Prova Mestrado - Trecho 2

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PROVA MESTRADO – FACULDADE DE EDUCAÇÃO - EXCERTO 2

2
A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos, em que o professor expõe ou
fala do objeto [do ensino]. O fundamental é que professor e alunos saibam que a postura deles, do professor
e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve.
O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz & Terra,
1997, p. 86 (Grifos no original).

Paulo Freire inicia suas reflexões em “Pedagogia da Autonomia”,


afirmando que “não há docência sem discência”, mas como pensar uma prática
dialógica que em sua essência é um ato político em uma sociedade que é hiper
acelerada, hiper informada que ao mesmo tempo desinforma pois
descontextualiza o ser do saber? Qual papel do educador, qual papel do
educando e qual papel da educação em uma sociedade que abstrai do sujeito a
politização da vida? E, aqui, política está sendo entendida em sua forma
complexificada, como uma relação entre sujeitos. Em momentos de “Escola Sem
Partido”, disputas econômicas – apoiadas por grandes conglomerados da
educação – acerca das mudanças curriculares, como, ao olhar para a relação
entre educando e educador elucidar a coerência política na prática educativa?

Para buscar ferramentas elucidativas à tais questões é necessário


olharmos para a base educativa, epistemológica e, sim, ideológica de Paulo
Freire. Tal base é a educação popular. E, enquanto educação popular é um
espaço-ação singular para tal objetivo. O objetivo de não objetificar o outro. O
objetivo de dimensionar na prática educativa a ética e a estética na figura do
educador e do educando. Pois, quando buscamos referências sobre educação
popular, estamos diante de referências que empoderem e incentivem a
participação política das pessoas envolvidas, estimulando transformações
sociais. É por meio das práticas da educação popular que se busca a
concretização de uma pedagogia comprometida com a libertação. E uma
pedagogia que liberta não pode ocultar a realidade concreta e vivida por seus
sujeitos. A realidade é o campo em que deverá ser desenvolvido o processo de
conscientização para a libertação e para a transformação.
Um dos principais instrumentos de educação popular consiste em usar o
saber empírico para as práticas de educação. O processo-ensino-aprendizagem
é visto como ato de conhecimento e transformação social, sendo pautado na
perspectiva política. Assim, os saberes indispensáveis à prática docente acabam
sendo focados para educadores e educadoras críticos progressistas, e, ao
mesmo tempo, a educadores tidos como conservadores, segundo Freire.
Independente da opção política do docente, os saberes apresentados são
essenciais à prática educativa em si.

Vivemos em um momento de naturalização da despolitização, do não


debate, do não pensar. Entretanto, reconectar a relação entre educador e
educando, é construir a ética educativa. Diferente da educação tradicional
expositiva pautada em “cânones do conhecimento branco eurocêntrico”, um
padrão epistemológico que nos é imposto, a educação popular estimula o
diálogo. Colocando o educador e o educando em horizontalidade, ferramenta
crucial para o desenvolvimento pedagógico.

Quando este campo de indagações foi conectado com às expressões


culturais; à historicidade do sujeito, às sociabilidades do cotidiano, às
identidades étnicas, à sexualidade e diversos outros marcadores sociais houve
(e ocorrerão) uma ampliação nas possibilidades de áreas de estudos sobre a
dialogicidade inerente ao ensino - aprendizagem. Isso foi possível por diversas
demandas sociais em que os sujeitos já não mais aceitavam uma visão
objetificada. De forma geral esta proposta pedagógica é uma aposta de
corresponder às demandas de sujeitos que precisavam ser reconhecidos em sua
completude e, precisam também, demarcar suas diferenças frente às
universalizações e objetificações fincadas nas áreas do conhecimento. Que vão
desde a educação básica ao conhecimento acadêmico.

Ao falarmos sobre a relação educando e educador, há muitas imagens


estereotipadas, estigmatizadoras e reprodutoras de senso comum da
“autoridade docente”. Entretanto, o que Freire argumenta com a dialogicidade
das relações é que este é o princípio epistemológico básico para a educação
libertadora já que o que está em perspectiva é a humanização dos homens,
assim, há uma necessidade da educação acreditar no potencial humanizador,
esta é a ação promovida pela dialogicidade. A base de tal projeto educacional,
quem também é político está na importância da palavra como prática/práxis
essencialmente humana, sendo a verdadeira palavra a da transformação,
entretanto essa ação da palavra deve vir acompanhada da reflexão, ou melhor,
de um ciclo reflexivo. O contrário disto esvazia o sentido da ação palavra, virando
ativismo simplista, assim a vivência ativa da palavra que ao se conectar com
uma rede de pensamentos e ações educativas impulsionam o ato transformador.
Isto envolve um intenso processo de devir, de tornar-se o Outro.

Essas questões ou conceitos aparecem no campo educacional por meio


de práticas pedagógicas. Neste ponto é importante frisar dois moldes
educacionais elaborados por Freire: a educação bancária e a educação
humanista. Naquela o professor e a instituição escolar possuem
posicionamentos verticalizados e estatizados, já nesta, a preocupação está em
promover as equidades relacionais perante a questão de uma crescente
desumanização, o que o autor entende ser consequências do predomínio
histórico das práticas opressivas. A educação bancária por ser estatizante e ter
por funcionalidade o simples depósito de conhecimento, não pode promover a
modificação no pensamento, pois não considera a questão do diálogo, não
produz a humanidade, sendo o contrário da práxis humana; a ação que
transforma o conhecimento em saber.

Uma educação humanizante, ou emancipadora só irá se efetivar quando


os paradigmas educacionais partirem dos oprimidos, não dos opressores, por
isso o autor enfatiza que dentro desta educação deve se considerar, para não
virar bancária, o tema gerador, ou a preocupação da temática que promova certa
vivência para os dois polos do diálogo. O tema gerador também deve conter um
“programa” que estimule a decodificação do mundo social vivido e, o papel do
homem interlocutor dentro desde sistema, mas, reiterando, não no sentido de
conformação e sim de transformação.

Estes conjuntos de práticas propostas por Freire promovem o que ele


nomeia de ações culturais, que também podem ser entendidas como ações
políticas já que desencadeiam e fortalecem os vínculos coletivos, o
questionamento frente a opressão e a desumanização e o “pensar juntos”. Esse
processo traz o contexto que o sujeito já se encontra inserido, arrumando
ferramentas de conscientização dos seus compromissos sociais. Sendo o papel
do educador o de contribuir na forma de elaborar suas aulas no sentido da
contribuição, papel social e atribuições pedagógicas, pois o educador é um
sujeito com saberes específicos e distintos dos saber empírico dos educandos,
sem que isso faça com quem um saiba mais ou menos que o outro.
Compreendemos assim, que a criticidade do educando só é alcançada quando
são oferecidos instrumentos para se alcançar a práxis. Dessa forma, o
conhecimento adquirido pela práxis resulta em novas reflexões, que por sua vez
possibilitaram uma nova práxis, e assim por diante, garantindo ao ser humano
um constante processo de aprendizado.

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