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Organizadores:

Alan Ricardo Sampaio Galleazzo


Bruno Henrique Lopes
Marilza Stadler de Campos Hack
Renan Barbosa Lopes Ferreira

SISTEMA
PENITENCIÁRIO
e suas dimensões sistêmicas

1ª edição
2020
Alan Ricardo Sampaio Galleazzo
Bruno Henrique Lopes
Marilza Stadler de Campos Hack
Renan Barbosa Lopes Ferreira
Organizadores

Sistema Penitenciário
e suas dimensões sistêmicas

Departamento Penitenciário do Estado do Paraná


Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário

Curitiba
2020
2020

Lorem
Aleny Fabrício Bezerra
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Luiz Carlos Régis Lima Júnior
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Mônica Regina consectetuer
Moreira Zeni
Sebastião Pontes Maciel elit,
adipiscing Junior
Renato Silvestri
sed diam
Rudy Heitor Rosas
nonummy
Antonio Alvesnibh de Arruda
Willian Vieiraeuismo
Costa Zonatto
André R. Paganotto
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Renan Barbosa Lopes Ferreira
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Karine Belmont
du Chaves
Autores
n

Andrea Krawutschke Iera


Cintia Helena dos Santos
Debora Cavalli
Karine Belmont Chaves
Carlos Eduardo de Lima
Comissão Avaliadora

Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário


Edição

Bruno Henrique Lopes


Projeto Gráfico e Diagramação

Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário


R. Saldanha Marinho, 161 - Centro
Curitiba/PR, Brasil
Fone: (41) 3222-1476
www.espen.pr.gov.br
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Sistema penitenciário e suas dimensões sistêmicas


[livro eletrônico] : coletâneas ESPEN /
organização Alan Ricardo Sampaio Galleazzo. –
ed. -- Curitiba, PR : ESPEN ; Marilza Stadler de Campos
Hack, 2020.
PDF

ISBN 978-65-993065-0-1

1. Direito 2. Direito criminal 3. Direito penal - Brasil 4.


Sistema penitenciário - Brasil I. Galleazzo, Alan Ricardo
Sampaio.

20-49759 CDD-343(81)

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Direito penal 343(81)
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
Palavra do Secretário de Segurança Pública

Há algum tempo venho refletindo sobre o verdadeiro significado de ser um servidor público
e, quanto mais eu penso, confirmo a ideia de que é um trabalho de extrema doação. Doação diária: isso é
o que caracteriza os agentes penitenciários que, arduamente e com coragem, dedicam grande parte de
suas vidas à uma fração da sociedade que muitos não percebem que existe.

Destemidos, muito além de serem profissionais fundamentais dentro da rede de segurança


pública, os agentes penitenciários são o verdadeiro elo entre o cumprimento da pena pelo isolamento e a
ressocialização. Assim, ser um agente penitenciário também é ser responsável pelo desenvolvimento
social.

Acredito, fielmente, que ser agente penitenciário é uma missão que deixa um legado, que
reestabelece vidas envolvidas com o crime e orienta famílias fragilizadas, por meio da educação e
preparação em relação ao futuro das pessoas privadas de liberdade.

Em meus contatos com os agentes que atuam no Paraná tenho aprendido muito sobre a
valorização da vida. Em cada movimentação, ação ou conversa com os apenados, os agentes
penitenciários incentivam para que os internos estudem e trabalhem dentro do sistema prisional e,
sobretudo, repensem e mudem suas atitudes.

O tempo é um dos privilégios mais preciosos que temos, principalmente para os agentes
penitenciários, que acreditam que um bom trabalho é capaz de salvar vidas e mudar o futuro de outras.
Pelo pouco que eu disse diante de tudo o que fazem, parabenizo todos os agentes penitenciários do Paraná,
que em breve poderão tornar-se policiais penais, por servirem a sociedade paranaense com dedicação e
honra.

Novembro de 2020,

Coronel Romulo Marinho Soares

Secretário da Segurança Pública do Paraná


Palavra do Diretor do DEPEN

O sistema prisional paranaense passou por diversas mudanças administrativas,


organizacionais e estruturais nos últimos anos, desde o tratamento penal ofertado aos presos, como
também, na melhoria das condições de trabalho do servidor penitenciário.

As conquistas foram significativas. Ampliamos vagas, retiramos presos de delegacias,


realizamos reformas estruturais e administrativas nas unidades penais, demos início a construção de
novas penitenciárias, modernização da frota e dos equipamentos, profissionalização dos servidores,
aumento dos índices de presos em atividades de ensino e trabalho, entre outras.

Ainda assim, é preciso fazer mais. Para isso, precisamos debater o sistema prisional e seus
problemas históricos não apenas no âmbito do Estado, mas como sociedade. Parabenizo nossa Escola de
Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário pela iniciativa de propor essa discussão de ideias, também e,
principalmente, no campo científico.

Espero que este livro possa trazer sugestões e alternativas que nos ajudem a pensar e aprimorar
a nossa realidade.

Uma boa leitura a todos.

Francisco Alberto Caricati

Diretor Geral do Departamento Penitenciário do Paraná


Palavra da Diretora da ESPEN

Dentre os valores institucionais da Escola de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário está


o respeito e a inovação.

Nesse sentido, escolhemos no ano de 2020 dar voz e transparência as dimensões sistêmicas
do sistema penitenciário do Paraná.

Este livro representa uma síntese de estudos e práticas exitosas do sistema prisional do Paraná
relatados pelos seus profissionais.

Acreditamos que a participação dos servidores traz cientificidade as Práticas Penitenciárias e


ao mesmo tempo dá visibilidade a carreira dos servidores penitenciários que por vezes é invisível a
sociedade.

De maneira inédita o lançamento desse livro no mês em que comemoramos o Dia do Agente
Penitenciário representa um marco também na transição da Polícia Penal do Paraná.

Boa leitura!

Marilza S. de Campos Hack

Diretora ESPEN
Mensagem do Sindicato dos Policiais Penais do Paraná

Falar sobre a atividade penal é sempre desafiador até mesmo para nós, profissionais que
lidamos diariamente com essa realidade. Ao contrário do que pensa a maioria da população, trabalhar
com o sistema penitenciário requer um elevado nível de formação, preparo, equilíbrio e responsabilidade.

Somos a personificação do Estado perante os presos. Somos os primeiros a quem a massa


carcerária recorre em caso de dúvidas, reclamação, desabafos, pedidos de ajuda. E quando o Estado falha
com essas pessoas, somos nós o alvo primeiro das ameaças e represálias, que, muitas vezes, culminam
em atentados contra nossas vidas.

Por tudo isso, tanto o Estado quanto a sociedade devem ter um olhar diferenciado sobre a
nossa categoria. Não basta cobrar que sejamos melhores; é preciso nos garantir meio para sermos.

Refletir sobre o nosso papel na segurança pública e debater sobre os avanços necessários na
nossa carreira é importante para que consigamos essa garantia. Por isso, saudamos essa iniciativa da
ESPEN de suscitar esse debate, inclusive, proporcionando aos próprios servidores que tragam suas
reflexões sobre sua atividade.

Dados da publicação Operários do Cárcere, lançada pelo SINDARSPEN em 2016, apontou


que 70% dos policiais penais no estado possuem curso superior e 15% mestrado e doutorado. Além dos
cursos stricto sensu, também temos uma enorme gama de profissionais que se qualificam por meio de
cursos livres, de especialização e das formações ofertadas pela ESPEN, afora, obviamente, toda
a expertise que os anos dedicados ao trabalho penal nos proporcionam. Temos, portanto, muito a
contribuir com o pensar sobre esse sistema.

Esperamos que esta seja a primeira de muitas publicações que garantam a voz dos policiais
penais sobre suas atividades e, mais que isso, que todas as problematizações levantadas pela categoria
sejam ouvidas e assimiladas pelo Estado na busca pela solução dos graves problemas que ainda
enfrentamos no trabalho penal.

Ricardo de Miranda Carvalho

Presidente do Sindicato dos Policiais Penais do Paraná - SINDARSPEN


SUMÁRIO

SUMÁRIO............................................................................................................................................... 6

PREFÁCIO ............................................................................................................................................ 10

ASPECTOS DA LEI N.º 13.964/2019 EM RELAÇÃO À INTERVENÇÃO CORPORAL NO BRASIL


EM FACE DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL ...................................................................................... 12

A POLÍCIA PENAL PARANAENSE E OS DESAFIOS DE SUA ESTRUTURAÇÃO ...................... 26

O CRIME ORGANIZADO E SUA ATUAÇÃO DENTRO DOS PRESÍDIOS .................................... 36

AS VANTAGENS HUMANAS E ECONÔMICAS DO USO DO BODY SCANNER EM REVISTAS


PESSOAIS NOS PRESÍDIOS ............................................................................................................... 45

AINDA QUE SEJA UMA GOTA NO OCEANO - AÇÕES POSITIVAS PARA O SISTEMA
PRISIONAL .......................................................................................................................................... 62

O ADOECIMENTO DO POLICIAL PENAL NAS UNIDADES PRISIONAIS ................................... 71

A PANDEMIA E O SURGIMENTO DE NOVAS TECNOLOGIAS NO COMBATE AOS


CELULARES EM ESTABELECIMENTOS PENAIS: O SISTEMA INTRUSIVO ............................. 80

MONITORAMENTO ELETRÔNICO: COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÃO ENTRE OS


ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO FERRAMENTA NECESSÁRIA À SEGURANÇA
PÚBLICA .............................................................................................................................................. 89

"RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS EM PRISÃO FEMININA: DADOS EMPÍRICOS ADVINDOS DA


ESCUTA PSICOLÓGICA". ................................................................................................................ 101
PREFÁCIO
Esta obra é fruto de inspiração e trabalho da Escola de Formação e Aperfeiçoamento
Penitenciário – ESPEN em comemoração ao Dia do Agente Penitenciário. Nada mais justo que, nesta
data, mostremos o trabalho que os protagonistas da área de segurança pública realizam. Por isso,
convidamos todos os integrantes das forças públicas para escrever textos e artigos sob a ótica do
Sistema Penitenciário. O que os leitores irão degustar a seguir é fruto da inspiração dos autores sobre
o que realizam em seu cotidiano.
Antes de adentrarmos ao conteúdo deste livro, queremos externar os nossos sinceros e
profundos agradecimentos ao Comitê Editorial, nomeado pela Portaria ESPEN n.º 415/2020,
composto pelos valorosos servidores públicos Andrea Krawutschke Iera, Cíntia Helena dos Santos,
Débora Cavalli, Karine Belmont Chaves e Carlos Eduardo de Lima. Seus trabalhos de revisão dos
artigos foram fundamentais para o sucesso desta publicação.
No primeiro artigo o leitor terá importantes informações sobre o recém lançado Pacote
Anticrime, principalmente sobre os aspectos da coleta obrigatória de material genético e se a
constitucionalidade é observada quando desta coleta. Insta frisar que será em breve uma tarefa a ser
executada por policiais penais especializados.
O segundo artigo desta obra versa sobre a estruturação da polícia penal no Estado do
Paraná, nos moldes da emenda constitucional recente promulgada. Sugere proposições de
estruturações possíveis de serem implementadas no Estado do Paraná, tendo como base a atuação do
autor no sistema penitenciário por longo período.
Um artigo que provoca a leitura é sobre o crime organizado e a atuação deste dentro dos
presídios. Os autores abordam a questão do baixo investimento em segurança, a crise social e a
ressocialização das pessoas privadas de liberdade como fatores influenciadores neste aspecto.
Sugerem a necessidade de implantação de “novos” métodos prisionais, como a Justiça Restaurativa
para infratores de menor periculosidade. Artigo interessante e atual, que desperta reflexões sobre o
papel da Segurança Pública.
O quarto tema abordado nesta obra é sobre um aspecto prático do trabalho do agente
penitenciário: o uso do body scanner em revistas pessoais e os possíveis impactos no cotidiano de
uma penitenciária. Abordam os aspectos humanizador, econômico e político do uso deste
equipamento para a segurança pública, reforçados por pesquisa qualitativa realizada, dados
comparados e experiência cotidiana. Os autores nos mostram que o uso do equipamento aumenta
determinado padrão de visitação na penitenciária.

10
Em “Ainda que seja uma gota no oceano...” os autores nos brindam com uma reflexão
mediada por ações positivas diante da complexidade da natureza humana. Abordam a Lei
17.329/2012, que instituiu a remição pela leitura e nos mostram o salto de qualidade ocorrido com
esta importante política pública.
O quinto artigo trata do adoecimento do policial penal (agentes penitenciários) nas
unidades penais, nos trazendo as características do trabalho realizado e a precariedade das condições
na prestação do serviço público. Através de pesquisa bibliográfica nos descreve a importância de
observarmos a saúde psicológica dos atores desta área da segurança pública, bem como as
possibilidades de prevenção e de tratamento dos sintomas observados.
Nesta sequência instigante do conhecimento outros autores nos reservam informações
preciosas para os tempos em que vivemos. A pandemia e o surgimento de novas tecnologias no
combate aos celulares nos trazem o Sistema Intrusivo. Com relatos de experiência e pesquisa, este
texto traz o sistema como complemento, como mais uma ferramenta no combate ao ilícito penal.
Em outro artigo, brilhantemente o autor nos fala sobre o monitoramento eletrônico como
método alternativo à prisão, garantindo a preservação da dignidade da pessoa humana e promotor da
ressocialização e reinserção social do indivíduo preso. Analisa, também, o aspecto de
compartilhamento de informações entre os órgãos integrantes do Sistema Único de Segurança
Pública e discute normativas exaradas pelo Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária.
Para finalizar a obra, trazemos um artigo de uma Agente Profissional do Sistema
Penitenciário Paranaense, abordando a experiência do atendimento da psicologia realizados em uma
prisão feminina, refletindo principalmente acerca das relações homossexuais entre mulheres privadas
de liberdade e suas características. Assunto pertinente a quem quer entender acerca do
funcionamento humano em espaços limitados.
Excelente leitura a todos. O conhecimento adquirido sempre refletirá no trabalho a ser
realizado, gerando excelência no serviço público prestado e resultando em ações benéficas à
sociedade.

11
ASPECTOS DA LEI N.º 13.964/2019 EM RELAÇÃO À
INTERVENÇÃO CORPORAL NO BRASIL EM FACE DA LEI
DE EXECUÇÃO PENAL

Aleny Fabrício Bezerra1

Resumo
Este artigo discute uma novidade promovida pela Lei n.º 13.964/2019 conhecida como
Pacote anticrime à Lei de Execução Penal em relação a coleta obrigatória de material genético.
Portanto, é realizado uma análise do princípio da não autoincriminação. Dispondo se foi superada o
debate sobre a inconstitucionalidade por supostamente violação ao referido princípio. Com o advento
da Lei 12.654/12, passou a ser obrigatório a identificação do perfil genético conforme inclusão ao
artigo 9º-A da LEP. Trata-se, de intervenções corporais que requerem a coleta de organismo humano,
resultando na utilização para inclusão nos bancos de dados sigilosos, conforme regulamento a ser
disposto pelo Poder Executivo. Adotou-se a pesquisa do tipo exploratória com o objetivo de delimitar
o campo de estudo dando maior familiaridade ao tema. Os objetivos que permearam são a discussão
da possível constitucionalidade da intervenção corporal, na qual o Estado adota como eficiente ao
combate à criminalidade, sendo utilizado como estudo jurídico o direito norte-americano e
comparação de pontos de destaques à Lei de Execução Penal para coleta de prova invasiva.

Palavras-chave: Coleta obrigatória de DNA; Pacote Anticrime e Constitucionalidade.

1Bacharela em Segurança Pública pela UERR


Especialista em Segurança Pública e Cidadania pela UFRR
Bacharela em Direito pela Faculdade Atual
Pós-Graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Estácio de Sá
E-mail: alenybezerra@gmail.com
12
1. Introdução
A Lei n.º 13.964/2019 trouxe no seu bojo inclusões de parágrafos ao artigo 9º - A da Lei
de Execução Penal os quais serão delineados neste artigo. Com as inovações temos agora, os
parágrafos §1º-A, §3º, §4º e §8º. Lembrando que os §5º a §7º foram vetados.
Deste modo, para fins do presente ensaio, será primeiramente conduzida a uma breve
explanação específica de princípio constitucional que permeia as intervenções corporais strictu
sensu. Ora, como se sabe o cerne reside na obrigatoriedade da coleta de material genético. Assim a
nova legislação em vigor impõe uma forma ativa à produção de provas.
Para esta obra será adotado o princípio a não autoincriminação, “ninguém é obrigado a
produzir prova contra si próprio”, previsto na Constituição Federal de 1988 ao positivar em seu
texto a garantia do respectivo princípio para fins de um estudo mais direcionado ao tema do artigo.
O segundo momento desta obra buscará expor o debate sobre a possível
inconstitucionalidade em torno da colheita invasiva de prova. Muito discutida, em âmbito jurídico.
Sendo ventilado a ideia de autores de grande notoriedade jurídica que acreditam, sim, na
constitucionalidade.
Desta maneira, será proposto com o auxílio do IX Relatório da Rede Integrada de Bancos
de Perfis Genéticos (RIBPG) e o X, respectivamente, uma apresentação sobre a contribuição dos
dados armazenados
Não deixando de reforçar que o presente artigo citará as inovações dos parágrafos §1º-A,
§3º, §4º e §8º trazidos pelo Pacote Anticrime.

2 Revisão de Literatura

2.1 Princípio do nemo tenetur se detegere


A fim de delinear adequadamente o tema é preciso abordar o artigo 5º, inciso LXIII, da
Constituição Federal que prevê o seguinte: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais
o de permanecer calado, sendo-lhe assegurado a assistência da família e de advogado”. Uma das
vertentes referente à intervenção corporal (investigação corporal ou ingerência humana).
Pelo exposto, é possível extrair um desdobramento das várias decorrências do nemo
tenetur se detegere, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, ou nas
palavras de Lima (2020, p. 74): “é que a pessoa não pode ser obrigada a se incriminar ou, em outras
palavras, que ela não pode ser obrigada a produzir prova contra si. ”

13
Nota-se, ainda que além da Constituição Federal, o princípio do nemo tenetur se detegere
encontra-se no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em seu artigo14.3, “g”2. E, na
Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (art. 8º, §2º, “g”)3.
Em outra perspectiva ao texto constitucional e ao próprio desdobramento do princípio
mencionado, a atual inovação trazida pelo pacote anticrime prevê a intervenção corporal para os
condenados.
Ressalte-se que a intervenção pode ser definida como a utilização do corpo do acusado,
mediante atos de intervenção, para efeitos de investigação e comprovação de crimes.
Acerca do princípio o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux, em seu voto citou
que o direito à não autoincriminação: “se insere no mesmo conjunto de direitos subjetivos e garantias
do cidadão brasileiro, de que são exemplos os direitos à intimidade, à privacidade e à honra”4
Assim, o princípio na seara da persecução penal admite relativização desde que conforme
citado pelo então Ilustre Ministro da Corte Suprema “na hipótese de justificável tensão entre o dever
do poder público de promover uma repressão eficaz às condutas puníveis e as esferas de liberdade
ou intimidade daquele que se encontre na posição de suspeito ou acusado. ” 3
Na visão de QUEIJO (2003, p. 27):
“A inexistência do dever de colaborar, em todos os casos, redundaria em uma
concepção do nemo tenetur se detegere como direito absoluto, aniquilando, em
determinadas situações, por completo, a possibilidade de desencadeamento da
persecução penal ou de dar seguimento a ela. Em outras palavras: equivaleria, em
diversos casos, à consagração da impunidade. ”

Então, é importante sublinhar que os direitos fundamentais são direitos potenciais, não
absolutos, somente assumindo contornos definitivos após aplicados a um problema concreto.
Desse modo, surge a necessidade do conceito de prova e suas definições, já a intervenção
corporal insere-se em tal ingerência. O que será abordado no próximo item deste trabalho.

3 Inconstitucionalidade em torno da colheita de prova

3.1 Do conceito de prova nominada


Nas palavras do professor Renato Brasileiro de Lima (2020, p. 566-567) cita o conceito
de prova nominada:
“Tem-se como prova nominada aquela que se encontra prevista em lei, com ou sem
procedimento probatório previsto. Ou seja, existe a previsão do nomen juris desse meio
de prova, seja no próprio Código de Processo Penal, seja na legislação extravagante.
É o que acontece com a reconstituição do fato delituoso, prevista expressamente no
art. 7º do CPP. Apesar do referido meio de prova estar previsto expressamente no
Código de Processo Penal, razão pela qual é considerada espécie de prova nominada,

2
1- a “De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada”.
3
2- b “direito de não ser obrigado a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”.
4
RE 971.959/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14.11.2018. (RE-971959). Disponível em:
https://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo923.htm. Acesso realizado em 16.07.2020, às
10h56min.
14
como não há procedimento previsto em lei para sua realização, trata-se de prova
atípica. ”

Além dos meios de prova especificados na lei (nominados), se admite a utilização de


todos aqueles meios de prova que, embora não previstos no ordenamento jurídico (inominados),
sejam lícitos e moralmente legítimos.
Nesse sentido, citando Lima (2015, p.78) explica que dentre as intervenções corporais, as
mais conhecidas são: “exame de sangue, identificação dentária, exame de urina, de saliva, exames
de DNA usando fios de cabelo, identificações datiloscópicas de impressões dos pés, unhas e palmar
e também radiografia”.

3.2 Da discussão sobre a (in) constitucionalidade


Muitos estudiosos acreditam na inconstitucionalidade como afirmado pelo Professor
Sanches (2020, p.38):
“Para muitos, a inovação é inconstitucional, configurando verdadeiro direito penal do
autor (remontando ao conceito de “criminoso nato” de Enrico Ferri), ferindo a
segurança jurídica, desequilibrando a balança da punição X garantias, sendo campo
fértil para abusos. ”

O que se tem observado no Brasil é o crescente aumento da criminalidade, da qual vem


se buscando mecanismos de combate. O próprio Estado através do recrudescimento das leis e reforço
das forças policiais em vários âmbitos, tem adotado políticas mais enérgicas, inclusive a permanência
ostensiva em locais estratégicos. O fato é que, o Estado Brasileiro não desconsidera as garantias do
brasileiro frente as respectivas ações.
Como bem cita Rogério Sanches Cunha (2020, p. 38):
“Pensamos diferente. A medida é salutar quando se pensa Estado que deve ser eficiente
no combate à crescente criminalidade (garantismo positivo), sem desconsiderar as
garantias do cidadão (garantismo negativo), especialmente quando consideradas as
baixas taxas de elucidação de crimes contra a vida e sexuais. A sua constitucionalidade
já foi reconhecida pela nossa Corte Maior (STF, RCL 24484, j. 05.07.16). ”

Com a novel n.º 13.964/2019 é obrigatório a coleta de material pelo condenado, e em caso
de recusa por parte do condenado configurará falta grave (Lei de Execução Penal). Onde ocorrem
muitas críticas sob a alegação de ferir o princípio da não produção de prova contra si. Destaca-se o
relatório IX (RIBPG) como importante fonte de pesquisa, do qual demonstra a contribuição na
elucidação de crimes e identificações humanas – pessoas desaparecidas. Reforçando que, nos
Estados Unidos das Américas5 é plenamente possível a coleta de material por parte do condenado.
Citando Laidane (2014), tem-se, nos Estados Unidos, o seguinte:
“O fornecimento do material genético é OBRIGATÓRIO, sob pena de incidência em
novo tipo de contravenção penal. Inclusive a cooperação pelo sujeito sentenciado em
fornecer o DNA para ser armazenado no banco de dados é condição para obtenção de
benefícios que envolvem liberdade (probation, supervised release ou parole).” (grifos
nossos)

5
Lei Justice for All Act of 2004
15
Ao revés o professor Sanches (2020, p. 38) em sua obra “Execução Penal para Concursos:
LEP”, vem defendendo a inconstitucionalidade do §8º:
“Criticamos, apenas, o caráter compulsório do fornecimento do material pelo
condenado, cuja recusa agora passa a ser punível como falta grave (§8º). Isso nos
parece inconstitucional e inconvencional, ferindo o direito da pessoa presa de não
produzir prova contra si mesma (nemo tenetur se detegere), a sua integridade física e
a sua privacidade. ”

Tem-se, que a privacidade como verificaremos, no relatório IX – RIBPG – possui alto


controle de privacidade restringindo-se apenas aos responsáveis, não violando a privacidade do
condenado.
Na mesma esteira de pensamento, cita-se, o ex-Ministro da Justiça, Sérgio Moro:
“Há alguns que argumentam que colher o perfil genético é inconstitucional.
Particularmente, eu vejo que é [como uma] busca e apreensão de um vestígio corporal.
Se é inconstitucional, então também é inconstitucional colher impressão digital.
Porque, se a pessoa não é obrigada a fazer nada, então também não pode ser obrigada
a fornecer impressão digital. E nós, daqui a pouco, vamos caminhar num sentido de
que alguém só é preso e levado à cadeia se concorde. Não é assim, não vai a tanto esses
direitos relativos ao acusado, ao condenado” (LEAL apud MORO, 2019)

Bem defendido por Laidane (2014), deve-se buscar, aqui no Brasil, a mesma ideia adotada
nos Estados Unidos:
“(...) a utilização indevida de informações contidas no banco de dados acarreta
penalidades (a lei criminaliza o mau uso de amostras e de perfis de DNA). Consignou
que, caso não haja cumprimento dos requisitos de qualidade e privacidade, o acesso
ao Codis pode ser cancelado, bem como que os computadores que contêm o software
Codis devem estar em local apropriado e o acesso deve ser restrito às pessoas
autorizadas. Além disso, a Corte alertou que o banco de dados só pode ser acessado
para fins específicos, previstos em lei. ”

Nesse sentido, a tese defendida nesse artigo pela coleta do DNA aos condenados é adotada
pela Corte Americana, leia-se:
“A Corte relembrou que presos não gozam de liberdade absoluta e possuem uma
expectativa reduzida de privacidade, em particular à identidade, e, por isso, são
submetidos à identificação por meio de impressão digital. A lógica se aplica também
à coleta de DNA (como é instrumento de identificação, não haveria intrusão na
privacidade). ” (LADAINE, 2014)

O Brasil vem adotando a prova não invasiva, ou seja, de material desprendido do corpo
do reeducando para servir à identificação genética, cita Sanches (2020, p. 38):
“O Estado não está impedido de usar vestígios para colher material útil na identificação
do indivíduo. Não há nenhum obstáculo para sua apreensão e verificação (ou analise
ou exame). São partes do corpo humano (vivo) que já não pertencem a ele. Logo,
materiais análogos podem ser apreendidos e submetidos a exame normalmente, sem
nenhum tipo de consentimento da pessoa (ex.: exame de DNA da saliva que se achava
nos cigarros fumados e jogados fora pelo condenado). ”

Merece destaque, a Decisão do Superior Tribunal de Justiça que ao julgar o Habeas


Corpus em 2018, impetrado pela Defensoria Pública de Minas Gerais, deliberou que a produção de
prova por meio de exame de DNA sem o consentimento do investigado é permitida se o material
biológico está fora de seu corpo e foi abandonado, ocasião em que se tornou objeto público.
(SANCHES, 2020)

16
Tem-se a seguinte citação dada pelo Professor Sanches (2020, p. 11):
“O Tribunal Europeu de Direitos Humanos já enfrentou alguns casos envolvendo o
mesmo assunto, decidindo que as informações genéticas encontram proteção jurídica
na inviolabilidade da vida privada. Em um dos casos, julgado em 2008, o Reino Unido
foi condenado pela Corte Europeia de Direitos Humanos (caso S.AND MARPER vc.
THE UNITED KINGDOM – UK, 2008), A Corte decidiu que os Estados que possuem
amostras de DNA de indivíduos presos, mas que foram posteriormente absolvidos ou
tiveram suas ações retiradas, não devem manter as informações dos custodiados ou
dos custodiados, devendo destruí-las. ”

Diante das premissas mencionadas, importante deixar à luz, que não se pode obter
recolhimento do material genético à força (violência moral ou física), pois configura grave violação
aos direitos e garantias do cidadão.

4 Apontamentos sobre o perfil genético como forma de identificação


criminal e Lei de Execução Penal com as novidades trazidas pela Lei n.º 13.964/19

4.1 Pontos relacionados a Lei n.º 12.654/12


A Legislação desde a vigência da citada, inovou quanto a identificação do perfil genético.
Conforme ensina Sanches (2020, p. 340):
“Com o advento da Lei 12.654/12, “obrigou” aos condenados por crime praticado,
dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos
crimes etiquetados como hediondos, a identificação do perfil genético, mediante
extração de DNA, devendo seguir técnica adequada e indolor. ” (grifos nossos)

Verifica-se, que a respectiva identificação ocorrerá na fase de execução de pena. O que


significa dizer que não servirá para subsidiar qualquer investigação criminal em curso ou esclarecer
dúvida eventualmente gerada pela identificação civil, mesmo sendo a datiloscópica. (SANCHES,
2020)
Vale destacar que a lei em vigência almeja o abastecimento dos dados sigilosos. Há,
ainda, expressamente mencionado que será regulamentado pelo Poder Executivo. (SANCHES,
2020)
Tem-se, pois a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) criada através do
Decreto nº 7950/2013-MJ, de 12 de março de 2013 com a finalidade principal de manter,
compartilhar e comparar perfis genéticos a fim de ajudar na apuração criminal e/ou na instrução
processual. (MJ, 2018)
No que diz respeito a coleta de perfil genético durante a fase de investigação policial frisa-
se a obediência à Lei n.º 12.837/09 que versa sobre a identificação criminal de civis.
Não obstante a referida lei permite a extração de material genético, mediante autorização
judicial, caso seja essencial à investigação.

17
Explica o Professor Sanches (2020, p. 342) que a Lei n.º 12.037/09 trouxe a exclusão dos
dados em casos de absolvição e do Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais,
vejamos:
“Esta Lei (12.037/09), também alterada pelo Pacote Anticrime, agora determina que a
exclusão do perfil genético do banco de dados deve ocorrer em caso de absolvição, ou,
caso haja condenação, mediante requerimento depois de 20 (vinte) anos do
cumprimento da pena (a redação original da lei previa a exclusão ao tempo da
prescrição do delito). Outra novidade inserida na Lei pelo Pacote Anticrime foi a
criação de um Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais, que prevê a
coleta, não só de material genético, mas também de registros biométricos, impressões
digitais, de íris, face e voz de presos provisórios e definitivos, bem como de
investigados. ”

No Direito norte-americano não há violação ao privilegie against self-incrimination em


relação às provas que dependem da colaboração do acusado para a sua produção. Por tal, o acusado
não pode ser constrangido a dizer algo, mas pode ser compelido a fazer alguma coisa, nos limites do
duo processo of law. Portanto, entendem as Cortes norte-americanas que se o acusado se recusar em
cooperar nos procedimentos para a sua identificação cometerá o crime de desobediência.
(FERREIRA, 2009)
Com efeito, vejamos, que a realidade norte-americana, já inclui a coleta de provas em
fase de investigação, ou seja, quando, na figura de acusado. Ao contrário da realidade brasileira, que
determina que o dever do acusado e de todo aparato constitucional inerente as ingerências, tem-se
que a recusa do acusado não pode ser levada em consideração para prejudicá-lo, tampouco
configurará crime de desobediência (art. 330 do Código Penal), afinal o indivíduo está apenas
exercendo regularmente um direito constitucional. (XÊNIA, 2014)

4.2 Inclusões ao artigo 9.º- A da Lei de Execução Penal


As principais novidades trazidas pela Lei conhecida como pacote anticrime, incluem os
seguintes: §1º- A, §3º, §4º, ao artigo 9º-A, lembrando que os §5º a §7º foram vetados.
Destacam-se as seguintes alterações:
“§ 1º- A. A regulamentação deverá fazer constar garantias mínimas de proteção de
dados genéticos, observando as melhores práticas da genética forense. (Incluído pela
Lei nº 13.964, de 2019)
§ 3º Deve ser viabilizado ao titular de dados genéticos o acesso aos seus dados
constantes nos bancos de perfis genéticos, bem como a todos os documentos da cadeia
de custódia que gerou esse dado, de maneira que possa ser contraditado pela defesa.
(Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)
§ 4º O condenado pelos crimes previstos no caput deste artigo que não tiver sido
submetido à identificação do perfil genético por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional deverá ser submetido ao procedimento durante o
cumprimento da pena. ” (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

No entendimento de Sidio Júnior (2020) acredita na inconstitucionalidade do art. 9º-A:


“não vou me estender muito sobre o assunto, apenas esclarecendo que concordo com Pacelli, no
sentido de que o art. 9º-A do CEC é inconstitucional, eis que não prevê prazo para manutenção do
cadastro no perfil genético dos condenados”.

18
Ainda citando Sidio Júnior (2020) entende que o novel do § 1º-A do art. 9º-A nada ou
pouco acresce. Afirmando que se trata de garantia as regras científicas, sendo no mínimo o que se
pode esperar de um Estado de Direito.
Sidio Júnior (2020), ainda traz à tona seu entendimento sobre o § 3º bem como o §4º,
vejamos:
“ (...) procura acrescer algo garantista ao condenado. Isso não retira o caráter de um
ultrapassado Direito Criminal do Autor ao prestigiar o famigerado cadastro de perfil
genético. Essa valorização fica mais clara no § 4º, o qual determina a submissão ao
cadastro na fase da execução criminal, caso não tenha isso havido antes. ”

Na linha de pensamento, verifica-se, que o aludido art. 9º-A da Lei de Execução Penal,
apresentou-se como constitucional que tem relevância jurídica e social. Porém será objeto de votação
pela Suprema Corte por ter sido reconhecido tema de repercussão geral em face da alegação de
inconstitucionalidade para o artigo 9º-A da Lei 7.210/84, inclusão dada pela Lei 12.654/12, que prevê
a identificação e o armazenamento de perfis genéticos de condenados por crimes violentos ou por
crimes hediondos.

4.3 Contribuição dos dados armazenados conforme Relatório IX


Para abordar sobre a contribuição dos dados armazenados se faz necessário referir o
relatório IX da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG) 6. O respectivo documento
revela o padrão de contribuição de cada laboratório de acordo com as principais categorias de perfis
genéticos, vejamos:

Gráfico 1 - Padrão de contribuição de cada laboratório ao BNPG de acordo com as principais categorias de perfis genéticos

6
______. Ministério da Justiça. IX Relatório da rede integrada de bancos de perfis genéticos (RIBPG). Brasília,
DF, 2018
19
Vejamos então, que o balanço revela uma evolução tímida na coleta dos dados por
Estados da Federação. Percebe-se, coincidência significativa no que diz respeito a referência direta
e indireta de pessoas desaparecidas. É notório o avanço na coleta de perfis por parte dos condenados.
Portanto, levando em consideração a continuação da coleta de perfis será possível que o
Brasil alcance o patamar de exemplo mundial e sucesso nas coletas bem como outros dados
pertinentes.

4.4 Coincidências confirmadas e investigações auxiliadas


Percebe-se, que até o dia 29 de novembro de 2019, a RIPBG apresentou ao poder público
926 coincidências confirmadas, sendo 780 entre vestígios e 146 entre vestígio e indivíduo cadastrado
criminalmente, como pode ser observado no Quadro 1, extraído do X Relatório da Rede:
Tipo de Banco Sigla Unidade Coincidência Coincidência Investigações
Vestígio7 Identificado8 Auxiliadas
AM Amazonas 25 1 21
AP Amapá 1 1 1
BA Bahia 6 0 13
CE Ceará 4 1 9
DF Distrito Federal 3 3 15
ES Espírito Santo 0 0 0
GO Goiás 134 19 82
MA Maranhão 1 0 1
MG Minas Gerais 11 10 26

Estaduais MS Mato Grosso do Sul 15 0 18


MT Mato Grosso 6 0 6
PA Pará 1 5 11
PB Paraíba 23 0 20
PE Pernambuco 1 2 5
PR Paraná 63 4 105
RJ Rio de Janeiro 0 0 1
RS Rio Grande do Sul 22 2 50
SC Santa Catarina 2 0 5
SP São Paulo 241 32 224
Federal PF Polícia Federal 137 43 239
Nacional BNPG Banco Nacional 84 23 Não aplicável
TOTAL 780 146 852
Quadro 1 – Número de investigações auxiliadas e coincidências confirmadas em todos os bancos de perfis genéticos partícipes
da RIBPG.

7 Coincidência confirmada entre vestígios


8 Coincidência confirmada entre vestígio e indivíduo cadastrado criminalmente
20
Percebe-se a importância da coleta de dados, 652 investigações foram auxiliadas com o
banco. O que reforça um avanço na história do Brasil no que tange a investigação criminal.
Neste compasso, vejamos a citação realizada pelo RIBPG, relacionado ao caso
examinado e 2018:
“ (...). Foram 7 anos de julgamento do caso, até que, recentemente, em dezembro de
2018, foi julgado o habeas corpus do indivíduo, sendo finalmente evidenciado o valor
da prova científica.
Depois de uma longa jornada jurídica, o Supremo Tribunal Federal corrigiu o erro
cometido, eximindo Israel de Oliveira Pacheco devido à prova inequívoca gerada pelo
exame de DNA através do uso de Banco de Perfis Genéticos.
Para a perícia, um marco histórico, que mostrou que os bancos de perfis genéticos não
são apenas capazes de determinar autoria, mas também inocentar pessoas que foram
indevidamente condenadas, sendo extremamente eficazes no auxílio à elucidação de
crimes. ” (RIBPG, 2018, p. 22)

Outro caso, de sucesso demonstrado pelo X Relatório da Rede, refere-se a elucidação de


três casos diferentes, vejamos:
“Mais recentemente, em abril/2019, o Banco Nacional de Perfis Genéticos auxiliou
naElucidação de mais uma série de crimes relacionados ao caso Prosegur. Um
investigado foi relacionado a três diferentes casos: ao roubo à central da Prosegur, em
Ciudad Del Este/Paraguai, crime ocorrido em abril de 2017; à execução do Agente
Penitenciário Federal Alex Belarmino, homicídio ocorrido em Cascavel/PR, em
setembro de 2016; e ao roubo a uma agência do Banco do Brasil localizada em Campo
Grande/MS, em outubro de 2017. Assim sendo, tal indivíduo hoje responde por estes
três crimes, cuja relação só foi possível através do uso dos bancos de dados de perfis
genéticos. ” (MJ, 2019, p. 30)

Portanto, é perceptível o sucesso do Banco Nacional de Perfis Genéticos, como dito nas
palavras do Perito Criminal Federal Ronaldo Carneiro (2019, p. 31): “(...), de no futuro outros delitos
terem suas autorias elucidadas”.

Análise dos resultados


Verificou-se a importância do princípio da não autoincriminação para o Direito
Brasileiro, o que auxiliou na discussão. Foi possível percebe que o nemo tenetur se detegere pode
ser relativizado como, foi votado pelo atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux.
Demonstrou-se, as demais previsões internacionais do princípio como a Convenção Americana de
Direitos Humanos e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.
Foi interessante registrar que o nemo tenetur se detegere não pode impetrar de forma
absoluta sobre toda a matéria probatória, sob pena de inviabilizar a persecução penal, afronta ao
princípio maior que ela defende: a paz social, a ordem pública e a integridade do patrimônio pessoal
e jurídico do cidadão contra a prática de delitos.
É plausível que o princípio da não autoincriminação não se restringe a tal essência, nem
a sua ratio.

21
No momento posterior, apresentou-se a conceituação de prova nominada sendo
necessária para melhor compreensão de todo o tema, deste modo, foi possível absolver que é toda
prova colhida com previsão em lei. Dentre os exemplos citou-se: exames de DNA, identificações
datiloscópicas e outras.
Após as primeiras linhas de abertura do tema, dedicou-se ao debate da possibilidade de
inconstitucionalidade da colheita de prova frente ao artigo 9º.-A da Lei de Execução, apresentando
autores que afirmam na inconstitucionalidade. Foi mencionado a legislação norte-americana sobre
este tema, já que nos Estados Unidos, foi palco do mesmo debate que hoje ocorre no Brasil.
Ademais, rebatemos com veemência o posicionamento do ilustre Professor Rogério
Sanches, a saber que, a coleta de material, não se limita somente a produção negativa ao acusado,
podendo servir de prova de inocência deste. Vejamos que o estudioso. Docente afirma ferir a
integridade física do condenado, o que não é verdade, pois o exame como foi apresentado resguarda
todos os cuidados e respaldos constitucionais.
Destacou-se, a defesa da permanência do artigo 9º-A, da Lei de Execução Penal, não se
vislumbrou qualquer afronta a quebra da invasão da privacidade ou honra em face da colheita
obrigatória para os condenados nos casos especificados na legislação em comento. Como
relacionado, o parágrafo 1º-A, reforçou a observância das garantias mínimas de proteção no diz
respeito aos dados genéticos.
Vale destacar, que estamos de acordo com a premissa de que o preso não goza de
liberdade absoluta, como em particular à identidade, a saber da datiloscopia, com previsão
constitucional. Ora, então porque não se aplicar a coleta do DNA. Não nos parece lógico a ideia de
defendida pelo Professor Sanches.
É notória a relevância da discussão sobre a inconstitucionalidade dos pontos aqui
destacados, mas, defende-se a constitucionalidade da coleta do exame de DNA, bem como do §8º da
Lei de Execução Penal. De modo a reafirmar a tese de que é necessário, sim, a aplicação de falta
grave, em caso de recusa, não se podendo confundir com a possível punição ao exercício do direito
constitucional de não autoincriminação.
Imaginemos que quantas pessoas estão encarceradas indevidamente que caso houvesse o
recolhimento do DNA, podendo em alguns casos, inocentá-las. É necessário, pois a desconstrução
da tese de inconstitucionalidade defendidas por alguns estudiosos, pois nesse sentido, visar-se-á a
uma política de sucesso em investigações e subsídio ao Poder Judiciário, evitando qualquer erro em
julgamento.
Citou-se teses argumentativas de ilustres estudiosos favoráveis a colheita do perfil
genético junto ao Banco Nacional. Foi explanado que o Brasil adota a prova não invasiva relatando
casos julgados pelas Cortes Brasileiras. Apresentou-se a citação do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos que enfrentou alguns casos envolvendo o mesmo assunto.
22
Foi mencionado não ser possível recolher forçadamente o material genético, constituindo
grave violação aos direitos e garantias do cidadão. Neste aspecto, foi delineado que o exame de DNA
é um exame indolor que adota técnicas adequadas. Verificou-se, que não há direito absoluto de negar-
se a se submeter de pareamento cromossômico (DNA), à extração de sangue ou ao recolhimento de
cabelos para a realização de perícia. Não se vê nenhum risco à extração de um fio de cabelo.
Desse modo, o procedimento seguro e praticamente indolor de extração de material
genético, não é crível sustentar que a realização afronta à inviolabilidade do corpo, ou mesmo
métodos constrangedores ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Constatou-se que com a inclusão do parágrafo 8º, ao artigo 9º-A, da LEP, foi previsto a
imputação de falta grave em caso de recusa do condenado. O que o presente ensaio demonstrou é
que se deve enxergar a colheita de perfis genéticos como prova a inocentar como foi relacionado no
tópico de discussão do Relatório da Rede Integrada.
Foi divulgado o padrão de contribuição de cada laboratório de acordo com os perfis
genéticos, revelando as coincidências significativas. Sendo revelado de acordo com BNPG
investigações auxiliadas, devido a cadastro no Banco de Perfis Genéticos.

Conclusões
Foi necessário a adoção da legislação norte-americana como contorno a subsidiar através
da própria experiência americana a respeito do assunto. O que pode cooperar significativamente ao
Direito Brasileiro. Examinou-se, que a legislação brasileira tornou indispensável a coleta, ou seja,
sem o consentimento do acusado. Demonstrou-se, que os respectivos dados conforme dita a
legislação ficam armazenados e sendo acessível apenas nos casos previsto na Lei, logo sendo
sigilosos.
Em relação, a constitucionalidade do art. 9º- A da Lei de Execução Penal, como já
relatado neste trabalho está pendente de julgamento perante a Corte Superior, tratando-se de tema de
Repercussão Geral, Recurso Extraordinário 973.837.
Desse modo, buscou-se evidenciar os pontos positivos da coleta de dados junto ao Banco
de Perfis Genéticos, demonstrando alguns casos, dentre centenas já resolvidos no Brasil, de sucesso
às investigações e outros inerentes.
Apresentou-se a discussão da inclusão dos parágrafos ao artigo 9º-A da Lei de Execução
Penal pela Lei Pacote Anticrime realizando descrição dos respectivos, não deixando de relatar o
ponto de vista de autores sobre o tema.

23
Diante da diversidade de entendimentos, constatou-se que o direito apresenta vários
prismas de juízo. E que, devido ao avanço da tecnologia aquele não pode deixar de acompanhar os
passos da evolução, filiando-se de contramão ao progresso científico. Desse modo, deve ocorrer uma
verdadeira conexão entre direito fundamental e coletividade, ao passo que se preserve a intimidade
e segurança.
Não se almeja esgotar o tema, e que há algumas indagações a serem estudadas
posteriormente. Tais como: Como o Sistema Prisional Brasileiro vem cumprindo às ordens judiciais
em face da novel para extração de DNA? Há óbices? Em caso de recusa por parte do condenado para
extrair o DNA não geraria nos demais condenados o sentimento de não cumprimento da lei? Tal
negativa não acarretaria insegurança dentro do Sistema Prisional? Também se questiona para o fato
de que após o transcurso da falta grave, se ainda persistisse a negativa por parte do condenado para
colheita de DNA, não seria in dubio se aplicasse novamente a falta grave? Nota-se, um
questionamento importante, qual seria o momento para o recolhimento do material genético, caberia
para os presos com guias de execução provisórias ou apenas os com guias definitivas? Ocorreria
violação a algum Princípio constitucional? Quais outras alternativas poderiam ser implementadas
dentro do Sistema Prisional para fortalecer o registro de material genético?
Como bem relatado o tema é bastante abundante e revela-se necessário ao Sistema
Prisional Brasileiro bem como a Sociedade Brasileira.
Portanto, aguarda-se que o tema proposto tenha despertado interesse para futuros debates
e maiores estudos.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

CUNHA, Rogério Sanches. Pacote Anticrime - Lei 13.964/2019: Comentários às


Alterações no CP, CPP e LEP. 1ª ed. Salvador, BA: Juspodivm, 2020.

CUNHA, Rogério Sanches. Execução Penal para Concursos: LEP. Coordenador


Ricardo Didier – 9. ed. rev., atual. E ampl. – Salvador: Salvador, 2020.

FERREIRA, Érica. Provas Invasivas e Não Invasivas no Processo Penal Brasileiro.


Artigo Científico, Rio de Janeiro, 2009, EMERJ. Disponível em: www.emerj.tjrj.jus.br. Acesso em
01.05.2020.

QUEIJO, Maria Elizabeth. O Direito de não produzir prova contra si. São Paulo:
Saraiva, 2003.

LAIDANE, Carolina Franco Rodrigues. Banco de dados de criminosos: a lição norte-


americana. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n.62, out. 2014. Disponível em:
www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao062/Carolina_Ladaine. Acesso em 07.10.2020.

24
LEAL, Thiago Oliveira Sousa. Bancos de Dados de material genético. Uso de dados
nas investigações criminais. 2019. Disponível em: www.jus.com.br. Acesso em 12.10.2020.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal volume único. 2ª ed. Salvador,
BA: Juspodivm, 2014.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal volume único. 8ª ed. Salvador,
BA: Juspodivm, 2020.

_______. Ministério da Justiça. IX Relatório da rede integrada de bancos de perfis


genéticos (RIBPG). Brasília, DF, 2018.

RE 971.959/RS, rel. Min. Luiz Fux, julgamento em 14.11.2018. (RE-971959). Disponível


em: www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo923.htm. Acesso realizado em
16.07.2020, às 10h56min.

SIDIO Jr, Rosa de Mesquita. Uma nova execução criminal confusa: tendência de mais
uma declaração de inconstitucionalidade. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: Disponível
em:www.conteudojuridico.com.br/coluna/3037. Acesso em 08.10.2020

XÊNIA, Mara da Silva de Souza. O princípio nemo tenetur se detegere e as


intervenções corporais no Direito Processual Penal Brasileiro: uma análise constitucional.
2014. UFJF.

25
A POLÍCIA PENAL PARANAENSE E OS DESAFIOS DE SUA
ESTRUTURAÇÃO

Luiz Carlos Régis Lima Júnior9

Resumo
A Polícia Penal é uma realidade desde a promulgação da emenda constitucional 104,
equiparando os Agentes Penitenciários aos membros das demais Polícias brasileiras, no entanto com
atribuições específicas. Cabe agora a cada Estado da Federação elaborar os estudos pertinentes a sua
estruturação. O Estado do Paraná por meio de sua Secretaria de Estado de Segurança Pública e
Administração Penitenciária e servidores de todas áreas penais tem agora este enorme desafio de
planejar, revisar e executar esta importante estruturação para que a Polícia Penal paranaense desde
sua gênese se torne uma Polícia de excelência e referência nacional e internacional no que tange a
temática da gestão penitenciária. O presente artigo não traz referenciais teóricos pois apresentará
proposições de estruturações possíveis de serem implementadas pautadas em experiências
vivenciadas ao longo de minha carreira tendo como objetivo refletir o que já temos antes da
estruturação da Polícia Penal e o que podemos alcançar como instituição após sua estruturação.

Palavras-chave: Polícia penal. Segurança pública. Gestão penitenciária. Paraná.

9 Pós-Graduado em Gestão Pública com Habilitação em Direitos Humanos e Graduado em Arquivologia.


26
1. INTRODUÇÃO
A Polícia Penal é uma realidade batendo a nossa porta. Chegou a hora de pensar em como
será sua estruturação em solo paranaense. Considerando este momento ímpar, um marco na
Segurança Pública Nacional, é a hora de repensar inúmeros conceitos que podem e devem ser
inovados buscando uma excelência em termos de gestão penitenciária como um todo. É um momento
de união de todas as forças pensantes, de todos os servidores, de todas as áreas, sejam eles Agentes,
técnicos ou administrativos, capazes de fazer e acontecer, de trazerem suas ideias que farão com que
a nova Polícia paranaense não seja apenas mais uma Polícia e sim uma Polícia capaz de mostrar seu
verdadeiro valor perante uma sociedade que muito pouco tinha como visão o Agente Penitenciário e
seus demais servidores fora de sua linha de atuação que não fosse as unidades penais ou como meros
subservientes de pessoas privadas de liberdade.
Outras perspectivas devem ser repensadas, como por exemplo, os rumos de que tipo de
gestão devemos tomar e como se apresentam no cenário atual. Devemos ser meros encarceradores
de pessoas até que cumpram suas penas impostas pela justiça, ou devemos retomar com todas as
forças projetos de tratamento penal para que as pessoas privadas de liberdade saiam preparadas e
melhores para o retorno a sociedade, a mesma sociedade em que estamos inseridos. Fica a pergunta,
o que queremos fora das muralhas nos dias de folga em família, a paz ou a guerra?
A estruturação da Polícia Penal não será tarefa simples como talvez se pareça aos olhos
de alguns. Porque afirmo desta maneira, talvez muitos pensem que por já termos uma máquina em
funcionamento será apenas uma mudança de nomenclatura, é o que queremos? Não seria egoísmo
pensar de tal forma, comodismo? Há sem dúvidas avanços, e muitos a serem conquistados, porque
o caminho é longo e a hora é exatamente essa pois o momento é ímpar e serão apresentadas algumas
sugestões do que poderá ser inovado em termos de gestão pública e penitenciária. O intuito não é
provocar a divisão de pessoas e sim provocar o pensamento do que vivenciamos até aqui e do que
podemos melhorar daqui em diante.

2 O POLICIAL PENAL
Uma dúvida paira no ar de muitos servidores do sistema penal, quem será considerado
como Policial Penal?
Certo de que já possa haver diretrizes nacionais sendo tratadas a esse respeito, a meu ver
não deve haver distinção de quem deve ser Policial Penal ou não. A resposta se torna muito clara e
se equivoca quem pensa de maneira diferente. No meu ponto de vista todo e qualquer servidor deve
ser Policial Penal, seja ele Agente Penitenciário, técnico-administrativo ou profissional. Sim, disse
todos!

27
O que deve ser pensado é como serão realizados os concursos e divididas as funções, as
remunerações, a carreira e os cursos de formações dentro da academia, tema este que será tratado a
seguir.
Como dito anteriormente, é uma oportunidade ímpar de unir uma categoria que de certa
forma se dividiu em Agentes para cá, técnicos para lá e assim por diante. Temas como este nos levam
a “rasgar a carne”, muitos gestores fazem o belo discurso de unicidade mas a prática e as conversas
de bastidores nos apresentam uma realidade diversa disso, então a vindoura Polícia Penal pode de
vez dar uma basta nisso.
Não há muito o que discorrer sobre isso, certo de que haverá servidores que não sejam os
Agentes Penitenciários que possivelmente não aceitarão referida proposta, o intuito é o
fortalecimento de um corpo funcional que ao longo do tempo se esfacelou por vontade própria pelo
simples fato de por muitas vezes andar à deriva da administração até mesmo pela rotatividade de
gestões públicas.

3 A ACADEMIA, A GÊNESE DA POLÍCIA PENAL


Atualmente temos no âmbito do Departamento Penitenciário do Paraná a ESPEN (Escola
de Formação e Aperfeiçoamento Penitenciário) que de longa data tem prestado relevantes serviços
aos servidores do sistema penal paranaense.
Pensando que uma Polícia de excelência é construída desde sua base, é de fundamental
importância dar atenção a formação do Policial Penal e suas áreas de atuações, pois estas serão vastas
e serão expostas com mais clareza abaixo.
Para tanto a ESPEN passará então a ser denominada ACADEMIA DE POLÍCIA PENAL
DO PARANÁ, com caráter de formação de escola superior com uma gama de cursos que proverá
uma qualificação de todos os servidores penais em níveis que poderão inclusive serem exportados
para fora dos limites de nosso estado.
É importante destacar que a Academia será a Gênese da Polícia Penal e não poderá ser
diferente disso, portanto, o primeiro passo a ser pensado é o investimento massivo na Academia.

3.1 CURSO DE FORMAÇÃO DOS POLICIAIS PENAIS


O curso de formação dos Policiais Penais deve ser repensado por completo. Acredito que
já haja algumas vertentes dentro da ESPEN pensando em algo semelhante em níveis de transição
para quem já se encontra em efetivo exercício da função, no entanto quero apresentar minha sugestão
para os novos concursados e não diferente para eventuais servidores temporários que possam vir a
compor o quadro, porque sim, eles devem ter a mesma capacitação, sejam eles de nível operacional
ou administrativo.

28
O futuro Policial Penal ao ingressar na academia deverá ter a ciência de que seu curso
será da seguinte forma: no mínimo dois meses em regime de internato composto de aulas teóricas e
práticas dos mais variados temas correlatos a área penitenciária. Tanto na parte teórica quanto na
prática há de se dar muita ênfase em direitos humanos, relações humanas e resoluções de conflitos,
gerenciamento de crises, psicologia e inteligência emocional voltada ao foco do trabalho penal e
práticas operacionais para grupamentos especializados.
Após esta etapa o aluno será destinado a uma unidade penal para estagiar por dois meses
para acompanhar na prática o que vivenciaram na academia podendo ter a dimensão do que a teoria
e a prática tem de diferente bem como visualizar se realmente é um ambiente propicio as suas
expectativas de realização profissional.
Vencida esta etapa haverá o retorno a academia para uma bateria de avaliações finais, de
caráter eliminatório, primordiais para a definição do ingresso ou não do aluno na carreira de Policial
Penal de forma efetiva ou temporária para o exercício da função. Este tempo deverá ser estudado,
dependendo dos testes finais a serem aplicados, no entanto um dos testes que não podem faltar é uma
nova avaliação psicológica diferente daquela aplicada na primeira seleção do concurso público,
voltada exclusivamente para definir se o aluno apresenta condições de se enquadrar ao perfil
profissiográfico do Policial Penal, além de provas de todos os outros conteúdos apresentados durante
o curso de formação.
A aprovação no curso deverá ser muito criteriosa por parte da administração da academia
já que o objetivo é a excelência em Polícia Penal.
Já aprovado, o futuro Policial Penal receberá imediatamente ao sair da academia como
material carga do Estado, sua identidade funcional, seu distintivo funcional, sua arma, seu colete
balístico, sua algema e seus uniformes (conforme a unidade operacional).
Para finalizar este tópico tem que se ressaltar, o investimento aqui, na academia há de ser
MASSIVO porque é a academia que será a GÊNESE da Polícia Penal.

4 A CARREIRA, CARGOS E SALÁRIOS


A carreira do Policial Penal tem que ser algo sólido e compensador ao profissional que
ingressar nesse meio. É importante ter em mente que ao prestar um concurso para a Polícia Penal é
que não é apenas um emprego mas a possibilidade de almejar uma carreira sólida. A Polícia Penal
tem que correr em suas veias e para tanto se faz necessário almejar uma carreira sólida e com
perspectivas de futuros promissores, que possam almejar cargos melhores e possíveis de serem
alcançados e salários dignos da execução das tarefas que estão sendo executadas pelos cargos a que
respondem.
Essa carreira não pode ser apresentada de forma que ao ingressar na profissão os Policiais
Penais se deparem com perspectivas de que jamais cheguem ao final da tabela de promoções e
29
progressões, pois fatos como estes são desestimulantes para que os servidores se qualifiquem e
desempenhem suas funções acima do esperado. Quanto mais estímulo o servidor tiver em seu favor
melhor profissional ele será.

4.1 CARGOS
Para falarmos de cargos da Polícia Penal, devemos primeiramente falar em estudos. Estes
estudos devem ser compostos de uma comissão composta por servidores de todos os setores que
comporão a Polícia Penal e não somente por pessoas que pensam de forma unilateral pois este é um
pensamento equivocado que há anos suga as forças das boas práticas da gestão pública. A partir
destes estudos é que ficarão definidos de maneira clara e justa quais serão os critérios, os cargos e
remunerações para cada provimento.
O provimento de cargos da Polícia Penal do mais baixo ao mais alto posto deverá se dar
por meio de concursos internos promovidos pela academia de maneira que o servidor ocupe seu lugar
de destaque junto a administração por meio de esforço próprio elevando seu conhecimento e se
aproximando cada vez mais das especificidades que uma gestão pública requer.
Não só se faz necessário o concurso interno como um curso de formação que de igual
forma deverá ser conduzido pela academia (veja a importância do investimento contínuo na
academia), todo gestor público tem que ter conhecimento do que está gerenciando, conhecer a fundo
o funcionamento de cada setor que está sob sua responsabilidade e entender que independente do
cargo que estiver ocupando, não são somente papéis a serem assinados e sim documentos que contém
informações importantes que irão dirimir toda uma gestão pública evitando-se possíveis casos de
improbidade administrativa por mero desconhecimento de funcionamento da gestão.
Obviamente que muitos devem se perguntar se isso não engessaria a Polícia Penal ou não
iria gerar somente um rodízio entre gestores. Afirmo que não necessariamente pois é possível haver
lista de espera de aprovados além de criar mecanismo para que os servidores que desejarem sair de
seus cargos podem o fazer por vontade própria ficando no aguardo de nova oportunidade desde que
cientes que irão ao final da fila de espera.
Em caso de condenação em processo administrativo este servidor daí sim ficaria impedido
de assumir novo cargo a critério da administração por tempo indeterminado.

4.2 SALÁRIOS
Acerca de salários é importante ressaltar novamente a necessidade de criação de comissão
multiservidores para que haja transparência e que as propostas salariais de início até o término da
carreira atendam tanto as expectativas dos servidores que hoje já se encontram na ativa, do Governo
e que seja atrativa aos futuros candidatos a Policiais Penais.

30
Não há muito o que discorrer nessa questão a não ser o que já foi dito anteriormente que
os salários têm de ser atrativos para que pessoas que desejam seguir a carreira vistam a camisa da
Polícia Penal como se fosse sua segunda pele.

5 O DEPARTAMENTO DE POLÍCIA PENAL


O Departamento de Polícia Penal atuará como órgão central e será o regulador de
diretrizes gerais para todo o Sistema Penitenciário do Paraná.
Deverá ser comandado por Policial Penal de carreira e a ocupação do cargo de Diretor
Geral se dará por critérios estabelecidos por meio de estatuto próprio que deverá ser estudado
anteriormente e já estar pronto e aprovado pela categoria de todos servidores anteriormente à criação
e efetivação da Polícia Penal paranaense.
Hierarquicamente abaixo se apresentará o cargo de Diretor Adjunto que de igual forma
deverá ser ocupado por Policial Penal de carreira.
Demais cargos internos e de assessoramento deverão ser definidos por estudos prévios.
A ocupação de todo e qualquer cargo departamental deverá ser por Policial Penal de carreira e não
exclui a possibilidade de ter que fazer um curso de formação para ocupação de referido cargo ao qual
estará destinado a ocupar.

5.1 COORDENADORIAS REGIONAIS


Atualmente no Departamento Penitenciário já se encontra em funcionamento esta prática
das coordenadorias regionais. No entanto com a criação da Polícia Penal e seu Estatuto se faz
necessário regulamentar os pormenores no quesito de padronizações de funcionamentos das
coordenadorias, quantas serão, quais as qualificações a serem exigidas para ocupação dos cargos de
coordenadores e outras questões correlatas.
Algumas questões que não podem deixar de ser atendidas são, ser Policial Penal de
carreira, ter um curso de formação, definir níveis hierárquicos de coordenadores adjuntos e
assessoramentos assim como o departamento central e o nível de liberdade de atuação em decisões
administrativas.

6 GRUPAMENTOS ESPECIAIS
Os grupamentos especiais já são uma realidade no Departamento Penitenciário
paranaense e atendem a situações de intervenções em situações de crise, segurança externa,
segurança interna e escoltas.
Eis outra vertente que não pode deixar de ter investimento massivo financeiro e de
pessoal. O sistema necessita desse tipo de grupamento por uma infinidade de razões. Com o advento
da Polícia Penal um dos objetivos de sua aprovação foi desonerar outras Polícias que prestam apoios
31
ao Sistema Penitenciário, não que em situações de extrema urgência deixarão de prestar, pois uma
Polícia não abandona outra em situações calamitosas, e critérios deverão ser definidos para casos
necessários.
Para não falar em cada subitem que cada grupamento necessita de pessoal, vou apontar
aqui que para compor este tipo de grupamento o servidor deve ser de carreira, passar por treinamento
específico e que preferencialmente já tenha alguns anos de experiência junto ao Sistema
Penitenciário, salvo nosso Estatuto entenda diferente.
Ainda sobre pessoal, o que não pode ocorrer é o que tem sido feito atualmente. Foram
deslocados pessoal do interior das unidades para compor referidos grupamentos o que culminou no
aumento de serviço para quem dentro ficou das unidades devido a baixa funcional. Que com a Polícia
Penal, toda e qualquer vez que se fizer necessário deslocamento de pessoal para composição de
grupamentos, e ressalto, de extrema importância, tem que ser feito concurso para reposição imediata
no interior das unidades uma vez que a qualidade do serviço não pode cair já que buscam excelência
em Polícia Penal.

6.1 DOS
A Divisão de Operações de Segurança deverá funcionar junto a Diretoria Geral do
Departamento de Polícia Penal com a função de tratar dos assuntos correlatos a todos os grupamentos
especializados mantendo um elo entre a administração e os referidos grupamentos para que nunca
os falte o suporte para um funcionamento eficaz no desempenho de suas tarefas.

6.2 SOE
Invistam nestes nobres guerreiros!
O efetivo da SOE não pode faltar e suas especificidades tem que ser ampliadas ao máximo
aos melhores grupamentos especiais de Polícias especializadas do mundo, especialmente no que
tange em gerenciamento de crises. Não devemos pensar só na aplicação da força como recurso da
SOE, devemos pensar como gerenciadores de crise como um todo. Quando afirmo isso me refiro a
todos níveis de gerenciamento da simples visualização a aplicação da intervenção como último
recurso de solução para pôr fim à crise.
Sim, devemos ter negociadores, pessoas capazes de desonerar a Polícia Militar dessa
tarefa desempenha há anos em situações de rebeliões, afinal seremos uma Polícia independente.
É de fundamental importância que o Departamento de Polícia Penal tenha uma ligação
direta com todo e qualquer grupamento especializado por meio de uma diretoria como funciona a
DOS atualmente.

32
6.3 SSE
Não menos importante a Secção de Segurança Externa, visa a composição de pessoal para
atender as portarias de complexos e unidades penitenciárias, com treinamento específico para
realizar as tarefas cotidianas que o posto de serviço requer.
Nos dias atuais não é cabível manter um Agente de Segurança Pública desarmado e sem
equipamento de proteção adequado nas portarias e complexos penitenciários.
Com advento da Polícia Penal tudo isso deve ser repensado, inclusive, que uma portaria
não deveria ser atendida somente por uma pessoa, pois enquanto uma pessoa atende a um veículo,
como exemplo uma revista, outra deveria estar em apoio armado a abordagem. São situações que
devem ser reanalisadas, mesmo que muitos a vejam como utópicas.
Outra situação de segurança externa que virá será as de guaritas que hoje são ocupadas
pela Polícia Militar. Vejam o tamanho de investimento em pessoal necessário para atender a
demanda, pois não são somente as unidades penais que precisam desse apoio, as recentes cadeias
públicas absorvidas pelo DEPEN provenientes da Polícia Civil também precisarão.

6.4 GSI
Os Grupos de Segurança Interna sofrem com falta de pessoal. Não foram feitas
provisionamentos para possíveis atestados e férias. Invistam com a nova Polícia Penal, e não
invistam pouco. É um pessoal que poderá atuar como primeiro interventor, mas não trabalhando com
efetivo reduzido em duplas cuidando de guaritas. Se tiver um tumulto generalizado, não tem como
“cobrar o escanteio e ir cabecear na área”.
Mesmo assim é um pessoal que tem atuado muito nas unidades a manter o controle
interno, muitas vezes apenas pela presença física, então imaginem se o efetivo melhorar o nível de
controle que nossas unidades terão. O nível de excelência será atingido com toda certeza. A
probabilidade de algo dar errado é quase nula, pois sabemos que situações pontuais podem se tornar
uma crise de maiores proporções.
6.5 ESCOLTA
A escolta armada não menos importante já está em funcionamento, recentemente teve sua
frota renovada, mas muito investimento ainda há de ser feito.
Também precisa de pessoal e mais investimento logístico como armamento,
equipamentos e viaturas. Certo de que com nossa independência o apoio de Policiais Civis e Militares
será uma realidade praticamente inexistente, salvo em casos excepcionais, as formas de escolta
deverão ser adequadas as nossas realidades.
Já sabemos que cada escolta terá o veículo de transporte e o batedor ou batedores, portanto
é hora de pensar em toda logística em ser empregada. Pensar nas chefias centrais e regionais
responsáveis pelas escoltas, veículos e equipamentos, elevando estas equipes a um grupamento
33
especializado. Os componentes que já estão em atuação nas equipes de escolta devem ser chamados
a mesa de discussão para apresentar suas propostas.

7 CORREGEDORIA
A corregedoria da Polícia Penal será responsável pela apuração de irregularidades
cometidas pela administração penal e seus servidores. Não somente isso, caberá também a
corregedoria prestar consultoria a administração de importantes decisões pertinentes aos aspectos
legais perante a gestão pública. Deverá realizar correições nas unidades penitenciárias quanto ao
funcionamento e se tem atendido as diretrizes que a lei determina bem como as que são repassadas
pelo Departamento.
O servidor escolhido como corregedor deverá ser da carreira efetiva da Polícia Penal com
formação em Direito (quanto mais formação acadêmica e experiência profissional melhor) e deverá
passar por curso preparatório para ocupar este tão importante cargo departamental.
Todo servidor que for escolhido ou optar por trabalhar na corregedoria deverá ter
formação acadêmica em Direito e de igual forma passar por curso de capacitação.
O servidor que for lotado na corregedoria, seguirá carreira somente neste setor, uma vez
que a especificidade da função exige a apuração de possíveis irregularidades de outros colegas e não
seria viável retornar suas atividades em outros setores, salvo quando do cometimento de
irregularidades administrativas dentro da própria corregedoria.

7.1 CORREGEDORIAS REGIONAIS


Deve ser pensado também nas corregedorias regionais, com igual funcionamento a
corregedoria central.
Com a absorção das cadeias públicas pelo DEPEN a demanda por apuração de possíveis
irregularidades administrativas aumentou substancialmente, uma corregedoria centralizada passou a
ficar inviável, servidores lotados nas unidades que trabalham em outros setores acabam por deixar
seus afazeres para apurarem estes fatos e por fim, após a apuração, tudo retorna a capital para dar os
tramites finais ao processo, deixando o processo menos célere.
Com as corregedorias regionais estabelecidas, com servidores exclusivamente destinados
a este fim, os processos terão a celeridade almejada por uma administração de excelência.

8 CONCLUSÃO
O presente artigo, posso dizer, foi um artigo puro. Não tem referencial teórico, é um artigo
para reflexões, um artigo de idéias elaborado por um Agente Penitenciário que tem acompanhado
tropeços e avanços do Sistema Penitenciário ao longo de seus 26 anos de carreira.

34
O objetivo não é ofender ninguém que está ou foi da administração e sim engrandecer a
administração, elevar nossa gestão pública a um patamar jamais vivenciado, afinal quem não gosta
do bom.
Certo de que toda mudança gera desconforto, mas também muitos de nós anseiam por
tudo isso, o enquadramento nessa excelência. Talvez por nunca termos experimentado, chegamos a
sonhar acordado, e se ao estarmos já inseridos nessa estrutura de excelência em pleno funcionamento,
será que não será só mais um dia que apenas saberemos que somos exemplo para os outros?
O que não podemos deixar cair em esquecimento são as importantes temáticas abordadas
no presente artigo, que tipo de Polícia queremos ser, a Polícia Penal que vai somente encarcerar ou
vai retomar o tratamento Penal, ou vamos encarcerar somente quem não quer ser tratado. Que tipo
de Polícia queremos que a sociedade enxergue a nosso respeito, só mais uma Polícia, ou a Polícia
que cuida e trata das pessoas privadas de liberdade e oportuniza a melhora. São reflexões!
Finalizo parabenizando toda a categoria de Agentes Penitenciários pelo seu dia (13 de
novembro), dia do aniversário de minha filha Vitória que também aqui homenageio (Deus me deu
de presente no dia da profissão do papai), mas não posso deixar de homenagear a todos os servidores
do sistema penitenciário, todos são fundamentais para esta máquina funcionar, tanto que defendo
que todos sejam policiais penais.

35
O CRIME ORGANIZADO E SUA ATUAÇÃO DENTRO DOS
PRESÍDIOS

Mônica Regina Moreira Zeni10


Sebastião Pontes Maciel Junior11

Resumo

O crime organizado vem se infiltrando em nossa sociedade e grande parte dos presídios
se transformaram em gabinetes para líderes do crime organizado. Ele aproveita as carências e as
expectativas sociais para conseguir adeptos. A crise que assola no Brasil, resulta na recessão de
investimentos em segurança. O combate a esta criminalidade especializada é uma árdua tarefa a ser
executada pelos responsáveis pela justiça criminal e segurança pública. A ressocialização demanda
uma série de fatores. A influência que o crime organizado exerce no tratamento ressocializador de
muitos condenados é altamente destrutiva e a ação policial precisa ser especializada. É notória a
necessidade de Políticas Públicas que possibilitem a implantação de novos Métodos Prisionais, há
urgência de implantação da Justiça Restaurativa para detentos de menor periculosidade e recém
encarcerados, impossibilitando assim a difusão do crime organizado e assegurando a ressocialização
e reabilitação dos detentos de uma forma eficaz.

Palavra-chave: Crime organizado. Presídios. Políticas Públicas.

10
Policial Penal – PIG, Tecnóloga em Segurança Pública e Pós-Graduada em Gestão Prisional, e- mail:
monicamoreira@depen.pr.gov.br
11
Policial Penal – PIG, Psicólogo e Bacharel em Direito, Pós Graduado em Gestão e Organização da Saúde Pública,
Pós Graduado em Psicologia Jurídica e Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal e Pós Graduando em
Direito Constitucional Aplicado e-mail: smpontes@depen.pr.gov.br

36
INTRODUÇÃO
Este artigo irá abordar a atuação das organizações criminosas no Brasil, assim como suas
consequências para a sociedade civil e para o Estado brasileiro. Ademais será verificada, a dimensão
do problema que é o crime organizado dentro dos presídios.
O crime organizado vem se infiltrando, praticamente, em todas as atividades de nossa
sociedade e sua evolução se dá de maneira acelerada. Portanto, o combate a esta criminalidade
especializada é uma importante e exaustiva tarefa a ser executada pelos responsáveis pela
administração pública nas suas diferentes divisões.
O atual sistema prisional está saturado de bandidos, pós-graduados e doutores do crime,
que vivem na ociosidade e aproveitam a convivência com vários delinquentes para trocar
experiências criminosas.
O Estado tem como objetivo retirar o delinquente do seio da sociedade e tornar sua
ressocialização efetiva, mas esbarra num obstáculo chamado crime organizado. O que traz incertezas
quanto ao futuro dos que estão sob sua custódia, porque muitas vezes, ele está apenas trazendo novos
adeptos para essa organização, que se fortalece cada vez mais dentro dos presídios.
O presente artigo em um primeiro momento observa as várias definições de crime
organizado e sua evolução, a partir da década de 70.
Por conseguinte, a pesquisa em sua segunda parte irá abordar a atuação do crime
organizado nos presídios, como ele está vinculado à alguns fatores sociais e as suas influências na
organização dos presídios.
Em seguida será exposto o quanto o crime organizado interfere na ressocialização dentro
dos presídios e cria um sério desafio para sua administração.
O presente artigo foi desenvolvido a partir de pesquisas bibliográficas e tem como
objetivo apresentar a urgência em combater o crime organizado e importância da implantação de
novos Métodos Prisionais com Políticas Públicas que assegurem a ressocialização e a reabilitação
de uma forma eficiente.

DEFINIÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA


Um dos assuntos mais enigmáticos para os órgãos de segurança pública é a organização
criminosa, que nada mais é, como o nome mesmo já aponta, do que a capacidade que os agentes
criminosos possuem de se associar para praticarem atividades ilícitas.
Para entender como a criminalidade organizada surgiu na vida pública cotidiana, é
imprescindível refulgir as décadas de 60 e 70. Segundo ADORNO (2007):
Desde essas décadas, a sociedade brasileira vem experimentando o progressivo
crescimento do crime urbano violento, além de outras manifestações de violência nas
relações sociais e interpessoais. Guardadas as diferenças regionais e as singularidades
sociais, políticas e institucionais de cada Estado da Federação, algumas tendências
firmaram-se no Brasil a partir de 1988 até recentemente. Os crimes de roubo, tráfico

37
de drogas e extorsão mediante sequestro ao lado dos homicídios foram aqueles que
acusaram as maiores taxas de crescimento. (ADORNO, 2007, p.12)

Face à indefesabilidade estatal no combate aos grupos criminosos organizados, em


2013 foi publicada no Brasil a Lei 12.850/13 que apresenta artigos de natureza penal e processual
penal e traz como forma inédita, a definição legal sobre crime organizado.
O § 1º do art. 1º da legislação define organização criminosa como a associação de 4
(quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de
tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente,
vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas
máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.

Apesar das semelhanças com o Art. 288 do Código Penal:


Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer
crimes:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos.

Existe a necessidade de ser uma associação estruturada e divisão de tarefas entre os


sujeitos, até porque esses são os elementos que diferenciam a organização criminosa da
lei 12.850/13 do concurso de agentes ou do crime de associação criminosa do art. 288 do Código
Penal.
Para os Criminologistas:
Crime organizado é qualquer crime cometido por pessoas ocupadas em estabelecer
uma divisão de trabalho: uma posição designada por delegação para praticar crimes
que como divisão de tarefa também inclui, em última análise, uma posição para
corruptor, uma para corrompido e uma para um mandante. (MENDRONI 2002, p. 5)

De acordo com o Federal Bureau of Investigation - FBI:


crime organizado é qualquer grupo tendo algum tipo de estrutura formalizada cujo
objetivo primário é a obtenção de dinheiro através de atividades ilegais. Tais grupos
mantém suas posições através do uso de violência, corrupção, fraude ou extorsões, e
geralmente têm significativo impacto sobre os locais e regiões do país onde atuam.”
(MENDRONI 2002, p. 5)

Já para a Organização Internacional de Polícia Criminal – Interpol:


crime organizado é qualquer grupo que tenha uma estrutura corporativa, cujo principal
objetivo seja o ganho de dinheiro através de atividades ilegais, sempre subsistindo pela
imposição do temor e a prática da corrupção. (MENDRONI 2002, p. 6)

Finalmente, para Guaracy Mingardi apud Mendroni (2002, p.6):


crime organizado é um grupo de pessoas voltadas para atividades ilícitas e clandestinas
que possui uma hierarquia própria e capaz de planejamento empresarial, que
compreende a divisão do trabalho e o planejamento de lucros. Suas atividades se
baseiam no uso da violência e da intimidação, tendo como fontes de lucro a venda de
mercadoria ou serviços ilícitos, no que é protegido por setores do Estado. Tem como
característica distinta de qualquer outro grupo criminoso um sistema de clientela, a
imposição da lei do silêncio aos membros ou pessoas próximas e o controle pela força
de determinada porção de território”.

A partir das definições referenciadas é possível afirmar que, deixando de lado as


particularidades nelas encontradas, uma característica é consensual: trata-se de um grupo organizado.

38
O CRIME ORGANIZADO NO SISTEMA PRISIONAL
O crime organizado é uma instituição, ainda que paralela, que domina irrefutavelmente
na organização das relações sociais internas ao presídio. De dentro dos estabelecimentos, chefes e
filiados de organizações criminosas continuam a gerenciar suas operações com compatível
facilidade. Esta situação demonstra a força que o crime organizado executa sobre a sociedade, ainda
que possua um caráter ilegítimo.
Em especial os grupos que surgiram nos presídios brasileiros, com ênfase ao Comando
Vermelho (RJ) e o Primeiro Comando da Capital (PCC - SP), não despontaram com a finalística de
atividades ilícitas. O PCC, por exemplo, em relatos extraídos de internos, é caracterizado como fonte
legítima também de comunicação com a administração prisional:
Pode-se considerar, portanto, que foi no vácuo deixado pela ausência de uma instância
representativa da população carcerária e da completa obstrução dos canais de
comunicação entre os presos e a administração prisional que o pcc encontrou um
espaço para se constituir e se legitimar como alternativa ao isolamento dessa população
diante de suas demandas – muitas das quais, sem dúvida, legítimas – e a sua luta por
direitos e reconhecimento. (SALLA, 2013, p. 74)

O crime é extremamente vinculado à alguns fatores sociais, como: socioeconômicos


(pobreza, fome, desnutrição) sócio pedagógicos (falta de educação ignorância) e sócio ambientais
(más influências), e ainda temos o fato da rotulação, em que o indivíduo pratica um delito e não
consegue se ressocializar, devido ao estereotipo de criminoso, então ele volta a praticar outros
crimes. Segundo FERRAZ (2007), o crime organizado se aproveita dessas carências:
O crime organizado aproveita as carências e as expectativas sociais para conseguir
adeptos: muitos de seus membros tentam fugir da pobreza e obter lucros e respeito por
meio da participação na atividade criminosa proporcionada por esse tipo de
organização. (FERRAZ, 2012. p.15)

O crime se sistematiza e se torna um negócio que gera lucros altos, que acabam por
subsidiar novas formas de organização que incluem o aumento das redes criminosas, o
aperfeiçoamento da organização e o aliciamento de setores ou indivíduos pertencentes ao sistema,
fatores que geram um controle evasivo sobre os mecanismos sociais.
Os presídios se transformaram em laboratórios para dirigentes do crime organizado, as
condições de superlotação e a precariedade evidenciam que, sem limitação, não há possibilidades de
reabilitação e ressocialização dos detentos.
Uma resposta disso é a organização de rebeliões dentro dos presídios. Pode-se confirmar
que a política de exigência impostas pelos internos durante uma rebelião é a expressão de sua
organização em torno de um objetivo, ainda que simples como a mudança do regime de visitas ou a
qualidade da comida servida pela instituição.
A comunidade dos presos é surpreendentemente afetada pela realidade externa, e tal
influência cresce na mesma medida que o crime organizado se fortalece.

39
Segundo CLEMMER (1958), “O mundo prisional é um mundo atomizado. Seus membros
agem em recíproca confusão... não há definidos objetivos comuns, não há um consenso comum para
um fim comum”.
No entanto, o crime organizado, atuante externamente ao presídio, acaba por facilitar uma
finalidade para a organização social na cadeia, um propósito além da sobrevivência individual e do
bem estar imediato.
Há indícios de que o crime organizado intervém definitivamente na organização social
dos presos (e mesmo na ordem hierárquica do presídio, impactando policiais penais, funcionários e
direção).
Os presos, sem que haja distinção de sua periculosidade, idade, reincidência, tipo de
crime, são recolhidos em estabelecimentos, em geral, lotados, em condições sanitárias ruins. A maior
parte dos presos é oriundo das camadas pobres da população, o que significa que eles não têm
defensores ou mesmo qualquer auxílio social.
Esta inconsistência nos serviços prestados desperta a rede de solidariedade entre os presos
e coloca muitos deles na subordinação dos grupos criminosos bem organizados e que mobilizam
recursos para o atendimento das necessidades de seus integrantes, como advogados, apoio à família
(por exemplo, para o transporte dela até a prisão, remédios, assistência médica, empréstimos, etc.).
O crime organizado tem estatutos e salves, que dispõem a ética e a forma de se relacionar
entre aqueles que atuam no mundo do crime. O grupo funciona como uma agência soberana do
mercado criminal e também oferece auxílio aos seus filiados e familiares. A desvantagem dos que
se filiam é a privação da autonomia e a imposição de obedecer a um comando.
Assim, o sistema prisional acaba operando de forma efetiva como berço e base para
organizações criminosas que se estendem a sociedade.
É notório que uma em cada três unidades prisionais do país separa seus presos por facção
criminosa. Apesar de não estar na Lei de Execuções Penais, esse regras de divisão já é a mais
empregada pelas gestões de presídios brasileiros, superando separações obrigatórias como por tipo
de crime, regime de prisão ou condenados e provisórios.
Quando esse sistema é mantido a longo prazo, as consequências são preocupantes. A
principal destas decorrências é a estabilização das facções nos presídios e fora deles. Aquilo que
resulta em algo harmonioso a curto prazo nos presídios, é o que mais tarde contribui
indiscutivelmente para ao crescimento da criminalidade fora deles.
O crime organizado não pode ser definido de uma única forma. Na concepção prisional
ele funciona como uma ampla rede de criminosos, a maioria deles nas prisões, que atua com um
braço político e outro econômico. Do lado político, o grupo criou um discurso de união entre os
detentos - "o crime fortalece o crime" - e de enfrentamento contra o "estado opressor".

40
O crime organizado criou os chamados “métodos de agir”, as ações do filiado está ligado
a seu comportamento, e a que punições estará sujeito se “falhar”, sempre em conformidade com a
magnitude do erro.
Aqueles que transgridam às normas do crime, mais cedo ou mais tarde, precisam prestar
contas às lideranças quando cumprem penas e por isso preferem assentir para não serem mandados
para o seguro (unidades neutras ou celas isoladas).
A evolução desses grupos nos conduzem a novos desafios. Conforme esses grupos
enriquecem, novas conexões são feitas e aparece uma nova estrutura financeira e de especialistas em
esquentar dinheiro. Muitas dessas tecnologias financeiras são as mesmas usadas nos esquemas de
caixa 2 que abasteceram as campanhas políticas. O Estado passa a ficar cada vez mais vulnerável.
Quando o crime organizado invade as instituições, em vez de preservar os interesses
coletivos, o Estado passa a agir em defesa dos interesses particulares desses grupos. Isso é um grande
risco para a nossa frágil democracia.

O CRIME ORGANIZADO DIFICULTA A RESSOCIALIZAÇÃO


Dentre inúmeros fatores que assolam o chamado crime organizado, a influência que este
exerce no tratamento ressocializador de muitos condenados é altamente destrutiva.
A privação de liberdade tem como finalidade conceder que o indivíduo que transgrediu a
ordem pública possa refletir e ponderar sobre o erro e receber do Estado orientações que
proporcionem o seu retorno à sociedade.
Com relação ao estado, cabe o saber lidar com o sistema, sua manutenção e ampliação, e
principalmente dar condições para que o detento passe pelo processo de ressocialização. Cabe
lembrar que há por parte da sociedade uma tendência em não considerá-lo prioridade.
A ressocialização demanda uma série de fatores e o vínculo com o crime organizado se
torna um obstáculo, o que faz com que muitas vezes ela não aconteça.
Não se discorre que o combate contra o crime organizado é uma missão simples; mas
reconhecer particularidades e trabalhá-las, dentro de políticas sérias pode representar um ponto de
partida importante.
É a incumbência da prisão, a exclusão e regulação, através da padronização, e a função
do Estado, como responsável pela repressão à atividade criminosa, subvertida, com organizações
paralelas, cujo funcionamento é marginal, assumindo o controle do ambiente interno e influindo no
externo de forma efetiva, condicionando reações por parte da sociedade e do cidadão comum,
modificando a opinião pública e gerando o descrédito na estabilidade e na segurança que o estado
deveria ser capaz de manter.

41
A garantia de penas de privação de liberdade para pequenas transgressões faz com que os
transgressores aprofundem suas relações com o mundo do crime através das prisões, conhecendo de
perto o crime organizado, além de criar um sério desafio para sua administração.
O sistema penal hoje vigente é espaço favorável para a disseminação e sofisticação da
criminalidade organizada, principalmente em face a superlotação das unidades prisionais, o que
facilita a comunicação e integração entre os criminosos menores e os grandes líderes das facções
criminosas
Especificadamente em países pobres, as prisões acorrem menos como reabilitação social
e mais como foco de organização do crime – o que faz com que o encarceramento massivo seja um
desserviço ao controle da criminalidade organizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
É notória a necessidade de Políticas Públicas que possibilitem a presente implantação
de novos Métodos Prisionais, com participação do Poder Público e Iniciativa Privada, além da
aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado para criminosos líderes das facções criminosas, há
urgência de implantação da Justiça Restaurativa para detentos de menor periculosidade e recém
encarcerados, impossibilitando assim a difusão do crime organizado e assegurando a
ressocialização e reabilitação dos detentos de uma forma eficaz.
Devemos focar em medidas de ressocialização e combate ao crime organizado, tendo em
mente que as várias problemáticas do sistema penitenciário brasileiro deriva dele próprio e da forma
como é realizado e sustentado, para daí em diante ser possível a redução dos efeitos prejudiciais da
pena de prisão e o enfraquecimento das organizações criminosas.
Os serviços de inteligência civil cumprem um papel decisivo na atuação proativa da
polícia em relação ao crime organizado. Como se sabe que boa parte dos delitos do crime organizado
não é relatada às autoridades, o conhecimento das organizações criminosas depende do trabalho de
campo desses oficiais MINGARDI(2007).
Sem a polícia, o Estado pouco pode fazer contra o crime organizado. No entanto, para
que a polícia cumpra devidamente seu papel, é preciso definir tarefas que sejam úteis e realizáveis.
Se o policiamento ostensivo pode ser útil para controlar a criminalidade comum, ele é insuficiente
no caso do crime organizado, expondo o agente a risco exagerado de violência e corrupção. Nesse
sentido, a ação policial contra o crime organizado precisa ser especializada.
Desta forma, surge a necessidade de contarmos com uma estrutura que trabalhe
proativamente e, em colaboração constante, com as unidades operacionais da Polícia Judiciária,
Ministério Público e Justiça, assim como com todos os órgãos que direta ou indiretamente possam
contribuir para o cumprimento desta missão. Num mundo tecnologicamente sofisticado como o
atual, em que o crime organizado opera como se fosse uma verdadeira empresa, é preciso que todos
42
os responsáveis pela prevenção e repressão ao crime organizado, e em especial as Polícias
Judiciárias, não se limitem aos métodos tradicionais, baseados no isolamento, na autossuficiência e
no descompromisso com resultados.
Os criminosos mostram que são capazes de se adaptar rapidamente a novas tecnologias.
Precisamos superar essas adversidades, e trabalhar sem medir esforços. Somente quando
aprendermos a trabalhar eficientemente, em conjunto, é que seremos capazes de montar um ataque
efetivo ao crime organizado.
Diante de tudo o que foi exposto, é preciso ressaltar que Movimento como o da Lei e da
Ordem são superficiais, não atendem as raízes do problema, buscam soluções imediatistas,
desprezam o ser humano. O combate ao crime organizado é urgente, e não menos importante é a
ressocialização a qualquer custo, não podemos esquecer que por maior que seja o tempo de pena
privativa de liberdade imposto ao sujeito ativo de uma conduta delituosa um dia ele vai retornar ao
convívio social e dependendo da forma como ele foi “reeducado” de nada terá adiantado o
endurecimento da pena, pois para ele não haverá mais motivos para ser melhor.
Finalizando, as forças responsáveis pela prevenção e repressão às organizações
criminosas organizadas devem redefinir suas prioridades institucionais no combate à criminalidade
e redirecionar seus melhores esforços e recursos para enfrentar a realidade de crime organizado,
priorizando os trabalhos de inteligência na identificação, mapeamento, monitoração e desarticulação
das organizações criminosas através da prisão de seus componentes e, especialmente, na apreensão
dos bens e propriedades destas corporações, sem o que, as prisões são ineficientes.

REFERÊNCIAS
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ataques do PCC. Estud. av., São Paulo , v. 21, n. 61, p. 7-29, Dec. 2007 . Available from
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40142007000300002&lng=en&nrm=iso>. access
on 07 Nov. 2020. https://doi.org/10.1590/S0103-40142007000300002

ALMEIDA FERRO, Ana Luiza. Crime Organizado e Organizações Criminosas


Mundiais, Editora Juruá, 2009.
CLEMMER, Donald. (1958), The prison community. New York, Holt, Rinehart &
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44
AS VANTAGENS HUMANAS E ECONÔMICAS DO USO DO
BODY SCANNER EM REVISTAS PESSOAIS NOS PRESÍDIOS

Renato Silvestri12
Rudy Heitor Rosas13

Resumo

Este trabalho tem por objeto de estudo os possíveis impactos da implantação de


equipamento eletrônico de vistoria corporal por raios–X, conhecidos como body scanner, no
cotidiano da Penitenciária Industrial de Guarapuava-PR (PIG). A hipótese da pesquisa é que a
aplicação dessa tecnologia teria impacto humanizador para os sujeitos envolvidos nas revistas
(agentes e visitantes), econômico para o Estado e, em nível macro, na própria formação de políticas
criminais. Para a investigação no campo de pesquisa eleito (PIG), foi utilizada uma perspectiva
qualitativa, através de pesquisa exploratória assentada sobre documentos coletados junto aos setores
técnicos da penitenciária e analisados de forma manual (tabulação simples e interpretativa). O recorte
temporal eleito foi o ano de 2019, sendo esse ano dividido em período sem escâner (janeiro-março)
e com escâner (abril-agosto). Os anos de 2017 e 2018 também foram utilizados para gerar dados
comparativos. Ainda que não apareça narrada a pesquisa participativa como metodologia adotada,
há nos relatos muito da experiência cotidiana, já que os envolvidos pesquisam e/ou vivem o sistema
penitenciário há muito tempo. Com base nos dados levantados foi possível confirmar a hipótese da
humanização do procedimento, já que não gera nudez e agachamentos, muito menos contato físico
entre agente e visitante; também foi confirmada a hipótese da economicidade do sistema. Essas duas
hipóteses somadas permitem apontar no sentido da necessidade de efetivação do escâner corporal
como política criminal imediata. Uma quarta hipótese surgiu dos dados, porém extrapolou os limites
dessa pretensão: há um significativo aumento de homens visitando os sentenciados após a mudança
da revista íntima para a revista por body scanner.

Palavras-chave: Revista vexatória. Body Scanner. Dignidade da pessoa humana. Faltas


disciplinares administrativas. Revistas sem desnudamento. Economia. Masculinidade.

12
Formado em Filosofia (licenciatura) pela UNICENTRO. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Campo
Real. Agente Penitenciário do Estado há 13 anos. Diretor da Penitenciária Estadual de Guarapuava – Unidade de
Progressão (PEG-UP).
13
Mestre e doutorando em Ciências Sociais Aplicadas pelo UEPG. Doutorando em Direito pela UFPR. Bacharel
em Direito pelo Centro Universitário Campo Real. Professor de Criminologia no curso de Direito do Centro
Universitário Campo Real. Advogado.
45
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo é uma confluência de múltiplos fatores. Assim como rios distintos, que
possuem nascentes e cursos próprios, cheios de vida e histórias e, ao se encontrarem passam a ter
maior fluxo, mais potência e atingir maiores distâncias, os estudos transcritos nessas páginas são
fruto de trajetórias acadêmicas e legados distintos, que entram em sintonia formando um só resultado
de pesquisa.
A afirmação desse primeiro parágrafo é motivada porque o artigo é formado por uma
parcela da pesquisa desenvolvida em nível de graduação por um dos integrantes e de um fragmento
da pesquisa doutoral de outro integrante. Também motiva a afirmação inicial o fato de um dos
pesquisadores viver o ambiente penitenciário diariamente e o outro lecionar sobre isso. São raros os
trabalhos em que teoria e prática conseguem sobreviver e somar. É isso que se tenta fazer aqui.
Feitas as ressalvas, o elo de ligação desse trabalho é o objeto central de pesquisa, a revista
íntima realizada para ingresso de visitantes no sistema prisional.
Para além da crítica, já amplamente estável no meio acadêmico, e recentemente trazida à
tona pelo Supremo Tribunal Federal (STF, 2020), o objetivo buscado aqui é apresentar os resultados
obtidos pela Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG), a partir da instalação do equipamento de
scanner corporal.
A hipótese que orientou as buscas foi que a substituição da revista íntima ‘tradicional’ –
aquela que comporta desnudamento - por uso de equipamento tecnológico menos invasivo, tem, além
do evidente potencial humanizador do processo, um impacto econômico e também reflexo na política
criminal, pois a maior precisão proporcionada pelos aparelhos podem coibir o cometimento de
ilícitos penais gerados pela tentativa de introduzir objetos no estabelecimento (potencial político-
criminal), bem como não gerar novas apreensões e ampliações de pena para os já inseridos (potencial
econômico).
Com base nos relatórios obtidos junto aos setores técnicos da unidade prisional, foi
possível verificar a hipótese inicial, bem como chegar a outros resultados, conforme pode ser
verificado nas páginas que seguem.
Visando familiarizar os leitores com a realidade pesquisada, antes mesmo de apresentar
a metodologia de investigação é trazido no tópico seguinte uma contextualização da PIG, após, no
tópico seguinte, uma explanação sobre os protocolos de revista adotados pelo Departamento
Penitenciário do Paraná (DEPEN-PR).
Superados esses pontos, está inserida a descrição da metodologia de pesquisa, visando
pelo menos duas coisas: trazer critérios científicos à pesquisa, já que o caminho trilhado nessa
pesquisa precisa ser visível a quem quiser trilhar pesquisas semelhantes; segundo para deixar bem
delimitado o ambiente de inserção da pesquisa, contemplando assim as peculiaridades que podem

46
fazer com que, em estabelecimentos semelhantes, a realidade observada/encontrada seja outra pois,
cada microcosmo social contempla suas particularidades, tornando-o único.
Como último tópico antes da conclusão são demonstrados os resultados atingidos com os
dados técnicos do estabelecimento, dando roupagem de realidade às discussões teóricas.

2 BREVE HISTÓRICO DA PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE GUARPUAVA


A Penitenciária Industrial de Guarapuava – PIG é uma unidade prisional estadual voltada
à custódia de sentenciados do sexo masculino, condenados ao cumprimento de pena no regime
fechado. Trata-se de uma unidade de segurança média, com sua estrutura física composta de
alojamentos para os sentenciados, barracões industriais, salas de aula, consultórios médico e
odontológico, área administrativa e espaços reservados para a segurança.
Inaugurada no ano de 1999, a PIG figurou por 14 anos como uma unidade referência no
que diz respeito ao atendimento da legislação sobre a execução da pena, sendo objeto de inúmeras
reportagens nos grandes veículos de imprensa nacional, como por exemplo, a reportagem das
jornalistas BREMBATTI e FONTES, publicada no Jornal Gazeta do Povo (2019).
A PIG foi também destino de inúmeras excursões de pesquisadores, alunos e autoridades
que classificavam a penitenciária como um modelo prisional a ser seguido (SILVA, 2012)
No ano de 2014 a PIG passou por uma grande rebelião tendo sua estrutura física
parcialmente destruída (CORDEIRO, 2014) e se viu, de repente, sem vaga de emprego, estudo ou
qualquer outra atividade voltada à ressocialização dos seus detentos. Passou, de um dia para o outro,
de presídio modelo para mais um presídio comum, um verdadeiro depósito de pessoas.
A partir deste grande evento danoso os servidores que ali trabalham, juntamente com o
Conselho da Comunidade de Guarapuava, juízo da Vara de Execuções Penais, Estado do Paraná
através do Departamento Penitenciário e Sociedade Civil Organizada, dentre outros, uniram forças
em prol da reconstrução da penitenciária e seu retorno como uma unidade industrial voltada à
ressocialização dos indivíduos presos que sempre foi característica da unidade. Em 2017 a unidade
estava reestabelecida (RSN, 2017).
Nos dias atuais a PIG teve seus canteiros de trabalho, salas de aulas e demais espaços
reconstruídos e no momento conta com 02 (duas) empresas devidamente instaladas usando a mão de
obra dos encarcerados bem como, encontra-se com suas atividades educacionais em franco
funcionamento. Com reconstrução, pensando em fazer frente à nova realidade criminal, a PIG teve
sua estrutura de segurança reforçada e sua capacidade ampliada em mais 85 (oitenta e cinco) vagas
em relação às inicias, perfazendo atualmente 325 (trezentos e vinte e cinco) camas individuais.

47
3 A REVISTA ÍNTIMA
A revista íntima, comumente realizada em presídios, é utilizada como procedimento de
controle para evitar a entrada de produtos ilegais, ocasionando um combate ao comércio de drogas
ilícitas (o que, de certa forma, prejudica a atuação das organizações criminosas), visando também
impedir a entrada de objetos perigosos (armas brancas e de fogo, especialmente) chegarem nas mãos
dos apenados. Sua principal função, via de regra, é buscar o melhor interesse público e a paz social.
As revistas utilizam como suporte legal os artigos 240 e 244 do Código de Processo Penal,
que versam sobre busca pessoal14, bem como o artigo 74 da Lei de Execução Penal15.
Por outro lado essa prerrogativa do Estado, como responsável pela garantia e manutenção
da segurança, não deve ser tomada como amplamente discricionária, devendo a sua execução ser,
obrigatória e indissociavelmente, uma coesão entre as garantias individuais e o poder de polícia,
aplicado em prol do bem estar da população.
É cediço, portanto, que o controle daquilo que entra e sai de um presídio é prerrogativa
do Estado, não podendo os agentes abrirem mão da segurança pública.
Essa obrigatoriedade de garantir a segurança do estabelecimento de forma imediata e a
segurança pública de forma mediata, fez surgir um protocolo específico e bastante rígido para o
ingresso de visitantes nos estabelecimentos prisionais paranaenses. A técnica narrada no tópico
seguinte deve ser empregada em qualquer estabelecimento prisional que não goze de outra tecnologia
ou meios que minorem a intervenção dos agentes nos visitantes.

3.1 A REVISTA ÍNTIMA CONSIDERADA COMO VEXATÓRIA


Nos presídios paranaenses não equipados com body scanner, as revistas nos visitantes
são regulamentadas pelo Caderno de Segurança do DEPEN-PR (2011, p. 89):
Em Visitas de presos
6.3.6.1 Procedimentos de revista para verificação visual
O Agente Penitenciário deve solicitar à visita que:
a) poste-se de frente para o Agente Penitenciário e retire roupas e calçados, ficando
apenas com a roupa íntima (se não apontar irregularidade, seguir para o próximo item);
b) sente na banqueta detectora de metais, e, se a mesma acusar alguma irregularidade,
informar à chefia imediata para providências;
c) passe e/ou apalpe as mãos pelo cabelo, percorrendo toda a cabeça, sendo que se não
for possível uma visualização satisfatória (por exemplo, a nuca), solicitar que abaixe a
cabeça jogando os cabelos para frente e então, novamente, passe /ou apalpe as mãos
pelo cabelo, percorrendo toda a cabeça;
d) abra bem a boca e levante a língua, inspecionando-as;
e) posicione-se de lado para verificar os orifícios do ouvido e atrás das orelhas;
f) incline a cabeça para trás para verificar os orifícios das narinas;

14
Artigo 240. A busca será domiciliar e pessoal.
§ 2º Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida
ou objetos mencionados nas letras b a f e h do parágrafo anterior.
Artigo 244. A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de
que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando
a medida for determinada no curso de busca domiciliar.
15
Artigo 74. O Departamento Penitenciário local, ou Órgão similar, tem por finalidade supervisionar e coordenar
os estabelecimentos penais da unidade da Federação a que pertencer.
48
g) levante os braços para verificar as axilas;
h) abra as mãos e separe os dedos, verificando-os ambos os lados;
i) se for o caso, levantar dobras do corpo, e se mulher, ainda, os seios;
j) se não apontar irregularidade solicitar que retire a roupa íntima;
k) se homem, levante a bolsa escrotal para verificação, assim como o pênis (se
necessário, inclusive, mostrando toda a glande);
l) abaixe o espelho;
m) coloque uma perna de cada lado do espelho;
n) agache-se, lentamente, três vezes de frente, se homem, e três vezes de frente e de
costas, se mulher, devendo, em ambos os casos, parar agachado por cerca de 10
segundos;
o) retire o espelho;
p) vista a roupa íntima;
q) poste-se de costas para o Agente Penitenciário e, dobrando os joelhos, mostre a sola
dos pés para que se possa observá-la, assim como os vãos dos dedos;
r) desloque-se para o lado para verificar se não está ocultando nada que possa ter sido
jogado no chão antes ou durante a revista;
s) vista as demais roupas e calçados.

Ainda:
a) em visitantes femininas, quando a mesma estiver usando absorvente, solicitar a troca
por outro, cedido pela unidade;
b) revistar as roupas retiradas, conforme item 6.7.3, letra “i”;
c) revistar os calçados retirados, conforme item 6.7.3, letra “j”;
d) verificar se o visitante usa próteses para que sejam revistadas, conforme item 6.7.3,
letra “k”.

Observa-se no documento citado, que os visitantes que pretendessem realizar visitação


ao seu familiar preso, deveriam, obrigatoriamente, submeterem-se à revista corporal completa, ou
seja, deveriam despir-se por completo e seguir protocolo.
Diversos pesquisadores e entidades públicas e privadas repudiam a revista vexatória. O
CONECTAS (2014), classifica a revista íntima (vexatória) como “[...] um dos procedimentos mais
humilhantes de que se tem notícia nos presídios brasileiros [...]”, isso porque submete o ser humano
à uma exposição comparável a um abuso sexual, já que além da nudez, há relatos da solicitação de
abertura da vagina, do ânus e do tratamento inadequado por parte dos profissionais (REDE JUSTIÇA
CRIMINAL, s/a).
É uma espécie de “combate” que extrapola a questão prisional, atinge a Sociologia da
violência e do crime, a Psicologia, derramando efeitos sobre a cena política.
Marcelo Freixo encabeçou a criação legislativa no Rio de Janeiro: “Para mim, a lei do
fim da revista vexatória foi uma das leis mais importantes que eu consegui aprovar aqui, porque a
gente sabe o que representa para as milhares de famílias que visitam, e deixam de visitar, o sistema
prisional” (FREIXO, 2016, p. 2174).
Diversos estados da federação passaram a produzir legislações sobre o tema, porém,
apesar dessas iniciativas advirem de mais de uma dezena de estados (MADEIRO, 2015) e da
sociedade civil organizada levantarem suas bandeiras contra o que se convencionou chamar de
“revista vexatória”, tendo inclusive manifestação do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP) que publicou a Resolução nº 5, de 28 de agosto de 2014 (mudando

49
posicionamento de 2006)16 e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesse sentido, a prática continua
existindo, chegando a ser classificada pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais como um
“estupro institucionalizado” (IBCCRIM, 2015).
Além de extremamente degradante para os visitantes, o procedimento também é bastante
prejudicial para os servidores, obrigados a assistir (e presidir) este violento procedimento, que se
repetia a cada novo visitante.
O controle extremo acaba gerando um protocolo que submete todos os envolvidos às
cerimônias degradantes, capazes de sequestrar características próprias do ser livre e adulto
(ZAFFARONI, 2013, p. 316). MORAES (2005), com muita precisão observou que, ainda que os
estudos sobre o cárcere, especialmente no Brasil até o fim do século XX, privilegiassem a massa
encarcerada, agentes penitenciários deveriam ser foco de investigação constante, pois sofrem muito
com o ambiente carcerário.
A experiência acadêmica e profissional que forma a base dessa pesquisa, permite afirmar
que ninguém em sã consciência pode imaginar que o servidor faz este procedimento sem também,
de certa forma, ser atingido emocionalmente, pois, salvo casos de masoquismo, este procedimento é
invasivo ao próprio servidor e, por outro lado, é extremamente degradante ao visitante, submetendo
ambos a um verdadeiro escárnio estatal.
Ao lançar mão deste expediente, o Estado acaba, sem perceber, por ferir o princípio da
intranscendência17, pois, em nome da legalidade, transfere ilicitamente a pena do condenado aos
visitantes (e também aos servidores incumbidos desta árdua tarefa).
Mesmo diante da flagrante inconstitucionalidade, por se tratar de ferramenta barata e de
fácil implementação, a revista íntima passou a ser a regra nos presídios. Este método, amplamente
utilizado sob o argumento de proteção interna e enfrentamento ao crime, acabava por “jogar fora o
bebê juntamente com a água da bacia”; em outras palavras, o preço pago em nome da garantia a
ordem pública e do ‘bem comum’ da sociedade, é bastante alto, pois, para atingir uma finalidade
acaba deixando de zelar pela dignidade humana. O preço a ser pago pela suposta manutenção da
ordem pública, acobertado sob o véu da utilidade da medida e do legalismo, vale a severa intervenção
na intimidade de pessoas não condenadas?
A experiência mostra que não.
A vivência no sistema aponta no sentido da ineficácia do procedimento, pois a quantidade
de drogas que adentram os presídios é bastante alta (conforme demonstram os dados analisados nos

16
Sobre o assunto vide Resolução 09/2016 do CNPCP.
17
Constituição Federal, art. 5º, XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de
reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles
executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;
50
tópicos seguintes). Conforme pode ser percebido, o visitante, quando investido da intenção de burlar
o sistema, conseguia passar produtos ilícitos.

3.2 A IMPLANTAÇÃO DO BODY SCANNER NO PARANÁ


O Brasil, incluindo logicamente nessa realidade o estado do Paraná, acreditando estar
agindo em nome do bem da coletividade, por muito tempo adotou (e adota) prática da revista
vexatória, porém, a Penitenciária Industrial de Guarapuava, após o fim de Março de 2019, passou a
contar com equipamento de revista corporal por meio de escaneamento, logo, para inibir a entrada
de ilícitos no presídio, deixou de lançar mão da revista íntima ‘tradicional’.
A partir da edição da Resolução nº 05 do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária (CNPCP), muitos Estados iniciaram uma corrida para editar leis no sentido de proibir
a prática da revista vexatória. O Paraná, por meio de sua Assembleia Legislativa, publicou a Lei nº
18.700 de 08 de Janeiro de 2016, proibindo a prática nos visitantes. Entretanto, a referida lei, ao
mesmo tempo em que proibia a revista vexatória em seu artigo inaugural, no parágrafo único do
artigo 3º trazia a seguinte redação: “Na hipótese da não existência ou do não funcionamento em
condições técnicas aceitáveis dos equipamentos ou tecnologias afins dentro dos estabelecimentos
penais, não se aplica a proibição constante no art. 1º da presente Lei” (PARANÁ, 2016, grifo
nosso).
A flagrante falta de coerência interna à norma permitiu que, mesmo a lei sendo datada de
2016, somente tivesse efeitos aparentes em 2019.
Um dos fatores que pode ter ‘travado’ a imediata substituição da revista vexatória pelo
uso de tecnologia é o custo. O preço do equipamento de scanner corporal é extremamente elevado,
hoje o custo oscila em torno de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais) cada unidade (conforme pregão
eletrônico nº 045/2015, publicado em Fevereiro de 2016, Estado do Mato Grosso do Sul-MS).
O Paraná não foi o único a ter postergada o início da abolição da revista vexatória. Mesmo
com a edição de leis estaduais, na prática o procedimento continuava ocorrendo, pois, sem a
instalação dos equipamentos (investimento administrativo), os presídios não encontravam outra
forma para inibir a entrada de produtos ilícitos em seus estabelecimentos senão continuando com as
revistas ‘tradicionais’. Um exemplo foi o Estado de São Paulo que publicou a Lei nº 15.552, em 12
de Agosto de 2014, proibindo a prática da revista vexatória em todo o Estado de São Paulo,
entretanto, em 2017, 98% dos estabelecimentos ainda mantinham a revista vexatória (CRUZ, 2017).
Porém em 2018 o cenário paranaense começou a receber novos contornos. O governo
estadual, por meio do Protocolo n° 15.237.727-4, conduziu o Pregão Eletrônico nº 1185/2018, na
intenção de fazer a locação de 25 (Vinte e Cinco) equipamentos Body Scanner’s para as unidades
penitenciárias administradas pelo DEPEN-PR (PARANÁ, 2018).

51
O processo teve seu curso normal resultando na assinatura do Contrato nº
50/2019, firmado pelo período de 2 (dois) anos entre a Secretaria Segurança Pública e Administração
Penitenciária do Paraná e a empresa Nuctech do Brasil Ltda., no valor de R$ 9.418,33 (Nove mil
quatrocentos e dezoito reais e trinta e três centavos) mensais para cada equipamento, totalizando o
valor de R$ 235.458,25 (Duzentos e trinta e cinco mil e quatrocentos e cinquenta e oito reais e vinte
e cinco centavos) mensais, com custo final de R$ 5.650.998,00 (cinco milhões seiscentos e cinquenta
mil e novecentos e noventa e oito reais) para o período de 2 (dois) anos (SESP-PR, 2019).
A Penitenciária Industrial de Guarapuava foi contemplada com a destinação de um dos
equipamentos locados. Em 29 de março de 2019, o equipamento entrou em operação na unidade,
gerando resultados inseridos em relatório técnicos, que estão analisados no tópico 5.

4 METODOLOGIA
A metodologia utilizada neste trabalho tem caráter qualitativo.
O que permite classificar a pesquisa nessa categoria é a forma como foi desenvolvida.
GOMES (2015, p. 79), afirma que: “dentro de uma perspectiva de pesquisa qualitativa não terem
como finalidade contar [no sentido matemático] opiniões ou pessoas. Seu foco é, principalmente, a
exploração do conjunto de opiniões e representações sociais sobre o tema que pretende investigar”.
A pesquisa qualitativa permite o entendimento de fenômenos sociais complexos
(GOLDENBERG, 2001, p. 14). Como a investigação trabalhou com fenômeno social de extrema
delicadeza, que envolve a dignidade humana e de consequências reais para os envolvidos, ainda que
os resultados econômicos apontados demandem análises numéricas, o trabalho mirou sempre o
desvendar dos motivos que embasam esses resultados, para além do número friamente exposto.
A metodologia eleita foi a pesquisa exploratória que, segundo BOURGUIGNON,
OLIVEIRA JUNIOR e SGARBIEIRO (2012, p. 197) permite ao pesquisador a aproximação da
realidade que se pretende conhecer ou ajuda na definição de hipóteses. Partindo do reconhecimento
que pouco se sabe sobre o fenômeno em análise. Como a pretensão é “desvendar” um campo
pouquíssimo explorado (uso de escâner corporal no sistema penitenciário paranaense, iniciado
somente em 2019), é mais coerente reconhecer que a pesquisa, ainda que contemple vasta
complexidade, não consegue extrapolar esse nível de profundidade, tanto pelo tema ser jovem, como
já mencionado, como pelo fato da análise ser empreendida em um único estabelecimento.
Também foi imprescindível ao trabalho a pesquisa bibliográfica, já que as leituras de
referenciais é tanto ponto de início como de continuidade na caminhada acadêmica. Não há
possibilidade de bons resultados científicos sem a amarração entre grandes autores e a parte empírica.
Como técnica de coleta de dados foi utilizada exclusivamente a coleta documental,
analisada posteriormente através de tabulação manual e interpretação dos dados dentro do contexto
material.
52
O campo de pesquisa foi a Penitenciária Industrial de Guarapuava (PIG).
Os documentos analisados foram os relatórios obtidos junto aos setores técnicos da
unidade prisional, no que diz respeito às apreensões de produtos ilícitos a partir da instalação do
equipamento de scanner corporal, que substituiu a revista íntima dos visitantes.
Os pontos de análise ficaram restritos a entrada de drogas ilícitas, fumo, bem como de
celulares e seus componentes.
Outro aspecto abordado através dos documentos foi o numeral de apreensões dos
produtos citados no parágrafo anterior e o numeral de sentenciados sancionados com falta disciplinar
de natureza grave, em virtude das apreensões realizadas. Isso possibilitou verificar o quantum em
meses a mais de prisão, que resultaram com a aplicação das faltas graves aos sentenciados.
Feito isso, foi realizado um cálculo aritmético para se chegar ao valor aproximado que
estas faltas graves custaram aos cofres públicos levando-se em conta o custo médio mensal de um
preso para o Estado do Paraná.
O período que foi apurado diz respeito aos meses subsequentes à instalação do
equipamento, ou seja, de abril de 2019 a 31 de agosto de 2019.
Para existir um parâmetro de “avaliação”, foi feita a análise do mesmo período de meses
dos anos de 2017 e 2018. Quando o resultado obtido após o uso do body scanner foi zerado,
considerou-se o período completo dos anos de 2017 e 2018 e os três primeiros meses de 2019, quando
ainda não estava instalado o equipamento. Essas informações ficam explícitas nas análises a seguir.
Justifica-se essas escolhas porque a entrada de produtos proibidos no interior das
unidades prisionais, após o devido processo administrativo, é a maior causa de aplicação de faltas
graves aos sentenciados, gerando atrasos nos benefícios como livramento condicional e progressão
de regime.
As apreensões também contribuem para a superlotação das unidades prisionais, já que
podem manter quem está preso segregado por mais tempo e/ou inserir novas pessoas no ambiente
penitenciário.

5 ALTERAÇÕES NA REALIDADE PRISIONAL DA PIG APÓS O BODY


SCANNER
Esse tópico possui três análises específicas, sendo elas: apreensões; impacto econômico;
ampliação da visitante masculino.

5.1 NÚMEROS DE DROGAS, FUMO E CELULARES APREENDIDOS NO


INTERIOR DA UNIDADE
Da perspectiva da segurança pública, a cabine de revista digital (body scanner) amplia
consideravelmente o controle dos agentes penitenciários sobre quem entra e sai das unidades
53
prisionais, permitindo visualização mais acurada e menos invasiva sobre o porte de objetos proibidos
por parte dos visitantes, tais como armas, entorpecentes e aparelhos celulares.
O visitante se posiciona em pé sobre uma esteira e a medida que a esteira se move o corpo
é escaneado, de modo que é quase impossível passar pelo equipamento com algo escondido sem ser
detectado, conforme fica evidenciado a partir dos relatórios estatísticos da unidade prisional.

Quadro 1 – Apreensões 2017


Quantidade de Ilícitos Apreendidos no Interior da PIG no ano de 2017
Celulares 06 unidades
Chip para celular 05 unidades
Fumo 28 pacotes com 36 gramas cada
Maconha 286 gramas
Fonte: Relatório do Setor de Inteligência da PIG, 2019

Quadro 2 – Apreensões 2018


Quantidade de Ilícitos Apreendidos no Interior da PIG no ano de 2018
Celulares 00 unidades
Chip para celular 01 unidade
Fumo 15 pacotes com 36 gramas cada
Maconha 454 gramas
Fonte: Relatório do Setor de Inteligência da PIG, 2019

Quadro 3 – Apreensões 2019


Quantidade de Ilícitos Apreendidos no Interior da PIG no ano de 2019
Celulares 00 unidades
Chip para celular 00 unidade
Fumo 06 pacotes com 36 gramas cada
Maconha 36 gramas
Fonte: Relatório do Setor de Inteligência da PIG, 2019

Dos dados apresentados nos quadros acima se observa que, em relação à maconha, a
entrada da droga quase dobrou do ano de 2017 para o ano de 2018. Este dado se explica pela
quantidade de presos que adentraram a mais na PIG. Em 2018 houve uma ampliação na capacidade
de vagas na unidade passando de 240 (Duzentos e Quarenta) para 325 (Trezentos e Vinte e Cinco)
vagas; um aumento de cerca de 35%.
Partindo deste princípio, tem-se que a tendência natural seria o aumento da quantidade de
drogas em 2019, mas no gráfico apresentado observa-se que no ano de 2019, mesmo tendo o
equipamento entrado em operação somente a partir de abril, houve uma queda acentuada na entrada
de drogas, celulares e fumo.
Segundo informações coletadas com o setor técnico:
A última apreensão de ilícito que adentrou na Unidade foi em fevereiro de 2019, sendo
que após a instalação do body scanner não foi localizado mais nenhum celular ou droga
nas revistas realizadas.
A utilização do equipamento acelerou o tempo de duração do procedimento de entrada
de visitantes na unidade, como também praticamente extinguiu o processo de revista
intima, algo por muitos doutrinadores e juristas considerado vexatório tanto para o
visitante como para o servidor que a aplica (SETOR DE INTELIGÊNCIA, 2019)

Com isso restou comprovado que o uso do escâner corporal tem o potencial de zerar o
ingresso de ilícitos no interior da unidade. Ainda é cedo para falar que o uso dessa tecnologia torna
o sistema imune ao ingresso de ilícitos, mas os dados coletados são extremamente positivos.
54
5.2 NÚMERO DE PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS QUE CULMINARAM
COM O SANCIONAMENTO DOS SENTENCIADOS POR FALTA GRAVE
Outro dado muito relevante, do ponto de econômico para o Estado, diz respeito ao número
de faltas disciplinares de natureza grave aplicadas na unidade prisional.
Sempre que um sentenciado é surpreendido no interior dos presídios com algum ilícito,
se inicia um procedimento administrativo para se apurar a culpa e o seu grau de envolvimento18.
Nestes casos, os sentenciados são submetidos a um processo disciplinar, presidido pelo diretor do
presídio, sendo ouvidas as testemunhas e o próprio acusado, sempre na presença do seu defensor e,
ao final, se procede um julgamento pelo Conselho Disciplinar da Unidade. Sendo o sentenciado
condenado por cometimento de falta leve, média ou grave, terá consequência à execução de sua pena.
Sendo a falta considerada grave, deverá ser homologada pelo juízo da Vara de Execuções Penais.19
Sendo reconhecido o cometimento de falta grave, o juiz manda fazer o reinício da
contagem de prazo para alguns benefícios. Isso significa dizer que, no mínimo o sentenciado vai
cumprir mais 1/6 da pena remanescente; a depender do quantum da condenação, esta fração pode
significar vários anos a mais de prisão, além disso, com a homologação da falta grave, o juízo da
Vara de Execuções Penais determina, via de regra, o perdimento de 1/3 dos dias remidos já
contabilizados para sentenciado.
Isto exposto cabe dizer que uma falta grave, quando homologada em juízo, é
extremamente prejudicial ao sentenciado, pois atrasa sobremaneira o alcance dos benefícios.
Já para o Estado os prejuízos também são consideráveis, primeiro porque mantém por
mais tempo a existência do custo mensal do sentenciado para o Estado; segundo, considerando-se
que um sentenciado que deixa de progredir de regime acaba continuando no uso de uma vaga que
poderia ser utilizada por outro preso que aguarda nas carceragens superlotadas das comarcas, se
observa que quanto mais faltas graves existem, mais oneroso o sistema se torna para o Estado.
Com relação a este quesito vejamos os quadros comparativos abaixo, levantados a partir
de relatório da unidade prisional:
Quadro 4 – Faltas de natureza grave aplicadas em 2017, 2018 e 2019.
Presos que receberam faltas de natureza grave pelo fato de serem surpreendidos com drogas ou celulares
no interior da PIG.
Nº de presos sancionados em 2017 07
Nº de presos sancionados em 2018 18
Nº de presos sancionados em 2019 com o Body Scanner 02
Fonte: Departamento de Prontuários e Movimentações da PIG (2019)

18
59. Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento,
assegurado o direito de defesa. Parágrafo único. A decisão será motivada. (Lei de Execuções Penais de 1984)
19
Art. 127. Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto
no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Lei de Execuções Penais de 1984)

55
A partir do levantamento dos dados acima observa-se que o número de sanções com faltas
de natureza grave reduziu drasticamente após a entrada em operação do equipamento de scanner
corporal.
Com base nesses dados foi realizado um dimensionamento aproximado de tempo de
prisão que resultou a mais com a aplicação das sanções disciplinares administrativas em virtude de
drogas e celulares.
Quadro 5 – Ampliação de pena em regime fechado
AUMENTO DO CUMPRIMENTO
DATA INTERNO QUANTIDADE
DE PENA NO FECHADO
07/04/2017 --- CELULAR 16 meses
24/04/2017 --- 18 gramas 12 meses
28/05/2017 --- 50,3 gramas 8 meses
--- 04 buchas análoga a
25/08/2017 Falta não homologada na VEP
maconha
25/08/2017 --- 06 tabletes 13 meses
03/09/2017 --- MACONHA 12 meses
25/11/2017 --- 15 gramas 15 meses
09/02/2018 --- 16,7 gramas 24 meses
17/02/2018 --- 30 gramas 6 meses
21/02/2018 --- DROGAS Falta não homologada na VEP
19/03/2018 --- 1,6 gramas Falta não homologada na VEP
19/03/2018 --- 2,2 gramas 11 meses
19/03/2018 --- 16 gramas 6 meses
19/03/2018 --- 16,3 gramas Falta não homologada na VEP
19/03/2018 --- 5 gramas Absolvida pelo tribunal
19/03/2018 --- 0,8 gramas Falta não homologada na VEP
19/03/2018 --- 16 gramas Falta não homologada na VEP
19/03/2018 --- 3 gramas 12 meses
19/03/2018 --- 30 gramas 15 meses
19/03/2018 --- 1,9 gramas 8 meses
03/04/2018 --- 8,3 gramas 6 meses
13/04/2018 --- 0,8 gramas Falta não homologada na VEP
22/04/2018 --- 25 gramas Falta não homologada na VEP
09/05/2018 --- 20 papelotes 3 meses
25/08/2018 --- MACONHA Falta não homologada na VEP
11/01/2019 --- CELULAR Em fase de apuração na VEP
20/02/2019 --- 10g MACONHA Em fase de apuração na VEP
Fonte: Dados da Pesquisa (2019)

Considerando as informações do documento acostado acima se extrai que entre os anos


de 2017, 2018 e os 03 meses de 2019, 14 (quatorze) sentenciados tiveram faltas graves
administrativas homologadas pelo juízo da Vara de Execuções Penais em virtude de flagrantes pelo
porte de drogas e celulares no interior da PIG. Calculando o número de meses que resultaram em
atrasos na progressão de regime tem-se o total de 167 (cento e sessenta e sete) meses a mais de
estadia na PIG (ou outro estabelecimento similar, em caso de transferência).

56
Levando-se em conta o custo médio mensal de um preso para o Sistema Carcerário
Paranaense20, chega-se a cifra de R$ 501.000,00 (quinhentos e um mil reais) de custo pelo atraso nas
progressões de regime apurado no período de 2 anos e 4 meses (28 meses).
Partindo-se do pressuposto de que o aluguel mensal do equipamento é de R$ 9.418,33
(nove mil quatrocentos e dezoito reais e trinta e três centavos) e que, após a instalação não houve
registro de ingresso de substâncias/equipamentos ilícitos, chega-se à conclusão de que em 28 (vinte
e oito) meses o Estado teria um custo de R$ 263.713,24 (duzentos e sessenta e três mil, setecentos e
treze reais e vinte e quatro centavos).
Portanto, além de todos os benefícios apurados em termos de dignidade das pessoas
envolvidas no processo, o escâner tem potencial claro de fazer com que as penas não sejam
ampliadas, o que pode tornar o sistema mais economicamente racional.

5.3 MUDANÇA NO PERFIL DOS VISITANTES


Outro dado deveras importante diz respeito à quantidade de familiares que visitaram a
unidade no mesmo período dos anos de 2017, 2018 e 2019.
Quadro 6 – Visitantes abr./ago. 2017
Presos que receberam visitas divididas por grau de relacionamento na janela compreendida entre, Abril a
Agosto de 2017.
Nº de presos que receberam visitas de cônjuge 21
Nº de presos que receberam visitas de amásia 90
Nº de presos que receberam visitas de outros familiares 320
Nº de presos que receberam visitas de amigos ou namoradas 15
Total de presos que receberam algum tipo de visita 446
Fonte: Relatório do Serviço Social da PIG (2019)

Quadro 7 – Visitantes abr./ago. 2018


Presos que receberam visitas divididas por grau de relacionamento na janela compreendida entre, Abril a
Agosto de 2018
Nº de presos que receberam visitas de cônjuge 13
Nº de presos que receberam visitas de amásia 117
Nº de presos que receberam visitas de outros familiares 329
Nº de presos que receberam visitas de amigos ou namoradas 07
Total de presos que receberam algum tipo de visita 466
Fonte: Relatório do Serviço Social da PIG (2019)

Quadro 6 – Visitantes abr./ago. 2019


Presos que receberam visitas divididas por grau de relacionamento na janela compreendida entre, Abril a
Agosto de 2019
Nº de presos que receberam visitas de cônjuge 26
Nº de presos que receberam visitas de amásia 110
Nº de presos que receberam visitas de outros familiares 372
Nº de presos que receberam visitas de amigos ou namoradas 11
Total de presos que receberam algum tipo de visita 519
Fonte: Relatório do Serviço Social da PIG (2019)

20
Foi utilizado como referência o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). Essa cifra não é exata, mas é a que foi
tornada pública até então (GAZETA DO POVO, 2016; POLITIZE, 2017)
57
Interpretando os quadros comparativos acima se constata que houve um aumento de 11%
no número total de visitantes na PIG, passando, no período pesquisado, de 466 (quatrocentos e
sessenta e seis) visitantes em 2018, para 519 (quinhentos e dezenove) visitantes em 2019.
Já com relação ao ano de 2017 o aumento foi maior ainda, ou seja, passou de 446
(quatrocentos e quarenta e seis) em 2017 para 519 (quinhentos e dezenove) visitantes em 2019. Um
aumento de 14,06%.
Estes dados revelam outro aspecto extremamente relevante. Segundo os relatórios do
Serviço Social da PIG, foi observado que dos percentuais acima, 38,6 % do aumento no número
de visitantes, referem-se a visitantes do sexo masculino, em relação aos mesmos períodos nos
anos anteriores. Constata-se com estes dados que a partir do momento em que se deixou de exigir
que as pessoas se despissem para poder adentrar ao presídio, o número de homens, pais, irmãos, avós
e amigos de presos cresceu consideravelmente.
Esse aumento aponta para caminhos que essa pesquisa não consegue atingir, mas que
merecem ser estudados sobre as perspectivas das masculinidades, do patriarcado e dos estudos de
gênero, pois são reveladores de um bloqueio/relação entre o homem e a nudez perante outro homem.
Somente a título de curiosidade, vale lembrar o profundo tabu envolvendo o exame de toque retal:
Em novembro do ano passado a Sociedade Brasileira de Urologia divulgou uma
pesquisa realizada pelo instituto Datafolha sobre a percepção masculina em relação ao
câncer de próstata e o temido exame de toque. Apesar de 76% dos entrevistados terem
ciência deste tipo de detecção, somente 32% já o fizeram. Os números são mais
alarmantes no nordeste onde apenas 36% dos homens vão ao urologista e na população
de classe D/E, onde 74% nunca fez o exame de toque. (PUCCI, 2019)

Essa relação do homem com o corpo, seja o próprio como o do outro, necessitará de
investigações que lembrem que essa temática também é muito cara ao sistema penitenciário.
Por fim, desses dados se observa o aumento de visitantes cônjuges, casados legalmente,
de 13 (treze) em 2018 para 26 (vinte e seis) em 2019 e a diminuição de visitantes amasias de 117
(cento e dezessete) em 2018 para 110 (cento e dez) em 2019.
Por si só estes dados seriam irrelevantes, entretanto, no caso dos presídios, este dado
ganha contornos de interesse, pois, a prática prisional reconhece que muitas vezes mulheres são
aliciadas para iniciarem um relacionamento fictício com determinados presos solteiros para somente
servirem ao crime organizado como “mulas” com a missão de inserir drogas nos presídios, tratando-
se de um tipo de visitante inconstante.
No sentido oposto, o número de visitantes cônjuges que, via de regra, são mais estáveis
com relacionamentos mais duradouros aumentou. Logo, extrai-se dos dados, que com a dificuldade
de entradas de drogas a partir da instalação do scanner corporal, os relacionamentos fictícios tendem
a diminuir, pois já não interessam mais ao fim inicialmente pensado.

58
6 CONCLUSÃO
O presente artigo, vale lembrar, tem caráter exploratório e, sendo assim, reconhece as
limitações de concluir com base em dados ainda emergentes e tendo como campo somente um
estabelecimento prisional paranaense.
Ao mesmo tempo em que tem limites, está carregado de possibilidades, bem como
consegue auxiliar na epistemologia prisional.
É assunto incontroverso que a revista corporal, com desnudamento total das pessoas,
associado a agachamentos com exposição das partes íntimas, trata-se de procedimento invasivo,
vexatório e inconstitucional; até mesmo o Estado tem plena noção disso.
Um olhar mais apurado e investimento mais maciços no sistema, tendem a trazer impactos
reais e fazer com que o sistema, apesar de mais caro inicialmente, torne-se mais útil posteriormente.
Como restou demonstrado, no trabalho elaborado a partir de relatórios obtidos junto aos
setores técnicos da Penitenciária Industrial de Guarapuava, com a implantação da revista por
procedimento eletrônico, sem desnudamento (tampouco a realização de seguidos agachamentos),
houve mudanças efetivas na realidade prisional: o aumento geral de visitantes, em especial do sexo
masculino; o aumento de visitantes com relacionamentos estáveis; diminuição acentuada
(praticamente extinção) do volume de apreensões de drogas e celulares no interior do presídio e
diminuição de ocorrências de faltas graves administrativas.
Embora a justificativa essencial para o investimento seja sempre a proteção à dignidade
da pessoa humana (o que legitimaria qualquer custo), pois o equipamento traz melhores condições
de trabalho para agentes e melhores condições de visita para os visitantes, o aspecto de economia
financeira mediato não pode ser desprezado.
Por isso a conclusão só pode ser no sentido de que o uso de body scanner precisa
urgentemente ser elevado ao nível de política criminal nacional efetiva, não somente através de
legislações proibitivas da prática vexatória, que muitas não passam de retórica, mas com a instalação
e uso diário.
Mesmo se for considerado o aspecto político-ideológico, o uso dessa tecnologia parece
atender a todos os ‘lados’, traz menor impunidade, maior segurança pública e humaniza o processo
para todos os envolvidos, por isso, mais do que necessária, é uma forma de proteger garantias
fundamentais.
REFERÊNCIAS

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BOURGUIGNON, Jussara Ayres; OLIVEIRA JUNIOR, Constantino Ribeiro de (orgs.). Pesquisa
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59
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CORDEIRO, Silvia. Presos libertam reféns e terminam rebelião em Guarapuava após


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CRUZ, Maria Teresa. Revista íntima ainda acontece em 98% dos presídios paulistas.
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60
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STF. Ministro Fachin vota pela inconstitucionalidade das revistas íntimas em


presídios. 2020. Disponível em:
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. La cuestión criminal. 5. ed. Buenos Aires: Planeta, 2013.

61
AINDA QUE SEJA UMA GOTA NO OCEANO - AÇÕES
POSITIVAS PARA O SISTEMA PRISIONAL

Antonio Alves de Arruda21

Resumo
Se por um ato, entendido como falta de reflexão, ante o egoísmo, a maldade ou a
crueldade sobre os outros e sobre a sociedade, indivíduos são submetidos ao encarceramento e
consequentemente à perda de liberdade, enquanto operadores do sistema prisional, acreditamos que,
o possível caminho para reorganizar a vida se encontra no exercício da reflexão mediado por ações
positivas, pois somente através delas, tais indivíduos, particularmente, possam encontrar razões
suficientes para agir de uma outra forma, ainda que tudo isso, diante da complexidade da natureza
humana e da estrutura social que vive, represente simplesmente, uma GOTA no oceano, de todas as
ações desenvolvidas com eles no sistema prisional . Ações estas como a que temos na Lei 17.329,
de 08/10/2012, que instituiu a “Remição pela Leitura” no âmbito dos Estabelecimentos Penais do
Estado do Paraná, um salto de qualidade enquanto política pública educacional para o sistema
prisional, por agregar elementos importantíssimos na vida de cada um - motivação, incentivo,
aperfeiçoamento linguístico e principalmente a reflexão.

Palavras-Chave: Leitura. Reflexão. Remição da pena.

Resumen
Si por un acto, entendido como una falta de reflexión, frente al egoísmo, la maldad o la
crueldad hacia los demás y hacia la sociedad, los individuos son sometidos a encarcelamiento y, en
consecuencia, a la pérdida de libertad, como operadores del sistema penitenciario, creemos que la
posible manera de reorganizar la vida reside en el ejercicio de la reflexión mediada por acciones
positivas, porque sólo a través de ellos, tales individuos, en particular, pueden encontrar razones
suficientes para actuar de otra manera, aunque todo esto, dada la complejidad de la naturaleza
humana y la estructura social que vive, simplemente representa un DROP en el océano, de todas las
acciones desarrolladas con ellos en el sistema penitenciario. Acciones como la que tenemos en la
Ley 17.329, de 10/08/2012, que instituyó la "Remio pela Leitura" dentro de los Establecimientos
Penales del Estado de Paraná, un salto en calidad como política pública educativa para el sistema
penitenciario, añadiendo elementos muy importantes en la vida de cada uno - motivación, estímulo,
mejora linguística y sobre todo reflexión.

Palabras-clave: Lectura. Reflexión. Remición de la pluma.

21
Licenciado em Filosofia e Pedagogia com Especialização em Filosofia Política e Jurídica pela
Universidade Estadual de Londrina, Pedagogo de Unidade Penal na Penitenciária Estadual de Londrina,
responsável pelo projeto Remição pela Leitura.

62
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Reconhecidamente trabalhamos em um universo complexo, muito difícil de entender,
porque na maioria das vezes, parece estar na contramão do que vê, imagina ou espera a sociedade.
Este texto intitulado “uma gota no oceano – ações positivas para o sistema prisional”,
propõe refletir o que traduz enquanto metáfora, o exercício da execução da pena como uma das
inúmeras ações desenvolvidas no Sistema Prisional, diante da complexa tarefa de possibilitar que
homens e mulheres encarcerados encontrem elementos suficientes que traduzam em condições reais
de verdadeiras escolhas, e de possíveis mudanças pessoais na compreensão de mundo requerido pelo
convívio social.
Uma reflexão para todos, principalmente para os que estão direta e indiretamente
envolvidos na questão, uma vez que não se pode desprezar o entendimento de que enquanto
operadores do sistema prisional, também são absorvidos pela dinâmica do encarceramento, havendo
a necessidade de serem protagonistas do exercício da maneira mais consciente e preparada para o
enfrentamento que o dia-a-dia exige.
Há de se destacar também, que no exercício desta função, todos carregam a missão de
promover o bem estar da sociedade pelo cumprimento e execução da lei.
O terreno que estamos propondo discorrer, trilha sobre o Direito, sobre a Ética e sobre a
Moral presente em cada instante da vida de cada um, para tanto, alertamos e entendemos que este
texto não está isento das mais variadas interpretações, sujeito a possíveis questionamentos ou talvez
de algum mal-estar que venha ocorrer, pois cada um que hora lê carrega dentro de si uma formação,
um entendimento do mundo e da realidade, que de forma alguma queremos mudar, mas
simplesmente favorecer o crescimento e amadurecimento coletivo através da reflexão.
Chaui (2000, p. 443) tratando sobre a Ética em Kant, destacou que “Não existe bondade
natural. Por natureza, diz Kant, somos egoístas, ambiciosos, destrutivos, agressivos, cruéis, ávidos
de prazeres que nunca nos saciam e pelos quais matamos, mentimos, roubamos.”
É desta natureza humana que estamos discorrendo e pasmem todos que, segundo
Schopenhauer (2005, p. 415) no livro “O mundo como vontade e representação” tomo I § 64, afirma
que em essência somos todos iguais.
Não há motivo para alardes, é para isto que, sem grandes pretensões, destacamos a
importância do estudo, da reflexão, do preparo constante, para que o exercício atribuições diárias,
dentro do sistema prisional, possa transformar em verdadeiras políticas públicas, no processo, do que
se pode entender de tratamento penal.
Precisamos reconhecer que também somos humanos, trabalhamos com e como seres
humanos.
Nosso caminho será esse, partindo de algumas considerações sobre a prisão até o
estabelecimento da Lei 17.329, de 8/10/2012 (PARANÁ, 2012) que instituiu a “Remição pela
63
Leitura” no Sistema Prisional do Paraná, considerada aqui, como uma política publica educacional
de ESTADO, que estabelece como marco fundamental no Tratamento Penal através do viés da
reflexão.
Simplesmente é isso, neste momento ímpar de celebração e reconhecimento.

2 A PRISÃO COMO ESPAÇO DE REFLEXÃO


Sem dúvida que a prisão deveria ser um lugar que nunca deveria ser criado, um “mal
necessário” embora esta necessidade surgiu a partir do momento que outras instâncias da sociedade
não foram suficientes para possibilitar um desenvolvimento capaz de garantir que todos pudessem
ser verdadeiramente humanos.
Pedagogicamente falando, a prisão pode ser traduzida como a “escola da dor” cuja
proposta de formação vem pelo principal elemento: a ausência da liberdade.
Argumenta-se que o indivíduo a partir de então e em espaço próprio terá a oportunidade
de aprender tudo aquilo que outras instituições sociais não foram capazes de ensinar.
Acredite ou não, é de fato para o indivíduo, uma experiência sui generis (de
relacionamentos, de higiene, de conhecimento e de moral) suficiente para provocar-lhes uma
reflexão que talvez, possa levar a encontrar um motivo diferente daquele que o colocou neste lugar.
Já para os executores do “tratamento penal” uma responsabilidade de proporções
incalculáveis e fins imprevisíveis, considerando o mundo particular que será criado neste espaço
denominado prisão.
Seria injusto e demasiadamente ingênuo desconhecer todas as instâncias econômicas e
sociais a que todos são submetidos, bem como a complexa estrutura social que foi estabelecida ao
longo da civilização. Valeria a pena citar uma das célebres frases de Bertolt Brecht (2020), poeta
alemão do séc. XX “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às
margens que o comprimem.”
Se por um ato, entendido como falta de reflexão, ante o egoísmo, a maldade ou a
crueldade sobre o outro e sobre a sociedade, indivíduos são submetidos ao encarceramento e
consequentemente deparam com a perda de liberdade, considerada uma das medidas para reparar,
corrigir eventuais danos, entendemos e acreditamos enquanto operadores do sistema prisional, que
através do exercício da reflexão mediado por ações da estrutura educacional, tais indivíduos,
particularmente, possam encontrar razões suficientes para agir de uma outra forma, ainda que tudo
isso, diante da complexidade da natureza humana, represente simplesmente, uma GOTA no oceano
de todas as ações desenvolvidas com eles no sistema prisional.
Ações estas como a que temos na Lei 17.329, de 08/10/2012 (PARANÁ, 2012) que
instituiu a Remição pela Leitura, um salto de qualidade enquanto política pública educacional para
o sistema prisional do Paraná, por agregar elementos importantíssimos na vida de cada um dos
64
apenados participantes - motivação, incentivo, aperfeiçoamento linguístico e principalmente a
reflexão.
Basta recorrer à literatura e pesquisas científicas para comprovar do que expressamos não
são meras divagações.
Curiosamente, observa-se no histórico das prisões desde a primeira experiência de
encarceramento até nos dias de hoje, seja ela praticada através de grilhões, castigos físicos, torturas,
isolamentos e para nós brasileiros, algo mais moderno como a aplicação de Lei de Execução Penal,
há implicitamente objetivos justificados sob o viés de uma possível reeducação.
Ninguém duvida que as prisões existem e nada mais de quem trabalha nela, pode negar
sua existência, por ser o espaço de sua vida também e nestes espaços há objetivos razões que
justifiquem a tarefa de fazer com que homens e mulheres aprendam a respeitar, obedecer e não
transgredir ou contrariar os destinos de alguns da sociedade ou até mesmo da sociedade como um
todo, como afirma Vasconcelos (2011, p. 33). “O Cárcere, como instituição moderna, pode ser bem
compreendido a partir da comunhão de dois modelos explicativos: o do mercado de trabalho de
Rusche e Kirchheimer e o do adestramento à disciplina de Michel Foucault.”
Por outro lado considerando nossas observações, a rotina da prisão mostra algo
importante, ou seja, ainda que a imaturidade de alguns indivíduos ou os fundamentos das
organizações criminosas digam o contrário, é possível observar que grande maioria de homens e
mulheres, no momento que caem em si mesmos ante ao choque de realidade experimentado nos
presídios, lamentam não poder ter visualizado melhor ou refletido, sobre os próprios atos e propósitos
que fizeram parar naquele lugar.
Embora, não para todos e todas, vai existir o momento em que conforme o dito popular
baixar da poeira, tenham a percepção de tudo o que ocorreu.
Também, pela nossa experiência, não podemos negar que surge com isso um paradoxo,
pois de um lado a mesma falta de reflexão que gera um mal-estar e arrependimento, também pode
encontrar motivos suficientemente plausíveis para não arrepender do feito mas que poderia ter agido
de outra forma, são seres humanos. Falaremos em outra ocasião sobre isso.
Independente desta ou de outras razões, é fato, que a sociedade criou e mantém espaços
de privações de liberdade, submetendo pessoas a inúmeros tipos de experiências de vida, sem no
entanto assegurar, que os encarcerados compreendam, reavaliem, reflitam sobre os atos que os
fizeram estar ali, na condição de prisioneiros mesmo sabendo que ali em raras exceções é um lugar
para ficar eternamente.
Responsabilidades à parte, enquanto gestor destes espaços, cabe ao Estado, gerenciá-lo
de tal forma que permita ir além do encarceramento, considerando que cedo ou tarde o retorno destes
indivíduos para a sociedade seja inevitável, restando porém, saber se o tempo ou as práticas de
encarceramento foram suficientes para permitir e garantir um futuro e possível convívio social.
65
Na obra Sobre o fundamento da moral Arthur Schopenhauer (1995, p. 188-189), filósofo
alemão, argumenta ser fundamental entender “que o homem, enquanto essência, nunca mudará”,
sendo necessário que as ações propostas no sistema prisional, deva ir além de qualquer ato de
vingança: é preciso mostrar caminhos para o agir.
É sobre isso que se funda o sistema penitenciário americano: não tem a intenção de
melhorar o coração do criminoso, mas apenas de endireitar-lhe a cabeça, para que ele
chegue à compreensão de que trabalho e honestidade são um caminho mais seguro e
mesmo mais fácil para o próprio bem do que a patifaria. [...] Por meio dos motivos
pode-se forçar a legalidade, não a moralidade. Pode-se transformar a ação, mas não o
próprio querer, ao qual somente pertence o valor moral. Não se pode mudar o alvo
para o qual a vontade de esforça, mas apenas o caminho que ela trilha para atingi-lo
(SCHOPENHAUER, 1995, p. 188, 189).

Dependendo do processo de encarceramento, indivíduos participarão de um ciclo vicioso


se sempre forem submetidos às mesmas condições e motivos que os fizeram ir para a prisão.
Em outras palavras, apesar de todo o período de encarceramento e privação de liberdade,
homens e mulheres continuarão agindo da mesma forma se forem mantidos nas condições sociais de
outrora, servindo as prisões apenas de verdadeiros calabouços, espaço de vingança, casa de
passagem.
Não dar condições para que homens e mulheres preparem para um agir diferente talvez
seja a maior vingança, pois nunca será concedida a possibilidade de ser outra pessoa.
As prisões necessitam ser compreendidas como espaços construídos para aqueles que não
conseguem participar de maneira construtiva da dinâmica social, e que se torna necessário, um tempo
para poder reorganizar seu modo de vida, encontrar motivos superiores para o não descumprimento
do pacto social.
Assim expressa os cadernos do departamento penitenciário do Paraná:
Entre outras questões, essas contradições, essas incoerências entre o Código Penal e a
Lei de Execução Penal resultam no emaranhado em que nós, operadores do tratamento
penal executivo, nos encontramos. Emaranhado que se reflete nos diversos termos por
nós adotados quando nos referimos aos objetivos do tratamento penal. Ora nosso
objetivo é ressocializar, ora recuperar, ora reintegrar e, por que não, ora punir. No
entanto, se quisermos ser coerentes com a Lei de Execução Penal, já que é na execução
da pena que atuamos, o termo mais apropriado dispensa o prefixo re. O termo mais
apropriado para definir o objetivo de nossa atuação no âmbito da execução penal é
simplesmente promover a integração social (FERREIRA; VIRMOND, 2011, p. 20).

Ainda que possa parecer uma pequena gota na imensidão do mar da dinâmica estabelecida
no sistema prisional, uma ação importante tem levantado e destacado com grande êxito: o projeto
remição através do estudo e leitura.
A implantação da Lei 17.329, de 08/10/2012 mais conhecido com o Projeto Remição pela
Leitura vem de encontro a todos esforços estabelecidos por colaboradores que as vezes no silêncio
de suas ações responsabilidades caminham pelo viés da humanização.

66
Conforme expressa o Parágrafo único do artigo 3º da Lei 17.329/12 “O Projeto Remição pela
Leitura deverá ser integrado a outros projetos de natureza semelhante que venham a ser executados
nos Estabelecimentos Penais do Estado do Paraná.” (PARANÁ, 2012).

3 UMA POLÍTICA PÚBLICA


Podemos afirmar que estamos diante de uma política pública de Estado muito importante,
que em momentos como o que estamos vivendo atualmente ante à pandemia de um novo
coronavírus, que causa a doença COVID-19, tem possibilitado aos apenados ainda em maior
isolamento social, exercício e a capacidade de reflexão através da leitura.
A Lei 17.329, de 08/10/2012 instituiu a “Remição pela Leitura” um salto de qualidade
tratando-se de política publica educacional para o sistema prisional, por agregar elementos
importantíssimos no sistema de escolarização. A saber: motivação, incentivo, aperfeiçoamento
linguístico e principalmente reflexão às vezes imperceptíveis ao senso comum.
Conforme advoga o seu artigo Art. 2º (Lei 17.329/12) O Projeto “Remição pela Leitura”
tem como objetivo oportunizar aos presos custodiados alfabetizados o direito ao conhecimento, à
educação, à cultura e ao desenvolvimento da capacidade crítica, por meio da leitura e da produção
de relatórios de leituras e resenhas.
Evidentemente, que o exercício da Leitura, não é uma atividade, trivial, fácil de ser
realizada, como queiram pensar aqueles que talvez nunca a exercitaram, pois exige esforço mental,
enfim uma atividade laboriosa difícil de ser executada, principalmente em um espaço como as
“celas”, cubículos, dentro do sistema prisional.
Quem lê, em um espaço como a celas em sua capacidade máxima de lotação,
interrompido por gritos, barulho de aparelhos de televisão, às vezes suportando algumas
incompreensões dos próprios colegas e realiza todas as atividades propostas, merece algum tipo de
consideração.
Para tanto, no Art. 9º (Lei 17.329/12) estabelece que “o preso custodiado alfabetizado
integrante das ações do Projeto Remição pela Leitura realizará a leitura de uma obra literária e
elaborará um relatório de leitura ou uma resenha, o que permitirá remir quatro dias da sua pena.”
(PARANÁ, 2012).
O projeto de leitura enquanto Lei, estabelece um rito a ser seguido para que se efetive
como Remição da Pena, entendendo que serão dias remidos, não perdoados por ato de benevolência
e sim conquistados através de um esforço intelectual inteligente, diferentemente de qualquer
atividade física ou mental.
Grosso modo, se por um ato, entendido como “falta de reflexão” indivíduos são levados
ao encarceramento, a perda da liberdade, de igual maneira por caminho do exercício da reflexão,
encontrará razões para conquistar a liberdade plena.
67
A reflexão é uma atividade mental, até onde se sabe, própria do ser humano, não é um ato
espontâneo exercitado na mesma proporção por todos os seres humanos, necessitando, porém, ser
construída, treinada exercitada.
Ousamos manifestar que não haveria outro instrumento mais adequado no momento para
efetivar tal exercício da reflexão, nas unidades penais, do que as atividades educacionais – estudo,
leitura, atividades culturais, somadas ao projeto da Remição pela leitura.
Sobre a importância da leitura, Daniela Diana (2020), esclarece:
Quando lemos, ocorrem diversas ligações no cérebro que nos permitem desenvolver o
raciocínio. Além disso, com essa atividade aguçamos nosso senso crítico por meio da
capacidade de interpretação. Nesse sentido, vale lembrar que a “interpretação” dos
textos é uma das chaves essenciais da leitura. Afinal, não basta ler ou decodificar os
códigos lingüísticos, faz-se necessário compreender e interpretar essa leitura.

Não se trata de um passe mágico ou qualquer artifício para provocar uma mudança no
comportamento das pessoas, mas sim oferecer elementos que possibilitem, condições reais de
verdadeiras escolhas, e de possíveis mudanças na compreensão do modus vivendi requerido pela
sociedade, que nem mesmo ela enquanto tal, saberia expressar de forma clara para todos.
Se a convivência social é um fato inevitável faz-se necessário capacitar para tal
enfrentamento e para ser cada vez melhor para consigo mesmo e para com os outros.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda que seja uma gota no oceano de todas as ações praticadas no sistema prisional, as
atividades educativas e dentre elas o projeto remição pela leitura, será sem dúvida um marco
importante na vida do apenado e na execução da Lei de Execução Penal no Estado do Paraná.
Não são poucos, dentre os que participam do projeto, em reconhecer a importância da
leitura na vida deles.
Dizem com satisfação, que é visível perceber novas formas de ver o mundo e a realidade.
Conseguem a partir de então, organizar o pensamento, a reflexão e a participação através
do diálogo. Com certeza não serão os mesmos após exercitar-se em infinitas leituras.
Dados relevantes, são os resultados de desempenhos e participações nos exames
nacionais, como Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos -
ENCCEJA e o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM e concursos vestibulares da região,
muitos conseguem completar os estudos do ensino fundamental e médio, quando não através do
PROUNI e SISU ingressarem em curso superior.
Era comum obterem nota zero, no item redação. Hoje, porém são raros os que não obtêm
o mínimo exigido no item redação, alguns superando médias de alunos que frequentam cursos
regulares e com acesso amplo a todos os canais de informação.

68
Por ser um trabalho desenvolvido com pessoas, pretende-se possibilitar um salto de
qualidade na vida de cada um, acreditando ser significativo enquanto experiência de vida em uma
prisão.
As prisões tomam uma outra dimensão quando aqueles que ali se encontram tem a
capacidade de refletir e reposicionar-se através do conhecimento dos reais motivos que o tornaram
prisioneiros.
Nenhuma política pública se efetiva sem a consciência dos seus operadores, onde todos
têm seus méritos e responsabilidades.
Da logística de distribuições dos livros, da garantia de acesso aos espaços de
acompanhamento, da leitura individual, do acompanhamento didático-pedagógico, da motivação, da
lisura do processo de aplicação e correção, do cumprimento que a Lei estabelece, torna cada vez
mais um projeto de vida no exercício do cumprimento da pena de homens e mulheres em situação
de privação de liberdade e a efetivação de uma política pública de Estado para os operadores da
execução do tratamento penal.
Ainda que possa existir quem não tenha enxergado a plenitude bem como a importância
do projeto, sua efetivação enquanto política pública educacional para o sistema prisional no estado
do Paraná, já representou um marco positivo na vida de muitos participantes, que no mínimo
tornaram bons leitores de livros e da realidade.
O projeto remição pelo estudo e pela leitura é uma realidade para todos nós, ainda que
seja uma gota no oceano de ações desenvolvidas no sistema prisional do Paraná.

REFERÊNCIAS
BRECHT, Eugen Berthold Friedrich. Frase de Bertolt Brecht. Disponível em:
https://kdfrases.com/frase/94270. Acesso em: 5 nov. 2020.

CHAUI, Marilena. A filosofia moral. In: CHAUI, Marilena. Convite a filosofia. São
Paulo: Editora Ática, 2000. Cap. 5.

DIANA, Daniela. A Importância da leitura. Toda Matéria, [S. l.], 2020. Disponível em:
https://www.todamateria.com.br/a-importancia-da-leitura. Acesso em:5 nov. 2019.

FERREIRA, Maria do Rocio Novaes Pimpão; VIRMOND, Sonia Monclaro (org.).


Práticas de tratamento penal nas unidades penais do Paraná. Curitiba: Secretaria de Estado da
Justiça e Cidadania, 2011.

PARANÁ. Lei n. 17.329, 8 de outubro de 2012. Institui o Projeto "Remição pela Leitura"
no âmbito dos Estabelecimentos Penais do Estado do Paraná. Diário Oficial do Estado, Curitiba, n.
8814, 8 out. 2012.

SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. Tradução de


Jair Barboza. São Paulo: Unesp, 2005.

69
SCHOPENHAUER, Arthur. Sobre o fundamento da moral. Tradução de Maria Lúcia
Mello Oliveira Cacciola. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

VASCONCELOS, Karina Nogueira. O cárcere: racionalismo da pena e adestramento do


corpo na modernidade. Curitiba: Juruá, 2011.

70
O ADOECIMENTO DO POLICIAL PENAL NAS UNIDADES
PRISIONAIS

Sebastião Pontes Maciel Junior22


Monica Regina Moreira Zeni 23

Resumo
A precariedade do trabalho tem sido responsável pela piora das condições de saúde. O
policial penal é um trabalhador que realiza serviço público de alto risco, importante para salvaguardar
a sociedade civil. As características das atividades têm grande impacto na vida do policial penal, pois
podem implicar risco à integridade física e mental. A lei estabelece que o servidor trabalhe sob
condições adequadas de salubridade no desenvolvimento de suas atividades funcionais. O presente
artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica que teve por objetivo descrever sobre a importância da
saúde psicológica do policial penal no contexto das unidades penais, através da caracterização deste
fenômeno que é o adoecimento deste profissional com conceitos e definições, forma como ocorre,
sintomas e possíveis danos. Ainda, objetivou-se investigar e descrever as possibilidades de
prevenção e tratamento. O percurso percorrido permitiu identificar a necessidade de elaborar e
instituir uma política pública voltada ao policial penal, e através dela melhorar as condições de
trabalho e possibilitar estratégias de prevenção ao adoecimento.

Palavra-chave: Adoecimento. Saúde Pública. Policial Penal. Prisões.

22Policial Penal - PIG, Psicólogo e Bacharel em Direito, Pós-graduado em gestão e organização de Saúde pública,
Pós-Graduado em Psicologia Jurídica, Pós-Graduando em Direito Penal e Processo Penal e Pós-Graduando em
Direito Constitucional Aplicado. e-mail: smpontes@depen.pr.gov.br

23
Policial Penal – PIG, Tecnóloga em Segurança Pública e Pós-graduada em Gestão Prisional.
e-mail: monicamoreira@depen.pr.gov.br
71
INTRODUÇÃO
O cenário atual do sistema carcerário no Brasil pode ser traduzido por uma desordem de
execução institucional, seja proveniente de condenações transitadas em julgado quanto por prisões
provisórias, tendo como consequência uma explosão demográfica prisional.
Segundo JUNIOR (2020), frente a essa triste realidade, o sistema prisional passa a ter
dificuldade em produzir condições mínimas de garantia dos direitos resguardados pela legislação
especial, Lei de Execução Penal, bem como pela própria Constituição. Pode-se notar que o sistema
carcerário no Brasil vem passando por uma decadência, onde os presídios e delegacias estão
abarrotados de seres humanos em situações de encarceramento sub-humanas: agravamento e
disseminação de doenças infectocontagiosas e ocorrências de rebeliões cada vez mais constantes,
vitimando muitos dos que ali se encontram. Outra consequência visível é o fortalecimento do poder
paralelo das facções criminosas, que passam a comandar as relações dentro das unidades penais,
retratando assim a falência do sistema prisional como um todo. E em meio a esse turbilhão de pressão
se encontra um profissional que muitas das vezes passam desapercebido por nossa sociedade e
também aos olhares de políticas públicas. Muitas vezes só se torna protagonista quando ocorrem
rebeliões, esses profissionais são os policiais penais. O policial penal exerce função baseado em uma
relação integrada: ao mesmo tempo busca promover a ressocialização e reintegração social e atua
em prol da manutenção e preservação da ordem, disciplina e integridade dos apenados.
Segundo SANTOS (2011), podemos destacar que o policial penal exerce um serviço de
utilidade pública tendo como atribuição principal manter a ordem e disciplina dos detentos nas casas
penais. Vigiar os detentos e reclusos implica em: observar e fiscalizar o comportamento para prevenir
quaisquer alterações da ordem interna; impedir eventuais fugas; realizar apreensão de drogas e
celulares; efetuar revistas pessoais nos internos, familiares e visitantes, revistas em veículos que
adentram as unidades prisionais, controle de rebeliões e ronda externa na área do perímetro de
segurança ao redor da unidade prisional, entre outras.
Com todas essas atribuições o policial penal se encontra num grande dilema: diferente do
sujeito julgado por seu ato criminoso, o qual cumprirá parte de sua pena em uma instituição prisional,
progredindo de regime até a liberdade, o policial penal passará muitos momentos de sua vida em
contato com essa massa carcerária possivelmente até sua aposentadoria. O exercício deste ofício
implica a exposição às mazelas desta condição, que envolvem: exclusão, estigma, julgamento social,
assim como falta de reconhecimento e valorização profissional.
Considerando as questões pejorativas das condições de trabalho, estas podem ser terreno
para sofrimento e prejuízo na qualidade de vida.
O presente artigo trata-se de uma pesquisa bibliográfica que teve por objetivo descrever
a importância da saúde psicológica do policial penal no contexto das unidades penais. A referida
descrição foi feita através da caracterização do adoecimento deste profissional com conceitos e
72
definições, forma como ocorre, sintomas e possíveis danos. Ainda, objetivou-se investigar e
descrever as possibilidades de prevenção e tratamento. Os dados coletados para a pesquisa foram
publicações em sites científicos.
O interesse desta pesquisa surgiu a partir da observação do dia a dia do policial penal e
constante queixas de sofrimentos psíquicos e mudanças em seus comportamentos e relações
interpessoais. Outro fator que provocou que instigou a pesquisa foram as rebeliões ocorridas nos
sistemas prisionais que causaram o agravamento desse adoecimento.

REVISÃO HISTÓRICA
Os agentes penitenciários passaram à categoria de policiais penais com a promulgação
da Emenda Constitucional 104, de 2016. A nova norma cria as polícias penais federal, dos estados e
do Distrito Federal.
A classe fica vinculada ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a
que pertencer. (AGÊNCIA DO SENADO 2019). Sendo assim, utilizamos no transcorrer do artigo a
nova nomenclatura de policial penal. Mesmo que com essa mudança, ainda temos um assunto que
não deve ser negligenciado, que é a saúde desse profissional que trabalha nesse ambiente tão
estressante.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde como um estado de completo bem-
estar físico, mental e social, e não, simplesmente, a ausência de doenças ou enfermidades. O conceito
de saúde, como um direito à cidadania, foi expresso na Constituição Brasileira de 1988, seção II, nos
artigos 196, 197, 198 e 199. Abordando o conceito de saúde na perspectiva política, econômica e
social foi dada relevância pública aos serviços de saúde como descritos no artigo 196:
Art.196 A saúde é um direito de todos e dever do estado, garantido mediante medidas
políticas, sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e
recuperação (BRASIL, 1998).

SCARTAZINI (2018), ressalta que esta categoria profissional não é a única que executa
suas tarefas em meio precário e muitas vezes violento. No entanto, há peculiaridades exclusivas ao
sistema prisional. Com isso, questiona o motivo da escolha destes policiais penais em permanecer
neste ofício. Entre as possíveis justificativas, figuram: a estabilidade do serviço público, a
flexibilidade do trabalho em plantões e a possibilidade de conciliar o ofício de policial penal com
outra carreira ou atividade remunerada ou não.
Segundo JASKOWIAK (2015), o policial penal é um trabalhador que realiza um serviço
público de alto risco, importante para salvaguardar a sociedade civil. Em suas atribuições,
desempenha atividades de média complexidade, entre as quais podemos destacar: o planejamento,
organização e execução de serviços de vigilância, custódia e segurança do cidadão em conflito com
a lei recolhido em estabelecimentos prisionais; e também a participação efetiva em programas e

73
ações de apoio ao tratamento penal para sua ressocialização. Suas atividades abarcam: escolta,
disciplina e segurança dos presos; revista e fiscalização da entrada a saída de pessoas e veículos nos
estabelecimentos prisionais; verificação e revista do preso, controle e a conferência diária da
população carcerária em todas as áreas do estabelecimento prisional; supervisão e fiscalização do
trabalho prisional e conduta dos presos, observando os regulamentos e as normas do estabelecimento
prisional em todas as fases da execução penal; realização de atos e procedimentos em resposta às
infrações disciplinares.
As atividades descritas acima têm grande impacto na vida do policial penal, pois podem
implicar risco à integridade física e mental, embora a lei estabeleça que o servidor trabalhe sob
condições adequadas de salubridade no desenvolvimento de suas atividades funcionais. Segundo
CORREIA (2018), o trabalho do policial penal em um ambiente crítico e estressante pode
desencadear uma série de problemas não apenas de saúde motivados pela precarização do local de
trabalho em si e pelo contato constante com os presos.
LOURENÇO (2011), aponta que, além da rotina de trabalho no interior das instituições
prisionais ser tensa e permeada por riscos à saúde, os policiais penais pertencem a uma classe que,
frequentemente, é exposta e compreendida socialmente como portadora de condutas pouco
admiráveis e condenáveis, das quais destacamos a tortura, violência, maus tratos, facilitação de
fugas, corrupção e negligência. Esta compreensão equivocada faz com que o reconhecimento
profissional destes sujeitos seja comprometido por estigmas e generalizações majoritariamente
negativas.
Em seus estudos LOURENÇO (2011), ressalta que, na percepção dos policiais penais, a
sociedade e as autoridades desconhecem o cotidiano prisional e, sendo assim, também não valorizam
devidamente quem nele trabalha. Uma queixa constante, sobretudo de quem está há mais tempo
trabalhando no sistema prisional, é que nunca, ou quase nunca, são ouvidas suas opiniões e/ou
sugestões sobre o funcionamento da unidade prisional, ou ainda de como melhorá-lo.

CAUSA DE ADOECIMENTO DO PROFISSIONAL


A precariedade do trabalho tem sido responsável pela piora das condições de saúde.
Segundo RUMIM ( 2006 ), algumas situações relacionadas à organização do trabalho refletem nas
causas de adoecimento do profissional da área penal, entre as quais podemos destacar: composição
do salário mensal por proporção significativa de gratificações; restrição no pagamento dessas
gratificações em caso de acidente do trabalho e doença profissional; uma melhor abertura e vontade
do governo na discussão sobre a implantação de planos de ascensão profissional (plano de carreira);
precariedade e insuficiência da cobertura oferecida pelo plano de saúde destinado aos policiais
penais; restrição na oferta de serviços em Psicologia pela cobertura securitária de saúde profissional;
funcionamento moroso das práticas institucionais que permitem a permuta de trabalhadores entre as
74
unidades penitenciárias estaduais; intensificação do ritmo de trabalho em razão do quadro de
funcionários reduzido; e o abrigo de sentenciados acima da possibilidade de lotação das
penitenciárias.
Segundo BONEZ (2017), a ansiedade é causada pelo fato do policial penal estar
constantemente submetido a situações de pressão e desconforto, a desvalorização ou falta de
reconhecimento da população de sua importância e papel social. Estes fatores, aliados à sobrecarga
de atividades, acarretam na conversão dos sintomas psicológicos para o corpo, como maneira de
manifestar essa frustração. O corpo torna-se alvo e sintomatiza todos os sofrimentos, gerando uma
degradação da integridade física e psíquica.
RUMIM (2006) também ressalta que as vivências de ansiedade relacionadas à execução
do trabalho, a contaminação do espaço fora do trabalho pelo risco de violência pessoal e de seus
familiares, a impregnação da identidade dos trabalhadores por aspectos pejorativos vinculados à
violência e à ocorrência de afecções psicossomáticas, como a hipertensão arterial, determinam a
degradação do quadro geral de saúde dos policiais penais.
Para CORREIA (2006), os perigos presentes na vida do policial penal levaram a terem
uma mudança de vida forçada, adotando mecanismos de adaptação a fim de se defender de tais
perigos e ameaças. Dentre as alternativas usadas pelos policiais para tentarem se proteger, destaca-
se a omissão da profissão, bem como de sua identidade profissional, não expondo assim de forma
alguma seu colete de identificação profissional, nem mesmo em casa quando lava e põe para secar
no sol, a fim omitir qualquer informação que possa levar ao seu endereço. A família dos policiais
penais também segue na mesma linha defensiva, sendo instruída para não falar sobre a profissão do
policial nem mesmo atender qualquer chamado de estranhos que possam vir até a sua casa. Além
disso, ficar alerta com telefonemas estranhos e carros suspeitos também faz parte desse cuidado.
Conforme CORREIA (2006), o policial penal, por sua vez, vem recebendo toda essa carga
de riscos internos e externos, de expectativas, sentimentos de ansiedade e angústia, o que contribui
significativamente para o adoecimento psíquico e físico deste profissional, interferindo ainda em seu
ambiente familiar, social e profissional.
Para SELIGMANN (2011), dentre as variáveis associadas ao afastamento do trabalho por
adoecimento, independentemente de sua duração ou diagnóstico, podemos destacar os aspectos sócio
demográficos (sexo feminino, idade avançada, ser solteiro, baixa escolaridade, baixo padrão
socioeconômico) dificuldades financeiras, sendo esses fatores adversos externos ao trabalho e
condições de trabalho no que podemos apontar os turnos vespertino-noturno e noturno, tipo de
emprego e tempo na função, mais de um vínculo de trabalho e ao mesmo tempo ter vínculo de
trabalho como servidor público, trabalho com cargas físicas exaustivas, ritmo acelerado de trabalho,
condições ambientais desfavoráveis.

75
DOENÇAS QUE ACOMETEM OS POLICIAIS PENAIS
O limite de tempo não permite discorrer sobre todas as possíveis doenças que podem
acometer o policial penal, porém apontamos as que apareceram com maior frequência nos estudos e
merecem atenção: transtorno mental comum; Síndrome de Burnout; depressão; e prisionização.
Conforme LIMA (2019), os transtornos mentais e comportamentais estão entre as
principais causas de ausência no trabalho, causando perdas anuais médias de 200 dias de trabalho.
Esses quadros são frequentes e comumente incapacitantes. O trabalhador acometido por sofrimento
mental tende a demorar mais tempo para retornar ao mercado de trabalho do que trabalhadores com
outras patologias.
Segundo LIMA (2019), os transtornos mentais comuns, também chamados de transtorno
mental não psicótico, provém de um conjunto de sintomas decorrentes do desempenho cotidiano de
atividades consideradas estressoras.
O transtorno mental comum apresenta sintomas como insônia, fadiga, irritabilidade,
esquecimento, dificuldade de concentração e queixas somáticas, que demonstram ruptura do
funcionamento normal do indivíduo. SANTOS (2010), preceitua que, no Brasil, várias pesquisas têm
revelado alta prevalência desses transtornos nas populações estudadas, cujas consequências,
individuais e sociais, demonstram a necessidade de identificação precoce para orientar intervenções
individuais e coletivas. O Transtorno Mental Comum não discrimina gênero, classe social, ocupação
e grau de escolaridade.
Síndrome de Burnout, também conhecida como Síndrome do Esgotamento Profissional,
é um desgaste que prejudica os aspectos físicos e emocionais da pessoa, levando a um esgotamento
profissional. O distúrbio foi mencionado na literatura médica pela primeira vez em 1974, pelo
psicólogo norte-americano Freudenberger.
O distúrbio se manifesta quando a relação com o trabalho acaba se transformando em
estresse, ansiedade e nervosismo intenso. Levada ao seu limite, físico e/ou emocional, a pessoa acaba
sentindo-se extremamente cansada, desmotivada e esgotada. Porém, através de tratamento pode ser
contornado e amenizado (PSICOLOGIA VIVA 2020).
Segundo KIAI (2019), a Síndrome de Burnout é resultante de exposição crônica e mal
gerenciada ao estresse no ambiente de trabalho, e composta por três dimensões de sintomas a qual
destacamos: sensação de exaustão, esgotamento ou falta de energia; distanciamento mental;
sentimento de negativismo ou um certo cinismo em relação ao trabalho; e redução da eficácia
profissional.
A depressão é uma doença psiquiátrica crônica e recorrente que produz uma alteração do
humor caracterizada por uma tristeza profunda, sem fim, associada a sentimentos de dor, amargura,
desencanto, desesperança, baixa autoestima e culpa, assim como a distúrbios do sono e do apetite.
(CADASTRO INTERNACIONAL DE DOENÇAS-CID 10 – F33)
76
É importante distinguir a tristeza patológica daquela transitória provocada por
acontecimentos difíceis e desagradáveis, mas que são inerentes à vida de todas as pessoas, como a
morte de um ente querido, a perda de emprego, os desencontros amorosos, os desentendimentos
familiares, as dificuldades econômicas.
De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS, 2003), até 2020 a depressão será
a principal doença mais incapacitante em todo o mundo. Segundo SOBRINHO (2012), para o
indivíduo ser diagnosticado como deprimido devem estar presentes pelo menos cinco dos sintomas
acima, sendo que um deles tem que ser tristeza ou perda do interesse em atividades antes prazerosas,
com duração mínima de duas semanas.
O sistema prisional traz inúmeros efeitos negativos a todos que frequentam o interior das
prisões sendo importante destacar os efeitos da prisionização nos policiais penais. Segundo
THOMPSON (2002), os policiais penais também são afetados pelo fenômeno da prisionização, pois
abandonam os padrões de suas vidas fora da prisão para adotar os valores que estão estabelecidos
nesta. THOMPSON (2002), “reforça a assertiva de que o processo de prisionização não se restringe
apenas à massa carcerária”, pois que, pela força e impregnação do sistema social existente, intenso
e predominante, o policial penal acaba por sofrer influências e é arrebatado por esta cultura prisional
diversa da sua.

CONCLUSÃO
Conclui-se necessário pensar em uma política pública voltada ao policial penal. Política
essa que deve estar direcionada às melhorias nas condições de trabalho, assim como promover a
prevenção e os cuidados necessários ao que tange o adoecimento desse profissional. É muito
importante que tenhamos meios de apoio voltado a saúde física e psicológica destes profissionais,
levando em conta o serviço estressante e de extrema pressão.
Não se pode esquecer da valorização deste profissional através das devidas remunerações,
progressões e promoções, que figuram como um estímulo para que o profissional sinta orgulho do
seu trabalho, e não frustrado e angustiado por não ver atendidas suas expectativas.
As evidências de sofrimento psíquico e o acometimento por sintomas físicos e
comportamentais geram preocupação e revelam a necessidade de se aumentar o número de estudos
voltados para a saúde dos policiais penais. Estes estudos devem ser realizados com o intuito de
prevenir transtornos e aliviar as constantes tensões e pressões presentes na rotina de trabalho destes
profissionais. É primordial neste processo, a efetiva participação da gestão pública para olhar com
mais atenção para a situação em que trabalham esses profissionais, e começar a implementar medidas
a fim de minimizar ao máximo essa situação, pois a realidade é preocupante.
Os policiais penais estão adoecendo, o trabalho para eles virou sofrimento, ameaça, lugar
de insatisfação, muitos estão perdendo sua saúde e sua vida, porém continuam na labuta, diariamente
77
a postos para prestar os seus serviços, lutando por melhorias nas condições de trabalho, merecendo
assim o devido reconhecimento e valorização profissional.
Trata-se de um assunto de grande relevância e inovador no meio prisional, pois despertou
no pesquisador a necessidade de alertar sobre os possíveis sofrimentos psicológicos que afetam a
vida pessoal e profissional do policial penal.
Considerando sua complexidade, consideramos que tal fenômeno deve ser estudado pelas
áreas da psicologia, saúde e direito, de modo a contribuir no trabalho multidisciplinar, aumentar a
disposição da sociedade de aprimorar o conhecimento sobre o mesmo, e estimular a realização de
novas pesquisas e intervenções de modo que contribuam para construção e efetivação de políticas
públicas voltadas aos policiais, aos seus familiares e também aos profissionais do sistema
penitenciário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

79
A PANDEMIA E O SURGIMENTO DE NOVAS
TECNOLOGIAS NO COMBATE AOS CELULARES EM
ESTABELECIMENTOS PENAIS: O SISTEMA INTRUSIVO

Willian Vieira Costa Zonatto


André R. Paganotto

Resumo
Com a pandemia, causada pela COVID-19, novas tecnologias foram desenvolvidas,
dentre elas o Sistema Intrusivo. Esta ferramenta tem como objetivo geral a retirada de aparelho
celular do interior dos estabelecimentos penais através da identificação e monitoração dos aparelhos
celulares pelo sistema desenvolvido, seguida de buscas preordenadas realizadas pelos policiais
penais. O projeto piloto apresentado no formato de relato de experiência adotou a metodologia
qualitativa de análise de dados através do estudo de caso em uma Cadeia Pública do Estado do
Paraná. A utilização dos aparelhos celulares no interior dos estabelecimentos é crítica e um desafio
para a administração prisional. Neste sentido, o Sistema Intrusivo soma-se às ferramentas já
existentes de combate ao ingresso de celulares nos estabelecimentos penais. Como resultados,
destaca-se a produção de relatório ao gestor prisional com informações como a detecção e
localização de aparelhos celulares ativos e redes wifi disponíveis ao alcance do ambiente interno do
estabelecimento penal estudado.

Palavras-chave: Pandemia, Novas Tecnologias, Sistema Intrusivo, Sistema


Penitenciário, Aparelhos celulares, Segurança Pública, Política Pública, Relato de Experiência.

80
INTRODUÇÃO
O ano de 2020 inicia com uma preocupação mundial. A Organização Mundial de Saúde
(OMS) declarou em 11 de março de 2020, o princípio de uma pandemia que afetaria o mundo
incessantemente: COVID – 19. (UNA-SUS, 2020).
A pandemia mudou nossas vidas, trouxe novas formas de lidar com o dia a dia, de se
relacionar e trabalhar. Pensando nisso, várias empresas buscaram se adaptar às novas realidades para
sobreviver no mercado. Mais de 700 mil empresas fecharam durante a pandemia que afetou e
continua afetando todos os setores econômicos, especialmente o comércio e serviços. Principalmente
no caso das pequenas empresas, gerando milhões de desempregados conforme as pesquisas do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2020).
Várias medidas foram e ainda estão sendo tomadas pelo poder público para diminuir a
contaminação por COVID – 19, dentre elas a proibição de aglomeração de pessoas em locais
públicos. Assim, buscando contribuir socialmente com a questão, a empresa DELTORO
desenvolveu de forma inovadora um sistema que possibilita o mapeamento e monitoramento de
pessoas em locais previamente determinados. Por intermédio dos aparelhos celulares que estiverem
portando é possível fazer o acompanhamento sem, contudo, invadir os direitos relacionados à
privacidade e locomoção.
O sistema desenvolvido tinha o objetivo inicial de identificar situações que possam estar
influenciando na qualidade de vida de uma população. Nesta perspectiva, cria e disponibiliza uma
base de dados centralizada que permita unir informações de diversos segmentos, como comércio e
segurança pública.
A fim de contribuir com a fiscalização realizada pelo Poder Público, o sistema teve sua
aplicação ampliada. A empresa desenvolvedora foi instigada sobre a possibilidade de adaptar este
sistema no combate ao uso de telefones móveis no interior dos Estabelecimentos Penais. Esta
adaptação recebeu a denominação de Sistema Intrusivo.
Ressalta-se que o uso de aparelhos celulares no interior dos estabelecimentos penais
brasileiros está cada vez maior. Contudo, ainda que existam ações de controle pelo Poder Público
para coibir tal ação criminosa, percebe-se que por vezes não é satisfatório. O ingresso de celulares
nos estabelecimentos penais e o seu uso pelos presos são contra a lei. O uso proibido dos aparelhos
movimenta uma rede criminosa para inserir os celulares no interior do estabelecimento penal. Desta
forma, permite que os criminosos continuem praticando as atividades delituosas que os levaram para
a prisão, mas, do interior do presídio.
Em uma busca rápida em sites de notícias é possível confirmar como está caótica esta
situação, para Ferreira e Kuehne (2009) nenhum dos estados brasileiros está livre de tal prática, por
se tratar de um dos mais graves e complexos problemas que desafiam a Administração Penitenciária

81
das unidades da federação, especialmente pelas consequências maléficas que resultam desse
ingresso.
São variadas as maneiras que são adotadas pelos criminosos para o ingresso do aparelho
celular. Sendo por meio de visitantes, arremessos, funcionários, terceirizados, pombo correio, entre
outros, vale ressaltar que em todos os casos citados há ocorrências comprovadas. Enfim, a
imaginação é fértil e o modus operandi variados.
Cabe à Administração Prisional de cada Estado adotar uma estrutura de pessoal e de
equipamentos de segurança, com a finalidade de coibir a entrada de aparelho celulares. Tais como
body scanner, raio x, revista pessoal minuciosa, trabalho de investigação e serviço inteligência,
ferramentas estas que estão entre as mais utilizadas. Entretanto, os números de apreensões de
celulares demonstram que o seu ingresso obtém sucesso, restando ao gestor prisional tomar medidas
adicionais para a retirada de aparelhos celulares do interior dos estabelecimentos penais.
Comumente, a fim de coibir e retirar os aparelhos celulares que por ventura estejam na
posse dos presos, efetua-se uma busca minuciosa realizada através de revista geral que, ordenada ou
às cegas, em busca de objetos ilícitos em toda a estrutura do estabelecimento penal. Esta espécie de
ação depende de uma gestão operacional efetiva, levando em consideração a equipe sempre reduzida
e o tempo que esta ação leva, nem sempre tem bons resultados.
Em razão da eficácia integral inalcançada, o Sistema Intrusivo pode ser considerado mais
uma ferramenta à disposição da Administração do sistema prisional. Desta forma, se tornam
possíveis o monitoramento, localização e apreensão dos aparelhos celulares indesejados, de maneira
inteligente e eficiente. O sistema proposto tem um baixo custo de instalação, mas um alto valor
agregado, visto que ao combater o uso de celulares pelos presos no interior dos estabelecimentos
penais, contribui-se para com a diminuição da criminalidade e bem-estar da sociedade.
Portanto, nesta oportunidade, a experiência vivenciada com a aplicação do Sistema
Intrusivo no estabelecimento penal escolhido foi reproduzida neste artigo e apresenta como objetivo
geral um sistema tecnológico que visa retirar aparelhos celulares do interior dos estabelecimentos
penais. Os objetivos específicos são amplos e visam instalar uma rede de monitoração por placas
com tecnologia de sondagem wifi, com o intuito de mapear e monitorar com precisão os aparelhos
em funcionamento, promovendo meios para o Policial Penal realizar a apreensão dos aparelhos
celulares e por fim, permite que o Diretor do estabelecimento penal cumpra o seu dever de vedar ao
preso o acesso ao aparelho telefônico.

82
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado a partir da descrição precisa do funcionamento e aplicação do
Sistema Intrusivo em uma Cadeia Pública do Estado do Paraná24, a experiência relatada teve início
das atividades em 30 de abril de 2020 e está ativo até a presente data com autorização do
Departamento Penitenciário do Paraná.
Os materiais utilizados para colocar o sistema em prática foram uma Placa de
Desenvolvimento Wifi Bluetooth ESP32 , um roteador Wifi e o exclusivo sistema intrusivo com
tecnologia de sondagem de redes (Probe). Há disponibilidade de aluguel mensal das placas, estimado
em R$135,00 por item, sendo que a quantidade necessária de placas para se ter um monitoramento
efetivo e de qualidade poderá ser confirmada apenas após realizada uma avaliação de ambiente.
A metodologia de pesquisa adotada, na perspectiva de Yin (2001), é a qualitativa com a
realização de Estudo de Caso, uma vez que ocorre uma investigação empírica de um fenômeno
contemporâneo.
Sobre o estudo de caso vale ressaltar que se trata de uma tipologia de pesquisa que
“investiga um caso particular constituído de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos em um
contexto específico. É um estudo naturalístico porque estuda um acontecimento em um ambiente
natural e não criado exclusivamente para a pesquisa” (PAIVA, 2019, p. 65).
Paiva (2019) menciona que o estudo de caso possui fases, neste sentido, se adequa
perfeitamente ao estudo do projeto em questão. As fases podem ser denominadas definição de
problema, delineamento da pesquisa, coleta de dados, análise de dados e composição e apresentação
de resultados.
O Sistema Intrusivo funciona a partir de um pacote de sondagem Wi-Fi que é um quadro
especial enviado por um dispositivo, solicitando informações de um ponto de acesso específico,
identificado pelo nome de rede ou de todos os pontos de acesso na área, determinados com os nomes
de rede visível. A maioria dos dispositivos smartphones utiliza uma varredura ativa de redes Wi-Fi,
enviando uma série de pacotes de sondagem para redes visíveis (FREUDIGER, 2015).
Através da instalação de uma pequena placa estacionária capaz criar redes Wi-Fi locais
sem acesso à internet externa, é feita a ativação da busca ativa dos smartphones da região, que por
sua vez, encaminham pacotes de sondagem para essa estação. A estação pode forçar mudanças de
nomes e religamentos para estimular novos envios de pacotes de sondagem. São capturados dos
pacotes de sondagem apenas duas informações, um identificador do dispositivo de rede do
smartphone e a força do sinal do aparelho de envio. Há uma padronização dos identificadores de

24Estabelecimento Penal mantido em sigilo para não comprometer a continuidade do projeto piloto, bem como
não expor o gestor e os servidores públicos.
83
rede, administrada pela IEEE (Institute of Electrical and Electronics Engineers) que define regras
para que esses dispositivos sejam unicamente identificáveis (CROW,1997).
A força do sinal representa a qualidade relativa de um sinal de dispositivo da região e
indica o nível de potência de um pacote recebido, possibilitando assim, através de equações de
propagação de sinais, a definição de definir uma distância aproximada do dispositivo que enviou o
pacote. Desta forma, é possível verificar a existência de um dispositivo em um determinado local e
sua distância aproximada do equipamento de sondagem. A detecção dos dispositivos pode ser
acompanhada através de um painel de controle que auxiliará o agente a analisar o local que o
smartphone foi utilizado e sua proximidade.
RESULTADOS
Através do monitoramento de 04 pontos específicos da Cadeia Pública, foi possível
detectar um grande fluxo de MAC - código que identifica o hardware de um equipamento e informa
quantos celulares ativos estão buscando rede, no Sistema Intrusivo em 120 horas de monitoramento.
O sistema foi instalado permitindo o monitoramento em tempo real de cada região e um
determinado raio, permitindo também a análise em diversas regiões ao entorno dos equipamentos na
Cadeia Pública. O total de 04 dispositivos instalados conseguiu monitorar o fluxo de 92 aparelhos
celulares internamente e nos arredores de toda a Cadeia Pública. Vale ressaltar que dentre os 92
aparelhos celulares existem aqueles pertencentes aos servidores que tem autorização de utilizar em
áreas administrativas, porém foram capturados pelas placas.
Vale ressaltar que está à disposição e incluída como uma das ferramentas do Sistema
Intrusivo, a validação dos aparelhos celulares de todas as pessoas que possuem autorização de acesso
ao Estabelecimento Penal. Através de um QR CODE é realizada a leitura de todas as informações
técnicas do aparelho de celular do servidor com acesso autorizado. As informações ficam
armazenadas em um banco de dados com MAC- DATA- HORÁRIO DE ENTRADA - MARCA DO
DISPOSITIVO e são filtradas e analisadas conforme interesse do gestor prisional.
A instalação do sistema forneceu uma série de dados em tempo real da utilização indevida
de smartphones, a partir do telhado os equipamentos também detectaram uma série de redes Wi-Fi,
que podem estar fornecendo aos detentos uma forma de conexão à internet.

84
Figura 1 e 2 — Redes detectadas no telhado da cadeia pública

Além disso, os testes realizados nos dias 03/06/2020 e 07/06/2020, demonstram de forma
ordenada o registro dos seguintes MACs, com maior número de registro para o menor, os horários
específicos em que estavam em operação, incluindo as distâncias em que os aparelhos celulares estão
das placas instaladas.

85
Figura 3 — Lista de dispositivos detectados no sistema intrusivo

DISCUSSÃO
De posse das informações demonstradas na análise dos resultados, é possível que o gestor
prisional execute operações pontuais, preordenadas e direcionadas que visam a retirada dos aparelhos
celulares.
Não é possível comparar os achados deste estudo com outro que tenham os mesmos
objetivos gerais e específicos. O motivo está relacionado ao fato de não ter sido encontrado projeto
semelhante aplicado no Sistema Penitenciário brasileiro.
Certamente, o estudo em questão acrescenta uma alternativa nova no combate ao ingresso
e utilização de celulares nos estabelecimentos penais brasileiros. Pode ser considerado um forte
aliado à Administração Prisional, somando-se as ferramentas já existentes.
De acordo com a Lei de Execução Penal, art. 39 I e VI, constituem deveres do preso o
cumprimento fiel da sentença ou decisão judicial, bem como a sua submissão à sanção de privação
de liberdade imposta pelo Juiz, (BRASIL, 1984).
Portanto, não há o que se falar em descumprimento dos direitos de comunicação do preso
com o mundo exterior, existe, o que evidentemente, salvo determinação judicial, não pode ocorrer
86
por intermédio de aparelhos celulares ou similares que permita a comunicação, mas sim, através da
correspondência escrita, leitura e alguns outros meios de informação que não comprometam a moral
e os bons costumes, conforme art. 50, XV da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984).
São alguns exemplos de comunicação permitida ao preso com o mundo exterior os
televisores e rádios, alternativa prevista no art. 56, II da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984).
Igualmente, o art. 49, II do Estatuto Penitenciário do Paraná cita os mesmos equipamentos como
recompensa àqueles que possuem bom comportamento (PARANA, 1995).
Da mesma maneira, o art. 50, X da Lei de Execução Penal evidencia que comunicação
com seus entes familiares também é possível, não com aparelhos celulares ou meios similares, mas
através das visitas sociais do cônjuge, companheira, parentes e amigos em datas determinadas pela
direção do estabelecimento penal (BRASIL, 1984).
Se torna importante destacar que a comunicação com o mundo exterior, bem como com
seus familiares e amigos, poderá ser restringida pelo Diretor do estabelecimento, desde que exista
uma motivação para tal, o que geralmente está relacionada com as sanções possíveis decorrentes de
condutas indisciplinares dos presos, contidas no art. 50 da Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984).
Uma das condutas disciplinares que gera consequências aos presos é justamente a posse,
uso ou fornecimento de aparelho telefônico que permita a comunicação com outros presos ou com o
ambiente externo, previsto no art. 50, VII da Lei de Execução Penal, sendo sancionado com uma
falta grave (BRASIL, 1984).
Apesar de tipificadas no art. 349 – A do Código Penal as condutas de ingressar, promover,
intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico em estabelecimento penal, fica a
cargo da autoridade administrativa do estabelecimento penal previsto no art. 319 – A do Código
Penal o dever de vedar a comunicação do preso com o mundo exterior por intermédio de aparelho
celular, incorrendo em prevaricação se assim não o fizer (BRASIL, 1940).
Diante de tais comprovações, evidencia-se que o sistema INTRUSIVO é mais uma
ferramenta à disposição dos gestores prisionais para a localização e retirada dos aparelhos telefônicos
do interior dos estabelecimentos penais, bem como o devido andamento dos procedimentos cabíveis
no sentido de apurar o seu ingresso.

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YIN, Robert K. Estudo de Caso: planejamento e métodos. Tradução de Daniel Grassi. 2


ed. Porto Alegre: Bookman, 2001.

88
MONITORAMENTO ELETRÔNICO:
COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÃO ENTRE OS
ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA COMO
FERRAMENTA NECESSÁRIA À SEGURANÇA PÚBLICA
Renan Barbosa Lopes Ferreira25

Resumo
O crescimento da população carcerária no Brasil e, em especial, no Estado do Paraná traz
a necessidade de debate acerca de métodos alternativos à prisão que garantam a preservação da
dignidade da pessoa humana e promovam a ressocialização do indivíduo e sua reinserção social com
programas de “front door” e “back door”. A monitoração eletrônica surge como método tecnológico
que reduz o custo decorrente da massa carcerária e permite o controle de indivíduos sujeitos à medida
diversa da prisão. Os debates relacionados à dignidade da pessoa humana pela vigilância constante
são superados ao se concluir pela primazia da liberdade em detrimento à segregação em ambientes
rotineiramente violadores de direitos. A eficácia depende da atuação do Estado para manutenção da
sensação de vigilância constante e respeito às restrições impostas pelo Poder Judiciário. A Lei do
Sistema Único de Segurança Pública prevê o compartilhamento de informação entre os seus órgãos
integrantes, não havendo, portanto, respaldo normativo para a imposição do sigilo constante das
resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional de Política Criminal e
Penitenciária que impeça a atuação conjunta das polícias como ferramenta estatal de controle social.
Palavra-chave: monitoramento eletrônico, monitoração de pessoas, tornozeleira
eletrônica, sigilo das informações, lei do sistema único de segurança pública, back door, front door,
finalidade da pena, ressocialização, dignidade da pessoa humana.

Abstract
The growth of the prison population in Brazil and, especially, in the State of Paraná,
brings the need for debate about alternative methods to prison that guarantee the preservation of the
humans dignity and promote the resocialization of the individual and their social reintegration with
“front door” and “back door” programs. Electronic monitoring emerges as a technological method
that reduces the cost of the prison mass and allows the control of individuals subject to different
measures of imprisonment. The debates related to the dignity of the human person through constant
vigilance are overcome by the primacy of freedom at the expense of segregation in environments
that routinely violate rights. Effectiveness depends on the action of the State to maintain a sense of
constant vigilance and respect for restrictions imposed by the Judiciary. The Law that creates the
Public Security System establish the sharing of information between its member bodies, therefore,
there is no normative support for the imposition of confidentiality contained in the resolutions of the
National Council of Justice and the National Council for Criminal and Penitentiary Policy that
prevents the joint performance of the police as a state tool for social control.
Key-words: eletronic monitoring, people monitoring, confidentiality, Law of public
security system, back door, front door, dignity of the human person, vigilance, resocialization.

25
Especialista em Direito Público pela Escola de Magistratura Federal (2010), Ex-Professor da FAFIT de Direito
Penal das Faculdades Integradas de Itararé (FAFIT - 2018). Aluno do MBA em Investimentos e Private Bank do
Ibmec e Infomoney. Delegado de Polícia Civil e Chefe da Assessoria Jurídica do Departamento Penitenciário do
Estado do Paraná (DEPEN).
89
1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo apresentar a monitoração eletrônica como ferramenta
útil para o Estado aperfeiçoar as políticas públicas voltadas à ressocialização de presos, já que a
prisão, na forma como vem sendo historicamente utilizada, não tem conseguido atingir a finalidade
de controle social.
Pretende-se inicialmente abordar o conceito da prisão e a discussão doutrinária acerca da
ressocialização como método científico no âmbito do direito penal, analisando-se a evolução do
número de detentos no Estado do Paraná nos últimos 02 (dois) anos com o objetivo de retratar a
necessidade de debates técnicos e acadêmicos acerca de medidas alternativas à prisão.
A monitoração eletrônica, como alternativa ao encarceramento, deve ser estudada em
diversos aspectos, em especial o ético e funcional, pois de um lado se tem um indivíduo sendo
rastreado em tempo real e do outro o Estado no anseio de reprimir eventuais deslizes. O equilíbrio
desta situação representa o principal debate para a segurança pública.
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Polícia Criminal e
Penitenciária (CNPCP) vêm adotando medidas para submeter a obtenção dos dados à reserva de
jurisdição, embora inexista previsão legal neste sentido, de modo que se faz imprescindível uma
análise jurisprudencial acerca do tema após o devido cotejo normativo.
Por fim, com a apresentação dos diversos enfoques acerca deste tema tem-se a
importância de um debate que preserve direitos e garanta à sociedade uma efetiva aplicação da lei
penal, de modo que a utilização da monitoração eletrônica não sirva somente para transferir a
responsabilidade do Sistema Penitenciário à sociedade.26

2 A NECESSIDADE DE ALTERNATIVA À PRISÃO

A prisão como forma de isolamento social vem sendo debatida em virtude da constante
evolução histórica, a qual remonta período tão antigo quanto a história da humanidade. Independente
da força de coerção aplicada como meio sancionador, não se atingiu o objetivo de impedir a prática
de novos crimes pelo indivíduo penalizado ou até mesmo pelos demais que temeriam eventuais
algozes.
Neste sentido Cezar Roberto Bitencourt destaca que “[...] se pode afirmar, sem exagero,
que a prisão continua em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena
privativa de liberdade [...]”27. Esta constatação se dá em um ambiente de ínfima efetividade da
prisão como método impeditivo de novos crimes e, consequentemente, elevado índice de
reincidência.
A partir disso deve-se ter em mente o conceito da própria pena que vem evoluindo de
acordo com o tempo. Em seu conceito originário tem por pressuposto aplicar a retribuição punitiva,
promover a reinserção social e prevenir novas transgressões como forma de prevenção. Neste sentido
André Estafam e Victor Eduardo Rios Gonçalves:
“É a retribuição imposta pelo Estado em razão da prática de um ilícito penal e consiste
na privação ou restrição de bens jurídicos determinada pela lei, cuja finalidade é a

26
CAIADO, 2014, p. 31-34.
27
BITENCOURT, 2018, p. 603.
90
readaptação do condenado ao convívio social e a prevenção em relação à prática de
novas infrações penais” (2018, p. 491).

Por outro lado René Ariel Dotti sustenta que a única função da pena é prevenir e punir,
embora reconheça a necessidade de se pensar além daquilo ordinariamente proposto:

“Não é cientificamente adequada a declaração formal de que a execução da pena e da


medida de segurança deve ter, como objetivo nuclear, a emenda, a recuperação ou a
reinserção comunitária do infrator. Os textos constitucionais e legais em tal sentido
são muito criticados frente à constatação dos elevados índices de reincidência. No
entanto, considerando-se que a pena criminal - assim como todo o Direito Penal - deve
ter uma função socialmente útil, a perspectiva de modificação pessoal do condenado
não pode ser marginalizada do quadro da execução” (2010, p. 518).

A partir desta discussão Rogério Greco sintetiza que a ressocialização é um problema


político social e somente com a atuação dos órgãos legitimados será possível resolvê-la. Isto porque
a capacitação do indivíduo no interior do estabelecimento prisional precisa estar devidamente
acompanhado de oportunidades no “mundo exterior”, sob pena de inexistir propósito
ressocializador.28
Com a superlotação dos presídios em todo o país e a constatação da ineficiência deste
método constritivo adveio a necessidade de se buscar alternativas à prisão nos moldes atuais. Isto
está intrinsecamente relacionado ao alto custo do preso e a constatação pelo Estado de que a
construção de ambientes para segregação de pessoas em condições adequadas representa gastos
elevados com a manutenção destes espaços, desde a alimentação até custo com pessoal.
Paulo Iász de Morais e Felipe Pinheiros Nascimento ao analisarem a situação do mutirão
carcerário conduzido pelo Conselho Nacional de Justiça no Estado de São Paulo observaram um
elevado número de processos sem julgamento, outra quantidade relevante em carga com o Ministério
Público e, principalmente, um déficit de vagas de 62.574 (sessenta e dois mil, quinhentos e setenta e
quatro) em 2012.29
Esta situação demonstra a falta de planejamento e estrutura sistêmica que ultrapassa os
limites do Poder Executivo, o qual, por sua vez, se vê em constante necessidade de aumento de vagas
para fazer frente à demanda por encarceramento. Veja-se a evolução do número de presos no Estado
do Paraná entre os anos de 2018 a 2020 segundo dados do Departamento Penitenciário:

DATA DPC DEPEN TOTAL


16/03/2018 10963 19135 30098
16/07/2018 11469 20364 31833
16/10/2018 11248 20547 31795
16/03/2019 11927 21145 33072
16/07/2019 7094 26926 34020
16/10/2019 6006 28187 34193
16/03/2020 5505 27887 33392
16/07/2020 4999 26925 31924
16/10/2020 5062 28950 34012
TABELA 01 - Quantitativo de presos no Estado do Paraná

28
GRECO, 2018, p. 593.
29
MORAIS; NASCIMENTO, 2014, p. 55.
91
Conforme se observa houve uma redução do número de presos sob responsabilidade do
Departamento de Polícia Civil (DPC), notadamente ante a transferência de gestão decorrente do
Decreto Estadual n.º 11.614/2018. Por outro lado, houve um aumento significativo do total de presos
que corresponde a 13% (treze por cento) da quantidade original.
Neste mesmo período o Departamento Penitenciário informou que não houve a conclusão
e consequente entrega de qualquer estabelecimento penal novo, ou seja, o incremento no número de
presos e deu no mesmo espaço físico, projetando-se as consequências da superlotação.
Há conclusão de obras previstas para 2020 e 2021 que, segundo o Departamento
Penitenciário, resultarão, no primeiro ano em aumento de 1.099 (um mil e noventa e nove) vagas e,
no segundo, em 3.509 (três mil, quinhentas em nove) vagas, totalizando 4.608 (quatro mil, seiscentos
e oito) novas vagas para no Estado.
Este incremento, como se observa pela TABELA 01, representa pouco mais que a
evolução do número de presos nos últimos 02 (dois) anos, ou seja, mantendo-se o atual crescimento
da população carcerária observa-se que pouco será o alívio com a entrega das obras no atual estágio
de encarceramento.
Esta afirmação é igualmente decorrente de uma reflexão constante acerca do
encarceramento como ferramenta social, fazendo um contraponto ao que se pretendia com a
construção destes estabelecimentos. Segundo Michel Foucault, a prisão era encarada, ao menos em
seu ideal, como uma forma de transformar os indivíduos:
“[...] Como não seria a prisão imediatamente aceita, pois se só o que ela faz, ao
encarcerar, ao retreinar, ao tornar dócil, é reproduzir, podendo sempre acentuá-los um
pouco, todos os mecanismos que encontramos no corpo social? A prisão: um quartel
um pouco estrito, uma escola sem indulgência, uma oficina sombria, mas, levando ao
fundo, nada de qualitativamente diferente.Esse duplo fundamento - jurídico-
econômico por um lado, técnico-disciplinar por outro - fez a prisão aparecer como a
forma mais imediata e mais civilizada de todas as penas. [...]” (1997, p. 261-272).

Esta visão, atualmente ultrapassada de um mecanismo institucional que servia como


técnica corretiva imediata vem sendo gradualmente substituída por métodos alternativos que
priorizem a reinserção do indivíduo no mercado de trabalho, sua capacitação educacional e ações
que restrinjam o encarceramento apenas a casos graves.
Neste cenário surge a monitoração eletrônica. Caiado sustenta a importância de um
programa de “front door” e “back door” de monitoração eletrônica como forma de executar a pena
fora dos limites físicos de um presídio, porém, com eficácia reestruturante na sua vida social:
“Deste modo, um programa front door de ME está associado a manobras que sujeitam
um deliquente a uma pena a executar fora dos muros da prisão, fiscalizada com ME,
evitando assim a sua entrada nos sistema prisional; por regra, decorre de uma decisão
judicial. Um programa back door de ME consiste no esforço de desvinculação de um
condenado no sistema prisional, onde já cumpriu parte da pena, passando para a
comunidade com ME; este tipo de decisões oscila entre a decisão jurisdicionalizada
nos ordenamentos jurídicos de tipo francófono-latino e a decisão de uma parole board,
organismo independente, nos anglo-saxónicos” (2014, p. 30).

Por outro lado, o que se deve ter em mente é que o fato de determinado indivíduo estar
segregado em sua casa por ordem judicial, ainda que com monitoração eletrônica, não é suficiente
para impedir que cometa qualquer comportamento delituoso30, ou seja, esta não é uma ferramenta

30
CAIADO, 2014. P. 33.
92
com um fim em si mesma, de modo que se trata tão somente de um dispositivo tecnológico que serve
de apoio à justiça criminal responsável pela execução da pena.

3 DOS DADOS DE RASTREAMENTO DO MONITORADO COMO


FERRAMENTA PARA SEGURANÇA PÚBLICA

A monitoração eletrônica de pessoas é realizada, em sua grande maioria, com


mecanismos fixados no tornozelo do indivíduo monitorado por ordem judicial. Este equipamento
possui um sistema de telecomunicação que, mediante triangulação com as antenas das operadoras de
telefonia, informa em tempo real a localização de determinada pessoa, salvando o histórico para
consultas posteriores.
Atualmente estes equipamentos são dotados de “[...] A-GPS (assisted GPS), uma
combinação entre GPS e redes de telecomunicações móveis (GSM ou GPRS). [...]”31. A versão de
radiofrequência anteriormente utilizada foi substituída para permitir o acompanhamento do
deslocamento dos indivíduos que são autorizados a saírem de seus imóveis.
Com a monitoração eletrônica o Estado passa a deter dados em
tempo real da localização de diversas pessoas, estabelecendo-se debates éticos e funcionais acerca
disso. Com o objetivo de ilustrar a quantidade de pessoas sujeitas a esta fiscalização, traz-se dados
fornecidos pelo Departamento Penitenciário do Estado do Paraná:

DATA TOTAL
16/03/2018 6556
16/07/2018 7197
16/10/2018 7500
16/03/2019 7073
16/07/2019 7693
16/10/2019 7831
16/03/2020 8658
16/07/2020 10551
16/10/2020 10954
TABELA 02 - Quantitativo de Monitorados no Estado do Paraná

Sob o enfoque ético tem-se a utilização da monitoração como a primeira ferramenta


investigativa de verificação de possível responsabilidade criminal. Há uma ânsia social em verificar
se em determinada cena do crime esteve alguém com tornozeleira eletrônica e que, portanto, em
virtude deste estigma, pode ser apontado como culpado. Igualmente se verifica um rastreio de
movimentação ininterrupta, apontando todos os locais onde determinada pessoa passou ainda que
não constitua violação às restrições judiciais.
A primeira situação se assemelha ao preconceito étnico-racial, criando um estigma social
que dificulta a própria finalidade da monitoração eletrônica, reduzindo significativamente as chances
de ressocialização e reinserção social.
Já no aspecto funcional não há dúvidas de que a segurança pública anseia pela utilização
irrestrita desta ferramenta, pois permite a rápida ação dos órgãos policiais no combate ao crime

31
CAIADO, 2014, p. 24.
93
quando se tratar de reiteração criminosa pelo indivíduo monitorado. No mesmo sentido tem-se como
imprescindível esta utilização nos casos de crimes de violência doméstica, pois no momento em que
o Juízo Criminal determina o afastamento do monitorado do local da residência ocupada pela vítima,
é inegável a necessidade de um aparato policial para evitar a ocorrência de crime mais grave quando
a restrição é violada.
À míngua de previsão legal acerca da restrição do compartilhamento das informações de
localização de monitorados para auxiliar os demais setores da segurança pública, tem-se a
importância de referido “[...] debate sobre a tensão entre liberdades e a invasão da privacidade e a
compressão dos direitos civis [...]”32.
Isto é imprescindível porque se está diante de um cenário de fiscalização do indivíduo
pela Polícia Penal como órgão essencial à segurança pública e a sua função precípua de
ressocialização; e, em paralelo, a necessidade de que os monitorados tenham consciência de que
estão sendo vigiados e devem cumprir as restrições judiciais, em especial nos crimes de violência
doméstica, sob pena de se tornar uma medida inócua e desacreditada.
Nuno Caiado ao lecionar acerca da necessidade de se estabelecer um paradigma de
monitoração eletrônica eficiente discorre acerca da imprescindibilidade da existência de ferramentas
de fiscalização:
“[...] Assim, mais tarde ou mais cedo, será compreendido que a ME necessita de
integrar a probation, tal como esta requererá instrumentos mais intensos de fiscalização
com parte da sua intervenção ressocializadora e de proteção do público e das vítimas.
[...]” (2014, p. 44).

O autor observa a surpresa de gestores de monitoração eletrônica ante a manutenção da


prática delitiva por indivíduos que integram grupos criminosos ou quando se está diante de
criminalidade mais sofisticada, organizada ou financeira, mesmo que utilizem equipamentos de
monitoração33, o que demonstra a necessidade de envolver todo o aparato Estatal nesta solução
tecnológica, sob pena de inviabilizá-lo.
É imprescindível que a ameaça exercida pela observação sobre o monitorado seja
valorizada, de modo que se houver uma confiança frágil do indivíduo sujeito a esta medida, aumenta-
se o nível de coerção pelo Estado. Neste contexto Caiado destaca:
“A ameaça é uma parte ingrante da pena ou medida; para ser funcional, a pessoa
vigiada deve sentir a presença do outro lado, a entidade vigilante; esta, por sua vez terá
que dispor de protocolos de reação que inclusive sejam do conhecimento genérico dos
vigiados, o que tende a ser profilático de violações comportamentais. Do mesmo
modo, é imprescindível possuir mecanismos legais de apreciação e decisão rápida
sobre os descumprimentos pelas autoridades competentes para tal, judiciárias ou
administrativas, sob pena de ser potenciada uma escalada transgressiva devido á
ausência atempada de reações” (2014, p. 34).

Este debate ético foi igualmente travado nos Estados Unidos da América, onde em 2014
estimava-se um total aproximado de 120.000 (cento e vinte mil) indivíduos monitorados, “[...] pois
os efeitos negativos foram considerados inferiores aos positivos, a exemplo a manutenção do
emprego e o convívio familiar do monitorado.”34.

32
CAIADO, 2014, p. 42.
33
CAIADO, 2014, p. 26.
34
MORAIS; NASCIMENTO, 2014, p. 57.
94
No Brasil critica-se o monitoramento pela dificuldade das autoridades conseguirem
capturar os condenados que rompem os equipamentos eletrônicos. 35 Esta presunção de parte da
doutrina parte de um pressuposto que há compartilhamento das informações para garantir a constante
ameaça ao monitorado, porém, esta não tem sido a realidade.
No âmbito do Estado do Paraná houve um debate judicial que resultou na proibição de
compartilhamento dos dados da monitoração eletrônica pelo Departamento Penitenciário (DEPEN)
com os demais órgãos de segurança pública, causando sérios prejuízos à atuação de Centros
Integrados que tinham por objetivo atuar de forma célere nas violações de determinações judiciais
evitando, em especial, crimes de violência doméstica.
A questão está inserida na Resolução n.º 5 de 10 de novembro de 2017 do Conselho
Nacional de Polícia Criminal e Penitenciária (CNPCP):
Art. 24 – O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos
servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em
virtude de suas atribuições
Parágrafo único – Eventuais solicitações de informações sobre pessoas monitoradas,
para fins de investigação criminal, deverão ser requeridas formalmente à autoridade
judiciária competente.

A Resolução n.º 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, a qual trata da audiência de


custódia e concessão de medidas cautelares diversas da prisão, tem a mesma previsão normativa:
Art. 10. A aplicação da medida cautelar diversa da prisão prevista no art. 319, inciso
IX, do Código de Processo Penal, será excepcional e determinada apenas quando
demonstrada a impossibilidade de concessão da liberdade provisória sem cautelar ou
de aplicação de outra medida cautelar menos gravosa, sujeitando-se à reavaliação
periódica quanto à necessidade e adequação de sua manutenção, sendo destinada
exclusivamente a pessoas presas em flagrante delito por crimes dolosos puníveis com
pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos ou condenadas por outro
crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do
caput do art. 64 do Código Penal, bem como pessoas em cumprimento de medidas
protetivas de urgência acusadas por crimes que envolvam violência doméstica e
familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com
deficiência, quando não couber outra medida menos gravosa.
Parágrafo único. Por abranger dados que pressupõem sigilo, a utilização de
informações coletadas durante a monitoração eletrônica de pessoas dependerá de
autorização judicial, em atenção ao art. 5°, XII, da Constituição Federal.

O Decreto Federal n.º 7.627/2011 igualmente prevê o sigilo da informação, indicando que
o acesso às informações será restrito aos servidores que atuam no setor responsável do Departamento
Penitenciário Nacional:
Art. 6º O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo dos
dados e das informações da pessoa monitorada.
Art. 7º O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos
servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em
virtude de suas atribuições.

Já no âmbito do Estado do Paraná há o Decreto Estadual n.º 12.015/2014 que prevê o


acesso ao restrito aos servidores, porém, com o destaque ao compartilhamento dos alertas de violação
com os demais órgãos integrantes da Secretaria de Segurança Pública:
Art. 1º Fica criada no âmbito da Secretaria de Estado da Justiça, Cidadania e Direitos
Humanos – SEJU – a Central de Monitoração Eletrônica, visando a aplicação das Leis
Federais n. 12.258, de 15 de junho de 2010 e 12.403, de 04 de maio de 2011; Decreto
Federal nº 7.627, de 24 de novembro de 2011 e demais disposições legais aplicáveis.
§ 1º Sem prejuízo de requerimento que possa ser formulado pelo preso, seu defensor,
Ministério Público ou Defensoria Pública, cabe à Secretaria de Estado da Justiça,
Cidadania e Direitos Humanos – SEJU -, com a participação da Secretaria de Estado

35
FONSECA, 2012, P. 94.
95
da Segurança Pública – SESP - indicar aos Juízos respectivos (de Execução Penal ou
Juízo processante) os presos passíveis de serem monitorados eletronicamente na forma
da legislação citada no caput bem como quanto aos demais considerandos, assim como
articular o relacionamento administrativo com os demais órgãos que compõem o
Sistema de Justiça – Poder Judiciário; Ministério Público; Ordem dos Advogados do
Brasil, Seccional do Paraná e Defensoria Pública Geral do Estado do Paraná
[...]
Art. 4º À Central de Monitoração Eletrônica de Presos, dentre outras atribuições,
compete:
[...]
II - compartilhar alerta institucional com a Secretaria de Estado da Segurança Pública
- SESP no caso de transgressão das determinações emanadas dos Juízos;
[...]
IV - repassar informações aos órgãos do sistema de Justiça especificados no § 1º do
art. 1º deste Decreto.
[...]
Art. 10. O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos
servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhecê-los em
virtude de suas atribuições

Esta situação de compartilhamento de informação do Departamento Penitenciário do


Estado do Paraná com a Polícia Militar do referido Estado foi objeto de questionamento judicial,
ocasião em que o Juízo da Corregedoria dos Presídios do Foro Central da Comarca da Região
Metropolitana de Curitiba vetou qualquer intercâmbio. 36 Esta determinação foi difundida por
intermédio da Resolução n.º 225/2019-SESP/PR, que disciplinou:
Art. 1º. Disponibilizar aos policiais civis e militares estaduais o acesso on-line, em
nível consulta, das rotinas, a seguir descritas, da plataforma do Sistema de
Monitoração Eletrônica com o objetivo de expandir a fiscalização de indivíduos
monitorados:
[...]
§3º. Fica proibida a utilização de informações sobre pessoas monitoradas, para fins de
investigação criminal, sem autorização expressa da autoridade judiciária competente.

Em outra decisão judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná envolvendo ação


penal instaurada a partir de informação compartilhada pela Central de Monitoração Eletrônica, o
Juízo Criminal da 1ª Vara Criminal da Comarca de Ponta Grossa declarou inconstitucionais os atos
infralegais que impuseram sigilo absoluto, ou seja, acesso restrito à prévia autorização judicial dos
dados de monitorados que praticaram ilícitos:
[...] No caso, a requisição de informações à Central de Monitoramento foi providência
adotada pela autoridade policial, a fim de se esclarecer as circunstâncias do crime e
identificar o possível autor. Tal situação não está entre as hipóteses de cláusula de
jurisdição (a busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), a interceptação telefônica (CF, art. 5º,
XII) e a decretação da prisão de qualquer pessoa, ressalvada a hipótese de flagrância
(CF, art. 5º, LXI), e se mostrou diligência pertinente e razoável, não se tratou de
violação infundada, à intimidade, pelo contrário, conduziu à localização e
identificação do autor do crime, o qual, inclusive, confessou a prática delitiva.
Destaca-se que a Polícia, como órgão de Segurança Pública e detentora do chamado
poder geral de polícia, possui uma série de diligências discricionárias, que permitem à
Autoridade Policial tomar as providências para o esclarecimento dos fatos (art. 6° do
CPP), viabilizando-se o acesso direto a certas informações, em defesa ao interesse da
coletividade e da ordem pública.
[...]
Quanto às resoluções expostas pela Defesa, sabe-se que a Constituição dispõe que a
lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades (art. 144, §7°),
de modo que, como bem ressaltou o Ministério Público mov. 66.1), a matéria
concernente à eventual vedação do acesso aos dados de monitoramento eletrônico,
para órgãos de segurança pública, revela-se como algo reservado à lei específica.
Normas infralegais, que têm a função única de regulamentação de comandos legais
prévios, não podem criar vedações às ações estatais, cuja atuação está salvaguardada
pela Constituição Federal, como explicitado anteriormente. [...] (TJPR, 2020, online).

36
TJPR, 2019, online.
96
Esta decisão foi submetida à recurso, ocasião em que a Desembargadora Relatora em seu
voto sustentou a inexistência de ilicitude no compartilhamento da informação, afastando a
sigilosidade estabelecida por intermédio das Resoluções do Conselho Nacional de Política Criminal
e Penitenciária e do Conselho Nacional de Justiça:
[...] Ainda, não se pode olvidar que a Lei nº 12.527/2011 (Lei de Acesso às
Informações) aduz em seu artigo 4º, inciso III, que “informação sigilosa é aquela
submetida temporariamente à restrição de acesso público em razão de sua
imprescindibilidade para a segurança da sociedade e do Estado”. Ainda, na mesma
Lei, o artigo 25, §1º, descreve que “o acesso, a divulgação e o tratamento de
informação classificada como sigilosa ficarão restritos a pessoas que tenham
necessidade de conhecê-la e que sejam devidamente credenciadas na forma do
regulamento, sem prejuízo das atribuições dos agentes públicos autorizados por lei.”
Diante de tais explanações, destaca-se que, no presente caso, as informações obtidas
pela Central Monitoramento Eletrônica apenas serviram de complemento para as
investigações realizadas, conforme documentos acostados aos movs. 1.1 a 1.13, com
o fim de se esclarecer as circunstâncias do crime e identificar o possível autor. [...]
(TJPR, 2020, online).

Este cotejo de normas encontra respaldo na Emenda Constitucional n.º 104/2019 que
incluiu a Polícia Penal no rol de órgãos integrantes da segurança pública. Isto porque o
compartilhamento de informações entre os órgãos de segurança pública é preceito primário da Lei
n.º 13.675, de 11 de junho de 2018, que institui o Sistema Único de Segurança Pública.
Henrique Hoffmann Monteiro de Castro igualmente debate a diferença entre a
sigilosidade de um dado, ou seja, a impossibilidade de divulgação da informação apresentada, e o
seu compartilhamento com órgãos integrantes da segurança pública; e a reserva de jurisdição, ou
seja, imprescindibilidade da existência de ordem judicial para que determinada informação passe a
integrar uma investigação:
[...] Nesse ponto, importante fazer uma distinção básica. O sigilo não se confunde com
cláusula de reserva de jurisdição. O fato de o dado ser sigiloso, por dizer respeito à
intimidade e vida privada, não significa que necessariamente demande prévia ordem
judicial para ser acessado. Diferentemente da comunicação de dados, a Constituição
não pediu obrigatoriamente outorga judicial para acesso aos dados em si, não
permitindo que a privacidade se equiparasse a uma intangibilidade informacional que
inviabilizasse a persecução penal.
Ou seja, o legislador ordinário pode perfeitamente admitir o acesso direto, por algumas
autoridades (mediante poder requisitório) e no interesse da investigação criminal, a
certos dados sigilosos. Esse acesso direto pela autoridade estatal não ocorre por
simples curiosidade e não torna o torna público o dado, não lhe retirando o segredo.
Em outras palavras, o conhecimento da informação pelo Estado-Investigação não
acarreta sua publicização, que continuará longe dos olhos de curiosos. Tais dados não
são blindados por um sigilo tão rígido que exija ordem judicial para ser quebrado, e ao
mesmo tempo não são completamente desprovidos de segredo (não são públicos) —
ficando inacessíveis à população em geral. Longe de configurar mero capricho estatal,
traduz o cumprimento do dever de investigação criminal e garantia da segurança
pública, sem olvidar dos direitos fundamentais. [...] (CASTRO, 2017).

Os dispositivos constantes de Resoluções que estabelecem a reserva de jurisdição para


obtenção dos dados de monitorados representam inovação normativa contrária à Lei 13.675/2018,
bem como desprezam a necessidade de efetividade na fiscalização de indivíduos pelos órgãos de
segurança pública, dispensando uma ferramenta importante para investigações e, principalmente,
para garantia da ordem pública, em especial quando se está diante de restrições judiciais impostas
em medidas cautelares de proteção à violência doméstica.
Por fim, ainda que seja legalmente possível o compartilhamento da informação, atividade
deve ser pautada por transparência e procedimentos de qualidade que assegurem a integridade da

97
monitoração eletrônica, adotando-se medida de prevenção à corrupção e cartas éticas de conduta aos
envolvidos.37

4 CONCLUSÃO
A análise dos dados fáticos demonstra um crescimento significativo no número de presos
no Estado do Paraná, de modo que a discussão acerca de um método alternativo à prisão se mostra
contemporânea e imprescindível para segurança pública e saúde financeira dos cofres públicos.
A monitoração eletrônica de indivíduos surge como um conceito tecnológico eficaz para
auxiliar a execução penal e o direito penal. Ainda que haja críticas acerca da violação da dignidade
da pessoa humana por submeter o monitorado ao escrutínio público38, não há dúvidas de que esta
alternativa representa uma diminuição do encarceramento e, portanto, por diminuir a “[...]
dessocialização decorrente do cárcere é plenamente compatível com a dignidade humana,
merecendo ser aplicada”39.
Para isso, com o objetivo de se apresentar um mecanismo eficaz de justiça penal é
fundamental o envolvimento das demais polícias, porém, igualmente deve-se buscar o envolvimento
social com organizações públicas ou não governamentais (ONGs), vez que essencial para o
enquadramento das situações e a reação a problemas40, nos mesmos moldes do que se busca quando
se trata da Justiça Restaurativa.
Independente do modelo que se adote, ou seja, com a integração das demais forças de
segurança pública, é inquestionável que para a eficácia deste mecanismo eletrônico na prevenção de
crimes deve-se estar diante de “[...] aparelhagem orgânica significativa (acompanhamento
psicossocial e articulação policial, porventura através da articulação dos sistemas informáticos,
gerando problemas de natureza ética de outra natureza.”41.
Não há qualquer dúvida da necessidade do envolvimento das Polícias quando se está
diante de crimes de violência doméstica, ocasião em que a ação estatal precisa se dar de forma
emergencial no caso de descumprimento de áreas de exclusão ou proximidade com a vítima. Isto
demonstra que a sigilosidade prevista nas Resoluções do CNJ e CNPCP incrementam os riscos
sociais e não encontram conforto no ordenamento jurídico.
Com a transformação do Departamento Penitenciário em Departamento de Polícia Penal
torna-se inquestionável a representatividade deste na segurança pública e, portanto, observados os
princípios da Lei do Sistema Único de Segurança Pública, o compartilhamento de informação não
representa qualquer violação de sigilo, mas, de fato, uma atuação do Poder Público que contribui
para a própria eficiência da monitoração eletrônica.
Por fim, a atuação conjunta dos órgãos de segurança pública previstos no artigo 144 da
Constituição da República é imprescindível para a preservação do estado democrático de direito, em
especial para garantia da ordem pública e incolumidade das pessoas, cuja integridade pode ser
preservada com ferramentas tecnológicas que se antecipam a eventual violação de bem jurídico,
como é o caso da monitoração em situação de violência doméstica. O compartilhamento de

37
CAIADO, 2012, p. 182.
38
WEISS, 2008, p. 146.
39
FONSECA, 2012, p. 124
40
CAIADO, 2014, p. 46.
41
CAIADO, 2014, p.30-31.
98
informação, portanto, não representa violação ao sigilo de dados quando se dá entre órgãos públicos
cuja finalidade é a garantia da segurança pública e efetividade do próprio controle exercido com o
método alternativo à prisão.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 24. vol. 1. 24ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2018.

BRASIL. Decreto n. 7.627, de 24 de nov. de 2011. Regulamenta a monitoração eletrônica


de pessoas prevista no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e
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100
"RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS EM PRISÃO FEMININA:
DADOS EMPÍRICOS ADVINDOS DA ESCUTA
PSICOLÓGICA".

Ma. Karine Belmont Chaves42

“Aquilo que é mais pessoal é o que há de mais geral”


(ROGERS, 1987)

Resumo
Este é um relato sobre mulheres atendidas numa prisão feminina, extraídos dos
atendimentos psicológicos realizados. Apresenta um pouco das experiâncias destas mulheres na
prisão, relacionando-se com outras. Traz reflexões acerca das relações homossexuais entre mulheres
na prisão e de suas características.

Palavras-chave: homossexualidade, mulheres presas, escuta psicológica

Abstract
This is an account of women treated in a female prison, extracted from the psychological
treatments performed. It presents a little of the experiences of these women in prison, relating to
others. It brings reflections about homosexual relations between women in prison and their
characteristics.

Keywords: homosexuality, women in prison, psychological listening

42
Psicóloga do DEPEN/PR, atua há cerca de 18 anos com pessoas presas. Licenciatura e Formação de Psicólogo
pela Universidade do Sagrado Coração (USC). Especialização em Psicologia Clínica pela Universidade de São
Paulo (USP). Mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteiras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE), campus Foz do Iguaçu. Doutoranda do mesmo programa UNIOESTE. Ministra aulas de Psicologia
jurídica em cursos de graduação e pós-graduação. Atuou como instrutora da ESPEN PR. Integra a Associação
Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ). Temas de interesse: sistema prisional, tratamento penal, direitos humanos,
análise e prevenção da violência, criminalidade, avaliação e perícia psicológicas, entre outros. E-mail:
karinechaves@depen.pr.gov.br
101
Este é um relato sobre mulheres atendidas na prisão. Baseado na experiência advinda da
prática profissional, revela conteúdos expressos através de falas atendimentos psicológicos
realizados em uma penitenciária feminina do interior do Paraná. Possui nuances que remetem a uma
etnografia (cuja etimologia é composta pela palavra grega ethno, que remete à povo, cultura e
graphein, que corresponde a escrever), que, por sua vez, na antropologia, bem como em outras
ciências sociais, é reconhecida como um estudo decorrente do registro descritivo da cultura, de
características de determinado grupo, ou, como consta em dicionários online como MICHELIS: é
um ramo da antropologia que trata da origem, das cacacterísticas antropológicas e sociais das
diferentes etnias.
A sociologia também reconhece como um “privilégio” ser pesquisador e poder estudar,
sendo pessoa pertencente ao espaço estudado, como é o caso de muitos de nós, funcionários públicos.
A vivência decorrente do trabalho e de sua observação cuidadosa nos apresenta informações
preciosas no caminho de compreensão das pessoas que ali se encontram e/ou das relações que ali se
estabelecem ou são estabelecidas, o que, para alguns autores, também é possível e valorizada pela
possibilidade de existir uma maior confiança nas suas confissões, pelo interlocutor.
Também nesta escrita, encontramos algo fenomenologia, como uma possibilidade, uma
nova metodologia, a da razão sensível, onde interessam os fenômenos propriamente ditos, as
relações, seus sentidos e expressões.
(…) Os sonhos individuais e coletivos são feitos de alegrias e dores. Esses sonhos
transbordam cada vez mais da vida privada e ocupa, em massa, a praça pública. Um
pensamento que sabe acompanhar-lhes os meandros é, certamente, o mais capacitado
a deixar entrever-se a emoção, o sofrimento, o cômico, que é próprio de uma vida que
não se reconhece no esquema preestabelecido,, de um racionalismo de encomenda.
(MAFESSOLI, 1998,p. 29)

O atendimento psicológico, através de uma de suas ferramentas, tão intrínseca como é a


escuta psicológica, possibilita esse desvelar-se, esse desnudar-se, esse revelar-se, que favorece não
só o autoconhecimento daquela que é atendida, como favorece a compreensão da subjetividade
humana, aos que sobre ela se debruçam a estudar e aos que por ela também podem alçar maior
compreensão da natureza humana e das suas vicissitudes. Não se pretende, por óbvio, ao descrever
alguns casos, criar quaisquer máximas de expressão da totalidade, mas simplesmente dar
visibilidade à diversidade que possa existir e, neste caso, existe também em prisões.
Quando as pessoas são presas, elas são levadas às delegacias e posteriormente podem ser
encaminhadas para as unidades prisionais onde poderão aguardar o julgamento e posteriormente,
cumprirem suas penas caso sejam condenadas, sendo o DEPEN (Departamento Penitenciário), o
órgão responsável pela custódia das pessoas presas e também, destinado ao cumprimento das
diretrizes da execução penal, dispostas na LEP (Lei de Execução Penal). No momento em que dão
entrada são coletados seus dados pessoais e demais informações para seu registro de cadastro no
sistema prisional, inclusive com fotos da sua pessoa, bem como de suas marcas corporais,

102
identitárias, como as cicatrizes e tatuagens, por exemplo. Neste momento, um profissional,
normalmente agente penitenciário, realiza o procedimento e também questiona, acerca de seu estado
civil, bem como de sua orientação sexual (condição afetivo/sexual), visto que na atualidade já
existem recomendações dos órgãos que circundam a execução penal, acerca do tratamento destinado
à população LGBT nas prisões, como a Resolução Conjunta nº 1 de 15 de abril de 2014 do CNPCP
(Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) e do CNCD/LGBT (Conselho Nacional de
Combate à Discriminação e a diretoria de Promoção dos Direitos LGBT).
Uma minoria ainda, dentro do número de pessoas hoje que tem sexualidade diversa da
heterossexual, assumem outra definição que remeta à sua condição e vivência específica da
sexualidade, o que tem sido de interesse e suscita cuidados na atualidade, também em função de
movimentos sociais que se manifestam e cobram o reconhecimento de sua existência e de seus
direitos legitimados. Recentemente (ano de 2020) o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos no Brasil, publicou um documento acerca do diagnóstico da população LGBT nas prisões
brasileiras, que descreve as importantes iniciativas para dar visibilidade à essa diversidade e também
traz um mapeamento acerca das condições de tratamento diferenciado à esta população, mas
reconhece, fundamentalmente ainda, a complexidade da questão, que ultrapassa a falta de
investimento e reconhecimento de existência. Muitas pessoas que se relacionam afetivamente ou
sexualmente com pessoas do mesmo sexo na prisão, não necessariamente se autodeclaram como
homossexuais, gays ou lésbicas, por exemplo, o que mostra que existe muito mais a ser
compreendido do que se imaginava.
E, não se tem aqui a pretensão de discutir dados oficiais, mas de trazer, as vozes de
algumas dessas mulheres que se encontram na prisão, para uma reflexão inicial, que não pretende
gritar ou ditar em qualquer regra ou padrão geral.
Nas memórias e anotações de atendimentos psicológicos realizados na prisão, me recordo
de um, onde uma presa me falou sobre sua angústia. Sobre o que lhe parecia um absurdo: estar se
relacionando com uma mulher na prisão.
Relacionamento homossexual ou homoafetivo? Logo pensamos e ficamos a buscar
lassificações. Ou ainda bissexualidade? Numa rápida definição, pela via da etimologia, podemos
dizer que, a homossexualidade conceitua gays (homens) e lésbicas (mulheres) que tem atração sexual
pelo mesmo sexo: Homo, do grego = mesmo/igual e sexus, do latim: sexo. Oposto ou diferente
daquele definido como hetero, outro, que diz respeito à heterosexualidade, ou seja, a atração sexual
pelo outro sexo.
Chamadas na atualidade de orientações sexuais, decorrem da diversidade de sensações,
sentimentos, comportamentos e condições específicas. Historicamente, o assunto não é novo: a
homossexualidade é remetida à Grécia antiga. Passou por momentos de repressão cultural (que
persistem?), acarretando sofrimento, com estigmatização e preconceito, quando ainda era chamado
103
de “homossexualismo”, mas que pela própria carga negativa que remetia à concepção de doença,
desvio ou pecado, o sufixo “ismo” foi abandonado, especialmente pelos profissionais que lidam com
a saúde física e mental. A homoafetividade, vale refletir, também diz respeito a uma relação afetiva,
emocional ou dita amorosa, entre pessoas do mesmo sexo, não necessariamente desencadeada ou
permeada pela atração sexual e seu desejo de contato físico.
A sexualidade na pós-modernidade, vem construindo novos caminhos de compreensão e
também conceitos novos vão sendo construídos, sendo inegável a possibilidade de uma vivência da
sexualidade de forma mais livre na atualidade, embora ainda existam violências diversas
direcionadas à população LGBT que também passou por transições de nomenclatura visando
traduzir seus integrantes, como as antigas siglas GLS (gays, lésbicas e simpatizantes), GLBT (gays,
lesbicas, bissexuais e transgêneros), e ainda LGBTQI+, que tentou incorporar a diversidade de
pessoas, nos quais se incluem gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transexuais, pansexuais, assexuais
e outras denominações novas, que não são objeto de estudo neste momento. As pessoas de modo
geral já conseguem vivenciar sua sexualidade sem que isso tenha grande influência ou prejudique
suas relações sociais e profissionais, por exemplo. Temos como marcos destes avanços a
possibilidade de registro das uniões, por exemplo, bem como da possibilidade de adoção de
crianças/adolescentes, por pessoas que não se enquadrem no antigo padrão de constituição humana
e familiar.
Nosso objetivo neste é abordar aspectos das experiências sexuais e/ ou afetivas relatadas
pelas mulheres presas. Nos atendimentos psicológicos de apoio há, via de regra, elementos como a
consideração positiva, o acolhimento e a empatia necessários dentro de uma linha específica de
psicoterapia rogeriana (descrita por Carl Rogers, que desenvolveu a Terapia Centrada na Pessoa),
por exemplo, mas que também pode estar presente em outras formações, para que o outro sinta-se
mais tranquilo e com mais liberdade para poder falar de si. Estas mulheres presas podem, nestes
atendimentos de apoio (visto que não há estrutura material ou física, além de outros elementos
necessários à psicoterapia, na prisão), falar sobre o que quiserem. Enquanto profissional, nas relações
que estabeleço com elas, está presente meu desejo de escutá-las, primordialmente. Elas sabem que
podem me contar sobre suas mais cruéis ações, sobre suas histórias de perdas e de abandono, sobre
suas saudades, faltas e sonhos. Ali elas choram e também falam das suas angústias e medos.
Certa vez, uma mulher senta-se na minha frente. Uma mulher sem demasiada vaidade
(muitas presas saem para os atendimentos com batom, unhas coloridas e cabelos penteados). Ela
também apresentava um bom desenvolvimento intelectual. Tinha um bom vocabulário, que não
combinava com a dentição falhada, apesar da aparência de simplicidade. E contou do tempo que se
encontra presa. “Neste tempo que estou presa parece que saí de mim, que fiquei fora de mim”.
Quando pergunto porque ela sente isso, ela se refere à ter se distanciado das relações familiares
externas, ficando tempos sem notícia dos filhos e, recentemente teve visita de sua mãe. E ao contar
104
de si no atendimeto, como quem pensasse que causaria algum espanto, me disse que estava se
relacionando até com mulher!
Ela não se inibiu com a presença de um estagiário de Psicologia que me acompanhou
neste dia. Esclareci sobre sua presença e recomendação ética, em preservar e respeitar a pessoa
atendida. Ela queria muito falar sobre suas angústicas. Tinha repassado seu nome às agentes
penitenciárias há algum tempo e só então eu a chamara.
Dando a impressão de que este novo acontecimento era pra ela difícil de aceitar, que
talvez o meio social em que vivia, que estava acostumada, sua comunidade e família, pudessem
reprová-la. Ela conta então que nunca passou pela sua cabeça se envolver com mulher, que nunca
havia sentido qualquer atração por mulher e não compreende o que aconteceu com ela ali.
Começamos a pensar de onde vinha sua ideia de que aquilo era considerado errado, quase
que considerado pecado ou crime. Falou que é católica, que sua família, apesar dela mesmo ter alguns
amigos gays/ lésbicas, não gostaria que acontecesse entre eles, que seu pai, especificamente, tem
uma fala bem preconceituosa. E na visita, diz ela, falei pra minha mãe “Estou me relacionando com
uma mulher aqui dentro e a senhora é culpada”. Pergunto por que sua mãe seria culpada por um
relacionamento que ela está vivendo? E ela diz que, se a mãe estivesse mais presente, a visitando
mais e trazendo mais notícias, talvez não teria ficado tão carente, diz ela, tentando compreender a
razão de ter se envolvido. Coloquei pra ela, diante da sua angústia em sentir-se como “criminosa” e
“pecadora”. Lhe pontuei que o fato de estar se relacionando com outra mulher não era crime ou
pecado. Que até a o Papa atual, referência máxima da Igreja Católica, já havia se posicionado sobre
o tema. E, que este comportamento, essas vivências eram comuns na prisão.
Ela mesmo também reafirma que mais da metade das mulheres que estão presas acabam
se relacionando com outras dentro da prisão, mesmo que em liberdade jamais isso tenha lhes passado
pelo lugar do desejo ou pensamento. Talvez este número seja maior na realidade e um balãozinho
interno me diz como lembrete (preciso pesquisar mais, descrever essa vivencia tão significativa pra
elas – preciso fazer um projeto de pesquisa, encaminhar à direção geral elaborar e aplicar um
questionário ou colhermos depoimentos de algumas dessas mulheres). Enquanto psicologia,
profissional e estudiosa, tenho refletido sobre a questão deste “envolvimento”.
Ela também estava angustiada ao pensar que sua progressão de regime estava próxima e
que a da sua companheira não (ela tem mais uns anos para ficar ali, para cumprir sua pena em regime
fechado). De início, me disse que sabia se continuariam depois, que tem dito pra ela viverem o hoje,
mas o envolvimento acabou acontecendo e ela até já falou para sua mãe, como quem cogita uma
possibilidade.
Não sabemos como será a história dela, nem as outras. Os relacionamentos sexuais e
afetivos não tem uma previsão de consistência e durabilidade.

105
No atendimento psicológico, apenas procuro lhe assegurar sua humanidade. E que se não
estava a violar outro (a), nem ser violada, então não havia nada errado com ela.
Ela sugeriu alívio e mostrou satisfação na possibilidade do atendimento psicológico.
Também perguntei a ela, se, caso eu precisasse de um depoimento, para pesquisa sobre o tema, se
ela poderia escrever ou falar, preservando obviamente seus dados de identificação, presevando-a, ela
se mostrou satisfeita também com a possibilidade de contribuir.
A “mágica” dos atendimentos psicológicos, são as trocas despretenciosas. Aprendemos
sempre com e também através do outro. E quando existe abertura para esta relação terapêutica,
ambos saem enriquecidos, existe também reciprocidade e um “q” de igualdade nas relações, na nossa
humanidade, que busca compreensão.
Nos atendimentos psicológicos que são realizados em prisões destinadas às mulheres no
Paraná, é muito comum o relato delas sobre suas relações com outras mulheres quando estão presas.
Não necessariamente elas tiveram relacionamentos sexuais ou afetivos com outras mulheres antes
de serem presas, pelo contrário, a maioria delas não teve experiência homossexual anterior, com
predomínio ainda nos relatos feitos em confidência nos atendimentos psicológicos que são realizados
nas prisões, é de que elas tiveram relacionamentos afetivos e sexuais com homens.
A maioria delas, mesmo as que se relacionam no ambiente prisional atualmente, com
mulheres, conta que já foi casada ou teve relacionamento afetivo ou sexual com homens. Mesmo as
que se consideram lésbicas e assumem seu desejo por mulheres, apresentam em sua maioria,
histórico de relacionamentos com homens em algum momento da vida, inclusive muitas dessas
mulheres até tem filhos, decorrentes de relacionamentos casuais ou de relacionamentos estáveis ou
duradouros.
“Bom, meu nome é X, tenho 29 anos, sempre fui heterossexual. Estou presa há 3 anos
e a 4 meses e tive um envolvimento com uma mulher o nome dela era Y apelido y
Bom não sei se foi carência que me fez, que fez a gente se envolvê, mais foi bem
intenso, por estar perto todas as horas no “x” (cela). Acaba -se fazendo tudo junto, por
isso o sentimento chega mais rapido. Eu fiquei 40 dias com ela e vim de “bonde”
(transferida) para Foz do Iguaçu. Estou aqui há 4 meses e não tive uma notícia, nada
dela, mas eu penso que no caso dos relacionamentos que acontecem dentro de
penitenciárias, alguns são pra levá pra vida, outros é só aqui dentro mesmo. Por
exemplo: 80% acabam junto com o alvará de soltura e outros casos as relações são
duradourass, de a mulher vir fazer a carteirinha e ficá com outra mesmo estando na
rua, que com o tempo acaba se desgastando como numa relação heterossexual, a única
diferença das duas relações é que as mulheres são carinhosas e umas além de carinhosa,
também ciumentas demais. Hoje em dia estou tendo minha segunda experiência com
mulher. Ela é mais velha do que eu, tem mais experiência que eu e na relação ela é
bem mais carinhosa e me dá muita força nesse lugar pra enfrentar os dias. Aqui é como
se a gente tivesse uma amiga verdadeira, que também me proporciona os momentos
de prazer aqui. Já presenciei algumas das minhas amigas em seus relacionamentos
discutirem, com agressões verbais e físicas, como num relacionamento fora daqui, por
você conviver com a mulher todo dia, toda hora, sem ter como sair pra lugar nenhum
e como se a relação à dois fosse casamento. Por isso eu acho que, na minha opinião
que eu sou bissexual, gosto tanto da mulher e tanto do homem que, nesse caso de agora,
há 3 anos só fiquei com dois mas já gosto de mulher pelo carinho...”

Como se constata no relato acima, algumas delas não tem uma preocupação com a
definição de suas condutas e orientações, podendo inclusive, se perceberem como bissexuais.

106
Retomemos aqui, então, o fato de que existem mulheres na prisão que se relacionam com
outras mulheres, que podem ser lésbicas ou não.
“Oi meu apelido é XX, estou presa no sistema fazem mais ou menos três meses e tive
minha primeira experiência sexual em 2004 com uma prima. Neste momento me
apaixonei pela mesma mantendo assim um relacionamento de 2 anos e neste tempo
tive uma experiencia indiscritível de companheirismo, aconchego, carinho, e
dedicação, coisas essas que eu nunca tive! Com o passar do tempo não continuamos
juntas pelo preconceito de sermos primas e cada uma foi viver suas vidas (…)! Logo
após esse episódio acabei presa e tive nova experiência na cadeia, conhecendo uma
outra mulher mantendo um relacionamento de 1 ano, que se acabou por ela está livre
e eu presa! Os meus relacionamentos na cadeia eu levo como passatempo, uma brisa,
porque quando saem da cadeia nem se lembram de mim (…)! Se relacionar com
mulheres é ter a certeza que haverá muito ciúmes pois é do instinto feminino ser
ciumenta levando assim muitas vezes a ter agressões, ataques de choro, ou discussões
intensas (...) A maior parte dos realacionamentos são por solidão,
carência, tristeza ou entre os motivos apenas a procura de atenção, carinho, como
alguém para dividir momentos bons e ruins (…). Já faz mais ou menos 7 anos que não
me relaciono com homens e não tenho nenhum tipo de vontade de voltar a me
relacionar com homens, devido a um quase estupro por parte do meu irmão, por esse
motivo ser homossexual é minha opção apesar de ter duas filhas que são os amores da
minha vida! Mais, não posso dizer que nunca mais ficaria com um homem
novamente.”

Elas mesmas, estas mulheres que estão na prisão, falam nos atendimentos sobre seus
relacionamentos e suas histórias. Ao falar, há um efeito tranquilizador que decorre de elementos
indissociáveis da psicoterapia: a comunicação e a escuta psicológica, que é uma escuta especializada.
Falar com um profissional psicólogo (a), auxilia estas mulheres presas, assim como as pessoas que
se dispõem a cuidar e tratar da sua saúde mental em meio livre, a reverem suas histórias, revisitarem
acontecimentos e emoções, a refletir sobre suas vivências.
E elas falam. Mais do que os homens na prisão. Mulheres também devido em função da
nossa cultura, tem mais disposição e habilidade para falar de seus sentimentos, para expressar-se.
A história de uma grande maioria das mulheres que passam pela prisão esconde um evento
de violência sofrida na infância ou adolescência, especialmente o abuso e violência sexuais. As
confidências dessas mulheres no atendimento psicológico não podem ficar apenas na minha escuta.
Preciso dividir a angustia dessa escuta que, ainda que terapêutica ara elas, é limitada e precisa ensinar
outros, mais sobre os seres humanos. E preciso contar aqui que, é predominamente o número de
mulheres presas que foram vítimas de violências, o que talvez possa até sinalizar maior compreensão
acerca de seus atos violentos e também de suas relações homossexuais, como elas mesmo contam
nos relatos que fazem. A dor delas, o grito silenciado, precisa ecoar. Foram muitas a encontrar pais,
padrastos ou outros parentes e conhecidos a violentá-las e, como também outras semelhantes,
tiveram mães que não acreditam nelas. Um histórico de relações paternais que resultaram na ausência
de cuidado, na desproteção, na fragilidade, na vulnerabilidade, no abandono afetivo. Não raro estas
mulheres se punem e tem dificuldades de relacionamento, em função dessa violação da intimidade e
desta descrença acerca do amor. Temos relatos imersos em raiva e nojo. E também do refúgio
encontrado nos braços de semelhantes, de mulheres que as acolheram ou cuidaram delas.

107
Escutei de um número relevante de mulheres, a falar sobre suas vidas e seus
relacionamentos. É possível que estes relacionamentos tenham suas características, decorrentes de
um modo muito específico de funcionamento, por sua própria condição, mas que estamos neste
momento apenas a pensar através de suas falas. Mulheres que nunca antes haviam tocado ou sido
tocadas por outra mulher por desejo sexual e/ou afetivo, nunca haviam beijado outra mulher antes
em suas vidas, sequer imaginado fazê-lo, experimentam novas relações na prisão.
O início desses relacionamentos, não se dá, em sua maioria, inicialmente por atração
física, mas pela rotina compartilhada, pela atenção, pelo acolhimento, carinho e cuidado que surgem
entre elas, que acabam por conduzir para o nascimento de um desejo, ainda que este possa não ser
permanente ou definitivo, até porque os desejos são ou podem ser efêmeros e fugazes em sua maior
parte, caracterizados muitas vezes pelo ímpeto, pela excitação momentânea, pois não estão na ordem
da racionalidade, do pensar, mas do instinto, do desejo propriamente dito, do sentir. E do sentido, se
alimenta e se dá sentido (tentativa de forma ao sentimento), pois as afeta, revelando afeto
propriamente dito, ainda que não definido. Inúmeras vezes não conseguem definir.
“Olá, meu vulgo é XXX e estou a muito tempo puxando um sistema. Foi em 2009 que
tive minha primeira experiência sexual com mulher e foi nesse momento que percebi
que gosto, do contato, do carinho, do companherismo, de como nos entendemos e
conseguimos nos entender. Nesse passar de tempo, tive várias experiencias com
mulheres e posso lhe dizer que aprendi muita coisa, várias formas de fazer amor (…).
Bom, o relacionamento entre mulheres na cadeia, creio eu que tudo é mais intenso
pois, como só há mulher, vem o sentimento de ciúmes. Já relatei vários ataques e
agressões pelo tal do senhor ciúmes... Eu própria sou uma pessoa ciumenta mais penso
eu que meu ciúmes tem fundamento, tem um começo, meio e um fim. Muitas das
relações homossexuais aqui é pura carência pois querendo ou não encontramos carinho
e alguém pra dividir seus momentos, tanto bons como ruim... Já faz um bom tempo
que não me envolvo com um homem mais posso dizer que não sinto saudades pois
todos as minhas relações foram produtiva, pois obtive prazer e tenho certeza que dei
prazer a minha parceira. Bom é isso, gosto de mulher e gosto muito mais não posso
dizer que nunca mais ficarei com homens pois, não sei que tipo de prazer a vida vai
me trazer daqui alguns anos.”

Algumas dessas mulheres relatam essas experiências com certa timidez e vergonha,
passando por esta relação de setting terapêutico algo de senso de moralidade, de representação social,
ainda que não impeça a confissão de seus sentimentos todos. Sugerem inúmeras vezes estarem
imersas num ambiente fechado e, íntimo e quase secreto vivido nas celas, onde se permitem e
experimentam sensações que muitas delas talvez não se autorizariam a viver fora da prisão, pela
questão da cultura e moralidade.
Ao mesmo tempo, há casos que nos remetem à quase necessidade de sobrevivência.
Algumas se sentem abandonadas, sozinhas e por vezes acuadas e amedrontadas, onde qualquer
cuidado extra pode significar a preservação da vida, ou minimamente mais qualidade no ambiente
prisional e na condição de pessoa presa.
“É muito difícil não ter nada Senhora, não ter com quem contar . “Minha companheira
recebe “sacola” (caixa com ítens de alimentos e materiais de limpeza e higiene
permitidos pela administração) e divide comigo. Na verdade, me sinto cuidada. Ela se
preocupa e cuida de mim. É bom. Me sinto bem e acho que ela também gosta de mim.”

108
Na análise qualitativa das escutas realizadas, também verificamos que esses
relacionamentos homossexuais e afetivos nas prisões, também estão permeados por conflitos, onde
se afloram vaidades, rivalidades, disputas e ciúmes. Temos casos de violência doméstica na prisão,
violência conjugal lésbica. Assim como é possível observar o nascimento dos relacionamentos entre
elas, também ficam evidentes as separações e brigas, pois a estrutura de galerias e celas das prisões
fazem ecoar suas vozes e gritos.
É muito comum e frequente a solicitação de troca de celas, para que as mesmas possam
ficar juntas, alojadas na mesma cela. A segurança tem um trabalho extra nestes casos, com inúmeros
pedidos de mudança de cela para administrar. Querem estar com outra que estão a enamorar, à
distância, ou que querem sair de onde estão, para estar longe, em função dos conflitos amorosos,
pela separação recente da que se namorava antes. Existem particularidades do universo feminino,
com diferentes modos de relacionar-se (diferente do ambiente masculino, por exemplo, que
poderemos abordar num outro momento.
Por hora, registre-se que, entre os homens, o número de relacionamentos homossexuais
na prática, dentro das prisões, sugira ser menor que entre mulheres, embora números oficiais possam
dizer o contrário, por diversos motivos. Há sim, homens que se reconhecem como gays, mas também
outros que fazem sexo com outros em situação de encarceramento, mas que não tem qualquer
envolvimento afetivo e, grande parte desses ainda, tem ou tiveram relacionamentos casuais, que não
desejam admitir, em função da moralidade.
A grande maioria da população carcerária masculina se diz heterossexual (assim como a
feminina nos registros oficiais) e muitos homens mantém relacionamentos estáveis (ainda que raros
sejam os de longa duração), mas também muitos homens presos eventalmente aliciam mulheres para
terem suas visitas íntimas. Muitos homens conseguindo cadastrar mulheres para visitação, com apoio
das organizações criminosas, das quais alguns fazem parte.
Retomando, os pedidos de troca de celas entre as mulheres, nem sempre são possíveis de
serem atendidos e devem ser regulados pela administração penitenciária em função de sua necessária
organização e controle, ainda que mínimo.
Brigas entre casais, entre parceiras, entre namoradas, que iniciam com violência
psicológica e por vezes acabam em violência física, também requerem intervenção da equipe de
funcionárias, seja para encaminhamento psicológico, médico ou policial, e também necessitam de
cuidado e manejo por parte da segurança. É recomendável, na maioria dos casos, a separação das
envolvidas, colocando-as em celas separadas, ainda que haja o desejo verbalizado da união, que
evidenciam comportamentos doentios, desejando estarem unidas em seguida ao evento traumático e
ainda de forma cíclíca, com frequência vividos com repetições e/ou novas violências. Muitas destas
mulheres desenvolvem relações que escondem sua baixa autoestima e ainda sentimento de
inferioridade, presente em uma delas ou em ambas. Também estão presentes comportamentos de
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controle e manipulação emocional, algumas ditando o que a companheira pode ou não fazer na
prisão, por exemplo. Pode ou não falar com outras amigas, escrever cartas ou bilhetes, ir para o pátio
de sol, usar determinadas peças de roupa nas celas, etc..
Em caso de detecção de violência, especialmente física, medidas protetivas (como
afastamento/ distanciamento fisico) e preventivas de novas violências devem ser pensadas junto à
Comissão Técnica de Classificação e Tratamento (CTC) nas unidades prisionais, semelhante às
medidas aplicadas em meio aberto.
Nos corredores, pelas mãos e pelas linhas improvisadas (“ratinhos”) os bilhetes correm
nas prisões. Dessas mulheres, se observam os jogos amorosos, as seduções, os olhares desejantes de
acolhimento, de contato, ou de uma forma qualquer de existência. Há uma cumplicidade entre muitas
dessas mulheres. Há, predominantemente, mulheres que, entre grades, inalcançadas pelos olhos da
sociedade externa, sem um número inexpressivo de visitas familiares e um número alto de
companheiros presos e/ou que as abandonaram e estas se permitem de algum modo, viver novas ou
outras experiências na prisão.
A ocorrência de casos de mulheres que se relacionam com mulheres na prisão, é estimada
(em função das confidências realizadas em atendimento psicológico), de aproximadamente 70%
delas, número de difícil retrato fidedigno, tendo em vista a população flutuante que habita as prisões,
que diariamente recebe mulheres presas e também libera essas mulheres, que recebem seu alvará de
soltura da Justiça.
Há uma constante necessidade de vinculação do DEPEN também com faculdades locais,
para o desenvolvimento constante de pesquisas que possam retratar essas e outras realidades
diversas, que podem auxiliar o desenvolvimento de estratégias de cuidado e/ou políticas públicas
destinadas à população carcerária. Também, mister se faz mencionar a importância do incentivo e
apoio para que servidores públicos também possam pesquisar o que, consequentemente, também os
faz crescer e melhorar as relações com as pessoas presas, em função da compreensão ampliada de
realidades.
Apresentando observações e visitando os relatos dessas mulheres presas, é possível aqui
lembrar que, o convívio entre pessoas, dentro e fora da prisão, onde existe atenção, algo de interesse,
compreensão e aceitação, abre possibilidades de relação afetiva, pois podem despertar no outro o
desejo e a fantasia de completude, de acolhimento, do que o outro lhe pode proporcionar naquele
momento. E isso pode acontecer em relações onde existam fronteiras permeáveis, não rígidas ou com
figuras e/ou papéis não definidos previamente, ou não definitivos. É possível sentir atração, ter prazer
e/ou amor em relações onde existam os elementos descritos (atenção, interesse, compreensão e
aceitação) e ainda que de modo não intencional, não consciente ou premeditado, acontecer uma
ligação ou vínculo afetivo, especialmente em lugares ou momentos onde não sintam qualquer
julgamento, moralidade ou censura. A prisão, ainda que cheia de grades, restrições e controle, sugere
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alguma liberdade, num espaço restrito e de compartilhamento de intimidades, com menor plateia ou
exposição. E também sugere, subexistir, entre elas, alguma sensação ou sentimento de igualdade,
que lhes permite sentir, experimentar e existir, mais do que ser, que definir, onde estão tantas que
erraram, pecaram e/ou cometeram crimes, já constantemente julgadas por outras pessoas, em função
dos conflitos e questões que lhes trouxeram para a prisão.
Os relatos dessas mulheres, de suas vivencias, falam muito sobre elas, sobre seres
humanos. Precisamos fazer essas reflexões juntos(as), para além dos atendimentos psicológicos e
das prisões.

Referências Bibliográficas:

Lei de Execução Penal (LEP – Lei Nº 7.210. de 11 de julho de 1984) Disponível em :


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7210.htm Acesso em: 13/12/19 às 9h45.

LGBT nas prisões do Brasil. Brasília, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-


br/assuntos/noticias/2020-2/fevereiro/TratamentopenaldepessoasLGBT.pdf. Acesso em 30/10/20, às
17h30.

MAFESSOLI, Michel. Elogio da Razão Sensível. Petrópolis: Vozes, 1998.

MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Lingua Portuguesa. Disponivel em:


https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/como-consultar/etimologia/ Acesso em: 11/10/20
às 12h40.

Portaria nº 87 de 10 de setembro de 2019 DEPEN. DIOE- PR Disponível em:


https://direito.mppr.mp.br/arquivos/File/LGBT/portaria8719.pdf Acesso em: 11/05/20, às 10h49.

Princípios de Yogyakarta. Indonésia. 2006. Disponível em :


http://www.clam.org.br/uploads/conteudo/principios_de_yogyakarta.pdf Acesso em: 14/07/20, às
15h25.

Resolução Conjunta nº 1, de 15 de abril de 2014 (Estabelece os parâmetros de


acolhimento de LGBT em privação de liberdade no Brasil). Disponível em:

https://www.gov.br/depen/ptbr/composicao/cnpcp/resolucoes/2014/resolucao-conjunta-
no-1-de-15-de-abril-de-2014.pdf/view Acesso em: 20/10/20 às 11h15.

ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2ª ed, 1987.

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