Índice
Índice
Índice
1. Introduçao........................................................................................................................1
2. O pluralismo jurídico moçambicano: uma abordagem histórica.....................................2
2.1. O regime de dominação e exploração colonial: o indigenato......................................2
2.2. A revolução socialista e a construção de uma justiça popular.....................................4
2.3. A economia neoliberal e a democracia. O fim dos tribunais populares, a criação dos
tribunais comunitários e o novo papel das Autoridades Tradicionais.....................................8
3. Conclusões.....................................................................................................................13
4. Referências bibliográficas..............................................................................................14
1
1. Introduçao
O presente trabalho, foi realizado no âmbito avaliativo, na cadeira de Direito e o Pensamento
Jurídico, com o estudo do tema, “O Pluralismo Jurídico Moçambicano: Uma Abordagem
Histórica”. O pluralismo jurídico é um facto decorrente da existência de dois ou mais
sistemas jurídicos, dotados de eficácia, concomitantemente em um mesmo ambiente espacio-
temporal.
Segundo Araújo (2008), para o caso da realidade moçambicana, este é um facto caracterizado
pela existência de diversas ordens normativas que actuam no terreno, pelas complexas
interligações que se estabelecem entre as mesmas, bem como pelas várias estratégias que, ao
longo da história, o Estado moçambicano usou para integrar ou excluir a pluralidade.
No que tange a metodologia empregue no decorrer da elaboração do trabalho, este, teve como
base as pesquisas bibliográficas realizadas em livros, revistas e artigos científicos, que tenham
por conteúdo O Pluralismo Jurídico Moçambicano: Uma Abordagem Histórica. Segundo Gil
(1991, p.63), a pesquisa bibliográfica tem como objectivo conhecer e analisar as principais
contribuições teóricas existentes a partir de um determinado tema ou problema, procurando
expor a realidade estudada, suas características e princípios vinculados. Nesta ordem de ideias
importa apontar que o presente trabalho de pesquisa teve como base o artigo de Sara Araújo
(2008), O Pluralismo Jurídico em Moçambique. Uma Realidade em Movimento.
1
2. O pluralismo jurídico moçambicano: uma abordagem histórica
2.1. O regime de dominação e exploração colonial: o indigenato.
Segundo Araújo (2008, pp. 4-6), as relações entre os governos coloniais e as instituições e os
direitos africanos foram concebidas sob duas variantes principais: o governo directo e o
governo indirecto. Em regra, o primeiro é associado às colónias francesas, o segundo às
britânicas, o que nem sempre coincidiu com a realidade.
O governo directo pressupõe a existência de uma única ordem jurídica, assente nas leis da
Europa, não reconhecendo qualquer instituição ou direitos africanos. O domínio concretizava-
se num sistema colonial centralizado e hierárquico e na sujeição da maioria da população ao
regime do indigenato (indigénat), que definia as regras para os não cidadãos. Este regime
prévia que os indígenas pudessem obter o estatuto de assimilados, adquirindo, desse modo,
direitos de cidadania, mas o número dos que adquiriam esse estatuto permaneceu sempre
muito reduzido. O governo indirecto parte de uma concepção oposta à universalista,
assentando na diferenciação. Na base desta forma de governo esteve sempre a distinção entre
não nativos e nativos, cuidadosamente separados pelas ordens normativas e pelas instituições
a que estavam sujeitos: os primeiros ao direito civil da metrópole e às instituições da mesma;
os segundos aos direitos costumeiros e às autoridades tradicionais, ambos selectivamente
reconstituídos ou criados à medida das necessidades do poder colonial (ROBERTS, 1991).
Ainda que Portugal tenha estado presente em Moçambique desde o século XVI, só nos
últimos anos do século XIX veio a ocupar e administrar efectivamente o território. Como
afirma GENTILI (1998), o exemplo britânico fez escola, principalmente perante os sucessos
produtivos da Nigéria e da Costa do Ouro atribuídos à capacidade de visão política de
governo indirecto. O regime do indigenato, introduzido formalmente nos anos 1920, apesar da
designação, aproximava-se mais do sistema de governo indirecto, ainda que apresentasse
alguns traços assimilacionistas. Caracterizava-se pela divisão entre cidadãos e indígenas e
assentava em dois modelos administrativos e duas formas de direito.
3
não cumprissem a lei. Dessa forma, pôs-se fim ao debate sobre como as colónias
continuariam a ser desenvolvidas uma vez abolida a escravatura. A base de exploração
permanecia a coerção e as autoridades tradicionais desempenhariam um papel fundamental.
Estava estabelecida a divisão entre indígenas, sujeitos ao trabalho forçado, e não indígenas,
isentos daquele. O Estado Novo de Salazar intensificou e aperfeiçoou esta política,
nomeadamente com a Constituição de 1933, que incorporava o Acto Colonial. Este é, muitas
vezes, considerado o ponto de viragem, que marca o início de um Estado colonial.
Segundo José (2007, p. 13) apud Araújo (2008) a tardia e cosmética transformação dos
indígenas em cidadãos e a apropriação ideológica das teses do lusotropicalismo não foram
suficientes para disfarçar o regime de forte segregação que vigorava. E a metamorfose,
simplesmente, tornou os indígenas em cidadãos sem cidadania.
4
FRELIMO, as designadas zonas libertadas, tinham experimentado modelos de governo, que
deveriam ser expandidos para o restante país.
afirma que no âmbito da justiça, o sistema jurídico colonial era fascista, colonial e elitista e
tinha que ser transformado num sistema popular, moçambicano e democrático. Segundo o
art. 38.º. da Lei n.º 12/78, de 12 de Dezembro, A concretização dessa tarefa passava
pelo fim das autoridades e da justiça tradicionais e pela implementação de uma organização
judiciária que se estendesse a todas as circunscrições territoriais e promovesse a participação
popular.
Nas zonas libertadas, tinha sido já experimentado um modelo de justiça popular, que devia
substituir o papel das autoridades tradicionais e do direito costumeiro. Com base nessa
experiência, em 1978, foi aprovada a Lei Orgânica dos Tribunais Populares, que previa a
criação de tribunais populares em diferentes escalões territoriais. O Tribunal Popular Supremo
ocupava o topo da hierarquia e era seguido pelos tribunais populares provinciais, pelos
tribunais populares distritais e, finalmente, pelos tribunais populares de bairro ou localidade.
Em todos os escalões participavam, no exercício da actividade judicial, juízes eleitos, isto é,
juízes desprofissionalizados, eleitos pelas assembleias populares para exercerem funções
judiciais. Estes exerciam funções verdadeiramente jurisdicionais, intervindo, nos casos penais,
sobre matéria de facto e de direito. Na base da pirâmide, os tribunais populares de localidade
e de bairro funcionavam exclusivamente com juízes eleitos, que conheciam das infracções de
pequena gravidade e decidiam “de acordo com o bom senso e a justiça e tendo em conta os
princípios que presidem à construção da sociedade socialista”, ibid, sempre que não fosse
possível a reconciliação das partes. Os autores Trindade e Pedroso (2003, pp. 260-264)
dizem que a ideia era construir um sistema que, em vez de pressupor um dualismo entre um
direito estatal para a elite e outros direitos para a população, assentasse no princípio de um
sistema de direito único para toda a sociedade, do norte ao sul, do Rovuma ao Maputo. Os
5
autores definem o sistema como sendo simultaneamente indígena e anti-tradicional, baseado
em aspectos democráticos da tradição africana, mas transformando-os e rejeitando os
divisionismos. Citam, como esclarecedora, a frase de Samora Machel: “para a nação nascer, a
tribo deve morrer”, (SACHS e WELCH, 1990, P. 5).
Segundo Gundersen (1992 p. 259) o papel dos juízes eleitos era fundamental na
organização judiciária. Esperava-se que conhecessem os problemas da comunidade e as
pessoas. Os tribunais distritais e superiores aplicavam em larga medida o direito português,
cabendo aos juízes leigos garantir que o sentido de justiça popular era reflectido na prática dos
tribunais. Em casos de família, tornou-se prática comum, as partes colocarem o problema aos
juízes eleitos, antes de o apresentarem formalmente no tribunal. Com frequência, os casos
eram assim resolvidos por reconciliação, evitando o formalismo e a morosidade do tribunal.
Aos tribunais populares de base cabia um papel determinante na promoção do acesso à
justiça, na medida em que constituíam a instância judiciária mais próxima dos cidadãos. Os
procedimentos formalistas eram reduzidos ao mínimo. A participação da população, ainda que
relevante em todos os níveis da hierarquia do judiciário, era aqui ainda mais importante.
Por vezes, o termo justiça informal foi usado para designar a justiça popular. A designação de
justiça informal é, contudo, inconsistente com a realidade da justiça popular moçambicana.
Como nota Aase Gundersen, o que muitas vezes foi designado por «informal» foram sistemas
de justiça com procedimentos diferentes dos tribunais formais de estilo ocidental. Ainda que
os tribunais populares usassem procedimentos informais, faziam parte do sistema formal de
justiça, divergindo das instâncias informais da comunidade, como a família e as igrejas.
6
Assim, os tribunais populares estão na fronteira entre o formal e o informal (Ibidem, pp.
260, 261).
Apesar do esforço para lhes pôr fim, autoridades tradicionais não desapareceram, podendo
falar-se de situações de continuidade nas estruturas do poder rural entre o período colonial
tardio e a pós-independência. Alice Dinerman mostra que a criação de instituições
sancionadas pela FRELIMO, nem sempre significou a passagem de poder para fora das
autoridades tradicionais. Em alguns casos, os funcionários do governo local mantiveram a
aliança com as autoridades que haviam servido a administração colonial “em nome da ordem
social, do bem-estar, do desenvolvimento rural ou de uma combinação destes três factores”,
noutros as autoridades tradicionais desenvolveram estratégias de manutenção do controlo. A
autora analisa mais pormenorizadamente o caso de Namapa, distrito de Erati, província de
Nampula, argumentando que “os antigos régulos tiveram oportunidade de continuar a reinar
7
por outros meios”. Em Namapa, a FRELIMO manteve a divisão administrativa herdada,
mudando apenas o nome de regedoria para círculos. Além disso, a nova administração estatal
trabalhou com as antigas estruturas para configurar as novas. Durante vários anos, em todo o
distrito, os chefes arranjavam estratégias para colocar no poder familiares seus, de modo a
conseguirem manter o controlo. Mesmo quando eram colocadas no poder outras pessoas, nem
sempre se viravam contra o régulo. O próprio Estado veio a sentir necessidade de se apoiar
fortemente nos régulos, assumindo e reforçando a sua importância nas hierarquias locais. Na
segunda metade da década de 1980’, face à crise económica que o país enfrentava, na
província de Nampula, os régulos foram chamados a desempenhar o papel de “chefes de
produção”, voltando a actuar como controladores da economia camponesa, à imagem do que
era o seu papel no período colonial.
No preâmbulo da lei dos tribunais comunitários pode ler-se que as experiências recolhidas por
uma justiça de tipo comunitário no país apontam para a necessidade da sua valorização e
aprofundamento, tendo em conta a diversidade étnica e cultural da sociedade moçambicana.
Assim, considerou-se necessária a criação de órgãos que permitam aos cidadãos resolver
pequenos diferendos no seio da comunidade, contribuam para a harmonização das diversas
práticas e para o enriquecimento das regras, usos e costumes e conduzam à síntese criadora do
direito moçambicano. A lei prevê que os TCs deliberem sobre pequenos conflitos de natureza
civil, conflitos que resultem de uniões constituídas segundo os usos e costumes e delitos de
pequena gravidade, que não sejam passíveis de penas de prisão e se ajustem a medidas
definidas na lei (art. 3.º). Prevê, ainda, que os tribunais procurem, em primeiro lugar, a
reconciliação das partes e, em caso de insucesso, julguem de acordo com «a equidade, o bom
senso e a justiça» (art. 2.º). A regulamentação destes tribunais está por fazer até hoje.
No que diz respeito às autoridades tradicionais, foi anunciado no ponto anterior que opção
política de as abolir veio a constituir um problema para o governo, que para além de não
dispor de recursos para criar, de raiz, novas estruturas político-administrativas, quando as
constituía, estas não eram automaticamente aceites pela população. A verdade, como foi
referido, é que as ATs mantiveram, em grande medida, a sua legitimidade, trabalhando muitas
vezes em conjunto com os tribunais populares e até com os grupos dinamizadores e
encontrando na oposição da RENAMO uma alternativa à recuperação do seu prestígio. O
novo quadro democrático e multipartidário abria agora espaço à descentralização do Estado,
sendo no âmbito desse processo pouco pacífico, de avanços e recuos, que se rediscute o papel
a atribuir às ATs.
Segundo Fernandes (2006) a nível nacional, a urgência desta discussão passou não só pela
necessidade de reconhecimento de práticas locais que nunca deixaram de existir, mas
também, pela preocupação do partido FRELIMO, num contexto de aproximação de eleições
multipartidárias, com a importância das autoridades tradicionais no controlo social e político
das populações. Assim, nos primeiros anos da década de 1990, o Núcleo de Desenvolvimento
Administrativo (NDA) do Ministério da Administração Estatal deu inicio à elaboração de um
9
conjunto de estudos sobre o papel que efectivamente as autoridades tradicionais
desempenhavam no país e reconheceu que «dentro das diferenças que existem de região para
região, a autoridade tradicional está presente e é importante em todo o território nacional»,
(ALFANE, 1996).
10
fundamental na mudança de política, ao aceitar que o Estado é central para o desenvolvimento
económico, social e sustentável. A revigoração da capacidade institucional é tida como
fundamental e um dos meios da sua realização é a aproximação do Estado aos cidadãos por
via de uma maior participação e da descentralização.
O Poverty Reduction Strategic Paper (PRSP), cuja subscrição, nos anos 1990, constituiu, para
um alargado conjunto de países, condição fundamental para manter o financiamento do Banco
Mundial e do FMI, enfatiza a necessidade dos países da África Austral procederem a um
processo de descentralização por meio da gestão comunitária dos recursos humanos, do
reforço institucional dos governos locais e do reconhecimento das autoridades tradicionais.
Segundo José (2006, p. 2) a versão Moçambicana desse documento é o Plano de Acção para
a Redução da Pobreza Absoluta, 2001- 2005 (PARPA). As políticas que define para
promover a «boa governação» incluem, entre outras, a descentralização e a devolução da
administração pública a níveis próximos da população, bem como o reforço da capacidade e
eficiência do sistema legal e judicial. No que diz respeito à justiça, o documento defende,
ainda, entre outras ideias, a consolidação e expansão dos Tribunais Comunitários.
11
administrativas das autoridades tradicionais e, ao mesmo tempo controlar a ‘força centrífuga’
que se reconhece nelas». Como nota Santos (2006, ), o n.º 2 do artigo 3.º do decreto 15/2000
sublinha bem o carácter instrumental do reconhecimento das autoridades tradicionais, ao
afirmar que a articulação entre estas e os órgãos locais decorre das «necessidades de serviço».
[ibid] O mesmo autor, não deixa de mencionar que «simetricamente, as autoridades
tradicionais pretendem instrumentalizar o apoio do Estado para consolidar o seu próprio
controlo político sobre as comunidades».
O Plano Estratégico Integrado do Sector da Justiça para os anos 2002 – 2006, estabelece
como prioritária a revisão da organização judiciária, a revisão e regulamentação da lei dos
tribunais comunitários e a institucionalização de um novo sistema de acesso à justiça e ao
direito. Foi nesse sentido que a Unidade Técnica de Reforma Legal (UTREL) solicitou, em
2003, ao Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ) a revisão da seguinte legislação: Lei
Orgânica dos Tribunais Judiciais; Lei dos Tribunais Comunitários; Lei que criou o Instituto
do Patrocínio e Assistência Jurídica e Decreto que aprovou o respectivo Estatuto Orgânico a
Lei n.º 6/94, de 13 de Janeiro e Decreto n.º 54/95, de 13 de Dezembro.
Ainda antes desse trabalho estar concluído, a revisão Constitucional de 2004 constituiu um
incentivo a propostas mais ousadas no âmbito do reconhecimento das várias ordens
normativas, estabelecendo que «o Estado reconhece os vários sistemas normativos que
coexistem na sociedade, na medida em que não contrariem os valores e os princípios
fundamentais da Constituição».
12
3. Conclusões
13
4. Referências bibliográficas
ARAÚJO, Sara e JOSÉ, André. (2007). Pluralismo jurídico, legitimidade e acesso à justiça.
Instâncias comunitárias de resolução de conflitos no Bairro de Inhagoia «B» ― Maputo.
Coimbra: Oficina do CES, n.º 284.
DAVA, Fernando et, al. (2003). Reconhecimento das autoridades tradicionais à luz do
decreto 15/2000 (o caso do grupo etnolinguístico ndau). Maputo: ARPAC.
GENTILI, Anna Maria. (1998). O leão e o caçador. Uma história da África sub-sahariana
dos séculos XIX e XX.Maputo: Arquivo Histórico de Moçambique.
GIL, António Carlos. (1991). Como Elaborar Projetos de Pesquisa. 3ª Edição, São Paulo -
Editora Atlas.
14
GUNDERSEN, Aase. (1992). Popular Justice in Mozambique: Betwen State Law and Folk
Law». Social & Legal Studies, Vol. 1.
KAPUR, Devesh. (1998).The State in a Changing World: A Critique of the 1997 World
Development Report. Weatherhead Center for International Affairs.
O’LAUGHLIN, Briget. (2000). Class and the customary: the ambiguous legacy of the
indigenato in Mozambique. African Affairs, n.º 99.
ROBERTS, Richard e MANN, Kristin. (1991). Law in Colonial Africa; Law in Colonial
Africa. Portsmouth, NH: Heinemann Educational Books.
SACHS, Albie; WELCH, Gita Honwana. (1990). Liberatins The Law. Creating Popular
Justice in Mozambique. London e New Jersey: Zed Books.
15
TRINDADE, João Carlos. (2003). Rupturas e continuidades nos processos políticos e
jurídicos. In: Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique;
Porto: Afrontamento.
16