Carol (148-274-1-SM)
Carol (148-274-1-SM)
Carol (148-274-1-SM)
RESUMO
ABSTRACT
1
Aluna na Faculdade Filosofia (licenciatura) pela Pontifícia Universidade Católica de
Campinas (PUC-Campinas). O presente artigo é resultado da Iniciação Científica
realizada entre 2020-2021. E-mail: anacarolinasalles598@gmail.com
2
Doutor e mestre em Filosofia pela UFRJ. Coordenador do Programa de Pós-graduação
em Ciências da Religião e diretor da Faculdade de Filosofia na PUC-Campinas.
E-mail: renatokirchner00@gmail.com
3
Nietzsche afirma em sua obra Ecce homo (2017, p. 144): “Eu não sou homem, eu sou dinamite”.
4
“[...] Platão é enfadonho. — Minha desconfiança em relação a ele chega, por fim, ao extremo:
acho-o tão desgarrado de todos os instintos básicos dos helenos, tão moralizado, tão pré-cristão
[...]” (NIETZSCHE, 2017, p. 130).
2 A GÊNESE DA MORAL
Nietzsche expressa que esse cristianismo atual nega o próprio Evangelho, além
de ser oposto à Boa-nova, e diz:
— Volto atrás, conto agora a história genuína do cristianismo.
— Já a palavra “cristianismo” é um mal-entendido — no fundo,
houve apenas um cristão, e ele morreu na cruz. O “evangelho”
morreu na cruz. O que desde então se chamou “evangelho” já era
o oposto daquilo que ele viveu: uma “má nova”, um disangelho.
É absurdamente falso ver numa “fé”, na crença na salvação
através de Cristo, por exemplo, o distintivo do cristão: apenas
a prática cristã, uma vida tal como a viveu aquele que morreu
na cruz, é cristã... Ainda hoje uma vida assim é possível, para
determinadas pessoas é até necessária: o cristianismo autêntico,
original sempre será possível... Não uma fé, mas um fazer,
sobretudo um não-fazer muitas-coisas, um ser de outro modo...
Estados de consciência, qualquer fé, tomar algo por verdadeiro
[...] (NIETZSCHE, 2007, p. 39).
Os culpados pela morte de Deus são os homens modernos que, com sua
inteligência e usando o método científico, transformam a sociedade e matam a
influência de Deus em suas vidas, pois somente a humanidade poderia matar e
enterrar o Deus que ela mesma criou. Portanto, a crítica lançada por Nietzsche é
para toda a tradição cultural Ocidental, a qual carregou o cristianismo e declinou
os indivíduos.
Mas é nessa mesma modernidade que se institui uma nova forma de humano,
seres que passam a enxergar o paraíso na sua própria realidade, além de reconhecerem
suas subjetividades diante o sagrado, especialmente ao contestar os dogmas religiosos
pela verdade científica. Assim, se antes o paraíso seria na vida pós-morte, agora
acredita-se num futuro nesse mundo garantido pela ciência.
Entretanto, com a perda da fé pela morte de Deus e os rumos que a
modernidade vai tomando, os indivíduos começam a se frustrar com as ofertas do
progresso científico e instaura-se o niilismo5, desabando6 de vez com a modernidade,
pois não tem mais o Deus todo-poderoso para socorrê-los e, tampouco, a ciência
consegue sustentar os ideais de futuro e garantia de vida. Diante disso, os homens
são tomados pelo vazio.
5
Segundo Deleuze: “Na palavra niilismo, nihil não significa o não-ser e sim inicialmente, um
valor de nada. A vida assume um valor de nada na medida em que é negada, depreciada.
[...] A vida inteira torna-se então irreal, é representada como aparência, assume em seu
conjunto um valor de nada (1976, p. 123).
6
Segundo Gianni Vattimo, em O fim da modernidade, compreende-se que na história da
filosofia, a modernidade desaba com a sentença da “morte de Deus” e seu enterro pelos
cristãos, inaugurando a pós-modernidade: “Por isso, a morte de Deus — momento
culminante e, ao mesmo tempo, final da metafísica” (1996, p. 19).
Zaratustra, ao descer das montanhas, encontra um ancião que tenta dizer para
não retornar aos homens, mas o profeta quer levar um presente a eles, porém, o ancião
insiste em dizer que o melhor a se fazer é ficar cantando para Deus como ele faz na
floresta. “Mas, ao ver-se só, Zaratustra falou assim a seu coração: ‘Será possível? Esse
velho santo em sua floresta ainda não ouviu que Deus está morto’” (NIETZSCHE,
2017 p. 27) e, ao chegar à cidade, anuncia:
Eu vos ensino o super-homem. O homem é algo que deve ser
superado. Que fizestes vós para superá-lo?
Todos os entes até agora criaram algo para além de si: e vós
quereis ser a vazante dessa grande enchente, preferis retornar
Além do anúncio que o homem deve ser superado, Zaratustra proclama diversos
discursos para expressar a passagem do espírito de animal até o Übermensch, traduzido
aqui como o além-do-homem. Ainda na primeira parte da obra encontra-se o discurso
“Das três transformações” que aponta para a liberdade: “[...] como o espírito se torna
camelo, o camelo leão, e, por fim, como o leão se torna criança” (NIETZSCHE,
2017, p. 42), revelando as metamorfoses que um espírito precisa atravessar para
abandonar o niilismo.
O camelo é o primeiro estágio que o espírito necessita atravessar, pois mesmo que
seja forte, carrega os valores metafísicos platônicos, falta liberdade de realização,
e plenitude de vida que, em sua visão, somente pode ser alcançada no paraíso
cristão, portanto, esse camelo é servil pensando ser livre, mas sua liberdade depende
de um outro mundo somente atingido depois da morte e sua felicidade está em
pouquíssimos momentos, pois o que resta para si é tédio: “‘O que é pesado?’ Assim
pergunta o espírito de carga, assim se ajoelha, como o camelo, e quer ser carregado
abundantemente” (NIETZSCHE, 2017, p. 42).
O segundo passo é tornar-se leão, mas ele se encontra cansado da vida, diferente do
camelo; sua reação é a revolta em romper com os valores antigos que o aprisiona, porém,
ele ainda permanece ligado com tais valores e não se encontra preparado para recriar e
viver novos valores: “[...] o espírito torna-se aqui leão, ele quer tomar a liberdade como
presa e ser senhor em seu próprio deserto” (NIETZSCHE, 2017, p. 43).
A terceira e última metamorfose necessita “dizer-sim” e tem a figura de uma criança que
aprende tudo novo, pois a criança exerce um outro modo de vida, com novas escolhas
e tendo liberdade sem o passado de valores antigos, podendo então mergulhar na
plena existência, no corpo e na maravilha que é viver e ser livre! Eis como esta última
transformação aparece na obra:
Zaratustra vem para anunciar o além-do-homem que deve exaltar a vida e viver
intensamente o amor fati, conceito pelo qual Nietzsche expressa o amor pelo destino,
pela música e pela sabedoria, sendo um grande admirador do valor contido na vida
e ressaltando em sua obra A gaia ciência:
amor fati: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer
guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo
acusar os acusadores. Que a minha única negação seja desviar o
olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas
alguém que diz Sim! (NIETZSCHE, 2001, § 276).
CONCLUSÃO