Resumo Castro (1)
Resumo Castro (1)
Resumo Castro (1)
Castro (1980) começa com a abordagem que nos meados do século XIX, o mundo estava
testemunhando uma vigorosa expansão do comércio internacional, resultante de transformações
profundas na economia global. Nesta época, as nações do mundo começaram a ser classificadas
em cinco grandes grupos, cada um desempenhando papeis específicos na economia internacional
em formação. Nisso, o primeiro grupo consistia nas nações europeias centro-ocidentais, que
estavam passando por movimentos intensos de transformação em suas estruturas econômicas e
sociais. Essas transformações resultaram no surgimento dessas nações como grandes centros
industriais, sendo pioneiras no processo de industrialização e urbanização. Essa dinâmica era
impulsionada pela Revolução Industrial, que promoveu a mecanização da produção e o uso de
novas fontes de energia, ampliando significativamente a capacidade produtiva e o comércio.
Já o segundo grupo incluía as demais nações europeias que não conseguiram superar
completamente as características feudal-camponesas de suas economias, o que atrasou o seu
processo de industrialização e urbanização. No entanto, a abertura progressiva de suas
agriculturas permitiu um intercâmbio comercial crescente com as nações líderes no processo de
industrialização. Essas nações, embora não tivessem uma industrialização acelerada, ainda
participaram ativamente do comércio internacional, beneficiando-se do crescimento econômico
global. O terceiro grupo era composto por nações e impérios com passados antigos e, em
muitos casos, brilhantes, como a Índia, Indonésia e Egito, que estavam relativamente
estagnados ou em declínio no século XIX. Essas regiões tinham densidades populacionais
elevadas, instituições políticas próprias e tradições culturais profundas. No entanto, algumas
delas foram militarmente dominadas pelas potências comerciais europeias, que impuseram
práticas comerciais favoráveis aos conquistadores, muitas vezes recolhendo tributos substanciais.
As colônias conquistadas pelos europeus no Novo Mundo e na África formavam o quarto grupo,
em que nessas regiões, após a submissão, expulsão ou extermínio dos povos nativos, atividades
econômicas voltadas para a extração de produtos de alto valor, como ouro, açúcar e outros bens,
foram desenvolvidas em grande escala, muitas vezes utilizando o trabalho escravo em
plantações. O quinto e último grupo era constituído pelas regiões desabitadas ou pouco
povoadas, que eram utilizadas como colônias de povoamento, como os Estados Unidos, Canadá
e Austrália. Nessas áreas, a abundância de terras e a escassez de mão-de-obra permitiram o
desenvolvimento de uma agricultura extensiva e a rápida inserção no comércio internacional.
Essas transformações só foram possíveis graças à revolução nos transportes, especialmente, com
a introdução dos barcos metálicos e, posteriormente, a vapor, que reduziram drasticamente os
custos de transporte de mercadorias, permitindo que matérias-primas e alimentos fossem
enviados de regiões distantes para os centros industriais da Europa. A construção de ferrovias
também desempenhou um papel crucial ao integrar áreas rurais e de difícil acesso às economias
litorâneas, ampliando ainda mais a especialização produtiva e o comércio mundial.
Nisso, podemos trazer uma análise para o crescimento brasileiro, em que o contexto
latino-americano, levando em conta as semelhanças estruturais e históricas dos países da região.
O modelo latino-americano de desenvolvimento econômico, caracterizado pelo processo de
substituição de importações e pela dependência histórica de exportações de produtos primários,
reflete muitos dos desafios observados no caso brasileiro, com algumas particularidades
regionais.
O êxodo rural, em busca de melhores condições de vida nas cidades ou em regiões pioneiras, é
um fenômeno comum em vários países latino-americanos, especialmente durante os períodos de
industrialização acelerada. No entanto, como o texto aponta, o setor industrial muitas vezes não
tem capacidade de absorver plenamente o fluxo de trabalhadores, seja devido ao avanço
tecnológico poupador de mão-de-obra, seja pela própria transição das indústrias para um modelo
mais capitalista e menos intensivo em trabalho.
Além disso, a integração dos mercados regionais ao mercado nacional, outro ponto destacado no
trecho, foi um desafio enfrentado por diversos países latino-americanos, especialmente no
contexto da formação de economias nacionais após a independência. A centralização do
crescimento em polos industriais urbanos, enquanto as regiões periféricas permanecem
estagnadas ou dependentes de atividades primárias de baixa produtividade, é um padrão
recorrente na história da América Latina.
Por outro lado, a produtividade em atividades menos capitalizadas, mas que empregam
intensivamente mão-de-obra, como a cultura do café, apresenta resultados intermediários. Além
do setor exportador, é importante considerar as atividades que, de maneira direta ou indireta,
dependem das exportações, como comércio e finanças, que não apenas canalizam produtos para
o exterior, mas também promovem a distribuição interna das mercadorias importadas. Essas
atividades são essenciais para a subsistência da força de trabalho e justificam o surgimento de
atividades voltadas para o mercado interno.
Por fim, ao observar as implicações espaciais das diferentes atividades exportadoras, notamos
que a exportação mineral, sendo altamente produtiva e frequentemente isolada de outras
atividades econômicas, tende a se desvincular do restante da economia local. Em contrapartida,
atividades pecuárias extensivas tendem a se espalhar de forma concêntrica, promovendo uma
uniformidade espacial, que, no entanto, pode ser interrompida por barreiras naturais, como
florestas ou zonas semiáridas. Essas dinâmicas revelam como as atividades econômicas moldam
não apenas a estrutura produtiva, mas também a configuração territorial das nações
latino-americanas.
Por fim, a simples dicotomia entre grandes proprietários e trabalhadores rurais é insuficiente para
entender a complexidade das relações sociais. É necessário considerar a existência de populações
indígenas e de excedentes demográficos que, mesmo isoladas, podem influenciar o mercado de
trabalho. A presença de atividades de autoconsumo ao redor das produções de exportação pode
resultar em níveis de remuneração baixos nos dois setores. O surgimento de classes médias varia
conforme a propriedade das atividades exportadoras e a intensidade da utilização de
mão-de-obra, com o Estado desempenhando um papel central na sustentação dessas camadas
sociais em contextos de propriedade estrangeira.
As regiões pecuárias, por outro lado, experimentavam uma ocupação gradual do território,
independente das flutuações do comércio internacional. Essa expansão era impulsionada pela
reprodução dos rebanhos e pelo crescimento populacional, o que favorecia a criação de centros
urbanos que dependiam das exportações. O aumento das exportações não apenas ampliava a
capacidade de importação, mas também exigia uma melhoria na infraestrutura de transporte,
frequentemente financiada por capitais estrangeiros. Apesar de a pecuária fornecer alimentos
tanto para a população rural quanto urbana, sua vulnerabilidade a crises externas era
relativamente baixa.
A longo prazo, a crescente demanda alimentava uma maior integração do território nacional e
possibilitava a formação de grandes centros urbanos. Esse crescimento, embora consolidasse a
divisão entre proprietários e trabalhadores, poderia reforçar as camadas ligadas ao comércio e
pressionar o Estado a expandir seus serviços urbanos. Regiões voltadas para a agricultura de
exportação altamente empregadora enfrentavam desafios relacionados à oferta de mão de obra,
levando a importações de africanos e, posteriormente, de imigrantes europeus, como forma de
suprir a demanda por trabalhadores.
A dinâmica entre atividades exportadoras e mercados internos é complexa. Durante crises, parte
do setor exportador poderia retornar à produção de alimentos, enquanto nas expansões, o setor
externo predominava, empurrando a economia de autoconsumo para áreas mais remotas. As
culturas de ciclo anual mostravam-se mais adaptáveis às oscilações da demanda externa do que
as perenes, que dependiam fortemente do mercado internacional. Lucros reinvestidos e
empréstimos externos ampliavam a atividade exportadora, mas a dependência de mão de obra
dos "reservatórios" internos e a utilização de escravos limitavam a evolução do mercado interno
e a industrialização.
O apelo à imigração europeia, diante da escassez de mão de obra, trouxe uma nova dinâmica,
permitindo uma leve diversificação do mercado de manufaturas de consumo. Entretanto, a
demanda por bens de qualidade das camadas mais altas da sociedade continuava a exigir um
aumento constante na capacidade de importação.
À medida que a indústria emergente se fortalece, ela começa a atender a um mercado interno
mais exigente e diversificado. No entanto, sua expansão permanece vulnerável às flutuações do
comércio externo. O crescimento das indústrias locais traz uma reestruturação significativa na
demanda, gerando diferentes dinâmicas de produtividade entre as atividades exportadoras e as
manufaturas. As indústrias que surgem em resposta a crises externas podem se consolidar se
conseguiram tornar-se competitivas, mas sua sobrevivência depende de fatores como a duração
das crises e a saúde do comércio externo.
As economias mineradoras, por sua vez, revelam uma dualidade acentuada, com atividades
exportadoras que não necessariamente se traduzem em benefícios diretos para a população local.
A marginalização de populações autóctones e a dependência de atividades rurais pouco
diversificadas perpetuam um quadro de desigualdade social. O surgimento de uma nova classe
média e uma incipiente burguesia, impulsionadas pela industrialização, cria um contraste com as
condições de vida das populações rurais, que permanecem em situações precárias e subalternas.
Assim, a estrutura social dessas economias revela tensões entre diferentes grupos de interesse,
onde as vozes dos novos operários e pequenos industriais começam a se fazer ouvir em um
contexto marcado pela luta entre os interesses dos proprietários rurais e os emergentes setores
urbanos.
Economias Continentais
Assim, uma nação com diversas unidades primário-exportadoras terá partes que evoluem com
trajetórias próprias, sujeitas a grandes ciclos históricos que afetam a demanda internacional. Isso
resulta em uma estrutura econômica com patamares variáveis de importância relativa, onde
regiões prósperas coexistem com áreas decadentes. Esse fenômeno provoca migrações internas
em busca de oportunidades econômicas, mas não há motivação para uma articulação interna
eficaz entre as diferentes regiões.
Socialmente, destaca-se a competição entre elites regionais que, ao longo do tempo, se alternam
na influência sobre o poder central. A insatisfação com as demandas regionais, muitas vezes
conflitantes, pode levar a movimentos separatistas, que buscam maior autonomia política para
regiões que se sentem negligenciadas.
Uma questão crucial para o futuro das economias primário-exportadoras é como elas superam
seu modelo de crescimento. Em alguns casos, inovações ou a descoberta de novas fontes de
suprimento podem levar a um colapso abrupto da demanda externa por produtos primários,
resultando em crises severas e retrocessos econômicos. Outro fator que pode interromper o
crescimento é o esgotamento de recursos naturais, que pode ocorrer pela diminuição da
produtividade das jazidas minerais ou pela total ocupação de pastagens naturais. Neste último
cenário, busca-se aumentar a produtividade por meio de métodos mais eficientes de uso do solo,
o que pode impulsionar o crescimento de centros urbanos que já deveriam ser maiores.
Quando a renda per capita se mantém alta, mas o excedente exportável estagna, surgem
incentivos para a industrialização. Atividades mais intensivas em recursos, expansão
manufatureira e o aumento dos serviços, incluindo os estatais, são algumas das saídas para essa
crise. Com o crescimento do setor manufatureiro e dos serviços, o mercado interno se fortalece,
gerando mais consumo e bloqueando o excedente exportável, o que pode estimular alternativas
locais para o poder aquisitivo reprimido. No entanto, melhorias na produtividade do setor
exportador e aumentos nos preços internacionais podem contrariar essas tendências.
Além disso, a saturação da demanda internacional pode limitar a expansão das regiões
produtoras de bens primários, levando a uma deterioração das relações de troca e à compressão
da capacidade de importação. Isso pode resultar em estagnação econômica e migrações internas
de mão-de-obra e capitais. Mesmo assim, a instalação de novas atividades manufatureiras ainda
pode ocorrer, apesar da queda nos preços das exportações.
Por fim, as economias continentais tendem a ter mais opções para enfrentar crises do que as
regiões exportadoras de produtos primários. Durante momentos de crescimento, as indústrias
nacionais podem ter uma posição privilegiada em relação ao setor exportador, mas as tensões
políticas e sociais emergem quando o sistema cresce com suas características tradicionais. O
antagonismo entre os interesses industriais e exportadores, aliado à fragilidade externa, impede
que as nações latino-americanas transcendam o modelo primário-exportador.
Nessa parte, Castro se concentra muito na longa fase da Grande Depressão e a II Guerra
Mundial, possuíam um mercado interno capaz de fomentar o desenvolvimento de um parque
manufatureiro em crescimento. O aumento abrupto dos preços relativos dos produtos das nações
industriais, em conjunto com a queda da capacidade de importação, criou condições excepcionais
de rentabilidade para as empresas já estabelecidas, resultando em uma acumulação de lucros que
incentivou a expansão e a criação de novas empresas. Os recursos necessários para esse
crescimento industrial não apenas provinham dos lucros do setor manufatureiro, mas também de
interesses vinculados às exportações em crise.
Castro traz que uma queda generalizada no comércio internacional impacta de forma
diferenciada as regiões de uma economia continental, variando conforme as elasticidades da
demanda externa por seus produtos exportados. Durante crises prolongadas, como a de 1929 a
1945, as regiões dependentes do comércio internacional sofrem um efeito inicial mais acentuado,
mas a superação desses desafios está atrelada à capacidade de adaptação. As regiões que já
possuíam uma estrutura industrial estabelecida antes da crise, devido a um período de
crescimento anterior, tendem a se tornar os centros das respostas internas para lidar com a
situação. Nesses casos, o foco está na tentativa de compensar a queda das importações, o que
empurra essas regiões para a centralidade econômica do país.
Essas regiões mais preparadas não são apenas caracterizadas por um parque industrial já
estabelecido, mas também por uma combinação de fatores que sustentam a renda interna. Entre
esses fatores estão a presença de um mercado significativo, serviços básicos já em operação, e a
existência de empresários e mão-de-obra qualificada. Esses elementos tornam essas regiões mais
aptas a enfrentar os desafios da crise e mais resilientes à queda do comércio externo. Além disso,
a localização de indústrias nessas áreas passa a ser mais determinada pela disponibilidade desses
fatores do que pela proximidade a matérias-primas, como seria esperado em condições normais.
Durante essa fase inicial de crise, as elites regionais desempenham um papel crucial ao tentar
mobilizar o apoio dos poderes públicos para lidar com os problemas locais. As regiões que
estavam no auge de seu desenvolvimento antes da crise têm mais chances de reivindicar, com
sucesso, a atenção e os recursos do governo central. Esse poder de pressão, exercido de forma
mais eficaz pelas áreas economicamente prósperas, contribui para o fortalecimento e expansão
do setor industrial nessas regiões, enquanto outras áreas menos favorecidas têm maior
dificuldade de se defender diante da queda na demanda externa por seus produtos.
O novo modelo de crescimento econômico que surge após a crise é fundamentado na expansão
das atividades industriais e de serviços nas regiões mais desenvolvidas. Esse modelo contrasta
com o anterior, que era baseado na exportação de produtos primários. O pólo industrial
consolidado não apenas lidera a expansão interna, mas também influencia o desenvolvimento de
atividades primárias nas áreas próximas, criando um "complexo dinâmico" que abrange tanto a
produção manufatureira quanto a modernização de certos setores agrícolas, resultando em um
processo de crescimento concentrado e cumulativo. Nisso, o surgimento de um pólo industrial
resulta em um processo de concentração de capital e mão-de-obra em áreas urbanas, que são
caracterizadas por uma maior disponibilidade de oportunidades econômicas e uma estrutura
produtiva mais avançada. Esse fenômeno não ocorre de maneira isolada, mas provoca uma
verdadeira drenagem de recursos das regiões mais afetadas pela crise econômica. Nessas áreas
periféricas, o declínio das exportações e a perda de competitividade resultam em um
esvaziamento tanto de investimentos quanto de talentos. A migração de pessoas em busca de
trabalho e a transferência de capital para as áreas industrializadas geram um fluxo que intensifica
as desigualdades regionais, levando a uma concentração ainda maior de riqueza e infraestrutura
no centro em crescimento.
Tal fluxo contínuo de recursos humanos e financeiros cria um ciclo cumulativo que favorece o
desenvolvimento das áreas industrializadas em detrimento das regiões mais periféricas. Quanto
mais capital e mão-de-obra migram para o pólo industrial, maior é a capacidade desse centro de
expandir sua produção e inovação, o que, por sua vez, atrai ainda mais recursos e investimentos.
Esse círculo virtuoso para o centro, porém, significa um agravamento das dificuldades para as
regiões periféricas, que se veem privadas dos meios necessários para o desenvolvimento
econômico. A incapacidade dessas áreas de reter ou atrair investimentos perpetua um estado de
estagnação e marginalização econômica. Ademais, o Estado desempenha um papel fundamental
nesse processo ao direcionar políticas públicas e investimentos de forma a favorecer a
industrialização nas regiões mais desenvolvidas. Grandes investimentos em infraestrutura, como
estradas, ferrovias e instalações portuárias, são concentrados nos centros industriais, facilitando o
escoamento da produção e reforçando a competitividade dessas regiões. Ao mesmo tempo, o
controle das divisas e de outras políticas econômicas, como tarifas protecionistas e incentivos
fiscais, são estruturados de maneira a apoiar o crescimento industrial, mas pouco fazem para
estimular o desenvolvimento nas áreas periféricas. Dessa forma, o Estado não apenas contribui
para a centralização da atividade econômica, como também aprofunda as disparidades regionais.
Com a superação da crise econômica e a recuperação das exportações, o centro industrial, que já
consolidou sua estrutura produtiva durante os anos de dificuldade, se fortalece ainda mais. Esse
centro não só domina o mercado externo, mas também consolida seu controle sobre o mercado
interno, que antes era amplamente dependente de importações. A recuperação econômica global
oferece uma nova oportunidade de crescimento para o setor industrial, que se encontra em uma
posição vantajosa para expandir sua influência tanto em nível nacional quanto internacional. Já a
integração do mercado nacional, por sua vez, exige investimentos maciços em infraestrutura
para conectar as diversas regiões do país. No entanto, essa integração acaba por beneficiar
principalmente o pólo industrial, reforçando ainda mais sua centralização. Ao passo que as áreas
periféricas continuam estagnadas, as melhorias em infraestrutura, como redes de transporte e
comunicações, facilitam o fluxo de mercadorias e capitais entre o centro industrial e o restante do
país, mas não promovem um desenvolvimento equitativo. Enquanto o pólo se moderniza e se
torna mais competitivo, as regiões periféricas permanecem marginalizadas, sem os recursos
necessários para reverter seu declínio econômico.
Enquanto isso, as classes média e baixa, concentradas principalmente nas capitais regionais,
apresentavam um comportamento de consumo mais diversificado. Diferente das elites, esse
grupo dividia seu consumo entre produtos importados e manufaturas locais. Isso se devia, em
parte, ao fato de que as indústrias nacionais, embora ainda em fase inicial, começavam a surgir
para atender a uma demanda mais ampla por produtos de uso cotidiano. Contudo, essa
capacidade industrial era limitada e não supria todas as necessidades de consumo, especialmente
as relacionadas a bens de maior valor ou tecnologia. Nesse contexto, as elites mantinham sua
preferência por importações, enquanto as classes de renda mais baixa consumiam
predominantemente produtos de fabricação local ou mais simples. Nas regiões economicamente
mais dinâmicas, em que a produção agrícola era orientada para o mercado externo, os
trabalhadores rurais representavam um mercado consumidor para manufaturas simples. Esse
grupo de consumidores tinha acesso limitado a bens industrializados e seu consumo se restringia
a itens básicos de uso diário. Já nas regiões menos desenvolvidas e voltadas para a agricultura de
subsistência, o poder de compra era praticamente inexistente.
Nessas áreas, as condições econômicas desfavoráveis não permitiram que os trabalhadores rurais
tivessem acesso a produtos manufaturados, limitando a capacidade de expansão do mercado
interno de bens industrializados durante essa fase. Com o avanço do processo de
industrialização, especialmente a partir da década de 1930, o Brasil passou por uma significativa
transformação em sua estrutura produtiva, o que teve impactos diretos sobre o mercado
consumidor interno. A expansão desse mercado foi impulsionada pelo aumento da massa salarial
dos trabalhadores urbanos e pelo crescimento da classe média. O crescimento da demanda por
bens de consumo básicos, como roupas, alimentos e produtos de higiene, forneceu uma base
sólida para o desenvolvimento industrial. Contudo, as classes proprietárias, ainda concentradas
nas elites tradicionais, mantiveram suas preferências por produtos importados. As indústrias
locais, embora em crescimento, ainda não eram capazes de atender às exigências desse segmento
mais abastado da população, que continuava a consumir bens de maior valor, principalmente
provenientes da Europa e dos Estados Unidos.
Com isso, o crescimento industrial brasileiro durante esse período que Castro abordou foi,
portanto, sustentado pela demanda das classes de menor poder aquisitivo, que consumiam
manufaturas simples e produtos tradicionais. A crescente urbanização e o desenvolvimento de
novas áreas industriais criaram uma base de consumidores que buscava atender suas
necessidades com os produtos produzidos localmente. Isso proporcionou à indústria nacional a
oportunidade de crescer e diversificar sua produção, embora o mercado consumidor ainda
estivesse longe de ser homogêneo ou totalmente integrado. Esse processo gradual de expansão
do mercado interno foi um fator crucial para a consolidação da indústria nacional, que, com o
tempo, passou a ter maior capacidade de atender tanto à demanda interna quanto, em menor
medida, ao mercado internacional.
Com a entrada do Brasil na produção de bens de consumo mais complexos, novos desafios
surgiram. Produtos de alto valor unitário, como eletrodomésticos, automóveis e eletrônicos, eram
inacessíveis para a maior parte da população, especialmente para as classes mais baixas. O
mercado para esses bens se restringia, portanto, às classes mais abastadas, que possuíam maior
poder de compra. Isso limitava o potencial de expansão do mercado consumidor de produtos
sofisticados, uma vez que a maioria da população ainda estava concentrada em atividades de
baixa renda e com acesso restrito a bens de maior valor. No entanto, a introdução de novas
indústrias e a diversificação do parque industrial geraram um efeito positivo sobre o restante da
economia. Esse fenômeno, conhecido como efeito "para trás", envolvia o estímulo à produção de
peças, componentes e acessórios necessários para a fabricação dos bens mais complexos. A
diversificação industrial, portanto, não apenas expandia o setor de bens de consumo, mas
também criava novas oportunidades de crescimento para o setor de equipamentos e insumos
industriais. Com isso, o mercado interno foi ampliado, não apenas para os produtos finais, mas
também para os insumos industriais e componentes necessários à sua produção. Esse ciclo de
estímulo à produção industrial, gerado pela introdução de novas indústrias, contribuiu para o
fortalecimento da base industrial do país e para a sua capacidade de atender a um mercado
interno em crescimento, ainda que de forma desigual.
Nas regiões periféricas, um dos problemas centrais era o crescimento demográfico acelerado, que
tornava ainda mais desafiadora a absorção da mão-de-obra pela economia local. O sistema
agrário, rígido e dominado por grandes latifúndios, mostrava-se incapaz de gerar oportunidades
de emprego suficientes para a população rural, que crescia rapidamente. Como consequência,
muitos trabalhadores foram forçados a migrar em busca de melhores condições de vida, seja nas
capitais regionais, no polo industrial ou em áreas pioneiras, onde esperavam encontrar novas
oportunidades de trabalho. Essa migração resultava em uma superabundância de mão-de-obra
nos centros urbanos. A modernização da agricultura e a mecanização de certos processos
reduziam ainda mais a necessidade de trabalhadores rurais, e, nos centros urbanos, a indústria e
os serviços também não conseguiam absorver toda a mão-de-obra disponível. A evolução
tecnológica, que promovia o uso de técnicas que poupam mão-de-obra, agrava a situação,
gerando um excesso de trabalhadores desocupados ou subempregados.
Com isso, Castro chega ao ponto do amadurecimento do polo industrial, que, ao integrar os
mercados regionais, esgotava as possibilidades de expansão horizontal de seus mercados
internos. A partir desse ponto, o crescimento econômico do polo industrial não poderia mais se
basear na expansão de sua base de mercado, tornando-se necessário enfrentar os problemas de
estagnação das regiões periféricas. Essa situação exigia políticas corretivas que pudessem
redistribuir as oportunidades de desenvolvimento de maneira mais equitativa entre as diferentes
regiões do país. Nesse contexto, o papel do Estado se torna central. O processo de
industrialização, que inicialmente foi impulsionado por uma resposta à crise global e às tensões
internas, atingia um ponto de maturidade em que novas decisões precisavam ser tomadas. O
Estado, que até então havia atuado principalmente como "Estado-serviços", agora precisava
assumir um papel mais ativo e decisivo como "Estado-poder", capaz de enfrentar os desafios
estruturais e direcionar o desenvolvimento futuro de maneira a incluir as regiões periféricas no
progresso econômico.
Dessa maneira, o excesso de mão-de-obra gerado pelo crescimento demográfico acelerado e pela
incapacidade das indústrias e do setor agrário de absorver essa força de trabalho resultava na
migração em massa para os centros urbanos. Nesses centros, a mão-de-obra excedente buscava
se inserir no mercado de trabalho por meio de atividades marginais, muitas vezes no setor
terciário, que oferecia empregos de baixa qualificação e remuneração. Esses subempregos não
atendiam às necessidades básicas das populações, levando à formação de um "reservatório" de
trabalhadores mal remunerados. Esse cenário acabava por exercer pressão sobre os salários nos
setores produtivos, especialmente para aqueles com baixa qualificação, ao mesmo tempo que
restringia o poder de compra dessas populações.
Já a concentração dessas camadas marginalizadas nas cidades gerava uma série de problemas
sociais, que se manifestavam na crescente demanda por serviços públicos essenciais, como
saúde, educação e habitação. No entanto, a oferta desses serviços era insuficiente para atender às
necessidades da população em rápido crescimento. Isso resultava em uma deterioração das
condições de vida nas áreas urbanas, com o agravamento de questões relacionadas à higiene,
saúde pública e outras demandas sociais. A ausência de políticas públicas eficazes para lidar com
esses problemas contribuía para aprofundar as desigualdades sociais, criando um ciclo de
marginalização e pobreza que perpetuava a exclusão das populações mais vulneráveis. Além
disso, o polo industrial, ao integrar os mercados regionais, atingiu um ponto de maturidade em
que não era mais possível continuar a expandir sua base de mercado internamente. A
industrialização já havia esgotado as oportunidades de expansão horizontal, e as regiões
periféricas, que continuavam estagnadas, enfrentavam dificuldades para gerar empregos
produtivos para suas populações crescentes. Isso exigia a implementação de políticas corretivas e
decisivas, que visassem reverter o quadro de estagnação e promover o desenvolvimento dessas
regiões. A industrialização, que inicialmente avançou sem uma direção política clara, agora
chegava a um ponto crítico em que era necessário definir os rumos futuros do desenvolvimento
nacional.
Nisso, tem um debate crucial sobre a natureza da agricultura brasileira e suas implicações para o
desenvolvimento econômico do país, trazendo à tona críticas ao modelo feudalista tradicional
que é frequentemente associado à estrutura agrária nacional. O primeiro ponto vem de Caio
Prado Júnior, que contesta a ideia de que a grande propriedade rural brasileira possui uma
natureza feudal. Segundo Prado Júnior, essa perspectiva é reducionista e ignora as raízes mais
complexas da propriedade rural no Brasil, que estão ligadas a uma exploração comercial intensa,
em vez da exploração camponesa tradicional que caracteriza as sociedades feudais. Ele
argumenta que as grandes propriedades rurais surgiram não apenas como resultado de um
sistema feudal, mas também como parte de um processo de acumulação de capital que se
distingue pela sua ligação com o comércio e a exportação. Isso sugere que a dinâmica agrícola
brasileira é moldada por interesses comerciais e financeiros, refletindo uma estrutura que busca
maximizar lucros em um contexto global, ao invés de se basear na exploração da mão de obra
camponesa.
Já Ignácio Rangel, por sua vez, tenta encontrar um meio-termo nessa discussão ao reconhecer
que a agricultura brasileira, apesar de suas características arcaicas e desigualdades, também
possui um lado moderno. Rangel salienta que há segmentos da agricultura que estão integrados
ao mercado e que operam em uma lógica capitalista. Essa dualidade evidencia um setor que,
embora enfrente limitações estruturais, também tem potencial para se modernizar e se adaptar às
novas demandas do mercado. Rangel sugere que essa modernidade não deve ser ignorada, pois
pode ser a chave para transformar a agricultura e sua relação com outros setores da economia.
Assim, essa análise das diferentes perspectivas sobre a agricultura brasileira revela um debate
complexo e multifacetado. Esse debate destaca tanto as limitações impostas por relações de
produção arcaicas e desiguais quanto a potencialidade de transformação do setor por meio de
reformas significativas. Reconhecer essa complexidade é fundamental para compreender os
desafios que a agricultura enfrenta no contexto do desenvolvimento econômico brasileiro e para
formular políticas que realmente atendam às necessidades do setor e de suas populações. A
intersecção entre tradição e modernidade, exploração e potencial de transformação, é um tema
central que continuará a influenciar a discussão sobre o futuro da agricultura no Brasil.
Com isso, o subdesenvolvimento no Brasil revela uma relação intrínseca entre desenvolvimento
e subdesenvolvimento, ambos resultantes da estrutura do capitalismo. Esse fenômeno é evidente
ao observar que o subdesenvolvimento do Nordeste é influenciado pelo capitalismo da mesma
forma que o desenvolvimento de São Paulo. Assim, a compreensão da economia brasileira
requer uma visão que não atribua o subdesenvolvimento unicamente ao "feudalismo", pois isso
simplifica a complexidade da natureza capitalista do país e pode levar a erros nas políticas
públicas. Nisso, André Frank critica a visão de que São Paulo é a locomotiva do Brasil,
ressaltando que os demais estados também desempenham um papel vital ao fornecerem o
"combustível" econômico. A dinâmica entre a metrópole e os satélites econômicos pode ser
analisada sob diversos aspectos, como a deterioração dos termos de intercâmbio interno e a
transferência de recursos financeiros e humanos, evidenciando uma relação de dependência que
perpetua a desigualdade entre regiões.
Frank destaa que a miséria rural não é consequência do feudalismo, mas sim das interações
desiguais no capitalismo, as quais se assemelham à relação entre países subdesenvolvidos e
nações altamente industrializadas. A agricultura brasileira é frequentemente vista como um setor
retrógrado que impede o progresso, sendo responsabilizada pela insuficiência de crescimento
econômico. A Política de Ação Econômica do Governo (PAEG) exemplifica essa visão,
sugerindo que a falta de uma política agrícola adequada limitou a expansão harmoniosa da
economia. Ademais, o debate sobre o atraso agrícola frequentemente atribui a culpa a práticas
rudimentares e à falta de uma estratégia coerente por parte do Ministério da Agricultura. Alguns
autores, como Delfim Netto, contestam essa visão, afirmando que a agricultura brasileira tem
crescido e se diversificado em resposta ao desenvolvimento econômico global.
Já Ruy Miller Paiva, por sua vez, argumenta que a análise da agricultura deve considerar suas
interações com outros setores da economia. Ele destaca que a limitação do mercado consumidor
é um fator crucial que não foi suficientemente abordado nas discussões anteriores. Essa
perspectiva amplia a compreensão dos desafios enfrentados pela agricultura e sugere que, ao
invés de ser um obstáculo, ela pode ser um componente vital para o desenvolvimento econômico.
Nisso, tamanha capacidade de produzir um excedente não apenas viabiliza a especialização das
funções dentro da sociedade, mas também resulta na divisão social do trabalho e na
intensificação das trocas econômicas. Inicialmente, essa divisão se estabelece entre o campo e a
cidade, onde a produção agrícola se torna a base para o crescimento das atividades urbanas. As
cidades, por sua vez, se tornam centros de consumo e de serviços, gerando uma demanda
contínua por produtos agrícolas, que precisa ser atendida por uma agricultura eficiente e
produtiva. Com o aumento das taxas de crescimento demográfico e a crescente necessidade de
expandir a produção agrícola, novos desafios emergem. A modernização da agricultura, muitas
vezes exigindo profundas transformações tecnológicas, sociais e políticas, torna-se crucial para
garantir o excedente necessário ao desenvolvimento urbano-industrial. Essa modernização pode
envolver a adoção de novas técnicas de cultivo, a mecanização do trabalho agrícola e o uso de
insumos mais eficientes. Tais mudanças não apenas aumentam a produtividade, mas também têm
o potencial de melhorar as condições de vida dos agricultores, incentivando uma maior
mobilidade social.
Nesse sentido, nos países que se dedicaram à exportação de produtos agrícolas, surgiram novas
realidades sociais e econômicas. A divisão interna do trabalho se transformou, mas não
necessariamente se traduziu em um crescimento urbano-industrial proporcional. A coexistência
da agricultura voltada para o mercado interno com a produção destinada à exportação tornou-se
essencial para o desenvolvimento equilibrado das economias. Isso implica que o processo de
industrialização e urbanização não pode ser visto apenas como um resultado do aumento no
excedente agrícola; é preciso considerar também o remanejamento dos fatores produtivos, ou
seja, a alocação eficiente de recursos entre os setores. A reconversão da agricultura de
exportação para atender o mercado interno foi um fenômeno particularmente evidente no Brasil,
especialmente após a Segunda parte da grande guerra. O país, que já era um dos principais
produtores de café, enfrentou uma demanda crescente por esse e outros produtos, levando a uma
expansão significativa da produção agrícola. No entanto, essa expansão também gerou disputas
internas, uma vez que os setores voltados para a exportação frequentemente entravam em
conflito com aqueles destinados ao mercado interno. Essa tensão ressalta a complexidade das
relações econômicas internas, onde o aumento da produção agrícola se tornava crucial para
sustentar o crescimento industrial.