Desvio Portossistemico em Caes Revisao
Desvio Portossistemico em Caes Revisao
Desvio Portossistemico em Caes Revisao
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Introdução
Dentre todos os órgãos internos do corpo, temos o fígado que se destaca no seu tamanho, sendo
superior a todos os outros, constituindo 3% a 4% do peso corporal. O sangue que chega no fígado vem
por meio de duas fontes. Uma delas é a veia porta à qual drena o sangue proveniente do trato digestório
e representa cerca de 60% a 70% de todo o sangue que o fígado recebe e a outra fonte, é a artéria hepática
responsável pelo restante do fluxo sanguíneo hepático. Pela veia hepática, o sangue sai do fígado,
entrando na veia cava caudal (Cullen et al., 2006).
O fígado atua no metabolismo de lipídeos, carboidratos, proteínas e na desintoxicação de
xenobióticos e metabólitos; no armazenamento de vitaminas, glicogênio e gordura, além da digestão de
gordura; e, também, na imunorregulação (Webster, 2008). Outras atividades do fígado são: síntese de
ureia, albumina, fibrinogênio e sais biliares; excreção de bilirrubina; armazenamento de sangue (Tobias
& Johnston, 2013). Por conseguinte, quando temos alguma alteração hepática, pode-se ter deficiência
em uma ou mais das funções mencionadas (Webster, 2008).
O fígado do feto possui sua função limitada no processamento de produtos como: hormônios tróficos
(intestinais e pancreáticos), nutrientes, toxinas derivadas do intestino e produtos de bactérias,
provenientes da circulação portal, e como meio de proteção tem-se um grande vaso desviando da
circulação hepática, o ducto venoso. A localização desse vaso fica no lado esquerdo do fígado, e o seu
fechamento ocorre em torno de 3 a 10 dias após o nascimento. A oclusão do vaso ocorre após o fluxo
venoso umbilical ser interrompido; e a contração da musculatura do ducto venoso, que ajuda no
fechamento, ocorre em estimulação de compostos adrenérgicos ou tromboxano. A formação do desvio
portossistêmico (DPS) ocorre quando esse ducto venoso permanece patente, ou então em decorrência
da existência de outras comunicações congênitas (Weisse & Berent, 2004).
Desvio portossistêmico ou shunt portossistêmico são vasos anômalos localizados entre a circulação
sistêmica e a circulação portal. Sua origem pode ser congênita ou adquirida (Watson & Bunch, 2015).
Estes podem ser divididos em: desvios portossistêmicos intra-hepáticos congênitos (DPIH), que estão
localizados no fígado e desvios portossistêmicos extra-hepáticos congênitos (DPSEC) ou adquiridos. A
existência desses vasos anômalos permite que o sangue portal normal proveniente da drenagem do
estomago, intestino, pâncreas, e baço, passe de maneira direta para a circulação sistêmica sem
envolvimento do fígado (Fossum, 2014).
Conforme Watson & Bunch (2015), os desvios portossistêmicos adquiridos ocorrem devido à
hipertensão portal, que acontece em consequência de uma hepatite crônica e fibrose. Em decorrência da
fibrose que faz com que os sinusoides se rompam, e que ocorre juntamente com obstrução, e também
com o edema de hepatócitos, faz com que a pressão portal aumente até o ponto que ela ultrapassa a
pressão da veia cava caudal, resultando na hipertensão portal. Em animais saudáveis, a pressão na veia
porta é inferior àquela vista na veia cava caudal. Se esse aumento na pressão permanecer, formam-se os
DPSs adquiridos; permitindo com que uma parcela do sangue portal não vá para o fígado.
Sinais clínicos
Os sinais clínicos no DPS congênito são comumente observados em torno de dois anos de idade,
sendo esses sinais relacionados, principalmente, ao sistema nervoso. O animal pode apresentar andar
compulsivo, pressionar a cabeça contra objetos, ataxia, letargia, torpor, sendo esses sinais clínicos os
mais comumente observados em torno de 95% dos casos (Jericó et al., 2015). Mehl et al. (2005),
demonstraram que 82% dos cães possuíam sinais neurológicos, 76% com sinais gastrointestinais e 39%
sinais urinários. Segundo Dewey & Costa (2016) em um estudo com 168 animais com desvio extra-
hepático, se obteve o resultado que somente um animal apresentava sinais de crises reativas, logo, não
é frequente em animais com DPS. Sob outra perspectiva, 5% dos casos, podem ter crises reativas no
pós-operatório. Isso pode ocorrer devido a alterações nos níveis de serotonina no cérebro, que ocorrem
de maneira abrupta. Além disso, são observados outros sinais como: diarreia, êmese, poliúria, polidipsia,
e, ademais, hematúria pode ser vista devido à formação de cristais de biurato de amônio. Sinais que se
assemelham com outras doenças neurológicas como: tetraparesias com deficiência de reação postural,
amaurose e vestibulopatia podem ocorrer em animais com mais de cinco anos, podem aparecer (Jericó
et al., 2015).
caudal ou cranial, ou veia gastroduodenal conectando com a veia cava caudal, ou então pode ser algumas
combinações feitas com veias anteriores.
Tratamento
Segundo Watson & Bunch (2015) é preconizado que se faça um tratamento clínico, antes da cirurgia
e por até oito semanas após, com o objetivo de estabilizar esses pacientes, enquanto o fígado ainda se
recupera tanto em massa quanto no sentido vascular. Conforme Brainard & Hofmeister (2012), os
animais que apresentam DPS têm um risco maior para apresentar hipoglicemia, seja antes ou durante a
anestesia. Em relação aos medicamentos anestésicos, esses animais tendem a prolongar a meia vida e
alterar o metabolismo dos fármacos.
Em relação ao tratamento clínico, este pode ser realizado, agindo de maneira paliativa, controlando
a insuficiência e encefalopatia hepática. Em relação aos medicamentos, antibióticos (p ex: metronidazol
ou neomicina) podem ser usados em decorrência de esses atuarem na microbiota produtora de urease.
A lactulose também pode ser utilizada, pois age no aumento da eliminação do conteúdo intestinal e
também acidificando o lúmen intestinal, e com isso se tem a transformação de amônia em amônio (Brum
et al., 2007).
De acordo com Watson & Bunch (2015), as diretrizes sobre o manejo proteico desses animais
mudaram, agora se sabe que esses animais necessitam de mais proteína do que aqueles animais que não
possuem DPS. A restrição proteica pode causar uma desnutrição proteico-calórica, quando esta for
realizada por longos períodos. Atualmente, se tem preconizado uma alimentação com proteínas
digestíveis em pequenas quantidades, o que faz, desse modo, com que o trabalho do intestino delgado
seja menor e isto termina por causar uma diminuição no metabolismo da glutamina. Entretanto, existem
inúmeras técnicas no tratamento cirúrgico do DPS extra-hepático, dentre elas se tem a ligadura total ou
então parcial do vaso anômalo. Essa ligadura pode ser feita com alguns produtos como: fio de seda, fita
de celofane ou então com um anel “ameroide” a qual causa constrição (Jericó et al., 2015). Quando o
DPS for adquirido, não se recomenda a cirurgia, logo a mesma só é realizada em casos de DPS congênito
(Fossum, 2014). A técnica mais preconizada é aquela que oclui o vaso de maneira gradativa, fazendo
com que o fígado assim possa se adaptar à nova pressão, pois se a oclusão for abrupta, pode-se ocasionar
uma hipertensão portal aguda (Jericó et al., 2015). Caso, o vaso anômalo seja ligado de maneira parcial,
pode-se ter mais predisposição para a ocorrência de sinais clínicos de maneira persistente ou ainda
recorrente. Algumas estatísticas mostram que quando o vaso é ligado de maneira parcial se tem 32-50%
dos casos com sinais clínicos recorrentes, e apenas 0 -12% quando esse vaso for totalmente ligado
(Besancon et al., 2004).
Na composição do ameroide temos: um anel de caseína desidratada e ao redor dela, temos um
semicírculo metálico. O funcionamento se dá quando esse produto é colocado no vaso anômalo e essa
caseína se reidrata com os líquidos provenientes da cavidade abdominal do animal, e com isso esse
constritor vai sofrer uma expansão, ocluindo de maneira gradativa o vaso anômalo, dentro de 2 semanas
a 3 meses (Jericó et al., 2015). A fim de avaliar o fluxo, em um estudo um vaso falso foi testado com o
constritor ameroide, e os resultados obtidos foram que nos primeiros 4 dias uma rápida oclusão era
notada, tendo visto que uma redução do fluxo acima de 50% já se via em torno de 48 horas, e acima de
80% em torno de quatro dias, e mais lentamente nos próximos dois meses (Besancon et al. (2004). Além
de a parte interna ser constituída desse material higroscópico, ocorrendo então o inchaço desse produto
num momento inicial, temos que a oclusão terminará em decorrência a uma fibrose ao redor do vaso
anômalo (Fossum, 2014). A fim de se evitar a hipertensão portal, com a oclusão total do vaso anômalo
após a colocação do ameroide, o ideal é que o cirurgião possua ao menos três tamanhos de constritores
antes da cirurgia. Com isso, se evita também a oclusão parcial do vaso, quando se opta por um anel com
tamanho superior (Jericó et al., 2015).
Considerações finais
Segundo esta pesquisa, existe a possibilidade de que ocorra a formação de novos desvios extra-
hepáticos, após a colocação do constritor ameroide, quando feita de maneira aguda ou então mais
tardiamente. Com a ajuda da ultrassonografia, pode-se ter um número estimado acerca do diâmetro do
vaso anômalo. Como recomendação, para o uso do anel constritor ameroide, não pode haver uma
oclusão do vaso que ultrapasse 25% do seu tamanho, durante a colocação deste dispositivo. Atualmente,
não há a venda do ameroide no Brasil, mas este pode ser importado, entrando em contato direto com o
fabricante.
Portanto, é de suma importância que o médico veterinário saiba sobre o DPS, a sua fisiologia, sinais
clínicos e os exames mais utilizados para o diagnóstico correto desse vaso anômalo o qual pode
desencadear inúmeras alterações fisiológicas no animal. Ademais, a terapia medicamentosa é importante
para estabilizar estes pacientes antes do procedimento cirúrgico, que é o método de solução para esses
casos. É importante lembrar-se da maior ocorrência em animais de raça, sendo o Yorkshire terrier, a
raça mais predisposta para essas anormalidades vasculares.
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