O Elixir Do Pagé
O Elixir Do Pagé
O Elixir Do Pagé
Olha : – qual vasto manto que flutua Manso asilo de sombras e mistério, Cuja mudez talvez jamais quebrara
Sobre os ombros da terra, ondeia a selva, Humano passo revolvendo as folhas,
E ora surdo murmúrio ao céu levanta, E que nunca escutou mais que os arrulhos
Qual prece humilde, que no ar se perde, Da casta pomba, e o soluçar da fonte...
Ora açoutada dos tufões revoltos, Onde se cuida ouvir, entre os suspiros
Ruge, sibila, sacudindo a grenha Da folha que estremece, os ais carpidos
Qual hórrida bacante: – ali despenha-se Dos manes do Indiano, que inda chora
Pelo dorso do monte alva cascata, O doce Éden que os brancos lhe
Que, de alcantis enormes debruçada, roubaram!...
Em argêntea espadana ao longe brilha,
Qual longo véu de neve, que esvoaça, Que é feito pois dessas guerreiras tribos,
Pendente aos ombros de formosa virgem, Que outrora estes desertos animavam?
E já, descendo a colear nos vales, Onde foi esse povo inquieto e rude,
As plagas fertiliza, e as sombras peja De brônzea cor, de torva catadura,
D’almo frescor, e plácidos murmúrios... Com seus cantos selváticos de guerra
Restrugindo no fundo dos desertos,
Ali campinas, róseos horizontes, A cujos sons medonhos a pantera
Límpidas veias, onde o sol tremula, Em seu covil de susto estremecia?
Como em dourada escama refletindo Oh! floresta – que é feito de teus filhos?
Flóreas balsas, colinas vicejantes,
Toucadas de palmeiras graciosas, Dorme em silêncio o eco das montanhas,
Que em céu límpido e claro balanceiam Sem que o acorde mais o rude acento
A coma verde-escura. – Além montanhas, Das guerreiras inúbias: – nem nas sombras
Eternos cofres d’ouro e pedraria, Seminua, do bosque a ingênua filha
Coroados de píncaros rugosos, Na preguiçosa rede se embalança.
Que se embebem no azul do firmamento! Calaram-se para sempre nessas grutas
Ou, se te apraz, desçamos nesse vale, Os proféticos cantos do piaga;
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
Nem mais o vale vê esses caudilhos, Por entre o fumo espesso das fogueiras, De virgem mata a sussurrante cúpula,
Seus cocar na fronte balançando, Com sombrio lentor tecer, cantando, Ou gruta escura, disputada às feras,
Essas solenes e sinistras danças, Ou frágil taba, num momento erguida,
Que o festim da vingança precediam... Desfeita no outro dia, eram bastantes
Para abrigar o filho do deserto;
No carcaz bem provido repousavam
Por esses ermos não vereis pirâmides De todo o seu porvir as esperanças,
Nem mármores, nem bronzes, que Que suas eram da floresta as aves,
assinalem E nem lhes nega o córrego do vale
Nas eras do porvir feitos de glória; Límpido jorro que lhe estanque a sede.
Da natureza os filhos não sabiam No sol, fonte de luz e de beleza,
Aos céus erguer soberbos monumentos, Viam seu Deus, prostrados o adoravam,
E nem perpetuar do bardo os cantos,
Que celebram façanhas do guerreiro,
– Esses fanais, que acende a mão do gênio,
E vão no mar infindo das idades
Alumiando as trevas do passado.
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
Na terra a mãe, que os nutre com seus Um canto ao menos, onde em paz Seus nomes mergulhou no esquecimento.
frutos, morressem!
Sua única lei – na liberdade. Como cinza, que os euros arrebatam, Mas tu, ó musa, que piedosa choras,
Se esvaeceram, – e do tempo a destra Curvada sobre a urna do passado,
Oh! floresta, que é feito de teus filhos? Tu, que jamais negaste ao infortúnio
Esta mudez profunda dos desertos Um canto expiatório, eia, consola
Um crime – bem atroz! – nos denuncia. Do pobre Indiano os erradios manes,
O extermínio, o cativeiro, a morte E sobre a inglória cinza dos proscritos
Para sempre varreu de sobre a terra Com teus cantos ao menos uma lágrima
Essa mísera raça, – nem ficou-lhes Faze correr de compaixão tardia.
O elixir do Pajé
AO LEITOR
D’un pinceau délicat l’artifice agréable A lira do poeta mineiro tem todas as Repugnam-nos os contos obscenos e
Du plus affreux objet fait un objet aimable. cordas; ele a sabe ferir em todos os tons e imundos, quando não têm o perfume da
Boileau.1
ritmos diferentes com mão de mestre. poesia; esta, porém, encontrará aceno e aco-
No intuito de perpetuar estes versos de um Estes poemas podem se chamar erótico- lhimento na classe dos leitores de um gosto
poeta nosso bem conhecido, os fazemos cômicos. Quando B. G. escrevia estes delicado e no juízo destes será um florão de
publicar pela imprensa, que, sem dúvida versos inimitáveis, sua musa estava de veia mais juntado à coroa de poeta de que B. G.
pode salvar do naufrágio do esquecimento para fazer rir, e é sabido que para fazer rir tem sabido conquistar à força de seu gênio.
poesias tão excelentes em seu gênero, e cuja são precisos talentos mais elevados do que
perpe-tuidade alguns manuscritos, por aí para fazer chorar. Ouro Preto, 7 de maio de 1875.
dispersos e raros, não podem garantir do Estes versos não são dedicados às moças
tempo. e aos meninos. Eles podem ser lidos e apre-
ciados pelas pessoas sérias, que os
encarecem pelo lado poético e cômico, sem
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“De um pincel delicado o artifício agradável / Do ofensa da moralidade e nem tão pouco das
mais odioso objeto faz um objeto amável”. Nicolas consciências pudicas e delicadas.
Boileau-Despréaux (1636-1711), “Arte poética”.
[SA].
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
Vassoura terrível
dos cus indianos,
por anos e anos,
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
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Índio na Poesia Brasileira
Bernardo Guimarães – ‘O Ermo’ e ‘O elixir do Pajé’
do mais rebelde cabaço, sem cessar viva fodendo, Sim, faze que este caralho,
e pode um cento de fêmeas até que fodendo morra! por tua santa influência,
foder de fio a pavio, a todos vença em potência,
sem nunca sentir cansaço... e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado,
Eu te adoro, água divina, vencedor de cem mil conos...
santo elixir da tesão, E seja em todas as rodas,
eu te dou meu coração, de hoje em diante respeitado
eu te entrego a minha porra! como herói de cem mil fodas,
Faze que ela, sempre tesa, por seus heróicos trabalhos,
e em tesão sempre crescendo, eleito rei dos caralhos!