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ACHADOS ANATÔMICOS INVULGARES
EM CRÂNIOS HUMANOS E RESPETIVAS
APLICAÇÕES CLÍNICAS
Maria A. Bettencourt Pires
Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal
Edivaldo Xavier Silva Júnior
LABEPAH, Universidade de Pernambuco, Campus de Petrolina, Brasil
Ana Rita Rodrigues Póvoa
Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal
George Triantafyllou
Estudante, National and Kapodistrian University of Athens, Grécia
José Romero Sousa-Junior
Escola Médica de Recife, Universidade de Pernambuco, Brasil
Maria Piagkou
University of Athens, Grécia
Konstantinos Natsis
Aristotle University of Thessaloniki, Grécia
Diogo Pais
Universidade NOVA de Lisboa, (Chairman, Dept Anatomia), Portugal
' 10.37885/231014580
RESUMO
ESTUDO DE CASO: No decurso das aulas tutoriais regulares para estudantes de Medicina da Nova Medical School de Lisboa, deparámo-nos com uma
variação anatômica peculiar, numa das bases de crânio em que se detetava
um forame oval duplicado. O forame ovale do lado esquerdo apresentava um
componente medial com 0,3 cm de largura e 0.5 cm de comprimento, e um
segundo componente, mais lateral, de menores dimensões. O forame ovale do
lado direito era único, apresentando 0,7 cm de diâmetro. Esta variação anatômica unilateral relembrou-nos os trabalhos originais de Vesalius (1543), em que
identificou o Foramen Venosum, lateralmente ao Foramen Ovale. Após extensa
revisão bibliográfica, não detetamos outra descrição de tão grande duplicação
ou divisão de Forame Oval, mesmo nos casos que descrevem a existência de
trabéculas ossificadas pterigo-espinhosa ou pterigo-alar. Essas estruturas têm
uma tendência unilateral, com predileção esquerda. OBJETIVOS: A análise do
presente caso leva-nos a considerar a hipótese de um alargamento de forame
venoso para passagem de veia emissária esfenoidal. MÉTODOS: Na ausência de estudos imagiológicos in vivo, para determinar o conteúdo do forame,
alargámos o estudo fotográfico dessa base de crânio, sob diversos ângulos, de
acordo com a revisão bibliográfica referente. Completa-se o trabalho com análise
comparativa de algumas outras variações anatómicas peculiares de forames
de bases de crânios, coletadas na Universidade de Pernambuco, Brasil, e da
Universidade de Atenas, na Grécia. RESULTADOS E CONCLUSÕES: Considera-se o evidente interesse do estudo das variações anatômicas da fossa média
da base do crânio, para melhor compreensão de sintomas neuro-vasculares, e
também para prevenção de obstruções na abordagem cirúrgica da nevralgia
trigeminal. Um conhecimento sólido das possíveis variações dos forames da
base do crânio poderá contribuir para o sucesso e segurança dos procedimentos
neurocirúrgicos, como a rizotomia gasseriana teleguiada.
Palavras-chave: Foramen Venoso, Foramen Ovale, Vesalius, Crânio,
Variação Anatômica.
ISBN 978-65-5360-489-6 - Vol. 3 - Ano 2023 - www.editoracientifica.com.br
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INTRODUÇÃO
A primeira referência histórica a variações anatômicas parece ser da
autoria de Vesalius que pouco após a morte de Leonardo da Vinci, publicou
a grandiosa e imortal obra “De Humanis Corporis Fabrica” [VESALIUS, 1543]
, até aos dias de hoje ainda consultável nas grandes bibliotecas médicas do
mundo, como vimos no museu da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de S.Paulo.
Nessa monumental coletânea de Anatomia, amplamente ilustrada por
seguidores artísticos da Escola de Titiano, como Jan Van Calcar, facilmente
detetamos diversos vestígios do que nos parece corresponder ao interesse de
Vesalius pelo estudo das variações anatômicas:
- Logo na “Tabula V do Livro I”, apresenta-nos aquele que constituí o
primeiro estudo de variações anatômicas de crânios humanos, classificados
de acordo com o tipo de variações suturais;
- Na “Tabula VI” apresenta-nos a primeira descrição do Foramen Venosum
(de Vesalius), sendo a sua inconstância demonstrada pictoricamente pelo facto
de apenas estar representado do lado direito da imagem da face exocraniana
do crânio (ou seja, do lado esquerdo desse crânio); [Figura 1a]
- “Na Tabula VII”, de novo, mas agora na representação da face endocraniana da base do crânio, apenas representa o forame venoso do lado direito
do crânio, indicando a sua inconstância, tanto na imagem superior de crânio
completo, como na representação do osso esfenoide isolado, na figura média
desta Tabula; [Figura 1b]
- “Na Tabula VIII”, contrariamente às representações anteriores, na
figura de baixo desta Tabula, Vesalius representa na base externa do crânio,
um foramen venosum bilateral.
Na famosíssima “Tabula XXII”, do Tratado de Vesalius, em que o esqueleto humano completo é representado de forma introspetiva, debruçado sobre
uma pedra tumular, com a mão direita sobre um outro crânio pousado sobre a
pedra [Figura 1c], podemos ler a inscrição: “Vivitur ingenio, caetera mortis erunt”
(“APENAS O GÉNIO PERDURA; TUDO O RESTO É MORTAL”).
Assim perduraria o génio do original descritor de variações anatômicas
da base do crânio humano.
Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil
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Figura 1. Primeiras representações de Forame Venoso, por Vesalius (1543) 1-a) VESALIUS (1543) De
Humani Corporis Fabrica. Livro I, Tabula VI. Vista externa da base do crânio. Até prova em contrário,
será esta a primeira representação original do Forame Venoso (círculo amarelo). É por isso, uma das
poucas estruturas anatômicas cujo epónimo relembra o nome do grande anatomista (“Foramen de
Vesalius”). 1-b) Livro I, Capítulo V, TabulaVII. Vista intracraniana da base do crânio. [“H” - F. Rotundum;
“Q” - F. Ovale; “Y”- F. Venosum (Vesalius); “R” - F. Spinosum; “e” - F. Magnum.] 1-c) Livro I, Tabula
XXII. Frontispício do Livro de Osteologia. Na pedra tumular em que se debruça o esqueleto, pode
ler-se a inscrição: “Vivitur ingenio, caetera mortis erunt” (“APENAS O GÉNIO PERDURA; TUDO O
RESTO É MORTAL”).
Fonte: Vesalius (1543).(Composição, próprios autores).
DETALHAMENTO DO CASO E ACHADOS ANATÔMICOS
No decurso das aulas tutoriais regulares para estudantes de Medicina da
Nova Medical School da Universidade Nova de Lisboa, deparámo-nos com uma
variação anatômica peculiar, numa das base de crânio em estudo. Detetou-se
um Forame Oval duplicado, no andar médio da base do crânio. O Forame Oval
do lado esquerdo apresentava um componente medial com 0,3 cm de largura
e 0.5 cm de comprimento, e um segundo componente, mais lateral, de menores
dimensões. O Forame Oval do lado direito era único, indiviso, apresentando
0,7 cm de diâmetro.
Nas Figuras 2 e 3 resumimos os achados de disposição invulgar unilateral
de forames na fossa média dessa base do crânio analisado na Nova Medical
School de Lisboa.
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As Figs 2 e 3.c correspondem a vistas endocranianas da fossa média
da base do crânio.
As Figs. 3.a e 3.b são registos fotográficos de vistas exocranianas do
mesmo espécime anatômico.
Figura 2. Vista endocraniana da base de crânio com variação anatômica de Forame Oval. FR –
Foramen Rotundum; FO – Foramen Ovale; FV – Foramen Venosum; FS – Foramen Spinosum; FL
– Foramen Lacerum; FM – Foramen Magnum. As setas vermelhas assinalam variação anatômica
do lado Esquerdo.
Fonte: Próprios autores (Fotografia, Ana Rita Póvoa).
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Figura 3. Forame oval com disposição invulgar, fotografado por diversos ângulos 3.a e 3.b - Registos
fotográficos de vistas exocranianas do mesmo. 3.c - Registo fotográfico de vistas endocranianas
do mesmo espécime anatômico. As setas vermelhas apontam para Forame Oval do lado Esquerdo,
com aparente duplicação unilateral.
Fonte: Próprios autores, Fotografia Ana Rita Póvoa).
DISCUSSÃO E ESTUDOS COMPARATIVOS
As principais variações dos orifícios da base do crânio, e em particular da
fossa média e da asa esfenoidal maior, têm vindo a ser estudadas por autores
de todo o mundo, tendo em consideração, nomeadamente, o número, forma,
dimensões e conteúdo.
Contamos, nestes nossos trabalhos, com o contributo valioso de dois
estudiosos do assunto, das universidades de Atenas e Salónica na Grécia
que, da numerosa série de crânios completos, selecionaram alguns espécimes representativos das principais variações de forames esfenoidais, como
patentes na Figura 4.
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VARIAÇÕES DO FORAME OVAL
VARIAÇÕES DA FORMA DO FORAME OVAL
NATSIS et al (2017) consideram quatro formatos principais de variação
de forame oval, de acordo com a classificação e imagens da Fig.4.1: a) Oval;
b) Em forma de amêndoa; c) redondo; d) irregular.
BERLIS et al (1992) reportam que o Forame Oval será verdadeiramente
de forma ovalar em 56.7%: alongado em 31.7%; ou semicircular em 11.7%.
De acordo com LINDBLOM (1936), “os principais fatores determinantes
da variabilidade da forma e dimensões do forame oval dependem da presença
e do número de estruturas que o atravessam.” [Segundo L. TESTUT (1899) , os
principais elementos que atravessam este forame são o nervo mandibular e os
vasos meníngeos acessórios.]
Figura 4. Variações anatômicas do Forame Oval. 4.1 - Registos fotográficos de variações da forma
do forame oval: [a) “oval”; b)”amêndoa”; c)“redondo”; d)“irregular”]. 4.2 - Registo fotográfico de
variações do forame oval, de acordo com a presença ou ausência de Forame Venoso (de Vesalius).
As setas vermelhas apontam para Forame Oval com aparente variação unilateral da forma; As setas
amarelas apontam para Forame Venoso (de Vesalius), unilateral c); ou bilateral a) e b). Na imagem
4.2-c) a seta vermelha aponta para um tabique pterigo-alar bem visível. [Natsis,Piagkou,2017)].
Fonte: Próprios autores.
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VARIAÇÕES DIMENSIONAIS DO FORAME OVAL
A dimensão média do Forame Oval varia entre 5 x 2 mm a 8 x 7 mm,
sendo o valor médio de 7.11x3.6 mm, de acordo com EDWARDS et al (2018) .
Por sua vez, REYMOND et al (2005) calcularam a área média do forame
em 17.39 x 20.92 mm2. (Média = 28.8 mm2), sendo as dimensões lineares de
2.4-6.7 x 6.5-11.3 mm. (Média = 3.9x4.7 mm).
VARIAÇÕES EM NÚMERO DO FORAME OVAL
A artéria meníngea média, ramo da artéria maxilar, penetra no crânio
através da porção póstero-lateral do forame oval, para nutrir o gânglio trigeminal. Ocasionalmente, pode-se encontrar um pequeno forame separado
para a passagem desta artéria, na vertente póstero-lateral do Forame oval.
SONDHEIMER (1971) descreve este aspeto em 3% dos casos, bilateralmente,
e em 1%, unilateralmente.
BERLIS et al (1992) detetaram a divisão do forame oval por tabiques
ósseos em 12.5%, ou a divisão completa do orifício, em 0.8%. Após análise de
100 bases de crânio, REYMOND et al (2005) , detetaram a divisão de forame oval
em dois ou três componentes, em 9% dos casos, afirmando que “raramente, o
forame oval se encontrava dividido por uma fina trabécula óssea, delimitando
compartimentos anterior e posterior, denominando esses foramina secundários,
como Forame oval principal e acessório.”
KRMPOTIC-NEMANIC et al (2001) descrevem o “Forame Oval Acessório”, em 48 de 124 bases de crânio, situado antero-medialmente ao forame oval
principal. Conduz a um canal obliquamente dirigido à fossa pterigóidea. Esse
forame oval acessório é atravessado por fibrilhas das raízes motoras do nervo
mandibular, destinadas aos músculos mastigadores, tensor do véu do paladar e
do tímpano. Estes autores citam os trabalhos de GUDSMUNDSSON et al (1971)
os quais assinalam que a raiz motora do nervo mandibular pode ser constituída
por 4 a 14 fibrilhas, que podem emergir isoladas da ponte cerebral. O diâmetro
de cada uma dessas raízes motoras varia entre 0.1 a 1 mm.
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DIVISÃO DO FORAME OVAL
A hipótese de divisão do Forame oval por ossificação de ligamentos
subjacentes, dirigidos do corpo do osso esfenóide ao processo pterigóide, foi
originalmente proposta por CIVININI (1837) na primeira descrição do Ligamento
pterigo-espinhoso que detectou em 2-3% de casos. Pouco depois, HYRTL (1862)
descreveu o Ligamento Pterigo-alar, o qual por ossificação, irá limitar o Porus
Crotaphitico-Buccinatorius (lateralmente ao forame Oval) que dá passagem às
fibras motoras do nervo mandibular destinadas aos músculos masséter e temporal.
Por sua vez, CHOUKÉ (1946-1947) considera que o forame pterigo-espinhoso pode, por sua vez, ser subdividido até cinco vezes, em foramina de
diversos tamanhos. Presta passagem a vénulas que contribuem para o plexo
venoso pterigóideo, e a um nervo motor para o músculo pterigóideo medial.
Calculou a incidência destes aspetos em 10.3%, em 1544 observações de bases
de crânio. Chouké refere ainda que o forame pterigo-alar se situa medialmente
ao forame oval, enquanto o forame pterigo-espinhoso se deteta medialmente
ou inferiormente, prestando passagem aos ramos motores do nervo mandibular
para os músculos bucinador, pterigóideo lateral, temporal e, por vezes, para o
masséter. Considera ainda que a trabécula pterigo-alar pode estar subjacente
ao forame oval, subdividindo-o em duas vertentes. Na sua casuística alargada
de 1745 bases de crânio, este mesmo autor calculou em 1947, a incidência do
forame pterigo-espinhoso (Civinini) em 5.46%, quatro vezes mais frequente em
americanos de raça caucasiana do que em afro-americanos; e a incidência de
forame pterigo-alar (Hyrtl), em 5.94%, sendo este quatro vezes mais frequente
em afro-americanos.
RAY et al (2005) considera a incidência de divisão completa do forame
oval por ossificação dos ligamentos, em 2.8%, e a divisão parcial, em 12.8%.
ANTONOPOULOU et al (2008) calcula a incidência de ossificação completa
do ligamento pterigo-espinhoso (medialmente ao Forame oval) em 2%, e a
ossificação parcial em 7%.
TUBBS et al (2009) assinala a importância clínica do conhecimento destas variações, nomeadamente na abordagem cirúrgica do gânglio trigeminal.
Indica a dimensão média do forame pterigo-espinhoso (Civinini), com diâmetro
Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil
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médio de 16.7 mm, e altura vertical de 4 mm. Considera a dimensão média do
forame pterigo-alar (Hyrtl) como 9.42 mm (diâmetro variando entre 7-11 mm).
RYU (2016) observou trabéculas pterigo-alares completas (Hyrtl), mais
frequentemente do que trabéculas pterigo-espinhosas completas (Civinini),
em 1.4%. No entanto, quando considera a presença de trabéculas ósseas
incompletas, verifica trabéculas pterigo-espinhosas incompletas de modo mais
frequente (16.6%), do que as trabéculas pterigo-alares incompletas (5.6%). Por
fim, no conjunto de trabéculas ósseas completas e incompletas, considera uma
incidência variável, de 0.98-5.5% e de 3.6-8%, respetivamente.
Na Fig.4.2 a), observa-se de modo bem visível um aspeto de ossificação
incompleta unilateral de um ligamento pterigo-espinhoso, em início de formação de uma dessas trabéculas de divisão do forame oval. (Seta vermelha). E na
Fig. 4.2-c), um nítido tabique pterigo-alar completo, dividindo o forame oval
em duas vertentes.
Por fim, EDWARDS et al (2018) calcula a prevalência de trabéculas
pterigo-espinhosas (Civinini) em 2.6-1.7% e das trabéculas pterigo-alares
(Hyrtl) em 2.6-30%, de modo genérico. De acordo com estes autores, “Quando
comparamos a área de secção transversal do nervo mandibular [7.8-14.5 mm2
do lado direito; e 10.4-16.2 mm2 do lado esquerdo] com a área do forame oval
[16.55mm2 do lado direito; e 14.39 mm2 do lado esquerdo], fica evidente que não
serão necessárias grandes lesões para provocar compressão do nervo ou as
consequências clínicas de obstrução do forame oval.”.
VARIAÇÕES DOS FORAMES VENOSO (VESALIUS) E
ESPINHOSO
Desde a primeira descrição original de Foramen venosum por Vesalius,
no século XVI, surge uma pletora de descrições das variações deste forame.
BERGÉ e BERGMAN (2001) referem que o forame emissário (Vesalius)
não existe em crânios de outros primatas, sendo, portanto, um carácter distintivo
dos crânios humanos. Quando se encontra presente, presta passagem a uma
veia emissária (Vesalius) que estabelece a comunicação entre o seio cavernoso
e o plexo venoso pterigóideo.
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NATSIS e PIAGKOU (2017) referem, após análise de 90 bases de crânio
de caucasianos, que detetam o forame venoso, ou forame emissário (Vesalius)
em 40% dos casos (21.5% de modo bilateral e 18.5% unilateralmente, 7% do lado
direito e 11% do lado esquerdo. A largura média do FV era de 0.17 cm, do lado
direito e 0.18 cm do lado esquerdo, comparativamente com a largura média do
forame oval, que calculam em 0.39 cm do lado direito, e 0.41 cm do lado esquerdo.
Detetam ainda a duplicação de forame venoso em dois crânios, um do lado direito
e outro do lado esquerdo. Nove das bases de crânio apresentavam trabéculas
pterigo-alares, e sete apresentavam trabéculas pterigo-espinhosas ossificadas.
FAZLIOGULLARI et al (2014) detetam o Forame Venoso em 32.3% de 62
crânios adultos estudados, com um comprimento médio de 5.4 ± 2.64 mm. Estes
autores enfatizam a presença de uma pequena raiz nervosa, o “Nervoulus sphenoidalis lateralis” que também pode ser transmitido através do Forame venoso.
A deteção de divisões dos foramina por estruturas ligamentosas ossificadas é frequente, quando consideramos a passagem de estruturas vasculares e
nervosas pelo mesmo orifício. Tal é o caso do Foramen Lacerum [Fig. 2 - FL], em
que um ligamento ossificado pode dividir um compartimento medial (arterial),
do compartimento lateral (nervoso).
Nos diversos casos analisados no Departamento de Anatomia da
NOVA Medical School de Lisboa, detetamos 2 casos de Foramen Spinosum
dividido. [Fig. 5]
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Figura 5. Forame Espinhoso dividido, como detetado em duas bases de crânio na NMS de Lisboa:
Presumimos a existência de ossificação secundária de um ligamento que divide um compartimento
vascular (artéria meníngea média), de outro compartimento nervoso, para passagem de um ramo
meníngeo (inconstante) do nervo mandibular. a) Vista inferior, exocraniana – A seta verde aponta
divisão do forame espinhoso; b) Vista superior, endocraniana - FL-Forame Lácero; FR – Forame
Redondo; FO – Forame oval; FS – Forame Espinhoso. A seta verde aponta para a divisão do forame
espinhoso. A seta vermelha aponta o provável orifício de passagem do nervo meníngeo acessório.
Fonte: Próprios autores.
VEIAS EMISSÁRIAS E HIDROCEFALIA
A função das veias emissárias cranianas é de providenciar a comunicação entre plexos venosos intracranianos e extracranianos, para reduzir a
pressão intracraniana quando necessário. Essas veias e os forames que lhes
prestam passagem, situam-se geralmente na proximidade das suturas entre
os componentes ósseos embriológicos originais constituintes do crânio. Com
o crescimento fetal e depois extrauterino, os forames de passagem das veias
emissárias podem vir a encerrar por ossificação membranosa do crânio. Tal é
o caso da veia emissária esfenoidal (de Vesalius).
A assimetria da ossificação fetal entre as raízes da asa maior e o corpo
do osso esfenoide é explicação para a inconstância e assimetria de persistência do forame venoso esfenoidal. Pequenos episódios de aumento de pressão
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intracraniana durante o desenvolvimento embrio-fetal poderiam justificar a
prevalência variável dos forames venosos emissários da base do crânio.
Tivemos ocasião de observar um espécime peculiar raro, de crânio de
adulto hidrocéfalo, cuidadosamente preservado no Departamento de Anatomia
do Campus de Recife da Universidade de Pernambuco que aqui apresentamos,
fotografado por diversos ângulos [Fig. 6].
Na Fig. 6.b), incluímos por comparação, o desenho de Vesalius daquele
que classifica como tipo V (“Quinta”), das variações de forma dos crânios,
classificados de acordo com a presença ou ausência de suturas primitivas. No Livro I, Capítulo V, Tabula V, deste original livro de Craniologia, Vesalius
inclui esta representação de crânio “não-natural” proveniente de uma criança
que no texto, descreve como tendo “uma cabeça, sem exagero, maior do que
a de dois adultos, com procidências laterais exuberantes”.
Por comparação, as imagens da Fig. 6 a); c); d) e e) correspondem a
registos fotográficos do invulgar crânio de hidrocéfalo adulto, mantido na Universidade de Pernambuco. Na vista de perfil esquerdo [Fig. 6 a)], observa-se
uma exuberante coleção de ossa suturarum (ossos Wormerianos), na região
do Ptérion e do Astérion, em provável sinal de manutenção da sobrevivência
até à idade adulta, de um indivíduo com aumento de pressão intracraniana.
Todos estes aspectos representados na Fig.6 servem de plena demonstração da peculiar plasticidade do desenvolvimento dos ossos do crânio, com
adaptação ao conteúdo da cavidade. Demonstra-se ainda que a massa óssea
se vai moldando de modo particular, ao longo do desenvolvimento embrio-fetal,
de acordo com a emergência de estruturas vásculo-nervosas que atravessam
a massa óssea em evolução.
A este propósito, pareceu-nos de particular interesse a comparação deste
caso vertente de hidrocefalia de crânio adulto, com a descrição de um outro
caso de crânio dismórfico, igualmente brasileiro, preservado na Universidade de
Tiradentes [DANTAS MORENO et al. (2022)]. Nesse outro caso, correspondente
a crânio infantil, a ênfase do relato de caso é sobretudo vocacionada para o
dismorfismo crânio-facial. Na Fig. 8 de vista inferior desse crânio, parece-nos
detetar forame oval acessório, bilateral, tal como no caso por nós estudado.
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Figura 6. Vistas extracranianas de crânio de adulto hidrocéfalo, da Univ. de Pernambuco, Brasil a)
Vista de perfil do crânio de hidrocéfalo adulto: Demonstra exuberante coleção de ossos suturais na
região do Ptérion e Astérion; b) Estudo comparativo com a representação clássica de Vesalius de um
crânio de Hidrocéfalo infantil. In Vesalius, Livro I, Capítulo V, Tabula V i ; c) Vista frontal do crânio de
hidrocéfalo adulto: Demonstra a assimetria crânio-facial, com procidência da região temporo-parietal
esquerda; d) Vista inferior da base do crânio de hidrocéfalo adulto; e) Pormenor de d) - FM- Forame
Magno; FO-Forame Oval; FR-Forame Redondo; FL-Forame Lácero.
Fonte: a,c,d,e - Próprios autores, b) Vesalius 1543.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da extensa análise efetuada, acerca da variação anatômica
apresentada na presente Fig. 2, impressionou-nos verificar a extraordinária
plasticidade de moldagem por desenvolvimento da base do crânio, de acordo
com as estruturas vásculo-nervosas que atravessam a massa óssea, dirigidas
do interior da cavidade para o exterior. Serviu, neste caso, como exemplo ilustrativo desta norma de desenvolvimento embrio-fetal e evolutiva, o paradigma
dos crânios de hidrocéfalos que necessitam de manutenção de todas as veias
emissárias, para equilibrar o grande aumento de pressão intracraniana.
Na ausência de documentação clínica prévia in vivo, acerca do caso de
aparente duplicação de grandes dimensões, do forame oval em análise nas Figs.
2 e 3, não nos será possível confirmar com total honestidade científica a hipótese de duplicação de um forame oval de enormes dimensões, por ligamentos
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ossificados, ou se tratará apenas de um caso de Forame Oval acessório, de
extraordinárias dimensões, prestando passagem a raízes do nervo mandibular,
para além de vasos esfenoidais acessórios…
Serviu, porém, o presente caso para um conjunto de aulas de encanto e
diversão intelectual em que, ao analisar algumas das possíveis hipóteses explicativas de tão invulgar achado perante estudantes pré-graduados do curso de
Medicina, verificámos extraordinário acréscimo do empenho e interesse pela
estudo da disciplina de Anatomia, base fundamental dos seus estudos e futura
prática médica. Tal se verifica, de facto, sempre que partilhamos com estudantes
o conhecimento de variações anatómicas.
Por fim, o maior interesse da análise e registo deste tipo de variações da
base do crânio, consiste obviamente na importância clinico-cirúrgica destes
achados invulgares. Com efeito, pela situação do Forame Oval na transição
entre regiões intra- e extra-cranianas, este forame é muitas vezes utilizado em
procedimentos cirúrgicos e diagnósticos [RAY et al (2005)].
O conhecimento das variações morfométricas do forame oval é, portanto,
de suprema importância para cirurgiões que se dediquem a Rizotomia trigeminal
percutânea; ou biópsias de lesões do seio cavernoso, ou do ângulo paraselar ou
petroclival; ou ainda para anestesistas vocacionados para o bloqueio do nervo
mandibular por via do forame oval [SKRZAT et al (2006); RYU (2016)].
Agradecimentos
Formulamos um especial agradecimento à Ana Rita Rodrigues Póvoa,
estudante do Mestrado Integrado em Medicina da Nova Medical School, Universidade NOVA de Lisboa, Portugal, por nos ter alertado para o interessante caso
de variação anatômica aqui apresentado, e pela qualidade de documentação
fotográfica que gentilmente efectuou.
Variações Anatômicas: o avanço da ciência no Brasil
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REFERÊNCIAS
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