo.

PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E PROIBIÇÃO DE PROTEÇÃO


INSUFICIENTE OU DEFICIENTE EM MATÉRIA AMBIENTAL

O princípio da proporcionalidade, não obstante se tratar de princípio geral do


Direito, apresenta particular relevância no âmbito do Direito Ambiental, sobretudo em
razão da natureza fundamental do direito ao ambiente e da constante colisão deste com
outros bens jurídicos também plasmados no texto constitucional, de modo que nos
pareceu imprescindível tratá-lo como um dos princípios gerais que regem a proteção
jurídica do ambiente. Sob o enfoque do princípio da precaução, Ana G. e Freitas Martins
assinala que “o princípio da proporcionalidade joga aqui um papel fundamental,
garantindo a ponderação de diversos interesses envolvidos ao exigir que as medidas
adotadas no âmbito de uma política guiada pela precaução se revelem economicamente
viáveis, com ponderação de custos e ganhos decorrentes da sua adoção”. 22 Na mesma
perspectiva, contextualizando a adoção do princípio da proporcionalidade à temática dos
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riscos ecológicos, J. J. Gomes Canotilho enuncia o princípio da proporcionalidade dos


riscos.
As ideias de proporção e de razoabilidade, vinculadas à própria noção de justiça e
equidade, sempre estiveram presentes no âmbito do fenômeno jurídico, permeando, em
termos gerais, o direito contemporâneo. De acordo com a vertente germânica, o ponto de
referência é o princípio do Estado de Direito (art. 1°, caput, da CF/1988), notadamente
naquilo que veda o arbítrio, o excesso de poder, entre outros desdobramentos. Já para
quem segue a orientação do direito norte-americano, a proporcionalidade guarda relação
com o art. 5º, LIV, da CF/1988, no que assegura um devido processo legal substantivo.
No plano da legislação infraconstitucional, por sua vez, os princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade foram positivados em vários momentos,
destacando-se o art. 2° da Lei n° 9.784/99, que regulamenta o processo administrativo no
âmbito da Administração Federal direta e indireta. Também a Lei da Política Nacional
de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), já no contexto da legislação ambiental brasileira,
consagrou de forma expressa, no seu art. 6º, XI, “a razoabilidade e a
proporcionalidade” entre os princípios gerais da PNRS. É bom frisar, contudo, que
independentemente de sua expressa previsão em textos constitucionais ou legais, o que
importa é a constatação, amplamente difundida, de que a aplicabilidade dos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade não está excluída de qualquer matéria jurídica.
O princípio da proporcionalidade, que constitui um dos pilares do Estado
(Democrático, Social e Ambiental ou Ecológico) de Direito brasileiro, desponta como
instrumento metódico de controle dos atos – tanto comissivos quanto omissivos – dos
poderes públicos, sem prejuízo de sua eventual aplicação a atos de sujeitos privados.
Nesse contexto, assume relevância, por sua vez, a conhecida e já referida distinção entre
as dimensões negativa e positiva dos direitos fundamentais, com destaque para a atuação
dos direitos fundamentais como deveres de proteção ou imperativos de tutela,
implicando uma atuação positiva do Estado, obrigando-o a intervir tanto preventiva
quanto repressivamente, inclusive diante de agressões oriundas de particulares.
Ao Estado, no que tange aos seus deveres de proteção ambiental, também incumbe
medidas positivas no sentido de assegurar a tutela do ambiente, de tal sorte que a ação
estatal acaba por se situar, no âmbito do que se convencionou designar de uma dupla face
(ou dupla dimensão) do princípio da proporcionalidade, entre a proibição de excesso
de intervenção, por um lado, e a proibição de proteção insuficiente ou deficiente, por
outro. Se, por um lado, o ente estatal não pode atuar de modo excessivo, intervindo na
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esfera de proteção de direitos fundamentais a ponto de desatender aos critérios da


proporcionalidade ou mesmo a ponto de violar o núcleo essencial do direito
fundamental em questão, também é certo que o Estado, por força dos deveres de proteção
aos quais está vinculado, não pode omitir-se ou atuar de forma insuficiente na
promoção e proteção de tal direito, sob pena incorrer em violação da ordem
jurídico-constitucional.
Se tomarmos a questão ambiental como exemplo, considerando os deveres de
proteção ambiental dos entes federativos delineados na CF/1988 (art. 225 e art. 23, VI e
VII), a não atuação (quando lhe é imposto juridicamente agir) ou a atuação insuficiente
ou deficiente (de modo a não proteger o direito fundamental de modo adequado), no
tocante a medidas legislativas e administrativas voltadas ao combate às causas geradoras
da degradação do ambiente, pode ensejar até mesmo a responsabilidade do Estado,
inclusive no sentido de reparar os danos causados a indivíduos e grupos sociais afetados
pelos efeitos negativos dos danos ambientais.

A nossa Corte Constitucional já se pronunciou sobre dever estatal de proteção


ecológica ass luz do princípio da proporcionalidade e a vedação de proteção insuficiente
ou deficiente. Em passagem do voto do Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI
4.901/DF, que versava sobre a constitucionalidade do Novo Código Florestal de 2012,
resultou consignado:

“Com efeito, emerge do próprio art. 225 de nossa Lei Fundamental o


dever constitucional de proteção ao meio ambiente, que incide não
apenas sobre a própria coletividade, mas, notadamente, sobre o Poder
Público, a quem se impõe o gravíssimo encargo de impedir, de um lado,
a degradação ambiental e, de outro, de não transgredir o postulado
que veda a proteção deficiente ou insuficiente, sob pena de
intervenção do Poder Judiciário, para fazer prevalecer o mandamento
constitucional que assegura a incolumidade do meio ambiente e para
neutralizar todas as ações ou omissões governamentais de que possa
resultar a fragilização desse bem de uso comum do povo. Essencial,
portanto, que o Estado, seja no exercício de suas funções legislativas,
seja na realização de suas atividades administrativas, respeite o
princípio da proporcionalidade, em cuja estrutura normativa
compreende-se, além da proibição do excesso, o postulado que veda,
em sua outra dimensão, a insuficiência da proteção estatal”.

JURISPRUDÊNCIA STF. Princípio da Proibição DE PROTECAO INSUFICIENTE ou


deficiente.
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O Plenário do STF, nesse sentido, reconheceu recentemente a


inconstitucionalidade de legislação estadual que teria conferido
proteção deficitária às áreas de proteção permanente (APPs) em
comparação ao regramento nacional estabelecido pelo Código
Florestal (Lei 12.651/2012), extrapolando o ente federativo estadual,
ao assim agir, os limites da sua competência suplementar decorrente
da competência concorrente estabelecida no art. 24, caput, VI, § 2º, da
CF/1988. O STF, na referida decisão, reconheceu expressamente a
violação à proporcionalidade (e à razoabilidade) na atuação do
legislador estadual ao expor bens jurídicos de máxima importância (no
caso, a proteção ecológica), violando, em outras palavras, o princípio
da proibição de proteção insuficiente ou deficiente (STF, ADI
4.988/TO, Tribunal Pleno, rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 19.9.2018)

9. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO AMBIENTAL OU


ECOLÓGICO (E DEVER DE PROGRESSIVIDADE)

Do ponto de vista da Teoria dos Direitos Fundamentais e mesmo do Direito


Internacional dos Direitos Humanos, nos parece adequado o tratamento integrado e
interdependente dos direitos sociais e dos direitos ecológicos, a partir da sigla DESCA
(para além da clássica denominação de DESC), ou seja, como direitos econômicos,
sociais, culturais e ambientais, de modo a contemplar a evolução histórica dos direitos
fundamentais e humanos, incorporando a tutela do ambiente em tal núcleo privilegiado
de proteção da pessoa. Nesse sentido, o Protocolo de San Salvador Adicional à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (1988) incorpora a compreensão acerca dos DESCA, apontando, no
bojo do seu texto, que “toda pessoa tem direito a viver em um meio ambiente sadio e a
contar com os serviços públicos básicos” (art. 11.1), bem como que “os Estados-Partes
promoverão a proteção e melhoramento do meio ambiente” (11.2).

A cláusula de progressividade atribuída aos direitos sociais, consagrada tanto no art.


2o, § 1o, do PIDESC quanto no art. 1o do Protocolo de San Salvador, deve abarcar,
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necessariamente, também as medidas fáticas e normativas voltadas à tutela ecológica, de


modo a instituir uma progressiva melhoria da qualidade ambiental e, consequentemente,
da qualidade de vida em geral. A proibição de retrocesso em matéria de proteção e
promoção dos DESCA guarda relação com a previsão expressa de um dever de
progressiva realização contido em cláusulas vinculativas de direito internacional, poder-
se-á afirmar que pelo menos tanto quanto proteger o pouco que há em termos de direitos
sociais e ecológicos efetivos, há que priorizar o dever de progressiva implantação de tais
direitos. O progresso (em termos fáticos e normativos), compreendido na perspectiva de
um dever estatal de desenvolvimento sustentável, deve necessariamente conciliar os eixos
econômico, social e ambiental.

O regime jurídico ecológico – tanto sob a perspectiva constitucional quanto


infraconstitucional – deve operar de modo progressivo, a fim de ampliar a qualidade de
vida existente hoje e atender a padrões cada vez mais rigorosos de tutela da dignidade da
pessoa humana, não admitindo o retrocesso, em termos fáticos e normativos, a um nível
de proteção inferior àquele verificado hoje. De acordo com Canotilho,

“a liberdade de conformação política do legislador no âmbito das


políticas ambientais tem menos folga no que respeita à
reversibilidade político-jurídica da proteção ambiental, sendo-lhe
vedado adoptar novas políticas que traduzam em retrocesso
retroactivo de posições jurídico-ambientais fortemente enraizadas na
cultura dos povos e na consciência jurídica geral”.

Não sem razão, o conceito de desenvolvimento sustentável, cunhado no âmbito da


Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas, por
conta da publicação, no ano de 1987, do Relatório Nosso Futuro Comum, traz que o
mesmo seria “aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.

A ideia de sustentabilidade está na razão de ser da proteção do ambiente, já que manter


(e, em alguns casos, recuperar) o equilíbrio ambiental implica o uso racional e harmônico
dos recursos naturais, de modo a não os levar ao seu esgotamento, e, consequentemente,
à sua degradação.
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Até por uma questão de justiça entre gerações humanas, a geração presente teria a
responsabilidade de deixar como legado às gerações futuras condições ambientais
idênticas ou melhores do que aquelas recebidas das gerações passadas, estando a geração
vivente, portanto, vedada a alterar em termos negativos as condições ecológicas, até por
força do princípio da proibição de retrocesso ambiental e do dever (do Estado e dos
particulares) de melhoria progressiva da qualidade ambiental.

No ordenamento jurídico brasileiro, em sintonia com tal contexto normativo


internacional e comparado, verifica-se também, em diversos diplomas, a adoção de um
princípio (ou dever) de melhoria progressiva da qualidade ambiental. O nosso “Código
Ambiental”, ou seja, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), de
forma bastante clara, seguiu tal diretriz normativa e consagrou, no seu art. 2o, caput, “que
a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e
recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições
ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção
da dignidade da vida humana”.

Outro exemplo é verificado no caso do direito ao saneamento, onde resultou


consagrada de forma expressa na Lei da Política Nacional de Saneamento Básico (Lei
11.445/2007), art. 3.o, III, que, por meio do objetivo de universalização das políticas
públicas para o setor, deve-se contemplar a “ampliação progressiva do acesso de todos os
domicílios ocupados ao saneamento básico”.

Assim, no tocante às medidas legislativas e políticas públicas levadas a cabo para a


efetivação do direito fundamental ao saneamento básico, típico direito fundamental de
feição socioambiental, deve o Legislador – e, em certa medida, também o Administrador
– atentar para a garantia constitucional da proibição de retrocesso ambiental, conforme
resulta expresso na norma em comento.

Seguindo na análise da legislação brasileira, é importante destacar, ainda, que há um


déficit de proteção ambiental existente hoje, na medida em que, como é visível na questão
do aquecimento global, impõem-se medidas no sentido de “recuar” em termos de práticas
poluidoras – por exemplo, reduzir as emissões dos gases geradores do efeito estufa –, não
sendo suficiente apenas impedir que tais práticas sejam ampliadas.
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Em sintonia com tal entendimento, com o intuito de fazer com que as práticas
poluidoras “recuem” – através da “redução dos impactos” da ação humana sobre o
ambiente – e a qualidade ambiental melhore de forma progressiva, a Lei da Política
Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC (Lei 12.187/2009), que, além de enunciar,
no caput do art. 3o, como diretrizes para a questão climática, a consagração dos princípios
da precaução, da prevenção, da participação cidadã e do desenvolvimento sustentável –
bem como do princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, aplicado no
âmbito internacional –, estabelece, no mesmo artigo citado, inciso I, que “todos têm o
dever de atuar, em benefício das presentes e futuras gerações, para a redução dos impactos
decorrentes das interferências antrópicas sobre o sistema climático”.

No caso especialmente da legislação ambiental que busca dar operatividade ao dever


constitucional de proteção do ambiente, há que se assegurar a sua blindagem contra
retrocessos que a tornem menos rigorosa ou flexível, não admitindo que voltem a ser
adotadas práticas poluidoras hoje proibidas, assim como buscar sempre um nível mais
rigoroso de proteção, considerando especialmente o déficit legado pelo nosso passado e
um “ajuste de contas” com o futuro, no sentido de manter um equilíbrio ambiental
também para as futuras gerações. O que não se admite, até por um princípio de justiça
(equidade e solidariedade) entre gerações humanas, é que sobre as gerações futuras recaia
integralmente o ônus do descaso ecológico perpetrado pelas das gerações presentes e
passadas.

A doutrina, sensível à questão e, sobretudo, à atual tendência de “flexibilização” da


legislação ambiental, o que se vê de modo preocupante no caso brasileiro, tem caminhado
no sentido de consagrar a vertente ecológica do princípio da proibição de retrocesso,
inclusive a pontos de reconhece-lo como um novo princípio geral do Direito Ambiental.
Nesse sentido, Antônio H. Benjamin assinala que a proibição de retrocesso “transformou-
se em princípio geral do Direito Ambiental, a ser invocado na avaliação da legitimidade
de iniciativas legislativas destinadas a reduzir o patamar de tutela geral do meio ambiente,

mormente naquilo que afete em particular: a) processos ecológicos essenciais, b)


ecossistemas frágeis ou à beira de colapso e) espécies ameaçadas de extinção”.

Ao analisar a proibição de retrocesso ambiental (ou princípio da não regressão, como


prefere), Michel Prieur assinala que “a regressão não deve, jamais, ignorar a preocupação
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de tornar cada vez mais efetivos os direitos protegidos. Enfim, o recuo de um direito não
pode ir aquém de certo nível, sem que esse direito seja desnaturado. Isso diz respeito tanto
aos direitos substanciais como aos direitos procedimentais.

Deve-se, assim, considerar que, na seara ambiental, existe um nível de obrigações


jurídicas fundamentais de proteção, abaixo do qual toda medida nova deveria ser vista
como violando o direito ao ambiente”.

Em outras palavras, não se deixa de admitir uma margem de discricionariedade do


legislador em matéria ambiental, mas, como bem colocado por Prieur, existem fortes
limites à adoção de medidas restritivas no tocante aos direitos ecológicos, tanto pelo
prisma material quanto processual (ou procedimental).

Assumindo como correta a tese de que a proibição de retrocesso não pode impedir
qualquer tipo de restrição a direitos socioambientais, parte-se aqui da mesma diretriz que,
de há muito, tem sido adotada no plano da doutrina especializada, notadamente a noção
de que sobre qualquer medida que venha a provocar alguma diminuição nos níveis de
proteção (efetividade) dos direitos fundamentais recai a suspeição de sua ilegitimidade
jurídica, portanto, na gramática do Estado Constitucional, de sua inconstitucionalidade,
acionando assim um dever no sentido de submeter tais medidas a um rigoroso controle
de constitucionalidade, onde assumem importância os critérios da proporcionalidade (na
sua dupla dimensão anteriormente referida), da razoabilidade e do núcleo essencial (com
destaque para o conteúdo “existencial”) dos direitos socioambientais, sem prejuízo de
outros critérios, como é o da segurança jurídica e dos seus respectivos desdobramentos.

No campo da edição de atos legislativos e administrativos que afetam o âmbito de


proteção dos direitos ecológicos ou mesmo socioambientais, é preciso ter sempre presente
que tanto o legislador quanto o administrador encontram-se vinculados às proibições de
excesso e de insuficiência de proteção, portanto, deverão observar as exigências internas
do princípio da proporcionalidade, quais sejam, da adequação, da necessidade e da
proporcionalidade em sentido estrito, bem como da razoabilidade, mas que são –
juntamente com a segurança jurídica (em especial a proteção da confiança e dos direitos
adquiridos) reconhecidos por expressiva doutrina como indispensáveis também ao
controle de medidas restritivas em matéria de direitos ecológicos. A título de exemplo, o
STJ reconheceu na sua jurisprudência a existência de direitos adquiridos ambientais, no
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sentido de impedir a redução do patamar normativo de proteção ambiental vigente,


inclusive no sentido da existência de “limite constitucional intocável e instransponível”.

 JURISPRUDÊNCIA STJ.

Direitos adquiridos ambientais: “’o novo Código Florestal não pode


retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais
adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem
as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de
ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de
transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da
‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e a restauração
dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1o, I)”. A garantia ou
constitucional da proibição de retrocesso ambiental ou ecológico, tem
ganhado cada vez mais destaque no cenário jurídico brasileiro, tanto
do ponto de vista doutrinário quanto jurisprudencial. De tal sorte, a
garantia (e princípio) constitucional em análise assume importância
ímpar na edificação do Estado de Direito contemporâneo, pois opera
como instrumento jurídico apto a assegurar, em conjugação com
outros elementos, níveis normativos mínimos em termos de proteção
jurídica do ambiente, bem

como, numa perspectiva mais ampla, de tutela da dignidade da pessoa


humana e do direito a uma existência digna, sem deixar de lado a
responsabilidade para com as gerações humanas vindouras.

PREÂMBULO DO ACORDO DE PARIS (2015), a comunidade


internacional reconhece “a necessidade de uma resposta eficaz e e
progressiva à ameaça urgente da mudança do clima com base no
melhor conhecimento científico disponível”.

PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO ECOLÓGICO


CONSAGRADO NO ROL DE PRINCÍPIOS DO ACORDO DE
ESCAZÚ (2018):
Artigo 3 – Princípios - Na implementação do presente Acordo, cada
Parte será guiada
pelos seguintes princípios:
a) princípio de igualdade e princípio de não discriminação;
b) princípio de transparência e princípio de prestação de contas;
c) princípio de vedação do retrocesso e princípio de progressividade;
d) princípio de boa-fé;
e) princípio de prevenção;
f) princípio de precaução;
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g) princípio de equidade intergeracional;


h) princípio de máxima publicidade;
i) princípio de soberania permanente dos Estados sobre seus recursos
naturais;
j) princípio de igualdade soberana dos Estados;
k) princípio pro persona.

 JURISPRUDÊNCIA STJ.

Princípio da não regressão (ou da proibição de retrocesso)


urbanístico-ambiental. “PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO,
AMBIENTAL E URBANÍSTICO. LOTEAMENTO CITY LAPA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA.
RESTRIÇÕES URBANÍSTICO-AMBIENTAIS CONVENCIONAIS
ESTABELECIDAS PELO LOTEADOR. ESTIPULAÇÃO
CONTRATUAL EM FAVOR DE TERCEIRO, DE NATUREZA
PROPTER REM. DESCUMPRIMENTO. PRÉDIO DE NOVE
ANDARES, EM ÁREA ONDE SÓ SE ADMITEM RESIDÊNCIAS
UNIFAMILIARES. PEDIDO DE DEMOLIÇÃO. VÍCIO DE
LEGALIDADE E DE LEGITIMIDADE DO ALVARÁ. IUS VARIANDI
ATRIBUÍDO AO MUNICÍPIO. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA
NÃO REGRESSÃO (OU DA PROIBIÇÃO DE RETROCESSO)
URBANÍSTICO- AMBIENTAL. (...) 1. As restrições urbanístico-
ambientais convencionais, historicamente de pouco uso ou respeito no
caos das cidades brasileiras, estão em ascensão, entre nós e no Direito
Comparado, como veículo de estímulo a um novo consensualismo
solidarista, coletivo e intergeracional, tendo por objetivo primário
garantir às gerações presentes e futuras espaços de convivência
urbana marcados pela qualidade de vida, valor estético, áreas verdes
e proteção contra desastres naturais. (...) 10. O relaxamento, pela via
legislativa, das restrições urbanístico-ambientais convencionais,
permitido na esteira do iusvariandi de que é titular o Poder Público,
demanda, por ser absolutamente fora do comum, ampla e forte
motivação lastreada em clamoroso interesse público, postura
incompatível com a submissão do Administrador a necessidades
casuísticas de momento, interesses especulativos ou vantagens
comerciais dos agentes econômicos. 11. O exercício do ius variandi,
para flexibilizar restrições urbanístico-ambientais contratuais, haverá
de respeitar o ato jurídico perfeito e o licenciamento do
empreendimento, pressuposto geral que, no Direito Urbanístico, como
no Direito Ambiental, é decorrência da crescente escassez de espaços
verdes e dilapidação da qualidade de vida nas cidades. Por isso mesmo,
submete- se ao princípio da não regressão (ou, por outra terminologia,
princípio da proibição de retrocesso), garantia de que os avanços
urbanístico-ambientais conquistados no passado não serão diluídos,
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destruídos ou negados pela geração atual ou pelas seguintes (...)” (STJ,


REsp 302.906/SP, 2.a T., rel. Min. Herman Benjamin, j. 26.08.2010).

 JURISPRUDÊNCIA STF

Proibição de retrocesso ecológico:

1) O caso da suspensão do defeso e a proibição de retrocesso ecológico


(ADI 5.447/DF).

2) O caso do NOVO CÓDIGO FLORESTAL – LEI 12.651/2012


(ADIS 4.901, 4.902 E 4.903), como referido ontem na audiencia publica
pelo Mauricio Gueta, a nossa Corte Constitucional reconheceu a
proibicao de retrocesso ambiental como um principio do nosso sistema
juridico.

3) O caso da redução dos limites de unidade de conservação por


medida provisória: a proteção do núcleo essencial do direito
fundamental ao ambiente e vedação de retrocesso ecológico (ADI
4.717/DF). A decisão do STF reconheceu a impossibilidade de
diminuição ou supressão de espaços territoriais especialmente
protegidos por meio de medida provisória. Segundo a Corte, a proteção
ao meio ambiente é um limite material implícito à edição de medida
provisória, ainda que não conste expressamente do elenco das
limitações previstas no art. 62, § 1o, da CF/1988. Além disso, segundo
a nossa Corte Constitucional, as normas que importem diminuição da
proteção ecológica só podem ser editadas por meio de “lei formal”. A
adoção de Medida Provisória nessas hipóteses, conforme entendimento
do STF, “possui evidente potencial de causar prejuízos irreversíveis ao
meio ambiente na eventualidade de não ser convertida em lei”. No que
tange ao aspecto material, segundo a Corte, a norma impugnada
“contrariou o princípio da proibição de retrocesso socioambiental.
Isso porque as alterações legislativas atingiram o núcleo essencial do
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
(art. 225 da CF/1988)”.

ADI 3.646, PRINCIPIO DA PROGRESSIVIDADE e UCs (ACO 838)


O Min. Alexandre de Moraes proferida em 16.05.2019, julgou
improcedente a Ação Cível Originária (ACO) 838, na qual o Estado de
Santa Catarina pedia a declaração de nulidade do Decreto
Presidencial 19/2005, que criou o Parque Nacional das Araucárias. O
Min. Alexandre de Morais, muito embora não tenha utilizado a
expressão “princípio da progressividade”, decidiu o caso tomando por
base as premissas que o caracterizam. O Ministro assinalou que a
exigência de lei para a alteração de espaços ambientais, prevista no
artigo 225, parágrafo 1o, inciso III, da CF/1988, visa à manutenção de
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um determinado nível de proteção ambiental. “Entretanto, essa


garantia não pode agir em detrimento da melhoria do nível de proteção
ambiental...”.

Competência legislativa concorrente, proibição de retrocesso e dever


de progressividade em matéria de Direitos (Humanos e Fundamentais)
Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais - DESCA (ADI 5016/BA,
Rel. Min. Rel. Min. Alexandre de Moraes, j. 11.10.2018) “A lei atacada
resultou em afronta ao princípio da vedação do retrocesso, que
impossibilita qualquer supressão ou limitação de direitos fundamentais
já adquiridos. Tal garantia se coaduna com os princípios da dignidade
da pessoa humana e da segurança jurídica, estabelecendo um dever de
progressividade em matérias sociais, econômicas, culturais e
ambientais”.

RESOLUÇÕES DO CONAMA MC na ADPF 747/DF). Voto-relator da


ministra Rosa Weber: status de ato normativo primário das resoluções
do CONAMA, entendeu por suspender os efeitos da Resolução
CONAMA nº 500/2020 e restabeleceu a vigência e eficácia das
resoluções CONAMA nº 284/200, 302/20002 e 303/2002 que haviam
sido revogadas, sob fundamento, entre outros de violação aos deveres
de proteção ambiental do Estado e ao princípio da proibição de
retrocesso ecológico.

Dimensão organizacional e procedimental dos DFs.

ADPF 623, Min. Rosa Webwer: “tenho por inequívoco que a lesão ou
ameaça aos preceitos fundamentais da participação popular direta
(art. 1º, parágrafo único, CF) da proibição do retrocesso institucional
e socioamnbiental (art. 1º, caput e inciso III; art. 5º, inciso XXXVI e
paragrafo 1º; e art 60, par. 4º, IV CF) da igualdade em sua dimensão
política e procedimental (art. 5º, inciso I, CF) e da proteção do meio
ambiente (art. 225 CF) considerada a posição de centralidade que
esses preceitos fundamentais assumem no desenho institucional da
Constituição, mostra-se passível de desfigurar a identidade e estrutura
do constitucionalismo pátrio”.

“A restrição substancial do espaço de representação e participação da


sociedade civil nas decisões acerca das políticas ambientais implica em
igual medida a redução no âmbito de proteção normativa do direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, configurando ofensa ao
princípio do retrocesso institucional.
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Assim a alteração normativa, ao atingir o espaço decisório responsável


pela normativa ambiental, atravessa o núcleo essencial do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e esbarra
na vedação do retrocesso socioambiental.”

Min. Fachin: “Logo, não há incompatibilidade entre os artigos 231 e


225 do texto constitucional, pois os índios detém todo o interesse na
proteção dessas áreas. A manutenção das florestas, da biodiversidade,
de rios e lagos despoluídos, asseguram o, mantendo a qualidade de
vida dessas com direito ao usufruto excluído das riquezas naturais
unidades. A dupla afetação entre terras indígenas e áreas de proteção
ambiental não é inviável, ao revés, como demonstra o diploma
normativo acima citado”.

“Nada obstante, em se considerando o direito originário das


comunidades indígenas, as políticas de proteção ambiental não podem
interferir no exercício das atividades tradicionais dos índios, a uma,
porque não as configuram em ações predatórias ao meio ambiente, a
duas, porque os usos, costumes e tradições indígenas consistem no
núcleo do reconhecimento da tradicionalidade da ocupação tutelada
pelo artigo 231 do texto constitucional.”

10. ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL

 Violação massiva aos direitos fundamentais e que impactam grupos vulneráveis.

À luz de alguns exemplos, podemos identificar situações que ilustram a profunda e


sistemática incapacidade institucional do Estado – em especial, do Poder Executivo – de
gerenciar as políticas públicas ambientais de modo minimamente eficiente e suficiente
(em face do princípio da proibição de proteção insuficiente ou deficiente), como ilustram
de forma categórica o aumento galopante do desmatamento na Amazônia e no Pantanal
Matogrossense, os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), bem como, por
último, o derramamento de óleo no litoral do Nordeste (2019). Tais situações, dadas a sua
magnitude e violação massiva de direitos fundamentais que provocam e provocaram,
demandam uma atuação do Poder Judiciário no sentido de dar respostas de âmbito
estrutural, ou seja, medidas corretivas de grande amplitude nas políticas públicas levadas
a efeito pelo Poder Executivo.
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É aí que surge a discussão acerca do “estado de coisas inconstitucional ambiental ou


ecológico”, recordando-se que o STF já se serviu de tal instituto jurídico – utilizado de
forma pioneira pela Corte Constitucional colombiana – no julgamento da ADPF 347/DF,
ao tratar, entre outros aspectos, da superlotação e violação massiva de direitos
fundamentais verificada no âmbito do sistema carcerário brasileiro. Na doutrina, destaca-
se estudo pioneiro de Bleine Queiroz Caúla e Francisco Lisboa Rodrigues sobre a versão
“ecológica” do instituto do estado de coisas inconstitucional:

“(...) o princípio constitucional da separação dos poderes não pode


obstar a aplicação da técnica decisória do Estado de Coisas
Inconstitucional pelo Poder Judiciário como medida de
proporcionalidade e razoabilidade dos limites de cada Poder. Referido
princípio não é um escudo para proteger a administração pública das
decisões judiciais que coíbam a generalizada violação dos direitos
fundamentais. Deve ser ponderado o cabimento do controle
jurisdicional das políticas públicas ambientais preventivas dos danos
irreversíveis resultantes da inobservância do Poder Executivo à
obrigação de realização do direito fundamental ao ambiente e os
direitos humanos que com ele estejam imbrincados. (...) o debate sobre
o Estado de Coisas Inconstitucional Ambiental nasce a partir da
inobservância do Poder Executivo (federal, estadual e municipal) aos
graves riscos ambientais e suas irreversíveis consequências danosas à
Natureza e à sociedade – real afrontamento à sadia qualidade de vida
e o meio ambiente equilibrado para a presente e as futuras gerações.
Os princípios da prevenção e da responsabilidade são preteridos pelos
interesses econômicos. A aplicação do ECI Ambiental é uma
excepcionalidade para corrigir uma obrigação de não fazer ou impor
a obrigação de fazer (funções precípuas e fiscalizatória). O Poder
Judiciário atuará como o protagonista da medida coercitiva que
restabeleça a segurança jurídica e a efetividade da norma
constitucional. A Constituição, ao preceituar a harmonização entre os
Poderes, conduz ao diálogo de correção. Quando um dos poderes não
atingir a máxima responsabilidade a ele inerente, caberá uma
correção-comando-tarefa que o obrigue a cumpri-la na sua
integralidade. A independência dos Poderes não significa blindagem
de eximi-lo de um comando de correção-obrigação de executar suas
responsabilidades constitucionais. A aplicação do Estado de Coisas
Inconstitucional Ambiental pode ser o remédio preventivo para a má
gestão administrativa pública ambiental. Medidas cautelares poderão
inibir a continuidade da negligência do poder público. O Poder
Judiciário pode utilizarse da ferramenta do Estado de Coisas
Inconstitucional para reforçar o comprometimento e esforços dos
governos locais (estados e municípios) na prossecução de suas
funções”.
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A Corte Constitucional colombiana estabelece os “fatores” caracterizadores do estado


de coisas inconstitucional:

“Dentro de los factores valorados por la Corte para definir si existe un


estado de cosas inconstitucional, cabe destacar los siguientes: (i) la
vulneración masiva y generalizada de varios derechos constitucionales
que afecta a un número significativo de personas; (ii) la prolongada
omisión de las autoridades en el cumplimiento de sus obligaciones para
garantizar los derechos; (ii) la adopción de prácticas
inconstitucionales, como la incorporación de la acción de tutela como
parte del procedimiento para garantizar el derecho conculcado; (iii) la
no expedición de medidas legislativas, administrativas o
presupuestales necesarias para evitar la vulneración de los derechos;
(iv) la existencia de un problema social cuya solución compromete la
intervención de varias entidades, requiere la adopción de un conjunto
complejo y coordinado de acciones y exige un nivel de recursos que
demanda un esfuerzo presupuestal adicional importante; (v) si todas
las personas afectadas por el mismo problema acudieran a la acción
de tutela para obtener la protección de sus derechos, se produciría una
mayor congestión judicial”

Tomando por base os fatores e situações descritas pela Corte Constitucional


colombiana, é perfeitamente possível o enquadramento de violações massivas a direitos
ecológicos na configuração do instituto do estado de coisas inconstitucional, como
verificado nos exemplos citados no início deste tópico, ressaltando-se a persistente
omissão do Estado em dar respostas efetivas e satisfatórias.

A título de exemplo, a redução contundente da estrutura administrativa de proteção


ecológica reforça o movimento refratário e omissivo do Estado – notadamente do Poder
Executivo – de assegurar o cumprimento da norma constitucional consagrada no art. 225
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da CF/1988. A discussão em torno de um suposto “estado de coisas inconstitucional em


matéria ambiental” tomou assento recentemente no STF na ADPF 708/DF (Caso Fundo
Clima). O argumento foi suscitado na inicial e endossado na decisão do Ministro-Relator
Luís Roberto Barroso que convocou audiência pública (realizada nos dias 21 e
22.09.2020) para ouvir autoridades, especialistas e entidades da sociedade civil, a fim de
estabelecer um relato oficial sobre as políticas públicas ambientais e a situação verificada
especialmente em relação ao desmatamento na região amazônica, de modo a apurar a
caracterização ou não de um “estado de coisas inconstitucional em matéria ambiental”.

Como fundamentos lançados na inicial pelos autores da ação para a sua configuração,
destacam-se: ações e omissões persistentes, comprometedoras da tutela do meio ambiente
e da operação do Fundo Clima, imputáveis a autoridades diversas e ensejadoras de
violações massivas a direitos fundamentais, tudo a sugerir a existência de um estado de
coisas inconstitucional em matéria ambiental. A decisão judicial a ser tomada diante da
caracterização de um estado de coisas inconstitucional envolve a adoção das denominadas
medidas estruturais ou estruturantes, ingressando o Poder Judiciário no âmbito do
controle das políticas públicas, dada a excepcionalidade e gravidade da situação,
caracterizada, na sua essência, pelas ações e omissões sistemáticas e reiteradas do Estado
(por diversos órgãos da estrutura estatal) e violação massiva de direitos fundamentais.

No caso da ADPF 708/DF, as ações e omissões reiteradas e sistemáticas são atribuídas,


por exemplo, a órgãos como o Ministério do Meio Ambiente, o IBAMA, o ICMBio, a
FUNAI, entre outros, resultando, em última instância, num cenário administrativo e
políticas públicas em total desacordo com os deveres constitucionais de proteção
ecológica impostos pelo art. 225 da CF/1988. Além da imposição de medidas judiciais
para a correção de tal situação de violação massiva a direitos fundamentais, é possível
suscitar também a instalação de comitê ou comissão de emergência ou crise ambiental
(ou sala de situação ambiental) - formada por autoridades e órgãos públicos, entidades
científicas (universidades, institutos, etc.), entidades da sociedade civil de proteção
ecológica, entidades representantes de povos indígenas, etc. -, a im de possibilitar a gestão
da crise ambiental, subsidiar a tomada de decisões e o acompanhar o cumprimento das
medidas impostas judicialmente.

No STF, tramita nesse sentido a ADPF 743/DF, proposta pelo Partido Rede
Sustentabilidade, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, em que é pleiteada, além do
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reconhecimento de um estado de coisas inconstitucional decorrente da omissão e


insuficiência das políticas públicas ambientais do Governo Federal e imposição de
inúmeras medidas – por exemplo, que apresente, no prazo de 10 dias, um plano de
prevenção e combate aos incêndios no Pantanal e na Amazônia -, a criação de uma “sala
de situação”, de modo a permitir a gestão da crise em questão, subsidiar a tomada de
decisões e o acompanhar o cumprimento das medidas impostas judicialmente. Na ADPF
709/DF, o Ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, determinou que o governo
federal adote uma série de medidas para conter o contágio e a mortalidade por Covid19
entre a população indígena, entre as quais: planejamento com a participação das
comunidades, ações para contenção de invasores em reservas e criação de barreiras
sanitárias no caso de indígenas em isolamento (aqueles que por escolha própria decidiram
não ter contato com a sociedade) ou contato recente (aqueles que têm baixa compreensão
do idioma e costumes), acesso de todos os indígenas ao Subsistema Indígena de Saúde e
elaboração de plano para enfrentamento e monitoramento da Covid-19.

Ademais, o Ministro determinou a instalação de “sala de situação” - prevista em


portaria do Ministério da Saúde e da Funai -, pelo Governo Federal para gestão de ações
de combate à pandemia quanto a povos indígenas em isolamento ou de contato recente,
com participação das comunidades, por meio da APIB, da Procuradoria-Geral da
República e da Defensoria Pública da União. A Corte Suprema de Justiça argentina, em
ação coletiva de proteção ambiental promovida por associação civil ("Equística Defensa
del Medio Ambiente") contra o Estado Nacional, as províncias de Santa Fé e Entre Ríos
e os municípios de Rosário e Victoria, devido aos incêndios irregulares que vêm
ocorrendo na cadeia de ilhas ao largo da costa da cidade de Rosário, em decisão de
11.08.2020, ordenou, como medida preventiva, que as províncias e municípios
processados constituíssem, imediatamente, um Comitê de Emergência Ambiental, com o
objetivo de adotar medidas efetivas para a prevenção, controle e cessação de incêndios
irregulares na região do Delta do Paraná.

A decisão ordenou igualmente que, dentro de 15 dias de calendário, fosse apresentado


ao Tribunal um relatório sobre o cumprimento da medida ordenada, a criação do Comitê
de Emergência Ambiental e as ações tomadas. O Tribunal considerou, amparado na
recente legislação climática argentina - Lei de Pressupostos Mínimos de Adaptação e
Mitigação ao Câmbio Climático Global (Lei 27.520, de 18 de dezembro de 2019) -, que
existem elementos suficientes para considerar que os incêndios acima mencionados,
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embora constituam uma prática antiga, adquiriram uma dimensão que afeta todo o
ecossistema e a saúde da população, de modo que não se trata de uma queima isolada de
pastagens, mas sim o efeito cumulativo de numerosos incêndios que se espalharam por
toda a região, colocando o meio ambiente em risco.

O Poder Judiciário, diante de tal cenário institucional omissivo e violador de direitos


fundamentais em escala massiva, deve assumir o papel de guardião da Constituição e dos
direitos fundamentais – entre eles o direito fundamental a viver em um meio ambiente
íntegro, de qualidade e seguro –, exercendo a coordenação das políticas públicas
necessárias à correção de tal cenário violador de direitos, por meio, inclusive, do que se
poderia denominar de uma governança judicial ecológica.

11. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL LEGISLATIVA E


ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA AMBIENTAL (LEI COMPLEMENTAR Nº
140/2011)

O exercício das competências constitucionais (legislativas e executivas) em matéria


ambiental, respeitados os espaços político-jurídicos de cada ente federativo, deve rumar
para a realização do objetivo constitucional expresso no art. 225 da CF/88, inclusive
mediante a caracterização de um dever de cooperação entre os entes federativos no
cumprimento dos seus deveres de proteção ambiental. O respeito ao marco democrático-
participativo que permeia a nossa Lei Fundamental também implica a conformação das
competências constitucionais ambientais ao princípio da subsidiariedade, enquanto
princípio constitucional implícito no nosso sistema constitucional, o qual conduz à
descentralização do sistema de competências e ao fortalecimento da autonomia dos entes
federativos inferiores (ou periféricos) naquilo em que representar o fortalecimento dos
instrumentos de proteção ambiental e dos mecanismos de participação política, sob o
marco jurídico-constitucional de um federalismo cooperativo ecológico.

JURISPRUDÊNCIA:

 FEDERALISMO COOPERATIVO ECOLÓGICO – voto da Ministra Carmem Lucia,


dever de proteger o meio ambiente ecológico art. 225 CF, correlação direta de que todos
os entes federativos são dotados de autonomia.
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O professor menciona que tratara mais adiante sobre os artigos da Constituição


Federal mais especificadamente.

Artigo 225 CF.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente


equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade
de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O professor apresenta algumas críticas ao assunto e conceitos de evolução histórica


importante atentar a aula nesse momento. Apresentando que a mudança de
paradigma deu-se com a decisão do Caso Amianto, já debatida em alguns momentos
no material, quanto ao papel dos Estados e Municípios na repartição de
competências.

Alinha-se a tal ideário normativo, a autonomia assegurada aos entes federativos (arts.
1.º e 18) pela da CF/1988, em especial, a consagração do status federativo dos entes
municipais, bem como a delimitação constitucional de competências entre os entes
federativos, com um rol considerável (16 incisos) de competências legislativas
concorrentes (art. 24), assim como um amplo rol de matérias constantes da competência
executiva comum a todos os entes federativos (art. 23).

Art. 18. A organização político-administrativa da República


Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.

Esse cenário normativo sedimenta um sistema “vertical” de distribuição de


competências, com o nítido propósito de alicerçar um modelo constitucional
descentralizador do poder político. A LC 140/2011, por sua vez, incorporou de modo
explícito o princípio da cooperação ao ordenamento jurídico nacional, ao regulamentar
os incs. III, VI e VII, do art. 23 da CF/1988, dispondo sobre a competência administrativa
dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) em matéria
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ambiental. A devida compreensão da distribuição das competências legislativas deve


estar em sintonia com uma compreensão contextual e sistemática do texto constitucional,
sobretudo em vista dos valores, princípios direitos fundamentais que lhe dão sustentação
normativa. O cenário constitucional trazido pela CF/1988 revela, a nosso ver, expressão
da vontade constituinte de descentralizar o poder político e ampliar o suporte democrático
do nosso sistema federativo, inclusive na perspectiva de uma democracia participativa
ecológica.

JURISPRUDENCIA STF.
Competência legislativa em matéria ambiental, federalismo e
descentralização política em favor dos entes menores ou periféricos.
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI MUNICIPAL 4.253/85 DO
MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE. PREVISÃO DE IMPOSIÇÃO
DE MULTA DECORRENTE DA EMISSÃO DE FUMAÇA ACIMA
DOS PADRÕES ACEITOS. ALEGAÇÃO DE
INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA À REGRA
CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS
FEDERATIVAS. INOCORRÊNCIA. NORMA RECEPCIONADA
PELO TEXTO VIGENTE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE
SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos casos em que a dúvida sobre a
competência legislativa recai sobre norma que abrange mais de um
tema, deve o intérprete acolher interpretação que não tolha a
competência que detêm os entes menores para dispor sobre determinada
matéria (presumption Against preemption). 2. Porque o federalismo é
um instrumento de descentralização política que visa realizar direitos
fundamentais, se a lei federal ou estadual claramente indicar, de forma
adequada, necessária e razoável, que os efeitos de sua aplicação
excluem o poder de complementação que detêm os entes menores (clear
statement rule), é possível afastar a presunção de que, no âmbito
regional, determinado tema deve ser disciplinado pelo ente menor. 3.
Na ausência de norma federal que, de forma nítida (clear statement
rule), retire a presunção de que gozam os entes menores para, nos
assuntos de interesse comum e concorrente, exercerem plenamente sua
autonomia, detêm Estados e Municípios, nos seus
respectivos âmbitos de atuação, competência normativa. 4. Recurso
extraordinário a que se nega provimento. (STF, RE 194.704/MG,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso; Rel. p/ Acórdão Min. Edson
Fachin, j. 29.06.2017).

JURISPRUDENCIA STF. Competência legislativa em matéria


ambiental, federalismo e descentralização política em favor dos entes
menores ou periféricos. “RECURSO EXTRAORDINÁRIO. LEI
MUNICIPAL 4.253/85 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE.
PREVISÃO DE IMPOSIÇÃO DE MULTA DECORRENTE DA
EMISSÃO DE FUMAÇA ACIMA DOS PADRÕES ACEITOS.
ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OFENSA À
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REGRA CONSTITUCIONAL DE REPARTIÇÃO DE


COMPETÊNCIAS FEDERATIVAS. INOCORRÊNCIA. NORMA
RECEPCIONADA PELO TEXTO VIGENTE. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Nos
casos em que a dúvida sobre a competência legislativa recai sobre
norma que abrange mais de um tema, deve o intérprete acolher
interpretação que não tolha a competência que detêm os entes menores
para dispor sobre determinada matéria (presumption Against
preemption). 2. Porque o federalismo é um instrumento de
descentralização política que visa realizar direitos fundamentais, se a
lei federal ou estadual claramente indicar, de forma adequada,
necessária e razoável, que os efeitos de sua aplicação excluem o poder
de complementação que detêm os entes menores (clear statement rule),
é possível afastar a presunção de que, no âmbito regional, determinado
tema deve ser disciplinado pelo ente menor. 3. Na ausência de norma
federal que, de forma nítida (clear statement rule), retire a presunção de
que gozam os entes menores para, nos assuntos de interesse comum e
concorrente, exercerem plenamente sua autonomia, detêm Estados e
Municípios, nos seus respectivos âmbitos de atuação, competência
normativa. 4. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (STF,
RE 194.704/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso; Rel. p/
Acórdão Min. Edson Fachin, j. 29.06.2017).

12. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA AMBIENTAL (art. 22 da CF/88)

Matérias consagradas no art. 22 da CF/88 relacionadas à proteção ambiental.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:


I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário,
marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
II - desapropriação;
III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em
tempo de guerra;
IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
V - serviço postal;
VI - sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
VII - política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
VIII - comércio exterior e interestadual;
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e
aeroespacial;
XI - trânsito e transporte;
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
XIII - nacionalidade, cidadania e naturalização;
XIV - populações indígenas;
XV - emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de
estrangeiros;
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XVI - organização do sistema nacional de emprego e condições para o


exercício de profissões;
XVII - organização judiciária, do Ministério Público do Distrito
Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios, bem
como organização administrativa destes; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 69, de 2012) (Produção de efeito)
XVIII - sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia
nacionais;
XIX - sistemas de poupança, captação e garantia da poupança
popular;
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico,
garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das
polícias militares e dos corpos de bombeiros militares; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e
ferroviária federais;
XXIII - seguridade social;
XXIV - diretrizes e bases da educação nacional;
XXV - registros públicos;
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as
modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e
fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,
obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e
sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III;
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
XXVIII - defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima,
defesa civil e mobilização nacional;
XXIX - propaganda comercial.
Parágrafo único. LEI COMPLEMENTAR PODERÁ AUTORIZAR
os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias
relacionadas neste artigo.

A competência legislativa em matéria ambiental revela o “movimento” do Estado-


Legislador rumo ao cumprimento dos seus deveres constitucionais de tutela e promoção
do direito fundamental ao ambiente.
No campo ambiental, a CF/1988 foi bastante clara no tocante ao papel destinado ao
Legislador, inclusive enunciando expressamente diversas matérias a serem
regulamentadas no plano infraconstitucional. A título de exemplo, podem ser citadas,
além da previsão do art. 24, VI, VII e VIII, alguns dos incisos do § 1.º do art. 225, onde
está consagrado de forma expressa o comando constitucional dirigido ao Legislador,
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mas também ao Administrador no que diz com a execução da legislação, conforme ainda
teremos ocasião de verificar à frente 4.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar


concorrentemente
sobre: (...)
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do
solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da
poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e


paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico;

A CF/1988 estabeleceu, em linhas gerais, um regime jurídico-constitucional tanto


de competências legislativas privativas quanto de competências legislativas concorrentes,
atribuídas aos diferentes entes políticos que integram a federação brasileira. Há, de tal
sorte, competências legislativas privativas repartidas “horizontalmente” entre a União
(art. 22), os Estados (art. 25, § 1.º e § 3.º) e os Municípios (art. 30, I), muito embora a
possibilidade de delegação no caso da competência legislativa privativa da União
(art. 22, parágrafo único).

O exercício da competência legislativa privativa implica o exercício de tal


atribuição de forma ampla pelo ente federativo, razão pela qual a mesma se dá de forma
“horizontal”, ou seja, o ente federativo competente esgota toda a amplitude normativa
sobre o tema, independentemente de qualquer regulamentação legislativa complementar
a cargo de outro ente federativo, diferentemente do que ocorre no exercício da
competência legislativa concorrente, onde há uma espécie de exercício “vertical” de

4
Não se pode olvidar também a atuação do Estado-Administrador por meio da edição de decretos
regulamentares, os quais tem o propósito de transpor para o plano concreto os marcos normativos
elaborados pelo Estado-Legislador, permitindo a “execução” de políticas públicas. Em regra, como se
verifica na legislação brasileira em termos gerais, as leis ambientais são sempre seguidas pela edição de
decretos regulamentares.
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competências legislativas, já que se impõe a cooperação e atuação coordenada dos


diferentes entes federativos no exercício da mesma.

No âmbito da competência legislativa concorrente (art. 24), tal como sinalizado


anteriormente, a mesma é exercida de forma conjunta e articulada entre os entes
federativos, partindo-se da premissa de que a competência da União limitar-se–á a
estabelecer normas gerais (art. 24, § 1.º). Ou seja, compete à União estabelecer a
regulação normativa geral na matéria, o que não exclui a competência suplementar
dos Estados e do Distrito Federal (art. 24, § 2.º), bem como dos Municípios, conforme
veremos à frente.

A expressão “limitar-se-á” constante do dispositivo é elucidativa a respeito da “limitação”


da União na elaboração da norma geral, com o propósito de reservar aos demais entes
federativos espaço legislativo para suplementar a legislação editada no plano federal.
Além da arquitetura normativa estabelecida para o exercício da competência legislativa,
no sentido de estabelecer a atuação conjunta dos entes federativos, a CF/88 estabelece
também que, inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados – e também os
Municípios – exercerão a competência legislativa plena, para atender às suas
peculiaridades (art. 24, §3.º). Na hipótese de superveniência de lei federal sobre normas
gerais, prevê a norma constitucional a suspensão da eficácia da lei estadual no que lhe for
contrária (art. 24, § 4.º).

O Estado, nesse contexto, não está apenas “autorizado”, mas sim “obrigado”
constitucionalmente (aqui por força dos seus deveres de proteção e promoção) a
regulamentar a matéria ambiental nas mais diversas áreas (penal, civil, administrativa,
processual, tributária, urbanística etc.) com o propósito maior de promover a proteção
ambiental e elidir condutas e atividades lesivas ou potencialmente lesivas ao ambiente
perpetradas tanto por particulares (pessoas físicas e jurídicas) quanto pelos próprios entes
e agentes estatais.

JURISPRUDÊNCIA STF SOBRE COMPETÊNCIA LEGISLATIVA


AMBIENTAL 5

5
Atenção: O professor traz comentários adicionais em cada ponto em aula.
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- Energia nuclear: ADI 330 MC/RS, ADI 329/SC e ADI 1575/SP


- Agrotóxicos: Rp 1.153/RS
- Licenciamento ambiental: ADI 1.086/SC
- Caça: ADI 350/SP
- OGM: ADI 3.035/PR
- Amianto: ADI 3.937/SP e ADI 3.357/RS
- Queima da cana-de-açúcar: RE 586.224/SP
- Sacolas plásticas: RE 729.731/SP
- Fogos de artifícios ruidosos
- Plásticos – sacolas - de uso único (SP)

JURISPRUDÊNCIA STF SOBRE CONFLITOS LEGISLATIVOS

- Fogos de artifício (ADPF 567/SP) Min Alexandre de Moraes

“A proteção à saúde e ao meio ambiente são temas que concernem à


atuação de todos os entes da federação, portanto. Segundo a
jurisprudência desta Corte, em linhas de princípio, admite-se que os
Estados e Municípios editem NORMAS MAIS PROTETIVAS, com
fundamento em suas peculiaridades regionais e na preponderância de
seu interesse, conforme o caso. Nesse sentido, o precedente firmado na
ADI 3937-MC (Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJ de
10/10/2008, que tratou de lei estadual paulista que proibiu a produção
e circulação do amianto, confrontada com legislação federal que
admite o emprego dessa substancia, e o julgamento do RE 194.704
(Rel. para acórdão Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJE de
17/11/2011, em que validada lei do Município de Belo Horizonte/MG
que estabelecera padrões mais restritos de emissão de gases
poluentes.”

A iniciativa constitucional de fortalecer a esfera política local atende justamente


ao comando normativo do princípio da subsidiariedade. Tanto a previsão do inciso I do
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art. 30 da CF/1988, que assegura ao Município competência para legislar sobre assuntos
de “interesse local”, quanto à previsão do inciso II do art. 30, ao assinalar a competência
legislativa do Município para “suplementar a legislação federal e a estadual no que
couber”, reforçam essa perspectiva e dão suporte normativo suficiente, juntamente
com o marco democrático participativo consagrado pela CF/1988, para admitir a
consagração, de forma implícita, do princípio da subsidiariedade no nosso sistema
constitucional edificado em 1988, especialmente a partir da abertura material do
mesmo estabelecido no art. 5.º, § 2.º.

O STF reconheceu ainda a competência dos Municípios para legislar sobre


proteção do meio ambiente na tese fixada no julgamento do RE 586.224, sob a relatoria
do ministro Luiz Fux, (Tema 145 da repercussão geral):

“O município é competente para legislar sobre o meio ambiente com


a União e Estado, no limite do seu interesse local e desde que tal
regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais
entes federativos (art. 24. Inciso VI, c/c 30, incisos I e II da CF)” (STF
repercussão Geral, Tema 145)

13. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO EM MATÉRIA

A “regra geral” para a distribuição da competência legislativa em matéria


ambiental, conforme veremos adiante, é de natureza “concorrente”, ou seja, todos os entes
federativos podem legislar sobre o tema, mas dentro das diretrizes normativas traçadas
pela CF/88 (art. 24), ou seja, cabe à União a edição da norma geral, ao passo que aos
Estados e aos Municípios atribui-se a competência legislativa concorrente.

Neste tópico, no entanto, trataremos da competência legislativa privativa da União, a qual,


como já sinalizamos, foge à “regra geral” e se verifica, sob a ótica ecológica, em algumas
matérias específicas (como, por exemplo, atividades nucleares, águas, recursos minerais
e populações indígenas).
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Há diversas matérias consagradas no art. 22 da CF/88 como competência


legislativa privativa da União que – umas mais e outras menos – estão relacionadas e, por
diversas razões, interessam à proteção ambiental.

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...)


IV - águas, energia (...);
IX - diretrizes da política nacional de transportes;
X - regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e
aeroespacial;(...)
XII - jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;(...)
XIV - populações indígenas; (...)
XXVI - atividades nucleares de qualquer natureza; (...)
XXVIII – (...) defesa civil; (...)
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a
legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste
artigo.

JURISPRUDÊNCIA STF:

Conflito entre competência legislativa privativa da União (direito


marítimo) e competência legislativa concorrente do Estado (proteção
do meio ambiente e controle da poluição) O STF privilegiou
entendimento favorável ao exercício da competência legislativa
concorrente pelo ente federativo estadual. No caso, a Lei Estadual
11.078/99 do Estado de Santa Catarina, estabeleceu normas sobre o
controle de resíduos de embarcações, oleodutos e instalações costeiras
tendo a impugnação em face da mesma sido levantada como violação à
competência legislativa privativa da União disposta no art. 22, I da
CF/88, relativamente ao “direito marítimo”. Em passagem do seu voto
o min. Luiz Fux assinalou que: “não bastasse se tratar de exercício
legítimo de competência legislativa constitucionalmente
assegurada, a medida deve ser elogiada também quanto ao seu
conteúdo, tendo em vista a preocupação que o legislador estadual
manifestou em conferir tratamento mais protetivo ao meio
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ambiente”. (STF, ADI 2030/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar


Mendes, j. 09.08.2017).

MIN. AYRES BRITTO (CASO AMIANTO):

“quanto aos Estados e o Distrito Federal, estes diante da eventual


edição de normas federais de caráter geral (NORMAS GERAIS,
entenda-se) produzirão normas de tipo suplementar. Mas
SUPLEMENTAR – atente-se – como adjetivo de significado
precisamente dicionarizado: ACRESCER ALGUMA COISA,
FORNECER SUPLEMENTO OU ADITAMENTO, SUPRIMIR,
ACUDIR E INTEIRAR COM O OBJETIVO DE SOLVER OS
DÉFICITS DE PROTEÇÃO E DEFESA DE QUE AS NORMAS
GERAIS VENHAM A PADECER”.

- “ESPAÇO LEGISLATIVO” para os entes federativos, a partir dos


CONTEXTOS E ESPECIFICIDADES REGIONAIS E LOCAIS,
APERFEIÇOAREM A NORMA GERAL editada pela União no
âmbito da competência legislativa concorrente.

PRINCÍPIO DA PREDOMINANCIA DO INTERESSE E PRINCÍPIO


DEMOCRÁTICO NO STF:

“CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE


DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. VIOLAÇÃO À
COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA EXCLUSIVA DA UNIÃO
(CF, ART. 21, XIX). AFRONTA AO ART. 225, § 1º, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL E AO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO.
CONFIRMAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR. PROCEDÊNCIA.
1. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces
do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder
em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse.
2. Ao disciplinar regra de dispensa de outorga de direito de uso de
recursos hídricos, o art. 18, § 5º, da Lei 11.612/2009 do Estado da
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Bahia, com a redação dada pela Lei 12.377/2011, usurpa a


competência da União, prevista no art. 21, XIX, da Constituição
Federal, para definir critérios na matéria.
3. A dispensa de outorga de direito de uso de recursos hídricos para
perfuração de poços tubulares afronta a incumbência do poder público
de controlar o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente
(CF, art. 225, § 1º, V).
4. Os arts. 19, VI, e 46, XI, XVIII e XXI, da lei atacada dispensam a
manifestação prévia dos Comitês de Bacia Hidrográfica para a
atuação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos - CONERH, o que
reduz a participação da coletividade na gestão dos recursos hídricos,
contrariando o princípio democrático (CF, art. 1º). Da mesma
maneira, o art. 21 da lei impugnada suprime condicionantes à outorga
preventiva de uso de recursos hídricos, resultantes de participação
popular. Ferimento ao princípio democrático e ao princípio da
vedação do retrocesso social. 5. Medida Cautelar confirmada. Ação
Direta de Inconstitucionalidade julgada procedente (STF, ADI
5016/BA, Tribunal Pleno, Rel. Min Alexandre de Moraes, j.
11.10.2018).

14. COMPETÊNCIA EXECUTIVA (OU ADMINISTRATIVA) AMBIENTAL

O exercício da competência executiva em matéria ambiental diz respeito


justamente ao âmbito da atuação administrativa dos entes federativos na tutela e
promoção da proteção ambiental. Para além da elaboração da legislação ambiental, a
cargo do Estado-Legislador, cumpre, num segundo momento,
ao Estado-Administrador “executar” a legislação elaborada pelo primeiro. Em outras
palavras, cabe aos entes federativos, por meio da sua atividade administrativa, transpor a
legislação ambiental para o “mundo da vida”, assegurando a sua aplicação e efetividade.
É disso que se trata a competência executiva em matéria ambiental: estabelecer a
“mediação” entre o marco legislativo ambiental e a efetivação da proteção ambiental, por
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intermédio das práticas administrativas levadas a efeito pelos diversos entes federativos
e instâncias estatais. A CF/1988, no seu art. 23, consagrou a competência executiva (ou
material) comum em matéria ambiental, e, portanto, a tarefa – e responsabilidade solidária
– de todos os entes federativos, no sentido de, por meio da sua atuação administrativa.

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito


Federal e dos Municípios:
(...)
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,
artístico e cultural,
os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios
arqueológicos;(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de
suas formas;
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
(...)
Parágrafo único. Leis complementares fixarão normas para a
cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-
estar em âmbito nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 53, de 2006)

Nesse contexto, não se deve olvidar do rol considerável de deveres de proteção estatais
(que implicam medidas administrativas) arrolados no art. 225 da CF/1988, em especial
no seu § 1.º, conforme tratamos anteriormente, já que também ali há a consagração de
diversas medidas que envolvem a atuação administrativa dos entes federativos (por
exemplo, exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade).
Além da competência executiva comum entre os entes federativos estabelecida pelo art.
23 da CF/1988, há também a previsão de matérias de competência executiva (ou material)
de ordem exclusiva da União (art. 21).

Art. 21. Compete à União: (...)


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XVIII - planejar e promover a defesa permanente contra as


calamidades públicas,
especialmente as secas e as inundações”;
XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos hídricos
e definir critérios de outorga de direitos de seu uso;
XX - instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive
habitação, saneamento básico e transportes urbanos;
XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer
natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o
enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de
minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios
e condições.

Os dispositivos constitucionais que tratam da competência executiva comum em


matéria ambiental (art. 23, III, VI e VII) foram recentemente regulamentados no âmbito
infraconstitucional por meio da Lei Complementar 140/2011. O novo regramento
infraconstitucional fixa normas visando à cooperação entre os diferentes entes
administrativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência
comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente,
ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna
e da flora.
A partir da delimitação das atribuições de cada ente administrativo (União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios), a referida legislação objetiva a promoção de
uma gestão descentralizada das políticas ambientais, mas assegurando, ao mesmo tempo,
a uniformidade entre as mesmas por meio da cooperação entre os entes federativos. Trata-
se, sem dúvida, de marco normativo com nítido intuito de racionalização do sistema de
competências administrativas ambientais, as quais, até então, encontravam-se previstas
em diversos atos normativos dispersos, gerando inúmeras incompatibilidades na
efetivação da legislação ambiental.

A fiscalização e o controle das atividades lesivas ou potencialmente lesivas ao


ambiente, em vista do marco legislativo ambiental existente, se expressa pelo exercício
do poder de polícia ambiental, sem dúvida um dos exemplos mais significativos do
exercício da competência executiva na área ecológica. A respeito do tema, a Lei 9.605/98
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(Lei dos Crimes e Infrações Administrativas Ambientais), no seu art. 70, § 1.º, estabelece
que “são autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema
Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização
(...)”, bem como, no § 3.º do mesmo dispositivo, que “a autoridade ambiental que tiver
conhecimento de infração ambiental é obrigada a promover a sua apuração imediata,
mediante processo administrativo próprio, sob pena de corresponsabilidade”.
PARTE EXTRA.
LEI COMPLEMENTAR 140/2011 (COMPETÊNCIA ADMINISTRATIVA EM
MATÉRIA AMBIENTAL)

A depender de cada situação concreta voltada à efetivação das normas ecológicas,


é imposto ao Estado o dever de adotar tanto condutas positivas quanto negativas na sua
atuação, buscando potencializar ao máximo a proteção ambiental no âmbito das funções
estatais (legislativa, executiva e jurisdicional) de todos os entes da federação (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios), bem como de outras instituições estatais, como
é o caso do Ministério Público e da Defensoria Pública. Nesse sentido, vale lembrar que
a CF/1988, no seu art. 23 (III, VI e VII), consagrou a competência material comum em
matéria ambiental, e, portanto, a tarefa (e responsabilidade solidária) de todos os entes
federativos, no sentido de, por meio da sua atuação administrativa, atender ao comendo
normativo constitucional-ambiental.
De modo complementar, cumpre registrar que os inúmeros incisos do § 1º do art.
225 da CF/1988, conforme já tratado anteriormente, trazem, de forma expressa, uma série
de medidas protetivas (verdadeiros deveres de proteção estatais) a serem levadas a efeito
pelos entes públicos, consubstanciando projeções normativas de um dever geral de
proteção ambiental do Estado. O rol dos deveres de proteção ambiental do Estado traçado
pelo §1.º do art. 225 é, contudo, apenas exemplificativo, estando aberto a outros deveres
necessários a uma tutela abrangente e integral do ambiente, especialmente em razão do
surgimento permanente de novos riscos e ameaças à Natureza provocadas pelo avanço da
técnica, como é o caso hoje, por exemplo, das mudanças climáticas.
O marco constitucional referido foi regulamentado no âmbito infraconstitucional
por meio da Lei Complementar 140, de 08 de dezembro de 2011 (Lei sobre Competência
Administrativa em Matéria Ambiental). O diploma fixa normas, nos termos dos incisos
III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da CF/1988, visando à cooperação
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entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações administrativas


decorrentes do exercício da competência comum concernente à proteção ambiental,
como, por exemplo, o exercício do poder de polícia ambiental e o licenciamento
ambiental.
A nova legislação, mediante a delimitação das atribuições de cada esfera
administrativa, objetiva a promoção da gestão descentralizada das políticas ambientais,
mas, ao mesmo tempo, assegurar a uniformidade entre as mesmas por meio da cooperação
entre os entes federativos.
Adotando essa diretriz normativa, notadamente pela ótica da competência
ambiental administrativa, a LC 140/2011 incorporou de forma definitiva o princípio da
cooperação no ordenamento jurídico nacional (já reconhecido pela doutrina como
princípio geral do Direito Ambiental e também positivado em diplomas ambientais
pretéritos, como a Lei 9.605/98, no seu art. 77). A LC 140/2011fixou normas, nos termos
dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do art. 23 da CF/1988, para a
cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios nas ações
administrativas decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das
paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em
qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora (art. 1º).
A LC 140/2011, em linhas gerais, transpôs para o plano infraconstitucional as
competências constitucionais administrativas em matéria ambiental delineadas no art. 23,
III, VI e VII. Mas, além de traçar o panorama geral das atribuições dos entes federativos,
como, por exemplo, em matéria de licenciamento ambiental e exercício do poder de
polícia,, o diploma também assentou princípios norteadores para a atuação dos mesmos,
como, por exemplo, a descentralização democrática, a uniformização (e harmonização),
eficiência e a cooperação. As diretrizes normativas referidas são importantes não apenas
para nortear a atuação dos entes federativos, mas inclusive como parâmetro para a
interpretação do diploma por parte do Poder Judiciário em possíveis conflitos.
A LC 140/2011 representa marco normativo com nítido caráter de racionalização
do sistema de competências administrativas em matéria ambiental, as quais, até então,
encontravam-se previstas em diversos atos normativos dispersos, gerando inúmeras
incompatibilidades administrativas e conflitos entre os diferentes entes federativos na
execução da legislação ambiental. O que se almeja, ao fim e ao cabo, a partir da
regulamentação infraconstitucional da competência executiva em matéria ambiental
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levada a efeito pela LC 140/2011, é transpor a legislação ambiental para o “mundo da


vida”, assegurando a sua aplicação e efetividade, ou seja, estabelecer a “mediação” entre
o marco legislativo ambiental e a efetivação da proteção ambiental, por intermédio das
práticas administrativas realizadas pelos diversos entes federativos e instâncias estatais.
O art. 3º da LC 140/2011, nesse sentido, estabelece como objetivos fundamentais
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no exercício da competência
comum a que se refere o diploma:
I - proteger, defender e conservar o meio ambiente ecologicamente
equilibrado, promovendo gestão descentralizada, democrática e
eficiente;
II - garantir o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico com a
proteção do meio ambiente, observando a dignidade da pessoa
humana, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades
sociais e regionais;
III - harmonizar as políticas e ações administrativas para evitar a
sobreposição de atuação entre os entes federativos, de forma a evitar
conflitos de atribuições e garantir uma atuação administrativa
eficiente;
IV - garantir a uniformidade da política ambiental para todo o País,
respeitadas as peculiaridades regionais e locais.

A gestão pública democrática, descentralizada e eficiente em matéria ambiental,


conforme prevista no inciso I o dispositivo em análise, estabelece um marco normativo
democrático-participativo para a gestão pública ecológica, o que, por exemplo, deve
ensejar práticas participativas, somado ao amplo acesso público à informação ambiental,
nos procedimentos administrativos atinentes à questão ecológica, como ocorre no
licenciamento ambiental, entre outros. Outro ponto a ser destacado entre os objetivo
fundamentais da LC 140/2011, está a vinculação da proteção do meio ambiente à
dignidade da pessoa humana, no contexto de um desenvolvimento sustentável
(econômico, social e ecológico), conforme colocado no inciso II do dispositivo.
Os incisos III de IV do dispositivo, por sua vez, estabelecem, entre outros aspectos, o
objetivo de uniformização e há rmonização da política e das ações administrativas em
matéria ambiental. Esse é, sem dúvida, um dos principais objetivos do diploma, conforme
já referimos anteriormente, delimitando, no mapa da administração pública ambiental do
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SISNAMA, o espaço a ser ocupado e o papel que cabe a cada ente federativo
desempenhar, evitando sobreposição de atribuições, o que, além implicar morosidade e
ineficiência na atividade administrativa, em prejuízo de empreendedores e da sociedade
como um todo, tabem acarreta desperdício de recursos públicos, como, pode ser ilustrado
no exemplo em que dois entes federativos realizam simultaneamente o licenciamento
ambiental ou mesmo a lavratura de auto de infração ambiental referentes a mesma
situação. A competência para o licenciamento ambiental estabelecida na LC 140/2011,
inclusive coma previsão expressa de um nível federativo único para o licenciamento
ambiental (art. 13)19, ilustra bem o ponto, delimitando com precisão o espaço de atuação
de cada um dos entes federativos: União (art. 7º, XIV), Estados (art. 8º, XIV), Distrito
Federal (art. 10) e Municípios (art. 9º, XIV). Por fim, registra-se que a uniformidade em
questao deve respeitar as peculiaridades regionais e locais, conforme dispõe a parte final
do inciso IV do art. 3º. perspectiva de uma atuação coordenada, cooperativa e uniforme
entre os diversos entes federativos encontra respaldo no art. 2º do diploma, ao estabelecer
tanto a possibilidade de uma atuação supletiva quanto de uma atuação subsidiaria dos
entes federativos no exercício das competências administrativas em matéria ambiental,
articulando-se mutuamente. Nesse sentido, segundo dispõe o inciso II do dispositivo
citado, a atuação supletiva configura-se por meio da “ação do ente da Federação que se
substitui ao ente federativo originariamente detentor das atribuições”, nas hipóteses
definidas na LC 140/2011; ao passo que a atuação subsidiária, consagrada no inciso III,
diz respeito à “ação do ente da Federação que visa a auxiliar no desempenho das
atribuições decorrentes das competências comuns, quando solicitado pelo ente federativo
originariamente detentor das atribuições definidas no diploma”.

AS INSTRUMENTOS E AÇÕES DE COOPERAÇÃO DOS ENTES


FEDERATIVOS (UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS)

O art. 4º da LC 140/2011 estabelece os instrumentos de cooperação


institucional de que os entes federativos podem se valer no âmbito do exercício da
competência administrativa em matéria ambiental. O dispositivo elenca um rol
exemplificativo de instrumentos com o propósito de promover a descentralização no
exercício das competências administrativas, articulando a atuação entre os diversos
entes federativos.

I- consórcios públicos, nos termos da legislação em vigor;


II - convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos
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similares com órgãos e entidades do poder público, respeitado o art.


241 da CF/1988;
III - Comissão Tripartite Nacional, Comissões Tripartites Estaduais e
Comissão Bipartite do Distrito Federal;
IV - fundos públicos e privados e outros instrumentos econômicos;
V - delegação de atribuições de um ente federativo a outro, respeitados
os requisitos previstos nesta Lei Complementar;
VI - delegação da execução de ações administrativas de um ente
federativo a outro, respeitados os requisitos previstos na LC 140/2011.

Os convênios, acordos de cooperação técnica e outros instrumentos similares


com órgãos e entidades do poder público, previstos no inciso II do art. 4º, conforme
prevê o § 1º do mesmo dispositivo, podem ser firmados com prazo indeterminado.
A Comissão Tripartite Nacional será formada, paritariamente, por
representantes dos Poderes Executivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e
descentralizada entre os entes federativos (§ 2º). As Comissões Tripartites Estaduais
serão formadas, paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da União,
dos Estados e
dos Municípios, com o objetivo de fomentar a gestão ambiental compartilhada e
descentralizada entre os entes federativos (§ 3º). A Comissão Bipartite do Distrito
Federal será formada, paritariamente, por representantes dos Poderes Executivos da
União e do Distrito Federal, com o objetivo de fomentar a gestão ambiental
compartilhada e descentralizada entre esses entes federativos (§ 4º). As Comissões
Tripartites e a Comissão Bipartite do Distrito Federal terão sua organização e
funcionamento regidos pelos respectivos regimentos internos (§ 5º).
O ente federativo, conforme prevê o art. 5º da LC 140/2011, poderá delegar,
mediante convênio, a execução de ações administrativas a ele atribuídas no diploma,
desde que o ente destinatário da delegação disponha de órgão ambiental capacitado a
executar as ações administrativas a serem delegadas e de Conselho de Meio Ambiente.
O dispositivo toca em ponto extremamente importante no tema da cooperação
federativa no campo da competência administrativa em matéria ambiental. Isso
porque, muito embora o espírito normativo impregnado no diploma visa à
descentralização da gestão administrativa, privilegiando os entes federativos periféricos
(Estados, Distrito Federal e Municípios) em detrimento de um modelo centralizado (na
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União), tampouco interessa ao legislador ambiental que tal descentralização se dê a


qualquer preço. De tal sorte, é fundamental que o órgão ambiental periférico que
recebe eventual delegação de execução de ações administrativa esteja devidamente
capacitado para tanto. Do contrário, a delegação em questão será em prejuízo da
proteção ambiental e, portanto, não deve ser admitida, inclusive por força do princípio
da vedação de proteção insuficiente ou deficiente.
O parágrafo único do art. 5º inclusive estabelece critérios para a caracterização
de um “órgão ambiental capacitado”, ao prever que, para os efeitos do disposto no
caput do dispositivo, o mesmo seria “aquele que possui técnicos próprios ou em
consórcio, devidamente habilitados e em número compatível com a demanda das ações
administrativas a serem delegadas”. Tomando por base o que assinalamos no
anteriormente, o dispositivo ora analisado traz conceito de “órgão ambiental
capacitado”, o qual estabelece a exigência de existir, no âmbito do órgão ambiental,
corpo técnico (e também estrutura organizacional e procedimental) em condições para
bem exercer as ações administrativa ambientais objeto de delegação.
Seguindo na análise da LC 140/2011, o seu art. 6.º estabelece as ações de
cooperação entre os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios),
delimitando, de forma minuciosa, as atividades administrativas que cabem a cada um,
de modo a atingir os objetivos previstos no art. 3.º e a garantir o desenvolvimento
sustentável, harmonizando e integrando todas as políticas governamentais no âmbito
do SISNAMA.

AÇÕES ADMINISTRATIVAS DA UNIÃO (art. 7º - UNIÃO):


I – formular, executar e fazer cumprir, em âmbito nacional, a Política
Nacional do Meio Ambiente;
II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas
atribuições;
III – promover ações relacionadas à Política Nacional do Meio
Ambiente nos âmbitos nacional e internacional;
IV – promover a integração de programas e ações de órgãos e
entidades da administração pública da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e à gestão
ambiental;
V – articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio à
Política Nacional do Meio Ambiente;
VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados
à proteção e à XV – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de
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florestas e formações sucessoras em: a) florestas públicas federais,


terras devolutas federais ou unidades de conservação instituídas pela
União, exceto em APAs; e b) atividades ou empreendimentos
licenciados ou autorizados, ambientalmente, pela União;
XVI – elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas de
extinção e de espécies sobre-explotadas no território nacional,
mediante laudos e estudos técnicocientíficos,
fomentando as atividades que conservem essas espécies in situ;
XVII – controlar a introdução no País de espécies exóticas
potencialmente invasoras que possam ameaçar os ecossistemas,
habitats e espécies nativas;
XVIII – aprovar a liberação de exemplares de espécie exótica da fauna
e da flora em ecossistemas naturais frágeis ou protegidos;
XIX – controlar a exportação de componentes da biodiversidade
brasileira na forma de espécimes silvestres da flora, micro-organismos
e da fauna, partes ou produtos deles derivados;
XX – controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e larvas;
XXI – proteger a fauna migratória e as espécies inseridas na relação
prevista no inciso XVI;
XXII – exercer o controle ambiental da pesca em âmbito nacional ou
regional;
XXIII – gerir o patrimônio genético e o acesso ao conhecimento
tradicional associado, respeitadas as atribuições setoriais;
XXIV – exercer o controle ambiental sobre o transporte marítimo de
produtos perigosos; e
XXV – exercer o controle ambiental sobre o transporte interestadual,
fluvial ou terrestre, de produtos perigosos.
Parágrafo único. O licenciamento dos empreendimentos cuja
localização compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre
e marítima da zona costeira será de atribuição da União
exclusivamente nos casos previstos em tipologia estabelecida por ato
do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite
Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho
Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e considerados os critérios de
porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento”.

O dispositivo enuncia extenso rol exemplificativo de ações administrativas


ambientais a cargo da União, identificando-se (a exemplo do licenciamento ambiental,
previsto no inciso XIV) a intenção do legislador de manter no âmbito federal apenas
aquelas ações administrativas permeadas pelo “interesse nacional” ou mesmo nos casos
em que a questão extrapole o espectro territorial de um ou mais Estados. Em outras
palavras, a legislação em questão serve-se do princípio da predominância do interesse
(nacional, regional e local) para distribuir as competências entre os entes federativos, bem
como do princípio da subsidiariedade, o que se conforma nos demais dispositivos que
tratam dos entes federativos menores ou periféricos.
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AÇÕES ADMINISTRATIVAS DOS ESTADOS (art. 8º - ESTADOS):


I – executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política Nacional
do Meio Ambiente e demais políticas nacionais relacionadas à
proteção ambiental;
II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas
atribuições;
III – formular, executar e fazer cumprir, em âmbito estadual, a Política
Estadual de Meio Ambiente;
IV – promover, no âmbito estadual, a integração de programas e ações
de órgãos e entidades da administração pública da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, relacionados à proteção e à
gestão ambiental;
V – articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às
Políticas Nacional e Estadual de Meio Ambiente;
VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados
à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII – organizar e manter, com a colaboração dos órgãos municipais
competentes, o Sistema Estadual de Informações sobre Meio
Ambiente;
VIII – prestar informações à União para a formação e atualização do
SINIMA;
IX – elaborar o zoneamento ambiental de âmbito estadual, em
conformidade com os zoneamentos de âmbito nacional e regional;
X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos;
XI – promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente;
XII – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente, na forma da lei;
XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos
cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for
cometida aos Estados;
XIV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou
empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou
potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar
degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7.º e 9.º;
XV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou
empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de
conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção
Ambiental (APAs);
XVI – aprovar o manejo e a supressão de vegetação, de florestas e
formações sucessoras em: a) florestas públicas estaduais ou unidades
de conservação do Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental
(APAs); b) imóveis rurais, observadas as atribuições previstas
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no inc. XV do art. 7.º; e c) atividades ou empreendimentos licenciados


ou autorizados, ambientalmente, pelo Estado;
XVII – elaborar a relação de espécies da fauna e da flora ameaçadas
de extinção no respectivo território, mediante laudos e estudos
técnico-científicos, fomentando as atividades que conservem essas
espécies in situ;
XVIII – controlar a apanha de espécimes da fauna silvestre, ovos e
larvas destinadas à implantação de criadouros e à pesquisa científica,
ressalvado o disposto no inc. XX do art. 7.º;
XIX – aprovar o funcionamento de criadouros da fauna silvestre;
XX – exercer o controle ambiental da pesca em âmbito estadual; e
XXI – exercer o controle ambiental do transporte fluvial e terrestre de
produtos perigosos ressalvado o disposto no inc. XXV do art. 7.º”.

A competência do Estado para o licenciamento ambiental será objeto de análise


mais à frente, mas vale destacar que o legislador utilizou uma estratégia de exclusão
para definir as atribuições do Estado no campo do licenciamento, ou seja, conferindo ao
ente federativo estatal tudo o que não esteja arrolado expressamente como
competência da União (art. 7º, XIV) e do Município (art. 9º, XIV). Isso, na prática,
representa que a “regra geral” da competência para licenciamento é atribuída aos
Estados, revelando claramente a adoção do princiipio da predominância do interesse
para a caracterização das ações administrativas que cabem a cada ente federativo, bem
como a sua descentralização democrática, de modo a reservar à União, por exemplo,
apenas o que não esteja o âmbito do interesse regional.

AÇÕES ADMINISTRATIVAS DO DISTRITO FEDERAL (art. 10 - DISTRITO


FEDERAL):
- tanto as ações administrativas previstas para os Estados (art. 8.º)
quanto para os Municípios (art. 9.º).
AÇÕES ADMINISTRATIVAS DOS MUNICÍPIOS (art. 9º - MUNICÍPIOS):
I – executar e fazer cumprir, em âmbito municipal, as Políticas Nacional
e Estadual de Meio Ambiente e demais políticas nacionais e estaduais
relacionadas à proteção do meio ambiente;
II – exercer a gestão dos recursos ambientais no âmbito de suas
atribuições;
III – formular, executar e fazer cumprir a Política Municipal de Meio
Ambiente;
IV – promover, no Município, a integração de programas e ações de
órgãos e entidades da administração pública federal, estadual e
municipal, relacionados à proteção e à gestão ambiental;
V – articular a cooperação técnica, científica e financeira, em apoio às
Políticas Nacional, Estadual e Municipal de Meio Ambiente;
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VI – promover o desenvolvimento de estudos e pesquisas direcionados


à proteção e à gestão ambiental, divulgando os resultados obtidos;
VII – organizar e manter o Sistema Municipal de Informações sobre
Meio Ambiente;
VIII – prestar informações aos Estados e à União para a formação e
atualização dos Sistemas Estadual e Nacional de Informações sobre
Meio Ambiente;
IX – elaborar o Plano Diretor, observando os zoneamentos ambientais;
X – definir espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos;
XI – promover e orientar a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a proteção do meio ambiente;
XII – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas,
métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade
de vida e o meio ambiente, na forma da lei;
XIII – exercer o controle e fiscalizar as atividades e empreendimentos
cuja atribuição para licenciar ou autorizar, ambientalmente, for
cometida ao Município;
XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas
nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das
atividades ou empreendimentos:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local,
conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de
Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor
e natureza da atividade; ou b) localizados em unidades de conservação
instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental
(APAs);
XV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas
nesta Lei Complementar, aprovar: a) a supressão e o manejo de
vegetação, de florestas e formações sucessoras em florestas públicas
municipais e unidades de conservação instituídas pelo Município,
exceto em Áreas de Proteção Ambiental (APAs); e b) a supressão e o
manejo de vegetação, de florestas e formações sucessoras em
empreendimentos licenciados ou autorizados, ambientalmente, pelo
Município”.

O novo regramento infraconstitucional – com amplíssimo rol de atividades


administrativas delimitadas para cada esfera federativa (União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios), conforme pudemos observar nos parágrafos antecedentes –
fixa normas voltadas à cooperação entre os diferentes entes administrativos nas ações
administrativas decorrentes do exercício da competência comum na seara ecológica,
objetivando a promoção de uma gestão descentralizada das políticas ambientais, mas
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assegurando, ao mesmo tempo, a uniformidade entre as mesmas por meio da


cooperação entre os entes federativos. Ressalva-se, por fim, que os demais aspectos da
LC 140/2011 serão tratados no capítulo sobre

OBS. SIMULADOS DAS AULAS 1 e 2 nesse resumo:

SIMULADO – AULA 1

1) O primeiro diploma legislativo que sistematizou o Direito Ambiental brasileiro


foi o Código Florestal de 1965, representando o seu marco inicial.

2) O Direito Ambiental, não obstante o reconhecimento da existência hoje de um


microssistema legislativo especial na matéria, ainda representa um ramo jurídico
subordinado ao Direito Administrativo.

3) A Constituição Federal de 1988 assegurou que a proteção ecológica fosse inserida


no núcleo normativo-axiológico da nossa ordem jurídica, notadamente no espaço
constitucional reservado aos direitos fundamentais.

4) No Direito Ambiental brasileiro, consolidou-se entendimento majoritário


favoravelmente à compreensão de um conceito restritivo de meio ambiente, inclusive
com suporte na Lei da Política nacional do Meio Ambiente, limitando-se, assim, o
seu objeto ao meio ambiente natural.

5) Os elementos da natureza individualmente considerados (denominados de


“microbem ambiental”) são passiveis de serem objeto de propriedade privada,
muito embora o seu titular sofra limitações no uso e gozo de tais bens, de modo que
não está na sua esfera de poder dispor do equilíbrio ecológico (“macrobem
ambiental”) em prejuízo do interesse difuso da coletividade.

OBS: GABARITO NA ÚLTIMA PÁGINA !


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SIMULADO – AULA 2

1) São bens dos Estados as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos


e pré-históricos localizados no seu território.

2) A Constituição Federal de 1988 consagrou um modelo de federalismo cooperativo


em matéria ambiental, conforme se pode apreender da distribuição, entre os
diferentes entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), de
competência legislativa concorrente e de competência administrativa ou material
comum entre todos eles.

3) Muito embora a Constituição Federal tenha reconhecido a legitimidade do


Município para legislar em assuntos de interesse local, tal não inclui a competência
legislativa em matéria ambiental, haja vista que a norma constitucional reconheceu
apenas a competência legislativa concorrente tão somente entre União, Distrito
Federal e Estados.

4) Em eventual conflito legislativo no exercício da competência legislativa concorrente


em matéria ambiental, deverá sempre prevalecer o conteúdo estabelecido pela União
ao editar a norma geral em face da atuação legislativa dos entes federativos
periféricos (Estados e Municípios).

5) Os Estados possuem possui competência legislativa concorrente para legislar sobre


responsabilidade civil em matéria ambiental.

OBS: GABARITO NA ÚLTIMA PÁGINA !


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GABARITO – AULA 1:

1) ERRADO

2) ERRADO

3) CERTO

4) ERRADO

5) CERTO

GABARITO – AULA 2:

1) ERRADO

2) CERTO

3) ERRADO

4) ERRADO

5) ERRADO

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