Academia.eduAcademia.edu

231014580.pdf

2023, Editora Científica Digital

https://doi.org/10.37885/231014580

No decurso das aulas tutoriais regulares para estudantes de Medicina da Nova Medical School de Lisboa, deparámo-nos com uma variação anatômica peculiar, numa das bases de crânio em que se detetava um forame oval duplicado. O forame ovale do lado esquerdo apresentava um componente medial com 0,3 cm de largura e 0.5 cm de comprimento, e um segundo componente, mais lateral, de menores dimensões. O forame ovale do lado direito era único, apresentando 0,7 cm de diâmetro. Esta variação anatômica unilateral relembrou-nos os trabalhos originais de Vesalius (1543), em que identificou o Foramen Venosum, lateralmente ao Foramen Ovale. Após extensa revisão bibliográfica, não detetamos outra descrição de tão grande duplicação ou divisão de Forame Oval, mesmo nos casos que descrevem a existência de trabéculas ossificadas pterigo-espinhosa ou pterigo-alar. Essas estruturas têm uma tendência unilateral, com predileção esquerda. OBJETIVOS: A análise do presente caso leva-nos a considerar a hipótese de um alargamento de forame venoso para passagem de veia emissária esfenoidal. MÉTODOS: Na ausência de estudos imagiológicos in vivo, para determinar o conteúdo do forame, alargámos o estudo fotográfico dessa base de crânio, sob diversos ângulos, de acordo com a revisão bibliográfica referente. Completa-se o trabalho com análise comparativa de algumas outras variações anatómicas peculiares de forames de bases de crânios, coletadas na Universidade de Pernambuco, Brasil, e da Universidade de Atenas, na Grécia. RESULTADOS E CONCLUSÕES: Considera-se o evidente interesse do estudo das variações anatômicas da fossa média da base do crânio, para melhor compreensão de sintomas neuro-vasculares, e também para prevenção de obstruções na abordagem cirúrgica da nevralgia trigeminal. Um conhecimento sólido das possíveis variações dos forames da base do crânio poderá contribuir para o sucesso e segurança dos procedimentos neurocirúrgicos, como a rizotomia gasseriana teleguiada.

01 ACHADOS ANATÔMICOS INVULGARES EM CRÂNIOS HUMANOS E RESPETIVAS APLICAÇÕES CLÍNICAS Maria A. Bettencourt Pires Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal Edivaldo Xavier Silva Júnior LABEPAH, Universidade de Pernambuco, Campus de Petrolina, Brasil Ana Rita Rodrigues Póvoa Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal George Triantafyllou Estudante, National and Kapodistrian University of Athens, Grécia José Romero Sousa-Junior Escola Médica de Recife, Universidade de Pernambuco, Brasil Maria Piagkou University of Athens, Grécia Konstantinos Natsis Aristotle University of Thessaloniki, Grécia Diogo Pais Universidade NOVA de Lisboa, (Chairman, Dept Anatomia), Portugal ' 10.37885/231014580 RESUMO ESTUDO DE CASO: No decurso das aulas tutoriais regulares para estudantes de Medicina da Nova Medical School de Lisboa, deparámo-nos com uma variação anatômica peculiar, numa das bases de crânio em que se detetava um forame oval duplicado. O forame ovale do lado esquerdo apresentava um componente medial com 0,3 cm de largura e 0.5 cm de comprimento, e um segundo componente, mais lateral, de menores dimensões. O forame ovale do lado direito era único, apresentando 0,7 cm de diâmetro. Esta variação anatômica unilateral relembrou-nos os trabalhos originais de Vesalius (1543), em que identificou o Foramen Venosum, lateralmente ao Foramen Ovale. Após extensa revisão bibliográfica, não detetamos outra descrição de tão grande duplicação ou divisão de Forame Oval, mesmo nos casos que descrevem a existência de trabéculas ossificadas pterigo-espinhosa ou pterigo-alar. Essas estruturas têm uma tendência unilateral, com predileção esquerda. OBJETIVOS: A análise do presente caso leva-nos a considerar a hipótese de um alargamento de forame venoso para passagem de veia emissária esfenoidal. MÉTODOS: Na ausência de estudos imagiológicos in vivo, para determinar o conteúdo do forame, alargámos o estudo fotográfico dessa base de crânio, sob diversos ângulos, de acordo com a revisão bibliográfica referente. Completa-se o trabalho com análise comparativa de algumas outras variações anatómicas peculiares de forames de bases de crânios, coletadas na Universidade de Pernambuco, Brasil, e da Universidade de Atenas, na Grécia. RESULTADOS E CONCLUSÕES: Considera-se o evidente interesse do estudo das variações anatômicas da fossa média da base do crânio, para melhor compreensão de sintomas neuro-vasculares, e também para prevenção de obstruções na abordagem cirúrgica da nevralgia trigeminal. Um conhecimento sólido das possíveis variações dos forames da base do crânio poderá contribuir para o sucesso e segurança dos procedimentos neurocirúrgicos, como a rizotomia gasseriana teleguiada. Palavras-chave: Foramen Venoso, Foramen Ovale, Vesalius, Crânio, Variação Anatômica. ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 11 INTRODUÇÃO A primeira referência histórica a variações anatômicas parece ser da autoria de Vesalius que pouco após a morte de Leonardo da Vinci, publicou a grandiosa e imortal obra “De Humanis Corporis Fabrica” [VESALIUS, 1543] , até aos dias de hoje ainda consultável nas grandes bibliotecas médicas do mundo, como vimos no museu da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de S.Paulo. Nessa monumental coletânea de Anatomia, amplamente ilustrada por seguidores artísticos da Escola de Titiano, como Jan Van Calcar, facilmente detetamos diversos vestígios do que nos parece corresponder ao interesse de Vesalius pelo estudo das variações anatômicas: - Logo na “Tabula V do Livro I”, apresenta-nos aquele que constituí o primeiro estudo de variações anatômicas de crânios humanos, classificados de acordo com o tipo de variações suturais; - Na “Tabula VI” apresenta-nos a primeira descrição do Foramen Venosum (de Vesalius), sendo a sua inconstância demonstrada pictoricamente pelo facto de apenas estar representado do lado direito da imagem da face exocraniana do crânio (ou seja, do lado esquerdo desse crânio); [Figura 1a] - “Na Tabula VII”, de novo, mas agora na representação da face endocraniana da base do crânio, apenas representa o forame venoso do lado direito do crânio, indicando a sua inconstância, tanto na imagem superior de crânio completo, como na representação do osso esfenoide isolado, na figura média desta Tabula; [Figura 1b] - “Na Tabula VIII”, contrariamente às representações anteriores, na figura de baixo desta Tabula, Vesalius representa na base externa do crânio, um foramen venosum bilateral. Na famosíssima “Tabula XXII”, do Tratado de Vesalius, em que o esqueleto humano completo é representado de forma introspetiva, debruçado sobre uma pedra tumular, com a mão direita sobre um outro crânio pousado sobre a pedra [Figura 1c], podemos ler a inscrição: “Vivitur ingenio, caetera mortis erunt” (“APENAS O GÉNIO PERDURA; TUDO O RESTO É MORTAL”). Assim perduraria o génio do original descritor de variações anatômicas da base do crânio humano. Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 12 Figura 1. Primeiras representações de Forame Venoso, por Vesalius (1543) 1-a) VESALIUS (1543) De Humani Corporis Fabrica. Livro I, Tabula VI. Vista externa da base do crânio. Até prova em contrário, será esta a primeira representação original do Forame Venoso (círculo amarelo). É por isso, uma das poucas estruturas anatômicas cujo epónimo relembra o nome do grande anatomista (“Foramen de Vesalius”). 1-b) Livro I, Capítulo V, TabulaVII. Vista intracraniana da base do crânio. [“H” - F. Rotundum; “Q” - F. Ovale; “Y”- F. Venosum (Vesalius); “R” - F. Spinosum; “e” - F. Magnum.] 1-c) Livro I, Tabula XXII. Frontispício do Livro de Osteologia. Na pedra tumular em que se debruça o esqueleto, pode ler-se a inscrição: “Vivitur ingenio, caetera mortis erunt” (“APENAS O GÉNIO PERDURA; TUDO O RESTO É MORTAL”). Fonte: Vesalius (1543).(Composição, próprios autores). DETALHAMENTO DO CASO E ACHADOS ANATÔMICOS No decurso das aulas tutoriais regulares para estudantes de Medicina da Nova Medical School da Universidade Nova de Lisboa, deparámo-nos com uma variação anatômica peculiar, numa das base de crânio em estudo. Detetou-se um Forame Oval duplicado, no andar médio da base do crânio. O Forame Oval do lado esquerdo apresentava um componente medial com 0,3 cm de largura e 0.5 cm de comprimento, e um segundo componente, mais lateral, de menores dimensões. O Forame Oval do lado direito era único, indiviso, apresentando 0,7 cm de diâmetro. Nas Figuras 2 e 3 resumimos os achados de disposição invulgar unilateral de forames na fossa média dessa base do crânio analisado na Nova Medical School de Lisboa. ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 13 As Figs 2 e 3.c correspondem a vistas endocranianas da fossa média da base do crânio. As Figs. 3.a e 3.b são registos fotográficos de vistas exocranianas do mesmo espécime anatômico. Figura 2. Vista endocraniana da base de crânio com variação anatômica de Forame Oval. FR – Foramen Rotundum; FO – Foramen Ovale; FV – Foramen Venosum; FS – Foramen Spinosum; FL – Foramen Lacerum; FM – Foramen Magnum. As setas vermelhas assinalam variação anatômica do lado Esquerdo. Fonte: Próprios autores (Fotografia, Ana Rita Póvoa). Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 14 Figura 3. Forame oval com disposição invulgar, fotografado por diversos ângulos 3.a e 3.b - Registos fotográficos de vistas exocranianas do mesmo. 3.c - Registo fotográfico de vistas endocranianas do mesmo espécime anatômico. As setas vermelhas apontam para Forame Oval do lado Esquerdo, com aparente duplicação unilateral. Fonte: Próprios autores, Fotografia Ana Rita Póvoa). DISCUSSÃO E ESTUDOS COMPARATIVOS As principais variações dos orifícios da base do crânio, e em particular da fossa média e da asa esfenoidal maior, têm vindo a ser estudadas por autores de todo o mundo, tendo em consideração, nomeadamente, o número, forma, dimensões e conteúdo. Contamos, nestes nossos trabalhos, com o contributo valioso de dois estudiosos do assunto, das universidades de Atenas e Salónica na Grécia que, da numerosa série de crânios completos, selecionaram alguns espécimes representativos das principais variações de forames esfenoidais, como patentes na Figura 4. ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 15 VARIAÇÕES DO FORAME OVAL VARIAÇÕES DA FORMA DO FORAME OVAL NATSIS et al (2017) consideram quatro formatos principais de variação de forame oval, de acordo com a classificação e imagens da Fig.4.1: a) Oval; b) Em forma de amêndoa; c) redondo; d) irregular. BERLIS et al (1992) reportam que o Forame Oval será verdadeiramente de forma ovalar em 56.7%: alongado em 31.7%; ou semicircular em 11.7%. De acordo com LINDBLOM (1936), “os principais fatores determinantes da variabilidade da forma e dimensões do forame oval dependem da presença e do número de estruturas que o atravessam.” [Segundo L. TESTUT (1899) , os principais elementos que atravessam este forame são o nervo mandibular e os vasos meníngeos acessórios.] Figura 4. Variações anatômicas do Forame Oval. 4.1 - Registos fotográficos de variações da forma do forame oval: [a) “oval”; b)”amêndoa”; c)“redondo”; d)“irregular”]. 4.2 - Registo fotográfico de variações do forame oval, de acordo com a presença ou ausência de Forame Venoso (de Vesalius). As setas vermelhas apontam para Forame Oval com aparente variação unilateral da forma; As setas amarelas apontam para Forame Venoso (de Vesalius), unilateral c); ou bilateral a) e b). Na imagem 4.2-c) a seta vermelha aponta para um tabique pterigo-alar bem visível. [Natsis,Piagkou,2017)]. Fonte: Próprios autores. Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 16 VARIAÇÕES DIMENSIONAIS DO FORAME OVAL A dimensão média do Forame Oval varia entre 5 x 2 mm a 8 x 7 mm, sendo o valor médio de 7.11x3.6 mm, de acordo com EDWARDS et al (2018) . Por sua vez, REYMOND et al (2005) calcularam a área média do forame em 17.39 x 20.92 mm2. (Média = 28.8 mm2), sendo as dimensões lineares de 2.4-6.7 x 6.5-11.3 mm. (Média = 3.9x4.7 mm). VARIAÇÕES EM NÚMERO DO FORAME OVAL A artéria meníngea média, ramo da artéria maxilar, penetra no crânio através da porção póstero-lateral do forame oval, para nutrir o gânglio trigeminal. Ocasionalmente, pode-se encontrar um pequeno forame separado para a passagem desta artéria, na vertente póstero-lateral do Forame oval. SONDHEIMER (1971) descreve este aspeto em 3% dos casos, bilateralmente, e em 1%, unilateralmente. BERLIS et al (1992) detetaram a divisão do forame oval por tabiques ósseos em 12.5%, ou a divisão completa do orifício, em 0.8%. Após análise de 100 bases de crânio, REYMOND et al (2005) , detetaram a divisão de forame oval em dois ou três componentes, em 9% dos casos, afirmando que “raramente, o forame oval se encontrava dividido por uma fina trabécula óssea, delimitando compartimentos anterior e posterior, denominando esses foramina secundários, como Forame oval principal e acessório.” KRMPOTIC-NEMANIC et al (2001) descrevem o “Forame Oval Acessório”, em 48 de 124 bases de crânio, situado antero-medialmente ao forame oval principal. Conduz a um canal obliquamente dirigido à fossa pterigóidea. Esse forame oval acessório é atravessado por fibrilhas das raízes motoras do nervo mandibular, destinadas aos músculos mastigadores, tensor do véu do paladar e do tímpano. Estes autores citam os trabalhos de GUDSMUNDSSON et al (1971) os quais assinalam que a raiz motora do nervo mandibular pode ser constituída por 4 a 14 fibrilhas, que podem emergir isoladas da ponte cerebral. O diâmetro de cada uma dessas raízes motoras varia entre 0.1 a 1 mm. ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 17 DIVISÃO DO FORAME OVAL A hipótese de divisão do Forame oval por ossificação de ligamentos subjacentes, dirigidos do corpo do osso esfenóide ao processo pterigóide, foi originalmente proposta por CIVININI (1837) na primeira descrição do Ligamento pterigo-espinhoso que detectou em 2-3% de casos. Pouco depois, HYRTL (1862) descreveu o Ligamento Pterigo-alar, o qual por ossificação, irá limitar o Porus Crotaphitico-Buccinatorius (lateralmente ao forame Oval) que dá passagem às fibras motoras do nervo mandibular destinadas aos músculos masséter e temporal. Por sua vez, CHOUKÉ (1946-1947) considera que o forame pterigo-espinhoso pode, por sua vez, ser subdividido até cinco vezes, em foramina de diversos tamanhos. Presta passagem a vénulas que contribuem para o plexo venoso pterigóideo, e a um nervo motor para o músculo pterigóideo medial. Calculou a incidência destes aspetos em 10.3%, em 1544 observações de bases de crânio. Chouké refere ainda que o forame pterigo-alar se situa medialmente ao forame oval, enquanto o forame pterigo-espinhoso se deteta medialmente ou inferiormente, prestando passagem aos ramos motores do nervo mandibular para os músculos bucinador, pterigóideo lateral, temporal e, por vezes, para o masséter. Considera ainda que a trabécula pterigo-alar pode estar subjacente ao forame oval, subdividindo-o em duas vertentes. Na sua casuística alargada de 1745 bases de crânio, este mesmo autor calculou em 1947, a incidência do forame pterigo-espinhoso (Civinini) em 5.46%, quatro vezes mais frequente em americanos de raça caucasiana do que em afro-americanos; e a incidência de forame pterigo-alar (Hyrtl), em 5.94%, sendo este quatro vezes mais frequente em afro-americanos. RAY et al (2005) considera a incidência de divisão completa do forame oval por ossificação dos ligamentos, em 2.8%, e a divisão parcial, em 12.8%. ANTONOPOULOU et al (2008) calcula a incidência de ossificação completa do ligamento pterigo-espinhoso (medialmente ao Forame oval) em 2%, e a ossificação parcial em 7%. TUBBS et al (2009) assinala a importância clínica do conhecimento destas variações, nomeadamente na abordagem cirúrgica do gânglio trigeminal. Indica a dimensão média do forame pterigo-espinhoso (Civinini), com diâmetro Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 18 médio de 16.7 mm, e altura vertical de 4 mm. Considera a dimensão média do forame pterigo-alar (Hyrtl) como 9.42 mm (diâmetro variando entre 7-11 mm). RYU (2016) observou trabéculas pterigo-alares completas (Hyrtl), mais frequentemente do que trabéculas pterigo-espinhosas completas (Civinini), em 1.4%. No entanto, quando considera a presença de trabéculas ósseas incompletas, verifica trabéculas pterigo-espinhosas incompletas de modo mais frequente (16.6%), do que as trabéculas pterigo-alares incompletas (5.6%). Por fim, no conjunto de trabéculas ósseas completas e incompletas, considera uma incidência variável, de 0.98-5.5% e de 3.6-8%, respetivamente. Na Fig.4.2 a), observa-se de modo bem visível um aspeto de ossificação incompleta unilateral de um ligamento pterigo-espinhoso, em início de formação de uma dessas trabéculas de divisão do forame oval. (Seta vermelha). E na Fig. 4.2-c), um nítido tabique pterigo-alar completo, dividindo o forame oval em duas vertentes. Por fim, EDWARDS et al (2018) calcula a prevalência de trabéculas pterigo-espinhosas (Civinini) em 2.6-1.7% e das trabéculas pterigo-alares (Hyrtl) em 2.6-30%, de modo genérico. De acordo com estes autores, “Quando comparamos a área de secção transversal do nervo mandibular [7.8-14.5 mm2 do lado direito; e 10.4-16.2 mm2 do lado esquerdo] com a área do forame oval [16.55mm2 do lado direito; e 14.39 mm2 do lado esquerdo], fica evidente que não serão necessárias grandes lesões para provocar compressão do nervo ou as consequências clínicas de obstrução do forame oval.”. VARIAÇÕES DOS FORAMES VENOSO (VESALIUS) E ESPINHOSO Desde a primeira descrição original de Foramen venosum por Vesalius, no século XVI, surge uma pletora de descrições das variações deste forame. BERGÉ e BERGMAN (2001) referem que o forame emissário (Vesalius) não existe em crânios de outros primatas, sendo, portanto, um carácter distintivo dos crânios humanos. Quando se encontra presente, presta passagem a uma veia emissária (Vesalius) que estabelece a comunicação entre o seio cavernoso e o plexo venoso pterigóideo. ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 19 NATSIS e PIAGKOU (2017) referem, após análise de 90 bases de crânio de caucasianos, que detetam o forame venoso, ou forame emissário (Vesalius) em 40% dos casos (21.5% de modo bilateral e 18.5% unilateralmente, 7% do lado direito e 11% do lado esquerdo. A largura média do FV era de 0.17 cm, do lado direito e 0.18 cm do lado esquerdo, comparativamente com a largura média do forame oval, que calculam em 0.39 cm do lado direito, e 0.41 cm do lado esquerdo. Detetam ainda a duplicação de forame venoso em dois crânios, um do lado direito e outro do lado esquerdo. Nove das bases de crânio apresentavam trabéculas pterigo-alares, e sete apresentavam trabéculas pterigo-espinhosas ossificadas. FAZLIOGULLARI et al (2014) detetam o Forame Venoso em 32.3% de 62 crânios adultos estudados, com um comprimento médio de 5.4 ± 2.64 mm. Estes autores enfatizam a presença de uma pequena raiz nervosa, o “Nervoulus sphenoidalis lateralis” que também pode ser transmitido através do Forame venoso. A deteção de divisões dos foramina por estruturas ligamentosas ossificadas é frequente, quando consideramos a passagem de estruturas vasculares e nervosas pelo mesmo orifício. Tal é o caso do Foramen Lacerum [Fig. 2 - FL], em que um ligamento ossificado pode dividir um compartimento medial (arterial), do compartimento lateral (nervoso). Nos diversos casos analisados no Departamento de Anatomia da NOVA Medical School de Lisboa, detetamos 2 casos de Foramen Spinosum dividido. [Fig. 5] Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 20 Figura 5. Forame Espinhoso dividido, como detetado em duas bases de crânio na NMS de Lisboa: Presumimos a existência de ossificação secundária de um ligamento que divide um compartimento vascular (artéria meníngea média), de outro compartimento nervoso, para passagem de um ramo meníngeo (inconstante) do nervo mandibular. a) Vista inferior, exocraniana – A seta verde aponta divisão do forame espinhoso; b) Vista superior, endocraniana - FL-Forame Lácero; FR – Forame Redondo; FO – Forame oval; FS – Forame Espinhoso. A seta verde aponta para a divisão do forame espinhoso. A seta vermelha aponta o provável orifício de passagem do nervo meníngeo acessório. Fonte: Próprios autores. VEIAS EMISSÁRIAS E HIDROCEFALIA A função das veias emissárias cranianas é de providenciar a comunicação entre plexos venosos intracranianos e extracranianos, para reduzir a pressão intracraniana quando necessário. Essas veias e os forames que lhes prestam passagem, situam-se geralmente na proximidade das suturas entre os componentes ósseos embriológicos originais constituintes do crânio. Com o crescimento fetal e depois extrauterino, os forames de passagem das veias emissárias podem vir a encerrar por ossificação membranosa do crânio. Tal é o caso da veia emissária esfenoidal (de Vesalius). A assimetria da ossificação fetal entre as raízes da asa maior e o corpo do osso esfenoide é explicação para a inconstância e assimetria de persistência do forame venoso esfenoidal. Pequenos episódios de aumento de pressão ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 21 intracraniana durante o desenvolvimento embrio-fetal poderiam justificar a prevalência variável dos forames venosos emissários da base do crânio. Tivemos ocasião de observar um espécime peculiar raro, de crânio de adulto hidrocéfalo, cuidadosamente preservado no Departamento de Anatomia do Campus de Recife da Universidade de Pernambuco que aqui apresentamos, fotografado por diversos ângulos [Fig. 6]. Na Fig. 6.b), incluímos por comparação, o desenho de Vesalius daquele que classifica como tipo V (“Quinta”), das variações de forma dos crânios, classificados de acordo com a presença ou ausência de suturas primitivas. No Livro I, Capítulo V, Tabula V, deste original livro de Craniologia, Vesalius inclui esta representação de crânio “não-natural” proveniente de uma criança que no texto, descreve como tendo “uma cabeça, sem exagero, maior do que a de dois adultos, com procidências laterais exuberantes”. Por comparação, as imagens da Fig. 6 a); c); d) e e) correspondem a registos fotográficos do invulgar crânio de hidrocéfalo adulto, mantido na Universidade de Pernambuco. Na vista de perfil esquerdo [Fig. 6 a)], observa-se uma exuberante coleção de ossa suturarum (ossos Wormerianos), na região do Ptérion e do Astérion, em provável sinal de manutenção da sobrevivência até à idade adulta, de um indivíduo com aumento de pressão intracraniana. Todos estes aspectos representados na Fig.6 servem de plena demonstração da peculiar plasticidade do desenvolvimento dos ossos do crânio, com adaptação ao conteúdo da cavidade. Demonstra-se ainda que a massa óssea se vai moldando de modo particular, ao longo do desenvolvimento embrio-fetal, de acordo com a emergência de estruturas vásculo-nervosas que atravessam a massa óssea em evolução. A este propósito, pareceu-nos de particular interesse a comparação deste caso vertente de hidrocefalia de crânio adulto, com a descrição de um outro caso de crânio dismórfico, igualmente brasileiro, preservado na Universidade de Tiradentes [DANTAS MORENO et al. (2022)]. Nesse outro caso, correspondente a crânio infantil, a ênfase do relato de caso é sobretudo vocacionada para o dismorfismo crânio-facial. Na Fig. 8 de vista inferior desse crânio, parece-nos detetar forame oval acessório, bilateral, tal como no caso por nós estudado. Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 22 Figura 6. Vistas extracranianas de crânio de adulto hidrocéfalo, da Univ. de Pernambuco, Brasil a) Vista de perfil do crânio de hidrocéfalo adulto: Demonstra exuberante coleção de ossos suturais na região do Ptérion e Astérion; b) Estudo comparativo com a representação clássica de Vesalius de um crânio de Hidrocéfalo infantil. In Vesalius, Livro I, Capítulo V, Tabula V i ; c) Vista frontal do crânio de hidrocéfalo adulto: Demonstra a assimetria crânio-facial, com procidência da região temporo-parietal esquerda; d) Vista inferior da base do crânio de hidrocéfalo adulto; e) Pormenor de d) - FM- Forame Magno; FO-Forame Oval; FR-Forame Redondo; FL-Forame Lácero. Fonte: a,c,d,e - Próprios autores, b) Vesalius 1543. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo da extensa análise efetuada, acerca da variação anatômica apresentada na presente Fig. 2, impressionou-nos verificar a extraordinária plasticidade de moldagem por desenvolvimento da base do crânio, de acordo com as estruturas vásculo-nervosas que atravessam a massa óssea, dirigidas do interior da cavidade para o exterior. Serviu, neste caso, como exemplo ilustrativo desta norma de desenvolvimento embrio-fetal e evolutiva, o paradigma dos crânios de hidrocéfalos que necessitam de manutenção de todas as veias emissárias, para equilibrar o grande aumento de pressão intracraniana. Na ausência de documentação clínica prévia in vivo, acerca do caso de aparente duplicação de grandes dimensões, do forame oval em análise nas Figs. 2 e 3, não nos será possível confirmar com total honestidade científica a hipótese de duplicação de um forame oval de enormes dimensões, por ligamentos ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 23 ossificados, ou se tratará apenas de um caso de Forame Oval acessório, de extraordinárias dimensões, prestando passagem a raízes do nervo mandibular, para além de vasos esfenoidais acessórios… Serviu, porém, o presente caso para um conjunto de aulas de encanto e diversão intelectual em que, ao analisar algumas das possíveis hipóteses explicativas de tão invulgar achado perante estudantes pré-graduados do curso de Medicina, verificámos extraordinário acréscimo do empenho e interesse pela estudo da disciplina de Anatomia, base fundamental dos seus estudos e futura prática médica. Tal se verifica, de facto, sempre que partilhamos com estudantes o conhecimento de variações anatómicas. Por fim, o maior interesse da análise e registo deste tipo de variações da base do crânio, consiste obviamente na importância clinico-cirúrgica destes achados invulgares. Com efeito, pela situação do Forame Oval na transição entre regiões intra- e extra-cranianas, este forame é muitas vezes utilizado em procedimentos cirúrgicos e diagnósticos [RAY et al (2005)]. O conhecimento das variações morfométricas do forame oval é, portanto, de suprema importância para cirurgiões que se dediquem a Rizotomia trigeminal percutânea; ou biópsias de lesões do seio cavernoso, ou do ângulo paraselar ou petroclival; ou ainda para anestesistas vocacionados para o bloqueio do nervo mandibular por via do forame oval [SKRZAT et al (2006); RYU (2016)]. Agradecimentos Formulamos um especial agradecimento à Ana Rita Rodrigues Póvoa, estudante do Mestrado Integrado em Medicina da Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal, por nos ter alertado para o interessante caso de variação anatômica aqui apresentado, e pela qualidade de documentação fotográfica que gentilmente efectuou. Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 24 REFERÊNCIAS ANTONOPOUPLOU M, PIAGOU M, ANAGNOSTOPOULOU S. An anatomical study of the pterygospinous and pterygoalar bars and foramina and their clinical relevance Journal of Cranio-Maxillofacial Surgery, v.36, p.104e108, 2008. BERGÉ JK, BERGMAN RA. Variations in size and in symmetry of foramina of the human skull. Clinical Anatomy, v. 14, n. 6, p. 406–413, 2001. BERLIS R, PUTZ R, SCHUMACHER M. Br. J. Radiology, v.65, p.653-661, 1992. BETTENCOURT PIRES M.A. et al. Variação Anatômica do Nervo Radial e Síndromes Compressivas: Revisão de Casos e Aplicação Clínica. In: José ADERVAL ARAGÃO. Variações Anatômicas, O Avanço da Ciência no Brasil, Vol.III, Cap.16, p.185-211, 2023. CHOUKÉ KS. On the Incidence of the Foramen of Civinini and the Porus Crotaphitico-Buccinatorius in American Whites and Negroes. I. Observations on 1544 Skulls. Am. J. Phys. Anthrop, v.4, p. 203-22, 1946. CHOUKÉ KS. On the Incidence of the Foramen of Civinini and the Porus Crotaphitico-Buccinatorius in American Whites and Negroes. ii. Observations on 2745 additional skulls. Am. J. Phys. Anthrop, v5, p.79-86, 1947. CIVININI F. The Pterygospinous ligament, as described by Filippo Civinini Pistolese in 1837. Arch Sc Med-Fis Toscane, v.1, Pgs:381-387, 1837. DANTAS MORENO V.P. et al. Variações anatômicas Canio maxilo facial em indivíduo com hidrocefalia infantil Relato de caso – estudo em crânio seco. In: José ADERVAL ARAGÃO. Variações Anatômicas, O Avanço da Ciência no Brasil, V.II, Cap.14, p.148-157, 2022. EDWARDS B, et al. Cranial Nerve Foramina Part I: A Review of the Anatomy and Pathology of Cranial Nerve Foramina of the Anterior and Middle Fossa. Cureus, v.10, n.2: e2172, 2018. FAZLIOGULLARI Z et al. (2014) Anatomical Examination of the Foramens of the Middle Cranial Fossa. Int J Morphol, v. 32, n.1, p.43-48, 2014. GUDMUNDSSON K et al. Detailed Anatomy of the Intracranial portions of the Trigeminal Nerve. J Neurosurg, v. 35, p.592, 1971. HYRTL J. Regarding the Crotaphitico-Buccinatorium Foramen in Humans. Zitzungsb Akad Wissenschath NaturnCl, Wien, v. 46, p. 111, 1862. KRMPOTIC-NEMANIC J, VINTER I, DUBRAVKO JALSOVEC. Accessory oval foramen. Annals of Anatomy - Anatomischer Anzeiger, v.183, n.3, p.293-5, 2001. LINDBLOM K. A roentgoenographic study of the vascular channels of the skull. Act Radiol (Suppl), 30, 1936. NATSIS et al. The size of the foramen ovale regarding to the presence and absence of the emissary sphenoidal foramen: is there any relationship between them? ONLINE FIRST Folia morfológica, v.77, n.1, 2017. RAY B. et al. Anatomic variations of foramen ovale. Kathmandu Univ Med J, v.3, n.1, p.64-8, 2005. REYMOND J, CHARUTA A, WYSOCKI J. The morphology and morphometry of the foramina of the greater wing of the human sphenoid bone. Folia Morphol, v. 64, n. 3, p.188-193, 2005. ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br 25 RYU SJ. Incidence of pterygospinous and pterygoalar bridges in dried skulls of Koreans. Anat Cell Biol, v. 49, p. 143-150, 2016. SKRZAT J. et al. An atypical position of the foramen ovale. Folia Morphol (Warsz) v. 65, n. 4, p. 396-9, 2006. SONDHEIMER FK. Basal foramina and canals. In: NEWTON TH, POTTS DG, editors. Radiology of the skull and brain. St. Louis: Mosby, 1971. TESTUT L. Traité d’Anatomie Humaine, 4ème Éd, T.I, Paris, Doin, 1893. TUBBS RS, et al. Ossification of Ligaments near the Foramen Ovale: An Anatomic Study with Potential Clinical Significance Regarding Transcutaneous Approaches to the Skull Base. Neurosurgery, ONS Suppl 1, v. 65, ons60–ons64, 2009. VESALIUS A (1543). De Humani Corporis Fabrica, Brussels, Liber I, Tabulae V,1543; VI; VII; VIII; XXII. In: SAUNDERS JB, O’MALLEY CD. (eds.). The Illustrations from the Works of Andreas Vesalius of Brussels. Dover Publications, Inc. 1950-1978. Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil 26