No presente artigo pretende se fazer análise da Súmula Vinculante
introduzida na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45 de
2004, fazendo se uma perquirição acerca da relação deste instituto com o
precedente judicial. Faz se, assim, uma abordagem de acordo com o marco
teórico proposto por Michele Taruffo acerca da classificação possível dos
precedentes, colocando se, então, a Súmula Vinculante como um precedente
judicial
devido às suas características que não são encontradas em
outros ordenamentos jurídicos.
!
"
precedentes.
#
Súmula
vinculante;
precedente;
classificação
dos
The article aims to consider Brazilian binding precedent (called Súmula
Vinculante) that was inserted in Brazilian Constitution by the Constitutional
Amendment number 45 in 2004. This institute will be treated as a judicial
precedent. The analysis is based on the Michele Taruffo’s possible
classification about the kinds of judicial precedent. As a conclusion, Brazilian
binding precedent is classified as a precedent with some particularities.
$ %&
# Brazilian binding precedent; precedent; precedent classification
1
Artigo resultante de pesquisas dos autores durante participação no Grupo de Estudo sobre Precedentes
Judiciais ocorrida em 2009, sob coordenação do Prof. Dr. Paulo Roberto de Souza, docente do
Departamento de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá.
*
' ()*
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/0 é bacharel em direito pela Universidade Estadual de
Maringá. Mestrando em Processo Civil na Universidade de São Paulo.
**
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2! *'
* é bacharel em direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestranda em
Filosofia e Teoria Geral do Direito na Universidade de São Paulo.
72
dos precedentes judiciais proposta por
Michele Taruffo.
5
34
56
Foto: Gil Ferreira/SCO/STF
1. '
34
Foram editadas pelo Supremo Tribunal
Federal até o presente momento mais de
três dezenas de Súmulas Vinculantes e,
com isso, a pergunta que surge é acerca
do que se trata exatamente este
mecanismo inserido no ordenamento
jurídico brasileiro por uma Emenda
Constitucional e, ainda mais, como ele
pode ser entendido em um contexto de
valorização do precedente judicial em
nosso país, como pode se verificar pelas
recentes reformas legislativas.
Nesse sentido, propõe se no presente
artigo a análise da Súmula Vinculante
(SV) desde a criação do instituto,
abordando se ainda algumas diferenças
acerca do sistema do
e da
para, finalmente, proceder se à
análise da influência do precedente
judicial, típico do sistema da
na criação da SV.
Discute se também o conceito de
precedente judicial, seguindo o marco
teórico proposto pelo jurista italiano
Michele Taruffo, apresentando se as
dimensões que podem ser analisadas
para se caracterizar um precedente
judicial.
Por fim, a análise da
enquadrá la como um
. Não obstante,
tentativa de inseri la na
SV permite
instituto
faz se uma
classificação
37
8
A Súmula Vinculante (SV) foi inserida
no Direito pátrio por meio da Emenda
Constitucional (EC) nº 45 de 2004 como
um instrumento único no ordenamento
brasileiro, por criar a vinculação do
Poder Judiciário e da Administração
Pública direta e indireta através de
súmulas editadas pelo Supremo Tribunal
Federal, com o escopo de atingir a
garantia constitucional de celeridade
processual, tanto judicial quanto
administrativa, insculpida no Art. 5º,
LXXVIII da Constituição Federal de
1988.
Pode se verificar no instituto da SV
influência da teoria do
, ou
teoria do precedente judicial vinculante,
adotada em países filiados ao sistema
jurídico do
, como se
verificará posteriormente
A nomenclatura dessa teoria vem da
expressão latina
, que pode ser entendida
como: o que está decidido não se move,
não se altera. Relativa, portanto, ao
precedente
judicial
de
caráter
vinculante, logo, de seguimento
obrigatório em casos subsequentes que
se assemelhem a demandas decididas
anteriormente.
Por isso, nota se a relação entre SV e o
precedente judicial, já que aquela se
trata de enunciado resultante de
reiteradas decisões no mesmo sentido
acerca de matéria constitucional, sendo
tal entendimento de seguimento
obrigatório para os demais órgãos do
Poder Judiciário e da Administração
Pública direta e indireta.
73
No entanto, o instituto da SV delineia se
de modo peculiar, pois, se por um lado
possui a característica da observância
obrigatória, tal como o precedente
judicial, por outro, sintetiza diversas
decisões reiteradas, o que a aproxima do
conceito de jurisprudência, consoante se
explanará.
Assim, é nesse contexto de inserção do
precedente judicial no Brasil, com
devidas adaptações ao nosso sistema
jurídico, filiado ao modelo romano
germânico, que se propõe a apreciação
da Súmula Vinculante, como um
instituto
de nosso
2
ordenamento jurídico.
565
O precedente judicial3 se trata de
instituto típico do sistema jurídico do
, embora o precedente
absolutamente vinculante tenha por base
a teoria do
, da expressão
latina supracitada, a qual se inseriu em
2
Quanto à aproximação dos modelos jurídicos,
vide: MARINONI, 2009.
3
Note se que em recentes estudos também se
analisa o precedente não judicial, o qual tem
influência sob o precedente judicial. Apenas
como exemplificação desses estudos, Trevor
Morrison (2010) analisa o
no
âmbito do
, que pode ser
tido como um escritório que é a mais
significante fonte de conselhos legais para o
(Poder Executivo), e que,
exercendo atividade delegada do
(o principal consultor jurídico do
Governo), dá conselhos legais ao presidente dos
Estados Unidos e também a outros órgãos do
poder executivo. Com isso, o autor verifica a
existência de um sistema de
mesmo
em situações não judiciais, discutindo se, assim,
o precedente não judicial de atores não
judiciais, também com argumentos não
judiciais, verificando se existe um respeito às
decisões anteriores mesmo que tomadas por
esses atores que não atuam na justiça. Contudo,
no presente artigo, analisar se á somente o
precedente emanado de uma autoridade com
poder jurisdicional.
países filiados ao sistema anglo saxão,
notadamente na Inglaterra, em razão da
incursão romana em seu território nos
séculos iniciais da Era Cristã.
Assim, embora o Direito Romano seja
conhecido como um direito legislado, já
na Antiguidade, tinha como fonte,
dentre outras, as decisões judiciais. Seu
caráter eminentemente legislativo é
verificado entre os séculos XII e XIII
com os estudos de Direito Romano nas
Universidades e, posteriormente, no
século XVIII, com as influências
germânicas, surgiu o chamado direito
romano germânico como um sistema
jurídico tipicamente legislado (TUCCI,
2004).
Não obstante, em seus primórdios, o
Direito Romano já possuía precedentes,
podendo se, pois, ter uma ideia de
precedente
judicial
através
dos
diferentes momentos históricos em
distintos ordenamentos jurídicos. Para
isso, deve se considerar o que a decisão
judicial pode representar para o seu
próprio sistema jurídico, ou seja, qual o
significado da decisão judicial e qual a
sua respectiva função no ordenamento.
A questão pode ser analisada também
em uma perspectiva ideológica e
política, isto é, tal como proposto por
Ovídio Baptista da Silva (2006, p. 239),
pode se pensar em como a decisão
judicial é importante para o poder
dominante a determinada época.
Nesse sentido, por exemplo, pode se
analisar a questão do precedente judicial
por um viés que considere a
legitimidade da jurisdição em grau
inferior (Idem, p. 240). Para tanto, ter
se ia que quanto maior o número de
recursos, mais desconfiança há no
julgador de primeira instância, pois no
momento em que se interpõe o recurso
há uma afirmação de que tal julgador ou
errou ao julgar (
) ou
74
errou ao realizar o procedimento (
!
).
Com isso, pode se aferir o grau de
confiança depositado no julgador de
primeiro grau, fazendo se assim uma
abordagem da ideologia da jurisdição no
tocante à possibilidade de recurso, o que
é verificado nas próprias decisões
judiciais. Ou seja, o precedente judicial,
nesse caso, pode demonstrar a ideologia
em relação à confiança no julgador de
instâncias inferiores.
Quanto ao conceito de precedente
judicial, pode se entender como
(SOUZA, 2008, p. 51), “[...] decisão de
um caso tomada anteriormente pelo
Judiciário [e que] constitui, para os
casos a ele semelhantes, um precedente
judicial.” Destarte, o precedente judicial
está inserido em qualquer sistema
jurídico que tenha decisões de órgãos
jurisdicionais.
Assim, é despiciendo se há ou não
vinculação, até mesmo porque o
precedente pode ser meramente
persuasivo, servindo de paradigma para
casos posteriores semelhantes ao
decidido, ou vinculante, podendo se
discernir os graus de vinculação. O que
se releva é a verificação de que os
precedentes judiciais existem em todos
os sistemas jurídicos.
É com esse viés que Michele Taruffo
(1994), em sua proposta de teoria do
precedente judicial, conceitua o
precedente em função de quatro
dimensões: dimensão institucional,
dimensão objetiva, dimensão estrutural
e dimensão de eficácia. É a combinação
da análise dessas dimensões que pode
fornecer uma definição do precedente
em determinado ordenamento jurídico.
Em relação à dimensão institucional,
Taruffo aduz que a organização
judiciária e o modo como as relações de
autoridade que se dão dentro do Poder
Judiciário são intimamente ligadas ao
uso do precedente. Com isso, pode se
classificar o precedente de acordo com
essa relação hierárquica verificada.
Nesta dimensão, classifica se a decisão
judicial como: (a) precedente vertical,
de uma Corte ou Tribunal Superior em
relação a um inferior; (b) precedente
horizontal, em relação a decisões de
Tribunais de mesmo nível hierárquico; e
(c) auto precedente, vinculação de um
Tribunal a seus próprios precedentes.
Já na dimensão objetiva, verifica se qual
é a parte do precedente que deve
vincular as decisões futuras, ou seja, o
que será vinculante em casos análogos
posteriores. Para isso, é mister
4
, o
distinguir se entre
elemento vinculante, e "
,
elemento não vinculante que pode ser,
no máximo, persuasivo.
A dimensão estrutural diz respeito ao
número de precedentes referíveis, um ou
mais, e a orientação dos mesmos,
convergente ou divergente. Nesse
aspecto, Taruffo (1994) elenca quatro
hipóteses principais: existência de
somente um precedente; jurisprudência
constante
(vários
precedentes);
4
Saliente se que a questão do conceito de
é controvertida, mesmo nos países do
, havendo profundas divergências
doutrinárias acerca do que seja a
e de qual
o melhor método para encontrá la. Há o
entendimento de que a
diz
respeito a uma norma jurídica geral que vincula
a decisão de juízos em casos posteriores
semelhantes ao decidido, daí porque sua
identificação é essencialmente relevante para a
aplicação do precedente judicial. Quanto à
forma de encontrá la, há dissonância entre a
proposta de que se encontre nos fatos relevantes,
como defende Goodhart (1930) ou também nas
razões do juiz, como propõe Neil MacCormick
(1987). Ainda, resta a problemática de se
verificar o grau de vinculação da
e, logo,
do precedente.
75
precedentes contraditórios;
jurisprudencial.
e
caos
É pertinente pensar que o caos
jurisprudencial
implica
verdadeira
insegurança jurídica, pois quando há
decisões tão dissonantes, de modo que
decisões em quaisquer ou todos os
sentidos sejam dadas, é que se verifica o
que já se chamou de loteria jurídica
(MUSCARI, 1999, p. 47 et seq.)
tamanha a instabilidade e insegurança
ocasionada no sistema jurídico social.
Por fim, a dimensão da eficácia diz
respeito ao grau de influência da decisão
em casos futuros, distinguindo se em:
grau máximo de vinculação, os
precedentes
vinculantes
("
!
); grau menor de vinculação,
pois, embora se deva seguir o
precedente, pode se dele afastar,
contanto
que
existentes
razões
justificativas para isso, caso dos
precedentes
afastáveis
(
"
!
); e os precedentes não
necessariamente
observáveis,
os
precedentes
“fracos”
(
#
!
).
Embora os "
!
tratem se
de
precedentes
absolutamente
vinculantes, cuja aplicação é, pois,
obrigatória, isso não significa que se
deve observar cegamente à decisão
anterior, até mesmo porque se admite a
revogação do precedente, ou
,
em casos como incorreção, injustiça,
inconveniência
(SOUZA,
2008;
MARINONI, 2010, p. 111) ou, ainda,
em caso de decisão !
, isto é,
por desconhecimento da existência de
um precedente judicial.
Também
se admitem, além do
, outras técnicas de desvio
judicial (
!
), ou seja,
afastamento do precedente judicial,
como o
, por meio do qual
são diferenciados os fatos relevantes do
caso anterior (
), com
relação aos do caso em julgamento
(SOUZA, 2008).
Segundo explicita René David (1996),
com a técnica do
fica
cabalmente claro que a evolução do
não está obstaculizada pela
aplicação dos precedentes, sobretudo
dos de caráter vinculante, de modo que a
regra do precedente não é óbice maior à
evolução do direito inglês que o é a
codificação para países do sistema
romano germânico.
Contudo,
o
uso das técnicas do
e do
deve ser
feito com cautela, já que, quanto ao
primeiro, “[...] o uso indiscriminado do
poder de distinguir pode levar a se
duvidar, de modo geral, da real
vinculação aos precedentes obrigatórios
e, conseqüentemente [sic], levar à
falência do sistema, o que, com certeza,
não é desejado” (DAVID, 1996, p. 352).
Igualmente há de se relevar, quanto ao
, o princípio da proteção à
confiança do jurisdicionado, o qual
deposita expectativas quanto à decisão
precedente, de modo que a revogação de
um
precedente
judicial
implica
naturalmente a perturbação na ordem
jurídica, no caso de sua modificação
com
eficácia
retroativa
(BUSTAMANTE, 2007).
Dessa maneira, tem se claro que, muito
embora a teoria do
pugne
pela aplicação obrigatória dos "
!
, isso não é levado às últimas
consequências, a ponto de comprometer
a evolução do Direito. No entanto,
também não significa o desaparecimento
ou redução da vinculação desses
precedentes.
76
569
!
:
A nomenclatura jurisprudência vem do
termo latino
!
, sendo que
no período clássico do Direito Romano,
as respostas dos prudentes ( !
!
), ou seja, dos jurisconsultos,
ganharam caráter de fonte do direito.
Explicita Athos Gusmão Carneiro
(2005) que, no Brasil, a jurisprudência,
consistente em uma sucessão de
decisões judiciais – seja de um juiz
singular, de primeiro grau de jurisdição,
por meio de suas sentenças, ou os
acórdãos de um Tribunal, em sua
atuação em sede de competência
originária ou recursal – com a mesma
orientação, firmando certa tese jurídica.
Para o referido autor, a jurisprudência
tem importância na revelação do
Direito, dado tratar se de uma sucessão
de decisões judiciais interpretando e
aplicando a lei em um mesmo sentido,
não se constituindo a rigor, em fonte
formal no Direito brasileiro, embora lhe
supra as lacunas em casos concretos
(CARNEIRO, 2005) e, por outro lado,
também supre a inércia do legislador,
renovando
paulatinamente
a
interpretação das normas legais.
Já Rodolfo de Camargo Mancuso (2005,
p. 690) considera que a “[...]
jurisprudência
representa
o
entendimento − consensual, dominante
ou sumulado − de um dado Tribunal,
acerca de certa questão jurídica ou sobre
a exegese de um texto legal [...]” e não
se consideram
! $
, no
sentido próprio do termo, as decisões de
primeiro grau, por serem monocráticas,
nem os acórdãos, quando isoladamente
considerados, ou seja, emitidos em cada
caso concreto, pois é necessária a
reiteração harmônica, que caracteriza a
corrente jurisprudencial, ou seja, a
! $
.
Este autor ainda afirma que, embora não
tenha
caráter
vinculante,
a
jurisprudência, sobretudo a dominante
ou sumulada possui força persuasiva.
Ainda,
complementa
que
a
jurisprudência pode ser vista de três
modos: (a) no sentido comum, seria a
“totalização do resultado final da
%&
do Estado”; (b) no sentido
mais técnico, seria a sequência ordenada
de decisões sobre uma determinada
matéria em um mesmo Tribunal; e (c)
num sentido reforçado, a jurisprudência
seria o destaque da tese fixada na
resolução de um determinado caso
concreto “projetando efeitos em face de
outras demandas, virtuais ou pendentes,
assim projetando uma
'
! (
!
” (MANCUSO, 2007, p.
130).
Consoante considera Sidnei Benetti
(2007), os precedentes que mantenham
sentido estável formam jurisprudência.
Para
Michele
Taruffo
(1994),
precedente e jurisprudência possuem
distinção de duplo caráter: quantitativo
e, como repercussão deste, qualitativo.
Assim, quantitativamente, falar sobre
precedente implica a referência somente
a uma decisão, relativa a um caso
particular; enquanto a jurisprudência diz
respeito a uma pluralidade de decisões
relativas a diversos casos concretos.
Com isso, há implicações de ordem
qualitativa, uma vez que, tratando se,
como regra, de uma única decisão, é
facilitada a identificação do precedente
judicial, o qual é definido pelo julgador
do caso subsequente, com base em fatos.
Já a jurisprudência, como se trata de
diversas decisões e, em regra, sem
embasamento em fatos, gera o problema
da existência de excesso de decisões e,
não raro, destoantes, sendo até mesmo
77
frequente se observarem mudanças
repentinas no posicionamento de um
mesmo Tribunal. Esta distinção, além de
muito
coerente,
mostra se
com
significativa pertinência com relação ao
sistema jurisdicional brasileiro.
No entanto, além dela, deve se
considerar outra diferença entre
precedente e jurisprudência, ao menos
no direito pátrio, em que a
jurisprudência tem apenas caráter
persuasivo, enquanto nos países de
o precedente pode ter
caráter persuasivo ou vinculante, bem
como variam os graus de vinculação do
precedente judicial. Esta diferenciação,
contudo, merece ser vista com cautela
atualmente, pois, com novos institutos
(ou, quiçá, retomada de antigos), como a
SV, a vinculação ou não deixa de ser
diferencial.
De toda forma, a distinção estabelecida
com base no critério quantitativo – com
a consequente distinção de ordem
qualitativa – é satisfatória e, neste
aspecto, tem se que uma decisão
constitui um precedente e a reiteração de
decisões
no
mesmo
sentido,
jurisprudência;
ressaltando se
a
possibilidade de haver reiteradas
decisões em um e outro sentido acerca
do mesmo tema, o que ocorre
comumente em nosso país, tornando
necessários
instrumentos
de
uniformização de jurisprudência.
Neste sentido, a iniciativa de criar
súmulas, especialmente as vinculantes,
passou a ser vista como possibilidade
não apenas de se fixar uma orientação
jurisprudencial constante, como também
evitaria a rediscussão sobre matérias
pacificadas, desafogando o Poder
Judiciário, já excessivamente atarefado,
propiciando
maior
eficiência
e
celeridade, bem como atenderia aos
princípios da isonomia e equidade,
dando a mesma solução a causas iguais
(FUX, 2007).
56;
O termo súmula, do latim,
cujo significado é sumário, restrito, é o
resumo de casos semelhantes decididos
da mesma forma (BUZANELLO;
BUZANELLO, 2007).
Considera Arthur Mendes Lobo, na
esteira de Nelson Nery Júnior e Rosa
Maria de Andrade Nery, que as súmulas
dizem respeito ao conjunto de teses
jurídicas traduzidas em verbetes
sintéticos, revelando a jurisprudência
reiterada e predominante do Tribunal
(LOBO, 2007).
Assim, pode se falar da súmula como
uma
sinopse
da
jurisprudência,
demonstrando
a
orientação
jurisprudencial do Tribunal que a emite
ou, consoante disposto no Art. 102 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal, a súmula daquele Tribunal é o
compêndio de sua jurisprudência
assentada.
Nos moldes como foi elaborada, a SV é
um mecanismo inovador, entendida
como resultado da intersecção de dois
sistemas, do
e do
(SOUZA, 2008), sendo considerada
também como a transposição do
controle
concreto difuso
de
constitucionalidade para o controle
abstrato concentrado, pois transpõe se a
decisão de um recurso extraordinário,
por exemplo, para que se tenha o efeito
vinculante
próprio
do
controle
concentrado (TAVARES, 2009).
Pode se dizer que ela é a ampliação dos
efeitos de decisões com caráter
!
, ou ainda com certa eficácia
78
limitada5, para uma decisão enunciada
em uma súmula com caráter vinculante
geral, muito embora não se pretenda
neste breve escorço teórico ingerir se na
discussão acerca das implicações em
termos de constitucionalidade desse
instituto.
Pondera Cândido Rangel Dinamarco
(1999) que no
, a força
vinculante dos
, ou
, propicia a quádrupla
vantagem expressa nas palavras
(
% (
(
!
"
Apesar de a proposta desse autor se
voltar à
! !
,
mais ligada às premissas das
– uma vez que, acompanhando
Kazuo Watanabe, entende que o juiz
moderno não manipula exclusivamente
casos
individuais
( )
,
na
linguagem deste), mas também os que
envolvem parcela significativa da
sociedade, por serem capazes de
provocar
!
–, vê na
súmula vinculante uma alternativa à
inadequação de uma insistência pela
tutela individual, fragmentária e
contraditória,
em
tempos
de
coletivização da tutela jurisdicional, no
contexto de uma sociedade de massa
como a atual.
Ainda, Dinamarco (1999) enquadra a
SV em um plano intermediário entre o
abstrato da lei e o concreto das decisões
em casos reais; com o que se concorda,
ressalvando se que a súmula é dotada de
caráter normativo, pois portadora de
normas específicas em relação às
5
Nesse sentido, as Súmulas Vinculantes 2 e 13,
que provieram de ADINs com eficácia limitada.
Na primeira, as ações eram restringidas pelo fato
de serem contra leis estaduais; e, na segunda,
por serem referentes apenas ao Poder Judiciário,
e que ganharam eficácia vinculante pelo
processo de criação da súmula vinculante.
normas mais genéricas e abstratas
contidas nos textos vindos das fontes
normativas ordinárias.
O que se percebe em relação à diferença
do sistema do
é que o
precedente resulta do julgamento de um
caso concreto, não havendo necessidade
de reiteradas decisões. A Corte, nesse
sistema, apenas julga determinado caso
e, somente isso, já é motivo para que as
demais Cortes inferiores sigam aquela
orientação firmada no caso precedente.
Nesse sentido, verifica se que a SV
possui grande similitude com os "
!
no sistema da
,
pois, como estes, cria norma, extraível
da
; e, igualmente, pode a
súmula vinculante ser revista (como o
daquele sistema) ou
cancelada (de modo semelhante ao
).
Entretanto, a SV tem a peculiaridade de
partir de um lado de uma lei escrita,
passando por diversos casos julgados
acerca da mesma questão de direito,
resultando em um enunciado – cuja
observância é compulsória – com
caráter de abstração, generalidade e
obrigatoriedade, tal como as normas
jurídicas, no entanto, emanada pelo
Poder Judiciário, e não pelo Legislativo,
como o princípio da separação dos
poderes faria pressupor.
Dessa forma, concorda se com Mancuso
(2005) quando este assevera que a
súmula está em um passo intermediário
entre jurisprudência e lei, sendo um
, em verdade, um misto de
norma e decisão judicial. Entende se,
assim, haver autorização para se falar de
uma norma jurídica judicial (COL;
SOUZA, 2009).
É desse modo que se aprecia a SV como
um instituto
, tendo se em
vista que se mostra como misto de
79
jurisprudência, em razão da exigência
do art. 103 A da CF/88 de reiteradas
decisões em matéria constitucional, o
que quantitativamente transcende uma
única decisão, e, ao mesmo tempo,
guarda características do precedente
judicial, devido à vinculação do "
!
, já que tem caráter cogente
em relação aos demais órgãos do Poder
Judiciário e da Administração Pública
Direta e Indireta.
Assim, a despeito do que já se
considerou
acerca
da
diferença
qualitativa do que se entende por
precedente no sistema do
e
da jurisprudência do
, deve se
analisar a diferença e consequente
importância
que
a
própria
fundamentação de cada decisão tem na
elaboração da SV, assim como pesquisar
o modo de elaboração de uma ou várias
decisões que se tornam vinculantes. Ou
seja, deve se verificar a diferença da
qualidade da fundamentação da
jurisprudência do
e do
, fazendo se, desse modo, uma
perquirição acerca do que efetivamente
seria obrigatório seguir.
Logo, remanesce o questionamento
sobre o que vincula na SV, se é somente
o enunciado ou todas as decisões
tomadas anteriormente à enunciação da
súmula. E, no último caso, pareceria,
então, que o que vincula é a posição
dada pelo Supremo nos casos decididos
no mesmo sentido e não apenas o que
está inserido no enunciado sumular
sintetizador,
tendo se,
assim,
a
declaração
do
exaurimento
da
jurisdição. Esta última hipótese parece
ser a mais coerente, de modo que é
vinculante não apenas o enunciado
sumular, mas todas as decisões com
julgamentos reiterados que ensejaram a
enunciação da SV respectiva.
9
<
34
=
,
<<
Apesar de se constatar sua natureza
, tendo se em vista que a SV
compartilha de características do
precedente judicial, entende se viável
sua classificação por meio do emprego
da teoria do precedente proposta por
Michele Taruffo (1994). Desse modo,
tem se que:
a) Na dimensão institucional, a súmula
vinculante é um precedente vertical, ou
seja, é uma decisão emanada de uma
Corte que está no vértice da jurisdição
do país, pois é uma Corte Superior em
matéria constitucional;
b) Na dimensão objetiva, deve se
analisar qual a parte da súmula
vinculante que realmente tem efeito
vinculante, nos termos do Art. 103 A da
CF/88, não ficando apenas naquilo que
está disposto em seu enunciado, mas
também considerando as reiteradas
decisões que serviram de apoio para a
sua criação, definindo se, assim, qual a
norma jurídica judicial do caso
discutido;
c) Na dimensão estrutural, é mister se
diferenciar o momento de criação da
SV, momento este em que é necessário
que haja jurisprudência constante,
constitucionalmente
exigida
pela
expressão
“reiteradas
decisões”
insculpida no Art. 103 A da CF/88,
como forma de se garantir que a posição
adotada no enunciado sumular seja a
posição do STF a respeito do tema. Insta
ressaltar, ainda, a possibilidade de haver
um
precedente determinante no
momento de criação da SV, ou seja,
uma decisão que seja a norteadora da
posição do Supremo;
d) Por fim, na dimensão da eficácia, a
SV pode ser classificada como um
80
"
!
, ou seja, um
precedente vinculante, também chamado
por alguns de super precedente
(GERHARDT, 2009), pois o seu
entendimento deve ser seguido nos
casos análogos seguintes. Contudo,
cabe se ressaltar a necessidade de que o
caso seguinte seja análogo ao decidido,
pois, de outro modo, poder se á lançar
mão de métodos de diferenciação
(
) para não se aplicar
aquele entendimento sintetizado no
enunciado sumular.
;
37
<
Ante o exposto, nota se um contexto de
valorização do precedente judicial em
nosso país – embora este tenha tradição
jurídica filiada ao sistema romano
germânico – o que pode ser confirmado
pelas recentes reformas legislativas que
apontam no sentido de se ampliar a
magnitude e efeitos das decisões
judiciais. Neste contexto surge a SV
com a EC nº 45 de 2004, posteriormente
regulamentada pela Lei nº 11.417 de 19
de dezembro de 2006, como um
instituto influenciado pela teoria do
precedente judicial.
O precedente judicial é instituto típico
do sistema jurídico do
e
refere se às decisões judiciais tomadas
em casos concretos que vinculam
julgamentos
futuros
de
casos
semelhantes ao decidido. Não obstante,
podem se notar diferentes graus de
vinculação, sendo os "
!
os
precedentes
absolutamente
vinculantes e, logo, de seguimento
obrigatório.
O instituto da SV, igualmente dotado de
caráter vinculante, possui, contudo,
também certas características da
jurisprudência, cuja formação resulta de
diversas decisões no mesmo sentido, já
que se exigem para a edição da SV
reiteradas decisões.
Não obstante a SV compartilhe de
ambos os institutos, pode se diferenciar
precedente e jurisprudência por dois
focos distintos. O primeiro, em relação a
uma ordem quantitativa, indica que há
uma necessidade de uma pluralidade de
decisões no mesmo sentido para a
formação de uma jurisprudência,
enquanto que somente uma decisão é
necessária para a formação do
precedente, ou seja, a referência à
jurisprudência é uma referência a vários
casos similares julgados do mesmo
modo, e ao precedente é a um único
caso paradigma.
Essa diferença de ordem quantitativa
tem um desdobramento de ordem
qualitativa. Considera se que, por ser o
precedente apenas uma única decisão,
fica facilitada a identificação do mesmo,
o que não ocorre com a jurisprudência,
pois, com a existência de várias decisões
em casos assemelhados, não se pode ter
a certeza de quais fatos foram
devidamente julgados nas várias
decisões judiciais, as quais são não
raramente dissonantes, que formam o
corpo da jurisprudência.
No que diz respeito à SV, surge o
questionamento
acerca
do
que
efetivamente vincula: se tão só o
enunciado sumular ou também as
decisões
tomadas
anteriormente.
Considerando se que o enunciado
sumular
apenas
cristaliza
o
entendimento do Supremo acerca de
determinada matéria, servindo de
elemento que tende a pacificar
divergências e uniformizar a atuação do
próprio Poder Judiciário e da
Administração Pública direta e indireta,
infere se que não apenas o enunciado
sumular, mas todas as decisões
anteriores são vinculantes. Ou seja, no
81
mais das vezes, a SV é apenas a
declaração da jurisprudência dominante
do Tribunal e do consequente
exaurimento da jurisdição até o
momento, ressalvadas a possibilidade de
se mudar o entendimento ou a
necessidade de se alterar a posição
estabelecida, devido a modificações que
possam surgir na sociedade.
Finalmente, embora se trate de um
terceiro gênero, misto de jurisprudência
e precedente judicial, e, ainda, de norma
jurídica e decisão judicial – daí falar se
em norma jurídica judicial– a SV pode
ser classificada, à luz da teoria do
precedente judicial de Taruffo, como
sendo um precedente vertical, que tem
como base vários casos concretos
decididos no mesmo sentido, e que deve
ser seguido por todos os órgãos da
Administração Pública direta e indireta,
não apenas quanto ao que está disposto
no enunciado sumular, mas também
quanto àquilo que foi constantemente
reiterado pelo Supremo em suas
decisões anteriores.
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