ARTIGO - Notas Sobre Responsabilidade Civil Sem Dano
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1Introdução - 2Responsabilidade civil sem dano: delimitação teórica - 3Algumas reflexões críticas sobre
a responsabilidade sem dano - 4Conclusões - 5Referências
1 Introdução
O processo de desenvolvimento histórico da responsabilidade civil no direito brasileiro pode, para
atender a finalidades didáticas, ser fracionado em alguns momentos emblemáticos.
O primeiro corresponde ao estabelecimento do paradigma clássico ou liberal da responsabilidade civil.
Essa fase só pode ser considerada plenamente alcançada com o Código Civil de 1916, uma vez que o
direito pré-codificado ainda é pré-liberal, como se pode deduzir a partir de existente promiscuidade
entre a regulação do ilícito civil e do ilícito penal.1
O segundo paradigma é o social ou contemporâneo. A transição para um modelo de responsabilidade
civil que transcende a teoria da culpa e reconhece o fundamento do risco e a reparabilidade de danos
não patrimoniais se dá paulatinamente ao longo de todo século XX e, em maior intensidade, após a
Constituição Federal de 1988.2
Deve-se ao paradigma social a superação da tradição voluntarista e subjetivista da responsabilidade
civil. O foco do sistema é alterado e passa a ser o da proteção prioritária da vítima,3 descolando-se da
tutela dos interesses do ofensor. Esse modelo não ficou imune a críticas, que vieram na forma de
identificação das contradições da teoria contemporânea da responsabilidade civil e de discurso baseado
em pressupostos cada vez mais instáveis e merecedores de pouca confiança em função de sua
imprecisão na técnica decisória dos tribunais.4
Grande parte da doutrina nacional passou a operar com a hipótese de que os instrumentos dogmáticos
disponíveis não estariam aptos a dar conta da complexidade social e das demandas presentes. É nesse
contexto que começa a ser desenhada a teoria do direito de danos, com uma proposta de reformulação
do modelo da responsabilidade civil no direito brasileiro.5
Este trabalho pretende analisar uma proposta específica defendida por autores que se enquadram no
ambiente teórico do direito de danos, qual seja, a responsabilidade civil sem dano. Tem por objetivo
identificar os fundamentos teóricos da teoria da prescindibilidade do dano para a configuração da
responsabilidade civil e propor algumas reflexões críticas a seu respeito. O artigo se propõe a lançar
algumas ideias preliminares ao debate, sem a intenção de exaurir o tema, tendo em vista essa ser uma
discussão consideravelmente recente e em construção.
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A ideia de responsabilidade sem dano implica defender a ruptura de um dos pilares mais arraigados da
responsabilidade civil.6 Por mais que variem os diversos suportes fáticos de responsabilização, o
elemento dano sempre lhes foi intrínseco, seu requisito mais elementar, gerador da responsabilidade e
do dever de indenizar7. Essa continuou a ser a premissa, inclusive, de autores atuais que se dedicaram
a investigar o problema da responsabilidade civil.8 A teoria da responsabilidade sem dano, no entanto,
já vem se tornando objeto de investigação de alguns autores,9 em sua maioria os ligados ao direito de
danos.
Nas formulações iniciais de uma agenda geral do direito de danos, a teoria em questão figura como
uma das propostas de destaque:
"O direito de danos altera a perspectiva do intérprete, ao deslocar o âmbito de investigação da conduta
do lesante para o dano, já que prevalece a máxima in dubio pro vítima, ou seja, a favor da vítima. Este
instituto pretende, entre outros:
a) ampliar o número de vítimas tuteladas, de danos reparáveis e de formas de reparação, por meio da
flexibilização dos meios de prova, da diluição da antijuridicidade, da desnaturalização e do abandono da
culpa, da relativização do nexo causal, e a sua consequente substituição pela ideia de causação
jurídica;
b) intensificar a responsabilização, concedendo reparações pecuniárias, proporcionais ao caso concreto,
e também despatrimonializadas, como a retratação pública e as tutelas específicas de dar, fazer e não
fazer, ou mesmo in natura (CPC, arts. 461 e 461-A e CC, arts. 233, 247 e 250);
c) fomentar os princípios da precaução e da prevenção diante da crescente socialização dos riscos e do
incremento das situações de dano, que ensejam uma noção de responsabilidade plural, solidária e
difusa - haja vista a (re)personalização do direito civil, também lastreada nos princípios da máxima
reparação, da prioridade da vítima e da solidariedade;
d) concretizar a responsabilidade sem danos, pois a possibilidade de sua verificação em potencial já
acionaria o dever de reparar por parte daquele que possa vir a causá-lo;
e) densificar de maneira real e concreta os direitos e as garantias fundamentais da pessoa humana no
que tange aos riscos de danos a que está submetida em razão da evolução tecnológica dos bens e dos
serviços postos para consumo, principalmente os relacionados à saúde e ao meio ambiente;
f) garantir ampla e integral reparação às vítimas, com extensão de igual direito a todos quantos
alcançados indiretamente pelo dano ou expostos ao risco que o provocou, mesmo que por
circunstâncias fáticas, devendo nesta hipótese o valor da reparação ser destinado a um fundo voltado
para o estudo e a pesquisa da antecipação e do equacionamento dos danos oriundos de determinadas
atividades socioeconômicas;
g) tornar irrelevante, na maioria dos casos, a concausa, "con el alcance de asignar la totalidad del daño
a quien solo aportó una de las causas concurrentes", objetivando diluir as responsabilidades individuais
pelo dano, bem como dificultar a efetivação das excludentes do dever de reparar;
h) aumentar as espécies de instrumentos reparatórios, coordenando-os com os já existentes, tais
como: fundos públicos substitutivos da responsabilidade civil para os casos mais comuns de danos;
pagamento antecipado de tarifas pelo Estado às vítimas, a economizar custos, a reduzir o montante
dos danos, o tempo de espera da vítima no recebimento do montante reparatório e os gastos judiciais;
promoção de demandas diretas da vítima contra o segurador do responsável pelo dano; pactuação
obrigatória de seguro para atividades com alta sinistralidade (p. ex., seguro ambiental) etc."10
Em 02 e 03.05.2013, ocorreu, na Faculdade de Direito do Recife, o Encontro dos Grupos de Pesquisa
em Direito Civil Constitucional da Universidade Federal de Pernambuco, da Universidade Federal do
Paraná e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com participação de pesquisadores da
Universidade Federal de Alagoas, da Universidade Federal da Paraíba, da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte e da Universidade de Fortaleza, sob a coordenação dos Professores Paulo Luiz Netto
Lôbo, Luiz Edson Fachin e Gustavo Tepedino.
Do encontro resultou a Carta do Recife, uma síntese articulada das conclusões decorrentes dos
debates. Seu terceiro ponto foi assim redigido: "3. A análise crítica do dano na contemporaneidade
impõe caminho de reflexão sobre a eventual possibilidade de se cogitar da responsabilidade sem
dano".11
Percebe-se, portanto, a expansão da tese e o crescimento de sua importância na doutrina nacional. A
ideia central que a anima é a de que a responsabilidade civil não teria função exclusivamente
reparatório-indenizatória. A tutela preventiva e inibitória da causação do dano geraria uma eficácia
jurídica que seria propriamente de responsabilização. Dois tipos de responsabilidade coexistiriam: a
responsabilidade com dano e sem dano.
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Pontes de Miranda26 já observava que outros efeitos podem decorrer do ilícito que não a indenização,
dando origem a medidas como a legítima defesa da posse, a manutenção da posse e as ações
cominatórias. Essas medidas não caracterizam responsabilidade civil, porque não tratam de
indenização.
Se a lição era importante àquela época, hoje é ainda mais, dada a evolução considerável da tutela
inibitória,27 dos deveres de prevenção e precaução28 e da possibilidade de tais efeitos preventivos
decorrerem não apenas do ilícito mas também de fatos lícitos lato sensu.
O problema de admitir a responsabilidade sem dano é que todos esses efeitos distintos da reparação
ficariam remetidos à responsabilidade civil. Haveria uma expansão extraordinária e pouco controlável
da responsabilidade civil, que teria de dar conta de toda uma série de consequências que hoje lhe são
estranhas. E isso justamente no momento em que a reparação de dano alcançou o maior grau de
sofisticação e complexidade.
Do ponto de vista da teoria geral do direito, a regra que estabelece o dever de indenizar próprio da
responsabilidade civil constitui norma secundária, que incide após o descumprimento da norma
primária que exige a obediência de determinada conduta.29 Tratando de responsabilidade contratual, o
Código foi preciso, em seu art. 389: "Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e
danos (...)".
Se a responsabilidade civil passa a dizer respeito também a deveres que eram considerados anteriores
a ela, o campo do direito de vizinhança que trata do direito de construir passaria a ser de
responsabilidade civil, por exemplo. Nele, há uma série de deveres jurídicos que independem de dano,
antecedem o dever de indenizar e, quando devidamente obedecidos, previnem o dano.
Seria de responsabilidade civil também a norma que estabelece o dever de visita, já que sua efetivação
previne o dano moral pelo chamado abandono afetivo.
Mesmo os direitos de personalidade, dos quais irradia toda uma série de pretensões anteriores à sua
violação e à causação de dano moral, estariam contidos na disciplina da responsabilidade civil. Haveria,
portanto, uma confusão entre antecedente e consequente, bem como a remessa à teoria da
responsabilidade de eficácias que lhe são estranhas e não lhe dizem respeito.
Assim, se o efeito próprio da responsabilidade civil é o indenizativo, não é possível falar em
responsabilidade sem dano, não sem que ao menos haja uma radical transformação da própria
concepção de responsabilidade civil em um sentido que nem mesmo a proposta do direito de danos
parece pretender operar. Por fim, não parece que a função punitiva da responsabilidade civil constitua
um caminho válido para alterar tal conclusão.
A recepção dos punitive damages em um sistema de civil law como o brasileiro tem sido matéria de
frequente controvérsia. Nosso modelo de responsabilidade civil tem fundamento na restituição.30
Sempre que se propõe um critério de reparação de dano que se afasta dessa noção e incorpora
elementos externos de valoração do quantum indenizatório há risco de violação da proibição do
enriquecimento sem causa.31 Ainda assim, há autores que entendem ser necessária a adaptação do
dano punitivo à responsabilidade no direito privado.32Nesse ponto, parece assistir mais razão à doutrina
que critica a importação do instituto.
O risco de imiscuir-se nas funções da tutela penal e civil e de estimular demandas imotivadas pesa em
desfavor do dano punitivo revertido diretamente ao lesado.33 Outros instrumentos podem desempenhar
a mesma função sem os mesmos inconvenientes, como o dano moral coletivo e as sanções
administrativas como as previstas nos arts. 55 a 60 do CDC (LGL\1990\40).
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1 Vide Freitas, Augusto Teixeira de. Consolidação das leis civis. 3. ed., Rio de Janeiro: B. Garnier, 1876.
p. 485 e ss.
2 Esses dois grandes pilares do paradigma social da responsabilidade civil (responsabilidade objetiva e
reparabilidade do dano extrapatrimonial) têm sua evolução durante o século passado descrita por
MORAES, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do direito civil e seus efeitos sobre a
responsabilidade civil. In: Viegas, Frederico (org.). Direito civil contemporâneo. Brasília: Obscursos. p.
275-293.
3 Entre tantos outros, confira-se novamente Moraes, Maria Celina Bodin de. A constitucionalização do
direito civil e seus efeitos sobre a responsabilidade civil, cit.
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4 Referência à tese de Anderson Schreiber a respeito da erosão dos filtros da responsabilidade civil
(Schreiber, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à
diluição dos danos. 3. ed., São Paulo: Atlas, 2011. p. 11 e ss.).
5 Entre outros: Barrroso, Lucas Abreu; Frota, Pablo Malheiros da Cunha. Obrigação de reparar por
danos resultantes da liberação do fornecimento e da comercialização de medicamentos. In: Barroso,
Lucas Abreu (org.). A realização do direito civil. Curitiba: Juruá, 2011. p. 141-155; EHRHARDT JÚNIOR,
Marcos. A nova ordem das relações privadas dentro de uma perspectiva civil-constitucional e a
inadequação do modelo tradicional no estudo do direito de danos. Revista Trimestral de Direito Civil 52/
99-119. Rio de Janeiro: Padma, out.-dez. 2012; Pianovski Ruzyk, Carlos Eduardo. O "caso das pílulas
de farinha" como exemplo da construção jurisprudencial de um "direito de danos" e da violação da
liberdade positiva como "dano à pessoa". In: Frazão, Ana; Tepedino, Gustavo. O Superior Tribunal de
Justiça e a reconstrução do direito privado. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 273-302; Catalan, Marcos. A
morte da culpa na responsabilidade contratual. São Paulo: Ed. RT, 2013. especialmente p. 17-97.
6 O sistema de responsabilidade civil da civil law foi construído sobre a noção de damnum, ao passo
que o sistema de tort law da common law foi erguido sobre a noção de injuria - DEAKIN, Simon;
JOHNSTON, Angus; MARKESINIS, Basil. Markesini´s and Deakin´s tort law. 7. ed. Oxford: Clarendon
Press, 2013. p. 792.
7 Nesse sentido, Baptista, Silvio Neves. Teoria geral do dano. São Paulo: Atlas, 2003. p. 139. Merecem
transcrição as palavras de Jorge Mosset Iturraspe: "Si es innegable que la responsabilidad civil actual
se construye sobre la base de la idea de daño, por lo cual éste ocupa el centro de la temática, también
lo es que el perjuicio, detrimento o menoscabo debe ser real y no meramente imaginado, debe existir
de manera cierta, sea actual o futuro. Esta cuestión, que gira alrededor de la realidad o certeza del
daño, es particularmente ardua cuando se trata de daños que aún no han ocurrido o sea de daños
futuros. Y es muy posiblemente por esa dificultad de la prueba que la propia ley presume ciertos daños.
El legislador concurre entonces en ayuda de ciertas víctimas, haciendo liviana la carga de la prueba, al
inferir o deducir, de lo habitual u ordinario, la producción de ciertos perjuicios. Empero ello no es lo
normal; puede afirmarse sin lugar a dudas que es una situación de excepción, puesto que el daño, lo
reiteramos, debe probarse, ser cierto. De no ser así se vuelve a construcciones ficcionistas, imaginarias
o irreales, cuando no a la ruptura de 'las reglas de juego' que imperan en la responsabilidade civil"
(Iturraspe, Jorge Mosset. Estudios sobre responsabilidade por daños. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni,
1982. t. IV, p. 53-54).
8 Por exemplo: "Com efeito, não pode haver maior estímulo à propositura de ações infundadas que
dispensar o autor, em um contexto de erosão dos filtros tradicionais do ressarcimento, do ônus
probatório do único elemento que se conserva como indispensável à responsabilidade civil - o dano,
cuja reparação consiste na função primordial do instituto" (Schreiber, Anderson. Responsabilidade civil:
novos paradigmas. cit., p. 206).
9 Entre eles, em conferência, Lôbo, Paulo. Responsabilidade sem dano. Palestra. In VII Jornadas
Brasileiras de Direito Privado. Maceió, jun. 2013.
10 Barrroso, Lucas Abreu; Frota, Pablo Malheiros da Cunha. Obrigação de reparar por danos resultantes
da liberação do fornecimento e da comercialização de medicamentos. Cit., grifo nosso.
11 A íntegra do texto da Carta pode ser encontrado na Revista Fórum de Direito Civil, ano 2, n. 2, p.
239-240. Belo Horizonte: Fórum, jan.-abr. 2013.
12 Frota, Pablo Malheiros. Imputação sem nexo causal e a responsabilidade por danos. Tese de
doutorado. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2013. p. 209-210.
13 Idem, p. 210.
14 Idem, p. 211.
16 A respeito, confira-se Hironaka, Giselda. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey,
2005.
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17 "À vista do exposto e respeitando entendimentos diversos, afirma-se que não há necessidade de se
tratar o tema como responsabilidade sem danos, já que a responsabilidade por danos é pressuposta, no
sentido de ser anterior à concretização do dano, e açambarca os danos potenciais, visíveis, invisíveis,
previsíveis, prováveis e improváveis, concretos e atuais, conferindo a cada um deles uma adequada
tutela − de precaução, de prevenção (ex.: CDC (LGL\1990\40), art. 84; CPC, art. 461) e (ou) de
reparação" (Frota, Pablo Malheiros. Op. cit., p. 211).
18 Não são os mesmos os pressupostos da responsabilidade civil por fato do produto (art. 12 do CDC
(LGL\1990\40)), da responsabilidade do Estado (art. 37, § 6.º, da CF (LGL\1988\3)) ou da
responsabilidade transubjetiva dos pais pelos danos causados pelos filhos (CC, art. 932, I).
20 Mello, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 15. ed., São Paulo: Saraiva,
2008. p. 254-266.
21 Notar que a referência aqui não é à proposta do direito de danos, mas sim ao constructo da
responsabilidade civil contemporânea, que não se assemelha ao direito de danos mas se assenta em
bases claramente distintas da responsabilidade civil liberal.
22 A responsabilidade civil pode derivar de atos ilícitos; atos-fatos ilícitos; fatos stricto sensu ilícitos;
atos lícitos; e, ainda, de atos-fatos lícitos. A respeito, com forte base ponteana, confira-se Baptista,
Silvio Neves. Teoria geral do dano, cit., p. 50-57.
23 Atos ilícitos implicam volição, portanto exame de culpa ou dolo. A constatação de que a
responsabilidade não decorre só de atos nos conduz à superação da culpa e à responsabilidade
objetiva, um processo que se desenrola desde o fim do século XIX (vide, a respeito, Coviello, Nicola.
Responsabilità senza colpa. Rivista italiana per le scienze giuridiche, vol. XXIII. Torino: Fratelli Boca
Editori, 1897). Dizia Pontes de Miranda: "Assim, nos nossos dias, já assistimos a mudanças radicais em
matéria de responsabilidade. Individualismo: princípio de independência dos indivíduos, automismo
social; se A procede com prudência, não é responsável. Autonomia da vontade + culpa
extracontratual= teorias clássicas da responsabilidade civil. Transição: intervenção da máquina; grande
número de acidentes, calamidades nas classes operárias, movimentos de revolta de classes;
insuficiência do Estado para amparar os menores, as viúvas e os velhos. Maior atenção às vítimas.
Consequências-ensaios: mutualismo; responsabilidade por acidentes (interpretação semiclássica:
responsabilidade pela causa finalis, adágios como Eigenes Interesse, eigene Gefahr, e Ubi
emolumentum, ibi ônus; interpretação nova: responsabilidade objetiva, responsabilidade sem culpa).
Solução científica: responsabilidade social e individualização pelo dano" (Pontes de Miranda, Francisco
Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsói, 1966. t. LIII, p. 57).
24 "O sistema jurídico traça as linhas de onde começa a responsabilidade pelo dano. A imputabilitade, a
atribuição do dever de prestar a indenização, nem sempre coincide com a antijuridicidade, nem com
algum 'ato' que a lei repute ilícito. Às vezes há regra jurídica que, para proteger algum bem ou
interêsse de outrem, permite que se atinja a esfera jurídica de alguém e estabelece, para o equilíbrio,
que o favorecido pela lei excepcional indenize o dano causado. Trata-se aí de intromissão permitida.
Outras vêzes, há regra jurídica que não veda que se mantenha ou crie riscos para outrem, ou para
outros, mas cogita da reparação dos danos que provêm desses riscos. (...) Nem sempre há o ato, nem
sempre há, sequer, a ilicitude" (Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., p. 210-211).
25 Por isso é correto ainda hoje dizer-se que: "uma pessoa é responsável civilmente quando está
obrigada a reparar um dano sofrido por outra" (Mazeaud, Henri et al. Lecciones de Derecho Civil. trad.
Luis Alcalá-Zamora y Castillo. Buenos Aires: Ejea, 1978. parte segunda, vol. II, p. 60).
26 "Não se identifiquem o delito (ato ilícito) e a reparabilidade. Pode haver delito, ou melhor, ato ilícito,
sem que se possa reclamar a reparação. Então a ilicitude só permite a legítima defesa, as ações de
manutenção de posse, os preceitos cominatórios, o habeas-corpus e outros remédios preventivos dos
danos à pessoa ou ao patrimônio" (Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. 53, p. 66).
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27 Confira-se, por exemplo, Marinoni, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São
Paulo: Ed. RT, 2004. p. 249 e ss.
28 Entre outros, Lopez, Teresa Ancona. Princípio da precaução e evolução da responsabilidade civil. São
Paulo: Quartier Latin, 2008.
29 Por todos, Vilanova, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. 4. ed., São Paulo:
Noeses, 2010. p. 73-74.
30 "O fundamento - no direito contemporâneo - está no princípio de que o dano sofrido tem que ser
reparado, se possível, e a técnica legislativa, partindo da causalidade, há de dizer qual é o critério, na
espécie, para se apontar o responsável. A restituibilidade é que se tem por fito, afastado qualquer
antigo elemento de vingança" (Pontes de Miranda, Francisco Cavalcanti. Op. cit., t. LIII, p. 207).
31 Vide, a respeito, as considerações de Ruzyk, Carlos Eduardo Pianovsky. A responsabilidade civil por
danos produzidos no curso de atividade econômica e a tutela da dignidade da pessoa humana: o
critério do dano insuficiente. In: Ramos, Carmen Lúcia Silveira et al (orgs.). Diálogos sobre direito civil:
construindo a racionalidade contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 147-152.
32 Por exemplo, Viney, Geneviève. As tendências atuais do direito da responsabilidade civil. In:
Tepedino, Gustavo (org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade
constitucional. São Paulo: Atlas, 2008. p. 54-55.
33 Vale conferir Moraes, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-
constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 258-264.
34 Neste sentido, Tepedino, Gustavo. O futuro da responsabilidade civil. Temas de direito civil. Rio de
Janeiro: Renovar, 2009. t. III, p. 406-407.
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