As Representacoes Da Morte Na Iconografi

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MYTHOS – Revista de História Antiga e Medieval

2018, Ano II, Número I – ISSN 2527-0621


Núcleo de Estudos Multidisciplinares de História Antiga e
Medieval
Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão
Artigo recebido em 09 de Abril de 2018
Artigo aprovado em 10 de Abril de 2018

AS REPRESENTAÇÕES DA MORTE NA ICONOGRAFIA E


NA LITERATURA DOS SÉCULOS XIV E XV

Kerlys Santos de Sousa71

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar sobre as


representações da morte no fim da Idade Média, levando em
consideração as produções literárias e iconográficas influenciadas pelo
pensamento religioso cristão. Tais produções que abordam o tema da
morte no medievo possibilitam diferentes formas de interpretação da
sociedade deste período. A historiografia revela que a morte está
inserida num contexto histórico sociocultural e é um reflexo da
sociedade na qual atua. Assim, cada sociedade em diferentes períodos
da história pode desenvolver uma noção particular do que é a morte, de
acordo com suas crenças, ritos e símbolos.

PALAVRAS-CHAVE: Produções Artísticas. Fim da Idade Média. Morte.


Representações

ABSTRACT: This article aims to analyze the representations of death in


the late Middle Ages, taking into account the literary and iconographic
productions influenced by Christian religious thought. Such
productions that approach the theme of death in the Middle Ages
enable different forms of interpretation of the society of this period.
Historiography reveals that death is embedded in a historical
sociocultural context and is a reflection of the society in which it
operates. Thus, each society in different periods of history can develop a
particular notion of what death is, according to its beliefs, rites and
symbols.

KEYWORDS: Artistic Productions. End of the Middle Ages. Death.


Representations

71 Graduanda em Licenciatura História pela Universidade Estadual do Maranhão


(UEMA); Pesquisadora do Núcleo de Estudos Multidisciplinares de História Antiga e
Medieval (NEMHAM). E-mail: Kerlys55.santos@hotmail.com.

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Introdução

A relação do homem com a morte foi se desenvolvendo e se


modificando no decorrer do tempo. As sociedades dos diferentes
períodos criaram suas próprias maneiras de lidar com este fenômeno.
No decorrer da Idade Média, a religião cristã influenciou o pensamento
sobre a morte e o comportamento humano diante dela. Por essa razão,
compreender as diferentes concepções, representações, ritos e os
símbolos que os homens atribuíram à morte ao longo dos séculos,
significa compreender as mentalidades72 coletivas de cada época. De
acordo com a abordagem do historiador francês Michel Vovelle, a
história das atitudes coletivas está em desenvolvimento e tem seus
campos de atuação, tais como: atitudes diante da vida, estrutura
familiar e a morte. Dessa forma, a imagem da morte se inscreve num
contexto histórico e cultural (VOVELLE, 1996, p. 12).
No fim da Idade Média o pensamento representado em imagens
era um dos fatores que dominavam a vida religiosa (HUIZINGA, 1924,
p.114). A iconografia73 e as obras literárias representavam os principais
meios de divulgação dos ensinamentos da Igreja medieval. José Rivair
Macedo revela que as imagens na Idade Média revestiam-se de caráter
educativo pedagógico. A linguagem adotada procurava evidenciar
símbolos e signos dotados de mensagens explícitas ou implícitas.
Através da produção de imagens no período medieval era possível tornar
visível o invisível e, mais que isso, era uma maneira de reforçar a fé
cristã (MACEDO, 2004, p.120). Nesse sentido, Peter Burke afirma que
as imagens, assim como textos e testemunhos orais, constituem-se
numa forma de evidência histórica, pois registram atos de testemunho
ocular (BURKE, 2004, p.17).

72Na historiografia, o conceito de mentalidades passou a designar as atitudes mentais


de uma sociedade, os valores, o sentimento, o imaginário, os medos, o que se
considera verdade, ou seja, todas as atividades inconscientes de determinada época. É
a estrutura que está por trás tanto dos fatos quanto das ideologias ou dos imaginários
de uma sociedade (SILVA e KALINE VANDERLEI, 2009, p.279).
73 Atualmente o significado historiográfico mais comum de “iconografia” abarca todos
os aspectos envolvidos não apenas em uma obra de arte, mas em qualquer tipo de
imagem ou material visual. As imagens são representações de ideais, sonhos, medos e
crenças de uma época. Com o desenvolvimento da ideia de imagem como documento,
a iconografia se tornou importante fonte para o estudo das mentalidades e das
relações sociais (SILVA e KALINE VANDERLEI, 209, p.198).

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Dessa maneira, pretende-se analisar a difusão dos temas da


morte na iconografia e na literatura dos séculos XIV e XV, uma vez que
foi nesse período que se atribuiu maior valor ao pensamento da morte.
As expressões literárias e as artes visuais, vinculadas ao tema da morte,
exprimiam a angustia coletiva que se formulou ao longo do período
medieval. Além disso, revelam um conjunto de características críticas e
moralizadoras ligadas ao sentimento religioso predominante no
medievo.

1. A visão macabra da morte no fim da Idade Média

O homem na Idade Média motivado pelo sentimento religioso


cristão, acreditava na existência de outro mundo e na continuidade da
vida após a morte. Para Philippe Ariés, a ideia de continuação constitui
um fundo comum a todas religiões antigas e ao Cristianismo. No
Cristianismo medieval, a vida era morte no pecado, e a morte física,
acesso a vida eterna (ARIÉS, 1977, p. 117). Para Michel Vovelle, a
história da morte distingue-se em três níveis: a morte sofrida, a morte
vivida, e o discurso da morte. A morte vivida caracterizava-se como um
conjunto de gestos e ritos que conduzia ao túmulo ou ao Além. Esse
tipo de morte se encaixava nas práticas funerárias, mágicas, religiosas e
cívicas. Era uma morte formal e sistematizada, que demonstrava não
apenas formalidade, mas também sensibilidade. Os ritos funerários, a
expressão de angústia e a repetição dos gestos representavam um
discurso coletivo. Por meio do discurso sobre a morte, que se modifica
com o passar do tempo, podemos ter a noção da transformação das
representações do Além no medievo (VOVELLE, 1996, p.14-15).
Hilário Franco Júnior ao abordar o comportamento do homem
diante da morte, revela que “a morte foi deixando de ser uma amiga que
o encaminhava para a eternidade para se transformar numa inimiga
que o afastava de tudo que conseguira ou pensava vir a conseguir neste
mundo” (FRANCO JÚNIOR, 2006, p. 188). Essa mudança na postura do
homem a respeito da morte ocorreu a partir do século XIII, com os
progressos materiais da sociedade cristã ocidental (FRANCO JÚNIOR,
2006, p. 188).
Para Diogo José Caetano, o desejo de criar uma imagem de tudo o
que se relacionava com a morte deu lugar ao desprezo de todos os seus

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aspectos. Essa concepção se fixava continuamente no imaginário74


coletivo medieval, através da crença nos castigos de Deus. Entretanto, o
homem do medievo vivia constantemente cercado pelo medo de morrer.
Esse medo não representava as emoções de ternura e de consolação que
antes se tinha, e sim a dor pela ausência dos que morriam e o temor da
própria morte que era enfatizada como os piores males na Idade Média
(CAETANO, 2012, p. 36).
As epidemias dos séculos XIV e XV, assim como a guerra e a
fome, provocavam interrupção da vida, impedindo o funcionamento dos
ritos coletivos de alegria e de tristeza, pois o número de mortos e o
pânico de morrer limitavam a ritualização dos indivíduos. Essas
rupturas eram acompanhadas de impossibilidade dos planejamentos de
mecanismo de defesa contra a peste. (CAETANO, 2012, p.45). Segundo
Jacques Le Goff, a peste alimentou uma nova sensibilidade e
religiosidade. (LE GOFF, 2003, p. 231). Assim, o medo da morte
transbordou para fora do imaginário, penetrando na realidade vivida
pelo homem (CAETANO, 2012, p.42).
Para Jean Claude Schmitt a cena da agonia do indivíduo estava
associada aos diferentes temas emblemáticos do macabro75, a começar
pela própria morte em sua representação alegórica (SCHMITT, 199,
p.242). A arte macabra mostrava aquilo que não se via, aquilo que se
passava debaixo da terra, a decomposição, não o resultado de uma
observação, mas o produto de uma imaginação. Era um tema frequente
em cenas não realistas e em alegorias, que mostravam aquilo que não
era visto. Os pregadores franciscanos e dominicanos com seus sermões
cooperaram para essa nova espiritualidade, assim como na concepção
do Além (ARIÉS, 1977, p.154.

74Bronislaw Baczko caracteriza o imaginário social como uma das forças reguladoras
da vida coletiva. O imaginário social é, pois, uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de
controle da vida coletiva e, e especial, do exercício da autoridade do poder. (BACZKO,
1884, p.310).
75 Segundo Philippe Ariés, há o hábito de se chamar macabras (por extensão, a partir
das danças macabras) as representações realistas do corpo humano enquanto se
decompõe. O macabro medieval, começa depois da morte e detém-se no esqueleto
ressequido (ARIÉS, 1977, p.133). Johan Huizinga destaca que o atual significado da
palavra macabro é resultado de um longo processo. Mas o sentimento que ele encarna,
algo horrível e funesto, é a concepção da morte que surgiu durante os últimos séculos
da Idade Média (HUIZINGA, 1924, p.108)

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Johan Huizinga aponta que os religiosos que pregavam o desprezo


pelo mundo exprimiam um sentimento materialista na medida em que
afirmavam que a beleza e a felicidade eram inúteis, uma vez que
estavam destinadas a acabar um dia (HUIZINGA, 1924, p.106). Claude
Blum destaca que a presença constante da visão da morte deveria
induzir o homem a se distanciar das aparências, como por exemplo, o
poder e a riqueza, para que assim encontrasse a verdade de um
individuo obscurecido pelo pecado (BLUM, 1996, p. 280).
Vale ressaltar que na Idade Média a representação da morte no
imaginário coletivo esteve associada à ideia de pecado. Os cristãos
temiam morrer em pecado, e no momento de sua última confissão
esforçavam-se para conseguir a penitência e a morte cristã. A partir do
século XIII, o pecado passou a ser representado sob novas formas, como
por exemplo, dos vícios e dos sete pecados capitais, ambos voltados
para a vida. Mas, isso não significa que houve total distanciamento
entre morte e pecado, tendo em vista que ocorreu, ainda no final da
Idade Média, uma série de representações na literatura e nas artes
envolvendo a relação entre as duas temáticas (BLUM, 1996, p. 280-
283).
A concepção sobre a morte se modificou nos últimos séculos da
Idade Média. O homem passou a compreender a morte não mais como
continuidade da vida na eternidade, mas como o fim, a decomposição.
Philippe Ariés destaca que, o imaginário macabro que surgiu nesse
período, demonstrava que o homem estava confrontado com o apego
aos bens terrestres, que tomavam mais importância do que antes, “a
verdade é sem dúvida que o homem nunca amou tanto a vida como
neste final da Idade Média. A história da arte nos dá uma prova indireta
deste fato” (ARIÉS, 1977, p.158). A partir dessa nova visão de mundo, o
homem passou a dar um novo valor à representação da morte (ARIÉS,
1977, p.154).
Contudo, Philippe Aríes aponta que o macabro não era a
expressão de uma experiência forte da morte numa época de muitas
mortalidades e de crise econômica. Não era apenas um meio para os
pregadores instigarem o medo da condenação, o desprezo ao mundo e a
conversão. As imagens da morte e da decomposição não expressavam
nem o medo da morte nem do além, mesmo tendo sido utilizadas para
isso. Representavam o amor apaixonado pelo mundo e de uma
consciência dolorosa pelo fracasso ao qual a vida dos homens está

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condenada (ARIÉS, 1977, p.156).

2. A morte na literatura e na iconografia dos séculos XIV e XV

Para Gerhild Scholz Williams, a morte estabelece o vínculo entre


passado e futuro e opera de forma estruturante como texto e signo
sobre a concepção que cada sociedade faz de sua própria tradição.
Neste sentido, a determinação da existência religiosa depende de como
um povo representa sua divindade e como ele caracteriza sua morte. A
ideia de que a atitude com relação a morte se modificou com o passar
dos séculos, tem seu lugar nas ciências humanas e na literatura. A
concepção platônica da separação entre corpo e alma e a libertação da
alma da prisão do corpo, indica uma das representações mais populares
da morte e das promessas da vida no âmbito da cultura ocidental
(WILLIAMS, 1996, p.131).
Nesse sentido, Gerhild Scholz Williams enfatiza que a maioria das
fontes literárias do período medieval provém da nobreza, visto que, nada
se conhecia sobre a concepção da morte entre as camadas mais baixas,
exceto alguns textos de sermões e estudos sobre o folclore ou a
descrição da vida na poesia. A obra literária caracterizava um diálogo
entre o poeta e o nobre e, como em muitos casos ambos pertenciam ao
mesmo grupo, entre o nobre e o nobre (WILLIAMS, 1996, p.144).
Havia na Literatura e na iconografia do medievo a representação
do moribundo76, este sabia que iria morrer com antecedência e recebia
no leito de morte a visita do padre. Ademais, o doente tinha tempo para
se arrepender, orar, convocar seus familiares ao redor de sua cama e
dizer o último adeus. O ritual da visita consistia na execução dos atos
litúrgicos e sacramentais na hora da morte, tratava-se de um ritual
coletivo, cercado de várias pessoas (ARIÉS, 1977, p.24).
Porém, de acordo com Johan Huizinga, o pensamento dominante
que se exprimia na literatura, tanto eclesiástica como laica, associado à
salvação da alma e à lamentação foi substituído pela representação da
morte horrenda e ameaçadora que fez surgir a ideia da dança macabra.

76 O significado de “moribundo” está relacionado a quem está prestes a morrer. Na


Idade Média o padre visitava o doente para cumprir os atos litúrgicos e sacramentais
que acompanhavam os últimos momentos do cristão sobre a terra (AVRIL, 1996,
p.90).

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fazer pensar no inferno. Os fiéis talvez não pensassem necessariamente


no inferno, mas foram então impressionados pelas imagens da morte. A
evocação dos horrores da decomposição foi um meio de os monges
mendicantes comoverem e converterem as populações laicas, em
particular urbanas. Os mendicantes procuraram impressionar as
imaginações através das representações da morte (ARIÉS, 1977, p.149).
A narrativa mítica dos três vivos e dos três mortos, que surgiu na
Idade Média no século XIII e se estendeu até o XV, retrata a nova
sensibilidade diante da morte. Segundo Claude Blum, trata-se de uma
narrativa onde três jovens nobres encontram três mortos horrendos que
lhes contam sua grandeza passada. Os três mortos não representavam
almas do Além, mas ainda a encarnação da parte material do homem
quando este não existia mais, representavam a própria morte, a
ausência de vida e de humanidade a qual o homem estaria destinado.
(BLUM, 1996, p.283).
Além dessa narrativa, a alegoria79 da dança macabra se fez
presente na literatura e na arte no final da Idade Média e expressava
uma crítica à sociedade que se modificava. Para Philippe Ariés: “o
objetivo moral é lembrar ao mesmo tempo a incerteza da hora da morte
e a igualdade dos homens perante a ela” (ARIÉS,1977, p.140).
A dança macabra surgiu ao longo do século XIV como um ponto
de encontro dos elementos figurativos que constituíam a representação
da morte (BLUM, 1996, p.285). Como exemplo, utilizamos um trecho do
documento “Danza general de la muerte” do final do século XIV, da
região da Espanha. Nesse poema, a morte convida para a dança 35
representantes dos diferentes grupos sociais da Idade Média, e lembra-
os da fragilidade da vida:
Não tenha desgosto, senhor padre santo
De ver minha dança que tenho ordenada
Não dês valor ao seu manto avermelhado
O que fizeste tens um salário
Aqui morrerá sem fazer mais bulícios
Danças agora imperante com sua cara satisfeita (DANZA

79 A “alegoria” é a tradução concreta de uma ideia difícil de compreender ou de


exprimir de uma maneira simples. Os signos alegóricos contém sempre um elemento
concreto ou exemplificativo do significado (DURAND, 1993, p.09).

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GENERAL DE LA MUERTE, p.33).
No verso acima a morte convida para a dança um representante
religioso da sociedade medieval, o padre. A morte apresenta-se como
uma personagem ameaçadora que adverte sobre a brevidade da vida e
revela que os erros cometidos pelo convidado a dançar tem um
pagamento, que é justamente a própria morte. Outro aspecto presente
no documento refere-se à crítica que é feita no que diz respeito ao poder
dos representantes religiosos. Dessa forma, diante da morte, o status
social e os bens materiais são insignificantes, uma vez que esta é uma
verdade inegável e torna todos os homens iguais.
A dança macabra pregava a igualdade social tal como era
compreendida na Idade Média. A morte nivelando as várias categorias
sociais e profissões, como por exemplo, mercadores, cardeais, papas,
bispos, imperadores, reis, lavradores e donzelas, caracterizava uma
dança dos mortos e não da morte. Tratava-se de uma mensagem
educacional para os fiéis, aos nobres que fossem humildes e aos pobres
que confiassem em Deus e na promessa do paraíso. De acordo com
Philippe Ariés, um tema que se difere das “Ars Moriendi” e das danças
macabras, porém igualmente difundido na iconografia a partir do século
XIV, é o do Triunfo da Morte, representado principalmente na Itália
(ARIÉS, 1977, p.142).

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Imagem 1: Triumph of Death (Triunfo da Morte). c.1446. Autor desconhecido. Galeria


Regional de Palazzo Abatellis, em Palermo, Itália.

A imagem retrata a morte personificada como um esqueleto vivo


montado a cavalo (no centro), lançando flechas fatais em pessoas de
grupos sociais distintos. À direita observa-se o grupo social dos nobres,
em virtude das vestimentas luxuosas e dos instrumentos musicais,
como por exemplo, o alaúde e a harpa. À esquerda nota-se um grupo de
pessoas pobres. Na parte inferior há corpos de belas mulheres, papas,
imperadores e poetas, todos atingidos pelas flechas lançadas. É
interessante observar as diferentes reações diante do acontecimento.
Alguns apresentam expressão facial de medo e angustia, enquanto
outros demonstram tranquilidade. O Triumph of Death (Triunfo da
Morte) não representa o confronto pessoal do homem com a morte, mas
a ilustração do seu poder coletivo e social (ARIÉS, 1977, p.142).
A alegoria da morte no ocidente cristão, era representada pelos
símbolos do esqueleto ou cadáver descarnado, a pé ou montado num
animal (geralmente boi ou cavalo) munido de alguma arma (foice ou
arco e flecha). Essa representação passou a ser difundida a partir da
segunda metade do século XII e tornou-se comum no universo mental
do homem, para lembrá-lo que diante do ataque da morte, a grandeza
transformava-se em pequenez e a beleza em algo inútil (BLUM, 1996,

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p.278).

3. Considerações Finais

Em suma, Umberto Eco afirma que na Idade Média, tanto a


pregação verbal, quanto as imagens exibidas nos locais sacros, eram
destinadas a lembrar a iminência e a inevitabilidade na morte, além de
cultivar o terror das penas infernais (ECO, 2007, p.62). Assim, a visão
da morte e o que aparece de mais temido está ligado ao contexto
histórico e sociocultural do período.
Segundo Gerhild Scholz Williams, a morte, como acontecimento
histórico, é a forma mais fácil que se pode compreender. O fim da vida
aparece nas crônicas da Idade Média sem nenhum medo existencial
perceptível. O cronista da Baixa Idade Média procurava descobrir os
motivos do agir humano. Dessa forma, na literatura do fim da Idade
Média surgiu a fusão da história do mundo com a história da salvação
(WILLIAMS, 1996, p.135). A morte pode ser entendida como como texto
e signo80 que, ou se estabelecem na consciência do homem, ou
desaparecem na medida em que não são aceitos como relevantes
socialmente ou culturalmente. Na literatura medieval a morte aparecia
como realidade física e espiritual, que dissolvia vínculos sociais antigos
conduzindo a outros novos (WILLIAMS, 1996, p.132).
Além disso, o autor Gerhild Scholz Williams ressalta que as
manifestações religiosas e não religiosas da Idade Média estavam
estreitamente vinculadas à reflexão sobre a morte e ao amor em suas
várias manifestações. Assim, a morte na Literatura e na arte atuava em
uma relação com a concepção cristã medieval. A morte era entendida
como castigo pelos pecados ou como recompensa pela virtude e acesso
a vida eterna (WILLIAMS, 1996, p.132-144).
Peter Burke destaca que apesar dos textos oferecerem indícios, as
imagens por sua vez constituem-se no melhor guia para o poder de

80 O termo “signo” está associado a representação material simples de uma realidade


complexa. Nesse sentido, o signo “Morte” tem seu lugar na hierarquia de signos que
na Idade Média se juntam ao texto da queda do homem no pecado e da redenção
divina. A morte é um texto que se torna ele mesmo um signo, e nesse processo
diversas formas de produção de signos operam simultânea ou sucessivamente
(WILLIAMS, 1996, p.142).

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representações visuais na vida religiosa e política de culturas passadas


(BURKE, 2004, p.17). O uso de imagens, em diferentes períodos, como
objetos de devoção ou meios de levar a crer ou aceitar aquilo que se
propõe, de transmitir informação ou de oferecer prazer, é uma maneira
de testemunhar antigas formas de religião, de conhecimento e de
crença. A arte pode fornecer evidência para aspectos da realidade social
que os textos passam por alto, mas não necessariamente em todos os
lugares ou épocas (BURKE, 2004, p.37).
Levando em consideração que na Idade Média a maioria da
população era analfabeta, pode-se compreender que as imagens que
eram produzidas e colocadas nas igrejas serviam para que, aqueles que
não sabiam ler os livros, pudessem “ler”, olhando as paredes (BURKE,
2004, p.54). No entanto, Peter Burke chama a atenção para a seguinte
questão: a ideia de que as pinturas eram a bíblia dos analfabetos tem
sido criticada, com base na afirmação de que muitas imagens nas
igrejas eram complexas para serem compreendidas por pessoas
comuns. Porém, a iconografia e as doutrinas que eram ilustradas
poderiam ter sido explicadas oralmente pelo clero. A imagem agia como
um reforço da mensagem falada, em vez de se constituir em um única
fonte de informação (BURKE, 2004, p.55). Assim, as imagens são um
meio através do qual os historiadores podem recuperar experiências
religiosas passadas, contanto que eles estejam aptos a interpretar a
iconografia (BURKE, 2004, p.58).

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Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
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tradução Heitor Megale, Yara Frateschi Vieira, Maria Clara Cescato. São
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Paulo: Contexto, 2009.

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MYTHOS – Revista de História Antiga e Medieval
2018, Ano II, Número I – ISSN 2527-0621
Núcleo de Estudos Multidisciplinares de História Antiga e
Medieval
Universidade Estadual da Região Tocantina do Maranhão
Artigo recebido em 09 de Abril de 2018
Artigo aprovado em 10 de Abril de 2018

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Cia. Das Letras, 1999.
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