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% THE
UNIVERSITY
OF
ILLINOIS
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MEMBRO D ARCDIA ROMANA E DACAOEMIA CEARENSE
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Cnego Ulysses de Pennafort
MEMBRO D'ARCAOIA ROMANA E DACAD^IA CEARENSE
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(O EREMIGOLA)
ROMANCE INDO-BRAZILENO
NEONTOLOGICO E NATIVISTA
IPIJ0TECA
AMERICANA
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Louis
C. Ciiolowieeki
EDITOR
Typ. Moderna a Vapor
Ateliers Louis
CEARA'
1901,
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IBOPJ
A annos atraz o illustre escriptor
lusitanoPinheiro Chagas, de sau-
dosa memoria, disse mais ou menos
*^f
o seguinte nos seus Ensaios crti-
cos :
facto
que se repete constantemente, denuncia a
(l) o Naturalismo no Drazil, por Adherbal de Carvalho.
%:"*^^'
J'^-^- r
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- -^''r'.-'"^'^
r-:
existcncia de uma lei,3L qual estreitamente
se
liga a contextura do espirito da terra,
do
espirito nacional.
Em face, pois, do sentimento que nos
inspira esta terra
,
onde a vida se multiplica
como porem encanto, no podemos no de-
vemos e no queremos escrever seno sob
a impresso desta natureza gigante, a na-
tureza indigena, a natureza propriamente
dita bra\ilena.
O filho dos. trpicos deve escrever numa
linguagem sua prpria, deve ser indianista
por ndole, e mesmo por birra; o seu estylo
deve de ser suave e mel li 11 uo como o gorgeio
de seus pssaros; doce como o
nctar dos
seus fructos; magestoso como a densido
das suas mattas; ardente como o sol que o
abraza; soberbo como o phenomeno das
prrcas... inebriante como o perfume
das suas flores.
VI
' -
".|
Aqui n'este solo de magia onde a gyba
enrola-se em immensos espiraes nas sapu-
pmas das grandes arvores; onde ojaguar
e o tapyra se esgueiram rugindo no seio das
brenhas; onde a baunilha e o cumaru der-
ramam no ether os seus olores,- onde os rai-
os do sol porpuram as extrema^ do co; on-
de o nanaz, a mangueira
e o puruman
convidam os lbios resequidos a saciarem a
sede nos seus deliciosos fructos; onde s se
ouve os trinados e as abemoladas prolaes
do terno guirchu, o canto argnteo do
lindo gaturamo, o estridente echo d' ara-
ponga a voz do ledo
Jabiru,
a endeixa da
triste
7
wrz//y, o silvo da \erde aracary; o
som cavo do jacamim, os magos hymnos
e as torrenciaes cadencias do japym, que
domhia os nossos sertes; n'esta terra onde
tudo
grande excepto o
homeiniudiO se
deve escrever seno epopeas como as dos
i-'c.-y-*t- t vi-;- i.-*^.' -*-. -^ - ,^.--^'fe"-
Jj-r.i :r---v?^^^^^
S^^Sfr^i^i^^W'-
'
VII
Tamoyos, do Caramur, do Uruguay,
o Evangelho nas selvas; seno romances,
como os do Gwzranje Ubyrajara^
emfim,
estes conjunctos d'hoimanias indizveis?
onde em magnificos relevos vem debuxados
Qs nossos costumes, os nossos homens, as
nossas cousas, os nossos nomes, a nossa
lingua, o nosso tudo.
O illusti^adoDr. Silvio Romero foi o nico
indianista, que depois do divino Alencar
teutonicamente advogo:, a emancipao
litteraria com referencia a velha metrpole
lusitana, que s nos manda agora poemas
d'esphacelolaia dos de Guerra e Fernando
Leal, e romances d'alcouce bohemicamen-
te realistas, verdadeiros cataplasmas litte-
rarias manipuladas pelosEnues, Ortig-
es. Bragas, Conceies Eas eGallis... et a-
libi aliorumreferidos no novo methodo
do
auctor da
Corja e dos
Vulces de Lama.
W wm
rtWHMM
W^M
m
VIII
V
o Dr. Romero com
admirvel lucidez e
espirito critico disse; que a superioridade
litteraria que o velho reino suppe ter sobre
ns meramente occasional e apparente. O
que elle possuo um poucochito mais de
espirito litterario proveniente de sua maior
coheso social que por seu turno, um re-
sultado todo negativo por ser filho da es-
treiteza do paiz.
na sua conferencia
feita na faculdade de direito de S. Paulo,
por occasio do Centenrio do venervel
Padre Joseph de Anchieta. Narrando a vida
do grande Apostolo de
Piratininga e funda-
'v'
^;^
'---''^**;^^*^ _-T?--"^'?:
m0^---
m-J'
XVII
dor de S. Paulo disse aquelle notvel es-
criptor americano: As creanas (indiati-
cas) seguiam pela vereda da converso em
contacto com os filhos dos colonos, sujei-
tos mesma disciplina e aos mesmos des-
velos, abrindo o corao dcil s virtudes
e os olhos curiosos claridade
;
e por vezes
se transformavam em pequeninos missio-
nrios, acompanhando os padres nas en-
tradas do serto. Vid. Cent, Anch. III,
pg.
68.)
Em i5BS, annos em que o sublime An-
chieta civilisava o Brazil escrevia elle a
propsito dos selvcolas brazilenos : Os in-
dios comprehendem jnuito bem a doutrina
christan e os mysterios da f,
e
sabem estas
cousas /o bem ou melhor qv^e, muitos por-
/w^z^e^e... perseverando no jugo da lei de
Deus, cora muito 7nenos peceados que
elles.
y>
{Infor,
e
fragmt. histricos do
XIX
prime na testa o signal da cruz e brada:
Fazei tod<)s este sangaua que Pahy-An-
ki nos ensinou e com elle confiados com-
batei. (Vide Monumentce Hist. S. J. Fase.
33)
os highs-lifes, os
fals-
taffs,
os meetings, as kermesses, pick-
nicksj soirs, toilettes, bouquets, coque-
tes, desserts, e outras pateguices com
que os nossos xacocos grammatiquistas pre-
tendem aformosear a sua lingua.
Seria convenientssimo que no Brazil
conservssemos
e reivindicssemos as nos-
sas prestinas denominaes indo-ameri-
canas, no s porque tornam mais intelligi-
vel a historia do paiz em que nascemos,
como tambm porque assignalam idas e
'-
y.r^sM^M^ii-pxf^-
-f-'^^
,
-:;:&rcjg^5a;
^T^j^^- z^afefe
XXIV
stios permanentes
da regio, e no se amal-
gamam com os bilhostres
que
vemos es-
parrinhados como enxerto
divaricatiis
no
mappa-mundi.
(\)
No emtanto muitos bra:{il-eiros
(!)
vo-
tam
ainda hoje suprema agersa a tudo o
que he da nossa ptria ! Desprezam tudo
quanto brazileno, procuram mesmo com
dio infernal apagar lngua, nomes pr-
prios, alimentos, cfena>, tradies e h-
bitos do continente americano de onde so-
mos filhos !...
A' esses bugres
follicularios, estes es-
pritos bramicos, ignaros e prfidos, esses
miseros loucos, cujo programma o insul-
to, cujo methodo a invectiva, cuja critica
(1)
No Par s conBeguimos reivindicar por nma lei esta-
doal,o nome de Maracanan, depois de um anno de lucta re-
nhidssima.
.j^-^*,-
XXV
o ridculo cr dazebre e do kauin a esta
mitrada claque lettrada, aos semi-sabiose
ignorantes fanfarres que de tudo escarne-
cem, s podemos applicar-lhesos seguintes
versos do sublime e grande pico lusi-
tano :
Brazilezes
Muitos traidores houve muitas vezes ! ..
.
Arabutan, 23 de Janeiro, 1901.
BBaBBfiaaoiBBBa^BiMi
^m
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O
EREMCOLA
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-"35*^1;''^^
:, ^M^s^Slisti^fea^
CAPITULO I
KAPUAM-TAPRA
Y^Vesde
a edade de i3aiinos que o indiu-
q?^-psinho Mandu' tornara-se Ermicola.(l)
^Al^A Residia em uma gruta sombria que
a natureza havia cavado na rocha bruta atra-
vez d'uma Ibia-paba deserta e escabrosa ...
Consistia toda a sua oba
(2)
era um longo teci-
do de maniucba pardo e grosseiro atado por
muulmanas
ou cintas d' algodo, nas quaes
via-se pendente a sua afiada e bigume bra-
kanga
(3).
Por sapatos trazia palmilhas de mu-
(1)
Em a nossa lingiia materna ou autochtone esta palavra
eremicola pode-se exprimir jielo vocbulo tupy Capora, isto
,
habitante de um logar determinado em consequncia de
sua prpria natureza ou cm virtude de uma causa superior*
(2)
Oba, palavra guarany que significa roupa em geral:
(3)
Braa-/{an(a,arma cortante, feita de madeira ou pedra.
i-
MANDU'
tutys
(1)
amarradas aos ps com fortes embi-
ras.
A sua alimentao diria constava de pei-
xes, aipins, mangaritos e ervas silvestres,
nunca mais comeu po. Ajenas durante o
tempo paschoal gostava alguns sopis ou ovos.
colhidos aqui e alli d'alguns ninhos de pssa-
ros.
A nica bebida que humedecia seus rese-
quidos lbios era a fresca e cristalina agua
que mamava do ygarap do Itagua
(2);
uma
esteira de
ubf
lhe servia de cama.
N' aquelle ermo as vezes s tinha por hos-
pedes as aves aquticas e alguns amphibios,
que tambm lhe serviam de forado alimento.
Por este simples esboo o leitor vir talvez
a formar d'este pequeno uma ida bem extra-
vagante; e accusar sem duvida de loucura
seus pais pelo facto de no haverem impedido
esta creana de adoptar e seguir uma maneira
do vida to extica e extraordinria.
Entretanto esta censura seria inteiramente
injusta, e seus censores vr-se-hio obrigados
a retractar-se, como acontece quasi sempre
quando se julga sem base uma cousa ou um
facto antes de bem conhecel-o.
(1)
Mututy, cortia.
(2)
llagua., rochedo, penedo, penha, ilha rochosa.
&,
O procedimento do pequeno Mand foi raci-
onal e correcto; seus pais no podiam repre-
hendel-o por isso.
Esta mesma vida solitria fel-o homem sa-
bio e virtuoso, um homem cuja piedade e
amor do prximo difficihiiente poderiam en-
contrar rivaes.
Esta historia pareceu-nos pois digna de
ser narrada mocidade estudiosa.
Ontologicamente falando esta porandiiba
indiana nos demonstra bem qne o principio
da razo sufficiente o primeiro principio
das verdades contigentes, e que mediata e
syntheticamente por elle chegamos ao conhe-
cimento das verdades necessrias.
Por ella egualmente chegaremos a conhecer
que se o ente contigente existe, sua existncia
depende do Ente necessrio, eterno, immenso
e nico.
Ella atrahir certamente a admirao de to-
dos pela serie de acontecimentos que move-
ram o nosso here a abraar este gnero de
vida to singular eprecario.... Os pais do jo-
ven ndio haviam recebido dos seus antepas-
sados uma educ'ao verdadeiramente religio-
sa e chsist,e por tanto, exercitavam em alto
gro as virtudes da religio de Jesus, aqual
lhes houvera sido pregada pelos Missionrios
:.-'(?.i
>-^;^;^fis---??
rX
-
y^'->'i^^c^F^^^^^^^-W
MANDU^
Jesutasos sublimes Apstolos da caridade
evanglica, os divinos Piagas d' amor! Tive-
ramos pes de Mand sete filhos cujo
primo-
gnito tornou-se a figura obrigada e mono-
lgica d'este conto indo-brazileno.
O pai e a mi empregavam todos seus esfor-
os para sustentar e educar convenientemen-
te a sua prole no santo temor de Deus.
O pai, chamado Thom, cultivava seu lindo
prado; plantava sua roa com tanta actividade
c
intelligencia que mesmo durante o vero
nunca lhes faltavam po, leite efructas em
abundncia.
Criava tambm com muita pericia e bom
oxito cortios d' abelhas. Era alem d'isso ex-
cellente e hbil cesteiro, e seus filhos o ajuda-
vam n'esses mysteres, ja nos trabalhos da sua
Yhatyba (i) ja nos amanhos das fibras dos gua-
rumans para a confeco dos pancuns, ces-
tos e canastras. O infadigavel Thom auxilia-
va quando podia a um s6u visinho de nome
Felippe conhecido por alcunha o Poty ou Po-
tyrna, grande pescador de sua taba, em cuja
companhia ia sempre para o mar afim de pro
visionar-se dos gneros alimentcios, e nutrir
sua boa famlia durante a estao invernosa.
(1)
ybayba, campo de lavoura, gleba.
:,~^'Sm
fe\*"^
'
'
'
rr
Sua mulher de nome Valerian cuidava no
arranjo da casa, e quando lhe sobejava tempo
batia o amanaj,{i) e tecia os fios para o fabri-
co de suas maket^as;
(2)
emquanto as suas fi-
lhas preparavam e cosiam ao lume lindas e
multicores Igaabas, camutjs, e alisavam e
pintavam cuyas com o sumo extrahido do
cury
carajuj^s e urucih.
De modo que seus filhos estavam sempre
occupados, e assim prosperava maravilhosa-
mente esta interessante, virtuosa e rude pro-
gnie.
Porm o maior cuidado, o empenho destes
bons e extremosos pais consistia em criar a
sua prole consoante as mximas da religio
christn; porque entendiam elles que a me-
lhor herana que se pode legar aos filhos dar-
Ihes uma boa e solida educao.
Mand, curumim esbelto e formoso, era por
assim dizer o predilecto de seus pes; dotado
d'uma prespicaz intelligencia, sagaz e ladino
em tudo que emprehendia. muito dado ao tra-
balho, de maneiras attrahentes e obsequiosas,
Mand mostrava-se sempre prompto a prestar
qualquer servio que lhe fosse exigido.
Sabia grangear o affecto,a vontade de todos
(1)
Amanai, algodo.
(2)
Mafeera, rede.
-y:'..'''-M--r^i
8
MANDU
OS visinhos; apesar de rude e arrebatado para
com os seus irmos menores amava de veras
a sua irman mais velha Myrba
(1).
Tinha um aspecto elegante, uma figura gar-
bosa, um semblante meigo e risonho. Seus
olhos vivos e penetrantes, suas sobrancelhas
bem arqueadas, seus bastos e compridos ca.
bellos davam a physionomia uma grande ex-
presso de fino trato;alem d'isto a sua guarina
(2)
de destro remeiro, de cr azul-piranga
como as pennas d^Arary, a qual consistia em
uma pequena tnica que lhe fora dada de pre-
sente por Thomaz, famoso caador; esta lhe
emprestava um certo ar de ente de razo, que
s parece existir no espirito ou na imaginao,
e ao mesmo tempo revelava nelle o porte bi-
zarro e herico d'umjoven guerreiro tupy.
Thomaz era padrinho do indio Mand
quem elle amava muito e fazia todo o bem pos-
svel. No obstante estas qualidades do joven
indio, de ser intelligente, laborioso e amante
de seus pes, tinha todavia seus defeitos. Era
bastante pertinaz, zangado, travesso e muito
teimoso, sobretudo quando algum o contra-
riava; queria sempre ter razes, e gritava logo
(1)
Myriba, no bello idioma indo-brazileno um nome pr-
prio de mulher, que significaBarbara.
(2)
Guarina, nome guarany, significa gibo, vestia, jaleca.
irr^-
em sua meia lingua,c5! xrnondeirrasae-te
d' aqui!
Seus pes muitas vezes foram obrigados a
uzar de rigor no intuito de corrigil-o e fazel-o
entrar n-j orbita de seus deveres; exercia gran-
de dominio sobre seus irmos menores, e
quando estes recusavam prestar-lhe obedin-
cia, ralhava com elles asperamente, batia o
pe dirigia-lhes palavras duras e pesadas.
A este caracter ardente e imperioso que o
tornava algumas vezes insupportavel reunia
ainda um outro defeitoo de comer sobrepos-
se.
Como tinha por costume ir comer em casa
de seu padrinho, no mais se contentava com
a comida simples e frugal que seus pes lhe
davam; elogiava quanto podia as iguarias da
meza do padrinho, e falava sempre mal e com
desdm dos alimentos que tomava em casa dos
velhos ndios; assim contrariado, irrequieto,
pouco se lembrava de dar graas a Deus pelos
benefcios que d'elles recebia quotidianamen-
te.
Quando seus pes reprehendiam-no por
causa d'esteseu mau humor, ento se arrepen-
dia, chorava e
promettia emendar-se; mas lo-
go depois cahia nas mesmas faltas. Bastante
magoados e pungidos ficavam os coraes dos
ES^^^^^^^i^Bi
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l*--^^ j. , ;
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J.i , i^ . .. ,
^^-
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"-
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*--.-- "
Man'
d Mand,toma tento; olha que o bom Deus te
pde castigar. E bom ser, que assim succeda,
para que aprendas na escola da adversidade
a seres para o futuro um homem de bem.
Mand pelo grande respeito que a pessoa do
seu padrinho lhe incutia nada ousava retorquir
a ssuas admoestaes, e tratava de retirar-se
mudo e quedo, um pouco confuso para debai-
xo d'um ramalhudo jatob onde elle costuma-
va esconder os objectos dos seus jogos infantes,
as suas ttias...
Do pincaro da montanha em que estava si-
tuada a casa de Thom, a vista se expandia
livremente sobre um immenso e magestoso
paranan...
Uma ilhota que de uma das janellas do outo
da casa se lobrigava, apresentava de longe um
panorama soberbo
e encantador.
Esta ilha toda guarnecida de arvores de va-
rias espcies, e de frondoos arvoredos, de
n-wt
^
jgj^iWJ
-
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rr_- -ir-
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?wi-ni? j^s^jr''
-S":,?*"'%.'-'^-
U
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l-J
ULYSSES DE PENNAFORT ii
lindos arbustos, de esbeltas e delgadas palmei-
ras ostentava a mais rica e a mais bella paisa-
gem que imaginar se pde ! Esta verdejante e
pittorerjca ilha era denominada pelos indge-
nas:
Capuan- Tapera,
{{)
por ter sido ha
muito tempo abandonada pelos seus antigos
habitantes; o pai de Mand tinha por costume
ir l de vez em quando tirar talas de guaru-
mans e outras fibrillas medullares de bromeli-
as, jacitaras e piaabas para a fabricao de
cestos, patus e urupmas.
Mand havia
j
completado treze annos, e
nesta idade julgava-se apto para ajudar ao pai
a manobrar o yacMwaw
(2)
e a fazer talhas de le-
nhas nas mattas visinhas, e por isso se offere-
cia logo para acompanhal-o em suas excurses
martimas, mostrando-se sempre prompto,
contente e folgazo se por ventura o pai acce-
diaassuas ancis, lamurias eimpertinencias.
Um bello dia disse-lhe seu pai;
Olha Man-
duca, se amanh fizer bom tempo e o mar esti-
ver to calmo e bonanoso como hoje, ns ire-
mos bem cedinho quella ilha... l... acol...
A ouvir esta nova o pequeno indio no cou-
be em si de alegre, e batendo palmas saltava
(1)
Kk, mato, puam, redondo, aua-ra, abandonada, ilha
composta de capoeiras, outrora cultivada.
(2)
Jacuman, remo
-*^o
e pulava como a gazella ferida pela uybcf
ou
a setta hervada do destro caador.
No cessava de narrar este facto aos outros
curumins, c a tal ponto impressionava-se cora
a ida da viagem em canoa que toda a noite
levava a fazer os seus preparativos itinerrios.
No deixava mais ningum socegar em casa;
ora tirava o peixe do moquem, ora muchama-
va a linha do anzol.... remexia o atura
(1)
de
mandioca.... e no descansava emquanto no
levava o costumado ralho da sua me nun
gara:
*S!c9J!:=K
-"ir,_jj,-i>I^ c -r^igjrr^T"- v-^-j-^^y^ *~
ULYSSES JDE^JENNAFmX
13_^
pai para o porto todo o accessorio da viagem,
e isto fazia cantarolando, assobiando com gran-
des corrupios e ademanes indescriptiveis, s
prprios d' um
saguim do Brazil.
Embora no fosse longa a viagem,
todavia
esta pequena expedio exigia um
provisiona-
mento mais que ordinrio; pois assim insta-
vam os rogos de sua mi, que lhes fazia lem-
brar a vez passada em que um temporal cahin-
do de repente sobre a sua montaria havia for-
ado Thom e Miriba permanecerem trs dias
consecutivos na ilha; onde estiveram quasi a
morrer a fome por lhes haver faltado os man-
timentos necessrios para a sua subsistncia.
Eis a razo porque a sua ba e previdente
mame alem dos temperilhos,
saquena-kitan, e
tembis
ordinrios addicionou mais um pacote
de pit^a-hem,
(1)
arabs,
(2)
um frasco de leite,
um panirinho de farinha de typioca, um ca-
motim de agua fria, e mandou tambm para a
canoa uma igaaba, uma cambocy, uma tigel-
la, duas colheres e uma cuia, caso quizessem
tomar o seu xib ou a sua refrescante ticoara;
fel-os levar tambm um felpudo e grosso co-
bertor de amanaj ou algodo para se embru-
^e-sS.
(1)
Pirhen, peixe secco.
(2)
Arab, po de mandioca, e tambm ovos de tartaruga.
-
Irharem quando por ventura sentissem dema-
siado frio na ilha tpra.
O caminho do porto em que estava a ygarit
presa no mar
(1)
fincado em uma elevada gua-
rpiranga era circumdado de arvores visto-
. sas, ladeado debonitas larangeiras e beribs...
fazendo contraste com um lindssimo caraman-
chel de trepadeiras onde se balouavam as ro-
xas flores do maracuj, que debruadas se en-
trelaavam com os nodosos troncos seculares
e as moutas verde-negras que nasciam descui-
dadas a borda do cape-, do outro lado via-se um
pequeno canteiro repleto de mimosas e varie-
gadas flores, cuja graciosa miniatura vegetal
bem indicava a simplicidade do viver selva-
gem
;
os leques cabidos das palmeirinhas em-
butidas nas hasteas dos tucuns e assahys da
vam um sombreado ameno e agradvel aquella
tendaba.
(2)
Era por esta avenida entapiada de relvas-
floridas e de capim verde-claro que a interes-
sante mitanga
(3)
correndo e cabriolando co-
mo a suam[k)
no escarvado do teso levava
(1)
A/arvarejo.
{1}
Tenda.no, nome tupy, sitio, logar, paragem.
(3)
Mitanga, nome tupy, creana, pequeno,
(i) Suaum, nome tupy, veado, cabra, gamo.
s^^^^^^^^^^^;^^*;^*5^
lv \m%
ULYSSLS DE
PEiVXAFORT
___}^__
para o
Igaropaba
(i)
os objectos a cima des-
criptos.
Mand depois de haver trazido para a ygari-
t todos os seus adereos de viagem, lembrou-
se do chapu novo de palha de carnaba, que
seu payangaba
(2)
lhe havia dado de mimo e
sahiu em desfilada para casa em procura d'el-
le.
Ao voltar encontra ja sua irm Miriba que
lhe offerece um arcoya ou diadema formado
de lindas e multicores pennas de diversas aves.
Uah!..mana!eu no quero isto agora,guar-
da
para mais logo; prefiro antes que me ds es-
ta
bonita fita encarnada que tens presa as tran-
as do teu cabello, e sem mais nada
esperar
desata-lhe o lao e colloca a fita com a maior
sem
ceremonia em roda do chapo,
atando-lhe
as pontas, com
agudos espinhos de
famar-
ca.
(3)
Miriba no resistia ao acto do irmo aqum
muito estimava e contentou-se em pespegar-
Ihe dous suaves empuches de orelhas.
(1)
Igarupaua, nome tupy significa porto.
(2)
Payangaua, padrinho.
(3)
Pequeno arbusto, chamado tambm mandacaru, cujo
ructo comeslivel e cujos espinhos ua roa servem de alli-
netes e substituem-os perieitamente nas almofadas destinadas
textura das rendas.
'^-vf.t:__
-'-
16 MANDU
N'este comenos uma voz grave e sonante
fez-se ouvir bem forte l do porto... Era Thom
que gritava pelo filho.
Oh! Manduca, traz d'ahi esses
paneiros...
Paia,lhe perguntou Mand:
para que
nos serviro esses paneiros l na ilha ?
No sei,faze o qu te ordeno e mais tarde
sabers para que levo estes uruacajis..{\)
Os
designos da Providencia so infinitos e inex-
crutaveis. D' alli mesmo onde estava, o peque-
no ndio foi de corrida buscar os paneiros e
veio
collocal-os em baixo da tamacarica ou
tol-
da
da
canoa.
Na hora da partida Thom depois de ter
abraado
sua esposa e lanado a beno a seus
filhos, despede-se tauibem de alguns visinhos
que tinham vindo assistir ao seu embarque e
faz-se de largo ao alto mar com o indiosinho.
Ainda bem no havia dobrado a ponta
do pri-
meiro estiro,
quando de longe ainda
soam
aos
ouvidos dos dous
intrpidos nautas
os echos
saudosos da
familia e
anat?ias{'2) que lhes
grita-
vam acenando om as mas:
Boa
viagem!
Feliz volta! Nossa
Senhora de Nazareth
os leve
(1)
ruQans, nome tupy, paneiro.
(2)
Anama, nome tupy, amigo, parente em geral.
VMKM^i^aaeLiBB
em
paz e salvarnento.
Amem, retrucava a mi
tapuya.
Mand de
p
na ygatim{\.) da canoa com
uma
das mas agarradas as enxrcias do mastaro
abanava fortemente com a outra o seu chapo
novo de palha no qnal via-se fluctuar o ruban-
te, potaba
(2)
de sua maninha Miriba; esses ace-
nos e gestos eram acompanhados de outros
tantos gritos prolongados de adeusl adeusl....
at que afinal as franas das gigantes arvores
que marginavam a ilha fizeram desapparecer
inteiramente de suas enternecidas vistas a
quelles meigos objectos de suas ternas predi-
leces e das suas mais doces saroncabas,
(3)
O ndio Mand mtelligente, esperto e vivo
buscando em tudo imitar ao pai, qual adestra-
do remeiro, agitava ojacuman com tanto mpe-
to que as aguas reboleavam-se como se fossem
propellidaspela fria indmita dos ventos...
Em pouco tempo porm no podendo levar
avante aquella forada manobra, sentiu-se
"
fadigado pelo excessivo calor e foi obrigado .a
tirar fora a sua camisa de poacu
(4)
cor de tatk'^
juba.. ^*
^
{\)
Ygatim proa da canoa.
^
>/
(2)
Poaua, nome tupy, dadiva, presente. rj
^
(3)
aroncaua, esperana.
<y^
J>^
(4)
Pana-poa, panno grosso.
j^
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MAKD'
^
2
-SSL-. .
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<
18
MANDU'
i-ct.
(1)
Piruna., mero.
-^''^"
ii;-;!taEvi-.
Acabado este bom petisco, tomaram cada
um sua tigella, e derramando o leite do frasco,
o bebiam alarvemente com suas colheres d
ciiumbo, a proporo que devoravam pedaos
d^abatixi-meap, espcies de broas de m.ilho,
acepipe bem appetitoso para ambos.
Durante o repasto Thom ia contaod ao
filho, que esta ilha em que se achavum
c<r^^(l)
tinha sido outr'ora habitada pelo seu av,
mas que vendo-se s e isolado retirou-separa
se estabelecer em uma aldeia prxima. Disse
mais que seu av era um homem de grandes
sentimentos de f e piedade
;
caridoso pro-
bo a todos os respeitos.
Foi elle quem edificou a casa em que
hoje convivemos alegres e venturosos.
Emfim foi um velho indio querimauet.
(2)
Foi considerado sempre como o chefe prin-
cipal, o pae commum de toda anossa a^a,(3)
muito valente e respeitado por todos. Basts^,
dizer-te que elle descendia da grande nao
dos Potyguras, gente brava e famosa ; era
parente de Potygua e Jacana, d'onde lhe
veio o sobrenome de
i-ct.
(I) Piruna., mero.
'
-- ^*
\K:-<y^
I^TT??-; -.-^^.^^^^g^
ULYSSES DEJPJENmFORT
2l
Acabado este bom petisco, tomaram cada
um sLia tigella, e derramando o leite do frasco,
o bebiam alarvemente com suas colheres d
ciiumbo, a proporo que
devoravam pedaos
d^abatixi-meap, espcies de broas de m.ilho,
acepipe bem appetitoso para ambos.
Durante o repasto Thom ia contaodp ao
filho, que esta ilha em que seachavtmc<<fy^(l)
tinha sido outr'ora habitada pelo seu av,
mas que vendo-se s e isolado retirou-separa
se estabelecer em uma aldeia prxima. Disse
mais que seu av era um homem de grandes
sentimentos de f e piedade
;
caridoso pro-
bo a todos os respeitos.
Foi elle (juem edificou a casa em que
hoje convivemos alegres
e venturosos.
Emfim foi um velho indio querimauet,
(2)
Foi considerado sempre como o chefe prin-
cipal, o pae commum de toda anossa a^a,(3)
muito valente e respeitado por todos. Bastai
dizer-te que elle descendia da grande nao
dos F^otyguras, gente brava e famosa ; era
parente de Potygua e Jacana, d'onde lhe
veio o sobrenome de
(m/ristica
offtcinalis)
a importante noz moscada do Brazil ; como
tambm o leo pardo e vermelho, carabs,
mirapiranga, parimary, pequi, tauary, gua-
zumas, juremas, ajubs, jujubas, araticuns e
mil outras plantas brazilenas.
A' vista d'aquella attrahente e inopinada
perspectiva, Mand exultando de jubilo no
poude deixar de exclamar mesmo na sua ln-
gua materna
:
anh t
catu' : disse ajuntando as
iilWH^^^tfMittW
^,-.c: .
i.-.^vS^t^si^:
26
MNDU^
mos e batendo palmas. E' verdade nunca vi
tendaua to poranga.
(1)
Ecat \ Ecatu' !...
...Ah! cousas bonitas sem conta!
E no cessava de elogiar as plantas para
elle at ento desconhecidas ! O que mais lhe
causou impresso foi uma arvore de bicuiha
que elle mal conhecia de nome. Tinha lem-
brana do
pichiirim,
(2)
planta brazilica que
tambm produz nozes como a bicuibeira, e
de que a me tapuya costumava fazer a sua
poanga quando elle estava doente de algum
desaranjo gstrico.
Olha Mand, disse o velho indio, quem
plantou aqui estas arvores foi ainda o teu bi-
sav.
Muitas outras houve e mais preciosas
e teis que estas e nem signal d'cllas existe.
Ha cousa de cem annos l n'aquella Iba-
canga
(3j
que se descobre d praia foi edifica-
da a casa do teu av...
Cem annos? exclamou Mand, dando um
estalino na lingua...
SUPI TENHEN... AGAIU'... PAPAA...
repHcOU
Thom abanando a cabea.
Hoje mal se divulga do apecum
(4) velhos
escombros.
(t) Purangi, adj. bonito.
(2)
Pichurim ou puchiri
yuf-rpe
!...
Experimentou partir com os dentes uma
das
bicuibas, mas no lhe foi possvel por
causa da rigidez e amargor.
^-rr.JSC^^-.^
~SA:?5tp^''CX',>.:
.5<>i; ^.^v-^-vyi.
58 MANDU
quer futuros, n'esta ou na outra vida. Depois
d'esta pequena pratica Thom subiu uma
das bicuibeiras e sacudiu-a com toda a fora.
Mand d'aquell. amanayara
(1)
de bicuibas
que lhe tombavam na cabea, ia enchendo e
esvasiando paneiros e mais paneiros entre ri-
sadas e gritos atroadores.
No acto de apanhar as nozes no se esque-
cia da mame edo seus outros irmozinhos
;
e exclamando dizia
:
Ah ! como mamo e os
maninhos no ficaro contentes com tantos
picus
(2)
de pichurim e bicuibas ?
(3)
Ah !
como tem poro, palavra !
Supi
tenhem !
Sim snh...o que ests ahi a falar s?...
o immortal autor
d'lRACEMA e do
Ubyrajara, ou os voos altaneiros do inspira-
do
vate cantor dos Tymbiras, para poder ento
photographar nos
mrmores da historia ro-
([)
Pind, anzol.
MANDU'
^^>......^m^^: . ^
^
'Z::*!:^^
34
'
MANDU'
manica os quadros da assombrosa e estu-
penda natureza brazilena.
(1)
(1)
Acerca d'este vocbulo brazileyio escrevemos o seguinte
em o nosso Opsculo que traz o titulo de Quadro Synoptico
dos Nomes Indo-brazilenos
, pg.
34
.
O nome de Br&zil que erradamente alguns nossos his-
toriadores fazem-no originrio da cr rubra do pau-brazil (o
nome indigena do pau-brazil inurapiranga jiau verme-
lho
teum
!
o peque-
no que era
j
afeito a arte de escalpe, com
natural aptido, com desembarao e pericia
principiou a esfoUar a avara
morta. N'um
instante a bonita pelle do animal estava em-
brulhada no brao do tapuyo.
Agora voa seccar ao sol esta pelle, que
me ha de servir p^ramim forrar o fundo do
meu patu.
Faze o que qaizeres, e vamos depressa...
est escurecendo.. .Mand apenas ouviu a in-
timao do Thom, gritou tambm; vamos,
vamos de pressa. ..paisinho, ao rancho ! Saheu
cui caruca.
A medida que foramsahindodomeiodasmat-
tas em que se haviam embrenhado, comea-
(1)
Amby, gemido.
(2)
Anaj, gavio.
(3j
lguan, co pequeno do Brazil, bravio.
'''''^'C~'-J^^'f<'^^'^'^if^^
:^w.K?e>^;^i^;f^^^;;i;;^-i^
38 MANDU'
ram a ouvir o ronco da
japinong
;
(1
j,
que em
rolos vinha rebentar no arreial do
camar as
brancas tyjucmes
(2).
Afinal chegaram ambos choupana.
No foi sem grande emoo que Mand
tor-
nou a ver aquelle ranchosinho, que lhe tra-
zia sempre a memoria aquella succulenta re-
feio tomada ainda do tembi
(3)
que sua boa
mame lhes houvera posto no panacum.
Sentiam agora a necessidade de repouzar
sobretudo o caboclinho que durante o dia
inteiro se tinha estafado em mil peripcias e
traquinadas com as ncolas das selvas,
em
cujos exerccios no deixou de passar pelos
seus tormentos.
Effectivamente o novel viajante est quasi
sempre exposto aos contratempos e vaevens
das aventuras.
Uma vez immergido em o seio. da ubertosa
natureza para si at ento ignota, cede a im-
periosa tendncia de arrancar uma folha, de
abalar uma arvore, de apanhar uma flor, co-
lher um fructo; mas o castigo quasi certo.
6 por ventura doloroso
;
as vezes horas, dias
{\)
Japinon, onda, vaga do mar.
(2)
Teicme, espuma.
(2)
Temi, tembi. alimento, comida, mantimento.
-''^fe'
^j-'^.
j'-'"^'^
-'*!i^_
e annos de dores e angustias expiam a inno-'
cente distraco de alguns instantes...
Os perigos se augmentam por tal forma no
mundo selvagem, que preciso ter muita
coragem e^ animo para enfrental-os.
O curioso mais que ningum deve prever
rudes provaes.
Era propriamente o que succedia ao nosso
lieroe, o novio explorador d'aquella ilha. de-
serta a Capuam tapera.
Se
aqui colhia uma flor, logo lhe picava o
jandir
(1)
ou a taica
(2);
se alli cortava um
ramo e saccudia uma arvore, acol corria em
buscada panaman pousada no guajir, l sur-
dia uma nefanda caba para ferrar-lhe o agui-
Iho e entumecer-lhe as faces
;
se mais adian-
te tentava agarrar o Okijii
(3)
occulto debai-
xo darelva...raor(lia-lhe o taixi^
(4)
lhe mutuca-
va a saba
;
se trepava para despregar
do seu al-
volo
Sijakirana
(5),
fisgava-lhe
o taracua
;
em-
fim mil desventuras
a par de mil gozos e dis-
traces, que um
qualquer membca
(6)
jamais
poderia
resistir.
(1)
/ajid. aranha.
(2)
Taioha, formiga de Togo.
(3y
Ohij, grilo.
(4)
Taixi, ormiga doida.
(5/
lakiran, cigarra.
(6)
Membca. fraco moino.
40 MANDU
Para o indio, o caso era diYerente
;
embora
mordido, alanhado, coberto de picadas
dos
lancinantes espinhos dos juquiris teimava e
continuava impavidamente nas suas explora-
es e pesquizas !... Muita vez he com o
auxilio
da prpria experincia que o selvicola ameri-
cano aprende a conhecer os mamoins
(1)
que
convm cortar, a herva que no deve pisar, o
cip que no pode pegar, a fructa que no
deve comer, os insectos que precisa evitar.
Isto feito o corpo do indio distende, reteza-se,
robustecc-se, enrija e vae para onde a alma o
conduz, sem muito constrangimento.
Admira-se realmente a cada momento a
consistncia d'este frgil invlucro humano
que os golpes affiigem, os ramos flugellam, os
abrolhos pungem, as aves penicam, os insectos
venenosos e os animalejos molestam; e com tu-
do as vezes nada o demove dos seus intentos,
e
segue avante arrostar a dura e fatdica
teon
(2)
com todo o seu cortejo de meauabas
(3), o veneno, o vrus, a vertigem, a insomnia,
a fome, a sede, a nudez, a misria alfim...
Todavia como vimos quem mais
se estafa-
ra na excurso pela deveza fora o tapuyna.
(1)
M&moin, planta, arvore.
(2)
Teon, morte, c tambm um vocbulo hellenico.
(3)
Meaua, misria, afflico, dor, escravido.
ii;iS*5i^S' -',.,
_ ,
. ^- ._,..-., ; i"^- '^
V3?'-
,:-,:'iSi=i;>2
'JK SS^^?^.!^*^
ULYSSES DE PENNAFORT 41
Por isso apenas chegou tapera puxou do
matiri (Ij a sua kiaba
(2)
e atando-a a
dois
okitas
(3)
da tejup
(4)
tractou de imitar ao
pae que principiava a dormitar. . .quiri. .
.quiri. .
.
Com effeito d'esta vez no puderam madru-
gar, no s pela fadiga da vspera, mas sobre-
tudo pelo mau tempo.
Thom no deixou de observar o
cariz do
co, e de notar um quer que seja de ominoso
;
devisou com o seu olhar penetrante que no
rolo innocente d'aquellas ondas que o mar
j
empoUado arrojava na alvacenta areia, se es-
condia imminente tempestade...
Chamando com pressa ao pequeno, ordenou
embarcasse immediatamente todos os outros
paneiros e objectos queaindaestavamemterra.
O pequeno jubiloso e satisfeito d'aquella
suave intimao, com a sua tipoya
ao hombro,
com passo accelerado, a testa com cicatrizes,
com o corpo cheio de juara
()
e meio es-
trompado... passa defronte do velho, tira-lhe
o chapo de palha e ri-se deixando entrever
os seus alvssimos dentes, que bem podiam
revalisar com os da avara escalpada...
(1)
Miiri, sacco.
(2)
Quica.ua, rede.
(3)
Okita, esteio de casa ou oka,
(A) Teiupaua tejupa, cabana, rancho.
(5)
Juara, comicho.
"i.-^:&Siifc*s-.i^i'. "^'-^Va-y^-
'-^j.i'.':'?'^ v-rf^fe^? ^^
.<"""
;^-
^2
_^Al
Pouco a pouco Mand ia conduzindo para a
ygarit tudo o que tinha podido colher na
ilha.
Emhora sentisse hastante saudade de sua
estremosa me e irmos, todavia mostrava
tambm alguma pena em abandonar to ceJo
aquella ilha, onde havia passado horas de to
agradveis disirac(!S.
Com que alvoroo,
iois,
elle no ia ajuntan-
do aqui e alli de passagem algumas flores bcl-
las e odorferas para entretecer um potyr
(1),
com o fim de obsequiai r a sua maninha
Miriba ?...com que prazer no catava elle as
ynitymas ("2), as folhas da caacica, caapeba, in-
dicadas contra o veneno das cobras, a cango^
JiQ^a para as dores do estmago, cigi-ou
;
a febrfuga casca de (jiinina? ..Como no ha-
veria de se recordar d'aquella arvore de trs
metros de altura, a bicuibeira, onde a pouco
trepara o seu velho pai, aquella linda
//> to
carregada de noz-moscadas,
aquelles to bo-
nitos fructos de picliurim, que deram para en-
cher tantos paneiros !...Emfim
j tendo colhi-
do uma ruma de capixunas pirangas e os
principaes medicamentos indianos (jue as sel-
(1)
Polyru.
ramilhete.
^)
Milyma, arbustos, ervas brazilenas.
.'1- :
.
vas lhes fornecem, Mand quiz tambm cortar
uma poro de carajurs, vegetal que a sua
mayangaba
{{) e ranmya
(2)
muito apreciava, em
razo de extrahir d'elle uma substancia colo-
rida, que servia para mi4pirangar
(3)
os fios
d'amanaj, a rede dos curumins e Si puc dos
lanceadores.
No contente com isto o indiosinho conti-
nuando as suas caadas, apoderou-se de uma
variedade de lindos shsinhos
(4)
e
muxius
(5)
que pretendia levar de presente ao seu padri-
nho.
De caminho encontrou uma grande lagarta,
e no poude deixar de chamar ao pai para lhe
mostrar aqueile bicho to bonito que se rojava
por terra, c que ia como approximando-se
d'elle.
Era uma lagarta de cor verde-esmeralda
;
trazia nas costas um renque de raminhos syme-
tricamente coUocados. O tronco e ramos ero
de um escarlate vivo, e
terminavam em pon-
tas ramificadas da mesma cor
do corpo do
insecto...
(i) Maiangaua, madrinha.
ri) Ramuya, av paterna.
^3)
Mapiranga., verbo tupy, que significa tingir de
encar-
nado.
(4)
Soh, animal, no grego :o .
(5)
Mixiu, bicho que se cria no mago das s bacabeiras
e patauaseiros.
44 MANDU^
Sohima puranga
!... bonito bichinho, disse
Mand batendo os ps...
Thom,
j
bastante impressionado com a
sbita mudana do tempo, comtudo no quiz
perder o ensejo de satisfazer a curiosidade do
caboclinho narrando lhe o que aprendera por
experincia prpria e pelo que ouvira da boc-
ca dos \iaraybas e dos Viariuas...
-^Isto que ests vendo Ma)id, uma es-
pcie de /wara;2a5(i), chamadas falsas lagartas
a modo dos jacarars...Bravo! Maranga-
tu' !... que cousa estrdia, exclamou o peque-
no, parece que leva as costas iim potjraba !...
Uah!...
Pae de que lhe servem estes ramos ?
Nosabemos; porque apanam
(2)
quehade
nascer d'este lagarto no ha de conservar ne-
nhum vestgio do que ahi vae levando no
atua
(3)...
E esta cutaca
(4)
ha de se transformar em
jacina ?
Sim, todos estes insectos, como ests ven-
do,
deitamovosdeque
^di\\em.tamiuas, que de-
voram quasi sempre a arvore e as plantas em
quenasceme se agarram n'ellas como m^ups...
(1)
TucursL, gafanhoto, 7'a7ia, cousa falsa ou parecida.
(2)
Panam, iacina, jacina, borboleta.
(3J
Atua, pescoo.
(4^
Cutaca, largato.
ULYSSES DE
PENNAFORT
45
Chegando ao
tamanho que devem
attin-
gir, as CLitacas tecem ans casulos de seda,
mais ou menos perfeitos, e zs mettem-se
n^elles, e ahi enrolam-se, como em uma po-
kec. [i) E' o que os nossos brancos
chamo
crysalidas ou nymphas.
N'este casulo bom fechadosinho, d-se
em poucos dias uma admirvel e completa mu-
dana.
Aquelle bicho d^antes feio, tin^a e repel-
lente, transforma-se na mais bella e elegante
panaman : provida de quatro azas pintadas
com as mais lindas cores, semelhantes as do
arco-iris do ibake...
Olha, Manduca, sabe que os insectos, que
primeiramente foro bichinhos da terra, e
depois passaram voadores, so de muitas e
diversas qualidades. l>^QU\jacina, nem merw',
nem
r''^/ (2)
nasceu assim com as azas
;
pri-
meiro andaram pela terra em forma de tapi-
rs, e s depois que se mudaram em pana-
man do ar.
S os imbuas, as ambohis,
(3)
osjapeguai
(4)
as cutacas,
os rabes
(5),
os xandu^s
(6)
logo
{\j
Puhekz, mortalha.
(2)
Yra.-may&, abelha.
(3)
Amhuhy, minhoca.
(3j
Japego, centopeia.
(5)
Arab, barata.
(6)
Xand, aranha.
et^i/i-
.,.'ti"^j^.:-'2W.^^ r^'.
*;--j/.
:*^:^'-- <Jsi-' S^ti-tSg
46 MANDU^
que sahem dos sopias (i) tomam a figura que
conservam at morrer...Ostucras trazem no
atua' uma espcie de estojos, de dentro dos
quaes, a seu tempo, brotam as azas.
O que admira, Mandu, ver como estes
tatiiis,
(2j
antes de se fazerem nymphas ou
crysalidas se acautelam dos inconvenientes.
Uns ficam pendurados no ar, outros com os
mesmos dentes formo uma casca rija de
muh^ai
(3),
que lhe serve de couraa ; outros
armam em roda de si uma espcie e, pua
(4)
onde se mettem, outros do pello e tacaca que
de si lanam fazem uma capa bem segura que
os livra dos outros insectos.
Em tudo isto se deixa ver a mo noderosa
de Tupam, e a sua benigna providencia.
Nota ainda mais, todos tem seu tempo
marcado para sahirem da po^e^a onde
esta-
vam embrulJiados
;
e quando sahem de sua
ibyciiara
(5),
sempre no tempo, em que as
plantas lhes podem dar o seu temiii'
(6)
ne-
cessrio... Aqui se v bem, Mand, quanto
sabia a providencia divina, que no deixa
(1)
Sopi, ovos.
[1i Palui, ijiseclo.
(8)
Muiv, pau.
'4) Pii.
rede.
(5)
Ibicura cova, tumba.
(6}
Temi, alimento, sustento.
2ii''
'!*:
l'L,'-"i^ '3i"C--5i:>'*'.'- ""^JlijifS^Vii;
.
,->;.
ULTSSi: S DE PENNAFORT 47
morrei' de fome a sua gente de quem elle tan-
to cuida,- como se mais nada houvera em que
cuidar !...
Com
razo podemos reputar os Insectos pela
maior
obra da Omnipotncia. O entomologis-
ta
falando da obr<i dos infinitamente peque-
nos a cada passo no pode deixar de admirar,
louvar
e engrandecer as maravilhas do Cre-
ador.
Realmente na ordem da natureza entomo-
logica, o plienomeno que mais me prende a
attenqs
a metamornliose dos insectos.
Os insectos, como os batrachios, alguns pei-
xes e outros animaes inferiores da classe dos
iepidopteros,
experimentam durante a sua vi-
da mudanas cie
forma e de estructura na sua
organisa(\
que constiaem as suas meta-
morphoses...
O primeiro
estado dos insectos, aquelle em
que se encontram
ao sahir do ovo de larva
ou lagarta
; t^om ento o
corpo alongado,
moile despruviiia
de paia:, algumas vezes pro-
vidas
appendices
ou esr-amas que lhes permil-
tem rastejar;
os olhos s
simples e a bocca
guarnecida de
mandbulas
e de maxillas soli-
das. N'es+e
estado comem vorazmente mu-
dam a pelle em geral muitas vezes e attingem
um
desenvolvimento.
A lagarta,
em seguida,
.^t:.;#;^;^i^-.
procura um abrigo em que se enclasura, ou-
tras vezes segrega um liquido que se solidifi-
ca em contacto com o ar. Este liquido passa
atravezde uma fieira, situada por baixo dabocca
e com elle tece um casulo em que se envolve...
N'este estado perde os membros, no se
alimenta, fica immovel, scca e apparente-
mente morta, n'estasegundaphase do seu des-
envolvimento, o insecto chama-se nympha au
crysalida.
Passando este periodo, varivel
com as espcies, e durante o qual se desen-
volvem as patas, os olhos, as antennas e to-
dos os orgos accessorios, o animal rompe o
invlucro protector e apresenta-se no estado
de insecto perfeito.
Se o insecto passa sucessivamente por estes
trs estados como as borboletas, a metamor-
phose completa
;
se as larvas ou lagartas se
desenvolvem apenas as azas as patas quando
suo desprovidas d'ellas a jnetamorphose in-
completa, como vemos na familia das libel-
lulinas, insectos formosssimos conhecidos
vulgarmente com o nome de donzellas, por
terem o corpo armado de cores muito lindas,
e as azas iriantes.
O gnero de insect(js observado pelos nossos
dois ndios era da ordem dos lepidopteros
araybaet
um phe-
nomeno que passa cora tempo...
E effectivamente havia passado o temporal
cabido na atumam
[\)
deserta.
O arakya [Vj apresentava
j
um aspecto
menos tenebroso. ..O mar menos raivoso lan-
ava na yhicui
(3)
as aguas verde-azues, que
marulhando nos troncos seculares dos acaya-
cs branquejavam de espumas fluctuantes os
tyjucupos...
O desventurado pae de Mand, erguendo-
se de chofre tentou ver se podia descortinar
ao longe a figura do filho no dorso d^alguma,
japinoitg... que ainda embravecida vinha cus-
pir no ba?^i
(4)
a sua negra saliva. Queria
(1)
Atuman, iiha, taba indiana.
(2)
Arakya, dia, tempo.
(3)
luicui, ara fina.
(4)
Biri, aral.
^"^'v^"^*:?**''^-^'
*~
ao menos divisal-o por entre os ltimos cla-
res que o tup-beraha
(1)
projectava sobre
aquellas lobregas paragens para ir despu-
tal-o fria do vento e livral-o de ser arre-
batado pela typakuna
(2)
e sorvido pelo pa-
ran-a...
(3)
Foi tudo em vo. Depois de amunada a
tormenta nenhuma esperana restava quelle
angustiado pae.
Aqui s ha um consolo, dissera profunda-
mente consternado o velho indio, a f e a
confiana na misericrdia divina
!,..,
(1)
Tup-beraba, relmpago.
(2)
Typakuene, correnteza.
(3)
Paranan-a, alto mar.
:-.^:....^^v- -^,.^.^..~:,-
^::^^,..r^^-:....,:^,L..!:^J..S,^^i^
xW^fm^"^:''.
'i-fi.
\
St3S=ea=s-SSS
^
-^^a
^^^T-%-^^---'
CAPITULO
III
IDA E VOLTA. POTYlSUMd)
me deMand, sua irman Miraba, os ou-
^r tros irmos e curumins que ha tempo
^X
aguardavam anciosos a sua chegada,
ficaram bastante inquietos quando viram a
Capuam-Tapra dcsapparecer completamente
de suas vistas, que durante horas e horas no
cessavam de fxar-se sobre a extremidade do
primeiro estiro, por onde havia deslisa-
do pela primeira vez a igara que conduzia
aquelles entes queridos de sua alma.
No momento em que a mulher de Thom e a
velha tamuya presentiram que se havia for-
(1)
Sum, corruptela do nome Thom; o assim denomi-
navam os ndios brazilenos o Apostolo S. Thom.Sum-ma-
ra.
60
MANDU^
mado um grande temporal nas
proximidades
d'aquella ilha, no poderam mais socegar e
com os lbios mudos arrancavam dos
seios
d'alma profundos suspiros ; s a av de Mand
que se atreveu a romper aquelle silencio
quasi sepulchral pronunciando estas
palavras
entrecortadas de copiosas lagrimas
;
Ah !
filhos do meu corao, vamos pedir ao nosso
bom Deus que amaine esta horrvel tempesta-
de, e no permitta que ella apanhe no alto mar
a canoa do teu pae com o meu netinho. Oh !
Deus I tende misericrdia d'elles e de ns
!
Em dizendo isto a goaimin
(1)
se lanou de
joelhos alli mesmo no meio dos seus temiai-iroiis,
(2);
poz-se a orar e debulhar por entre os de-
dos as contas pretas do seu muyra-curuc
(3),
beijando ao mesmo tempo devotamente a san-
ta juaaba
(4)
n'elle pendente.
Passada que foi a tormenta, e quando
j
po-
deram lobrigar a capuam tapeia, a velhinha
tapuya approximou-se okjta
(5)
da casa junta-
mente com suas interessantes mitangas
(6)
para
(Ij Goam, velha.
(2)
Temidriron, neto.
(3)
Muira.-curu&, rosrio.
(4)
Juacaua, cruz.
(h) Oquna, porta.
(6)
Mianya, creana.
>**'
ULYSSES DE PENNAFORT 61
ver o quer que fosse que ao menos se assime-
Ihasse com a piroga em que Mand tinha se-
guido viagem. AUi permaneceram por espao
de horas at que a treda pitutta
(1) os envol-
veu de novo com o seu manto de trevas.
Vivamente impressionada com a ausncia
do seu predilecto filho, aquella extremosa
me
de famili passou a noute no mais penoso
desassocego e dorido penar. 1 ada a podia con-
solar,
A sua desolao era immensa, e a saudade
que tinha do seu esbelto, e guapo caryboca era
inenarrvel... intensssima...
Amaro pranto lhe sulcava as enrugadas
faces.
Ao despontar do dia, quando a suave coma-
pir-piranga
(2j
comeava a tingir de rubro
crista das montanhas
j
a velha india com o
seu pitybau
(3)
pendurado ao queixo estava
sentada debaixo do berib esperando a volta
daygarit...
Tudo estava em arac-cy.
(4)
O mar menos turbulento soltava ainda al-
guns rugidos
montonos, e atirava de mansi-
(1)
Pituna, noute.
(2)
Aurora.
(3)
Caximbo.
(A) Calma.
,<>^>-vi -
^--
-^y.
...fe >::^<--o^-_<^
^
/-^
62 MANDU'
nlio na guar piranga onde ficava situada a ha-
bitao de Tliom
e sua familia, o rolo inno-
cente de suas esbranquiadas japinongas !..,
O vento aracat gemendo e
murmurando
vinha brincar com os mamoins do ygatyba e
oscular as ptalas assetinadas das flores dos
maracujs,
que comeavam a expandir de leve
as suas corollas
perfumosas e impregnar de
seus olores o ybat.
Bando de guiriras
(1)
de diversas espcies
pulando pelas franas do oloroso narandyba
saudavam com trinados e meliifluos gorgeios
os esplendores d'aquella encantadora manh.
Uma infinidade de igaraps cristallinos des-
lisando-se mansamente nas tjpjcabas
(2)
das
sapupcmas corriam em sinuosas dobras como
immensa bia a embeber-se no
curpr.
(3)
As prolas do orvalho aljofrando os mata-
gaes, relusiam tremulas e scintillantes pelas
carobas.
Enifim o aspecto d'este dia apresentava um
panorama sem igual n'aquella tendaba.
(4J
AUi, pois, recostada um jutahyseiro a po-
(1)
Passarinho.
{2)
Cavidade.
{3j
Pntano.
^ (4)
Tendaba, renaua, logar, sitio, aldeia.
NMM*MittaQ)va
SHf
bre e inconsolvel me de Mand no despre-
gava a vista do ponto em que podia bispar
qualquer canoa ou cousa que o
valha.
Alli as lagrimas lhe manavam fervidas pelo
rosto sem que as presentisse^ e aos ps do
Altssimo parecia derramar sua alma angus-
tiada.
Alli se conservou n'aquella posio at qua-
si o pino do meio dia
ara-cua cuipe,..
E no mais podendo supportar as terrveis
inquietaes, sahiu precipitadamente, foi tr
a casa do seu visinho e anama
(1)
Paty para
lhe expor a grande amargura do seu corao.
Este egualmente commovido no deixou de
exclamar por sua vez abanando a cabea
:
Supi-tenhem.
Deus
comnosco
Manu'.
(1)
Sim eu tenho a Deus comigo : Supi arco
Tiipan xei pupe\
e por tanto nada temerei.
Eu sempre vou
;
acomem ! Tupan-Tubd,
Tupan- Ta/ra,
Tiipan-Anga ! . .
.
Oiepomem
Tu-
pan, Deus Padre, Deus Filho, Deus Espirito,
o mesmo Deus me ha de valer.
Em dizendo isto o indiosinho desceu do
penedo em que estava sentado e veio revistar
a ygarit.
Qual no foi porem, o seu espanto quando
viu o estado deplorvel da igai^iua.
(2)
A ygarapyta
(3)
estavatotalmente estragada o
muiyrapecau
(4)
partido ao meio, a jgararotin-
ga
(5)
feita em mil pedaos, a tamaxarca o
vento tinha arrebatado e sumido na voragem
(\)
Man, Mani, quer notupy quer no Sanskrito, o nome
do
Deus indiano, corresponde ao semitico
Emma.nel.
(2)
Ygarieua, canoa v^elha.
^3)
ygarapyta, proa de canoa.
(i)
Muyra-puc, mastro.
(5)
Igara-rotinga, vela de canoa.
m^.
i; '% ,fc," - -si- -^X.-',-*
'^'iM^^^ii'iii^^%
%f?^^
"T^-J
84
MANDU'
O tacyra o temporal arrebentara ao primeiro
arranco, as pranchas, as falcas emfim tudo
estava deslocado e arruinado
;
a pobre Yga-
rit assemelhava-se n'aquelle momento a uma
immensa Urubamba esparremada no cho e
engasgada nas fauces hiantes de enormes e
hrridos caimans.
Dentro do fundo da canoa que por felicidade
ainda se conservava intacto era tudo contuso.
Dos objectos que vinham na canoa muitos se
perderam no mar, outros jaziam esparsos e
de muy^eru'
sobre a agua salgada que entrava
pelas fenda da ot^acapa.
(1)
Oh ! Deus, agora sim, estou inteiramente
perdido, no mais verei meus queridos pes !...
Eis-me exilado para sempre n'esta Ilha,
no meio d'essa itaituba, onde no se escutar
jamais a voz humana, onde s ouvirei o rugido
incerto do paranan, e os banzeiros da inquieta
japinon-au\..
Essas penhas, essas itas nuas, crestadas
pelo koaracy, geladas pelo ']acyrendy
(2) pare-
cem imitar as ib^co-aras,
ou cumbes
(3)
dos
meus tumuyas
(4)
(1)
Orcapa, rodella da canoa.
(2)
yacy-rcndy, luar.
{Z)
Ibyciiara, no sanskrito cumbe c no tupy, significa tum-
ba, cava.
(4)
Tamuya, avs, ante-passados.
;-
i-';sr-:-
.
-!<
^<#a*^ps=7*^
-r^^-
S^**^ 't.
ULYSSES DE PENNAFORT 85
Ah ! tremo de medo e horror !
Dizendo isto o indio encostou a cyba
(1)
no
Itagua e chorou amargamente.
O sol, que n'esse dia havia surgido bello e
deslumbrante, agora torvo o merencrio su-
mia-se por entre as sombras do occaso e
sobre aquell inditosa mitanga entornava a
negra pituna o seu escuro manto de trevas
;
apena brilhava no co o fulgido ceju
(2).
No decurso desta poranduba indiana temos
por vezes de observar n'este singular eremi-
colaum dos mais importantes phenomenos da
ontologia mythologica.
Na ontologia braslica o
homem americano
se considera como o filho e o emulo d'uma
entidade; como um ser quasi divino; o selvi-
cola brasileno julga-se sempre combatido,
atormentado por um ente malifico, antagonis-
ta d'um Ente superior de quem descende,
d'um chefe e Senhor que no morre;
Yara-
omanucjma
!
Nas dores, padecimentos e misrias que o
affligem vem as manifestaes d'esse poder
unesto. Quaesquerque fossem os seus reve-
ses acreditavam os nossos ndios na interven-
o dos maus gnios.
(t) Cyba, testa.
(2)
Ceu, sete esirella, pleide'
;5Se5f. iS:?'^:; i.'.?^- .i^-;-r?ii.-ilir<>"Z^S~:.i:;SJ.:,-" . r'.' ^- .
V"- V
-^" "-*.'
B6
?ML~
^-^-.
Ouia-oupia : como os
anhangs,
jurupa-
-ris, espritos oppostos ao
Deus bom,
como
tambm no deixavam de acreditar
na inter-
veno dos bons gnios
apoiau-u:como
os caraibebs, angaures e
maraguipanas
(1).
A
essa religio simples e sem apparato,
como
devia ser uma religio das florestas,
professa-
da]por povos caadores e guerreiros,
coroava
a crena profunda e inaltervel da
immortali-
dade da alma
an-cec uu aua
C?)....
revela-
da pela venerao s cinzas dos
mortos, e
pelas cerimonias da inhumao...
No de admirar que o nosso
heroe se
acreditasse algumas vezes victima
d'aguns
d'aquelles entes malficos.
Todavia Mand como uma creana christan
e prudente a quem o instincto junto a neces-
sidade lhe ensinava a voltar-se de
continuo
para Deus comprehendendo que qualquer ten-
tativa que fizesse para sahir d'aquella sua
melindrosa situao sobre ser intil, poderia
sortir-lhe ms consequncias, foi pouco a pou-
co curvando
a cabea ao seu destino, como
costuma fazer em idnticos casos um forte e
valente apgaua americano.
(1)
Maranguipana, espritos mensageiros.''
(2)
An, anga. alma, espirito, vem este nome do Sanskrito
an, ang.
'
L^
aeaas
..y^-^-^^^^^^^^^^^^s^gr':-::'^-^:-; .^A-?^'^-^^^^^^
ULYSSES DEPENNAFORT 87
Assim resistindo pela constncia ia affron-
tando e afugentando com resas e puxinhangas
(1/OS caraiueue-koera
(2)
do Itagua.
J se ia habituando a encarar com mais
sangue frio e coragem o incerto saceme
(3)
do
irrequieto paranan...
Apecat
(4j
longe do bulicio do mundo, no
tinha que rebuscar blandcias e satisfao de
paixes, nem que aprender o mu exemplo
dos mpios que no esperam alm tumulo o
immortal sorriso do divino martyr do Golgo-
tha.
Podia agora em face da natureza ora muda,
em quebranto, ora ttrica e assombrosa,
erguer mais livremente a fronte para a sua
ptria celeste e arredar a mente do charco em
que os homens mundanos soem resolver-se
como os tapers nos marneis, ou como o
tay-
au
(5)
no tjfucopao
(6)...
"
'
No tinha que pavonear-se do crime, nem
com quem podesse alardear
o seu opprobio,
como costumam fazer aquellas miserveis e co-
bardes creaturas que rastejam no lodo e cons-
'.:--ii
(1)
Puxinanga, esconjuro.
(2)
Karauu-koera, anjo mau, diabo.
(3j
aceme, bramir, bramar, rugir.
(4)
Apekat, adv. longe.
(5)
Taya, porco.
(6)
Tujueopau, lamaal.
:.>^^^ggg?ii4^i^iSR!^^
^88
MANDU^
purcam as faces na mesma lama, e disso fa-
zem gala e ostentao !...
AUi n'aqaelles rochedos ns e escarpados
sentia
j
em si palpitar o corao d''um ho-
mem probo e honesto
;
e por isso comeava a
olhar com desdm para tudo o que os tiveros
(1)
curufiras ("2) e }uru-paris
(3)
lhe suggeriam de
mo e nefando.
J principiava a comprehender porque seus
boi.s pes diziam, que o amor manava do Cal-
vrio, do sagrado i^y/yra
(4)
onde fora ergui-
da a grande Jiia(^aba
(5),
onde morrera o Divi-
no Jerus, o unignito filho de Tupan ; sabia
que era a fonte purssima onde todos podem
e devem beber : pae e me, filho e filha, irmo
e irm,
como disseram aos seus pes os santos
plagas d'amoros
pregadores Tupan-Nheen-
gCL
Evangelho.
Eis a razo porque aquelle pobre ndio sen-
tindo renascer em sua innocente e cndida
alma e f purssima que recebera nas aguas
lustraes da piscina baptismal, vendo-se emer-
gir do seio das vagas d'esse mar d'abjeees
{{}
Tivcro, nefando, hrrido.
'.
(2)
KK-upyra, espirito mau.
\.
X3)
Jurupari, demnio*
pi) Euterg ou Ibytira, monto.
'(3^ Yuaaua ou Juaaba, cruz.
' -;-!>
to^r
^3_=^ ^
'^-^iZlT^^^W''^ 3
:-^'7^^^^^^^
"i^--^
ULYSSES DE PENNAFORT 89
chamado mundo, como koaracy emerge ra-
diante das sombras da noute, e
j
escapo do
ar mephitico das corrupes terrenas ia pou-
i
CO a pouco apuridando a conscincia e gozan-
do da paz de Deus.
Como um simples e humilde Eremicola ha-
bituou-se a crer e esperar somente em Deus.
E outra cousa no se devia esperar de Man-
d que oriundo de pes christos e virtuosos,
temia e amava muito aTupan, cujopensamen.
to ora o consolava immensamente.
Mas... deixemos por emquanto essas refle-
xes e acompanhemos o nosso heroe no seu
novo gnero de vida.
Mand auxiliado com a claridade de um luar
esplendido desceu do Itagua e foi rever a
Igarit, afim de tirar d'ella algumas cousas
que lhe fossem mais precisas.
Graas as suas diligencias poude ainda
salvar muitos paneiros com fructas, algu-
mas provises e tembiuh, que embora es-
tragados pela agoa salgada, comtudo lhe ha-
y
veriam de servir muito para matar a fome que
^^
o devorava quasi a trs dias. Encontrou tam-Q
bem no fundo da ygaryt alguns utensilios^
vrios objectos que sua ba mame havia
^i^S*
posto de preveno para o seu uzo. Ar^TnV
/
'/
<r
-^._i3S^-
.^T""-- ;,-r^>
-j-':- -
- '<::-'-^,}:
90 MANDU'
cou tambm as
ymira-peua
(1)
da
ygara e as
collocou em um logar seguro, onde a paranan
no podesse arrebatal-as.
Tirou a sua aba toda molhada d'agoa cem-
buca
(2)
e foi estendel-a ao longe da itatuba.
Este penoso trabalho durou algumas horas.
Era alta noute...Jacy em pleno brilho do-
minando as espheras illuminava todo o oceano
e a ilha Utaguac !
De quando em quando um fugaz awfr
(3)
es-
voaando em torno das fragas vinha roar de
leve a namby
(4)
do indiosinho.
Mand amedrontado e receando ver algum
anhang
(5)
e
j
bastante fatigado, preparou
com as taboas uma espcie de leito, encom-
mendou-se a Tupan e adormeceu tranquilla-
mente...
(1)
ymi-apeua, taboa, falca.
(2)
Cembuqa, salgada.
(3)
Anir ou andir, morcego.
[ij Namby, orelha.
(5)
Anhang, phantasma, viso.
Yyyyyyyyyyyyyyyyy
-
CAPITULO V
Explorao dlapail. Porraaba
(i)
fe))|^ANDu', que depois do naufrgio anda-
T/F
^^ tresnoutado, poude dormir profun-
^V^IV
damente.
w
Durante o longo pucei
(2)
a
que se
abandonara, o indio viu-se importuna-
do por sonhos vrios e terriveis pesadelos...
No lapso do seu pesado somno imaginava
ouvir ainda o bramido das vagas erriadas e
fluctuantes que saccudiam d'um para outro
lado a sua pobre Igarit... Umas veses parecia-
Ihe que sossobrava no meio do oceano... ou-
tras parecia vr a canoa espedaar-se de en-
contro aos rochedos... e que elle tombava no
(1)
Porraaua, trabalho, tormento*
(2)
Pucei, somno.
./?sSi^?sSfiaT^-jo.:V*'ist4iito^ j^^;>t:^-::i)a^^Bjteagfe^g^^-
-
J.'*.-^.
92 MANDU'
mar e fazia depois grandes esforos
para
gal-
gar as rochas d'onde novamente se
despe-
nhava...
Assim levou toda a noute com a mente as-
saltada por estes sonhos hrridos e pavorosos.
S pela manh que Mand poude gozar
de um somno mais suave, do somno de mo-
mento, em que elle se troca por um acordar
bem triste.
O indiosinho sonhou que estava na casa
paterna ; via as aguas christalinas do ygara-
p
em doce murmurar, e .'m cujos
cemeybas,
(1)
muitas veses se assentara ; divisava alm
um espesso bosque de lindos e copados
arvo-
redos onde elle costumava a brincar com sua
maninha Miriba ; veio-lhe logo a ida o for-
moso nay^andyba,
(2)
os olores suavssimos e
a
morotinga
(3)
das suas cndidas flores e os
seus dourados e gostosos fructos
;
seus pes,
seus irmosinhos estavam no jardim
;
todas
as arvores estavam cobertas de uma nova e
verdejante falhagem,
e carregadas de pomos
vermelhos como as pennas do guar, ama-
rellos como as flores do ajub
;
davam fru-
ctos to deliciosos semelhantes aos do po-
(1)
Cemeyba, bordo, margem.
(2)
Narandyba, larangeira, do sanskritonarAnd, fructa doce.
(3y
MoTuntinga, alvura brancura.
...
->:/'
tr
ULYSSES DE PENNAFWT
93^_
tjra-reyidaua
(1),
em que moraram no princi-
pio os nossos grandes paja-arjas. os primei^
ros pays do Apuam.
(2)
Pareceu-lhe ver seu caro pae trepado n'u-
ma grande arvore de birib, saccudindo-lhe as
ramas e o cho lastrado de suas bellas e sabo-
riosissimas fructas.
Em baixo estavam sua me e
irmos co-
Ihendo-as com alvoroo em muitos paneiros.
Apenas elle avistou-os, corre para elles e
quando quiz estender os braos para cingil-os
e estreital-os d'encontro ao seu peito affegante
de jbilos bate com a cy^^i no Itguau' e des-
perta...
Por alguns instantes creu ser real o seu so-
nho pela algazarra que se fazia em seu torno,
julgando-se defacto no meio dos seus irmo-
sinhos
;
mas esfregando os olhos e fixando bem
a
ceQ-py
(3)
sobre os objectos que o circum-
davam nada enxergou seno um bando de pas-
sarinhos que pipitavam docemente em roda do
penhasc-' em que adormecera.
Quando Mand abrindo de todo os olhos viu
em derredor de si os ngremes e escarvados
penedos suspensos sobre sua cabea, como
(\l
Putyra-rendaua, jardim, pomar.
(2)
Apuan, globo.
{3)
Ce-py, vista torva.
c^:^^ja?^aSE?*i
_J94^
MANDU'
ameaando, quando viu desenrolar-se deante
de si a vastido do oceano e somente enxergou
mar e co no poude deixar de fremir de susto
8 pavor
Uma profunda ;?/a-y^a (l)se apoderou de sua
innocente alma e comeou a derramar copio-
sas ce-rys e soluar triste, acerba e do-
lorosamente.
Ai, pobre de mim, bradou Mand,
quam
illudido estava com as imagens fagueiras do
meu profundo e mau sonhar.
Oh ! tagoaybas
(2)
de meus queridos
pes como surgistes e desapparecestes por en-
tre as sombras da negra pituna.
Ah pobres florsinhas que eu estimava tan-
to de certo no viveis !
Koracj crestou as vossas folhas... cahistes
mirradas... seccastes e morrestes sem que nin-
gum de vs se condoesse ! ai, pobre de mim
tambm...ectupe, desterrado n'estas duras pe-
dras aonde sob a aco d'um fogo lento sinto-
me ir mirrando, sem ter mais a dita de ver aos
entes mais caros do mundo, sem que torne a
ver e oscular a/7o/yra,
(3
j mimosa manac {k) que
(1)
Pya-yua, angustia, afflico.
(2;
Ta.gua.yu, imagem.
fS)
Piiyra, bonina.
(i) Manac, flor.
w^^^r^^T^*T^^*'*p^'^^'^P?"*'"^'
ULYSSES DE PENNAFORT 95
eu mesmo plantei e regava com a limpha clara
do perenne igarap, l onde jacy se reflectia
to bonita e durante horas e horas se banhava
a minha affavel e doce irman
Miriuajurcem...
Meu pae, meu pae do meu coraosinho ! . .
.
n...Ce tubal ce tuba, ce pya mirim, ui !...
...Apecatu' xa ik ce r^oca ui, inti mah curi
cuema mirinte capucaia nheengara oiepen. . .
Mairam ser ? .
,
I
Longe de casa quando ouvirei ser muito
cedinho o primeiro cantar do gallo?...
(1)
'
'
N'este comenos uma multido de pssaros
formosos tomaram seus voos e dirigiram-se em
: bando para a terra.
Oh! venturosas avesinhas, disse Mand ao
menos vs dai noticias a meus pes e dixei-
Ihes que eu ainda vivo, e que venham sem de-
* mora procurar-me aqui nessas frias e duras
-
itaret !,..
A mesma supplica ia repetindo o indiosi-
nho ao vento, ao
mar
e aos astros que surgiam
no
iba\ie.
Em o meio porm d'aquellas torrentes de
amarguras, uma cousa s o consolava era a
(1)
Traduco
litteral das
palavras indo-brazilenas proferi-
das por Mand.
1
.~ Ti'.'-.
'
>J.?'
'Sr'!}
: '>
i^^i'i
,'
^' -^".
.,
-y".
orao. Alli mesmo no viso do Itaguacu' er-
gueu se... poz-se de joelhos e fez com muito fer-
vor e pyacatuaba
(1)
a sua orao matinal-
Aquella simples orao pronunciada pelos
lbios innocentes do Erimicola foi como a gota
do blsamo cabida do co no clix amargo da
sua dr.
Concluda a sua curta mais fervorosa sup-
plica, Mand foi examinar o seu mantimento
avariado ; escolheu um bom pedao de peixe
moqueado e com um resto d agua que tinha
ficado no jamaru'
(2)
fez um molho de k/-
inha
(3)
comeu tudo com a farinha de mandio-
ca que ainda encontrou no uru''cacau.
(4)
Terminada a refeio poz-se o indio em pre-
parativos de viagem, para ir explorar a ilha
Utaguau''
;
queria ao menos ver se descobria
qualquer vestgio humano
;
se encontraria al-
gumas arvores fructiferas,
igaraps, jacaros,
uru'cy guayamu\ aroains, yriris, algumas er-
vas,
aipins
;
ou quaesquer raizes que podes-
sem alimental-o e sustental-o at que Deus lhe
sugerisse um outro meio, um auxilio para sa-
{l) Pyacatcaua, contrico, piedade.
(2)
Jamar, cabaa.
(3)
Kyinha, pimenta.
(4)
Uru-acan, paneiro.
-?%;-.?-*-
'"t
.:_."'-
,- *.'.'
[
hir d'aquella ilha, que ora lhe servia a um
tempo de priso e ermida.
Seria muito provvel e possvel mesmo,
disse Mand, que n'esta ilha tenha havido ou
haja moradores, nem que seja algum capora
;
se assim fr aprenderei comelle o segredo da
navegao
;
lanar-me-hei ao paranan, e ar-
ribarei xeretama ! a minha ptria ! Se pelo
contrario nada encontrar que me possa valer
n'estas paragens, tratarei de descobrir um si-
tio mais alegre
o,
mais seguro para fixar a mi-
nha morada e levantar a minha ocasinha
Em dizendo isto ajuntou alguns fragmentos
de po ''abatixi
{[),
uns bejs de typyoca, al-
gumas bicuibas, emfim apanhou o que sobe-
jara do tembiu' que tinha salvo do naufrgio e
guardou tudo no seu parac
(2),
amarrou as
extremidades com atilhos de caraos e coUo-
cou-o a tiracollo.
Depois agarrou uma das hastes de siribeira
que seu pae havia cortado na Capuan-Tap-
ra, e com a sua A-Zce preparou uma espcie de
basto e n'elle arrimado poz-se a caminhar
como um cuat.
.T^A^!^^^-^->^.
(1)
Ahtixi, milho.
(2)
Pacar, cesto.
MANDU'
:.3S^
98 MANDU
Era uma expedio penosssima e
cheia de
perigos e poraaba.
O ndio via-se obrigado a galgar de quando
em quando ngremes rochas
;
ora subia,
ora
descia deixando-se por veses resvalar como o
jacarearu' nas hiantes curucabas
(1)
de pro-
fundos abysmos.
Toda a ilha assemelhava-se a uma massa
enorme de monstruosos blocos ; formando
aqui e alli rochedos verde-negros, que sur-
giam do oceano e avanavam cada vez mais
para o meio da ilha.
A esta s vista o ndiosinho ficou transido
de susto e horror ; o corao batia-lhe com
fora em seu largo peito e o fazia tremulo
como se tivesse atacado de aw^a.
(2)
Mas como confiava muito em Deus e o invo-
cava de continuo nos lances mais perigosos
da sua
goataaba,
(3),
jamais perdeu o animo.
Muitas veses encontrando-se de chofre com
um insondvel pego, que nenhuma sabida
lhe offerecia, tinha que retroceder para tomar
nova direco.
Outras veses tentando escalar penedos escar-
pados, e no podendo mais continuara subi-
(1)
Curuca.ua,. fauces.
(2)
Tauba, maleitas.
(3/
Guataau, peregrinao.
da, rolava (Paquellas alturas e tombava re-
dondamente no cho ferindo-se em diversas
partes.
E assim andando por espao de algumas ho-
ras de tombo em tombo, de salto em salto
no descobriu vestgio algum de ser huma-
no, nem mesmo cousa alguma que indicasse
pegadas de qualquer animal.
Procurou tambm inutilmente descobrir
arvores fructiferas e fonte d'agoa doce, com
que podesse matar a sede que o devorava a
tantos dias.
A nica verdura que observou n'aquellas
ignotas e estreis plagas foi uma espcie
de.
ygaba
(1)
que vestia as cemeybas das fragns
^'Itagua.
Aqui e alli vegetavam apenas, nos areno-
sos planos, espinhosos arbustos cobertos c
imyra-rambi}ii''
(2)
e cheios de puas e farpado:?
com ) a urumbeba.
Em todo o espao que elle percorreu r,
nas entranhas dos penhascos cavados pelas
aguas do mar, a natureza era quasi morta.
Oh ! meu
Deus, bradou Mand, suspiran-
do e levr.ntando
os olhos para o co, se eu
(Ij Ygaba, limo.
(2)
Imyra-rembij, musgo de arvores.
m^s^^
^
'^-
.1 -s^S-n*!;
100 MANDU'
permanecer muito tempo n'este deserto, eu
morrerei acabrunhado de dr !
Meus olhos ho de ver estancar-se a crysta-
lina yg-coara.
(1)
d'onde emanam as ceoa-ry
;
a seiva da minha pobre existncia atribulada
ha de mirrar-se ao
koaracy-ary
(2)
abrasador
da cruel saudade.
Aqui, tudo ermo, iapera, panemo
;
a dr
est no corao do exilado naufrago, medonha
como um ambyra
(3)
inteiriado, que espera
pitunume, que venha algum lanal-o e enter-
ral-o na ibj-coaral ! !,.,
Aqui a dr glida, como a H, quando
banhada com os tbios clares cLS jacrtatas',
ella se entranha na alma, como a giboia peo-
nhenta se enrosca na imyra-acyquera
(4)
do
igap.
Assim fallava o Eremicola assentado em
uma das pedras nuas, emquanto descanava
um pouco para continuar a sua derrota.
Depois de uma hora de repouso Mand re-
comeou a sua penivel e vagarosa peregrina-
(1)
Yg-cua.ra, fonte.
(2)
Koaracy-ara, fogo, calor, estio.
(3j
Amhyra, defunto.
(4)
Imyra-acyqura, toco, toro de pau.
o em derredor da Ilha d'Itagua, sempre
com a fagueira esperana de encontrar ao
menos alguma cousa que lhe suavisasse as
suas angustias e tormentos.
Nas fundas e estreitas jicacabas
(1)
dos ro-
chedos o sol serpeava os seus ardentes raios
;
o
calor que n'esta occasio experimentava o n-
dio era esccssivo; o suor cahindo-lhe em ba-
gas pela fronte banhava-lhe as faces como se
fora amana-i^y.
(2)
Os ridos e seccos penhas-
cos e cachopos que o indio pisava semelhava
rbidos brazidos.
A athmosphera era asphyxiante
;
a sede que
devorava o infeliz naufrago summamente
atroz.
Ah ! clamou elle, entre tristes lamentos e
suspiros, no morrerei de fome, e sim de sede
a maiscruel !...0h ! pae do co, Tupan, vinde
soccorrer-me.
Proferida esta fervida invocao, o indiosi-
nho picado pela sede continuou a percorrer
os contornos d'aquella ilha quasi toda forma-
da de rochas aquosas ou estratificadas como
veremos mais adeante
;
de repente o indio es-
taca, e pondo-se escuta ouviu apecatu'
(3)
um
(V) Jicaca.ua, fenda, racha.
(2)
Amana-ry, agua de chuva.
(3)
Apehat, adv. longe.
iSr,js&^.'-^~i
leve sussurrar como de uma fonte que
cor-
ria.. . xro^ro\..x-7^-ro\.
.
O indiosinho dirige-se presto para o logar
d'onde nascia o burburinho.
Era realmente uma yga coara, pouco copio-
sa,, sim, mas lmpida fresca edeleitavel. Nun-
ca outra descoberta lhe pareceu to preciosa
como esta.
Junta a agua corrente
r-cer(?rM'. . .sentou-se
aquella pobre mitanga, offegante de cansao
e com os lbios resiccados.
Receando que estancando de chofre a sede
lhe sobreveria alguns mo incidente, Mand
cauteloso esperou mais alguns instantes para
puder sacial-a convenientemente.
E de feito, passado uma hora comeou a be-
ber a longos sorvos a crystalina lympha do
pequeno arroio.
Depois de extincta a sede, Mand conhecen-
do que a fome o consomia, tirou do picua
(1)
uns farellos de broa ^abaty, um punhado de
farinha de typyoca, poz dentro d'uma cuia
que teve o cuidado de trazer amarrado cintu-
ra, e fazendo disto uma mistura comeu at
ficar farto.
(l) Pica, sacco d'algodo.
;.j^^
ULYSSES DE PENNaFORT 103
Ah ! nunca pensei, disse elle, que a agua
fosse um to grande beneficio de Deus.
Em casa a gente no faz caso d'ella, por-
que em toda a parte encontra
;
aqui n'estes
ridos desertos que se pode avaliar a sua
falta
!
Oh! grande Deus, quanto sois bom, ex-
clamou o ndio cheio de reconhecimento
;
cada benefcio, que de vs recebemos,
,
como dizia a nossa ca,ra mame, um penhor
sagrado de novos benefcios que ainda nos
reservaes.
Amarguradamente foram proferidas essas
palavras por Mand, que n'aquelle momento
sentia a alma toda trasbordar-lhe em ondas
de saudades, elle que arrancado d'improviso
dos afagos e blandcias maternas via-se agora
arrojado por de sobre os mares para junto
d'aquelles mudos lagedos onde jamais pode-
ria encontrar lenitivo de qualquer sorte.
Mand um pouco mais alentado procurou
descobrir a origem d'aquella deliciosa fonte,
e remontando o igarapsinho foi ter mo em
um pequeno valle onde medravam aqui e alli
alguns cardos bravios, alguns arbustos que
elle por no conhecel-os dava-lhes o nome de
micambiras
(1)
;
via-se alli tambm algumas
(1)
Micamhira,, uma espcie de canna brava.
.3r;iS^;5ff.K
'^^sSa^^^iA
104 MANDU'
curiuvas (Ij
e diversas arvores de salgueiros,
mututis
e siribeiras, que iam crescendo jun-
tamente com o auxilio de varias plantas da
trplice familia das amphigenias :
lichens,
cogumelos
e algas, cujas lindas folhagens e
virentes alcatifas emprestavam quelle sitio
um aspecto risonho e mysterioso.
Era alli a nascente do igarap-merim como
o chamava o indiosinho
;
brotava d'um roche-
do, e era to claro e diaphano como um filete
de crystal.
Este rochedo era o mais ngreme e elevado
detoda a ilha; erao ponto culminante d'Itagua-
.
Mand tentou por diversas vezes escalal-o;
afinal ladeando-o descobriu n'elle um suave
declive pelo qual poude a salvo attingir ao pi-
co do rochedo.
D'aquellasummidade tendo em baixo dos
ps toda a ilha cercada pelo immenso para-
nan, podia conversar mais livremente e fali ar
ao vento, ao mar, s aves aos astros, e com
milhes de orbes que gyravam por de sobre
a sua cabea.
Ceretama !
Tupan, Deus grande, poderoso senhor do
raio e do trovo, assim como me arrebatas-
tes da minha ptria e me lanastes n'esta ilha
deserta, so e salvo, nada obstante ao tempo-
ril que se desencadeou sobre a minha igara,
fazei igualmente. Senhor, que depare em vos-
sa providencia um meio para transportar-
me d'aqui ao seio dos meus queridos pes.
Nada vos impossvel.
Em vs deposito toda a minha confiana,
porque sei que sob as azas do vosso amor in-
finito se
abrigam grandes e pequenos.
Em dizendo isto desceu o indio do rochedo
,
fez
travesseiro d'um rolo de mututi
(2)
e esti-
rando-se
debaixo do arvoredo da fonte ador-
meceu
tranquilamente.
(1)
Marcm,
navio de vela.
J\)
Mututi, cortia.
i^:>i^~f;-&
l^-pt^^^ij^^-^-
-^/ft'I'S^v*^?^^'^^^:-
^^K.
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"-*
/
'"ii r^^^immitmimmm
titjXr.KitXvmtmmmitKimtmm
^;-'^i.;-<'?i^^:;
^!^"'^viv^i^^';;?Sn;:;i^ -.--fe^-T^'
^^^w^^^^^^^^^^^^^^
CAPITULO VI
JUMAC
(1)
IQf^oDOs
OS dias ao romper da aurora Man-
^ip d vinha postar-se na crysta do roche-
A"
do para ver se ao ybyri
(2)
do para-
nan-au podia descobrir ao menos a gotinga-
yba
(3)
d'um marctim
mercante, ou alguma
perdida ygarit de pescador que alli junto po-
deria passar.
Debalde porm fatigava a vista lanando-a
sobre a extenso d'aquelle oceano nunca d'ou-
trem navegado
...Oceano terrvel, mar immenso ! Nlobe
(\)
Jumae, fome.
(2)
Ybyri, ao longo, largo.
(3^
GotingSL-yba, vela do uiastro.
ffT2.^^^''^^f^^^
'*'
->*.i'0'f5BiiJB
rt^-^V
---?
^
-'-^ 1-'^'"' * ^'
-^'^-*-',>4V'^-*^S?^;
108 MANDU'
eterna, cuja cabea vendada d'ardentias, es-
tende o ajwra
(1)
para ser aoutado pelo ven-
daval !...
...Oceano ! Esta palavra, diz tudo, a ter-
rvel immensidade ! Occulta
insondveis
profundidades, plancies sem fim, comparadas
com as quaes, as nossas so desertos.
Pergunta Darwin : que so em face d'elle
os mais vastos continentes ? Simples ilhas que
as suas aguas circumdam ! Cobre as quatro
partes do globo. Por uma espcie de circula-
o incessante, qual descommunal Briareu,
cujo C)rao pulsasse na linha das spides ou
na Ecliptica, sustenta-se a si prprio com os
vapores que emitte e com que alimenta as nas-
centes que lhe voltam pelos rios, ou com a
agua que directamente retoma pelas chuvas
tombadas do seu seio. Sim, o oceano a
imagem do infinito, infinito que no se v,
mas que se sente, infinito como o espao que
as suas aguas reflectem, como disse Jlio
Verne !
E'0)cara( da immensidade, que na subli-
me linguagem de Littr, vem bater em cheio
a beira do mar, a orla das nossas praias, onde
apenas occupamos o lugar de um tenuissimo
(l)
jura, pescoo.
^
::^s.^'?i>rT*3g^^j^^5ih^5>2T^
jy^^St^*
^ -
^
-
_
^ -~
^-^
ULYSSES DE PENNAFORT
,J?L~
granulo arenasceo onde passaramos desa-
percebidos, incensiveis atse a voz do infi-
nito no viesse repercutir nos ntimos recessos
d'alma, e muita vez basta que o ttrico e
pavo-
roso rugido da pmcella fira do chofre o
ouvi-
do para se perceber d'uma maneira distincta
o echo salutar e rol;midavel da immensi-
dade...
(1)
i,
)
Foi diante deste incommensuravel abysmo,
apenas agitado pelos furaces e roado pelas
niveas azas das gaivotas que o nosso ndio
esmoreceu canado de olhar...
Ento perdendo de todo a esperana de en-
contrar meio de sahir de seu involuntrio de-
gredo, tratou de gizar algumas traas para no
morrer de fome.
A principio comeou a economisar o me-
lhor possvel a sua exigua proviso de bocca
Dividiu em mdicas raes o seu tembiu\
que como
j
dissemos consistia em uns peda-
os
de po ^abatyxi,
duros como pedras, e
alguns peixes salgados c rancidos, e algumas
fructas
j
meia
putrefactas.
Nunca mais poude comer at fartar-se
;
mesmo assim comendo escassamente o seu
mantimento desapparecia como por encanto.
(1)
Vide o nosso livro sob/ eCenonoiogia
pg.
75.
^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^ii
SS-
110
MANDU
Alfim
chegou o fatal dia em qne o seu es
faimado
estmago devorou mau grado seu o
resto da sua quotidiana alimentao !
A ida
de no ter mais o que comer na ma-
nh do dia seguinte perseguiu durante a nou-
te a alma do indio eomo um plmbeo peza-
delo.
Ao despertar Mand sentiu de veras o
aguilho lancinante da jumc
(1)
dilacerar-
Ihe as entranhas como picos de jandu
(2)
as
tenras carnes do curumin.
Meu bom Deus, exclamou Mand, no he
possivel que me deixeis morrer de fome !
At agora haveis mostrado vossa paternal
solicitude para mim, membeca
(3)
creatura !
Macrocysto. O habitat
geograpliico desta planta immensuravel.
Ella nasce e cresce sobre todos os roche-
dos at a maior profundeza dos mares
;
cresce sobre a costa exterior e extende-se
at os canaes interiores. Desde as ilhas as
mais meridionaes, janto ao cabo d'Horn, at
43 gros de latitude norte, extende-se ella so-
bre a costa oriental. Sobre a costa occidental
d'America extende-se do Rio S. Francisco na
Califrnia, at ao Kamtschatka, Isto implica
talveziim desenvolvimento extraordinrio em
latitude, e na America austral ella pode exten-
der-se sobre 140 gros de longitude desde os
itagiias de S. Paulo
(2),
Trindade e Abro-
lhos at os Bermudas.
(1)
Miciriri, herva com que os Indio se unctam como pre-
servativo contra os kaimans ou jacars.
(2)
Quem atravessa o Atlntico na visinhana immediata
da liha denominada de 8. Paulo encontrar congeres de ita-
guasss uu rochas situadas em O."
58'
de latitude norte e
29.'
n
&:I..V-
;^#*rS_i.,:
^s:ata
'.j^^^'i:i.:^- ^-'.'JJ'"^^:-
=-?Sfefe^^
*f^tl
'f V>-.^
- -
--:-
116
MANDU'
Nada mais surprehendente do que ver esta
planta crescer e mutiplicar-se no meio dos
immensos escolhos da paranan occidental,
onde parece que nenhuma mole granitica,
por mais solida que fosse, poderia resistir por
muito tempo a aco das attenticas yapi-
nons
(1
!
A haste d'esta planta redonda, glutinosa,
polida, e raro mede mais de uma polegada de
dimetro, Reunidas elevam-se d'uma profun-
deza de 50 metros e attingem a uma extenso
de mais 60 braas. As camadas d'esta planta
marinha formam as vezes magnificos e im-
portantes quebra-mares fluctuantes.
E' assaz curioso ver, em um porto sujeito a
aco das vagas, com que rapidez os vaga-
lhes que descem do largo paranan diminuem
de fora e altivex e se transformam em tran-
quillas aguas apenas transpem estas hastes
fluctuantes.
O numero dos seres vivos de todas as or-
dens, cuja existncia acha-se intimamente li-
5.' de longitude Oeste; esto O milhas
(865 kilometros)
da Costa d"America e a 350 da Illia de Fernando de Noronha.
O ponto mais elevado do Itaguar de S. Pavilo se acha a300
ps acima do nivel do mar; sua rircunisferencia mede de trs
a quatro milhas. Este pequeno ponto se ergue abruptamente
das profundezas do paranan.
(1)
Ypinon, onda, ondina.
mm
.^S^5SE
ULYSSES DE PENNAFORT
!i2_.
gada das algas, verdadeiramente espan-
toso.
Podamos encher grossos volumes somen-
te com a descripo dos variadssimos habi-
tantes d'estas encantadas cidades marinhas.
Quasi todas as folhas, excepto as que flu-
ctuam
a superfcie, esto totalmente repletas
d'um grande numero de zoophytos que fal-as
embranquecer. Encontram-se ahi formaes
extremamente delicada^, umas habitadas por
simples polypos semelhantes a Hydra, outras
por espcies bem organisadasou por magnifi-
cas Flustres
(1)
e formosos Ascidianos
(2)
com-
postos. Agarradasaestas folhas esto differen-
tes conchas pratelliformes, Trocos, Moluscos,
nudicaules e alguns bivalves. Innumeros
crustceos frequentam cada parte da planta.
Si sacodem-se as grandes raizes entremeadas
d'estas algas, a gente v tombar uma infini-
dade de mariscos, embrechados, sbas, la-
gostins, carangueijos, crabos de todos os g-
neros, corallinoides, milhars, jacitatas
(3)
martimas, esplendidas Holuthuras, Plana-
(1)
Fluslre?,, gnero de polypos.
(2)
Ascidianos, ascidion, gnero de ascidia da familia
dos
tenicianose dos iichens.
(3)
Jacytsita, estrella.
45..-t:-;^.
1
-
-
rias e animaes que affectam mil diversas for-
mas. Podemos comparar essas grandes flo-
restas aquticas do nosso hemispherio meri-
dional com as florestas terrestres das regies
intertropicaes No meio las folhas d'esta
planta vivem numerosas espcies de peque-
nos peixes que, em nenhuma outra qualquer
parte, encontrariam abrigo certo e alimenta-
o prpria ; se estes peixes chegassem a
desapparecer, os coaxu''-marinhos
(1),
as ou-
tras aves guarapira7~af>
Ci)
e tambm as lon-
tras, as phocas, os marsuinos pereceriam
logo.
Pensamos que a destruio de uma d'estas
florestas martimas, feita em qualquer paiz,
accarretaria ineluctavelmente a morte de va-
rias espcies de animaes, como ha succedido
com o desapparecimento do Celebre macrocy-
to. Eis a razo porque os antigos selvagens
habitantes e senhores d'estes mseros paizes
ora redobravam os seus festins cannibalisticos
;
ora decresciam em numero ou extinguiam-
se completamente, quando por ventura lhes
vinham a faltar os mariscos, zoophytos, crus-
tceos, e numerosas espcies de peixes, com
(l) Coax, corvo.
(2^
Gur-pirara, comedor de peixe.
ULYSSES DE PEWNAFORT
119
a morte d'estas admirveis e neptuninas plan-
tas, como aconteeeu em Chilo, na Terra do
Fogo, Kerguelen e no '^ereiaitl...
Felizmente o nosso Eremicola pojou em
Itagu ainda quando a flor? parananica es-
tava com todo o seu vio Et co ipso fcil lhe
fora ento alimentar-se a guiza d'um Fugia-
no primitivo.
E de feito quem por este tempo tivesse de
atravessar o Atlntico desde a costa d'Ame-
rica do Norte at as actuaes ilhas da Trinda-
de e Fernando de Noronha, haveria d'obser-
varpor vezes alguns pequenos pontos eleva-
rem-se abruptamente das profundezas do
Oceano apresentando variadas e complexas
constituies mineralgicas.
Em muitos logares, por exemplo, os itagua-
u\s
se compem de hoi-nstein
;
em outros, de
feldspatho
;
encontram-se egualmente algumas
veias de serpentinas e diversos gneros de
plantas
semelhantes ao aipo [hornstela).
Facto digno de nota ! quasi todas as ilhas
diz Darwin, que existem em nma grande
distancia do continente quer no Pacifico, quer
no Atlntico ou mesmo no Oceano indiatico,
excepo das ilhas Seychelles, :mo compos-
tas de matrias corallinas ou de matrias
eruptinas.
I
120
^^^\
MANDU'
"
A natureza vulcnica destas ilhas oceni-
cas constitue evidentemente uma extenso
de lei que proclama a grande maioria dos vul-
ces, actualmente em actividade, e existentes
junto as costas ou no meio das ilhas do mar,
como resultantes das cousas, quer sejam chi-
micas ou mecnicas.
Os rochedos de S. Paulo por exemplo, ob-
servados de uma certa distancia, ostentam
uma alvura que deslumbra. Esta cr, porem,
devida em parte, s ejeces de innumeras
multides de pssaros martimos, em parte,
um revestimento formado por uma substan-
cia dura, brilhante, nacarada, que adhre for-
temente superfcie das rochas. Esta sub-
stancia contem matrias animaes em grande
quantidade e sua formao deve-se, indubita-
velmente aco das chuvas e das espumas
do mar.
O sbio naturalista Darwin achou na ilha
da Ascenso ou Trindade
(1)
e sobre as pe-
(1^
Trindade, ilha do Oceano atlntico descoberta em 1508
por Tristo da Cunha no dia d'Ascenso, sita entre a Africa
e a America do Sul, suas margens sio escabrosas e inabor-
dveis, como a que abicou o nosso indio Mand-,
tmmmn
quenas ilhas dos Abrolhos
()1,
abaixo de algu-
mas camadas de guano, certos corpos que apre-
sentavam formas de tnues ramagens eguaes
a que revestiam de branco -OS rochedos.
Estes corpos ramificados assemelham-se
muito a certos nulliporos.
(2j
N'uma parte da costa d'Asceno, onde ex-
istem grandes acervos de areias conchiferas,
a agua salgada depe, sobre as rochas expos-
tas aco da mar, uma incrustao congene
re a certas plantas cryptogamas [Marchantia.)
A superfcie das folhagens de um lustre ad-
mirvel; as partes expostas luz solar tem
cr d'azeviche, as que permanecem a borda
dos rochedos so grisalhas. Vrios gelogos
examinando estes novos espcimens de in-
crustaes so de parecer que ellas so de
origem vulcnica ou ignea ! A dureza e a
diaphaneidade dessas inscrustaes, seu po-
limento, o olor que exhalam, a perda das
suas cores quando submettidas aos modernos
(Ij Abrolhos:
So
assim denominadas as ilhas que occupam
um espao de' mais de 300 Kilometros perto do Rio Grande,
no mar da Costa do Brazil ; existem outras ilhas com egual
denominao no Porto Seguro ou Burahen.
(2)
Nulliporo, familia de plantas marinhas, calcareas e bas-
tante solidas.
:*^-!i
'.^^^J^i
^^s;-^^'-
\/^
122
MANDU
processus
physico-chimicos,
tudo constata sua
intima analogia com as vivas tajts
(1)
e
it^yrys
marinhas. A' origem vulcnica deve-se
tam-
bm a formao da nossa ilha chamada lusi-
tanamente
Ah ! infeliz de mim !
tudo eu tinha em
grande copia !
Hoje, tudo me falta. L o
miap
(4)
yt^a-
(1)
Eucuc, jejum.
(2)
Emcy, fome.
(3)
Cemeiua, margem, borda.
(4)
Meap, po.
_i^
^^^'^^?^-^.;^^i^?fP^
-
,
/-'
:
-^-^^^
126 MANDU'
xui {{), camby (i), cu'' man
(3),
eram outros tantos
temiuns saborosos que nem ao menos agrade-
cer sabia aqum m'os dava ..
Sum o Marata !
E aqui, misria, nada d'isso hanem o an-
dr-kce
(7)
tembi dos tiicuras e
tutuis se en-
contra por descuido !...
(1)
Yrs.xui, mel de abelha.
{2j
Camby, leite.
(3)
Cuman, fava.
(4)
Yatiuca, batata.
()
Mangaritaya, gengibre.
(6)
Retama, ])atria.
(7)
Anira-kicc, uma espcie de hapim, de que se alimen-
tam os gafanhotos (tucuras) e outros insectos (taiui;.
ULYSSES DE PENNAFORT 127
Em quanto assim falava, Mand viu na agua
limpida
doparanan uma multido de peixinhos
de olhos negros e de cr cinzenta-uguicera-
ne
atih piniem ! se eu
apanhasse aqui o meu pind'-mirim-tinga
(2)
;
ento a cousa seria outra.. .e quem sabe se
a mame no o arrumou dentro do meu pi-
cna'
(3)
?,. .Vejamos...
Oh ! ceos, exclamou Mand,
camercan-
(U
Pitei, fita.
(2)
Pind-meriyi-tinga, anzol pequeno.
(s) Picu, pequeno cesto.
MANDU'
9
.^^^'m^^-^^^
-
#i;>;^,i*%j^'':-.;-^r;-.,
. , , _ , r ^
-<..
/:'-
:-\s$e,f'-
mmm
130 MANDU'
do
(1),
e dando saltos de contente, aqui est
elle, o meu pindsinho, agora sim, hei de ser
um bom pi?i-ara
(2),
um marupiara
(3)
pes-
cador de anzol.
((
A goamin
(4J
da minha av bem me disia,
que a quem Deus promette no falta.
<( Supiaua-tu?'uu'-e l... Isto uma grande
verdade! Agora falta somente sca d'anzol
pinda-putaua,
e a linha de pesca
pinda'-xa-
ma ! Isto no to diffcil, posso arranjar
tudo aqui.. .A isca para o ycmda',
j
tive boa
lembrana n'aquella cebui que o
atauat tra-
zia pendurada no bico
;
sem duvida nenhuma
elle arrancou aquelle bichinho no
tyjucupa-
uo
(5)
da ilha.
Emquanto
pinda'-xama, a prepararei de
qualquer imb
(6)
ou itiia\
(7)
que por ventura
encontrar agiirado aos troncos dos mamoins
[avegetaes).
Assim obterei tudo do melhor
modo" possivel.
Preparado
o anzol, a linha e a isca para a
pesca, faltava
ainda uma canna ou merahy,
(1)
Camerica,
v. pisar, bater com pese meos.
[V;
Pin-ara,
pescador.
("i
Maarupiara,
aTortunado.
^i)
Goamin.
velha.
^5) Tyjucupau,
baixo do rio.
(6)
Imb, cip-arum.
(1)
Itua, cip-bolota.
'^mm
ULYSSES DE PENNAFORT 1 3
1
cuja ponta podesse mavrar pinda'-xam
(1);
lembrou-se ento do seu
pococaba,
(2)
o seu
grande basto de siribeira, que elle trouxera
da Igarit, para lhe servir de arrimo na sua
peregrinao atravez da ilha d'Itagua,
pensando que tambm lhe podia servir de
canna d'anzol
ou pmaitica ymira-ui.
E de feito, tomando o seu muraang-a,
[3)
o
tapuyo ligou na ponta a linha que fizera de
cipsj assim convenientemente preparado...
despoz-se ento com toda calma
meuc-rupy
pinaicar, isto
,
apanhar peixes com anzol.
No foi sem pouca agitao e menos receio
que o indiosinho baixou na facaro
(4)
da fon-
te a linha do seu pind-mer^y-tijiga como o
chamava elle.<
Quando o peixe picou a isca o ndio deu
umawwc/ca to forte, isto
,
aoitou com tanta
fora a linha que o peixinho fisgado no anzol
voou pelos ares como um pedao de jepua-
ba
()
rachada pelo saimb-gi
(6)
do lenhador.
Com aquelle
repello dado pelo indio a
(1)
Pin-x3ima, linha.
(2)
Pococaba, porrete.
(3)
Muraanga, basto.
(k)
Jacaru, corrente.
(5)
JepuabsL, lenha.
{&)
Sa.iinb-gi, machado afiado.
k,'",'-
ri^SBiiUttililiiiilMIili
- -li, .1-^-
132 MANDU'
canna da pesca o peixe cahiu de encontro as
fragas feito em migalhas... Mand s teve o
trabalho de ajuntal-as e devoral-as alli mes-
mo sem mais ceremonias, continuando
por
igual forma a subl pina''-monhatigaba.
(1)
Afinal conseguiu sempre com grande jubilo
pegar uma dezena de pira-miunas
(2)
lindos
peixinhos semelhantes na cor do itaiuba\
(3)
Mand, depois de passados tantos tormen-
tos, sentiu pela primeira vez raiar-lhe n'aquel-
la ilha penhascosa uma suave esperana 1
Das garras da cruel fome estava por esta
vez, com a merc de Tupan, felizmente es-
capo...
No auge de sua alegria o indio ajuntou a
sua
pira^-pixma
(4)
e foi concrtal-a no legar
em que havia depositado os poucos utensilios
que conseguiu salvar do seu naufrgio.
Preparn los os peixinhos o ndio procurou
no
panacm
(5)
a sua tata^-putaua-mun-cendy,
isto , a isca para accender lume ; encon-
trando-a reuniu chamias, gravetinhos, fez
(1) Pina-monha.nga.ua., pescaria.
{T, Pir-miuna, peixe, doirada.
{^)
Itajub, ouro.
(4)
Pir-pixama, cambada de peixes.
(5)
Panacitm, 'lesto, canastra.
..5J.V
PBWPWHIM mmmmmmmmm
fogo e poz-se a moqueal-os para sua
ceara-
ma
(1)
e quotidiana membiaba.
{^)
Depois de ter soffrido tanta fome, aquella
pobre pitanghi
(3)
podia agora comersinho at
saciar-se
;
por isso o curumin profundamen-
te commovido ajoelhou-se alli mesmo e deu
graas a Deus pelo immenso beneficio de
tel-o livrado da inexorvel emaacy.
Si o apgaua deve amar a Deus mais do
que ama a todas as cousas,
ba-ttrua' apy-
gaua ac auube o ac Tupana rau^cubei...
oh ! quanto no hei de amal-o agora mais do
que nunca em minha vida amei-o !?
Que seria de mim se vs no me tivsseis
valiUo nos transes porque tenho passado de-
pois de minha estada aqui n'esta ilha d'Ita-
guac
Xef^urare^-ita''-puam-au' ?
Augef^e^manhe' ! para sempre seja abeno-
ada a vossa misericrdia, a catuaba
(4)
com
que me prodigalisastes o mahu\
(5)
Mil graas vos sejo dadas.
Acoe'me
antigamente no vos amava co-
mo devia, vos servia mal, pouco me importa-
(1)
Cep?'ama, ceia.
{1)
Memhiuca.ua., comida.
(3)
Pitangui, creacinha.
(4)
Catuaua, bondade.
(5)
Mah, de comer.
^^
frsxv*,
va ser amado por vs;
agora emquanto o
mundo formando, perpetuamente vos hei de
amar do imo d'alraa.
Am tpey p^ry-anga-aauube
Tupan !
Oh! quem segue a Deus e o ama; Deus
tambm o segue e o ama ; assim ao me-
nos tenho a consolao de que vs no
me haveis de desamparar... Fizestes-me tan-
tas graas que no merecia
;
pois bem, Tu-
pan, agora vos peo que no permitaes que
eu morra sem que torne a ver os meus queri-
dos pes, e depois podeis levar-me para vosso
ibakepe-turyba !...
(1)
Intil fora dizer que o nosso Mand kapora
desde a sua inveno s se occupava da pesca
e de fazer armadilha para apanhar peixe
pi-
r juc^ana-runga.
Todavia o tapuyo ainda no estava satisfei-
to
;
de cima do penedo onde tinha por cos-
tume assentar-se
para respirar um ar mais
puro, via elle que abaixo no
tep-ema
(2j
por
vezes vinham peixes grandes do tamanho da
aroba.
(3)
brincar na superfcie d'agua
cemuca.
(4)
(Ij Ibak-turyua, paraizo.
(2)
Tep-ema, baixio.
(3)
Aroaba, espadarte.
(i) Cemuca, salgada.
ULYSSES DE PENNAFORT 135
7pd!...na verdade, disse elle,se eu pudesse
gapuiar um d'aquelles, ento eu teria man-
timento para muitos dias.
Por certo, que nem o meu pind-merim-
tinga nem a nimboi
(1)
podem aguentar um
pir-uma
[1]
mas hei de achar algum geito
de fisgar nem que seja umsinho.
O tapuyo com a mo encostada a cyba
es-
teve horas a imaginar o que devia fazer n'a-
quella emergncia para pescar na gapenu\
Recordou-se afinal que na carcassa da sua
Igf-t havia de encontrar muitos pregos de
diversas formas e dimenses.
Na manha seguinte dirigiu se o indio para
igarieua
(3)
e tomando uma das suas imyra-
pebas
(4),
forcejou para arrancar alguns cum-
pridos itpus
(5)
alii fincados. Depois de al-
gum trabalho conseguiu sempre arrancar uns,
que com o auxilio das suas it-ky-bubuipedra
pomes e d'afiar, comeou a desbastal-os, po-
lil-ostornando-os de rombo em pontagudos...
Feito isto dobrou os etapua^s eimprimiu-lhes
(1)
Inimbohi, linha.
(2)
Pir-una, melro.
-
(3)
Igarieua, canoa velha.
(4)
Imyra-peua, taboa.
(5j
Etap, prego.
mm^^g^^^^^smm^immmsmim
136
^^ M:^^^?!^^..,...;,^....,,,-.^
o feitio d'um pinda' no qual atou um
inimb
grosso adequadamente preparado de
cips
carimbabs.
(1)
Com esta nova arma o tapuyo volta e inves-
te pirantan
[2)
contra os brincadores tuf^uQii-
pwa'Sy que por varias vezes tinham provocado
a sua emcy.
Foi-lhe myster uma boa somma de pacin-
cia para poder fisgar no seu novo anzol um
peixe maior.
Inexprimvel foi por tanto o seu surcat
(3)
quando viu um grande peixe tremular uSi pin-
da^-xama e cahir aos trambolhes com uma
forte mucica
(4)
nas fragas d'Itagua ! Apag-ul
TAd!... exclamou Ma,nd, cahindo sobre o pei-
xe !.,.
([)
Karimbabo, rijo.
(2)
Pirantan, animoso.
(3;
Surcat, prazer.
(4j
Mucica, o golpe qut; o tapuyo d com a linha quando o
pira morde na isca.
P#^*r4-s?=j
^'**!%
CAPITULO VII
A ITAOKA
(1)
y^^^yuANDO o ndio agarrou o
pir-gua e
r|>^rp
e esganou-o entre as mos conheceu
^iyhi
ento que realmente estava escapo de
morrer de fome.
D'ahi em diante Mand. s se occupava da
pesca.
Umas veses se entretinha em aperfeioar
os pinda's que elle fabricava dos itapu's sa-
cados da velha ygarit
;
outras veses quando
se aborrecia d'esta maneira de pescar soccor-
ria-se a novos expedientes.
O nosso ndio Mand, como dissemos, des-
cendia da famosa tribu dos Tupinambs.
(l) /foha, casa de pedra.
,:%5s.-
^^^,
5!^-.j'^"j^Av^-S-^.^^^'i-^^T9.j^S^fe\v<5'.'
Ora estes ndios gozaram sempre nas tabas
dos seus maiores de bonita fama de caadores
a flecha e a gapunga.
(1)
Na caa e na pesca o selvagem tupinamb
manobrava admiravelmente o arco ; e onde a
flecha ervada do muira-para
(2)
tombava, nas
tabas contrarias, no espesso das mattas ou no
fundo dos rios e dos mares, a morte acudia in-
fallivelmente.
Estes bravos ndios caavam nos ygaraps
o peixe a flecha e qui com melhor xito do
que a pinda\ama.
(3)
Por isso no admira que o nosso Ermicola
hbil fmuara
(4)
instinctiva e naturalmente
procurasse tambm algum meio de fazer seus
muiraparas, covos, giquis. galritos, caminas
ou cestinhos afunilados
;
que gizasse mil tra-
as prsi gapuiaf^ isto ,
extrahir a agua em-
poada nos buracos das pedras com o fim de
apanhar os peixes que a marezia trazia de re-
bolo...
A sua nica distraco, o seu nico prazer,
(1)
Gapunga, engodo com que os ndios chamo o peixe a
flor d'agua para frechal-o.
(2)
Muirpra., arco.
(3)
1'indama, linha de pescar.
(4j
Jemura, frecheiro.
ULYSSES DE PENNAFORT 139
OS seus gnanes
(1)
e companha, ( ram alguns
pirasnhos que elle fisgava e punha no seu ya-
puna ou viveiro ; alli levava o pequeno
ita-
ra
C?)
horas inteiras a abserval-os durante o
tempo da piracema...
Quando estes lhe faltavam entretinha-se em
dar caa aos aroins
(3),
wa'5
e
goiamu's,
(4)
diversos mariscos e mil outros moluscos gas-
teropodios, abundantssimos n'estes logares
desertos.
Quasi todas as manhs vinha Mand assen-
tar-se no viso do Itaguau'
para contemplar o
nascer do sol e aquecer-se aos seus benficos
e vividos raios.
Em uma dessas occasies o indio como ar-
rebitado em xtases pelos encantos primoro-
sos que lhe apresentava o romper d'uma es-
plendida aurora disse :
^i
Aujebetmol...
{)
Esteja embora magoado
o meu corao pela ausncia dos meus pes,
todavia quando vejo brilhar no Ibake
koara-
c^... sinto uma alegria, um consolo grande.
(1)
Ganane, engano.
(2)
Itiara, pescador.
(3)
Aruaim, caramujo.
M) U., goiam, espcie de carangueijos.
(3)
Augebelemol locuo interjectiva : va que seja !
140 MANDU'
^
j
7p
! haver por ventura cousa mais linda
que koaracy-purang !...(!) o seu tata-beraba,
(2)
afugenta as trevas da negra pituna,
(3),
cega a
vista do apgaua,
guia a humanidade nos cami-
nhos da vida, protege-a em seus poraktga-
bas
(4)
e d a natureza alento, fora e vida.
augranh !...
(1)
Koaracy purang, sol brilhante.
(2j
Tat-beraba, raio.
(3)
Pituna, noute.
(i) Porakiaua, trabalho.
(5^
Ibat, ar, ether.
(GJ
Ibyantan, torro
O)
Auga-raura, alma do mundo.
nr-illlii.iiaV"^-
- - ^
"-'--'-^^^:-^ -'
-^ ''^^''^--**ifeKl.=..~;ri^
ifSSg^:;/-'/'
%
-
ULYSSES DE PEWNAFORT
'
141
nunpan'amanay.
(3)
Certamente, agora mesmo
morrerei inteiriado de frio como um tuyu. .('i'
Tupan, dignae-vos mostrar-me um logar
em que eu possa ao menos me abrigar do
frio e da chuva !
Tupaii ! vosso immenso e l)()iiu()S() cora-
o tambm uma grande it, que setve <lc
(Ij
Ibitua, ventania.
^2).
Amanayara, invernada.
(3)
Nupanamanay, golpe de chuvas.
(4)
Tuyu, velhinho.
MANDU' 10
[^A^^^^h:Cs>S'3^iS:S'y''2;^-:
>'''
^^f---...
^ :'-<^-^^:,-, .^^!%^^-:'<^
,.:,,.--<.
';ii^i2g5j>S,^SsiiSs
'
'
"
'
.
"
- -
'
*
'
'"'
146 MANDU'
refugio aos
tatuis, estes pobres insectos, que
se rojam sobre a terra... do alto ibke em que
estaes.-.vsos enchergaes no mesmo ////rera,(l)
em que vivem sepultados.
Pois bem vs tambm sois nosso pae...
dignae-vos baixar os vossos benignos olhares
sobre este cantinho isolado do Itgua onde
encontrareis uma pobre
mitanga
(5)
abando-
nada, longe dos seus pes... dos seus irmos...
devorando suas prprias lagrimas...
Assim falava o misero e desditoso pros-
cripto sentado nos fraguedos d'Itagua, a
cujos ps vinham espedaar-se as japinongas
{')
quando ao longe estalavam as tempestades...
Alli jazia solitrio o
Eremicola
sem mais abri-
go do que a abobada celeste.
No entanto o indio aguardava com horror
a entrada do tristonho inverno...
Este veio afinal espantoso
e tremendo...
D^alli em diante todo o seu maior empenho,
toda a sua applicao,
a sua retentiva, a sua
vontade resoluta cifrava-se em descobrir o
mais breve possivel ura refugio, um asylo
qualquer para se acolher, quan lo o inverno,
o seu terrvel siianhana
(4) comeasse a sua
temerosa refrega.
(1)
Ityhera, limo.
(2)
Mitanga, creana.
(3)
Japinonga, ondinas.
,
{4)
Suanana, inimigo.
-j.-,-as
^ -ifiK^-ix-riT:^'
..*fS-3..-,^.,,'L:-^-, v" '^--v^-,'
-
',
"fc*.,;'>gL ..
--"
^.
\- .^''-':><iiX
->:
'''
^*\-;
ULYSSES DE PENNAFOHT 147
Como dissemos atraz, o
ponto culminante
da ilha, era o alto Jtgua, em que o indio
costumava sentar-se todos os dias, no s
para aquecer-se dos benficos raios do sol
nascente, mas para observar d'alli o oceano
e ver se descortinava l no horisonte uma
igara OU cousa que o valha, qual pudesse fa-
zer aceno e chamal-a para o logar em que
permanecia absorto e silencioso como um
verdadeiro anachoreta theandrico.
Defronte d'est penedo, havia um outro
mais baixo e accessivel. Ora entre dous ro-
chedos avistou o indiosinlio um ihity-guaya,
(\)
todo entapiado de vec'\i;Mit s relvas, musgos
e lichens.
As penedias que circundavam o vallesinho
eram alcantiladas e cheias de fr<-iguras, que
metiam medo a quem quer que fosse.
Mand temeu descer por aquellas escarpa-
das fragas at o
Ybityguaya...
No quiz se aventurar como na primeira
vez, e mais prudente n'esta occasio soccor-
reu-se a um melhor (^xi)ediento.
Vendo que no podia l*.) facilmente galgar
aquellas angulosas its, lanou mo das ta-
boas
da velha igarit
e principiou a formar
com o auxilio d'ellas uma espcie de
met-met.(^)
(1)
IbiUjguaya, valle.
(2^
Metmet, escada, meta, degrau, alem
;
vocbulo ori-
undo do grego.
__
-:^^^'^
'
^fi^
148
'
MANDU'
Feito isto o ndio comeou a
ceriricar
(l) at
o fundo do
ibitygmya,
onde com grande agi-
tao poude observal-o perfeitamente.
Mand distinguiu por entre as enormes pe-
dras que tapavam a entrada d'aquelle estrei-
to e pequeno valie, uma grande abertura em
forma de triangulo
;
dirigi-se para alli ; olha,
mira, e depois de examinar bem a fenda dei-
xou escapar dos lbios um grito de alvoroo
e espanto
:
^Apgu l it-oca I
Bravos ! uma
casinha de pedra! Parecia que a alma triste
e
inconsolvel do indiosinho, vira de repen-
te o rasto luminoso do anjo que Tupan lhe
enviara n'aquelle momento para o livrar da
Morte!...
Ah 1 quando o meu pobre corao, en-
torpecido e quasi gelado de frio, principiava
a se amortecer, quando eu fraco e desalen-
tado me vi no meio do desespero, do hor-
ror... prximo a ser tragado nos insondveis
abysmos do
parananpj^terpe,
(2)
vs como que
me estendestes a mo e me trouxestes so e
salvo esta ilha, onde por egual liberalidade
me destes de beber e comer ; alm de tudo
isto me mostrastes um asylo seguro onde
posso passar agora o grande
amam-ra
!... Ah !
(1)
Ceririca, escorregar.
(2)
Paran&n-pyterpe, pego.
-'-:
'XJ:
:
,?iS?^: .-l^-:
.:..^.--;S:if.,^..^
ULYSSES DE PENNAFORT 149
Senhor, a vossa caridade para commigo no
tem limites...
Ditas estas palavras, o indio achando prati-
cvel a brecha, penetrou no interior da ca-
verna,
e verificou que realmente era uma
ita-oka,
que a natureza alli fizera.
tyqura. No gre-
go hylisma,, hylismatos ou dyliterion.
'
o forn(3CdL em grande abiindancia
para
que sua evapora^^ sobre a /estalactite seja
possvel, ella tomba^^sobre^^solo da caverna,
alli secca e forma um novo deposito, verda-
deiro estalactite que se eleva de baixo para
cima, em vez de pender na abobada. Todavia
para distinguil-o do primeiro phenomeno
chamamos este segundo estalagmite
.
Succede muitas vezes que a estalactite, sus-
pensa na abobada, e a estalagmite, formadas
immediatamente abaixo pelo excesso d'agua
crescem at unir-se e constituem pilares na-
turaes que parecem sustentar o tecto da gruta.
A's foi mas bizarras que revestem as esta-
lactites, e s columnas naturaes, he que as
cavernas devem principalmente o seu aspecto
encantador e interessante, que fere to forte-
mente a imaginao de quem as visita pela
primeira vez, ou de quem vive d'entro d'ellas
como viveu por longos annos o nosso nau-
frago Mand.
Os gelogos descrevem grande numero
d'esta espcie de itokas. Uma das mais bellas
cavernas de estalactites que ha na Inglaterra,
a de Claphan junto a Ingleborough. Ha ou-
tras semelhantes, ricamente incrustadas de
concrees spathicas, nos rochedos de Cheddar
(condado de Somerset), e varias outras no
condindo de Derby. A grutta d'Antiparos no
"^^S^3^;'
'
'
~
ULYSSES DE PEiVNAFORT 157.
Archipelago grego, no longe de Paros, foi
tambm celebre. As muralhas ea abobada
de
sua cavidade principal eram cobertas de im-
mensas encrustaes de spatho calcrio que
formavam ora estalactites suspensas no viso
da caverna, ora pilares irregulares
fincados
no cho. Muitas columnas tocavam at a abo-
bada, e outras juxtapunham-se pela unio
da estalactite superior com a estalagmite in-
ferior. Estas columnas, compostas d'uma
substancia que vae pouco a pouco sedimen-
tando-se revestem depois as formas as mais
formosas e phantasticas. Centelhantes cristaes
de puro e niveo spatho reverberam a luz das
tochas dos visitadores que penetram n'este
palcicio subterreo d'um modo que fazem acre-
ditar em todas as descripes romnticas que
se tem feito d'este lugar, de suas espeluncas
de diamantes
e de seus castellos e basties e
muralhas de rubim, de topzios e cidades en-
cantadas feitas de U^avestins.
(\)
A simples verdade, desprovida de toda e
qualquer exagero, basta para excitar a ad-
mirao e inspirar um sentimento de res-
peitoso pavor, semelhantemente ao que ex-
perimentava o nosso Ermicola toda a vez que
via-se constrangido a accender lume em sua
Itoka.
(1)
Trauestin, espcie de pedra toscana.
't^^-'tr'-r^-
-V:" :-...
itSfaa
158 MANDU'
Algumas vezes uma simples fractura lon-
gitudinal feita na abobada da caverna, em
virtude da direco que toma a agua no acto
d'escoar-se, forma uma espcie de biombo
ou tapume perfeitamente transparente.
Nas cavernas descobertas na America do
Norte e em algumas da nossa gleba brazile-
na encontram -se exemplos admirveis d'esta
espcie de pantheon geolgico.
A Itaoka descoberta por Mand offerecia
alguns similes com as que jazeiri situadas no
topo das coUinas calcarias, parallelas aos
Montes-azues.
Na itaoka cm que providencialmente habi-
tava o noiiSO Ei^mkola uma fenda estreita e
escabrosa conduzia a uma longa caverna,
onde por vezes, as figuras as mais grotescas,
formadas pela filtrao da agua salgada atra-
vez das ca-iiiadas de conchas, se offereciam
a vista espantada do indio, mormente quando
de
p
ou assentado no cimo da grutta in-
conscientemente observava os dbeis clares
produsidos pelo fogo alli ateado, cujas laba-
redas subindo do antro da caverna projecta-
vam-se especularmente atravez das galerias
superiores.
Aqui encontravase uma espcie de it-
meta'
(1)
que condusia a uma nova gruta pro-
(1)
It-met, degrau de pedra.
ULYSSES DE
PENNAFORT
159
funda, de formas
irregulares e de
uma bel-
leza rara medindo cerca de cincoenta
ps so-
bre trinta de extenso.
AUi vam-se
incrusta-
es suspensas como um
lenol d'agua e se-
melhando uma pea de panno
que se desen-
rola e logo depois congela-se.
Ora de
p
sobre um magnifico pilar de es-
talactite, ora assentado sobre bancos
cir-
cumdados de pinculos de spatho
vinha o
nosso heroe ao lusco fusco
contemplar
:
^j
os effeitos maravilhosos produzidos
pelas lu-
zes do seu tata'-puinha
(1)
j
os sons
harm-
nicos, doces e suaves emittidos
pelo agrupa-
mento de estalactites, que semelhantes a enor-
mes tubus de um grande orgo
estendiam-se
caprichosamente por entre os
acervos de es-
talagraites
lane,
Ruba
sentia o corao enchcr-se d'unia con-
solao e alegria ineffaveis.
A fora de repetil-as estava profundamente
compenetrado de que Deus eraoseu verdadeiro
Pae :
lan Pai, ah o-/kd uaha' iuaka up.
Ento era que repassava na mente todos os
benefcios prodigalisados por Deus, desde a
casa de seu pae, at o ponto d'aquella hora.
Assim no koaracy-ri
(1)
quando via nascer
e por-se no oceano o sol, bemdizia loaracy
pelo seu calor, que vinlia vivificar as poucas
arvores de japes
(2)
c ibirubs
(3)
que existiam
ViG ybitygoaya
;
quando via o pesado ibytura-
na
(4)
despejar-se sobre as ita^s, bemdisia
amanary
(5)
por vir refrescar as rochas esbra-
seadas, e reverdecer as plantas e reforar as
nascentes.
(l) Koaracy-ra, estio.
(2^
Jacapc, ka})im marinho.
(3)
Ibirub, espcie de cacto,
(4)
Ibyturana, trevoada.
(5)
Amanary, agua da chuva.
MANDU' 11
5&^
162 MANDU'
Ento que no cessava de exclamar ;
ita'-meta''
Pir-pane'm, a es-
trella d'alva, o piloto da manh;
CefuQu\
o sete estrello ou pliadas
;
l est
Rud,
(3)
o guarany-tinga, que reside na ybitumane^
mandando ora Cair,
(4)
ora Caititi
(5)
desper-
tar saudades no corao dos apgauas ausen-
tes... para fazel-os voltar depressa a sua Ba-
niu,
(6)
para descansar de suas longas viagens
e fadigas...
(1)
Guir-ponga, pssaro gentil.
(2)
Kaee, mata virgem.
(3)
Rud, deus da guerra.
(4)
Cair, lua cheia.
(5)
Caititi, lua nova.
(6)
Baniua, tribu.
,_ .
Jj
n
172
MANDU'
,
c^
L est
Gua^au, o
carangueijo
;
Yaa-
iim,
o avestruz branco que come sopi de
pssaro... E outras e outras que ia
maenduan-
do
(1)
e cujos nomes ouvira pronunciar pela
sua me ramuya.
De dia encostado aos mututys, que
serviam
de guarda porta da caverna
oketia piaaua
ta-oka-uio ndio espreita no solitrio valle
a natureza.
Alli descobre o leve insecto, que zumbe oc-
culto na itaipava ; acol rochas cobertas de mus-
gos e de lichens que entapiam sua rstica e
humilde casinha de pedra ; alm da ourela do
ybitiguaya, onde o terreno cava e se bifurca,
descortina as potyras
(2)
da encosta que com
seus olores iam embevecendo-lhe e lhe des-
pertando n'alma mil saudades de sua almejada
cetama...
Em presena do que observava o ndio no
poude deixar de exclamar :
Oh ! sim Tupan, tudo, desde a mais alta
palmeira que se baloua sobre as cemeybas
(3j
do Amaun, at o mais humilde /a/Mz...occul-
to na relva, desde a brilhante jcytata at a
veia da tajub
(4)
que se forma na mais fun
(1)
Maendu, lembrar.
(2)
Putyra, flor.
(3)
Cemeyba, margem.
(4)
Itjub, ouro.
ULYSSES DE PENNAFO*RT_____173^
da camada da terra, tudo annuncia o vosso
poder; o universo inteiro est cheio da vossa
gloria
;
o co e a terra so por assim dizer o
templo de vossa grandeza infinita; o meu co-
rao ser (;l'ora'avante um altar consagrado
ao vosso culto !
E' bem precria e assustadora na verdade
a situao do infeliz, que v-se constrangido
a viver na solido, onde no encontra se quer
um amigo a quem confiar possa as suas ma-
goas e pezares I...
A nossa cainheza ha mysterde um arrimo
;
aquelle pois que naufraga n'um mar d'amar-
guras imagina que a menor taboa o pode sal-
var, e pede, e supplica a outrem que tenha de
si commiserao, como se a compaixo fora
um pre&ervativo que o pode bem livrar da
morte imminente.
Tal era a desgraada sorte a que se via re-
dusido o solitrio ^Itguau\..
Apezar de todos os dias contemplar o co
e a terra, a natureza, emfim, como um im-
menso templo dedicado a Tupan, Mand al-
mejava ter comsigo um qualquer signal chris-
to
que lhe avivasse cada vez mais os
seus
sentimentos de fervor e piedade.
Impressionada com esta prazenteira ida,
aquella piedosa creana lembrou-se um bello
"^7*T^?^^!^'^?' '^R^*
'I
J
^^^'^^^r^-
^^^-"
dia de preparar com a sua perspiccia um
d'estes symbolos de devoo. Tomou dousjCi-
coaras
(1)
de mututys, desbastou com o
iiagi-
mery a sua parte exterior e mais grosseira,
lavrou-os e poliu-os
;
depois entalhou n'estes
troncos de cortia a figura de uma cruz de
pau, a qual deu-lhe o nome de Juba.
Osculando-a, reverentemente foi collocal-a
bem no viso da
Itttoka
;
tomando assim aquel-
le sitio a forma de uma Ermida :
Tupan-roca
sangaua.
AUi fazia elle as suas oraes. ..e amiuda-
damente dizia
:
Oh ! Santa Juaaba,
eu vos adoro, porque
fostes o glorioso instrumento da rainha sal-
vao ! Fostes vs que reconciliastes o Ibke
com o
Arducet
(2)
e alcanastes de Tupan o
nhyronara
(3J
dos peccados !
Preciosa JusLQSLba., vs sois a consolao
dos afflictos, o allivio dos desgraados ; eu
me consagro para sempre a vs ; me uno a
vs, como avs se uniu Tupan T^yra,
o vosso
divino Filho que morreu por pregado em
vossos braos !...
(1)
Pa.cua.ra, rolo.
(2)
Araucei, inundo.
(3)
T^hyronara, perdo.
SS^T
::>^V-:
ULYSSES DE PENNAFORT^____^^_
Sede pois, a minha for^aqu
n'esta
Ilha dltagua, tende d das minhas penas,
sede a minha
saroncaha^
(1)
e
levai-me a casa
dos meus pes !
Em dizendo isto, abraou-se com
dijuaQaba,
e beijou-a carinhosamente...
D'est'arte habituou-se o nosso
Eremicola a
fazer todos os dias pela manh e a noute as
suas piedosas supplicas diante da Cruz de pau
que elle denominava seu Oratrio :
luaaua
Tupan-roka-mery.
Uma grande pedra que es-
tava junto a Itoka lhe servia de suppedaneo.
Mand repetia continuamente aos ps da
Juaaba
as suas rezas, que elle comparava a
um thesouro de preciosas
muirakitans, que
ningum jamais podia roubar-lhe, e cujo valor
julgava inappreciavel.
Recordava-se sempre do que seus pes lhe
haviam referido acerca de alguns mission-
rios, Par-abunas,['2) iscipulos de Christo que
viveram muito tempo no meio das selvas do
Brazil pregando a boa novao divino Tupan-
nhenhenga.
(3)
Lembrava-se muito do que seu pae lhe nar-
rara s^bre o grande Paj-abuna Anchieta^
o
'-
ii
([)
Saroncaua, esperana.
(2)
Pay-abuna, jesuta.
(3)
Tupan-Nenhenga, Evangelho.
DAMAGED
PAGE(S)
176'
_ ^^^53L k.-^
padre voadol como o chamavam os ndios
brazilenos, os seus
ramunhas
;
(1)
d'aquella
maranduba
(2j
do velho indio que encontran-
do-se no deserto com este Gram-Pay, pediu-
Ihe a boa vida e o baptismo, e como este padre
apresentando-lhe o crucifixo
tupan-tayra ran-
gauf fez-lhe comprehender o amor que im-
pulsou ao Filho nico deTupanabaixar dos
cus a terra em nossa busca
;
como foi tra-
tado barbaramente, e como por ns morreu
pregado na Santa Juaaba ; como patenteou-
Ihe os sublimes mysterios da F christ, e con-
feriu-lhe em vista da sua boa vontade o santo
ceroca
(3)
com a
manary
(4)
impondo-lhe o no-
me do primeiro apgaua
(5)
do
apum
(6j
Ado-
land paya
ypy
;
como erguendo-se o bom do
velho indio, agradeceu a Tupan e ao pay abuna
"'-
as graas recebidas, e como alfim desfalle-
cendo... alli expirou nos braos do mesmo
santo Pay, que teve a dita de assegurar-lhe a
posse da bemaventurana
Tupan rc be^ua.
Recordava-se sobretudo de um facto succe-
(1)
Ra.munha, avoengos.
(2)
Afranduba, historia.
(%)
Ceroca., baptismo.
(4j
manary, agua da chuva.
(5)
Apgaua, homem.
(6)
Apu&m, globo.
^^3K.-.-=^^
ULYSSES DE PENNAFORT 177
dido com um outro pay-abuna Gabj,
(1)
que
foi salvo da morte por duas ndias mitangas
(2)
por elle baptisadas, as quaes correndo para
a choupana em que estava o padre, exclama-
vam : Foge, depressa
'Pay,
foge que te que-
rem" matar 1... foge comnosco, ns te salvare-
mos, embora nos matem!... e que o padre
no podendo conter as lagrimas procurou
convencel-as que voltassem a casa de seus
pes afim de evitarem a morte, e que ellas se
oppuseram dizendo por entre soluos : Oh
!
querido
py
Gaby, ns queremos ir comtigo
pa.r3i o
ibake
; vera... foge que ainda tempo!...
Fugir! Para onde? disse o Padre, bem sa-
beis, meus filhos, que os nossos inimigos nos
cercam por todos os lados
;
por onde quer que
formos perseguir-nos-ho e no poderemos
escapar... E que ento um dos curumins su-
bitamente inspirado apontando para o cru-
cifixo que pendia do pescoo do Padre, bra-
.
' dou
:
emaacycomo dizia.
Uma vez voltando da pesca com uma pirJ
pixamct
(2)
enfiado no dedo, ao ganhar o valle
em que estava situada a gruta, resvalou, e
cahindo feriu gravemente o
p
no afiado gume
das itans
(3)
que o mar custuma arrojar alli
de quando em vez d'encontro as fendas d'/a-
guaii.
O sangue correu logo com abundncia
(IJ
Ema, doena.
(2)
Pir-pixama, cambada de peixe.
(3)
Kan, concha.
~^^-^j^^rmM_ H
-&-.
da ferida, que pouco a pouco enflammou-se,
causando-lhe grandes e profundas dores.
Depois que o golpe creou chaga, sobreveiu-
Ihe uma
febre ardente
;
a pobre creana mal
tinha foras para levantar-se.
Com
muito custo e grande difficuldade ia-se
arrastando at a beira da nascente, onde ape-
nas podia encher d'agua o jamaru'
(1)
para
mitigar a sede que o atormentava cruelmente.
Nos dias em que estava com febresno
experimentava fome, porque a mesma febre
lhe servia de alimento forado. Alli tudo lhe
faltava para curar a sua profunda chaga
pereua-tp.
De certo o pobre indiosinho jamais se vira
em condies to tristes e precrias desde
que sahira de casa.
Mand sentindo o corpo oppresso com lan-
cinantes dores, devorado pela tauba
(2/
baldo
de todos os recursos, estendido em duro leito
''acaymira
(3)
l no fundo d'uma caverna, sem
lenimento de qualidade alguma comeou a
recordar-se vivamente do seu lar domestico
Ah! exclamou elle, quasi em desespero,
l em casa, quando eu me queixava de qual-
'1) Jamar, cabaa.
(2)
Tauba, febre.
(8)
Acaymira, ramo secco.
..
'!
ULYSSES DE PENNAFORT 181
quer doena, com que bondade, com que ter-
nura, com que desvello no era tratado!....
paesinho ia logo chamar o pay, emquanto a
minha me me prodigalisando os seus cari-
nhos, trazia a poanga, a refrigerante ua-
ba
(1)
o saboroso mingau\
o
confortante min-
dypj-ron
(2),
emfim tinha todo o cuidado que
uma boa me pode ter para com um filho a
quem mais estima.
Os meus irmosinhos vinham tambm por
sua vez me fazer caricias, me acompanhar,
me consolar, mussarai
(3
em roda de mim.
Aqui estou s... rtWd !... sem ter ningum
que me valha !... Ah ! que cousa mu*n
(4)
morrer assim lanado ao abandono !,.
Ao proferir estas ultimas palavras Mand
chorou convulsivamente, juntou as mosinhas,
ergueu-as para os cos e principiou a orar :
Oh ! grande Deus, Tupan, Pay celeste, ca-
ridoso ! vs que tendes sido o meu nico re-
fugio, oh ! no me abandoneis agora que
vejo-me completamente desamparado do mun-
do ! Senhor Deus de misericrdia, a minha
sorte est nas vossas mos, tende piedade
de mim ! At o presente me haveis protegi-
(1)
Uuaba, bebida.
(2)
Mindipyron, papas.
(i) Muarai, v. brincar.
(A) Meuan, adj. ruim.
gi-|is*' -^^my'
'**"
-, - -A^-
- <-L %.
-5* ST
182
MANDU'
do ; continuae, pois Pay, a prestar-me o vos-
so soccorro
;
dae-me sade, no permittaes
que eu morra n'esta ilha deserta, e condu-
zi-me ao seio dos meus queridos pes !...
Houve um instante de silencio. O indio
aquietou-se... e depois falou com mais placi-
dez :
Bem sei, Senhor que eu sou a causa dos
meus males e da minha desgraa ! eu me
reconheo culpado
;
muitas vezes fui mal-
criado e faltei o respeito devido aquelles a
quem devia venerar.
Por isso, Tupan, vs me castigaes agora
com o desamparo n'esta ilha e com a doena ! . .
.
Pay celeste, perdoae-me... eu me arre-
pendo de minhas faltas passadas, e prometto
no recahir mais n'ellas. No quero ser in-
grato para vs, nem pagar mal os benefcios
que de vs tenho recebido... Ah ! vs no
sois injusto, como falam os que vos no co-
nhecem... Sei que a vossa bondade no tem
limites...
Tupan, eu me entrego a vossa discrio,
me abandono aos braos da vossa Providen-
cia... A liihha sorte deposito-a em vossas
mos; desponde d'ella como vos aprouver !...
Taes eram as preces e as meditaes que fa-
zia o nosso Eremicola durante a sua emaacy ! . .
.
t^^k^:-:'
--
ULYSSES DE PENNAFORT
1^_
Entrementes
vegetal e animal.
J^-y^-^-.
-
-^'
cfeg;.a^^^;,-V
-
yc^s^
Tf^-^^-
-i^^.^-
^
'f
"
-
M
^
-'*'^7?^^^?~i^
CAPITULO X
CE-RETAMA !
0)
^r^l^and
(2)
se bem que tivesse recobrado
T^/l
^ sade e conseguido arranjar roupa
wVw
para no mais tiritar frio
rjry-tu-uy,
todavia no estava satisfeito, porque de vez
em quando lhe voltavam as cruis saudades de
sua casa paterna
tec-cat-anga.
Ento o pequeno abandonava-se a uma ma-
goa infinda...
Para desafogar este irrequieto pendor e im-
moderado sentir da natureza banhava o peito
com saudosas lagrimas... e com gemidos e ais
atroava mar e ce(>s.
Teit-ex. Ai
I
de mim ! exclamava elle,
j
l se foram os mimos, os brincos pueris, as
loucas travessuras
ce mu et merim
(1)
as vo-
zes mimosas de Miriba, os encantos innocen-
tes, e as caricias maternaes...
j
no tenho
quem me faa os festejos carinhosos; aquel-
le suave e doce alvoroo com que fagueira-
mente eu acudia ao chamado de meu pae, que
trazia da roa a suspirada
ib.
(2)
Ail
tudo isto acabou-se para mim !... Ah
tejup
(3)
querida ! bero do meu nascimento !
abenoada terra onde cresci e vivi, pelos cos-
tumes dos meus avs
!
Se qu ramunha itl...
(1)
Ce mu merim het, meus irmsinhos.
(2)
Iba. ou eua, fructa.
(3)
Tejup, cabana.
..^M^^r'-
---'
r-;:^ ,1;
I^- -i-i,'
jWr
ULYSSES DE PENNA.FORT
i?5_
A quantos annos no estou longe, do meu
torro natal ?... Mure ciu pcat intima-
pan xa-iko ce-roca uil... Acau' moapyr \
(1)
L onde, Ycj he to meiga, koaracj to
formoso, o iBke to risonho!... Certamal
oh 1 minha ptria formosa
Ce-retama puran-
^a!...oh! minha me, a saudade que agora
sinto por vs me causa uma dor immensa !...
me enche o corao d'uma inconsolvel ma-
goa... J no posso mais soffrer. .. a pallidez
me toma as faces, a Idririm
(2)
se apodera de
mim
;
dos lbios fugiu o
mopuc'
; (3)
as foras
vo-se diminuindo e
j
no me ajudam a sup-
portar por muito tempo o
muterica-reta-
mail...
(4)
Tenho pressa que se acabem estes
trabalhos... Ch iko obau arama ua tnura-
queaua-et' !...
Assim descorria o pobre ndio que com as
saudades paternas sentia augmentar-se-lhe a
desesperana... No admira a exaltao men-
tal do nosso ndio
;
sobretudo quando elle
enche-se de sobresaltos, de inquietao, de
desassocego em face dos perigos que de con-
(1)
Acant-moaper, trs annos.
{1)
Kiririm, tristeza.
i
(3)
Mopuc, riso.
(4)
Muterica-retamai. degredo.
MANDU'
13
E;^..- -^^J^^sa^aS^^i^./j^^-^
194 MANDU^
tinuo o assaltam no meio d'aqaella fragosa
ilha.
A sua prpria natureza ou in-lole selvagem
muitas vezes o ha de iTnpellir a certos ex-
cessos de dores causados por uma espcie de
nevrose nostp.lgic-^i
;
que he uma excitao
dos rgos que presidem a imaginao e ao
sentimento.
Este mal p^ychologico que principia pela
melancholia pode degenerar at n'uma sorte
d'alienao phrcnogenica.
E ningum he mais susceptvel d'este ter-
rvel mal do que os nossos indios brazilenos.
E de feito quando por ventura elles se vem
longe da sua cetama, do lar em que habitam,
quando se vem lanados fora dos seus rios,
dos seus mares, das suas niattas, se deixam
possuir do desespero da separao, da sauda-
de da ptria:
Xeretama-maac aqiiecura rupi...
Ento uma harmonia, o perfume d'uma flor,
um canto d\ima ave, podem n'uni momento
dado, despertnr irelles o sentimento delicado
d'csta paixo... e para de logo voltam ao pas-
sado, c tornam-se presas de iiluses extinctas,
de barbaras suspersties, e deixam-se ator-
mentar por pezadellos enormes c pavorosos
phantasmas...
E' uma afleco ingenit? e endmica entre
ULYSSES DE PENNAFORT 195
OS povos selvticos e
fetichistas, subitamente
arrancados do solo querido da ptria onde
nasceram para ouiros sitios longiquos. .
Nas grandes naes dos valles d'Amazonia
he a nostalgia muito commum entre os n-
dios Mranhas e os Mundurucs a cujo mal
bem poucos sobrevivem.
Bem como os arbustos das montanhas, a-
fundam as raizes na terra e morrem quando
por ventura so transportados
;
assim o ho-
mem quando mais inculto e bravo o seu tor-
ro natal, mais elle prende o corao e a
vida.
As manifestaes, entretanto variam.
Entre os africanos no Brazil, a sua nostal-
gia era to terrvel, que por vezes termina-
va-se pelo suicdio, pelos accessos de demn-
cia ou por uma dermatose vulgarmente de-
nominado de langa.
Elles os pobres escravos afugentavam os
soffrimentos nostlgicos com os vapores do
pango
(1)
que OS embriagava na convulsiona-
^1)
Pango, erva brazilena, chamada vulgarmente fiamba ou
dyamba. hoje abundante no Par. Os seus effeitos opiolo-
gicos so terrveis. No peridico Cearense escrevi sobre esta
planta uma longa serie de artigos.
196 MANDU'
ria
pora-cya
(1)
ou na vertigem delirante do
ktimunda7tgo
.
(2)
Com os nossos ndios o caso differente, ob-
serva Agassiz : ou depois de algum tempo de
expatriao fogem para as suas florestas, ou
a molstia (emacy)
reveste as formas depres-
sivas e expansivas, com exaltaes estticas,
bizarras e exticas...
O tapuyo, que he o indio civilisado, recebeu
inteiro e egualmente a herana paterna, que
a transmitte aos seus descendentes.
A nostalgia dos ndios inopinada e brusca-
mente arrancados das suas tabas, das alegrias
do
tapujatama
he por vezes acompanhada de
phenomenos menos surprehendentes na ap-
parencia, mas physiologicamente mais assus-
tadores
;
bem como : falta de appetencia para
tomar os alimentos, desarranjos gstricos, al-
lucinamentos. hepatites, tristeza mesclada de
terrvel melancholia, e demais calma seguida
de aspecto sombrio e taciturno. Quando por
ventura se vem de chofre n'um meio social
que os desgosta, recusam o qu3 se lhes offerece
incommodam-se sem causa, obstinam-se no
silencio
ceretama
yuyayui.
Ttunarame
(2),
quando as nebulosas iacita-
tas estendem no bake o seu pallido cendal, e
a sua me
primognitos da natu-
reza, tamanhas so as influencias pliysicas e
moraes que os assaltam, submettidos a civili-
sao, que o coroUario d'esta superexcitabili-
dade provocada lie a nostalgiao mais bello
apangio de uma fraqueza to generosa e to
intrinsecamente physiologica.
Ora sendo Maod descendente da grande
nao dos Tupyiiambi;, tribu possuidora de
um dos mais vastos e ricos tcnritorios do Ar-
but-u, est provado que os seus costumes
no podiam destoar do modo especial de sen-
tir dos seus parentes e antepassados
anama-
iand j^amuya !
Por tanto as saudades que experimentava o
nosso ndio da sua gente, do seu bero natal,
do seu querido igapura
(1)
deviam de sei pun-
gentes e inexorveis.
No o pungio tanto as amarguras curtidas
presentemente n'aqueila pavorosa ilha d'Ita-
gua, no o magoavam tanto os males phy-
sicos, a fome, a nudez, a doena, como a re-
cordao dosbellos dias de innocencia e de
paz que fruir no seu mimoso torro natal,
Ce-retama !..,
(l) Igapura, solo.
>^-..JLj5eeggepi
L
i
'iiiiiiji jwi
IS
^
MANDU'
^
O aractu',
(1)
a yroiang,
(2)
o
sussurar da
fonte, o canto do sabi, o balouar das arvo-
res, o d"ce perfume da manaca\
(3)
o valle um-
broso, os verdes ibytyras,
(4)
tudo isso anto-
Ihava-se-lhe deante dos olhos, .e o constran-
gia a bradar como que allucinado : Quando
para mim, msero mutreca,
(5)
raiar o suspi-
rado alvor do sol da Ptria? !
Quando terei a ventura de ver todos os
sitios amados do meu ybyf^antan ?
(6)
Quando tocarei com os lbios a minha po-
tyra, a linda florzinha do prado, que tantas
vezes colhi para ofxertar a Miriba que tambm
me trazia muitas flores bonitas, boninas chei-
rosas e violetas silvestres ? !...
Quando ouvirei de novo o canto dos gui-
rsinhos pousados na hora da sesta nos galhos
do nrandina
{!)
?... o grito da irponga...
o
pairar da arary?,^.
(8)
Ah ! com que alegria no tornaria a ver
(1^
Aracat, vento bonanoso.
(2^
Yroia.n, zephiro.
(3)
Manac, flor dos campos.
(4)
Ibytyra, collina.
{5j
Mutereca, abandonado.
(6)
Ibyrantan, torro.
(1)
Narandiua, laranjal.
(8j
Arary, arara encarnada.
5 ."""~'"iE''*~i'"
ULYSSES DE PENNAFORT 201
todos os Saps por onde corria em busca do
gaturamo
e do ligeiro caria? ...
(1)
Ai de mim
i que eu morro aqui esmagado
com o peso das cruis saudades e lembranas
do meu serto !...
Ixe^ ! ke otnan tican poc/ irumo cobecatu'
ui ce tapuitama guiara \
Como os sentimentos nostlgicos assober-
bavam cada vez mais o espirito do indio elle
sentiu-se de novo impellido a subir a mido
ao predilecto viso do Itagua para ver se des-
cobria por acaso algum Marcatim ou Ygari-
t l no alto mar. .
.
Por vezes chegou lobrigar vrios navios de
vela que de feito pareciam tomar a direco
d'aquella ilha ; ento seu corao pulsava de
jubilo ; mas para de logo desvaneciam-se de
seus oiti os...
Aquillo lhe dava a entender duas cousas
;
ou tudo o que via no passava de uma pura
viso d'optica ; ou estes navios no podiam
nunca approximar-se da ilha em que estava
desterrado... O indio bastante impressionado
poz-se a ponderar comsigo a razo porque os
navios que avistava apenas chegados a uma
certa distancia, mudavam logo de rumo.
(1)
Caria,, gamo.
~''t"^-^;'.^k., w'-
Qual o
motivo, dizia elle de si para si, e a
razo porque estes maracatins ygaritds pas-
sam to longe destas tendaus, (I)
e em vez de
tomarem um caminho direito, ou de segui-
rem os umups
;
('2) andam s banzeando d'um
lado para outro, da direita para a esquerda ?
No conhecero por ventura os jacumay-
ba.s
(3)
esta ilha, onde existem tantas cousas
preciosas, tantas yr/rys
(4)
d'onde se extrahem
prolas, muirdikitdins e tantos peixes de con-
chas .j-t-riripewSy cB,rL\7nujos amijoas e me-
xilhes ?...
Ah 1
se os tdpeja.r'ds
(5)
do mar soubessetn
o que ha por aqui, se vissem o que cu tenho
visto, por certo que viriam direitinho aonde
eu estou...
Ento saberiam que ha aqui maravilhas
que bera meditadas confundiriam o maior en-
tendimento, e encontariam a mesma cuapa-
b.
(6)
Na verdade se um indio tinha tanto que
admirar n'aquellailha de rochas, quanto mais
o naturalista !
Alem de innumeras classes de
(IJ
Tendaua, regio.
(2)
Umup, canal.
(3)
Jacumayba, piloto.
(4)
Yriry, ostra.
(5)
Tapejara, pratico.
^6)
Cuapaba, sabedoria.
ULYSSES^DE^ PENNAFORT 203
animaes radiarios que vivem ora no fundo do
mar, ora fixos aos rochedos, encontravam-se
alli os elegantes zoophytos da classe dos aca-
lephos, as meduzas, as physophoras e os lin-
dos coraliarios da classe dos polypos
;
as ma-
drporas, as anmonas do mar, semelhantes
a flores de cores brilhantes e variegadas...
Deixando de parte os hemogeneos protozo-
rios que vivem geralmente em conchinhas
microscpicas... he opinio commum dos ge-
logos, que essas enormes massas de rochas
calcarias, contra as quaes vem quebrar-se as
vagas do Oceano, so obras d'esses insignifi-
cantes seres ou entes deno-minados polypos
oii ^oophytos... O loophyto um pequenito ar-
tfice que fabrica a pedra para a construco
da prpria casa que habita. Elle nada possue,
nem planta, nem cinzel, nem trolha, nem cu-
Iher, nem martello, e nada obstante desde as
profundezas dos abysmos at o mais alto do
tllsitan...
(1)
as suas construces de pedras
so mais rijas e durveis que todos os traba-
lhos juntos do homem.
O loophyto pertence a forma a mais sim-
ples da creao animal, e
zoobiologicamente
Cl)
Taltan, talassa, vocbulo grego que significa mar
;
deste originam-se os nomes tupys de Paranan, para, mar.
^g^^ijgjjSLiisi^smstmii
^04
MANDU^
falando he o que occupa o logar
intermdio
entre a planta... e o animal. D'ahi a origem
da palavra loophytOy
que significa litteralmen-
te
manuu
;
d'essas
transmigraes bhramanicas.. .dessa cerkoe-
na{\.) das suas faanhas bellicosas...das suas
fascinadoras porandubas de viagens, das len-
das e narrativas de suas caadas e peregri-
naes atravez das florestas I...
D'ahi a propriedade quasi miraculosa de al-
gumas de suas plantas,symbolo da liberda-
de
maracaima piramonhan-
gaua...
O tapuyo imagina ver nas encarameladas
folhas do i/Mr... rociadas de neblina os la-
nhais
(2)
de prolas d'uma mystica ajuru^
(2>)
que oscula com o meigo sussurrar da jroian
a face lisa do ygarap...
Quando acaso se v dentro de suas uba'St
{ij Cera.huena, fama.
(2)
Tanha, dente.
(3)
Ajur, bocca.
MINDU' 14
fcii
...
"
210
___M^lPl
emballa-se com as doces
sar-oncahas
de que o
ibake de Tupan lhe ha de ser sempre propi-
cio
;
e ento as illuses e os sonhos vem uns
aps outros, incessantemente!...
Muitos d'estes phenomenos temos visto re-
produzirem-se prodigiosamente na pessoa do
nosso ndio
;
e frequentes occasies teremos
deobservarainda n'ellephenomenosanalogos.
Ha uma outra espcie de atmosphera exte-
rior
;
ha um outro fluxo e refluxo de pensa-
mentos, de sentimentos, de ida:; que fluctuam
no ar, invisveis, que o homem respira, assi-
mila e communica, sem ter disso uma con-
scincia clara.
A esperana um dos factos que tem sua
existncia n'este ambiente moral.
Sim, a esperana o gnio tutelar da vida
humana.
O
mesmo Kant, o mais rispido
dos
evan-
gelistas
da razo, proclamou o poder
benfico
da
esperana...E o que he essa divindade
pro-
tectora
seno a filha da imaginao,
a irman
das
illuses e dos sonhos ! ?...
Muito
brm a propositu, disse
Hufeland,
que
um dos
melhores meios de
prolongar
a vida
dar a
phantasia uma direco
agradvel.
Pois he da
imaginao bem
dirigida
qu&de-
pende as vezes a harmonia
e a belleza da ex-
ULYSSES DE PENNAFORT
.?iL_
istencia. Feito este
pequeno digresso
volva-
mos ao nosso heroe.
Mand depois de haver dado tratos a sua in-
fantil imaginao chegou afinal a descobrir ou
decifrar a verdadeira causa que afastava os
ygarits e OS Maracatins da ilha, em que acha-
se desterrado.
Atraz
j
fizemos notar que a ilha denomina-
da Itaguau' era cingida de grande numero
de rochedos enormes que surgiam como por
encanto das profundezas do oceano ; muitos
outros existiam occultos no insondvel talas-
sa
(1),
como se poderia conjecturar facilmente
pelo bramido surdo e cavo que levantavam as
ondas nas proximidades d'aquella assombrosa
Ilha.
Como a phantasia no he mais do que a face
scismadora da faculdade de
sentir, Mand
acabou de capacitar-se que era exactamente o
medo de naufragar que estorvava osjacumay-
bas de se avisinharem d'aquella ilha ouriada
de fraguedos alca)itilados, de bancos de co-
raes, e d'arrecifes inaccessiveis aos
homens
do mar...
Um bello dia Mand divisou um
Maractm,
{{)
Talassa, e plagos, so vocbulo hellenicos que signifi-
cam mar.
i^^-,;:-;--^;. ;,
.
, w.-, """"--"''^**?'^-^i-i-%#f=5i5'ivossi&*;5'^^
212 MANDU'
que se dirigia com velocidade para o lado da
ilha, mas de sbito parou, ferrou todas as ve-
las e manobrando em sentido opposto sumiu-
se immediatamente no vasto plago...
tata^-pynha-rer.
Tomando a sua kyc
comeou a cortar al-
gumas plantas e varias outras arvores seccas,
collocando-as em fieira junto a uma rocha no
mui longe da sua Ita^ka.
(1)
Tagua, incndio.
i^
3J^,:r-.ij3rtWWMBBasBawjiiijuuji^^
isaot
r?<-,::fcs'', ""^-^^^-^r-y-
ULYSSES DE PENNAFORT 216
Ajuntou egualmente uma poro de acay-
miras, sacais,
(1)
algas, ymyrapeuas
(2) e rolos
de mututis que as ondas alli vinham deposi-
tar, e acondicionou tudo bem dentro da ca-
verna para alimentar o seu fogosinho.
Assim ia elle preparando pouco a pouco a
sua jepiaba
(3)
para esperar o porvindouro
amanara.
Um bello dia afastando-se o ndio mirai-
ra
(4)
da sua itoka, avistou no sop d'um ro-
chedo uma arvore de siriuba
(5),
e tomando o
o seu itaji
dirigiu-se para alli e com muito
trabalho derribou-a. A arvore tombou com fra-
casso. Mand desceu e poz-se a reduzil-a em
chamios.
Neste servio levou quasi at a tarde
;
por
fim coagido pela fome toma o caminho da
gruta, conduzindo ao hombro alguns pedaos
de madeira
j
cortada.
Mas qual no foi o seu espanto quando viu
uma nuvem espessa e negra elevar-se do meio
dos rochedos e do valle onde estava a sua
It'oka 1
(1^
Sacahi, gravelo.
(2)
Ymyrapeua, taboa.
(3)
Jepiba, iapeua, lenha. .
{i) Miraira, adv. pouco a pouco.
(5)
Siriuba, seriba, uma espcie de curiuva ou curi do
Brazil.
is_'-.r-~r .
'.'-/
'
iJ~-' ->-
"-"
mg^^^mm
MANDU' 217
"
i'^^
Duas grandes chammas cr de sangue,
grossas, voam, zunem e certame ar forman-
do longas espiraes...
O ndio horrorisado deixa a lenha, corre
para o valle, mas no enchergou seno laba-
redas e o fumo d'um incndio crepitante que
csfuracava as pedras d'Itagua...
Mand vendo aquelle grande incndio le-
vantado talvez pelas faiscas surtas do fogarei-
ro, que cllc costumava deixar acceso, recuou
espavorido atroando o ar com grandes e
plangentes ecchos :
Tatii !...0h\ Tupan, que horrvel des-
graa! que cumulo de misrias e horrores...
exclamou M.3in\i...Tat-gual,.. tatl...
At SiS pindd-amas
(1)
que eu havia depen-
durado no galho da siriubeira at ellas foram
todas devoradas pelo tat-guaii'\...
Agora que meio empregarei para viver !...
No sei mais o que hei de fazer !... IMeboi-
TAT ! . . . meati . . . athiunc' . . . H. . . Teit
ich...
(?)
Ah! infeliz de mimi eis-me novamente en-
tregue a todas as misrias. ..exposto a morrer
de fome no meio d'estes ermos medonhos...
(i) Pindama, linha d-anzol.
^"2) Phrases interjectivas exprimindo surpreza, lastima e
terror pnico,
O Mandu'.
15
jA^'S^x <^'Zi'^x^ ^
^
;
'^
--^"-A.
'
H-
*
, ' - r-^-^^CZ. --3>*2
"'''^
"^-S^S^-
:-:'/ ';T'^te^''^,''--
'
^'^'?-5f^*^S^^^^'--.r'^-
^_51,____EJSSES
DE PENNAFORT
n'estas Hs sauercas\...
{\)
Oh! dor! oh!
tristeza !,..Sac... caceara
!
Tudo o que possuia ento para poder pro-
longar aminha piecaria
f xistencia, tudo per-
deu-se. S me resta agora morrer!...
Aioil
cure
chnnan uiucal... sacl... sacaral...
iirpe.y>
Em dizendo isto o indio avanou para o
ybjty-goaja, mas no poude proseguir.
A terra estava ardente, o ar asphixianto, as
pedras em braza, a fumaa suffocante !
O indio apavorado estacou.. .e depois de ob-
servar por espao de uma hora o estrago pro-
duzido na caverna polo incndio disse :
Ah
I
quantas veses no ouvi dizer
.
que ha
males que vem catu-arama; ('2) mas quando
cu considero a devastao que este incndio
causou e menbiar pain rupe;
(3) na Itoka,
nas arvores do ibyty-guaya, eu no posso se-
quer imaginar que bem se tira d'este desastre.
Eu s descubro no cabo de tudo isto novas
desolaes, novos soffrimentos, o auge emfim
de todas as minhas desgraas...
Talvez seja isto o remate, o termo do meu
exilio n'esta ilha dltagua !
(1)
lli sauereca, pedra chamuscada.
(2)
Cat-arama para bem.
(3)
Mba opaim-ara upem todas as cousas.
li' fi^!^'i^_'_V::^^^%^
^^^^^T^T-^^.'
MANDU
219
O ndio afastou-se todo pesaroso do incen-
diado valle, que cllc
j
estimava tanto, e foi
asnentar-se triste e merencrio no viso de um
outro penedo, pouco distante d'aquelle sitio.
Alli acocorado, pousou as duas mos sobre o
rosto, :e abandonou-se as mais dolorosas re-
flexes.
Ha trs annos e muitas luas que ouituay-
b
(1)
arrebatou-mc da Cpoam-tapra e ar-
rojou-me sobre o Itagua !...
Ha muito tempo que a alegria desertou da
minha alma. O filho do /a;7wy(^/ama vivia feliz
e alegre, como a
ma/o/
(2),
que deixa seu ni-
nho e vae fabricar novo ninho l onde potyra
reverdece... Aqui vivo triste e
puraiua
(3)
como o passarinho que perdeu seu ninho.
Como o guanumby
(4)
que corria beijando
as flores eu tambm corria e brincava colhen-
do flores nos amenos prados dos meus sertes.
Aqui s vejo agora o tata^-ii ..de cor
t^\-
VdiUg-...upururuca-riica... {b) e atirando as fo-
lhas seccas pelo ar Qomo japuruxitat\...qu.G.
{[)
Uil-aiua, temporal, trovoada.
C^)
Maioi,
andorinha.
(3)
Puraiua,
infeliz.
(41
Gnanumby, beija-flor.
(5)
Upuruca-ruca, estalando,
_^20_____
ULYSSES PEXNAFORT'
estranha confuso!... que espectculo horr-
vel !,..tudo fogo, tudo fumaa... tudo cinza...
oh ! que pcnna ! !
!
ohaindap-ui
!
Ha quasi trs annos que Mand habitava
esta ilha deserta. Indubitavelmente seus pes
consideravam-no morto
;
s tinham esperana
de vel-o outra vez nos cos. Durante
o tem-
po decorrido do naufrgio de Mand at o
ponto d'aquella hora, os seus outros irmos
iam procurando meios de tornar os dias me-
nos acres e peniveis aos seus inconsolveis
{\.)
Sobadaindp, banda cl'alem...
SS^S^Sa
i^r?"
progenitores. Assim
Mii-iba, que havia attin-
gido a idade de 19 annos, era uma jovem in-
diana timida, mui recatada e trabalhadora
;
Jandy, que contava nove annos quando deu-
se o naufrgio do menino Mand,
j
come-
ava a ajudar ao pae nos seus rudes traba-
lhos.
Estes curumins eram dotados de ba ndo-
le e piedosos sentimentos.
De sorte que na ausncia do Mand fa-
siam essas creanas as delicias e os encan-
tos d'aquella modesta e laboriosa familia.
Era uma linda manh d'Agosto... a risonha
Coema-pirapiranga
(1)
erguia-se iriada de co-
res deslumbrantes por sobre as frondosas ar-
vores que ladeavam a casa, em que habita-
vam tranquilamente os pes de Mand.
Os japins occultos nos laranjaes desferiam
a um s tempo os seus maviosos cantos ma-
tinaes... uma suave yroian agitava de leve
as longas folhas dos marajs fazendo admir-
vel coro com os alegres trinos e gorgeios dos
cf^achues
(2)
os natos cantores das flo-
restas !
As ultimas gottas do roscio matutino, como
^1)
Coema. pir-piranga, madrugada.
(2)
Carachue, sabi da matta.
,:>,ii^"---- "-^'g'
MAis DU^^
____?L
aljfares,
tremalavam
scntillantes
nas pelu-
cidas folhas das
sapucaias...
Ao
despontar d"esta radiosa manh, disso
Thom Jandy e a Miriba: Meus caros fi-
lhos, hoje que o dia se mostra to formoso e
prasgnteiro, o co to limpo e o mar to cal-
mo e sereno,
aproveitemos este bello ensejo,
e
vamos dar um passeio ilha verde, l na
Capuam-Japera.
Eu preciso ir l para tirar guarmans
e
Jacitaras ; vocs, vo para me ajudar, mas le--^
vem tambm alguns paneiros para apanhar
algumas frutas, bicuibas e kumarus.
(1)
Estou certo que haver grande abundn-
cia, porque hv quasi trs annos pouco mais
ou menos que l no vou
;
a ultima vez que
estive alli foi com o meu Mand...
Ao proferir a ultima palavra o veltio inuio
voltou-se com rapidez para occultar aos olhos
dos filhos as grossas lagrimas que a furto
lhe rolavam pelas cavadas faces...
Aquellas duas meigas creanas jubilosas
com a nova recebida no aperceberam
a emo-
o que n'aquelle momento dominava o co-
rao do seu velho pae, e deram de marcha
para a ygaropaua ou porto do embarque. Mi-
(1)
Kumar, a fava oleosa e de muito cheiro. Este voc-
bulo no sanskrito quer dizer
jasmin.
^mBssssmBm^^Bmssimm
228 ULYSSES PENNAFORT
riba com a esbelta fronte reclinada quasi so-
bre o peito, com um riso celeste que lhe
morria a flor dos lbios, conduzia pela mo
o mano Jandy, que no cessava de tagarelar
durante todo o caminho.
O sol acabava de erguer-se magestoso do
seu rubro e ureo leito alagando com os seus
lcidos raios a aprazvel vivenda de Sum,
tornada ainda mais pittoresca pelos encantos
que lhe vinha trazer o karacyara.
(1)
Miriba attrahida pelo suave aroma do na-
randyba
(2)
e como absorta ia colhendo
de
passagem flores de maracujs e mururs...e
estrelejando com ellas os seus bastos e lisos
cabellos.
Preparada que foi a ygarit embarcaram-
se todos trs. Horas depois arribavam sem
novidade Capuam-Tapra.
Apenas chegados deram principio ao tra-
balho. Concluda a derruba das folhas de
guarumans e jacitaras, e atadas em feixes,
as-
sentaram-se debaixo de uma frondosa arvore
de bacury para tomar a sua refeio.
Meus queridos filhos, disse Thom, foi
(1)
Koarcy-ara, vero.
(2)
Narandiua, laranjal ; este vocbulo oriundo do sans-
kritomaranda, que significa a planta que produz, flores e
fructoB doces e como o nctar.
^
'^r?S^^'^t:^^^\<'.^-I^'^:.^^:r!2l
debaixo d'esta mesma arvore que comi pela
derradeira vez com o vosso irmosinho...
Houve um momento de silencio. Depois
continuou o velho com voz grave a relatar o
triste caso do naufrgio de Mand no prprio
logar onde se passou o fatdico acontecimen-
to. Pintou com cores vivas e com grande ar-
dor e expresso magoada o medonho tempo-
ral que se desencadeou furioso sobre a ilha,
e como foi arrebatada a jgarit em que esta-
va o Mandu\
Ao terminar a sua narrao, lhes disse o n-
dio estendendo o brao para o oceano...
,
..
g
'
v-.;,-ff''^<<:^:^;^fc'r^^ . .
^
^ ,
.^
^ ... .^..
p
^^^^^^^^^ggag
Manduca, e a vista d'estes
uriacans (I) cheios
de bkiiibas
(5)
cm vez de lhe causar alegria
pelo contrario ha de entristecel-a e commo-
vel-a a ponto de no poder mais conter as
lagrimas.
No verdade maninho?disse
Miriba,
imprimindo um osculo carinhoso na fronte
larga do irmo...
Sobainda^
I...
Mai ponderou Thom, o que poder ser
aquillo ?... muito provvel que tenha pega-
do fogo algum
Marcaiin..
Oh ! meu Deus,
exclamou a piedosa Miriba, que grande des-
graa I Tupan, tende compaixo
doestas
po"
bres gentes!... Sc ellas escaparem do fogo
perecero certamente afogadas nas j(^pi-
nons !. .
Thom conservava sempre fixos os olhos
n'aquelle lado do paran-oii .. O sol descam-
bava insensivelmoite para o seu ocaso espa-
lhando os seus tnues e rubicundos koiracy-
berdbas
(2)
sobre a face verde escura do pa-
ranangua.
{\)
Ibit, vento.
(^2)
Koaracyberaua, raios solares.
^p^m^w?w-?^^^^^^tw^^^'
236 ULYSSES PENNAFORT
Parece-me a mim, disse u velh*o tapuyo
collocando perpendicularmente a mo sobre
a testa, que eu vejo no mar um ponto negro
d'onde se levanta a fumaa : vocs no vm
tambm?!...
tata'-7^angaua\ ,..
amocobaxara ! . .
.
mas para chegar acol preciso uma ba e
(1^
Piama ram merupy : procuramos por toda a parte.
(2)
Tenup oiho, deixa estar !
238 ULYSSES PENNAPORT
e possante ygarit e sobretudo fories
rema-
dores
jacumayba itampari...
Pois sim I
E' fcil arranjar-se tudo com
tutra
(1)
Potyrana, disse Jandy.
'%-
;:^:.j-' S-a,
544 ULYSSES DE PENNAFORT
liquefacta
;
enfiltram-se nas cavidades ;
aba-
lam o solo, sacodem-no e acabam por abrir
aqui e acol, uma sabida do fogo subterrneo.
Como vosss todos sabem eu sou da re-
gio que se cbama Hespanha, a qual perten-
ce a bacia volcanica do Mediterrneo, em
que se levantam o Vesvio, o Etna e o Strom-
boli; bacia incessantemente abalada pelo
fogo subterrneo, que desde trinta sculos
trabalha para abrir brecha na Ilha Santorim
c elevado fundo do parnan
:
Kapuam-mery
tata'-cen-u it, isto
,
pequenas ilhas abra-
zadas em fogo, tal qual o farilho em cham-
mas que o nosso compadre enxergou no
mar.
Ha l no meu paiz um immenso perau
{!)
d'actividade s:bterranea, que semelhante
um enorme e medonho durupere'
(2)
se es-
tende nos ibitiras de fogo da sia central,
costeia o mar Caspio, toca nas praias africa-
nas, atravessa o Oceano e vae at as ilhas
dos Aores e ao vulco de Teneriffe, coberto
no seu cume de ibituraiias e ttalingas.. Por
isso, cada vez que o
ibyantan
(3)
treme n'um
ponto qualquer d'este vasto araur
(4)
o aba-
({}
Peraii, abysmo.
(2)
Curupr, pntano.
(i) Ibyanton, solo.
(A) Araur, territrio, regio.
Ss^--
=-
lo sente-se logo n'alguni outro ponto da zona.
O nosso irmo c mestre, pay abuna An-
chieta, que natural de Teneriffe, a
maior
ilha das Canrias, uma vez me disse, que
por occasio do grande tremor de terra de
Lisboa, Sobay mairy assgrande cidade de
Portugal, em 1755, toda a zona volcanica foi
abalada,
e o solo- tremeu violentamente em
todo o sul da minha Hespanha. O fundo do
Mediterrneo, tanto como do Oceano tallatati-
guatifoi abalado e nos Aores, Teneriffe,
Andaluzia, e a bordo dos Maracatins que na-
vegavam nas alturas d'estas ilhas, se senti-
ram grandes estrondos semelhantes aos rui-
dos das vossas porrcas...
O fogo est em plena aco n'este immen-
so perau, como se fizessem esforo para es-
capar-se da delgada casca que
o
conserva
preso, .que elle sacode e que no pode
pa
pov\.. Portanto, meu compadre, a existn-
cia do calor subterrneo um facto estabe-
lecido, o qual tambm
j
vae se observando
aqui no Novo Mudo, descoberto pelos ka-
riuas kuaraciabas.
(1)
Assim toda a cada d -s Andes, esta pro-
digiosa linha de montanhas que se estende
sobre a costa occidental d'America do Sul,
{\}
Kariua-hoaracyaua, branco de cabellos louros cor do sol.
.
'
JA^J.L.i.'
'
'
\" ..iii-JW.
ltr pe-
assl...
O facto da erupo do Monte Novo, deu-
se em um Domingo, 29 de Setembro de 1538,
uma hora da noute pouco mais ou menos
perto de uma magnifica sapecoma
\^)
chama-
da pelos brancos de T^ais...
Uma testimunha ocular qu nos contou a
poi^anduba
d'aquella erupo, antes mesmo de
eu vir ao Brazil, referiu que no terceiro dia
(1)
Swchara, forte, logar.
{2)
Sapecoma enseada.
'H^isi^-r^^^Ss^^i^r-'^'-'''' ^: '
'
.'-""- ''"-'--%>-^^iS^&^^
g5i._: ,._i .
':';"
-iwas- -T.as-^s^^
r
248 ULYSSES
5^5^^0^
depois (la formao do elevado
itatuba
(1)
que domina a velh-i tabji de Pouzzole, clle
subiu com uma poro de gente ao cimo da
nova coUina, e que, espiando
attentamente,
o interior da cratera
juru^-ri-tata-caviu
as its... que alli tinham cahidoobedecendo
a um movim.ento absolutamente egual ao de
bolhas d'agua dissolvendo-se em marajnu-
?ihan
(2)
n'um camutim sacuuara.
(3)
Antes mesmo de ter lugar este pheno-
meno
j
a terra e o mar haviam mudado re-
pentinamente de posio material; a costa
muapuando-se
^4)
sensivelmente levantou-se, e
as aguas como as nossas prrcas foram-se
mucrrcando
(5)
e deixando no baria\
(6)
por-
o de peixes de toda a qualidade que a mira'-
tinga
(7)
soube bem aproveitar.
Por isto, meu tuaaba, muito possvel
que possamos tambm observar os mesmos
phenomenos aqui no Brazil, como se tem visto
nos
araxs
e mares do Mxico...
O ibytira de fogo, que o compadre viu le-
(1)
Itatyba, pedregal.
(2)
Maramunhan, evoluo.
(3)
Camoty, sacucura
pote fervendo.
(4^
Auapuan. v. ennovelar-se.
(5)
Mucrreca, v. arrastar.
(6)
Bari, areial,
(7)
Mira, gente, tinga, branca.
/^:
:-<
_Ji^-*j=.:x^-f-^"
'
MNDU 249
vantar-se no alto paranan, prova o que acabo
de dizer...
No certo ?
Todos responderam :
Supi
tenhen !
Anirno
!
motuty-
ygara-uf(i) aqual ainda possue e n'ella vae
sempre ao alto mar pescar. Elle chega hoje
a noute da pescaria : em chegando irei logo
l expr-lhe o negocio, e estou certo que nos
ha de ajudar n'esta viagem
;
porque se ha
homem bom, aquelle um !
(.iCaturetl
Excellente lembrana ! excla-
(1)
Pirantan Cup-Iara-rt, senhores absolutos da Costa.
(2)
Tu oianna. ne saica upe: nas suas veias corre o san-
gue...
(3)
Par-u iahira i/iaar it, verdes mares bravios...
(4)
Motuly-ygara, canoa de. cortia ou jangada. E' faclo sa-
bido, que ainda no ha muito alguns jangadeiros foram ao
Maranho, a Bahia e ao Rio de Janeiro em jangadas do Ceara.
'
'. -;
- y
-;^:'^'5
' fT-x vV"-
':
,-^-^4J;--.i,i---
252 ULYSSES PENNAFORT
/i-r*^'-
mou Thom, digna realmente de quem ateve.
E
j
foi elle prprio quem se offereceu
para ir buscar-me l na Capuam-tapra quan-
do deu-seo jepipuca do meu filio Mandii.
N'este nterim um dos que escutavam aquel-
la conversao, animado com as palavras pro-
feridas por Thomaz bradou
:
Eu tambm vou. Podem contar comigo.
Potyrana
(2)
apresentava o typo d'um
verdadeiro selvicola americano.
A crde bronze carregada, os cabellos pre-
tos e lisos, as mas do rosto salientes, os
olhos pequenos, a bocca rasgada, os lbios
grossos davam a physionomia d'este indge-
na brasileno um aspecto grave e sombrio,
^1)
Sum, corruptela do vocbulo Thom. - -
{2}
Potyrana, falso Poty.
r^^^.^\:i::^S.
MANDU'
^53
Emfim todas as suas feies indicavam que
elle pertencia realmente a grande nao dos
Potyguaras do Cear, o paiz das serras.
Thomaz no se enganou; elle viu de perto
os effeitos seguirem-se as suas palavras. O
bom ndio scioso dos gloriosos feitos dos seus
Ari-moaua
(1)
e ufano da sua longa e es-
clarecida experincia no poz duvida em ac-
ceder as piedosas rogativas de Thomaz e do
pae de Mand.
apoiauuafastem de ns os mosju-
ruparis.
(1)
inti ranhei...
Houve uma curta pausa durante a qual os
trs rapicharas
(2)
s'entreolharam silenciosos.
Coragem! toaaba,
(3)
interrompeu o n-
dio Poty, fazendo sobre si um esforo, vamos
adiante ! tenond, continuemos a nossa der-
rota, ainda no he tempo de perdermos as
esperanas... O ibake de Tupan
;
a terra he
nossa. Er' Er.cal\... Rul Sacara-urpe{4)
Vamos ! Deus com a sua virtude ha de per-
mittir que o filho de sua mulher volte a ilhar-
ga do seu pae, rematou o Polyrana em sua
lingua materna : aaug-e''
! coen, Tup:iii reco
paracaaua menbyra apare cipyry !
.
Deixemos estes trs valentes homens con-
^1)
Mir-xier, rasto, pisar de gente.
^2)
Rpichara, companheiro.
^3/
Tuaaba, compadre.
{i) ,4baixo a tristeza cunhado! avante !
S^.r^i:
;,-..'-?,
f-J.FrrnfME
fJri^
-
'
-i-A
'
UU'J-'--!-fe'g^
^m^ss^m^^^-mmme
262
ULYSSES PENNAFORT
tinuarem as suas pesquizas atravez da ilha
d'Itagua.
.. Vejamos o que feito do nosso
here depois de se ter incendiado o valle que
cingia a Itaka.
Mand aterrado com o peso d'aquella nova
desgraa passou uma noute liorrivel, cheia
de insomnias,
de recordaes dolorosas, de
magoas
pungentissimas !. .. Nhumira{\) soli-
trio... parecia-lhe a cada instante vr deante
de si medonhos anhangs feios
curupiras
e
assombrosas maraguipanas !...
(2)
Com et dr no corag e as lagrimas nos
olhos pedia, rogava a Tupan que fizesse pas-
sar esta noute de tormentos e de angustias
para elle.
Ao amanhecer o indio
j
um pouco alque-
brado das foras foi se arrastando por sobre
as its ate o logar do incndio...
O ybylygoaya estava coberto de tanimoca,
(3)
Mand agachou-se, tomou uma pedra e re-
bolou sobre aquelles escombros
;
revolvida a
cinza o valle principiou a fumegar... era in-
dicio de que o fogo ainda no se havia com-
(1)
Xhumira., sosiiiho.
(2j
Ma.ra.guipa.na., almas mensageiras da morte.
f3j
Tanimoca, cinza.
'..^*
--vrT "f ff- ii -T;!.rff.'ag.
'
i.vr.i"'riTiri ''iii
T'.'-
-
ii
^.f^..^.i
="9^-,*?5E?;- '
* - ^o^T^fi-y
MAISDU' 563
pletamente extincto... Mand no ousou avi-
sinhar-se d^aquellc logar...
Quando volta d com os olhos
w^Jiiaaba
que
elle havia fincado no viso do Itagua.
Fa'
catu'\... ainda l)Gm, exclamou ]\;in-
d, graas a Tupan, tudo foi abrazado, des-
trudo pelo
tala'-o,
excepto a minha santa e
querida
JMctiM
!.. . Louvado Deus! ao me-
nos me resta este nico consolo, este nico
asylo onde poderei esperar o ultimo golpe
da cruel
sac, (I) a ultima
semoiara
d) c\c Tu-
pan
!
Assim falando o Eremicola cnhiu. de joelhos
junto da
Juaaba,
cingiu-se com ella profe-
rindo inintelligiveis preces... alli permaneceu
de joelhos por espao de muitas horas ; ben-
zendo-se, chorando e repetindo suas rezas...
sem poder Icvantar-se.
Por fim como tocado pela graa divina
disse :
Tupan, grande Deus il<''S nossos pes, es-
cutae-me !... Aqui n'este feio deserto uma s
cousa me serviu de pfcironcma...
(3)
umuni-
(\)
Sac, dor.
(2)
Semutur^H, vontade.
(3)
Pycironcaua, abrigo.
y,rS~~T:g^.
-' '
"i> "- '-.--.rfei.- - ._ --- - '- . '.-i^i-lfcTJ^JEii-'- T
-'
.,. Z^iiaisi^&^i^
-:-o#XiC*(.*"-2pS^H^vi . -
' -'
-::vts:.-
264 ULYSSES PENNAFOllT
CO objecto foi cap^z de tornar menos peni-
veis os meus
porakeaua ..
(1)
Foi esta formo-
sissima cruz de pao ao
p
da qual tenho ex- >
piado as minhas culpas passadas, as minhas
mentiras e
yrequa^aua.
(5)
Esta Cruz, Senhor, que eu plantei no meio
dessas duras is foi para mim uma fonte de
consolao, uma verdadeira
luengauu
(3)
do
co
;
foi ao
p
d'ella que eu aprendi u soffrer
com pacincia e resignao os males i^randes
que me enviastes n'estailha; foi por este li-
vro que cheguei ao vosso conhecimento
;
Ji.aaha
devo tudo ; a salvao, a vida, e aqui
pretendo morrer...
Amo a, Senhor, como vs soubestes amal-a
c n'ella morrer suspenso l em cima do santo
Ibytij'u (')) do qual nos falaram os nossos
pay-
abunas...
''
'_
Tupan, vos salvando-a das chammas do :
talgua a mim tambm salvastes do deses-
pero...
Por isso que agora humilde me prosto a
vossos ps !... Da altura l do ibake dignae-
(1)
Porahaua, tormento.
(1)
Yrequaaua, falsidade.
(3j
Mengaua, dadiva.
(i) Ibytyramonte Calvrio.
-r.
.--,^.,^w.>^-^l^.
JANDU^ 265^
vos lanar piedosos os vossos olhos sobre
mim pobre taira-angaua (I) abandonado !...
Ainda mal tinha acabado o
Ermicola de
proferir as ultimas palavras quando os trs
jangadeiros que
j
a tempo seguiam-lhe a
pista subitamente estacaram, vendo no ci-
mo de um penedo alcantilado uma figura
extica posta de joelhos em presena d'uma
crnz de po. Thom que vinha sempre adian-
te estremeceu ao ver n'aquellas paragens
uma figura tura semelhante a um Payapi-
na
(2).
.
.
Affirmou-se bem e por fim reconheceu
pelo traje que era na verdade um anachore-
ta, como os que tinha visto nas suas tabas
pregando o Tup-in-nheng-a
o Evangelho
emfim, o que os tapuyos appellidavam
Pa-
hy-tucuvas
(3).
Thom no hesitou mais e aproximando-
se bradou
:
Pay ! no veio parar aqui um menino
(\)
Tayra-angaua, filho cn^^eitado.
(2)
['lii-apina, traio leigo.
(y,
PaJn-tncura, assim donominavani os Tupynambs aos
Irades d-^ Santo Antnio, por causa da Cogula monstica, ser
muito parecida com o tocura ou gafanhoto.
Mandd'.
18
m^
por nome Manoel?!
Era a primeira vez
>:/
que ndio o chamava pelo prprio nome
-J^
de baptismo. No profundo meditar em que
^^
se achava o Ermicola^ alheio ao mundo no
j^
ouvio aquellas doces palavras...
'/^_
Sum avanando mais um pouco chamou :-';;^
uPa/l em nome de Deus responde-me no
:\f
veio ter a esta ilha um pequeno chamado -S
Mand?. .
.
v ,
O Ermicola desperto pela voz d'aquella
-^_y^
sbita viso ergueu-se de repente... e vol- ^C
tando-se, e fitando por um momento o es- .-;
trangeiro... atirou-se impetuosamente para
j'-,^
eile gritando com voz suffocada : Celuba
-.'-.\_,
ser^ ce paia ! . . .anga-mery ui^ ! . .
.
Meu pac,
VI
meu pae da minha almasinha I . .
.
-,{
E assim abraados se conservaram at que
'
V.%
os dois companheiros vieram por sua vez dar-
V:
;
se a conhecer. O indio despregando-se dos
;.^..
.
braos do pae lanou-se nos do padrinho...
'Vi^
dizendo
:
c
'
1
Meu pay-angaba
voc por aqui? E o tio .
l;
Felippe tambm?!.
. .Meu Deus que elicida-
i:^-^
de, que prazer immenso !. .
.
>:.ll
Titubl
certamente filho, disse Thom, -^
he grande o nosso prazer de te achar vivo,
^
so e salvo; hoje re suscitaste
para
nsc.^
. - -.-
:*"
'^^^
'
-:?S: :
^
--Ci^^
MANDU
267
c uu aual... Oh! venturoso dia!
Carym-
h/ryl...
Oh! que alegria no ha de ter tua
me quando te vir...ella que no cessava de
falar em ti, e de quem
no se esquecia um
s momento?...
Ah ! sim paesinho, est ba a maman?..
Miriba e os maninhos todos
esto bons e
de sade?!..
Opain cat ?^t\... todos esto bons e de
sade, respondeu mopucando
(1)
pae do
In-
diosinho.
Oh/ meu Deus, exclamou o
Ermicola
erguendo as mos para os cos, como hei de
pagar-vos tantas graas e tantos benefcios
que de vossa liberalidade tenho recebido?..
Gomo?. ..interrompeu Thomaz, pratican-
do o bem
;
eis o nico modo da gente ser
grato a Deus
Assim
,
padrinho, e prometto pratical-o
d'or'avante, retorquiu Mand.
O ndio Poty depois do ficar algum tempo
admirando aquella sccna, exclamou final-
mente com eiitliusiasmo
:
Apague ! bravo ! ests salvo meu valoroso
menino
curumim, p^au.
(l) Mocupando, rindo.
'"i^v
-.;'-?ss-"
268 ULYSSES PENNAFORT
rt
Sabes a quem se deve este milagre ? Se-
r ?
(1)
A Tupan, no ?!,.
Sim ! a Tupan, repetiram todos a uma s
voz.
Ecat ! bem, disse Poty, vamos agora ao
que importa; sabemos que estaes fraco e aba-
tido pelo muito que tens padecido aqui neste
deserto, convm que tomes algum alimento,
e adquiras novo alento e fora.
Anh ! assim
, accudiu Sum rindo-se
paraMand, matim tepaua
(2)
no se pe em
p-'...
ty]yra ...
A vista d'aquelles acepipes excusado he
dizer que o rapaz comeu a fartar...
Terminada que foi a refeio, os trs janga-
deiros recostaram-se no apecaua
(1)
da janga-
da para assim poderem ouvir mais commo-
damente a historia do naufrgio e vivncia do
Ermicola na ilha do Itgua.
Mand dando graas a Deus, pediu a ben-
am ao pae e aos seus dois companheiros e
foi tomar assento na supuit
(2)
da jangada.
(1)
Apecaua, banco.
{2)
Supuit, popa.
^. s^
-._,.,.38=
'E.'s5L_-'r::L^'^_
.-^'^-
.~-^=-..-J-s^^.>*gSaaBSS
.-%'^-'
-*ll(l-
^270
ULYSSES PENNAFORT
'_^____...^.-.
^
'5
A immobilidade das rochas, o soir cavo do
oceano que circumdava aquella ilha, a par
do silencio qtic emmudecia tudo em roda, da-
vam um aspecto grave c solemne aquolla sce- ..
T
na passada cm to ignotas paragens...
^-
Contou
como esteve
prximo
de
morrer
de
sede, e de fome, e de doena
; e como
com a
graa de
Tupan poude
escapar
de tudo...
(1)
Ape&ca.,
applicar com atteno
o ouvido.
-
{2)
Tacyra,
corrente.
^.;i^S^\
t*:
-;*- Tr''^..-
:;"'
- \
,^'-;*
B-
MANDU' 271
m'-
Como teve a feliz lembrana de fazer uma
.
cruz de pau, a sua santa Juaaba, que veio no
meio d'aquella solido consolar a sua pobre
alma, afagar-lhe a imaginao, e encher-lhe
de esperanas os iaracet
(1)
que alli passou
to amargurados e cheios de cruis saudades
e grandes infortnios.
Referiu as supplicas fervorosas que fazia a
Deus, junto a cruz; as lagrimas copiosas que
derramou durante o seu desterro
;
que no
obstante ter soffrido tanto elle no se lamen-
tou de sua sorte
;
pois mereceu-a e soube sup-
portal-a com verdadeira e sincera resignao-
Narrou emfim que Deus parecia querer pro-
. longar-lhe os padecimentos; porque para cu-
mulo de suas desgraas incendiou-se o peque-
no valle onde estava situada a sua Itaoka, que
at ento lhe havia servido de abrigo durante
o inverno eo vero... e que n'este incndio pe-
gou fogo tudo o que conseguira salvar do nau-
frgio, e que s lhe restava morrer....
Quando o ndio chegou n'este ponto as la-
^^rimas correram em fios pelas bronzeadas fa-
ces de Thom e dos outros dois espectadores.
.
.
/
Ora quem haveria de pensar, exclamou
l\} Ava-cel, muitos dias.
7^~9J^t^_
.;--_;:::!^SiS
A
272 ULYSSES PENNAFORT
Thom, depois de passadas as primeiras im-
presses que experimentara durante aquella
triste narrativn
;
quem haveria de pensar,meu
caro Mand, que este incndio fosse a causa
da tua salvao?!...
tata-gua
upY
Jatf oaquerae assim foi na verdade,
acudiu logo Thom!. ..Foi exactamente aquelle
iatu, que poz termo aos teus soffrimentos...
ojiharom-^
c promette muita calma... Aproveitemos.
Todos s ordens do velho tapuyo puseram-
se de
p.
Mand antes de embarcar convidou
(1)
Verso: Alerta marinheiros!
. -^;' A-;
mmS&S^^-cJSi^'
-
,
--:--:-
-JS^^i
;.
_274_^_^^JDLYSSES
DE
PENNAFORT -
"
'
'^^2
O pae para ir cora elle at o vallesinho incen
diado; em chegando alli mostrou-lhe o logr
da sua itaoka, a sua ditosa habitao, aonde
viveu por espao de trcs longos annos. A tudo
c indiosinho fez as suas lamentosas despedi-
das. Approximou-se depois da sua querida jua-
aba, chorando e limpando os olhos com as
;
-
costas da mo, beijou-a a mido, tomou-a re-
verentemente entre as mos, apertou-a de en-
contro ao peito e disse, dirigindo-se para o
g-^
"
Afforavamos-nos embora.
Sf'
Quando chegaram estava tudo a ponto.
^
V
Logo que os viajantes poseram o
p
najan-
^feV
gadao ndio Poty, desfraldou a sutingus.(^u\
(1)
Minutos depois a jangada ligeira como a
:
atyaty sulcava as aguas verde-escuras do
pa-
&
'
ranan...
^"v,
V
Depois de longas horas de uma venturosa
13"^, viagem eita sem nenhum contratempo arri-
^J^
bou finalmente a jangada, ao suspirado porta
fe:- trazendo o nosso ErmicoK em companhia
^- dos seus trs salvadores...
^
r-
Emquanto esperava a volta da jangada, Nha
S^' Vale' cercada de todos os seus filhos, no des-
W^-
^^V-
'
C^)
Sutingau, vela grande.
"^^'l--- V
^"v
MANDU' 275
pregava os olhos da tumaa^
(1)
em que havia
de surgir a suspirada embarcao.
Em seu rosto e nas feies de Miriba lia-se
a
impacincia e notavam-se as alteraes por
que soem passar os espritos immersos na in-
certeza...
Aps um longo .silencio Miriba gritou :
Lavem, mame, a jangada !...
A este brado todos precipitaram-se para o
Mogar em que tinham de aportar os janga-
deiros.
Minutos depois ouv;a-se distinctamente
a
voz de Valeriana que dizia a Thom :
Er ! in re-iure-ana !
j
vieste ?... A que
elle respondia:
xe a-iure an
^j
vim !
-^E o Manduca veio?!...
Karimbyry ! ! !...
Chegou tambm a vez de Jandije dos outros
curumins que tmidos e rec^iosos pelo facto
de ainda no conhecel-o e de mais a mais sa-
rapantados por causa da exquisitice do trajo
no ousaram a principio approximar-se d'elle;
consideravam-no em vista da sua longa e
basta cabelleira, do seu chapo afunilado e
da sua comprida vestia
por um verdadeiro
capora !... Careceu para desassombral-os
que a prpria me os animasse e os levasse
de empuxo para o podo irmo, que ria-se
de gozo e do sequi
(1)
que provocava sem
querer aos seus caros irmosinhos.
Imagine o leitor o que poderia succeder ao
(1)
Sequi, medo.
'%
wTANDirl 277^
indiosinho que se via de novo restitudo a
sua ipy-oka
;
(i) que tornava a ver debaixo do
mesmo tecto
:
o seu caro paesinho, o seu
melhor amigo, a sua ba maman, a sua es-
tremosa irm Miriua, companheira fiel dos
seus dias infantis, os seus irmos e camara-
das, todas as pessoas emfm de sua familia !...
que jubilo no experimentou ao ver de novo
os objectos predilectos dos seus brinquedos
a sua ka, os prados, as collinas, as selvas,
as arvores, as plantas, as fiares, os ygara-
ps, as capoeiras, os igaps, o ar, o co de sua
formosa tapuetama !...
Foi um delirio de murussaima,{'i) uma en-
chente de felicidade, uma fonte emfim de
prazer e d'alegria
kaapra,
como o appellidavam os
columins
facumes.
(2)
De toda a visinhana chegavam
homens,
mulheres, velhos, rapazes e creanas
para
vel-o e visital-o
;
alguns traziam-lhe as suas
putaiias.
(3)
Sum em regosijo e agradecimento de tantas
felicitaes,
mimos e presentes deu um t-
niitim iyirara
(4)
para o qual convidou o re-
verendo cura d'aldeia e todos os seus ana-
mas,
(5)
amigos ntimos e rapichras...
Antes de principiar o festim, o
guu,
(6)
o
ndio Ermicola a pedido do vigrio e de to-
{\)
Norandiua, noticii.
(2)
lacume, estrdio.
(3^
Potaua, presente, mimo.
(4)
Temium-lipipira, grande banquete.
(5)
Anama, parentela,
fG)
Guau, danars em que entram gritos, pocema, saltos,
e passos cadenciados
;
vocbulo grego que tambm significa
gemer.
^
.
"-"-
"j-J'^
MANDU
279
dos os convivas contou de novo a
poranduba
de sua vida, durante a qual
arrancou
calo-
rosos applausos e
ardentes lagrimas
doscir-
cumstantes.
Finda a moranduba, o jovem
Mand
foi
levado em sureaua
(1)
da
ocara
(2)
para o
copia' da casa onde se achava
posta
grande
raeza, com doces, peixes, fructas e
todos os
acepipes e regalos, que a arte culinria de
Nh
Vale' podia c sabia fazer. Em roda do Er-
micola sentaram-se os convidados
tendo a sua
frente
o Parocho da Taba.
Terminado que foi o grande banquete o
ve-
nerando Padre Cura agradeceu com
profun-
da emoo
e
vivos sentimentos de f a da-
divosa mo de Deus, que por sua divina mi-
sericrdia soube amparar e poupar a vida
aquelle bom e virtuoso menino, talvez para
sua maior gloria
Mandu^-K.pra gentlica e
brazile-
namente vestidos com saiotes e cocares
de
pennas amarcllas e verdes, com variegados
diademas adornados de plumas d'arary :
ara-
oya, kanitar,
Ympen.imby,
carapuas, coroas
entretecidas de pennas de ararunas, ararycas
e guirjubas, braceletes de maraca-boia, gar-
gantilhas de dentes humanos... alli estavam
todos empunliando
:
muuranm,
tacapes, ive-
rapemas, muira-pras
;
embocando: bors, inu-
(1)
Pura-curu, rosrio.
(2)
Iumuaua, reza.
(3)
Verso ; Taba visinha.
(4)
Muruchaua, chefe;
MAXDU
281
bia, membu\..Q tangendo jwwrjs (l) e
mara-
cs e levantando pocema-pirantan...
(2)
Depois de haverem feito o
moquekatu'
op(iTn
ypocuaua-heta'
(3)
pediram licena aos
pes do
Mand para brincar toda aquella noute
mu-
arai-arama
petunane pr-pr rupi
y
pei'
guu-rupe''
!...
E de feito, n"esta terra febril, onde o
sol
accende xtases e as estreitas parecem
olhos
a faiscar d'amores... onde as flores
embalsa-
mam o ether e os pssaros vivem cantando a
eterna melopa do desejo, e, como
diz o poeta
:
Onde
o jubilo agita as azas d'oaro :
N'uma occasio em quo o amoravel e doce
Jesus restituir ao filho prdigo :
, , . . . A cabana
De seus honestos pacs, os ureos sonhos
Da descuidosa e santa meninice
O f.eu azul, as balsas florescentes...
0.S seres da familia, e...
sobretudo
Ai
!... a innocencia da primeira edade,
Crenas divinas que alimentam anjos:
apucaia
nhe-
eiig-ra oiepencomo l diziam em sua pr-
pria apecoaua
(1).
So longas e montonas as cantiloi.as que
os nossos ndios canava n ao so n do marc
e do
taniura, bem o sabemos
;
mas tem a mes-
ma magestade c .^impleza que notamos nas
cansonetas populares entoadas durante as
dansas dos modernos sahirs,
bailaricos e
cantws brazilenos.
Como vimos ^:lo cousas selvagens
e rudes
;
mas sfio a descendncia do pensamento dos
povos americanos, de que ns somos os fi-
lhos c os successorcs, no dizer do sbio in-
dianologoo generalJos Vieira
Couto de
Magalhens.
Na
manlian deste dia
cuem mirinte{^)
todo
o
povo despertado pelos alegres repiques do
tamaraca'
(3)
da vil la sabe em procisso das
suas cabanas c dirigc-se para a Tupamaro-
(1)
Apecoaua,
linguagem.
(2)
Ciema mirinte, muito cedo.
(IJ
Tamarac, sino.
'M^
. s .
.'
-,; . .- .. . - '
:.
-'."*'.',
j^^-s j^,.;-,^-
ka,
(2)
onde unidos todos pelos laos de uma.
s F, de um s Baptismo, e de um s
Senhor
ouvem com humidade e devoo a santa mis-
sa
possa
servir de
modelo a todos os jovens d'esta aldeia; e so-
bretudo para que elle por sua vez grato a be-
Anjudib.
aonde
aperfeioou
o estudo da sua formosa
linguabrazilena
o Tupy.
Mestre
de Lngua g-eral, e j
bem prepara-
do
em humanidades c sciencias religiosas par-
tiu por ordem dos seus superiores para o prs
tino Estado do Gurupy, onde cursou as au-
las de Theologia com o afamado padre 3c-
snita. Sahador do Valle, Lente de toda a Mis-
so e provincial da mesma Ordem.
Assim depois de tantos revezes, de tantas
penas e sacrifcios, o nosso Ermicola chegou
finalmente a professar na companhia de Jesus
com o nome de
Padre Manuel
Cru:{ da Rocha
-vr
-rHts:-
mmn^
MANDU' 289
que os nossos indgenas brazilenos deno-
minavam
Karaybas.
'^
FIMIS
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Captulo
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EIPLI^^^T^S
pgff^!lpj'^W!-jj^)JV*<5!B?^f??'-'!*."lf!-^^^
Pugina
^w
Obras
puMicadas pelo auclor
MONSENHOR PINTO de CAMPOS
Estudos biosrn]ilii-
co-litterarios, estampados no Caelcchtse (188-1885) A'
rc-i;ditar Si\
ECJIOS 'ALMA1 volume (Par1S81).
A SCIENCIA POSITIVAEstudos philosophicos. publica-
dos na Boa Xova do Par (1880). (A' re-editar-se).
A EGREJA CATIIOLICA E a ABOLIO1 vol. (188;
<,'Xgotad<*.
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OS EXPLEN' .)RES no CULTO MARIANO^l vol, (Par
181)0).
OS RETIRA. ESPo^-melo I'>ar-1887;. e.xgotado.
O NOVO nn' niTAL-
(1891, 1 volume- Parl.
DISCL^JSO ^^>iTOI,0GIC0(1892-Par).
CENONTOLOGI.K ou ENSAIO de SCIENCIA e REI I-
GIO(189:i-Par;.
O ZUAVOJornal al)olicionista-/Caet. 1S82-188.
O CA TENSErgo Patritico, (jue substituiu ao Zua-
vo;i88.Vl89-2/.
RRASILIANISMOou i^studos Etliuographicos. publicado
no CatcHse.
CATIIECIIESE E CIVILISACO nos INDIOS-Estudos
Auiericaiiislas, juiblicados no CaleiiHc.
ES'JCI)OS DE PIIILOLOGIA ONTO-RIOLOGICASobre
as origens das i)alavras
America Phe-iiistouic.M).
O BI-CENTENARIO de VlEllAe a cidade de Maracanan
publicados na Tid>a em um vol de 100 pagiiias
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1898.
A TLH.VRevista Scientiiica-religiosa da Arcarlia Amcri-
cann -8
volumes.
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(Seg-Qc no verso)
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ORAES lATRIOTIGAS1898.
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QUADRO SYNOPTfCOidos nomes brazilenos e porrcas
--(1899).
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MONOCHROMp(Pequene conto para ira1900 -No Ate-
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liers-Loui^Cj^ri.
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GENONTOLOGIA^o'-' Evoluo Rerigisa (Na Revistai
& Academia Cearense.
O BRaZIL PRE-HISTORICO-1900 -Typ. StudartCear.
MAIVDU'Romapce Indo-brazileno -1901CearAteliers- -.^
Louis.
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PHIl.OLOGIA CQxMPARADAPubl. i.a Provinciado Par,
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A FUBLIC'An
OS VERDADEIROS FUNDADORES do BRAZIL.
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COLOMBINAGrande Romance Moderno angJo-Americ^no.
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A VIRGEM JACYaBALenda Indiana-Karayba. K;:
EOHOS dai^OCEMAVersos e Cantos^Brazilenos. -k"
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A EV0LU3 RELIGIOSA-^Nnyaa Concepes Cenonto-
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O PADREPeVante a lepiibliea Brazilena.
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BREVES LIES sobre Sciencias Ntturaes.'.
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HISTORIA'SOClOLOGICA-das duas Ajuericas.,
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AMERICA PRE-HlSTORICA-Esta obra
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UM.\ GRAMMATICA, Vocabulrio e Anthologia -Na lin-
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Brazilica ou melhor Americanasob as base's da
moderna Philologia Comparada.
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