Filosofia Modernidade
Filosofia Modernidade
Filosofia Modernidade
Resumo
O presente artigo procura fazer uma interpretação da concepção da Modernidade de Habermas e Sloterdijk, duas
figuras do panorama crítico moderno. Habermas parte da ideia defendida por Lyotard da modernidade como um
projecto falhado e percorre uma linhagem ideológica de sociólogos, filósofos e esteticistas e defende a tese segundo a
qual, a modernidade é um projecto inacabado. Habermas, consciente das dissonâncias dos objectivos da Modernidade
postula uma cultura alternativa ou nova via para a sua automediatização e saída da filosofia do sujeito através do agir
comunicativo ou da ética do discurso como superação dos seus enigmas. Sloterdijk vê a modernidade como o auge de
fundamentação de uma utopia cinética que projecta o ente em devir e que move o ser para o movimento, para o
insensato, para o impensado, para o mortal, para o catastrófico e, fazendo da história uma sabotagem de quedas e
rupturas. Para Sloterdijik na modernidade somos impelidos por um imperativo categórico no qual se reza que os
homens actuem como seres do progresso. Assim, Sloterdijk defende a necessidade de uma desmobilização da
modernidade por via da consciência como ética do urgente, uma saída ao movimento utópico cinético, uma instância
autocomunicativa do mundo reguladora do trato íntimo do indivíduo.
Abstract
The present article brings an interpretation of Modernity from the point view of Habermas and Sloterdijk two
prominent scholars of the modern critique in philosophical arena. Habermas brings into discussion the concept
proposed by Lyotard stating modernity as a failed project and follows the ideological characteristic of sociologists,
philosophers and statists and sustain that it’s an unfinished venture. Aware of its peculiar objectives of modernity he
postulates a new cultural paradigm and an alternative philosophical approach through a communicative or ethical
discourse to overcome the ambiguity. Sloterdijk on the other hand, perceives modernity as the paramount of utopia
basis that brings the human beings into the endeavour, unreasoning, unkind, mortal and catastrophic leading to the
damage and moral lapse. According to Sloterdijk, in the modernity we are prevented by unconditional imperatives
that derive humans to act progressively. Therefore, Sloterdijk supports the need to release the modernity through
moral sense of an immediate ethics, as a way of shifting from kinetic utopia towards self-communicative stage within
an individual trait.
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Mestrando em Educação/Ensino de Filosofia, Docente da Faculdade de Ciências Sociais e Filosóficas na
Universidade Pedagógica, nas Cadeiras de: Introdução à Filosofia, Filosofia Contemporânea, Fundamentos da Ética e
Deontologia Profissional, Maputo. E-mail: escandaartivane@gmail.com
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Introdução
É com base na diversidade da interpretação crítica à modernidade que nos propomos, neste artigo
confrontar os ideais filosóficos de Jürgen Habermas e Peter Sloterdijk, não como únicos
protagonistas desta tendência filosófica, mas como continuadores de um projecto iniciado desde
as denúncias de Frederich Nietzsche até aos filósofos franceses (Lyotard e Foucault) e americanos
(Rorty e Davidson). Habermas e Sloterdijk, são duas figuras do panorama crítico da modernidade.
A tese deste artigo tem por base as seguintes obras: O Discurso Filosófico da Modernidade de
Jürgen Habermas (2002) e Mobilização Infinita: Para Uma Crítica da Cinética Política de Peter
Sloterdijk (2002).
O problema para o qual mobilizamo-nos a resolver neste artigo é a busca de uma fundamentação
sobre a crítica à modernidade em torno da seguinte questão: Até que ponto a consciência de um
projecto inacabado (Habermas) e de uma mobilização infinita (Sloterdijk) encerram em si uma
crítica e possibilidade para uma ética comunicativa e urgente respectivamente para o projecto
secular da modernidade?
Jürgen Habermas ao construir o discurso filosófico da modernidade, lança as bases para uma teoria
da acção comunicativa como complementaridade de um projecto, partindo da suposição da
modernidade como um projecto inacabado conforme ilustra no prefácio da sua obra “O Discurso
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filosófico da Modernidade” e, faz quanto a nós uma crítica da modernidade. Peter Sloterdijk em
Mobilização Infinita: Para uma Crítica da Cinética Política, ao desenvolver sua compreensão
crítica, tende mostrar até que ponto a modernidade deu-se a uma queda enquanto mobilização.
Segundo Sloterdijk (2002, p. 23), as coisas acontecem sempre de modo diferente do que se pensa.
Este artigo circunscreve-se em torno do seguinte título: A Filosofia Critica da Modernidade: Da
Ética Comunicativa (Habermas) à Ética do Urgente (Sloterdijk) e está subdividida em duas partes,
a saber: na primeira procuramos discutir o conceito de modernidade em Jürgen Habermas e Peter
Sloterdijk e, na segunda, partimos das encruzilhadas da modernidade e procuramos a partir dos
dois autores (Habermas e Sloterdik) encontrar as alternativas que possam superar os problemas da
modernidade, sendo respectivamente a ética comunicativa e a consciência como ética do urgente.
O discurso de Habermas e de Sloterdijk fazem parte de uma teoria crítica ao projecto secular da
modernidade, enquadráveis no âmbito do pensamento Pós-moderno, discutido por vários
pensadores como Jean François Lyotard, Gianni Vattimo, Zygmund Bauman, Jean Baudrillard,
Gilles Lipovetsky, etc.
Habermas constrói o discurso filosófico da modernidade tomando por base uma análise crítica do
pensamento de inúmeros intérpretes da modernidade: sociólogos, filósofos e teóricos da estética.
Partindo de Max Webber, Emille Durkheim, Mead, Arnold Gehlen como críticos neo-
estruturalistas da razão, Habermas constrói a consciência própria da modernidade, mas respeitando
que esta tem suas bases em Hegel e Kant.
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Segundo Habermas (idem, p. 9), o conceito de modernidade tem suas origens em Hegel, pois que,
foi o primeiro a empregá-lo em contextos históricos, como conceito de época, usando as
expressões os novos tempos, correspondendo aos tempos modernos para delimitar o mundo
germânico cristão que se originou da antiguidade greco-romana, mais ainda o prenúncio do futuro,
uma orientação a um devir temporal. A partir de Hegel, a época moderna confere ao conjunto do
passado a qualidade de uma história universal, o diagnóstico dos novos tempos, a nova experiência
do progresso e da aceleração dos acontecimentos históricos e da compreensão da simultaneidade
cronológica do desenvolvimento. Hegel, foi o primeiro a conceber a modernidade como um desvio
das sugestões normativas do passado, como um problema filosófico com a exaltação da sua
autocompreensão.
Segundo Habermas (2003, p. 25), “Hegel atribui à filosofia a tarefa de trazer ao conceito, de
maneira enciclopédica os conceitos desdobrados nas ciências”. Ao mesmo tempo, torna explícita
a teoria da modernidade que estava delineada no conceito kantiano de razão e desenvolve-a em
uma crítica das divisões de uma modernidade em conflito consigo própria o que confere a filosofia
o papel de relevância actual e universal-histórica.
Hegel foi o primeiro a dar uma expressão terminológica a uma conceituação terminológica
adaptada a sociedade moderna, separando a esfera política da sociedade civil, recuperando a
contraposição da teoria da arte entre modernidade e antiguidade. Hegel elevou ao conceito a cisão
da modernidade para os seus movimentos e inquietação ao efectuar a crítica da subjectividade no
âmbito da filosofia do sujeito, satisfazendo a necessidade de autofundamentação que se funda na
desvalorização da actualidade e na crítica ou mesmo na autocrítica. Hegel vê na filosofia kantiana
a essência do mundo moderno concentrada em um foco. Mas, como se pode notar, “Hegel não é
o primeiro filósofo que pertence aos tempos modernos, mas o primeiro para o qual a modernidade
se tornou um problema. Em sua teoria torna-se visível pela primeira vez a constelação conceitual
entre modernidade e consciência do tempo e racionalidade” (idem, 2002, p. 62).
dissolução dos poderes clássicos e reconcilia a modernidade em conflito consigo mesma a partir
de um passado idealizado da comunidade religiosa do cristianismo e da polis grega, convocando
contra as personificações autoritárias da razão o poder unificador da intersubjectividade sobre os
conceitos amor e vida, onde o lugar da reflexão entre sujeito e objecto é ocupado por uma mediação
comunicativa.
Habermas defende que Hegel reconheceu a filosofia kantiana como uma autointerpretação decisiva
da modernidade, pois que, Kant substituiu o conceito substancial da razão da tradição metafísica
pelo conceito de uma razão cindida em seus momentos cuja unidade não tem mais que um carácter
formal. Assim, Kant separou do conhecimento teórico as faculdades da razão prática e do juízo,
assentando cada uma delas sobre os seus próprios fundamentos (cf. HABERMAS, 2002, p. 29).
Para além de Hegel, Habermas (idem, p.12), defende que é no domínio da crítica estética que pela
primeira vez, se toma consciência da fundamentação da modernidade a partir de si mesma. A partir
da crítica aos modelos antigos de uma beleza absoluta, Habermas sustenta que as expressões
modernas e modernidade conservam até hoje o núcleo do significado estético marcado pela
autocompreensão da arte de vanguarda. Habermas toma como críticos da estética Baudelaire e
Walter Benjamim.
Em Baudelaire, a obra de arte moderna ocupa um lugar notável na intersecção do eixo entre
actualidade e eternidade. Aqui a modernidade é concebida como o transitório, o efémero, o
contingente, é a metade da arte.
Walter Benjamim volta, por um lado contra a ideia de um tempo homogéneo e vazio, preenchido
pela obstinada fé no progresso do evolucionismo e da filosofia da história, por outro, contra aquela
neutralização de todos os critérios que o historicismo opera quando encerra a história em um
museu. Portanto, em Benjamim a modernidade diluída em actualidade tem de olhar sua
normatividade das imagens reflectidas de passado incitados, tão logo alcance a autenticidade de
um tempo presente.
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Segundo Habermas (2002, p. 137), com Nietzsche a crítica da modernidade renuncia pela primeira
vez seu conteúdo emancipador onde a razão centrada no sujeito confronta-se com o outro da razão
e a via do refúgio da individualização é a ruptura estética moderna. A ruptura com o princípio da
individuação torna-se o itinerário de fuga da modernidade. Assim, a modernidade em Nietzsche
corresponde a projecção de um espírito criador que, sem escrúpulo se entrega ao gozo
despreocupado do poder e da arbitrariedade das suas criações, onde o mundo é um tecido de
dissimulações caracterizado como uma distância nocturna dos deuses ou prenúncio de um Deus
ausente. Na modernidade a ideia do progresso casa-se com o eterno da temporalidade e, a razão
desmascaradora coloca-se a si mesma fora da razão.
Com Nietzsche, prenuncia-se uma nova visão do mundo, a do niilismo cuja característica é a morte
de Deus e a desvalorização dos valores supremos. Nietzsche integra-se num campo vasto da crítica
da razão, do conhecimento e da educação com suas bases segundo Sloterdijk (2000, p. 53), nos
ideais iluministas, posteriormente protagonizadas noutros campos da crítica.
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A Crítica da modernidade iniciada por Nietzsche e outros teóricos foi continuada por Heidegger e
Bataille. Heidegger ao restituir a filosofia, a plenitude do poder perdido, na compreensão
metafísica concebem os destinos da história de uma cultura ou de uma sociedade como
determinados por pré-compreensão ontológica, dando assim o acervo temático do discurso da
modernidade. Segundo Habermas, Heidegger foi o primeiro a volatizar a necessidade de uma nova
mitologia mediante a crítica da razão fundamentada a um ser que se escapa do ente.
A crítica a modernidade foi compreendida por Foucault numa perspectiva da crítica do pensamento
fenomenológico-antropológico a partir da loucura da razão, uma razão que distancia a loucura para
dela apoderar-se dos riscos. Com Foucault o discurso filosófico da modernidade é visto a partir da
história da ciência, convertida em história da racionalidade, visto que persegue a constituição da
loucura numa imagem simétrica da constituição da razão.
Segundo Foucault, citado por Habermas (2002, p. 340), as ciências humanas constituem na
modernidade o reforço e o impulso da socialização que se efectiva no alastramento das relações
de poder sobre as interacções concretas mediadas pelo corpo onde os discursos científicos regem
as práticas humanas. Mais ainda, as ciências humanas enredadas numa utopia emancipatória
fundam-se, sobretudo na praxis da escravização. Foucault abandona a consciência do tempo
presentista da modernidade, rompendo com o privilégio concedido ao presente marcado pela
pressão problemática, despedindo-se deste modo da hermenêutica dando uma nova compreensão
a história, em detrimento de uma historiografia da objectivação dos sujeitos como forma de acabar
com a historiografia global que concebe a história como uma macro ciência.
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Chegado ao fim de uma linha sobre o discurso filosófico da modernidade, desde Nietzsche até os
seus sucessores, Habermas regressa, mais uma vez ao local do desmascaramento das ciências por
via da crítica da razão tomando por base a ideia de que eles não se deram conta que o contra
discurso sobre a modernidade, iniciado por Kant apresenta uma contra prova da subjectividade
como princípio da modernidade.
Para Habermas, o discurso filosófico com todas as suas variantes encontradas, não forneceu uma
interpretação completa e correcta do fenómeno histórico da modernidade, pois que, ao pretender
fornecer modelos ideológicos que tendessem substituir as concepções religiosas do mundo, o
marxismo ortodoxo forneceu interpretações distorcidas, seja da modernização societária, seja da
modernidade cultural. Os conservadores e marxistas (Bataille, Foucault, Derrida, Lyotard e outros)
abdicaram gratuitamente a razão. Assim, Habermas percorre um novo caminho do discurso
filosófico da modernidade com o intuito de reexaminar em suas encruzilhadas, pois que para ele,
para que a filosofia seja capaz de reflectir a modernidade cultural terá de retornar ao ponto de
partida da modernidade histórica, reflectindo os processos de modernização ocorridos a luz do seu
projecto original.
Sloterdijk (2007), defende que, o que sob uma perspectiva evolucionista podemos chamar de
modernidade começa numa época que remonta a mais de dois mil e quinhentos anos, hoje
designada por nós como antiguidade, pois, foi na época de Hesíodo, na época do velho testamento
que foram criadas as narrativas da idade dos metais e da expulsão do paraíso, ainda hoje lembrada
com grande reverência.
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A partir da ideia da modernidade segundo a qual seria possível num tempo breve fazer correr o
mundo, racionalmente através da nossa actividade, Sloterdijk lança fortes críticas a esta era, pois
que, segundo ele fundou-se numa utopia cinética onde todo o movimento deve passar a ser a
realização do plano que se tem dele. Portanto, segundo o autor a modernidade é a projecção do
ente em devir a qual define o processo do mundo como um drama do género humano que se iça
sobre si própria até aos mais altos ideais enquanto divinização do mundo, sujeito a um adiamento
infinito, movendo o ser para o movimento.
Para Sloterdijk a história é um relato impetuoso de etapas de caminhos que sobe até nós próprios
e é sabotada por narrativas contrárias de perdas e rupturas e, revela-se como uma má notícia. A
modernidade é a encenação histórica de uma negação radical de tudo o que se chama valor,
actuando sempre com uma vontade de chegar ao nada. O motor da história é o homem, o animal
mal nascido que, o seu niilismo de vinda ao mundo o conduz a criação do seu próprio mundo pelas
suas forças ou de uma modernidade enquanto avalancha pensante.
A questão de fundo para a qual Sloterdijk propõe-se discutir a crítica a modernidade é a contínua
compreensão para os seres humanos do moderno curso do mundo desencantado por eles próprios,
bem como o mal-estar da civilização que adquire uma nova qualidade, como um cinismo difuso e
universal.
Segundo Sloterdijk (2002, p. 21), na modernidade as coisas passam a acontecer como se pensa,
não reservando aos deuses as suas decisões, desequilibrando-se deste modo a antiga ecologia da
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Todo o movimento do mundo deve passar a ser realização do plano que nós temos
dele. Os nossos próprios movimentos vitais passam a ser, progressivamente,
idênticos ao próprio movimento do mundo; o processo mundial, no seu todo
coincide progressivamente com a nossa manifestação de vida; as coisas acontecem
como se pensa (idem, p. 24).
A modernidade abriu-se com a descoberta cinética a uma crítica de si mesma, do que é próprio e
do que é próximo, de um plano de realização do que se pensa, ela passa a acontecer de outra
maneira que antes não se tenha pensado. Segundo Sloterdijk (2002, p. 26), a modernidade vista
como uma saída libertária dos homens, transforma-se numa heteromolidade catastrófica onde os
acontecimentos dão-se de forma explosiva deixando a descoberto a crise de uma razão optimizada
durante séculos e passa a pensar sobre si própria. Assim, a modernidade passa a ser vista na
perspectiva de uma utopia cinética, enquanto mobilização.
A modernidade realizou os seus planos utópicos, automobilização, onde cada sujeito se move a sí
próprio ao volante da sua máquina que se move a si própria, pois que o sujeito moderno é na sua
relação com o movimento. Sloterdijk afirma que o centro cultural da religião cinética universal é
o sacramento rolante que proporciona a participação naquilo que é mais rápido do que nós próprios.
Os momentos de uma catástrofe da Europa revelam o fracasso de uma errónea modernidade, são
o fim de uma ilusão, portanto segundo Sloterdijk (2002, p. 37), são a sexta-feira Santa cinética em
que se extingue a esperança na redenção pela aceleração e projecto de uma nova era, o Pós-
moderno. Assim, o activo moderno cede o seu lugar ao Pós-moderno.
A maioria dos passos do progresso da modernidade não encaminharam os seus agentes para a
mobilidade plena do espírito, mas conduziu a movimentos forçados de um novo tipo que podem
competir em termos de heteronomia e de energia geradora de miséria com apertos mais sufocantes
dos tempos pré-modernos. A fórmula eficaz da modernidade é: Quanto mais moderno, tanto mais
pós-moderno, pois que as catástrofes modernas criaram mais as condições para o prenúncio da
pós-modernidade enquanto axioma crítico da cinética filosófica moderna.
Sloterdijk fundamenta a sua crítica a modernidade a partir Nietzsche, Hegel e Marx, pois que, estes
fazem parte de uma crítica da ideologia iniciada desde Lutero ao repelir por um biblicismo radical,
a pretensão da igreja a autoridade continuada por Lessing, ao apresentar de maneira clássica o
desmascaramento da pretensão a revelação como uma simples pretensão. Portanto, com Nietzsche,
Hegel e Marx, o saber humano é forçado a recuar para as fronteiras da história.
Segundo Sloterdijk, Hegel exerceu sua maior influência quer na filosofia moderna quer na filosofia
contemporânea, abrindo nesta última as bases para o aparecimento de novas correntes como são
os exemplos da esquerda e da direita hegelianas, dos reacionários e mais adiante de novos
fundamentos críticos no olhar idealista em geral e do problema da consciência proposto por ele.
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Com Hegel encontramos pela primeira vez o optimismo heróico da apropriação histórica ao
empreender a tentativa de reclamar o passado da humanidade pensante na sua totalidade como
propriedade de um espírito absoluto que se alcançará a si próprio. Ao inaugurar o pensamento
moderno propôs-se compreender as diferentes manifestações do espírito, pois que, a realidade
enquanto tal é para Hegel espírito infinito cuja estrutura ou a vida se desenvolve dialecticamente
ou por via de um elemento especulativo.
Segundo Sloterdijk (2011, p. 67), a crítica marxista vai nitidamente um passo mais longe do que
todas as críticas precedentes: visa uma crítica das cabeças integrais. Não prescinde de repor as
cabeças em todos os corpos que vivem e trabalham; eis o sentido da dialéctica entre a teoria e a
prática, entre o cérebro e a mão, entre a cabeça e o ventre. A crítica marxista é guiada por um olhar
realista sobre os processos do trabalho social, segundo afirma: O que está nas cabeças é
determinado em última análise pela função social das cabeças na gestão do trabalho social. A
crítica marxista examina cada consciência para saber o que esta vale como consciência da classe e
o que ela por si própria sabe disso.
Habermas (1999, p. 60), “defende que uma modernidade sem modelos, aberta ao futuro e ávida
por inovações só pode extrair os critérios de si mesma”. Portanto, extrai da modernidade o critério
da razão comunicativa como via de superação dos enigmas da modernidade. Habermas propõe em
seu discurso filosófico da modernidade uma via para a saída da filosofia do sujeito a partir de uma
teoria discursiva da ética recalcada em torno da razão comunicativa.
Segundo Habermas (1999, p. 71), o agir comunicativo pressupõe uma integração social onde a
força consensual do entendimento linguístico torna-se efectiva para a coordenação das acções
tornando possível a ordem social uma vez que o telos do entendimento habita na linguagem.
A teoria discursiva da ética proposta por Habermas, tem em vista a fundamentação de um princípio
de universalização como regra de argumentação para discursos práticos partindo dos pressupostos
pragmáticos da argumentação em geral. Habermas ao propor a ética do discurso embora não dando
o conteúdo supera a questão do relativismo ético para qual os juízos morais têm sua validade no
seio dos padrões da racionalidade ou mesmo do valor da cultura ou forma de vida a qual pertence
cada sujeito.
A razão comunicativa que aponta para além de uma razão centrada no sujeito deve, segundo
Habermas conduzir-se para fora dos nivelamentos e dos paradoxos de uma crítica autoreferencial
da razão com vista a reabilitação do conceito de razão. Habermas mostra que a razão comunicativa
será extraída da praxis quotidiana e não de uma determinada acção quotidiana em detrimento das
outras. Para Habermas, compreendendo que a razão está reduzida ao mundo que pode ser
conhecido, defende que é necessário um programa de expansão.
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A teoria da comunicação pode contribuir para explicar como na modernidade uma economia
organizada sob a forma de mercado se entrelaça funcionalmente com o Estado que monopoliza a
violência, que se autonomiza em relação ao mundo da vida, tornando uma parte da sociabilidade
isenta de normas e que opõe os imperativos da razão os seus próprios imperativos fundados na
conservação do sistema. Na modernidade as sociedades não dispõem de uma instância central de
autoreflexão e de controlo.
Os participantes da teoria comunicativa para realizarem actos de fala aptos a coordenação devem
supor para todos os implicados um mundo de vida partilhado de maneira intersubjectiva,
convergente para a situação de fala e centralmente ancorado no corpo. As sociedades modernas
amplamente descentralizadas, mantém na acção comunicativa quotidiana um centro virtual de auto
entendimento, a partir do qual até mesmo os sistemas de acções funcionalmente especificados na
medida em que não ultrapassam o horizonte da vida permanecem a um alcance intuitivo.
Segundo Habermas (1998, p. 88), o mundo da vida deve ser introduzido como um conceito
complementar do agir comunicativo uma vez que o seu emprego numa ciência social exige uma
mudança metódica de enfoque performativo ao enfoque teórico.
Sloterdijk (2002, p. 174), exalta o papel da consciência face aos enigmas da modernidade. Segundo
ele, a sua validade garantiria a possibilidade de se ultrapassar não só a própria vida psíquica-
empírica, mas também o curso do mundo no seu todo e de estar, diante dele graças a um tesouro
de princípios eternos. Uma consciência de princípios, autónoma deste género tornaria os homens
invulneráveis ao choque dos acontecimentos e protegia-os contra a mudança das circunstâncias.
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Enquanto o mundo se move a uma utopia cinética, a consciência seria uma instância
autocomunicativa, reguladora do trato íntimo do indivíduo consigo mesmo e sede de uma
sabedoria que estaria sempre adiantada em relação a todos eventos do mundo. A consciência
retiraria os homens para a cidadania interior contra o andamento do mundo contemplando os
universais inscritos na consciência reflexiva.
Diante do rebento da utopia cinética moderna os problemas do mundo são resolvidos por meio de
consciências individuais que seria sensores inteligentes de um mundo, que precisamente devido
ao seu procedimento pode entrar numa relação de autoterapia consigo mesmo. As novas formações
de consciências são agência do autosalvamento do real. Para Sloterdijk (2002, p. 177), a
automediação salvadora do mundo pressupõe que a voz da consciência seja precisamente a voz do
perigo no qual o mundo se vê metido. A consciência é a ética do urgente perante os enigmas do
mundo, é o ouvido atento ao que é urgente. A audição atenta é possível quando os actores da
prática política tem de ganhar um pouco de distância em relação às ensurdecedoras mobilizações,
que são elas próprias a catástrofe da qual pretende ser o impedimento.
Para tentar obter com êxito um novo tipo de credibilidade, o político tem de passar a ser o médium
das urgências, com as quais o processo mundial trabalha as consciências, exigindo-lhes demais,
provocando-as, destorcendo-as. Face as dissonâncias da modernidade, Sloterdijk admite, para
além, da necessidade da consciência como ética do urgente a segunda variante, a crítica da razão
como investigação das causas de correspondência e não-correspondência. A crítica da razão,
encabeçada por técnicos de entendimento secundário traz consigo um conceito de verdade que se
adapta a acidentada paisagem moderna.
Conclusão
É no seio do antagonismo dos objectivos da modernidade que Habermas e Sloterdijk propõe-nos
as suas reflexões filosóficas em volta deste período histórico, facto que lhes confere a sua imersão
como pós-modernos, pois, buscam uma fundamentação crítica da modernidade.
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Habermas, faz uma descostrução da modernidade tomando-a originada de uma crítica e, da sua
consciência para a necessidade de autocertificação, tomando Nietzsche como ponto decisivo desta
crítica e de uma imersão na ideia da pós-modernidade, com o seu anúncio do niilismo consumado,
posteriormente continuada por Horkheimer e Adorno, Heidegger, Derrida, Battaile e Foucault. A
partir deles, Habermas propõe-nos a acção comunicativa como via para saída da filosofia do
sujeito.
Portanto, Habermas procura no seu discurso filosófico mostrar que a modernidade não é um debate
esgotável em si como projecto, ela abre-se a uma perspectiva temporal de críticas cumulativas ou
uma encenação contínua da crítica que se desenrola diante dos seus passos como resultado dos
seus investimentos e dos projectos que prosseguem.
Esta visão de uma acção comunicativa, proposta da saída da filosofia do sujeito em Habermas deve
ser compreendida a partir do debate hegeliano da luta pelo recíproco reconhecimento que comporta
a necessidade interna de autocomunicação institucional e, num regresso a ética vigente desde
Aristóteles à Idade Média, cujo teor fundamental era a construção de estrutura comunicacional
entre os homens. Portanto, Habermas faz, com a teoria da acção comunicativa um apelo indirecto
ao regresso da ética clássica, visão defendida por F. Nietzsche ao compreender a partir do
nascimento da tragédia a necessidade de regresso ao passado como nova via para superação da
subjectividade.
vida, entre a razão teórica e a razão prática, fazendo deste modo desaparecer a premissa clássica
do filosofar. Em Sloterdijk, a modernidade tem sua fonte na crise da relação da experiência do
mundo e de si, onde a subjectividade estende as suas redes sobre o mundo dos objectos e
transforma a primeira natureza avassaladora numa natureza domesticada.
Se a modernidade tem como seu resultado a prática, o filho legítimo da razão, uma crítica à ela
constitui em Sloterdijk uma desmitologização desta prática, obrigando-a a corrigir os seus ideais
de emancipação, do progresso ou do domínio das leis que regulam os fenómenos naturais pela
razão.
Quer Habermas quer Sloterdijk ambos asseveram uma crítica à modernidade e buscam soluções
para essa crítica, sendo para Sloterdijk a consciência como uma urgência de pensar os enigmas da
modernidade e busca de novos fundamentos para a acção humana e, para Habermas a superação
dos impasses da modernidade por via da acção comunicativa, pois que, ele busca uma estratégia
de superação do ideal subjectivo e individualizado da modernidade por uma nova teoria de
intersubjectivação ou mesmo interindividuação unindo sobre maneira a razão e o sujeito, razão e
objecto. Habermas está no médium entre a indiferença e a promoção do progresso imposto pela
modernidade e Sloterdijk pauta pela indiferença dos progressos da modernidade.
Referências bibliográficas
Brasil, 2004.