1.2_História Clínica e psicopatologia
1.2_História Clínica e psicopatologia
1.2_História Clínica e psicopatologia
Psicopatologia
André Ferreira Silva
IFE de Psiquiatria na ULS Médio Tejo
Sumário
I. História clínica
II. Exame do estado mental
III. Psicopatologia
IV. Questões de aula
V. Bibliografia
I. História Clínica
• A história clínica inclui uma parte inicial denominada anamnese, e uma
segunda parte na qual se incluem o exame psicopatológico, o
diagnóstico, o prognóstico e o tratamento.
• O termo “anamnese” vem do grego ana (remontar, trazer de novo) e
mnesis (memória). É a evocação voluntária do passado feita pelo doente,
sob a orientação do profissional de saúde. Integra-se na parte da
semiologia que visa revelar, investigar e analisar os sintomas de uma
doença.
• O objetivo é organizar e sistematizar os dados do utente, de forma a
orientar os cuidados no sentido da melhor eficácia terapêutica.
I. História Clínica
Psicopatologia Psiquiatria
A psiquiatria é um ramo da
Estudo sistemático das
medicina que recorre à relação
vivências, cognições e
terapêutica e à empatia, para
comportamentos que são
poder avaliar as manifestações
produto de uma mente
subjetivas da mente e utiliza os
doente. Permite a
dados que a psicopatologia lhe
categorização das
fornece, para estabelecer um
manifestações psicopa-
diagnóstico e tenta tratar o
tológicas objetivas e
doente com as ferramentas
subjetivas.
terapêuticas de que dispõe.
Permite a comunicação interpares e a construção de uma investigação mais robusta em psiquiatria e psicologia.
I. História Clínica
1. Identificação do doente
• Nome
• Idade
• Data de nascimento
• Sexo
• Género
• Raça ou Etnia
• Naturalidade
• Residência
• Profissão
• Habilitações literárias
• Estado civil
• Fontes de informação (doente, familiares, processo clínico)
I. História Clínica
2. Motivo de Internamento ou de Consulta
Internamento
• Quando foi internado?
• Veio de livre vontade ou não? Internado voluntariamente/involuntariamente, ao abrigo da
lei de saúde mental?
• Através do serviço de urgência/consulta?
• Porquê do internamento ou consulta? Quais as queixas e/ou maior preocupação?
• Usar preferencialmente as palavras do doente
• Vem acompanhado?
Consulta
• Indicar origem e motivo da referenciação
I. História Clínica
3. História da Doença Atual
Descrição pormenorizada, e por ordem cronológica, da doença atual. Utilizamos sempre as expressões do doente.
• Início (Quando e em que contexto)?
• Sintomas (evolução temporal)
• Evolução (episódica? agravamento? remissão? estagnação?)
• Fatores precipitantes/de agravamento/de manutenção (consumo de substâncias, acontecimentos, fases do
ano)
• Natureza e duração da incapacidade funcional associada aos sintomas
• Negação de outros sintomas que poderiam estar presentes
• História psiquiátrica prévia:
• Acompanhamento psiquiátrico prévio
• Internamentos (quando, quantos e onde)
• Tratamentos efetuados, seus efeitos terapêuticos e efeitos secundários
I. História Clínica
4. História Pessoal
• Gravidez, parto e amamentação: doenças da mãe durante a gravidez; Consumo de
substâncias; Parto eutócico/distócico, de termo/ prematuro, complicações no parto;
amamentação/ alimentação com leite artificial
• Desenvolvimento psicomotor nos primeiros anos: idade em que falou, andou, controlo de
esfíncteres.
• Separação prolongada dos pais e reação a esta
• Problemas emocionais na infância
• Sintomas neuróticos da infância: Pesadelos, sonambulismo, gaguez, birras, medos,
enurese, maneirismos.
• Saúde durante a infância: Infeções, convulsões, traumatismos.
I. História Clínica
4. História Pessoal
• Adolescência e desenvolvimento afetivo-sexual: educação sexual (como foi adquirida),
primeiras relações íntimas, fantasias sexuais, orientação sexual, história ginecológica (se
aplicável)
• História marital: Relacionamentos afetivos anteriores; duração do conhecimento antes do
casamento, duração do casamento, relacionamento entre o casal, relacionamento sexual,
satisfação sexual, medidas anticoncecionais.
• Filhos: Idades e ocupações, temperamento, desenvolvimento emocional, saúde física e mental
• História escolar: Idade de início e fim de escolaridade, aproveitamento escolar, dificuldades de
aprendizagem, interesses extra-curriculares, relações de amizade e alcunhas.
• História ocupacional: idade do 1º emprego, ordem cronológica dos vários empregos e razões
de mudança, ocupação atual (duração, desempenho e satisfação no trabalho, situação
económica)
• Vida militar
• Atividades sociais/recreacionais e religião
I. História Clínica
5. Antecedentes pessoais:
• Antecedentes médico-cirúrgicos:
• Doenças, cirurgias, acidentes
• Tratamentos realizados
• Medicação habitual
• Alergias
Alterações da
consciência
Alterações Alterações
quantitativas qualitativas
Estado
Diminuição Oniróide
Diminuição da consciência,
aumento do limiar para estímulos, Estreitamento Estado
Obnubilação Sonolência Torpor Coma desorientação no tempo e espaço, crepuscular
Ligeiro grau de (Estupor) Doente apresenta- alucinações visuais, incapaz de Restrição a poucas
Acordada, mas sem distinguir entre imagens mentais e ideias e atitudes que
sonolência, se totalmente Restrição mórbida da
estimulação Redução generalizada percepções reais. Agitação dominam a mente.
dificuldades de inconsciente, sem consciência com
externa adormece. do nível de psicomotora, insónia e Ex: Ansiedade grave
concentração e resposta a ruptura na
consciência. interpretação do comportamento
atenção. estímulos. continuidade com
Desperta apenas com dos outros como ameaçador. amnésia. Ex: Epilepsia
estimulação forte. Agravamento à noite.
Ex: Delirium
III. Psicopatologia
Orientação
Orientação
gestos e movimentos dirigidos ou manutenção de posturas adaptativas de uma forma reiterada e pouco usual.
III. Psicopatologia
Perturbações dos movimentos
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III. Psicopatologia
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III. Psicopatologia
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III. Psicopatologia
Linguagem e discurso
O discurso costuma refletir o pensamento e pode ser tido como o elo final da cadeia de processos
psíquicos que se iniciam com a perceção e terminam com a palavra falada ou escrita.
III. Psicopatologia
Linguagem e discurso
• Prosódia: modulação da entoação vocal que influencia a pronuncia e também os significados literais e
emocionais das palavras e frase;
• Débito: Mutismo/Lento/Pressão do discurso/verborreia
• Tom/volume
• Semântica e Sintaxe
Semântica: trata significados que correspondem às palavras
Sintaxe: trata combinações admissíveis de palavras em frases, incluindo as regras que determinam a
ordem das palavras
• Para-respostas ou resposta ao lado: resposta totalmente inadequada embora se infira que o doente
compreendeu a pergunta
• Parafasia: substituição da palavra-alvo por uma palavra errónea dentro do mesmo campo semântico, ou seja,
uma construção equivocada com tentativa de aproximação da construção correta.
# Parafasia semântica – perturbação do processo semântico cognitivo, com provável falha no processo de
seleção linguística. Ex: caneta em vez de lápis ou auscultador em vez de estetoscópio.
# Parafasia fonológica (literal) – se o doente diz uma palavra que se aproxima da resposta certa mas
foneticamente errada. Ex: grapis em vez de lápis.
III. Psicopatologia
Linguagem e discurso
1. Perturbações do curso
3. Perturbações do conteúdo
“Eles pensavam que eu estava na dispensa, em casa... Jogo de escondidas... Há uma caixa mágica. Coitada da Catarina, vocês
sabem, a Catarina, a Grande, fogo aberto, estou sempre pela chaminé acima. Eu quero gritar de alegria... Aleluia!”
III. Psicopatologia
1. Perturbações do curso - ritmo
Prolixidade
Versão marginal da fuga de ideias em que a velocidade com que surgem os pensamentos não é tão
rápida.
Apesar de não conseguirem manter os pensamentos acessórios fora da corrente principal, só perdem o
fio condutor por alguns momentos e finalmente atingem o objetivo.
Ao contrario da entediante elaboração de detalhes da circunstancialidade, estes doentes apresentam um
brilhante embelezamento dos seus pensamentos.
Ex: hipomania
III. Psicopatologia
1. Perturbações do curso - ritmo
Circunstancialidade
O pensamento progride lentamente e com muitos detalhes desnecessários e triviais (entediantes), mas
finalmente atinge o seu termo.
Há uma falha na diferenciação entre o fundo e a figura, distinguir o essencial do acessório.
• Ideias sobrevalorizadas
• Ideias delirantes
• Delírio primário
• Delírio secundário
III. Psicopatologia
3. Perturbações do conteúdo
• Ideia sobrevalorizada: pensamentos com alguma carga afetiva (ex: hipocondria; ciúmes).
Baseados numa crença razoável, possivelmente verdadeira, mas que domina todo o
pensamento consciente de uma forma que não é razoável. Surgem num contexto emocional
ou de alteração de humor e é prolongável no tempo podendo atingir intensidade delirante. É
compreensível na personalidade e no tempo em que surge (Hipocondria; Ciúmes mórbidos).
III. Psicopatologia
3. Perturbações do conteúdo
• Ideia delirante: crença falsa, em contraste com o contexto sociocultural, na qual o indivíduo
acredita com uma convicção absoluta, inabalável e que não cede à argumentação lógica.
• Delírios:
• Primários (quando se depreende de um estado patológico primário - perceção delirante e é incompreensível
psicologicamente)
• Secundários (quando deriva de acontecimentos vividos pelo sujeito ou de outros sintomas psíquicos e é
compreensível psicologicamente).
III. Psicopatologia
3. Perturbações do conteúdo – temas dos
delírios
• Persecutório – O doente acredita que o perseguem, que lhe querem fazer mal
• Autorreferência – Sentir-se alvo de observação e ter a certeza de que se está a ser observado. Atribuição
de um significado pessoal a observações ou comentários neutros.
• Místico
• Grandiosidade – O doente sente-se uma pessoa importante ou com capacidades importantes.
• Ruína – O doente tem a convicção de que perdeu tudo e todos.
• Niilístico – De negação, nega a existência do corpo. O doente tem a convicção de que partes do seu corpo
não estão funcionantes ou mesmo apodrecidas. No expoente máximo deste delírio o doente tem a convicção
de que está morto (Delírio de Cotard).
III. Psicopatologia
3. Perturbações do conteúdo – temas dos
delírios
• Hipocondríaco – O doente tem a convicção de que tem uma determinada doença, podendo mesmo
desenvolver alguma sintomatologia.
• Ciúme (infidelidade)– Acredita na infidelidade do parceiro.
• Sexual (Erotomania ou Síndrome de Clérambault) – Mais frequente em mulheres que se acham alvo
de paixão de estatuto socioeconómico elevado,
• Controlo/Influência(Passividade) – Os atos ou movimentos do doente são controlados ou
influenciados por uma força, pessoa ou entidade externa (antena, computador, ser extraterrestre,
demónio...).
• Culpa ou auto-acusação – O doente tem a convicção de que fez um erro e tem de ser castigado.
III. Psicopatologia
4. Perturbações da posse
• Obsessões
• Alienação do pensamento
• Influência
• Inserção
• Roubo
• Difusão
III. Psicopatologia
4. Perturbações da posse
Obsessões
Ideias, impulsos, medos, pensamentos ou imagens intrusivas, que surgem de forma repetitiva, que se impõem contra a vontade
da pessoa mas que provêm da sua própria mente, consumidoras de tempo, a pessoa reconhece-as como absurdas ou sem
sentido - egodistónicas (não fazem parte da sua maneira de ser) - os seus conteúdos e temáticas são frequentemente de uma
natureza repugnante para o doente, causando uma grande ansiedade e até sentimentos de culpa, habitualmente com
manutenção do insight.
Podem ser imagens mentais, ideias, medos ou impulsos mas NÃO ALUCINAÇÕES.
III. Psicopatologia
4. Perturbações da posse
Alienação do pensamento (típico na esquizofrenia):
O doente pensa que os seus pensamentos são controlados por uma entidade extrínseca ou que outros participam no seu
pensamento.
• Influência
• Inserção
• Roubo
• Difusão
III. Psicopatologia
• Erros sensoriais: produz-se uma perceção nova, que pode ser ou não em resposta a um
estimulo externo
III. Psicopatologia
Erros sensoriais
• Pseudoalucinação
III. Psicopatologia
• Alucinações
espaço objetivo
detalhe e clareza
sem insight
são involuntárias
Espaço subjetivo
• Pseudo-alucinações
espaço subjetivo
claras e vividas
Com insight
carecem substancialidade
com ou sem insight
são involuntárias
III. Psicopatologia
• Alucinações – causas:
§ Emoções intensas
§ Doenças psiquiátricas
§ Perturbações dos órgãos dos sentidos
§ Privação sensorial
§ Perturbação do SNC
III. Psicopatologia
• Alucinações
§ Audição
§ Visão
§ Olfato
§ Gosto
§ Tato
III. Psicopatologia
• Audição
ü imperativas ou de comando
ü Uma ou mais vozes que comentam ou falam entre
si
ü Eco ou sonorização do pensamento
III. Psicopatologia
• Visão
Autoscopia
III. Psicopatologia
Humor
• Estado emocional basal do sujeito, sendo o sinónimo de ânimo. Corresponde a uma
disposição emocional a longo termo, prevalecente, que dá a tonalidade à forma subjetiva de
percepção do mundo.
Embotamento Labilidade
afetivo afetiva
Redução da expressão Mudanças rápidas e
emocional imotivadas no estado
(incapacidade para se emocional, geralmente
estar consciente das independentes de
emoções). estímulos externos.
Esquizofrenia. Perturbação bipolar e
síndromes psico-
orgânicas.
III. Psicopatologia
Sono
Insónia inicial (ansiedade) – se existe dificuldade em adormecer
Insónia Insónia intermédia – se existem despertares a meio da noite
com dificuldade em retomar o sono
Insónia terminal (depressão) – despertar ainda de madrugada
não consegundo retomar o sono
Insight ou
consciência para a Ausente, parcial ou presente
doença
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III. Psicopatologia
III. Psicopatologia
IV. Questões de aula:
Assinale a resposta correcta:
Relativamente ao humor
1. O humor eufórico caracteriza-se pelo sentimento estranho de que algo mudou no exterior.
2. O humor disfórico caracteriza-se pelo sentimento excessivo de bem-estar ou prazer.
3. O humor depressivo caracteriza-se pelo pessimismo exagerado e falta de ânimo.
4. Elacção do humor caracteriza-se pelo sentimento excessivo de bem-estar ou prazer.