An

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 3

Introdução aos Estudos Literários II – Prof.

Luís
Antologia 9 Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Jorge de Lima (1893-1953)
Essa negra fulô
Ora, se deu que chegou Ó Fulô! Ó Fulô!
(isso já faz muito tempo) (Era a fala da Sinhá
no banguê dum meu avô Chamando a negra Fulô!)
uma negra bonitinha, Cadê meu frasco de cheiro
chamada negra Fulô. Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô! Ah! Foi você que roubou!
Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!
Ó Fulô! Ó Fulô! Essa negra Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama O Sinhô foi ver a negra
pentear os meus cabelos, levar couro do feitor.
vem ajudar a tirar A negra tirou a roupa,
a minha roupa, Fulô! O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
Essa negra Fulô! que nem a negra Fulô).

Essa negrinha Fulô! Essa negra Fulô!


ficou logo pra mucama Essa negra Fulô!
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô! Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Essa negra Fulô! Cadê meu cinto, meu broche,
Essa negra Fulô! Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ó Fulô! Ó Fulô! Ah! foi você que roubou!
(Era a fala da Sinhá) Ah! foi você que roubou!
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo Essa negra Fulô!
que eu estou suada, Fulô! Essa negra Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné, O Sinhô foi açoitar
vem balançar minha rede, sozinho a negra Fulô.
vem me contar uma história, A negra tirou a saia
que eu estou com sono, Fulô! e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
Essa negra Fulô! nuinha a negra Fulô.

"Era um dia uma princesa Essa negra Fulô!


que vivia num castelo Essa negra Fulô!
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar. Ó Fulô! Ó Fulô!
Entrou na perna dum pato Cadê, cadê teu Sinhô
saiu na perna dum pinto que Nosso Senhor me mandou?
o Rei-Sinhô me mandou Ah! Foi você que roubou,
que vos contasse mais cinco". foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!


Essa negra Fulô!
Murilo Mendes (1901-1975)
Ó Fulô! Ó Fulô! Cantiga dos Palmares
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô! Seu branco, dê o fora,
"minha mãe me penteou Deixe os nêgo em páis.
minha madrasta me enterrou Nóis tem cachacinha,
pelos figos da figueira Tem coco de sobra,
que o Sabiá beliscou". Nóis tem iaiá preta,
Nóis dança de noite; – Ó negra boba.
Nóis reza com fé.
Seu branco é demais. – Durmindozinho assim sem nadinha, na rede
Praquê que vancêis sinhazinha fica tão bonita
Foi rúim pros escravo, – Negra boba.
Jogou no porão
Pra gente morrê – Cinturinha piquininha
Com falta de ar? – Boba...

Seu branco dê o fora, – Ah mas eu sei de uma coisa. Quer que eu diga?
Sinão toma pau – Diga, negra boba.
Aqui no quilombo
Quem manda primero – Sei que aquele moço vem. Diz-que vem. Diz-que vem...
Deus nosso sinhô, – Ah quem foi que te disse, negra boba?
Depois é São Cosme
Mais São Damião, – Vem buscar sinhazinha pra ele. De noite...
A Virge Maria, – Cale já essa noca, negra boba!
Depois semo nóis.
Ezerço de branco – ...leva Sinhá prum quarto grande, enfeitado de renda.
Não vale um real, Depois faz um dormezinho mansinho...
Zumbi aparece, – Boba...
Mostrou o penacho,
Vai branco sumiu Sinhá-moça amoleceu os olhos num sorriso.
Cruz credo no inferno. A rede envolveu-se no seu corpo
Seu branco, dê o fora, como ele de uma fruta madura.
Não volte mais não.
Favela no 2
Raul Bopp (1898-1984)
Diamba As janelas dos fundos se reuniram
Negro velho fuma diamba para ver o trem que vinha de São Paulo.
para amassar a memória
O que é bom fica lá longe... A paisagem enfeiou-se com botões de fumaça.

Os olhos vão-se embora pra longe Correu um ventinho levanta-a-saia


O ouvido de repente parou Seu Manuel acocorou-se à porta da venda
para palitar os dentes.
Com mais uma pitada
o chão perdeu o fundo A favela caiu na modorra
Negro escorregou
Caiu no meio da África Passou a negrinha catonga
Então apareceu do fundo da floresta se rebolando toda.
uma tropa de elefantes enormes
trotando Nesta rua cabe um rancho
Cinqüenta elefantes e neste rancho cabe você.
puxando uma lagoa
– Para onde vão levar esta lagoa? Um sordado de cavalaria brincou de puxar conversa:
Está derramando água no caminho – Onde tu vai fulorzinha?
A água no caminho juntou cinturinha piquininha
correu correu
fez o rio Congo Seu Manuel fechou a cara.
Águas tristes gemeram
e as estrelas choraram Sordado arregaçou os dentes na risada
– Aquele navio veio buscar o rio Congo! e cuspiu grosso.
Então as florestas se reuniram Resmungou baixinho:
e emprestaram um pouco de sombras pro rio Congo dormir – Não se meta...
Os coqueiros debruçaram-se na praia
para dizer adeus Cecília Meireles (1901-1964)
Romance VII ou do negro das catas
Mucama
No varandão da Sinhá-moça, Já se ouve cantar o negro,
Mucama embala molemente a rede. mas inda vem longe o dia.
Será pela estrela d’alva,
– Sinhazinha tem um pescoço cheiroso... com seus raios de alegria?
Será por algum diamante Eu quero ver
a arder, na aurora tão fria? Eu quero ver
Já se ouve cantar o negro, Eu quero ver
pela agreste imensidão. Eu quero ver
Seus donos estão dormindo:
quem sabe o que sonharão! Quando Zumbi chegar
Mas os feitores espiam, O que vai acontecer
de olhos pregados no chão. Zumbi é senhor das guerras
Já se ouve cantar o negro. É senhor das demandas
Que saudade, pela serra! Quando Zumbi chega
Os corpos, naquelas águas, É Zumbi é quem manda
– as almas, por longe terra.
Em cada vida de escravo, Chico Buarque (1944)
que surda, perdida guerra! As caravanas

Já se ouve cantar o negro. É um dia de real grandeza, tudo azul


Por onde se encontrarão Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos
essas estrelas sem jaça Um sol de torrar os miolos
que livram da escravidão, Quando pinta em Copacabana
pedras que, melhor que os homens, A caravana do Arará, do Caxangá, da Chatuba
trazem luz no coração? A caravana do Irajá, o comboio da Penha
Já se ouve cantar o negro. Não há barreira que retenha esses estranhos
Chora neblina, a alvorada. Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho
Pedra miúda não vale: A caminho do Jardim de Alá
liberdade é pedra grada… É o bicho, é o buchicho, é a charanga
(A terra toda mexida,
a água toda revirada… Diz que malocam seus facões e adagas
Deus do céu, como é possível Em sungas estufadas e calções disformes
penar tanto e não ter nada!) É, diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Jorge Ben (1939) Lá das quebradas da Maré
Zumbi Com negros torsos nus deixam em polvorosa
A gente ordeira e virtuosa que apela
Angola Congo Benguela Pra polícia despachar de volta
Monjolo Cabinda Mina O populacho pra favela
Quiloa Rebolo Ou pra Benguela, ou pra Guiné
Aqui onde estão os homens
Há um grande leilão Sol, a culpa deve ser do sol
Dizem que nele há uma princesa à venda Que bate na moleira, o sol
Que veio junto com seus súditos Que estoura as veias, o suor
Acorrentados em carros de bois Que embaça os olhos e a razão
Eu quero ver E essa zoeira dentro da prisão
Eu quero ver Crioulos empilhados no porão
Eu quero ver De caravelas no alto mar
Eu quero ver
Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria
Angola Congo Benguela Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Monjolo Cabinda Mina Ou doido sou eu que escuto vozes
Quiloa Rebolo Não há gente tão insana
Aqui onde estão os homens Nem caravana do Arará
Dum lado cana de açúcar
Do outro lado o cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do algodão branco
Sendo colhidos por mãos negras

Você também pode gostar