Habermas e Lyotard
Habermas e Lyotard
Habermas e Lyotard
JÜRGEN HABERMAS
Sua tese foi publicada sob o título (traduzido: o espaço público no seio do qual se forma a
opinião pública). Trata simultaneamente da ciência política, da história, da sociologia e da
filosofia. Depois de ter sido assistente de Adorno, Habermas ensina primeiro em Heidelberga
(junto de Gadamer) e, depois, em Frankfurt, a partir de 1964. Como Marcuse, são os
movimentos estudantis esquerdistas dos anos sessenta que vão torná-lo célebre. As suas
exigências de racionalidade levam-no todavia a criticar os excessos e a falta de seriedade da
contestação, que se volta então contra ele.
Grande aspiração de Habermas é conseguir uma união entre a teoria e a praxis (esta é a eterna
aspiração de todos os filósofos).
Habermas recorre a Hegel, como o primeiro filósofo que elevou a Modernidade ao estatuto de
problema filosófico no século XVIII. (Habermas, 1998: 27ss e 57)
Para ele, Hegel foi o primeiro filósofo a desenvolver um conceito preciso da modernidade;
temos portanto de remontar a Hegel se quisermos compreender o que significa a relação
interna entre modernidade e racionalidade, tida como evidente até Max Weber e hoje posta em
questão. Temos de nos certificar do conceito hegeliano de modernidade para podermos avaliar
a razão daqueles que fazem as suas análises partindo de outras premissas. Não podemos no
entanto afastar a priori a suspeita de que o pensamento pós-moderno está meramente a
atribuir a si mesmo uma posição transcendente, quando na realidade permanece dependente
dos pressupostos, validados por Hegel, da auto-compreensão moderna.
Diz Habermas (1998: 16), não podemos excluir de antemão a hipótese de que o neo-
conservadorismo ou o anarquismo de inspiração estética estejam a tentar mais uma vez, em
nome de um adeus à modernidade, revoltar-se contra ela. Pode muito bem ser que eles estejam
pura e simplesmente a disfarçar sob a capa do pós-iluminismo a sua cumplicidade com uma
venerável tradição do contra-iluminismo.
Ele vê a Filosofia confrontada com a tarefa de traduzir em pensamento o seu próprio tempo
que, para Hegel, significa a época moderna. Hegel está convencido de que não pode de forma
alguma apreender o conceito que a Filosofia faz de si própria sem atender ao conceito filosófico
de modernidade.
Em primeiro lugar Hegel descobre o princípio dos tempos modernos: a subjectividade. Partindo
deste princípio, explica simultaneamente a superioridade do mundo moderno e a sua
vulnerabilidade à crise, a qual se revela no facto de o mundo ser um mundo do progresso e de
ser ao mesmo tempo o mundo do espírito alienado de si próprio. Para Hegel, os tempos
modernos são caracterizados de uma forma geral por uma estrutura de auto-relação a que ele
chama de subjectividade.
Ele explica a subjectividade por meio de liberdade e reflexão. “o que dá grandiosidade à nossa
época é o reconhecimento da liberdade, a propriedade do espírito, o reconhecimento de que o
espírito estando em si está consigo”. A subjectividade para ele tem quatro conotações:
- O futuro começou
Em 1981 Habermas publica a sua obra-prima: Teoria do agir comunicativo, onde elabora uma
teoria pragmática de linguagem que visa uma relação entre a linguagem e o sujeito que a usa.
Trata-se de uma pragmática universal (ou formal) que procura as condições universais
necessárias que estão a monte de toda possível comunicação linguística orientada ao
entendimento: uma Teoria da competência comunicativa (= capacidade de usar sistemas
abstractos de regras que permitem a produção de discursos possíveis, compartilhados por
todos, ou seja: os pressupostos gerais do agir comunicativo).
Habermas faz um giro pragmático para fundamentar a Teoria do agir comunicativo: “nós
vivemos ainda na modernidade, mas uma modernidade tardia”. A razão ainda permanece como
princípio organizador; o que mudou é o princípio da razão instrumental, para uma razão
comunicativa.
Estas regras do agir comunicativo, ou seja, as regras comuns a todos os que querem comunicar
são quatro:
2. Verdade: o falante deve ter a pretensão de falara verdade, que possa ser partilhada pelo
ouvinte.
Se faltar uma destas quatro regras, não é possível um “discurso racional” e consequentemente
não é possível nenhuma comunicação entre os interlocutores. Estas regras devem ser
antecipadas (antecipação ideal) enquanto prefiguração de um contexto de perfeita
racionalidade intersubjectiva.
Estas quatro regras do agir comunicativo não têm somente valência lógica, mas também ética
(por isso é chamada Ética do Discurso) e pressupõem 3 condições (éticas) para que haja um agir
comunicativo: os interlocutores devem ser sujeitos iguais, livres e capazes de raciocinar.
Dentro deste discurso comunicativo, Habermas distingue dois tipos de agir racional:
1. Agir instrumental, motivado por interesses técnico-estratégicos e finalizado ao
sucesso.
Estas duas formas do agir se condicionam reciprocamente e definem assim dois níveis distintos
e complementares de sociedade:
Este mundo da vida (que se articula em três componentes: cultura, sociedade, pessoa) é a base
para que haja um agir comunicativo. É necessário defender o mundo da vida das “colonizações”
tentadas pelo sistema, que provoca “distúrbios” no âmbito da reprodução cultural (perca de
sentido), na integração social (anomia) e da socialização (ruptura com a tradição).
A defesa da razão crítica operada por Habermas, coincide com a defesa da modernidade e do
seu projecto emancipatório. A modernidade não está no fim, mas está ainda em construção
(modernidade incompleta).
Na sua obra Discurso filosófico da modernidade (1985) Habermas desafia as teorias do pós-
modernismo, mediante uma “re-narração” crítica da modernidade: recupera os valores do
iluminismo como a emancipação do intelecto da autoridade e da tradição.
Habermas porém observa que a modernidade não conseguiu contrapor nada à capacidade
unificadora da religião (que o iluminismo aboliu): nem Hegel, nem Nietzsche conseguiram, mas
mesmo assim devemos salvar a modernidade e a razão, pena a recaída nas trevas.
Se Hegel faliu com a sua ideia de “Espírito Absoluto” e também Nietzsche com a sua “vontade
de potência”, Habermas propõe como solução (unificadora do saber e da racionalidade) a
Filosofia crítica da intersubjectividade racionalmente fundada (ou seja a Ética do discurso de tipo
universal-pragmático).
5. Pública (ou pós-kantiana): a moral não é algo de individual (como era para Kant), mas é
algo público, resultado de um “discurso público”, ou seja considera o que todos de
comum acordo reconhecem como norma universal.
Daí: Fala sobre os objectivos da ética do discurso: A busca de um Consenso universal (ideia de
universalidade).
A Ética do discurso está atenta não só aos princípios mas também às consequências do agir: por
isso é uma Ética de responsabilidade.
Habermas sustenta que não é possível fundar a ética sobre a metafísica ou a religião (como se
fazia antes): a moral pode ser só pós-metafísica e pós-religiosa (renúncia em fazer intervir Deus
na ética). Precisa ver qual tipo de razões garante à moral uma força suficiente de convicção.
Esta legitimidade está na razão comunicativa, com o seu princípio de universalidade: uma lei é
válida quando todos a aceitam.
Habermas critica o relativismo cultural (pelo qual cada cultura é uma totalidade fechada e os
princípios são julgados em base a culturas determinadas), porque de facto existe uma lógica
“inter-subjectiva” da argumentação que é trans-cultural (ou seja não se limita aos confins de
uma cultural particular).
Critica também o relativismo pós-moderno (Lyotard): mesmo porque existe uma multiplicidade
de jogos linguísticos, é necessário um “mínimo comum denominador” racionalmente fundado,
que permita um diálogo entre as culturas.
O mesmo cepticismo que quer contestar a Ética do Discurso, deve usar determinadas regras de
argumentação, ou seja deve pressupor válida a teoria contra a qual combate (e esta é uma
patente auto-contradição).
Os conteúdos morais (juízos éticos) não têm uma contingência emocional e subjectiva, mas têm
um conteúdo cognitivo (objectivo).
Sobre o fim da filosofia, para Habermas a razão, mesmo que não exaure todo o saber (existem
saberes que não podemos demonstrar cientificamente), fica insubstituivelmente “guarda da
racionalidade”: consequentemente, a filosofia mantém a sua competência dentro do debate
público.
Tipos de conhecimento:
Para Habermas, todo o saber e conhecimento é movido por interesses. Ele distingue 3 tipos de
conhecimentos (saber):
1. Ciências empírico-analíticas (viradas à busca das leis). Aqui temos interesses técnicos
(Agir instrumental).
2. Ciências histórico-hermenêuticas (viradas à compreensão do sentido). Aqui temos
interesses práticos, que visam um entendimento comunicativo entre patners (agir
comunicativo).
3. Ciências crítico-reflexivas (viradas à elaboração de uma teoria crítica do homem). Aqui
temos interesses emancipativos, que visam libertar os sujeitos de todos os
condicionamentos.
Filósofo francês, estudante da Sorbonne no pós-guerra, parte para Argélia, onde ensina
Filosofia. Professor em França e EUA, da formação fenomenológica-marxista, passou pelo
Estruturalismo, para chegar ao pós-modernismo.
Na sua obra Peregrinações, afirma que “a luta contra a exploração e alienação se torna toda a
minha vida. Até ao ponto que…não faço e não sinto quase nada que não seja imediatamente
ligado à causa”.
Em 1979 publica a sua obra que o torna famoso internacionalmente: “La Condition post
moderne” (A condição pós-moderna). Esta obra sobre a reforma das universidades foi
comissionada pelo governo canadiano. Lyotard sustenta que o saber não é reduzível à ciência
nem ao conhecimento.
Saber não é só conhecimento fundado sobre enunciados denotativos (que se pode declará-los
verdadeiros ou falsos), mas também valorativos e prescritivos (saber viver e saber fazer).
O saber tradicional se baseia sobre as narrativas (contos baseados em jogos linguísticos auto-
referências, ou seja que têm em si mesmo as suas autorizações. Mas a ciência sempre
desprezou este tipo de saber, mesmo que ela é também narrativa auto-referencial, ou seja deve
recorrer a justificações extra-científicas).
Esta incredulidade não é motivada pelo triunfo do capitalismo e tecnicismo, mas pela
deslegitimação ínsita nas grandes narrações já no Séc. XIX (niilismo): a ciência se encontra
deslegitimada e a narração iluminista não justifica os enunciados prescritivos e valutativos (nem
tudo o que é justo ou bonito ou real deve ser “racional”).
Com a ideia das micro-narrações, Lyotard se coloca em contraste com a ideia de Habermas da
busca de um consenso universal obtido mediante um Diskurs: Lyotard sustenta que isso é
impossível, pois não existe uma “meta-linguagem” geral onde os interlocutores possam
encontrar um acorde sobre regras universalmente válidas, e contesta também que o fim seja o
consenso, pois para Lyotard o fim é a dissensão ou a paralogia (paralogia é um raciocínio não
válido, mas que aparentemente é válido: diferencia-se do sofisma enquanto não tem intenção
de enganar).
Mais que um consenso universal, Lyotard aceita um consenso local, momentâneo e sempre
sujeito à revisão. “Está-se então orientado para multiplicidades de meta-argumentações finitas,
isto é, argumentações que incidem sobre meta-prescritivos e que são limitadas no espaço-
tempo)”. (op cit: 131). A ideia de saber de Lyotard não é algo de unitário, estável, garantido,
mas é algo de flexível, local, mutável…conforme à livre actividade da mente humana.
A ideia do “sujeito múltiplo, fragmentado e complexo” tem assim a ver com a condição pós
moderna de fim das metanarrativas, na ideia dos pós modernistas. Também é por isso que
Lyotardianos falam da vida social como um “jogo” de linguagem em que os discursos são tão
variados que nos é impossível encontrarmo-nos num lugar definitivamente.
O Pós-Modernismo nestes moldes insiste nos jogos das diferenças onde a multiplicidade, a
heterogeneidade e o pluralismo são elementos essenciais da forma de estar no mundo. Para
teorias de esquerda e discursos emanados da periferia esta conclusão é bem cómoda porque
tem um efeito libertador do seu discurso: o centro já aparece como uma construção e ficção e,
portanto, não mais como uma realidade fixa e imutável.
Por fim a obra Peregrinações é um texto autobiográfico que continua na ideia de integração,
anti-dogmatismo, típicos da filosofia.
Se o saber não tem mais em si o seu fim (formação da pessoa culta, emancipação humana…) e
deve servir para outra coisa, a sua transmissão subtrai-se à exclusiva responsabilidade dos
cientistas e dos estudantes.
Se no passado era claro para todos a que servia a ciência (progresso, emancipação, etc.) nesta
ela não está mais clara. Mas uma resposta é possível somente na ciência (via crítica-racional).
Em outras palavras, a ciência está “autocondenada” a não poder dizer o seu sentido pois este
está de fora de si (enunciado prescritivo, pois se baseia sobre regras) mas ela não pode
abandonar o seu âmbito crítico-racional, pois não seria mais ciência. Esta é mesmo a aporia do
pós-moderno segundo Lyotard.
r
BIBLIOGRAFIA
HABERMAS, J.: “Modernidade – um projecto inacabado”. In: ARANTES, O. & ARANTES, P.: Um
ponto cego no projecto modernidade Jürgen Habermas. SP. Brasiliense. 1992
HARVEY, David. Condição pós-moderna. Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São
Paulo: Loyola, 1994