Apostila - D1C3

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Especialização em Nutrição, Metabolismo e

Fisiologia do Exercício Físico

Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – FMRP – USP

APOSTILA DA DISCIPLINA 1 - INTRODUÇÃO A NUTRIÇÃO,


METABOLISMO E EXERCÍCIO FÍSICO

AULA 3 – Metabolismo Energético

Parte 1: 17/05/2021

Parte 2: 24/05/2021

Autor: Prof. Dr. Roberto N. Silva

Revisora: Amanda Cristina Campos Antonieto

Maio de 2021

1
Sumário

Introdução.............................................................................................................................3

Vias metabólicas....................................................................................................................3

Bioenergética e metabolismo.................................................................................................4

Coenzimas e o metabolismo...................................................................................................7

Metabolismo da glicose.........................................................................................................8

Transporte e distribuição de glicose.......................................................................................8

Via glicolítica........................................................................................................................10

Destinos do Piruvato............................................................................................................12

Ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa..................................................................................13

Metabolismo energético no exercício físico..........................................................................15

O metabolismo no repouso e adaptações metabólicas ao exercício físico.............................19

Métodos de estudo do metabolismo....................................................................................19

Análise por transcriptoma....................................................................................................21

Proteômica...........................................................................................................................22

Metabolômica......................................................................................................................22

Biologia de sistemas.............................................................................................................22

2
Introdução
Metabolismo é o conjunto de transformações que as substâncias químicas sofrem no
interior dos organismos vivos. Estas reações são responsáveis pelos processos de síntese e
degradação dos nutrientes na célula e constituem a base da vida, permitindo o crescimento e
reprodução das células, mantendo as suas estruturas e adequando respostas aos seus ambientes.
As reações químicas do metabolismo estão organizadas em vias metabólicas, que são
sequências de reações em que o produto de uma reação é utilizado como reagente na reação
seguinte. Diferentes enzimas catalisam diferentes passos de vias metabólicas, agindo de forma
concertada de modo a não interromper o fluxo nessas vias. As enzimas são vitais para o
metabolismo porque permitem a realização de reações desejáveis, mas termodinamicamente
desfavoráveis, ao acoplá-las a reações mais favoráveis. As enzimas regulam as vias metabólicas
em resposta a mudanças no ambiente celular ou a sinais de outras células.
O metabolismo é normalmente dividido em dois grupos: anabolismo e catabolismo.
Reações anabólicas, ou reações de síntese, são reações químicas que produzem nova matéria
orgânica nos seres vivos. Reações catabólicas, ou reações de decomposição/degradação, são
reações químicas que produzem grandes quantidades de energia (ATP) a partir da decomposição
ou degradação de moléculas mais complexas (matéria orgânica). O metabolismo é
fundamentalmente estudado pela Bioquímica, usando muitas vezes também técnicas ligadas à
Biologia Molecular e à Genética. A Figura 1 mostra a lógica da vida em termos bioquímicos.

Figura 1. Vias de anabolismo e catabolismo.

Vias metabólicas
Em bioquímica, uma via metabólica é uma série de reações químicas onde uma reação
fornece o substrato da reação seguinte, sendo a reação seguinte dependente da anterior. Em
cada via deve haver no mínimo uma reação irreversível; se não houver essa etapa irreversível, a

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via é considerada um ciclo fútil onde só há dissipação de energia. As vias metabólicas podem ser
classificadas como cíclicas, quando os produtos são consumidos na própria via e o produto final
é o próprio substrato inicial, ou lineares, possuindo um substrato inicial e um produto final
diferentes, com produtos e substratos que podem ser utilizados em outras reações. Elas podem
ser divididas quanto sua função em catabólicas (transforma um substrato em um produto por
meio de degradação de moléculas, geralmente liberando mais energia do que consumindo),
anabólicas (tem como objetivo a síntese de várias biomoléculas, geralmente consumindo mais
energia do que liberando) e anfipáticas (funcionam tanto na degradação quanto na síntese das
moléculas. Quando se tem a interligação de várias vias metabólicas, chamamos o esquema de
mapa metabólico, como pode ser visto na Figura 2.

Figura 2. Mapa metabólico simplificado do metabolismo de carboidratos, lipídios e proteínas.


Adaptado: Marzzoco e Torres, 2007.

Bioenergética e metabolismo
O estudo dos efeitos da energia que acompanham as mudanças físicas e químicas sobre
a matéria é conhecido como termodinâmica. As leis da termodinâmica são usadas para avaliar o
fluxo e o intercâmbio de matéria e energia. A bioenergética, um ramo da termodinâmica, é o
estudo de como as reações metabólicas produzem e utilizam energia nos seres vivos e é
especialmente útil na determinação da direção e da extensão de cada reação bioquímica. As
reações são afetadas por três fatores. Dois deles, a entalpia (conteúdo em calor total) e a entropia
(medida da desordem), estão relacionados com a primeira e segunda lei da termodinâmica,
respectivamente. O terceiro fator, chamado energia livre (energia capaz de realizar trabalho útil),
é derivada da relação matemática entre entalpia e entropia.
As células dos organismos vivos operam como sistemas isotérmicos (funcionam à
temperatura constante) que trocam energia e matéria com o ambiente. Em termodinâmica, um
sistema é tudo que está dentro de uma região definida no espaço (exemplo, um organismo). A
matéria no restante do universo é chamada de meio circundante, circunvizinhança ou ambiente.

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Os organismos vivos são sistemas abertos que jamais estão em equilíbrio com o meio ambiente.
As leis da termodinâmica descrevem as transformações de energia. As duas primeiras são
especialmente úteis na investigação das mudanças nos sistemas vivos.
A Primeira lei da termodinâmica. Em qualquer mudança física ou química, a quantidade de
energia total do sistema e seu meio circundante permanece constante. Esta lei estipula que a
energia pode ser convertida de uma forma para outra, mas não pode ser criada nem destruída.
As células são capazes de interconverter energia química, eletromagnética, mecânica e osmótica
com grande eficiência. Por exemplo, no músculo esquelético, a energia química do ATP é
convertida em energia mecânica durante o processo de contração muscular. É importante
reconhecer que a troca de energia de um sistema depende somente dos estado inicial e final e
não do mecanismo da equação.
A Segunda lei da termodinâmica. Para formular a segunda lei é necessário definir o termo
entropia (do grego, en, dentro de + trope, curva). A entropia (S) é a medida ou indicador do grau
de desordem ou casualidade de um sistema, ou a energia de um sistema que não pode ser
utilizada para realizar trabalho útil.
De acordo com a segunda lei, as reações espontâneas tendem a progredir em direção ao
equilíbrio. Ao atingir o equilíbrio, a desordem (entropia) é a máxima possível sob as condições
existentes. A menos que o processo receba energia adicional de uma fonte externa ao sistema,
não ocorrerá nenhuma outra mudança espontaneamente.
Os organismos vivos necessitam de continuo aporte de energia livre para três processos
principais: (1) realização de trabalho mecânico na contração muscular e outros movimentos
celulares, (2) transporte ativo de moléculas e íons e (3) síntese de macromoléculas e outras
biomoléculas a partir de precursores simples.

A energia livre de Gibbs (G) de um sistema é a parte da energia total do sistema que está disponível
para realizar trabalho útil, sob temperatura e pressão constantes.

A variação de energia livre de Gibbs (∆G) nas condições existentes nos sistemas biológicos é
descrita quantitativamente pela equação:

∆G = ∆H – T∆S

Onde:
∆G é a variação de energia livre de Gibbs que ocorre enquanto o sistema se desloca de seu estado
inicial para o equilíbrio, sob temperatura e pressão constantes,
∆H é a variação de entalpia ou do conteúdo em calor do sistema reagente,
T a temperatura absoluta,
∆S a variação de entropia do sistema reagente.

As unidades de ∆G e ∆H são joules·mol−1 ou calorias mol−1 (uma caloria é igual a 4,184 J).
As variações da energia livre são acompanhadas pelas concomitantes modificações da entalpia e
entropia.
Para a maioria dos casos, o valor de ∆G é obtido medindo-se a variação de energia livre
dos estados inicial e final do processo:

∆G = G(produtos) – G(reagentes)

A variação de energia livre (∆G) de um processo pode ser positiva, negativa ou zero e
indica a direção ou espontaneidade da reação:
• Reações de equilíbrio. Os processos que apresentam ∆G igual 0, (∆G = 0, Keq = 1,0), não há
fluxo em nenhuma direção de reação (as reações nos dois sentidos são iguais).

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• Reações exergônicas. São os processos que apresentam ∆G negativo (∆G < 0, Keq > 1,0)
indicando que são energeticamente favoráveis e procederão espontaneamente até que o
equilíbrio seja alcançado.
• Reações endergônicas. São os processos que apresentam ∆G positivo (∆G > 0, Keq < 1,0) o que
significa que há́ absorção de energia e são não-espontâneos (energeticamente não-favoráveis).
O processo ocorrerá espontaneamente na direção inversa à escrita.
Reações termodinamicamente desfavoráveis são impulsionadas por reações exergônicas
à qual estão acopladas. As reações exergônicas fornecem energia que dirigem as reações
endergônicas. A interconexão entre reações endergônicas e exergônicas é chamada
acoplamento.
As células obtêm a energia necessária para a sua manutenção e crescimento pela
degradação de vários nutrientes, tais como, glicose (carboidrato), aminoácidos (proteínas) e
ácidos graxos (lipídeos não– esteróides). Por exemplo, a energia livre padrão liberada durante a
oxidação da glicose até CO2 e H2O é:

C6H12O6 + 602 → 6CO2 + 6H2O ∆G°′ = –2870 kJ⋅mol–1

Em condições aeróbicas, a energia liberada na reação acima é utilizada na síntese de,


aproximadamente, 32 moléculas de ATP (trifosfato de adenosina) para cada molécula de glicose.
O ATP é um carreador ou transportador de energia livre. Outros compostos fosforilados e
tioésteres também têm grandes energias livre de hidrólise e, juntamente com o ATP, são
denominados de compostos de “alta energia” (ou “ricos em energia”), tais como
fosfoenolpiruvato, 1,3-bisfofoglicerato, fosfocreatina (Figura 3). Basicamente, a energia livre
liberada pela degradação de nutrientes é convertida em compostos de “alta energia” cuja
hidrólise liberam energia livre utilizadas pelas células para exercer suas funções.

Figura 3. Compostos de alta e baixa energia em relação ao ATP.

O ATP é um nucleotídeo formado por uma unidade de adenina, uma de ribose e três
grupos fosfato sequencialmente ligados por meio de uma ligação fosfoéster seguida de duas
ligações fosfoanidrido. As formas ativas do ATP e ADP estão complexadas com o Mg2+ ou outros
íons. Estrutura de ATP (Figura 4):

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Figura 4. Estrutura do ATP.

O ATP pode ser regenerado por dois mecanismos:


• Fosforilação ao nível do substrato. É a transferência direta do grupo fosfato (Pi) para o ADP (ou
outro nucleosídeo 5’–difosfato) para formar ATP, empregando a energia livre proveniente de
processos exergônicos.
• Fosforilação oxidativa. O processo no qual os elétrons liberados durante a oxidação de
substratos (reações de degradação) são transferidos para a cadeia mitocondrial transportadora
de elétrons através de coenzimas reduzidas (NADH e FADH 2) para o oxigênio molecular. A energia
livre liberada promove a síntese de ATP a partir de ADP e Pi.

Coenzimas e o metabolismo
O metabolismo envolve um vasto conjunto de reações químicas, mas a maioria cai dentro
de alguns tipos básicos de transferências de grupos funcionais. Esta química comum permite às
células usarem um conjunto relativamente pequeno de intermediários metabólicos no transporte
de grupos químicos de uma reação para a seguinte. Estes intermediários de transferência de
grupos são as coenzimas. Cada classe de reação de transferência de grupos corresponde a uma
determinada coenzima, servindo de substrato para um conjunto de enzimas que a produz e que
a consome. Assim, as coenzimas são continuamente produzidas, consumidas e então recicladas.
A coenzima mais central é o trifosfato de adenosina (ATP), a moeda de troca energética
universal das células. O ATP é utilizado para transferir energia química entre diferentes reações
químicas. Existe uma pequena quantidade de ATP permanentemente presente nas células, mas
como é constantemente regenerado, o corpo humano é capaz de utilizar o seu peso em ATP por
dia. O ATP age como uma ponte entre catabolismo e anabolismo, tendo as reações catabólicas
como produtoras de ATP e as anabólicas como consumidoras. Também serve como um
transportador de grupos fosfato em reações de fosforilação.
As vitaminas são compostos orgânicos necessários em pequenas quantidades e que não
podem ser sintetizados pelas células. Na nutrição humana, a maioria das vitaminas funciona
como coenzimas após sofrerem uma modificação química; por exemplo, todas as vitaminas
hidrossolúveis são fosforiladas ou ligadas a nucleotídeos para a sua utilização intracelular.
O dinucleotídeo de nicotinamida-adenina (NADH), um derivado da vitamina B3 (niacina), é uma
coenzima importante que age como aceptor de hidrogênio. Centenas de diferentes tipos
de desidrogenases retiram elétrons dos seus substratos e reduzem NAD+ a NADH. Esta forma
reduzida da coenzima é então substrato para redutases celulares que necessitem de reduzir os
seus substratos. O dinucleotídeo de nicotinamida-adenina existe também sob uma forma
fosfatada, NADPH. O par redox NAD+/NADH é mais importante no catabolismo, enquanto que o

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par NADP+/NADPH é mais usado no anabolismo. A Tabela 1 mostra as coenzimas derivadas das
vitaminas que são utilizadas em nosso metabolismo.

Metabolismo da glicose
A glicose é o principal carboidrato na Terra, entrando na constituição monomérica de
celulose e amido. É também o único combustível utilizado por todas as células do nosso corpo.
A glicose é, quantitativamente, o principal substrato oxidável para a maioria dos
organismos, quase todas as células são potencialmente capazes de atender suas demandas
energéticas apenas a partir deste açúcar. Apesar de a dieta humana conter pouca glicose livre,
esta aparece em proporções consideráveis como amido, sacarose e lactose.
A glicólise se caracteriza como uma via metabólica utilizada por todas as células do corpo, para
extrair parte da energia contida na molécula da glicose, e gerar duas moléculas de lactato.
A glicólise se constitui na etapa inicial no processo da oxidação completa de carboidratos
envolvendo oxigênio molecular. Trata-se de uma rota central quase universal do catabolismo da
glicose, a rota com o maior fluxo de carbono na maioria das células. A quebra glicolítica de glicose
é a única fonte de energia metabólica em alguns tecidos de mamíferos e tipos celulares
(hemácias, medula renal, cérebro e esperma, por exemplo). Nos próximos tópicos,
descreveremos a oxidação total da glicose, bem como seu armazenamento e mobilização na
forma de glicogênio (glicogênese e glicogenólise) e sua síntese de novo para suprir o cérebro
(neoglicogênese).

Transporte e distribuição de glicose


A distribuição de glicose pelos tecidos corporais tem o seu controle por meio da
expressão e regulação das diversas isoformas dos transportadores de glicose nos tecidos. Isso se
deve ao fato que os tecidos precisam de aportes e velocidades de consumo de glicose diferentes.
Os transportadores de glicose (GLUTs) compreendem uma família de proteínas integrais da
membrana que apresentam 12 domínios hidrofóbicos transmembrânicos, regiões amino e
carboxi terminal no citosol, um grande domínio extracelular que contém um sítio de glicosilação

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e permitem a difusão facilitada da glicose, a favor de seu gradiente de concentração, por meio da
membrana plasmática (Figura 5)

Figura 5. Estrutura do receptor/transportador do tipo GLUT.

Todas as isoformas de GLUTs diferem entre si em relação à especificidade do substrato,


expressão tecidual e propriedades cinéticas. As isoformas podem ser divididas, de acordo com a
conservação de suas características funcionais, em três classes:

Classe I: inclui os transportadores (GLUTs) 1 – 4.


Classe II: que compreende o GLUT-5, GLUT-7, GLUT-9, GLUT-11.
Classe III: que inclui os transportadores GLUT- 6, GLUT-8, GLUT-10, GLUT-12

O GLUT-1 apresenta uma vasta expressão, sendo encontrado em todos os tecidos


corporais, o GLUT-2 é expresso predominantemente nas células hepáticas e β pancreáticas. O
GLUT-1 ainda difere do GLUT-2 pois apresenta um baixo Km (alta afinidade), o que o torna
responsável por garantir o transporte basal de glicose aos tecidos quando este se encontra em
níveis fisiológicos baixos no sangue. Já o GLUT-2, por apresentar um alto Km (baixa afinidade),
possui uma maior capacidade de transportar a glicose em situações de hiperglicemia. Em
associação com o GLUT-3, transportador de glicose expresso principalmente em neurônios, o
GLUT-1 permite que a glicose possa atravessar a barreira hemato-encefálica (BHE) e desta forma
entrar nas células.
O transportador de glicose GLUT-4, o maior transportador transmembrana responsivo à
insulina, é responsável pelo aumento da captação de glicose pelos tecidos adiposo e muscular
em resposta ao estímulo de sua translocação pela insulina. Na ausência do hormônio, esse
transportador se encontra localizado na membrana de vesículas intracelulares citoplasmáticas e
da região perinuclear (Figura 6). Sob estímulo insulínico ou exercício físico (1), são translocados
em direção à membrana plasmática (2) e aumentam a captação de glicose pelos tecidos adiposo
e muscular (3), a glicose é então utilizada para síntese de glicogênio (4), via glicolítica (5) ou
síntese de ácidos graxos (6) (Figura 6). No entanto, o tecido adiposo contribui apenas com uma
pequena fração da utilização da glicose dependente da insulina, de forma que sua maior
utilização (mais de 75%) ocorre no músculo esquelético.

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Figura 6. Mecanismo de transporte de glicose pelo receptor insulino-dependente GLUT-4.

O quadro abaixo mostra os principais transportadores de glicose e sua ocorrência.

• Sangue • Insulina independente


• BHE
• Coração

• Fígado • Insulina independente


• Pâncreas • Km alto
• Intestino • Baixa afinidade

• cérebro • Insulina independente


• Neurônios • Km baixo
• Esperma • Alta afinidade
• Musculo
esquelético
• Insulina dependente
• Tecido adiposo • Km baixo
• Coração • Alta afinidade
• Músculo • Transportador de
• Intestino frutose

Via glicolítica
Para obterem ATP a partir de glicose, todas as células lançam mão de sua oxidação parcial
a piruvato. Nas células anaeróbicas, a oxidação pára neste ponto. A conversão de glicose a
piruvato permite aproveitar apenas uma parcela da energia total da glicose. Nas células
aeróbicas, entretanto, o piruvato é subsequentemente oxidado, trazendo, naturalmente, um
enorme ganho na produção de ATP.

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A etapa inicial da oxidação da glicose (até piruvato) ocorre através de uma sequência de
reações denominada glicólise, uma via metabólica que se processa no citosol. Seus produtos são
ATP, (H + e-) , recebido por coenzimas, e piruvato.
A quebra dos seis carbonos da glicose em duas moléculas de piruvato com três carbonos
ocorre em dez passos; os primeiros cinco dos quais constituem a fase preparatória (fase de
investimento) e os cinco seguintes, a fase de geração de ATP (fase de rendimento).
A sequência de reações pode ser acompanhada na Figura 7. Na primeira etapa a glicose
é fosforilada sob a ação da enzima hexocinase e a glicose-6-fosfato (G6P), gerada no citosol, não
pode sair da célula. Essa reação é irreversível. A G6P é transformada, em seguida, no seu isômero
frutose-6-fostato (F6P), por zzação da enzima fosfoglicose isomerase. Finalmente a F6P recebe
mais um grupamento fosfato e é transformada no composto frutose-1,6-bisfosfato. Esta reação
também é irreversível e é catalisada pela fosfofruto-cinase, uma enzima alostérica.
Na segunda etapa a frutose-1,6-bisfosfato sofre a ação da aldolase gerando uma
molécula de diidroxiacetona fosfato e uma molécula de gliceraldeído-3-fosfato (GAP). Sob a ação
da triose fosfato isomerase, diidroxiacetona fosfato é convertida em gliceraldeído-3-fosfato.
Após, ocorre a produção de 1,3-bisfosfoglicerato, composto gerado pela ação da enzima
gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase sobre o GAP. Essa enzima tem como coenzima o NAD +
(Nicotinamida adenina di-nucleotídeo).
O composto 1,3-bisfosfoglicerato é um composto com um alto potencial energético
permitindo que, na reação seguinte, catlisada pela fosfoglicerato cinase haja produção de ATP.
Na reação 8, a enzima fosfogliceromutase reposiciona a posição do grupo fosfato 3-
Fosfoglicerato, dando origem a 2-fosfoglicerato (grupo fosfato ligado ao carbono 2), preparando
o substrato para a próxima reação. A reação 9 é uma reação de desidratação catalisada pela
enzima enolase. O 2-fosfoglicerato é desidratado formando uma molécula de água e
fosfoenolpiruvato (PEP), um composto altamente energético. Foi devido a esta configuração
energética que o grupo fosfato foi transferido da posição 3 para 2 na reação anterior. A outra
reação onde ocorre síntese de ATP é catalisada pela piruvato cinase, enzima que transforma
fosfoenolpiruvato em piruvato. Esta é a terceira reação irreversível da via glicolítica.

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Figura 7. Via glicolítica

Destinos do Piruvato
O destino do piruvato depende do tipo celular e das circunstâncias metabólicas. Há 3
destinos principais para o piruvato (Figura 8):

(1) Organismos e tecidos aeróbicos, em condições aeróbicas – o piruvato é oxidado, com perda
do grupo carboxílico, originando o grupo acetil da acetil-CoA, que depois é oxidada a CO2 durante
o ciclo de Krebs;
(2) Tecidos aeróbicos em condições de pouco oxigênio (hipoxia muscular, por exemplo), alguns
tecidos em condições aeróbicas (eritrócitos, por exemplo, porque não possuem mitocôndrias),
ou alguns organismos anaeróbicos – o piruvato é reduzido a lactato através da fermentação
láctica. Em condições de hipoxia muscular, o NADH não é reoxidado a NAD+, e o NAD+ é
necessário para a glicólise. A redução do piruvato a lactato permite usar NADH como dador de
electrões regenerando o NAD+;

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(3) Alguns tecidos de plantas, alguns invertebrados, protistas e microorganismos, em condições
anaeróbicas ou de hipoxia – o piruvato é convertido em etanol + CO2 (fermentação alcoólica).

Figura 85. Possíveis destinos do piruvato na presença e ausência de oxigênio.

Apesar da glicólise poder ocorrer em condições anaeróbicas, tal fato tem um preço, pois
reduz a quantidade de ATP formado por molécula de glucose (passa de 30 ou 32 ATP para apenas
2!), sendo, portanto, necessário oxidar mais glicose nestas condições.
O que vai acontecer ao piruvato está diretamente relacionado com a quantidade de NAD+
e FAD da célula. Como essas quantidades são muito pequenas, é necessário haver mecanismos
para transformar o NADH+H+ e FADH 2 de novo em NAD+ e o FAD, respectivamente. Isto é feito
por transferência dos elétrons do NADH+H+ e FADH 2 para outras moléculas, o que pode ocorrer
por fermentação ou respiração. A distinção entre estes não é (ao contrário do que geralmente se
pensa) o fato de um processo utilizar diretamente o O 2 e o outro não! O O2 é apenas necessário
para a fosforilação oxidativa, e não para a oxidação do piruvato. Ao contrário dos metabolismos
aeróbios que dependem do aporte de oxigênio e são limitados pela disponibilidade deste, a
glicólise anaeróbia não depende da disponibilidade de oxigênio e pode aumentar de velocidade
até cerca de 1000 vezes a velocidade em repouso, ou seja, os 2 ATP/glicose podem representar
muitos ATP/minuto.

Ciclo de Krebs e fosforilação oxidativa


O piruvato proveniente de glicose origina acetil-CoA mitocondrial. Além da glicose, os
ácidos graxos e vários aminoácidos produzem piruvato e, logo, acetil-CoA, ao serem degradados.
A acetil-CoA pode, portanto, ser originária de carboidratos, aminoácidos e ácidos graxos e,
qualquer que seja sua proveniência, será totalmente oxidado a CO2 pelo ciclo de Krebs, com a
concomitante produção de coenzimas reduzidas. O ciclo de Krebs inicia-se com a condensação
de acetil – CoA e oxaloacetato, formando citrato, uma reação catalisada pelo citrato sintase
(Figura 9). O citrato é isomerizado a isocitrato por ação da aconitase, com a formação
intermediária de cis-aconitato. A isocitrato desidrogenase catalisa a oxidação de isocitrato a α-
cetoglutrato, com redução de NDA+ e liberação de CO 2. O α-cetoglutrato é então transformado

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a succinil-CoA, numa reação catalisada pela α-cetoglutrato desidrogenase, um complexo
enzimático semelhante ao complexo piruvato desidrogenase.
A succinil – CoA sintetase catalisa a transformação de succinil – CoA a succinato, numa
reação que forma GTP (guanosina trifosfato), a partir de GDP (guanosina difosfato) e P. O GTP
tem o mesmo nível energético do ATP e, portanto, a formação de GTP equivale à formação de
ATP: o GTP pode reagir com ADP, dando ATP e regenerando GDP, por ação da nucleosídio
difosfato quinase. A succinato desidrogenase é a única enzima do ciclo de Krebs que é parte
integrante da membrana interna da mitocôndria: as demais estão em forma solúvel na matriz
mitocondrial. O fumarato é hidratado a malato pela furmarase. Por fim o malato é oxidado a
oxaloacetato pela acao da malato desidrogenase e formação de NADH (figura 5). Como o
oxaloacetato é sempre regenerado ao final de cada volta, o ciclo de Krebs pode oxidar acetil-CoA
continuamente, sem gasto efetivo de oxaloacetato (Figura 9).

Figura 9. Ciclo de Krebs e os compostos formados a partir de seus intermediários.

Embora o ciclo de Krebs produza diretamente apenas 1 ATP, contribui para a formação
de grande parte do ATP produzido pela célula, pois a energia da oxidação da acetil-CoA é
conservada sob a forma de coenzimas reduzidas e, posteriormente, usada para síntese de ATP. A

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oxidação das coenzimas é obrigatoriamente feita pela cadeia de transporte de elétrons e,
portanto, o ciclo de Krebs, ao contrário da glicose, só pode funcionar em condições aeróbicas.
Os compostos intermediários do ciclo de Krebs podem ser utilizados como precursores
em vias biossintéticas: oxaloacetato e α-cetoglutarato vão formar respectivamente aspartato e
glutamato. A eventual retirada desses intermediários pode ser compensada por reações que
permitem restabelecer o seu nível. Entre essas reações, que são chamadas de anapleróticas por
serem reações de preenchimento, a mais importante é a que leva à formação de oxaloacetato a
partir do piruvato e que é catalisada pela piruvato carboxilase. O oxaloacetato além de ser um
intermediário do ciclo de Krebs, participa também da gliconeogênese. A degradação de vários
aminoácidos também produz intermediários do ciclo de Krebs, funcionando como reações
anapleróticas adicionais (Figura 10).
As moléculas de NADH e FADH2 formadas durante a oxidação de Acetil-Coa no Ciclo de
Krebs são recebidas pela cadeia transportadora de elétrons presente na mitocôndria e são
utilizadas para produção de energia na forma de ATP. A cadeia respiratória capta e transporta os
equivalentes redutores (elétrons e H + provenientes do NADH e FADH 2) direcionando-os para a
sua reação final com o oxigênio para formar água. A fosforilação oxidativa é o processo pelo qual
a energia livre liberada é utilizada para a formação do ATP. O transporte de elétrons ocorre por
meio de quatro complexos proteicos que estão inseridos na membrana mitocondrial interna da
mitocôndria (Figura 11).

Figura 11. Cadeia transportadora de elétrons.

Na cadeia respiratória, os elétrons fluem por três grandes complexos proteicos: NADHQ
oxidorredutase (Complexo I), onde os elétrons são transferidos do NADH para a coenzima Q (Q)
(também chamada de ubiquinona); Q-citocromo c-oxidorredutase (Complexo III), que transfere
os elétrons adiante para o citocromo c; e citocromo c oxidase (Complexo IV), que completa a
cadeia, transferindo os elétrons para o O2, reduzindo-o a H2O. Alguns substratos (p. ex., succinato)
transferem os elétrons para a coenzima Q por meio de um quarto complexo (Complexo II), em
vez de pelo Complexo I. Esse fluxo de elétrons pelos complexos resulta no bombeamento de
prótons da matriz através da membrana mitocondrial interna para dentro do espaço
intermembrana, gerando um gradiente eletroquímico. A força próton-motora gerada nesse
processo direciona a síntese de ATP à medida que os prótons fluem de volta para a matriz por
meio da enzima ATP-sintase.

Metabolismo energético no exercício físico


As principais fontes de energia para o exercício físico são dependentes da intensidade e
duração da atividade realizada. Na Figura 12 destacamos as três fontes de energia predominantes

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em cada tipo de exercício físico; são elas: creatina-fosfato (PCr), sistema glicolítico e sistema
aeróbico. Estes processos produtores de energia são predominantes em exercícios de
aproximadamente 1 a 10 segundos, 10 a 60 segundos e com duração além de 60 segundos,
respectivamente.

Figura 12. Taxa de consumo de energia de acordo com a duração do exercício físico (adaptado de
Morton and MacLaren, 2012).

Um dos grandes desafios do músculo é manter a contração e, ao mesmo tempo, repor a


energia que está consumindo, estabelecendo assim um mecanismo de controle que regule a
produção de energia em função da demanda. Este mecanismo é extremamente sensível e torna
possível a manutenção da contração muscular nas diferentes situações de requerimento
energético.
A molécula de ATP não é armazenada nas células musculares. Sendo assim, uma vez que
a contração muscular começa, a regeneração do ATP deve ocorrer rapidamente. As três fontes
primárias de ATP, em ordem de utilização, são a PCr, glicólise anaeróbica e processos aeróbicos.
Sobre o primeiro sistema, a fosfocreatina converte ADP de volta ao ATP, doando seu fosfato na
presença da enzima creatina quinase (CK).

Durante exercícios de curta duração e alta intensidade, PCr serve como a principal fonte
de energia para a contração muscular, como por exemplo na prova dos 100 m rasos no atletismo.
Entretanto, a concentração de creatina fosfato no citoplasma muscular é um fator limitante da
atuação desse sistema energético.
Assim que a contração muscular se inicia, o processo de glicólise anaeróbica para
produção de energia também é desencadeado. A glicólise anaeróbica não contribui com uma
grande quantidade de energia como PCr no curto prazo, mas sua contribuição é predominante
entre os primeiros 10 a 60 segundos de contração muscular. Na glicólise, o glicogênio muscular

16
armazenado e, possivelmente, a glicose sanguínea, tornam-se os principais substratos para
geração de energia. A glicólise ocorre no citoplasma, onde nenhum oxigênio é necessário, por
isso o processo é denominado anaeróbico. Nesse processo de produção de energia, o glicogênio
muscular é o principal substrato utilizado:

Glicogênio → Glicose-1-P → Lactato + ATP

Na glicólise anaeróbica, o lactato é o produto final da degradação da molécula de glicose


utilizada para a produção de energia (ATP). Este se torna o principal sistema de produção de
energia utilizado em atividades físicas que têm duração relativamente curta, de 10 segundos a 60
segundos, como, por exemplo, em corridas de 400 metros, no atletismo. O lactato produzido no
músculo durante o exercício físico vai para a corrente sanguínea e é direcionado ao fígado, onde
se torna um precursor de glicose por meio da gliconeogênese (Figura 13).

Figura 13. O destino do lactato no exercício físico (adaptado de Morton and MacLaren, 2012).

Exercícios físicos de maior duração requerem principalmente fontes de energia


aeróbicas, como a oxidação completa de glicose ou ácidos graxos em dióxido de carbono e água.
Esses processos precisam de oxigênio e ocorrem nas mitocôndrias das células. Normalmente, os
sistemas aeróbicos de produção de energia estão associados aos exercícios de menor intensidade
e maior duração, como por exemplo uma caminhada de 1 hora de duração. Sabendo disso, é
importante ressaltar que a contribuição dos carboidratos e lipídeos como fonte de energia
também está diretamente associada ao nível de intensidade do exercício físico e sua duração.
Observa-se que as gorduras contribuem com uma maior quantidade de energia em
exercícios de baixa intensidade (aproximadamente 25% VO 2max), que é o observado por exemplo
em um ritmo de caminhada. À medida que a intensidade do exercício se intensifica, os
carboidratos passam a contribuir mais fortemente para o suprimento de energia no exercício
físico. Esse sistema de utilização de energia pode ser observado na Figura 14:

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Figura 14. Uso de carboidratos e gordura em três exercícios de diferentes intensidades (adaptado
de Morton and MacLaren, 2012).

Agora que já foram abordadas as três diferentes fontes para o exercício físico, é
importante entender que cada uma dessas fontes de energia ressintetizam ATP em taxas
variáveis. Destacamos na Tabela 2 as taxas de produção de ATP em cada um dos sistemas citados
acima. Didaticamente, podemos criar uma ordem hierárquica:

Tabela 2. Taxas máximas de produção de energia.


Processo Taxa de produção de energia
PCr → ATP 9 mM/Kg/s

CHO → lactato + ATP 4 mM/Kg/s

CHO → CO2 + H2O + ATP 2 mM/Kg/s

Lipídeos → CO2 + H2O + ATP 1 mM/Kg/s

O sistema PCr é o mais rápido quando se trata da produção de ATP. Nesse sistema, o ATP
é produzido à uma taxa de 9 mM por Kg de músculo seco a cada segundo, sendo mais de duas
vezes mais rápido que o ATP produzido a partir da glicólise anaeróbica. Esse último sistema, por
sua vez, produz ATP duas vezes mais rápido que a oxidação aeróbia de carboidratos e quatro
vezes mais rápido que a de lipídeos.
Em suma, podemos caracterizar os sistemas de produção de energia da seguinte
maneira:
1) Sistema ATP-Cr:
• Fornece energia em exercícios de alta intensidade e curtíssima duração;
• Utiliza como substrato energético a creatina fosfato (PCr).

2) Anaeróbio lático
• Fornece energia em exercícios de alta intensidade e duração moderada.

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• Utiliza como principal substrato energético o glicogênio e a também a glicose sanguínea.
• As reações ocorrem no citoplasma das células (glicólise).
• Tem como produtos finais: lactato + ATP.

3) Metabolismo aeróbio:
• Fornece energia no repouso e em exercícios de baixa a média intensidade e longa duração.
• Utiliza como substrato energético a glicose e os ácidos graxos.
• As reações ocorrem no citoplasma das células (glicólise) e na mitocôndria (Ciclo de Krebs/FOX).
• Produtos finais das reações químicas: CO2 + H2O + ATP.

O metabolismo no repouso e adaptações metabólicas ao exercício físico


No repouso, o organismo utiliza preferencialmente os ácidos graxos provenientes do
metabolismo de lipídeos como substratos para produção de energia. O glicogênio muscular é,
portanto, preservado para que este seja utilizado apenas em situações onde a atividade contrátil
do músculo é intensa. Sabe-se, entretanto, que alguns tecidos e órgãos dependem
principalmente da glicose como substrato para produção de energia, como por exemplo o
sistema nervoso. Quando o nível de glicose sanguínea diminui, o fígado mobiliza a glicogênio
hepático e fornece glicose a esse tecido, protegendo-o de possíveis lesões por deficiência de
nutriente.
O indivíduo praticante de atividade física desenvolve diversas adaptações metabólicas
que podem contribuir significativamente para uma melhor eficiência dos sistemas produtores de
energia. De modo geral, estas adaptações metabólicas do músculo esquelético à prática de
exercícios físicos envolvem uma maior mobilização, transporte e oxidação dos ácidos graxos, um
aumento no conteúdo de proteínas envolvidas no metabolismo de glicose e síntese de ATP, um
aumento na capacidade de transporte e captação de glicose, bem como da síntese de glicogênio,
uma maior capacidade antioxidante e aumento da entrega e extração de O2 para o músculo
esquelético.
Todas essas adaptações são influenciadas pelo tipo de exercício físico praticado
(considerando a intensidade e duração) e também pelo status nutricional daquele indivíduo. Tais
adaptações contribuem para o maior desempenho de atletas em competições esportivas e a
prática de atividades físicas pode funcionar como uma terapia não farmacológica contra
disfunções do músculo esquelético relacionadas a perda de massa muscular, como a sarcopenia
no envelhecimento ou a caquexia no câncer.

Métodos de estudo do metabolismo


Uma Via metabólica pode ser compreendida em vários níveis

1. Em termos de sequência de reações em que um determinado nutriente é convertido nos


produtos finais e na energia dessa conversão
2. Em termos dos mecanismos pelos quais cada intermediário é convertido ne seu sucessor
3. Em termos dos mecanismos de controle que regulam o fluxo de metabolitos através da
via. Isso inclui as relações entre os órgãos que ajustam suas atividades metabólicas as
necessidades do organismo como um todo.

A complexidade de diversas vias metabólicas tona difícil estudá-las. As condições reacionais


usadas com reagentes isolados in vitro, são com frequência, muito diferentes das condições
encontradas na célula in vivo. O estudo dos eventos químicos que ocorrem no metabolismo é um
dos ramos mais antigos da bioquímica, e várias abordagens foram desenvolvidas para a
caracterização de enzimas, intermediários, fluxos e a regulação das vias metabólicas.

19
Uma abordagem clássica para a descoberta de vias metabólicas é a adição de um substrato a
preparações de tecidos, células ou frações subcelulares e o acompanhamento da aparição de
intermediários e produtos finais. Um dos avanços mais fundamentais e significativos no estudo
da bioquímica celular surgiu com a descoberta de que era possível quebrar as células e separar
os seus componentes em frações subcelulares. Esta técnica foi importante porque forneceu um
dos principais meios para se determinar a distribuição intracelular de uma dada enzima ou função
celular. Além disso, assim que esta localização fosse conhecida, o fracionamento celular poderia
ser usado como primeira etapa na purificação da atividade (Figura 15).

Figura 16. Fracionamento celular, mostrando as diferentes organelas que podem ser isoladas por
centrifugação e estudadas separadamente.

Além de compreender os eventos químicos e catalíticos que ocorrem em cada etapa de


uma via metabólica, é importante saber que ocorre um determinado percurso dentro de um
organismo. Pesquisadores estudaram anteriormente metabolismo em animais inteiros. Por
exemplo, o papel do pâncreas em diabetes foi estabelecido por Frederick Banting e Charles Best
em 1921 através da remoção cirúrgica do órgão de cães e observando que, em seguida, estes
animais desenvolveram a doença.
As vias metabólicas em eucariotas estão compartimentadas em várias organelas
subcelulares. Por exemplo, fosforilação oxidativa ocorre na mitocôndria, enquanto que a glicólise
e a biossíntese de ácidos graxos ocorrem no citosol. Tais observações são feitas por células lisadas
e por fraccionamento de seus componentes por centrifugação diferencial, eventualmente
seguida de ultracentrifugação através de um gradiente de densidade de sacarose ou por
equilíbrio de gradiente de densidade ultracentrifugação em gradiente de densidade de CsCl um,
que, respectivamente, partículas separadas de acordo com seu tamanho e densidade de fracções
de células. Os seus marcadores são então analisados para a função bioquímica (Figura 16).

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Figura 17. Marcadores bioquímicos das organelas celulares.

O que acontece com um substrato é mais fácil de acompanhar quando ele é


especificamente marcado. Desde o advento da química nuclear, os traçadores isotópicos têm
sido usados para mapear as transformações dos metabolitos. Por exemplo, compostos contendo
isótopos radioativos como 3H ou 14C podem ser adicionados a células ou a outras preparações, e
os compostos radioativos produzidos por reações anabólicas ou catabólicas, purificados e
identificados. Esse foi o caso clássico de Hans Krebs que em 1932 descreveu o ciclo da ornitina
para formação de uréia e Melvin Calvin, que em 1962 descreveu o ciclo do carbono na
fotossíntese.
A verificação das etapas de uma via em particular pode ser acompanhada por meio da
reprodução das reações individuais in vitro, utilizando substratos e enzimas isolados. Enzimas
individuais de quase todas as etapas metabólicas conhecidas tem sido isoladas. Aqui cabe
ressaltar o grande progresso da enzimologia durante a década de 50 a 80, onde por meio de
técnicas de purificação e caracterização de enzimas, se teve um grande avanço no estudo do
metabolismo. No entanto, uma avaliação completa da regulação de uma via requer analise das
concentrações dos metabolitos na célula ou no organismo intacto, sob várias condições.
Os primeiros estudos metabólicos levaram à descoberta surpreendente de que as vias
metabólicas de base na maioria dos organismos são essencialmente idênticas. Essa uniformidade
metabólica facilitou consideravelmente o estudo de reações metabólicas. Uma mutação que
inativa ou exclui uma enzima numa via de interesse pode ser prontamente gerada em
microrganismos (bactérias e leveduras por ex.) que se reproduzem rapidamente através da
utilização de agentes mutagênicos (agentes químicos que induzem alterações genéticas), raios-
X, ou a utilizando técnicas de engenharia genética. Por exemplo, George Beadle e Edward Tatum
propuseram uma via de biossíntese da arginina no fungo Neurospora crassa com base na sua
análise dos três mutantes auxotróficos (mutantes que necessitam de um específico nutriente
para o crescimento) requerendo arginina, que foram isolados após a irradiação com raios X.
Com o advento da biologia molecular, vários estudos puderam ser conduzidos mais
rapidamente e integrando as vias antes estudadas isoladamente. Para isso são utilizadas as
seguintes ferramentas:

Análise por transcriptoma


As capacidades metabólicas gerais de um organismo são codificadas pelo seu genoma (o
seu complemento inteiro de genes). Dentro desse princípio, deve ser possível reconstruir as vias
metabólicas de uma célula em atividade a partir da sua sequência genômica.

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Por exemplo, podemos estudar o comportamento de uma célula que cresceu na presença e
ausência de glicose. As diferenças na expressão de genes particulares podem ser correlacionadas
com diversos processos de desenvolvimento ou no comportamento de crescimento.

Proteômica
A maneira mais confiável do que transcriptoma para avaliar expressão de um gene é
examinar o proteoma de uma célula, um conjunto completo de proteínas que sintetiza a célula.
Esta abordagem proteômica requer que as proteínas primeiro sejam separadas, e depois
analisadas por espectrometria de massas para se obter informação sobre a sequência amino
ácido e correlacionando-a com proteína em bancos de dados de sequências.

Metabolômica
Para descrever estado funcional de uma célula (seu fenótipo) é preciso, para além do
genoma da célula, transcriptoma, e proteoma, uma descrição quantitativa de todos os
metabolitos que contém sob um dado conjunto de condições, a sua metaboloma. Por exemplo,
lipidomics é a especialidade da Metabolômica que visa identificar e caracterizar todos os lipídios
em uma célula sob um determinado conjunto de condições, incluindo a forma como esses lipídios
estrutura influência da membrana, a sinalização celular, a expressão do gene, interações célula-
célula, etc, enquanto que glicomics similarmente identifica e caracteriza todos os hidratos de
carbono em uma célula. A Figura 17 resume a integração das técnicas.

Figura 18. Fluxograma do metaboloma.

Biologia de sistemas
Metabolismo tem sido tradicionalmente estudadas por hipótese baseada em pesquisa:
isolar as enzimas individuais e metabolitos e montá-los em vias metabólicas como guiado por
hipóteses experimentalmente verificáveis. Este é uma abordagem reducionista: a explicação do
funcionamento de um sistema em termos de suas partes componentes. Uma abordagem
integrativa diferente, chamada biologia de sistemas, tem sido usada com o advento de
sequências genômicas completas, bem como o desenvolvimento de métodos rápidos e sensíveis

22
para analisar um grande número de transcritos de genes, proteínas, e metabolitos de uma só vez,
e o desenvolvimento de novos softwares e ferramentas matemáticas. Biologia de sistemas é
baseado em descobertas: a coleta e integração de uma enorme quantidade de dados em bases
de dados disponíveis, de modo que as propriedades e dinâmica das redes biológicas inteiras
podem ser analisada.
Como resultado, a nossa compreensão do caminho de genótipo para o fenótipo se expandiu. Em
adição ao dogma central da biologia molecular, que descreve que um único gene é composto de
DNA que é transcrita para RNAm, que é traduzido para uma única proteína que influencia
metabolismo, tem que se levar em conta também o genoma, transcriptoma, proteoma e
metaboloma (Figura 18).

Figura 19. Fluxograma de análise por biologia de sistemas.

Resumo
1. Todos os organismos vivos necessitam de energia. Através da bioenergética – estudo das
transformações de energia – a direção e a extensão pela qual as reações bioquímicas são
realizadas podem ser determinadas.
2. A entalpia (uma medida do conteúdo calórico) e a entropia (uma medida de desordem)
estão relacionadas com a primeira e a segunda lei da termodinâmica, respectivamente.
A energia livre (a fração da energia total disponível para a realização de trabalho) está
relacionada matematicamente com a entalpia e a entropia.
3. A energia livre representa o máximo de trabalho útil obtido em um processo. Processos
exergônicos, onde a energia livre diminui (∆G < 0) são espontâneos. Se a variação de
enrgia livre é positiva (∆G < 0), o processo é chamado endergônico.
4. A hidrólise do ATP fornece a maioria da energia livre necessária para os processos da
vida.
5. O metabolismo dos carboidratos está centrado na glicose porque esse açúcar é uma
molécula combustível importante para a maioria dos organismos. Se as reservas de
energia são baixas, a glicose é degradada pela via glicolítica. As moléculas de glicose não
utilizadas para a produção imediata de energia são armazenadas como glicogênio (em
animais) ou amido (em vegetais).
6. No exercício físico, as três fontes de energia predominantes utilizadas são creatina-
fosfato (PCr), sistema glicolítico e sistema aeróbico. Estes processos produtores de

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energia predominam exercícios de aproximadamente 1 a 10 segundos, 10–60 segundos
e com duração além de 60 segundos, respectivamente.

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2012.
• RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper. 31. ed. Porto Alegre: AMGH, 2021.
790 p.

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