Fichamento Nietzsche

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

RAFAEL DUARTE SANTOS

FICHAMENTO NIETZSCHE

CAMPOS DOS GOYTACAZES

2022
Disciplina: Filosofia da Educação

Professor: Alexandre Mendonça

Fichamento de Citações

Dados bibliográficos

Autor: Oswaldo Giacoia Júnior

Texto: Nietzsche

1ª edição

Editora: Publifolha

Data: 2000

“Para ele, filosofar é um ato que se enraíza na vida e um exercício de liberdade.”


(P.6)

“Nietzsche se opõe a supressão das diferenças, a padronização de valores que,


sob o pretexto de universalidade, encobre, de fato, a imposição totalitária de
interesses particulares; por isso, ele é também um opositor da igualdade
entendida como uniformidade. Assim, denunciou a transformação de pessoas em
peças anônimas da engrenagem global de interesses e a manipulação de
corações e mentes pelos grandes dispositivos formadores de opinião.” (P.6)

“Ao longo desse seu confronto com o conjunto da herança cultural de nossa
tradição, Nietzsche forjou conceitos e figuras do pensamento que até hoje
impregnam nosso vocabulário e povoam nosso imaginário político e artístico. Tais
são, por exemplo, as noções de Apoio e Dionísio, transformadas em categorias
estéticas, os conceitos de vontade de poder, além-do-homem (Übermensch),
eterno retomo e niilismo e a figura da morte de Deus.” (P.7)

“Ateísta radical, ele atribui ao homem a tarefa de se reapropriar de sua essência e


definir as metas de seu destino.” (P.7)

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“Dele afirma o filósofo Martin Heidegger: "Nietzsche é o primeiro pensador que,
perante a história universal pela primeira vez aflorada em seu conjunto, coloca a
pergunta decisiva e a reflete internamente em toda a sua extensão metafísica.
Essa pergunta reza: como homem, em sua essência até aqui, está o homem
preparado para assumir o domínio da terra?"” (P.7)

“o estilo de Nietzsche resulta da combinação paradoxal de elementos


antagônicos: sombra e luz, agonia e êxtase, gravidade e leveza” (P.7)

“Nietzsche, o filósofo-artista, um poeta que só acreditava numa filosofia que fosse


expressão das vivências genuínas e pessoais, vendo na experiência estética uma
espécie de êxtase e redenção, é, por isso mesmo, um precursor da crítica a um
tipo de racionalidade meramente técnica, fria e planificadora. A despeito da
profundidade e da gravidade das questões com que se ocupa, sempre as tratou
em estilo artístico, poeticamente sugestivo; só acreditava na autenticidade de um
pensamento que nos motivasse a dançar.” (P.8)

“Aceitar o desafio de Nietzsche implica, sobretudo, pensar independentemente; e


por isso, ás vezes, também contra Nietzsche.” (P.8)

“Para ele, não resta dúvida de que, herdeiro dos progressos do Iluminismo,
julgamo-nos liberados das cadeias da ignorância e da superstição. Confiantes nas
possibilidades advindas da utilização industrial da ciência e da técnica, estamos
certos de poder descobrir todos os segredos do universo e construir uma
sociedade expurgada de todas as formas de opressão, violência, exploração.”
(P.9)

“Nietzsche, porém, meditou sobre o lado obscuro, as conseqüências que


poderiam resultar do otimismo desenfreado embutido nessa convicção. Esse
otimismo representa, para ele, a face resplandecente de um avesso sombrio: o
mesmo progresso conduz inexoravelmente à exaustão dos valores herdados da
tradição, à sua impossibilidade de dar sustentação a futuros projetos viáveis, no
campo quer do conhecimento, quer da ética, quer da política.” (P.9)

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“Por essa razão, Nietzsche dedicou sua vida a realizar três tarefas principais:
compreender a lógica desse movimento contraditório ao longo do qual o
progresso do conhecimento leva á perda de consistência dos valores absolutos; a
partir daí, denunciar todas as formas de mistificação pelas quais o homem
moderno oblitera sua visão dos perigos de sua condição; por fim, destruídos os
falsos ídolos — e esses são os valores mais venerados pelo homem moderno —
assumir corajosamente o risco de pensar novos valores, abrir novos horizontes
para a experiência humana na história.” (P.9-10)

“O homem louco saltou em meio a eles e trespassou-os com o oUiar. 'Para onde
foi Deus?', clamou ele,'eu vos quero dízê-lo! Nós o matamos, vós e eu! Nós todos
somos seus assassinos? Como, porém, fizemos isso?” (P.10)

“A passagem descreve o sentimento de abandono que, como vazio opressivo,


esmaga a consciência do homem moderno. Os cínicos escarnecedores, reunidos
na praça do mercado, somos também nós, vencedores do combate da ciência
contra as trevas da ignorância. Apenas nós, homens modernos, não estávamos
conscientes da dimensão épica de nosso próprio feito, nada sabíamos da tragédia
que desencadeáramos, nela precipitando nosso mundo.” (P.11)

“Não se pode, porém, extrair as últimas conclusões desse impulso crítico sem
retomar á sua origem, isto é, para Nietzsche, á metafísica de Platão. Por essa
razão, uma das primeiras e mais fundamentais tarefas que Nietzsche se atribui é
a de refutar e destruir a metafísica platônica.” (P.11)

“Para Nietzsche, pode-se tomar a filosofia de Platão como modelo da metafísica.


Esta se fundamenta numa concepção dualista do universo, estabelecendo uma
oposição de valores entre duas esferas distintas da realidade ou do ser: de um
lado, existe um domínio ideal, considerado como o verdadeiro mundo ou a
realidade verdadeira, assim denominado por ser o plano das essências, isto é,
aquilo que, em todo e qualquer fenômeno constitui sua pura forma ou conceito.”
(P.12)

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“Tais formas puras, denominadas tecnicamente idéias por Platão, teriam sua
origem na idéia do Bem — ou de Deus — que é a causa produtora de todas as
outras idéias que são as formas gerais do universo.” (P.12)

“Por serem as responsáveis pela realidade de todo real, foram tradicionalmente


denominadas realidade inteligível, em contraposição a uma segunda ordem de
realidade, a realidade aparente ou sensível, que é aquela de que temos
experiência ordinária.” (P.12)

“Nossa alma ou espírito, nossa verdadeira essência e princípio inteligível, estaria


como se prisioneira de nosso corpo, sendo por isso induzida ao erro e ao engano
pelos sentidos, que nos arrastam para o plano das aparências, desviando-nos do
que seria nossa verdadeira destinação: a contemplação das formas puras.” (P.12)

“O anúncio, por Nietzsche, da morte de Deus significa o fim do modo tipicamente


metafísico de pensar, na medida em que, para ele, o cristianismo, tanto como
religião quanto como doutrina moral, constitui uma versão vulgarizada do
platonismo, adaptada às necessidades e anseios de amplas massas populares.
Por sua vez, o cristianismo constitui, para Nietzsche, a medula ética do mundo
ocidental; é da seiva moral do cristianismo que se nutrem todas as esferas
importantes de nossa cultura, desde a mais abstrata e rarefeita investigação das
ciências formais até o plano material de organização da vida e do trabalho.” (P.13)

“Isso significa que não podemos mais sustentar a crença num conhecimento
objetivo, que ultrapasse a particularidade de nossos afetos.” (P.13)

“Para Nietzsche, todo conhecimento é inevitavelmente guiado por interesses e


condicionamentos subjetivos, ideológicos; o conhecimento resulta da projeção de
nossos impulsos e anseios, razão pela qual Nietzsche o considera sempre
determinado por certa perspectiva, seja individual, seja sócio-culturalmente
determinada.” (P.13)

“A morte de Deus implica, portanto, a possibilidade de colocar em questão a


crença na origem divina e no valor absoluto da verdade.” (P.13)

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“Nietzsche é, pois, o filósofo que ousa colocar em questão o valor dos valores.
Sua preocupação consiste em trazer ã luz as condições históricas das quais
emergiram nossos supostos valores absolutos, colocando em dúvida a pretensa
sacralidade de sua origem. Em sua genealogia da moral, Nietzsche pretende
também submeter a julgamento o valor desses mesmos valores: foram eles
propícios ou nocivos ao florescimento e intensificação da vida humana na terra?”
(P.14)

“Um intérprete contemporâneo da obra de Nietzsche, o americano Walter


Kaufmann, escrevendo a respeito desse traço assistemático, fez notar que
Nietzsche seria um pensador de problemas, e não pensador de sistemas; [...] O
resultado final não é tanto uma solução do problema inicial, mas antes o
discernimento de seus limites: em regra, o problema não é resolvido; nós, porém,
nos elevamos acima dele.” (P.14)

“Com a mesma necessidade com que uma árvore dá seus frutos, crescem em
nós nossos pensamentos, nossos valores, nossos sins e nãos e quandos e ses —
aparentados e referidos todos eles entre si e testemunhas de uma única vontade,
de uma única saúde, de um único terreno, de um único sol.” (P.14)

“O primeiro momento se caracterizaria, sobretudo, pelos escritos do assim


chamado "jovem Nietzsche" e coincidiria, em grande parte, com o tempo de
docência na Universidade de Basiléia, como catedrático de filologia clássica.”
(P.16)

“De um ponto de vista genérico, pode-se afirmar que i questão central da filosofia
do jovem Nietzsche está ligada ao destino da arte e da cultura no mundo
moderno. Nesse momento, ele se encontra profundamente influenciado pela
metafísica da vontade de Schopenhauer (1788-1860), o teórico do pessimismo,
que considerava que o universo não era expressão do intelecto e da vontade de
Deus, nem efeito de outra espécie de princípio racional. Para ele, a essência do
universo é um impulso cego, denominado Vontade, ávida e insaciável,
eternamente em busca de satisfação.” (P.16 e 17)

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“Tomando Wagner e Schopenhauer como seus aliados, Nietzsche empreende
uma crítica radical das tendências culturais dominantes em seu tempo,
caracterizadas por uma confiança ingênua nas idéias de evolução e progresso
lógico ou natural, no curso dos quais a humanidade teria alcançado um estágio de
desenvolvimento em que estaria em condições de, humanizando a natureza e
racionalizando a sociedade, aproximar-se do ideal da felicidade universal.” (P.17)

“Nietzsche se opunha também a outra tendência de sua época, que consistia em


valorizar uma forma de intelectualidade erudita, burocrática e estéril que, em
nome de uma pretensa neutralidade científica, se mantinha numa posição de
distância em relação aos interesses concretos de um povo, ás necessidades e
urgências da vida.” (P.17)

“Assim, nem pela razão especulativa nem pela razão prática — nem pela via da
ciência, nem pela da moralidade — se poderiam justificar a existência do universo
e a razão de ser da vida humana.” (P.18)

“[...] “só como fenômeno estético toma-se justificada a existência do mundo [das
Dasein der Welt]”” (P.18)

“Esta é a lição deixada pela tragédia grega: arte e cultura têm como finalidade a
transformação desse horror em beleza, em poesia épica e lírica popular, em
música e ditirambos , em instituições ético-religiosas e políticas como a obra de
arte do Estado grego.” (P.19)

“Apolo representa o lado luminoso da existência, o impulso para gerar as formas


puras, a majestade dos traços, a precisão das linhas e limites, a nobreza das
figuras. Ele é o deus do principio de individuação, da sobriedade, da temperança,
da justa medida, o deus do sonho das belas visões. Dionísio, por sua vez,
simboliza o fundo tenebroso e informe, a desmedida, a destruição de toda figura
determinada e a transgressão de todos os limites, o êxtase da embriaguez. Apolo
é o patrono das artes figurativas, Dionísio é o deus da música.” (P.19)

“Sem destruição, não há criação; sem trevas, não há luz; sem barbárie e
crueldade, não há beleza nem cultura.” (P.19)

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“Uma cultura de tipo socrático é necessariamente iluminista e, portanto, hostil à
arte e ao mito, considerados uma forma de ignorância e de ilusão, unia vez que
não explicam as verdadeiras causas das coisas. Entretanto, essa mesma cultura
se converte em seu contrário — isto é, abre espaço para um renascimento da
ilusão artística — quando a consciência do homem teórico admite que nem tudo é
acessível à racionalidade lógica; mais ainda, que o essencial em nossa existência
permanece envolto num mistério impenetrável a qualquer explicação racional. Tal
experiência teria sido vivida na Grécia e estaria simbolizada no enigma de
Sócrates — ao mesmo tempo sendo inimigo dos artistas e, no final da vida,
compondo música e pondo em versos algumas fábulas de Esopo. Isto é:
retomando ao mito. Essa seria, pois, a catástrofe da razão socrática.” (P.20)

“Trata-se de um tipo de cultura essencialmente lógica e dialética, que, como


Sócrates, deposita toda a sua esperança na onipotência do conhecimento
científico, no valor absoluto da verdade a qualquer preço. Tal como Sócrates, a
cultura moderna sucumbe á sua catástrofe quando chega ao discernimento de
suas próprias fronteiras e limites, isto é, quando reconhece, a partir dos recursos
e das exigências mais avançadas da própria ciência, que a razão técnico-
científica não é onipotente. Mais ainda, que a confiança nessa onipotência é uma
forma poderosa de ilusão.” (P.20 e 21)

“A filosofia crítica culminaria com a descoberta de que os interesses essenciais da


vida humana — a crença em Deus, na liberdade e na imortalidade da alma - são
racionalmente inexplicáveis. Por essa razão, Nietzsche espera, de uma aliança
contraída entre a tradição espiritual da filosofia alemã, simbolizada em
Schopenhauer, e o poder irresistível da música alemã, simbolizada em Wagner,
um renascimento do espírito trágico, que dana novo alento e autenticidade a uma
cultura depauperada, que vive do consumo da cultura de todos os povos e
épocas, numa confusão bárbara de todos os estilos; uma cultura consumida pela
erudição vazia, desprovida de identidade própria e de vitalidade.” (P.21)

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“Em razão da hipertrofia do conhecimento histórico, a cultura moderna é uma
mistura caótica das formas culturais de todas as épocas a que tem acesso; nesse
sentido, o termo que a designa é,para Nietzsche, "barbárie civilizada". Falta-lhe,
pois, a característica que constitui o traço essencial de toda verdadeira cultura:
"Cultura é, sobretudo, a unidade do estilo artístico em todas as manifestações da
vida de um povo".” (P.21 e 22)

“A motivação fundamental de sua filosofia política pode ser buscada não em


alguma identificação com os interesses de uma classe social ou movimento
político, mas na compreensão da cultura como redenção da natureza e da vida.”
(P.22)

“Nietzsche, de fato, não acreditava que uma organização racional das relações
sociais faria desaparecer completamente da sociedade moderna as figuras
negativas da violência, opressão e exploração. Suas razões para isso consistem
em que o ser humano é, sobretudo, uni animal impulsivo, dominado por forças
que escapam ao controle integral e autárquico de sua consciência. Para
Nietzsche, a racionalidade é uma forma refmada da vontade de poder, e não
ainda suficientemente vigorosa para exercer pleno domínio sobre figuras menos
espiritualizadas dessa mesma vontade que, na forma de paixões arrebatadoras,
ameaçam permanentemente arrastar o homem às experiências mais terríveis de
violência e destruição.” (P.23)

“Entretanto, a tarefa da cultura consiste justamente em transfigurar essa matéria


incandescente em espírito, transformar monstros selvagens em animais
domésticos, com os quais é belo e agradável viver.” (P.23)

“A ruptura com a metafísica de artista, descrita no capítulo anterior, é também um


distanciamento crítico em relação à filosofia de Schopenhauer e uma desilusão
com as esperanças de renovação cultural depositadas no projeto wagneriano.
Isso origina a nova configuração de temas e problemas, característica do segundo
período de sua filosofia, no qual há uma predominância do estilo aforístico,
inspirado nos moralistas franceses.” (P.24)

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“Dedicando o livro à memória do filósofo francês Voltaire e escolhendo como
epígrafe uma citação de O Discurso do Método para bem conduzir a própria razão
e buscar a verdade na ciência, de René Descartes, Nietzsche já o insere
simbolicamente na tradição da filosofia das Luzes, caracterizada pela confiança
no poder emancipatório da ciência, em seu triunfo contra as trevas da ignorância
e da superstição. Não por acaso, portanto, a obra tem como subtítulo Um Livro
Para Espíritos Livres.” (P.24 e 25)

“Se, para o jovem Nietzsche, era a arte — e não a ciência ou a moralidade — o


que constituía a atividade verdadeiramente metafísica do homem, permitindo a
ele aproximar-se da dimensão "essencial" da existência, em Humano, Demasiado
Humano ela é destituída desse privilégio. Fazendo uma referência velada a
pressupostos fundamentais da filosofia de Schopenhauer, dos quais partilhara,
Nietzsche toma agora o cuidado de se afastar criticamente deles: "Que lugar
ainda resta agora para a arte? Antes de tudo, ela ensinou, através de milênios, a
olhar com interesse e prazer a vida, em todas as suas formas, e alargar tanto
nosso sentimento que por fim brademos: 'Como quer que seja a vida, ela é boa'.
Essa doutrina da arte — sentir prazer na existência e considerar a vida humana
uma parte da natureza — [...] essa doutrina foi implantada em nós; ela vem à luz
novamente agora como irresistível necessidade de conhecer. O homem científico
é o desenvolvimento do homem artístico".” (P.25)

“Essa segunda fase na trajetória filosófica de Nietzsche pode ser caracterizada,


assim, por uma valorização do conhecimento científico e um abrandamento da
oposição entre arte e ciência que, com seus diferentes matizes, caracterizava a
metafísica de artista do jovem Nietzsche.” (P.25)

“O prazer de viver, a satisfação fluída na contemplação das formas da existência,


cultivados na humanidade sob influência da arte, desafogam-se na "irresistível
necessidade de conhecimento".” (P.25)

“Se, para o jovem Nietzsche, o aprofundamento do conhecimento científico


conduzia a proliferação de um saber erudito e estéril, que sufocava a vida, para o
Nietzsche do período intermediário o conhecimento científico toma livre o espírito

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e, como herdeiro da riqueza e da elevação de ânimos produzidas pela arte, passa
a assumir uma função transfiguradora, embelezadora da existência.” (P.25)

““ Eles pensam que a realidade é horrível; contudo, não pensam que o


conhecimento até mesmo da mais horrível realidade é belo, do mesmo modo que
aquele que conhece bastante e amiúde está, por fim, muito longe de considerar
horrível o grande todo da realidade, cuja descoberta lhe proporciona sempre
felicidade. A felicidade do homem do conhecimento aumenta a beleza do mundo
e toma mais ensolarado tudo o que é; o conhecimento espalha sua beleza não
apenas em tomo das coisas, como também, com o tempo, dentro das próprias
coisas".” (P.26)

“De acordo com esse método, a explicação de um fenômeno qualquer depende


sempre da reconstituição dos momentos constitutivos de seu vir-a-ser, de tal
maneira que o sentido atual desse fenômeno não pode ser obtido sem o
conhecimento da série histórica de suas transformações e deslocamentos.” (P.27)

“Aplicando-o á gênese dos sentimentos morais, Nietzsche afirma que aquilo que,
a um olhar não suficientemente adestrado, pode aparecer como uma oposição
entre contrários — por exemplo, entre bom e mau, egoísta e altruísta, mas
também entre belo e feio, verdadeiro e falso, objetivo e subjetivo —, sempre se
revela, á luz de sua consideração histórico-genealógica, como uma transformação
do oposto em seu outro.” (P.27)

“”[...] as forças mais selvagens abrem caminho, e, embora destrutivas, de início a


atividade delas foi necessária para que, mais tarde, um modo de vida mais suave
aí erguesse sua morada. As energias terríveis — aquilo que se chama o Mal —
são os ciclópicos arquitetos e construtores de caminho da humanidade. ”” (P.28)

“Em Aurora, Nietzsche lança mão cia penetração psicológica, do rigor de sua
filosofia histórica, para escavar o campo da moralidade e da religião, com o
propósito de examinar as fundações sobre as quais foram erigidos os majestosos
edifícios éticos da tradição ocidental. Esse trabalho de topeira no subsolo
insalubre dos sentimentos morais visa trazer à superfície de um conhecimento

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livre de preconceitos as condições e os propósitos, as motivações inconfessáveis,
que estão na origem dos valores éticos prctensamente absolutos. Trata-se de um
livro marcado por uma disposição de ânimo ao mesmo tempo grave e libertária:
um livro das profundezas sombrias, que aspira pela luz da superfície.” (P.29)

“Em A Gaia Ciência - ao lado dos temas sempre presentes na filosofia de


Nietzsche, como a crítica do conhecimento, da arte, da religião, da metafísica e
da moral —, pode-se perceber claramente um aprofundamento e intensificação
das preocupações pedagógicas, a intenção de organizar o pensamento de forma
tal que uma leitura conveniente da obra seja o caminho para a libertação
suprema.” (P.30)

“A filosofia dos espíritos livres se toma, em A Gaia Ciência, uma ascese e


preparação para o surgimento da personalidade autêntica que, pela disciplina
crítica, aprendeu a discriminar entre as necessidades e aspirações que brotam de
sua natureza singular e aquelas que lhe são impostas do exterior, afastando-a do
caminho que a poderia conduzir a si mesma. Nietzsche acredita que esse
caminho está reservado apenas para aqueles poucos que têm a ousadia de
pensar e responder por si próprios.” (P.30)

“Assim Falou Zaratustra condensa efetivamente todos os focos de interesse que


constituem o âmago do pensamento de Nietzsche: a desconstrução da
metafísica, a denúncia da hipocrisia moral, as preocupações com a educação, a
política e o destino da cultura, a crítica do Estado.” (P.31)

““ O corpo é uma grande razão, uma pluralidade dotada de um sentido, uma


guerra e uma paz, um rebanho e um pastor. Instrumento de teu corpo é também
tua pequena razão, meu irmão, a que chamas 'espírito', um pequeno instrumento
e um pequeno joguete de tua grande razão.[...]”” (P.31)

“No Zaratustra, com a intransigência do profeta, Nietzsche reedita sua crítica a


todas as esferas da tradição cultural. O personagem central da obra se faz porta-
voz de doutrinas fundamentais para o futuro do homem: a vontade de poder, o
eterno retomo do mesmo e o além-do-homem. A ação combinada desses três

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ensinamentos deverá produzir o desmascaramento e a ruína da hipocrisia que
caracteriza a cultura moderna.” (P.32)

“O último homem simboliza a modernidade, que considera a si mesma o ponto


mais avançado do desenvolvimento histórico da humanidade, acreditando que a
finalidade dessa história consistia precisamente na chegada do moderno.” (P.32)

“Para Zaratustra, entretanto, o último homem representa o mais inquietante


rebaixamento de valor do ser humano, a transformação do homem numa massa
impessoal de seres uniformes.” (P.32)

“Além-do-homem é um conceito que só pode ser corretamente apreendido em


antagonismo com a figura do último homem, pois ele constitui um contra-ideal da
tendência ao nivelamento e à uniformização que, para Nietzsche, caracteriza a
moderna sociedade de massa. Para ele, o homem pode ser visto não como um
fim — como o deseja o último homem —, mas como um meio para conquistar
possibilidades mais sublimes de existência.” (P.33)

“Essa perigosa travessia que conduz do animal ao além-do-homem só pode ser


empreendida pelo homem moderno renunciando ao conformismo de sua
mediocridade e auto-satisfação.” (P.33)

“Se é a Vontade que determina o surgimento e a transformação de todo estado de


coisas do universo, tal Vontade possui uma qualidade fundamental: ela é vontade
de poder.” (P.34)

“Para que o homem moderno possa ainda criar para além dele mesmo, é
necessário que se aproprie dessa natureza, ou seja, de sua vontade de poder.
Somente desse modo poderá realizar aquilo que, por meio dele, constitui o
fervoroso desejo da vida: superar-se a si mesmo, rompendo a camisa-de-força
em que a encerrou a moderna civilização ocidental — a rigidez da
autoconservação a qualquer custo.” (P.34)

“Somente quando o sofrimento não for mais vivido como uma objeção contra a
vida e um motivo para condená-la é que o homem poderá superar seu desejo de
um além metafísico e seu rancor contra a passagem do tempo.” (P.35)

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“O ensinamento que conduz a essa forma de superação é o eterno retomo do
mesmo. Não se trata de mera aceitação resignada dos acontecimentos do
destino, mas de afirmação incondicional, que aceita e bendiz cada instante
vivido.” (P.35)

“Se para seu grande precursor, o filósofo Baruch de Spinoza (1632-77), o


conhecimento verdadeiro conduzia ao amor intelectual de Deus, para Nietzsche o
ensinamento do eterno retomo leva ao amor do destino (amor fati).” (P.35)

“As duas obras subseqüentes, Para Além de Bem c Mal (1886) e Para a
Genealogia da Moral (1887), são os principais testemunhos da tentativa de
divulgar, como uma espécie de glossário conceitual, os temas e problemas do
Zaratustra. No primeiro deles, Nietzsche expõe sua hipótese de interpretação
global da existência com base na perspectiva fornecida pelo conceito de vontade
de poder.” (P.36)

“Para a Genealogia da Moral talvez seja o livro mais conhecido de Nietzsche. [...]
Principalmente, acredita ter fornecido agora ao método genealógico uma
dimensão especial. A genealogia nietzscheana não se contenta mais apenas com
uma abordagem histórica dos sentimentos e conceitos morais. A gênese histórica
é tarefa preparatória para uma questão mais incisiva, mais radical: aquela que se
pergunta pelo próprio valor dos valores e avaliações da moral tradicional” (P.37)

“"Necessitamos uma critica dos valores morais, é necessário colocar alguma vez
em questão o próprio valor desses valores -e para isso se tem necessidade de ter
conhecimento das condições e circunstâncias das quais surgiram aqueles
valores, nas quais se desenvolveram e modificaram (a moral como conseqüência,
como sintoma, como máscara, como tartufaria, como enfermidade, como mal-
entendido; mas também a moral como causa, como remédio, como estímulo,
como freio, como veneno), um conhecimento que não existiu até agora, nem
sequer foi desejado."” (P.37 e 38)

“"Todos os instintos que não se descarregam para fora voltam-se para dentro — é
isso que eu denomino interiorização do homem: é somente com isso que cresce
no homem aquilo que mais tarde se denomina sua'alma'.”” (P.38)

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“Nesses escritos, Nietzsche interpreta a história da cultura moderna como
escalada do niilismo. Este, por sua vez, deve ser entendido como um sentimento
opressivo e difuso, próprio ás fases agudas de ocaso de uma cultura. O niilismo
seria a expressão afetiva e intelectual da decadência. Por meio dele, o homem
moderno vivência a perda de sentido dos valores superiores de nossa cultura. Por
essa ótica, niilismo seria o sentimento coletivo de que nossos sistemas
tradicionais de valoração, tanto no plano do conhecimento, quanto no ético-
religioso, ou sociopolítico, ficaram sem consistência e já não podem mais atuar
como instâncias doadoras de sentido e fundamento para o conhecimento e a
ação.” (P.38 e 39)

“Nietzsche diagnostica os movimentos sociais que marcam a história recente da


Europa — tais como o desenvolvimento do socialismo e manifestações mais
violentas e radicais de anarquismo — como aprofundamentos de um processo de
decadência de valores e instituições que teria tido origem na Reforma e na
Revolução Francesa, e aos quais ele contrapõe seu próprio entendimento de
ação política.” (P.39)

“Se, como perda de sentido e valor, o niilismo anuncia o crepúsculo do projeto


sociocultural da modernidade, então a tarefa que Nietzsche atribui á sua "Grande
Política" está necessariamente ligada a uma tresvaloração de todos os valores.”
(P.40)

“Se a condição atual de nossa cultura é marcada pelo niilismo, a possibilidade de


sua redenção seria vislumbrada a partir de uma inversão dos valores
fundamentais dessa mesma cultura. Se ela se caracteriza, sobretudo, por ser uma
cultura gerada e nutrida pelo cristianismo, sua superação seria a tarefa própria de
O Anticristo.” (P.40)

““ Conheço a minha sina. Um dia, meu nome será ligado á lembrança de algo
tremendo — de uma crise como jamais houve sobre a Terra, da mais profunda
colisão de consciência, cie uma decisão conjurada contra tudo o que até então foi
acreditado, santificado, querido. Eu não sou um homem, sou dinamite".” (P.41)

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“Nietzsche considerava, pois, até o final de sua vida lúcida, que o silêncio que
pairava sobre sua obra não era casual. Sabia que nascera póstumo. Sabia que
sua obra seria necessariamente fonte de mal-entendidos e apropriação indébita
por parte de seus contemporâneos.” (P.41)

“Segundo Heidegger, Nietzsche é o filósofo em cujo pensamento a metafísica é


conduzida aos limites extremos de sua possibilidade. Ao mesmo tempo que
representa o extremo aprofundamento e radicalização da metafísica — levando à
sua consumação e esgotamento -, Nietzsche seria também um preparador de
terreno para sua superação.” (P.43 e 44)

“Ele assumiu até o fim a tarefa de levar o pensamento a suas conseqüências


extremas. Não tolerava as "máquinas de pensar, de gélidas entranhas". "Ignoro o
que sejam problemas puramente espirituais", dizia ele. "Todas as verdades são,
para mim, verdades sangrentas."” (P.52)

“Filosofar é viver— isto é, transfigurar permanentemente em luz e chama tudo o


que somos, tudo o que nos afeta.” (P.52)

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