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A súmula vinculante e o precedente judicial

2011

No presente artigo pretende se fazer análise da Súmula Vinculante introduzida na Constituição Federal pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004, fazendo se uma perquirição acerca da relação deste instituto com o precedente judicial. Faz se, assim, uma abordagem de acordo com o marco teórico proposto por Michele Taruffo acerca da classificação possível dos precedentes, colocando se, então, a Súmula Vinculante como um precedente judicial devido às suas características que não são encontradas em outros ordenamentos jurídicos. ! " precedentes. # Súmula vinculante; precedente; classificação dos The article aims to consider Brazilian binding precedent (called Súmula Vinculante) that was inserted in Brazilian Constitution by the Constitutional Amendment number 45 in 2004. This institute will be treated as a judicial precedent. The analysis is based on the Michele Taruffo’s possible classification about the kinds of judicial precedent. As a conclusion, Brazilian binding precedent is classified as a precedent with some particularities. $ %& # Brazilian binding precedent; precedent; precedent classification 1 Artigo resultante de pesquisas dos autores durante participação no Grupo de Estudo sobre Precedentes Judiciais ocorrida em 2009, sob coordenação do Prof. Dr. Paulo Roberto de Souza, docente do Departamento de Direito Privado e Processual da Universidade Estadual de Maringá. * ' ()* +) , *'-)' .) /0 é bacharel em direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestrando em Processo Civil na Universidade de São Paulo. ** /*' 1 2! *' * é bacharel em direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestranda em Filosofia e Teoria Geral do Direito na Universidade de São Paulo. 72 dos precedentes judiciais proposta por Michele Taruffo. 5 34 56 Foto: Gil Ferreira/SCO/STF 1. ' 34 Foram editadas pelo Supremo Tribunal Federal até o presente momento mais de três dezenas de Súmulas Vinculantes e, com isso, a pergunta que surge é acerca do que se trata exatamente este mecanismo inserido no ordenamento jurídico brasileiro por uma Emenda Constitucional e, ainda mais, como ele pode ser entendido em um contexto de valorização do precedente judicial em nosso país, como pode se verificar pelas recentes reformas legislativas. Nesse sentido, propõe se no presente artigo a análise da Súmula Vinculante (SV) desde a criação do instituto, abordando se ainda algumas diferenças acerca do sistema do e da para, finalmente, proceder se à análise da influência do precedente judicial, típico do sistema da na criação da SV. Discute se também o conceito de precedente judicial, seguindo o marco teórico proposto pelo jurista italiano Michele Taruffo, apresentando se as dimensões que podem ser analisadas para se caracterizar um precedente judicial. Por fim, a análise da enquadrá la como um . Não obstante, tentativa de inseri la na SV permite instituto faz se uma classificação 37 8 A Súmula Vinculante (SV) foi inserida no Direito pátrio por meio da Emenda Constitucional (EC) nº 45 de 2004 como um instrumento único no ordenamento brasileiro, por criar a vinculação do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta através de súmulas editadas pelo Supremo Tribunal Federal, com o escopo de atingir a garantia constitucional de celeridade processual, tanto judicial quanto administrativa, insculpida no Art. 5º, LXXVIII da Constituição Federal de 1988. Pode se verificar no instituto da SV influência da teoria do , ou teoria do precedente judicial vinculante, adotada em países filiados ao sistema jurídico do , como se verificará posteriormente A nomenclatura dessa teoria vem da expressão latina , que pode ser entendida como: o que está decidido não se move, não se altera. Relativa, portanto, ao precedente judicial de caráter vinculante, logo, de seguimento obrigatório em casos subsequentes que se assemelhem a demandas decididas anteriormente. Por isso, nota se a relação entre SV e o precedente judicial, já que aquela se trata de enunciado resultante de reiteradas decisões no mesmo sentido acerca de matéria constitucional, sendo tal entendimento de seguimento obrigatório para os demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta. 73 No entanto, o instituto da SV delineia se de modo peculiar, pois, se por um lado possui a característica da observância obrigatória, tal como o precedente judicial, por outro, sintetiza diversas decisões reiteradas, o que a aproxima do conceito de jurisprudência, consoante se explanará. Assim, é nesse contexto de inserção do precedente judicial no Brasil, com devidas adaptações ao nosso sistema jurídico, filiado ao modelo romano germânico, que se propõe a apreciação da Súmula Vinculante, como um instituto de nosso 2 ordenamento jurídico. 565 O precedente judicial3 se trata de instituto típico do sistema jurídico do , embora o precedente absolutamente vinculante tenha por base a teoria do , da expressão latina supracitada, a qual se inseriu em 2 Quanto à aproximação dos modelos jurídicos, vide: MARINONI, 2009. 3 Note se que em recentes estudos também se analisa o precedente não judicial, o qual tem influência sob o precedente judicial. Apenas como exemplificação desses estudos, Trevor Morrison (2010) analisa o no âmbito do , que pode ser tido como um escritório que é a mais significante fonte de conselhos legais para o (Poder Executivo), e que, exercendo atividade delegada do (o principal consultor jurídico do Governo), dá conselhos legais ao presidente dos Estados Unidos e também a outros órgãos do poder executivo. Com isso, o autor verifica a existência de um sistema de mesmo em situações não judiciais, discutindo se, assim, o precedente não judicial de atores não judiciais, também com argumentos não judiciais, verificando se existe um respeito às decisões anteriores mesmo que tomadas por esses atores que não atuam na justiça. Contudo, no presente artigo, analisar se á somente o precedente emanado de uma autoridade com poder jurisdicional. países filiados ao sistema anglo saxão, notadamente na Inglaterra, em razão da incursão romana em seu território nos séculos iniciais da Era Cristã. Assim, embora o Direito Romano seja conhecido como um direito legislado, já na Antiguidade, tinha como fonte, dentre outras, as decisões judiciais. Seu caráter eminentemente legislativo é verificado entre os séculos XII e XIII com os estudos de Direito Romano nas Universidades e, posteriormente, no século XVIII, com as influências germânicas, surgiu o chamado direito romano germânico como um sistema jurídico tipicamente legislado (TUCCI, 2004). Não obstante, em seus primórdios, o Direito Romano já possuía precedentes, podendo se, pois, ter uma ideia de precedente judicial através dos diferentes momentos históricos em distintos ordenamentos jurídicos. Para isso, deve se considerar o que a decisão judicial pode representar para o seu próprio sistema jurídico, ou seja, qual o significado da decisão judicial e qual a sua respectiva função no ordenamento. A questão pode ser analisada também em uma perspectiva ideológica e política, isto é, tal como proposto por Ovídio Baptista da Silva (2006, p. 239), pode se pensar em como a decisão judicial é importante para o poder dominante a determinada época. Nesse sentido, por exemplo, pode se analisar a questão do precedente judicial por um viés que considere a legitimidade da jurisdição em grau inferior (Idem, p. 240). Para tanto, ter se ia que quanto maior o número de recursos, mais desconfiança há no julgador de primeira instância, pois no momento em que se interpõe o recurso há uma afirmação de que tal julgador ou errou ao julgar ( ) ou 74 errou ao realizar o procedimento ( ! ). Com isso, pode se aferir o grau de confiança depositado no julgador de primeiro grau, fazendo se assim uma abordagem da ideologia da jurisdição no tocante à possibilidade de recurso, o que é verificado nas próprias decisões judiciais. Ou seja, o precedente judicial, nesse caso, pode demonstrar a ideologia em relação à confiança no julgador de instâncias inferiores. Quanto ao conceito de precedente judicial, pode se entender como (SOUZA, 2008, p. 51), “[...] decisão de um caso tomada anteriormente pelo Judiciário [e que] constitui, para os casos a ele semelhantes, um precedente judicial.” Destarte, o precedente judicial está inserido em qualquer sistema jurídico que tenha decisões de órgãos jurisdicionais. Assim, é despiciendo se há ou não vinculação, até mesmo porque o precedente pode ser meramente persuasivo, servindo de paradigma para casos posteriores semelhantes ao decidido, ou vinculante, podendo se discernir os graus de vinculação. O que se releva é a verificação de que os precedentes judiciais existem em todos os sistemas jurídicos. É com esse viés que Michele Taruffo (1994), em sua proposta de teoria do precedente judicial, conceitua o precedente em função de quatro dimensões: dimensão institucional, dimensão objetiva, dimensão estrutural e dimensão de eficácia. É a combinação da análise dessas dimensões que pode fornecer uma definição do precedente em determinado ordenamento jurídico. Em relação à dimensão institucional, Taruffo aduz que a organização judiciária e o modo como as relações de autoridade que se dão dentro do Poder Judiciário são intimamente ligadas ao uso do precedente. Com isso, pode se classificar o precedente de acordo com essa relação hierárquica verificada. Nesta dimensão, classifica se a decisão judicial como: (a) precedente vertical, de uma Corte ou Tribunal Superior em relação a um inferior; (b) precedente horizontal, em relação a decisões de Tribunais de mesmo nível hierárquico; e (c) auto precedente, vinculação de um Tribunal a seus próprios precedentes. Já na dimensão objetiva, verifica se qual é a parte do precedente que deve vincular as decisões futuras, ou seja, o que será vinculante em casos análogos posteriores. Para isso, é mister 4 , o distinguir se entre elemento vinculante, e " , elemento não vinculante que pode ser, no máximo, persuasivo. A dimensão estrutural diz respeito ao número de precedentes referíveis, um ou mais, e a orientação dos mesmos, convergente ou divergente. Nesse aspecto, Taruffo (1994) elenca quatro hipóteses principais: existência de somente um precedente; jurisprudência constante (vários precedentes); 4 Saliente se que a questão do conceito de é controvertida, mesmo nos países do , havendo profundas divergências doutrinárias acerca do que seja a e de qual o melhor método para encontrá la. Há o entendimento de que a diz respeito a uma norma jurídica geral que vincula a decisão de juízos em casos posteriores semelhantes ao decidido, daí porque sua identificação é essencialmente relevante para a aplicação do precedente judicial. Quanto à forma de encontrá la, há dissonância entre a proposta de que se encontre nos fatos relevantes, como defende Goodhart (1930) ou também nas razões do juiz, como propõe Neil MacCormick (1987). Ainda, resta a problemática de se verificar o grau de vinculação da e, logo, do precedente. 75 precedentes contraditórios; jurisprudencial. e caos É pertinente pensar que o caos jurisprudencial implica verdadeira insegurança jurídica, pois quando há decisões tão dissonantes, de modo que decisões em quaisquer ou todos os sentidos sejam dadas, é que se verifica o que já se chamou de loteria jurídica (MUSCARI, 1999, p. 47 et seq.) tamanha a instabilidade e insegurança ocasionada no sistema jurídico social. Por fim, a dimensão da eficácia diz respeito ao grau de influência da decisão em casos futuros, distinguindo se em: grau máximo de vinculação, os precedentes vinculantes (" ! ); grau menor de vinculação, pois, embora se deva seguir o precedente, pode se dele afastar, contanto que existentes razões justificativas para isso, caso dos precedentes afastáveis ( " ! ); e os precedentes não necessariamente observáveis, os precedentes “fracos” ( # ! ). Embora os " ! tratem se de precedentes absolutamente vinculantes, cuja aplicação é, pois, obrigatória, isso não significa que se deve observar cegamente à decisão anterior, até mesmo porque se admite a revogação do precedente, ou , em casos como incorreção, injustiça, inconveniência (SOUZA, 2008; MARINONI, 2010, p. 111) ou, ainda, em caso de decisão ! , isto é, por desconhecimento da existência de um precedente judicial. Também se admitem, além do , outras técnicas de desvio judicial ( ! ), ou seja, afastamento do precedente judicial, como o , por meio do qual são diferenciados os fatos relevantes do caso anterior ( ), com relação aos do caso em julgamento (SOUZA, 2008). Segundo explicita René David (1996), com a técnica do fica cabalmente claro que a evolução do não está obstaculizada pela aplicação dos precedentes, sobretudo dos de caráter vinculante, de modo que a regra do precedente não é óbice maior à evolução do direito inglês que o é a codificação para países do sistema romano germânico. Contudo, o uso das técnicas do e do deve ser feito com cautela, já que, quanto ao primeiro, “[...] o uso indiscriminado do poder de distinguir pode levar a se duvidar, de modo geral, da real vinculação aos precedentes obrigatórios e, conseqüentemente [sic], levar à falência do sistema, o que, com certeza, não é desejado” (DAVID, 1996, p. 352). Igualmente há de se relevar, quanto ao , o princípio da proteção à confiança do jurisdicionado, o qual deposita expectativas quanto à decisão precedente, de modo que a revogação de um precedente judicial implica naturalmente a perturbação na ordem jurídica, no caso de sua modificação com eficácia retroativa (BUSTAMANTE, 2007). Dessa maneira, tem se claro que, muito embora a teoria do pugne pela aplicação obrigatória dos " ! , isso não é levado às últimas consequências, a ponto de comprometer a evolução do Direito. No entanto, também não significa o desaparecimento ou redução da vinculação desses precedentes. 76 569 ! : A nomenclatura jurisprudência vem do termo latino ! , sendo que no período clássico do Direito Romano, as respostas dos prudentes ( ! ! ), ou seja, dos jurisconsultos, ganharam caráter de fonte do direito. Explicita Athos Gusmão Carneiro (2005) que, no Brasil, a jurisprudência, consistente em uma sucessão de decisões judiciais – seja de um juiz singular, de primeiro grau de jurisdição, por meio de suas sentenças, ou os acórdãos de um Tribunal, em sua atuação em sede de competência originária ou recursal – com a mesma orientação, firmando certa tese jurídica. Para o referido autor, a jurisprudência tem importância na revelação do Direito, dado tratar se de uma sucessão de decisões judiciais interpretando e aplicando a lei em um mesmo sentido, não se constituindo a rigor, em fonte formal no Direito brasileiro, embora lhe supra as lacunas em casos concretos (CARNEIRO, 2005) e, por outro lado, também supre a inércia do legislador, renovando paulatinamente a interpretação das normas legais. Já Rodolfo de Camargo Mancuso (2005, p. 690) considera que a “[...] jurisprudência representa o entendimento − consensual, dominante ou sumulado − de um dado Tribunal, acerca de certa questão jurídica ou sobre a exegese de um texto legal [...]” e não se consideram ! $ , no sentido próprio do termo, as decisões de primeiro grau, por serem monocráticas, nem os acórdãos, quando isoladamente considerados, ou seja, emitidos em cada caso concreto, pois é necessária a reiteração harmônica, que caracteriza a corrente jurisprudencial, ou seja, a ! $ . Este autor ainda afirma que, embora não tenha caráter vinculante, a jurisprudência, sobretudo a dominante ou sumulada possui força persuasiva. Ainda, complementa que a jurisprudência pode ser vista de três modos: (a) no sentido comum, seria a “totalização do resultado final da %& do Estado”; (b) no sentido mais técnico, seria a sequência ordenada de decisões sobre uma determinada matéria em um mesmo Tribunal; e (c) num sentido reforçado, a jurisprudência seria o destaque da tese fixada na resolução de um determinado caso concreto “projetando efeitos em face de outras demandas, virtuais ou pendentes, assim projetando uma ' ! ( ! ” (MANCUSO, 2007, p. 130). Consoante considera Sidnei Benetti (2007), os precedentes que mantenham sentido estável formam jurisprudência. Para Michele Taruffo (1994), precedente e jurisprudência possuem distinção de duplo caráter: quantitativo e, como repercussão deste, qualitativo. Assim, quantitativamente, falar sobre precedente implica a referência somente a uma decisão, relativa a um caso particular; enquanto a jurisprudência diz respeito a uma pluralidade de decisões relativas a diversos casos concretos. Com isso, há implicações de ordem qualitativa, uma vez que, tratando se, como regra, de uma única decisão, é facilitada a identificação do precedente judicial, o qual é definido pelo julgador do caso subsequente, com base em fatos. Já a jurisprudência, como se trata de diversas decisões e, em regra, sem embasamento em fatos, gera o problema da existência de excesso de decisões e, não raro, destoantes, sendo até mesmo 77 frequente se observarem mudanças repentinas no posicionamento de um mesmo Tribunal. Esta distinção, além de muito coerente, mostra se com significativa pertinência com relação ao sistema jurisdicional brasileiro. No entanto, além dela, deve se considerar outra diferença entre precedente e jurisprudência, ao menos no direito pátrio, em que a jurisprudência tem apenas caráter persuasivo, enquanto nos países de o precedente pode ter caráter persuasivo ou vinculante, bem como variam os graus de vinculação do precedente judicial. Esta diferenciação, contudo, merece ser vista com cautela atualmente, pois, com novos institutos (ou, quiçá, retomada de antigos), como a SV, a vinculação ou não deixa de ser diferencial. De toda forma, a distinção estabelecida com base no critério quantitativo – com a consequente distinção de ordem qualitativa – é satisfatória e, neste aspecto, tem se que uma decisão constitui um precedente e a reiteração de decisões no mesmo sentido, jurisprudência; ressaltando se a possibilidade de haver reiteradas decisões em um e outro sentido acerca do mesmo tema, o que ocorre comumente em nosso país, tornando necessários instrumentos de uniformização de jurisprudência. Neste sentido, a iniciativa de criar súmulas, especialmente as vinculantes, passou a ser vista como possibilidade não apenas de se fixar uma orientação jurisprudencial constante, como também evitaria a rediscussão sobre matérias pacificadas, desafogando o Poder Judiciário, já excessivamente atarefado, propiciando maior eficiência e celeridade, bem como atenderia aos princípios da isonomia e equidade, dando a mesma solução a causas iguais (FUX, 2007). 56; O termo súmula, do latim, cujo significado é sumário, restrito, é o resumo de casos semelhantes decididos da mesma forma (BUZANELLO; BUZANELLO, 2007). Considera Arthur Mendes Lobo, na esteira de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, que as súmulas dizem respeito ao conjunto de teses jurídicas traduzidas em verbetes sintéticos, revelando a jurisprudência reiterada e predominante do Tribunal (LOBO, 2007). Assim, pode se falar da súmula como uma sinopse da jurisprudência, demonstrando a orientação jurisprudencial do Tribunal que a emite ou, consoante disposto no Art. 102 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, a súmula daquele Tribunal é o compêndio de sua jurisprudência assentada. Nos moldes como foi elaborada, a SV é um mecanismo inovador, entendida como resultado da intersecção de dois sistemas, do e do (SOUZA, 2008), sendo considerada também como a transposição do controle concreto difuso de constitucionalidade para o controle abstrato concentrado, pois transpõe se a decisão de um recurso extraordinário, por exemplo, para que se tenha o efeito vinculante próprio do controle concentrado (TAVARES, 2009). Pode se dizer que ela é a ampliação dos efeitos de decisões com caráter ! , ou ainda com certa eficácia 78 limitada5, para uma decisão enunciada em uma súmula com caráter vinculante geral, muito embora não se pretenda neste breve escorço teórico ingerir se na discussão acerca das implicações em termos de constitucionalidade desse instituto. Pondera Cândido Rangel Dinamarco (1999) que no , a força vinculante dos , ou , propicia a quádrupla vantagem expressa nas palavras ( % ( ( ! " Apesar de a proposta desse autor se voltar à ! ! , mais ligada às premissas das – uma vez que, acompanhando Kazuo Watanabe, entende que o juiz moderno não manipula exclusivamente casos individuais ( ) , na linguagem deste), mas também os que envolvem parcela significativa da sociedade, por serem capazes de provocar ! –, vê na súmula vinculante uma alternativa à inadequação de uma insistência pela tutela individual, fragmentária e contraditória, em tempos de coletivização da tutela jurisdicional, no contexto de uma sociedade de massa como a atual. Ainda, Dinamarco (1999) enquadra a SV em um plano intermediário entre o abstrato da lei e o concreto das decisões em casos reais; com o que se concorda, ressalvando se que a súmula é dotada de caráter normativo, pois portadora de normas específicas em relação às 5 Nesse sentido, as Súmulas Vinculantes 2 e 13, que provieram de ADINs com eficácia limitada. Na primeira, as ações eram restringidas pelo fato de serem contra leis estaduais; e, na segunda, por serem referentes apenas ao Poder Judiciário, e que ganharam eficácia vinculante pelo processo de criação da súmula vinculante. normas mais genéricas e abstratas contidas nos textos vindos das fontes normativas ordinárias. O que se percebe em relação à diferença do sistema do é que o precedente resulta do julgamento de um caso concreto, não havendo necessidade de reiteradas decisões. A Corte, nesse sistema, apenas julga determinado caso e, somente isso, já é motivo para que as demais Cortes inferiores sigam aquela orientação firmada no caso precedente. Nesse sentido, verifica se que a SV possui grande similitude com os " ! no sistema da , pois, como estes, cria norma, extraível da ; e, igualmente, pode a súmula vinculante ser revista (como o daquele sistema) ou cancelada (de modo semelhante ao ). Entretanto, a SV tem a peculiaridade de partir de um lado de uma lei escrita, passando por diversos casos julgados acerca da mesma questão de direito, resultando em um enunciado – cuja observância é compulsória – com caráter de abstração, generalidade e obrigatoriedade, tal como as normas jurídicas, no entanto, emanada pelo Poder Judiciário, e não pelo Legislativo, como o princípio da separação dos poderes faria pressupor. Dessa forma, concorda se com Mancuso (2005) quando este assevera que a súmula está em um passo intermediário entre jurisprudência e lei, sendo um , em verdade, um misto de norma e decisão judicial. Entende se, assim, haver autorização para se falar de uma norma jurídica judicial (COL; SOUZA, 2009). É desse modo que se aprecia a SV como um instituto , tendo se em vista que se mostra como misto de 79 jurisprudência, em razão da exigência do art. 103 A da CF/88 de reiteradas decisões em matéria constitucional, o que quantitativamente transcende uma única decisão, e, ao mesmo tempo, guarda características do precedente judicial, devido à vinculação do " ! , já que tem caráter cogente em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública Direta e Indireta. Assim, a despeito do que já se considerou acerca da diferença qualitativa do que se entende por precedente no sistema do e da jurisprudência do , deve se analisar a diferença e consequente importância que a própria fundamentação de cada decisão tem na elaboração da SV, assim como pesquisar o modo de elaboração de uma ou várias decisões que se tornam vinculantes. Ou seja, deve se verificar a diferença da qualidade da fundamentação da jurisprudência do e do , fazendo se, desse modo, uma perquirição acerca do que efetivamente seria obrigatório seguir. Logo, remanesce o questionamento sobre o que vincula na SV, se é somente o enunciado ou todas as decisões tomadas anteriormente à enunciação da súmula. E, no último caso, pareceria, então, que o que vincula é a posição dada pelo Supremo nos casos decididos no mesmo sentido e não apenas o que está inserido no enunciado sumular sintetizador, tendo se, assim, a declaração do exaurimento da jurisdição. Esta última hipótese parece ser a mais coerente, de modo que é vinculante não apenas o enunciado sumular, mas todas as decisões com julgamentos reiterados que ensejaram a enunciação da SV respectiva. 9 < 34 = , << Apesar de se constatar sua natureza , tendo se em vista que a SV compartilha de características do precedente judicial, entende se viável sua classificação por meio do emprego da teoria do precedente proposta por Michele Taruffo (1994). Desse modo, tem se que: a) Na dimensão institucional, a súmula vinculante é um precedente vertical, ou seja, é uma decisão emanada de uma Corte que está no vértice da jurisdição do país, pois é uma Corte Superior em matéria constitucional; b) Na dimensão objetiva, deve se analisar qual a parte da súmula vinculante que realmente tem efeito vinculante, nos termos do Art. 103 A da CF/88, não ficando apenas naquilo que está disposto em seu enunciado, mas também considerando as reiteradas decisões que serviram de apoio para a sua criação, definindo se, assim, qual a norma jurídica judicial do caso discutido; c) Na dimensão estrutural, é mister se diferenciar o momento de criação da SV, momento este em que é necessário que haja jurisprudência constante, constitucionalmente exigida pela expressão “reiteradas decisões” insculpida no Art. 103 A da CF/88, como forma de se garantir que a posição adotada no enunciado sumular seja a posição do STF a respeito do tema. Insta ressaltar, ainda, a possibilidade de haver um precedente determinante no momento de criação da SV, ou seja, uma decisão que seja a norteadora da posição do Supremo; d) Por fim, na dimensão da eficácia, a SV pode ser classificada como um 80 " ! , ou seja, um precedente vinculante, também chamado por alguns de super precedente (GERHARDT, 2009), pois o seu entendimento deve ser seguido nos casos análogos seguintes. Contudo, cabe se ressaltar a necessidade de que o caso seguinte seja análogo ao decidido, pois, de outro modo, poder se á lançar mão de métodos de diferenciação ( ) para não se aplicar aquele entendimento sintetizado no enunciado sumular. ; 37 < Ante o exposto, nota se um contexto de valorização do precedente judicial em nosso país – embora este tenha tradição jurídica filiada ao sistema romano germânico – o que pode ser confirmado pelas recentes reformas legislativas que apontam no sentido de se ampliar a magnitude e efeitos das decisões judiciais. Neste contexto surge a SV com a EC nº 45 de 2004, posteriormente regulamentada pela Lei nº 11.417 de 19 de dezembro de 2006, como um instituto influenciado pela teoria do precedente judicial. O precedente judicial é instituto típico do sistema jurídico do e refere se às decisões judiciais tomadas em casos concretos que vinculam julgamentos futuros de casos semelhantes ao decidido. Não obstante, podem se notar diferentes graus de vinculação, sendo os " ! os precedentes absolutamente vinculantes e, logo, de seguimento obrigatório. O instituto da SV, igualmente dotado de caráter vinculante, possui, contudo, também certas características da jurisprudência, cuja formação resulta de diversas decisões no mesmo sentido, já que se exigem para a edição da SV reiteradas decisões. Não obstante a SV compartilhe de ambos os institutos, pode se diferenciar precedente e jurisprudência por dois focos distintos. O primeiro, em relação a uma ordem quantitativa, indica que há uma necessidade de uma pluralidade de decisões no mesmo sentido para a formação de uma jurisprudência, enquanto que somente uma decisão é necessária para a formação do precedente, ou seja, a referência à jurisprudência é uma referência a vários casos similares julgados do mesmo modo, e ao precedente é a um único caso paradigma. Essa diferença de ordem quantitativa tem um desdobramento de ordem qualitativa. Considera se que, por ser o precedente apenas uma única decisão, fica facilitada a identificação do mesmo, o que não ocorre com a jurisprudência, pois, com a existência de várias decisões em casos assemelhados, não se pode ter a certeza de quais fatos foram devidamente julgados nas várias decisões judiciais, as quais são não raramente dissonantes, que formam o corpo da jurisprudência. No que diz respeito à SV, surge o questionamento acerca do que efetivamente vincula: se tão só o enunciado sumular ou também as decisões tomadas anteriormente. Considerando se que o enunciado sumular apenas cristaliza o entendimento do Supremo acerca de determinada matéria, servindo de elemento que tende a pacificar divergências e uniformizar a atuação do próprio Poder Judiciário e da Administração Pública direta e indireta, infere se que não apenas o enunciado sumular, mas todas as decisões anteriores são vinculantes. Ou seja, no 81 mais das vezes, a SV é apenas a declaração da jurisprudência dominante do Tribunal e do consequente exaurimento da jurisdição até o momento, ressalvadas a possibilidade de se mudar o entendimento ou a necessidade de se alterar a posição estabelecida, devido a modificações que possam surgir na sociedade. Finalmente, embora se trate de um terceiro gênero, misto de jurisprudência e precedente judicial, e, ainda, de norma jurídica e decisão judicial – daí falar se em norma jurídica judicial– a SV pode ser classificada, à luz da teoria do precedente judicial de Taruffo, como sendo um precedente vertical, que tem como base vários casos concretos decididos no mesmo sentido, e que deve ser seguido por todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta, não apenas quanto ao que está disposto no enunciado sumular, mas também quanto àquilo que foi constantemente reiterado pelo Supremo em suas decisões anteriores. < : BAPTISTA DA SILVA, O. ! 8 # O paradigma racionalista. Rio de Janeiro: Editora Forense, 20066 BENETI, S. A. Doutrina de precedentes e organização judiciária. . , São Paulo, v. 246, p. 319 340, set./dez. 2007. BUSTAMANTE, T. R. / – o peso da jurisprudência na argumentação jurídica. Tese (doutorado), Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. 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