FormacaoviolonistasSobral SouzaFilho 2022
FormacaoviolonistasSobral SouzaFilho 2022
FormacaoviolonistasSobral SouzaFilho 2022
ESCOLA DE MÚSICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
NATAL-RN
2022
JOSÉ UÉLITO TERTO DE SOUZA FILHO
NATAL-RN
2022
Catalogação de Publicação na Fonte
Biblioteca Setorial Pe. Jaime Diniz - Escola de Música da UFRN
S729f Souza Filho, José Uélito Terto de.
A formação de violonistas em Sobral-CE/ José Uélito Terto de Souza
Filho. – Natal, 2022.
377f.: il.; 30 cm.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Prof. Dr. Tiago de Quadros Maia Carvalho (Orientador)
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
_________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Mateus de Oliveira
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________
Profª. Dra. Ana Cristina Gama dos Santos Tourinho
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
A Deus.
À Maria Lenice da Cruz, José Uélito Terto de
Souza e José Avelino de Souza (in memoriam).
AGRADECIMENTOS
Esta pesquisa é um estudo de casos múltiplos realizado com cinco violonistas em Sobral-CE. O
objetivo principal foi compreender os processos que marcam a formação em múltiplos contextos de
violonistas profissionais e semiprofissionais. Nesse sentido, empenhou-se em assimilar a formação
musical dos violonistas Juca Viana, Janilson Braga, Reginaldo Fialho, Luizito Miguel e Almir Martins,
violonistas colaboradores da presente pesquisa. Para tal, foram utilizados como técnicas de
construção de dados entrevistas qualitativas, observações simples, pesquisa documental e a
realização de um survey com violonistas em Sobral-CE. A fundamentação teórica está alicerçada
em Ferry (1997), que aprofunda o conceito de “formação”. Já as diretrizes sugeridas por Green
(2002) apresentam perspectivas contemporâneas do campo da Educação Musical acerca dos
múltiplos contextos em que as práticas de ensino e aprendizagem de música se materializam. O
delineamento adotado foi a abordagem qualitativa, balizamento que possibilitou o entendimento de
cada violonista como um ser específico e particular dentro de suas práticas. Assim, as experiências
dos músicos são enxergadas sob a luz da dialogicidade e transversalidade. Para tal, a Análise
Textual Discursiva (ATD) figurou como lente para tratar os dados construídos (entrevistas). Os
dados apontam que a formação dos violonistas é potencializada mediante a transitividade existente
nos percursos formativos. Dessa forma, as múltiplas fontes de informações, assim como os distintos
contextos de atuação dos músicos, configuram-se como aspectos contributivos para a formação
musical de cada violonista.
This research is a multiple case study carried out with five guitarists in Sobral-CE. The main
objective was to understand the processes that mark the formation in multiple contexts of
professional and semi-professional guitarists. In this sense, he endeavored to assimilate the musical
training of guitarists Juca Viana, Janilson Braga, Reginaldo Fialho, Luizito Miguel and Almir Martins,
guitarists who collaborated in this research. To this end, qualitative interviews, simple observations,
documental research and a survey with guitarists in Sobral-CE were used as data construction
techniques. The theoretical foundation is based on Ferry (1997), who deepens the concept of
“training”. The guidelines suggested by Green (2002) present contemporary perspectives in the field
of Music Education about the multiple contexts in which music teaching and learning practices
materialize. The design adopted was a qualitative approach, marking that allowed the understanding
of each guitarist as a specific and particular being within their practices. Thus, the musicians'
experiences are seen in the light of dialogicity and transversality. To this end, Discursive Textual
Analysis (DTA) was used as a lens to treat the constructed data (interviews). The data indicate that
the training of guitarists is enhanced through the transitivity existing in the training paths. In this way,
the multiple sources of information, as well as the different contexts of performance of the musicians,
are configured as contributing aspects for the musical training of each guitarist.
Figura 9 Iniciação ao violão: princípios básicos e elementares para principiantes ..... 114
Figura 12 Síntese dos principais conteúdos distribuídos nos materiais didáticos compilados 117
Tabela 2 Tabela com datas e horários dos convites enviados pelo WhatsApp .............. 69
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 14
4 METODOLOGIA ...................................................................................... 61
7 CONCLUSÃO…………...………………………………………….…… 213
1 INTRODUÇÃO
1
No âmbito desta pesquisa o conceito de formação musical também compreende os espaços, as
habilidades, ferramentas, comportamentos, atitudes e valores que são constituídos ao longo do processo de
aprendizagem. “Para a área de educação musical, a formação é entendida no sentido de compreender as diferentes
formas que as pessoas aprendem música, a partir da relação que estabelecem com ela. Essa relação de
transmissão e apreensão de conhecimentos musicais ultrapassa os estabelecimentos formais de ensino e passa a
acontecer nos mais variados espaços, tais como televisão, bandas, Internet, escolas de samba, em casa com a
família, entre outros” (ARALDI, 2016, p.123).
2
De acordo com Souza (2020, p. 21) “Múltiplos espaços estão se configurando como locais onde ocorrem
trocas de informações e aprendizagens musicais, não se limitando mais ao espaço institucional das escolas. A
compreensão de Educação Musical para além das dimensões do espaço escolar, adequada à sociedade, na qual
todos os lugares são lugares de aprendizagem, traz uma visão epistemológica condizente com a aproximação da
aula de música às diversas realidades socioculturais vividas”.
3
De acordo com Salazar (2015, p. 49) “[...] o músico profissional vive da música e a música é a sua fonte de
renda exclusiva, capaz de arcar com todos os custos de vida pessoal e contribuir para o sustento da família. A
música tem total prioridade na sua agenda de compromissos”. Já o músico semiprofissional “[...] além da música
[...] precisa de outra atividade remunerada para complementar suas receitas, a fim de equilibrar o seu orçamento.
Seu tempo é dividido entre a música e a outra atividade”.
15
4
Esta seção foi escrita em primeira pessoa.
5
A EEM Professor Luís Felipe pertence à Rede Estadual de Ensino e está localizada na zona urbana de
Sobral, fazendo parte da CREDE 6. Fundada em 27 de dezembro de 1943 com o nome de Grupo Escolar Professor
Luís Felipe, iniciou suas atividades no dia 1º de fevereiro de 1944, na praça Cel. José Filgueira. Somente em 1955
passou a funcionar no atual prédio na rua Cel. José Silvestre. Disponível em:
https://crede06.seduc.ce.gov.br/index.php/escolas-da-6o-crede/41-endereco-escolas/escolas-da-6o-crede/404-ee
16
semanalmente aos sábados à tarde. Após minha matrícula nessas aulas, pedi à minha mãe que
comprasse um violão para mim. Assim, com o instrumento em mãos e frequentando as aulas
semanais, passei a ter minhas primeiras experiências de aprendizagem com o instrumento;
entretanto, por questões desconhecidas, o curso teve a duração de apenas um mês. Procurei, então,
meus próprios meios para aprender a tocar o instrumento, passando a pesquisar na internet algumas
músicas que gostaria de aprender. Fiquei completamente absorto pelo instrumento; passava cerca
de 8 horas por dia com o violão. Interessante destacar que este tempo era bastante prazeroso,
dando a impressão de que era pouco tempo. Sentia-me bastante confortável em ficar no quarto, em
frente ao computador - o violão em mãos, aprendendo as músicas que sempre quis tocar. É
importante salientar que em 2009 estava em grande ascensão o canal do Cifra Club6 no Youtube,
no qual eram disponibilizadas as cifras7 das músicas com seus respectivos ritmos. As formas e
estratégias para aprender a tocar, no entanto, eram de total autonomia e responsabilidade minha.
Após passar alguns meses estudando violão por conta própria, ingressei na Escola de
Música Maestro José Wilson Brasil (Escola de Música de Sobral ou EMS). A Escola de Música de
Sobral configura-se como um ambiente de cunho social, artístico e educativo, assim como um
projeto social (MATOS FILHO, 2014). Ela proporciona aos seus estudantes, professores e
servidores a troca de experiências, bem como vivências diversificadas, por ser um ambiente plural,
que também é ponto de encontro de músicos da cidade e região. Assim, destaco que foi nesse
espaço que tive acesso aos primeiros contatos com alguns músicos, consequentemente passando a
conhecer com mais afinco alguns espaços onde a música se materializa na cidade.
Com o tempo, e com as experiências desenvolvidas no âmbito da EMS, aprendi o
necessário para tocar determinadas músicas e assimilar certos conteúdos, como a formação do
campo harmônico maior e as principais fôrmas dos acordes maiores, menores, dominantes e
diminutos. Não apenas isso: foi na EMS onde concretizaram-se os melhores momentos da minha
adolescência. Eu tinha uma rotina que consistia em chegar da escola Luís Felipe às 11:00 horas,
almoçar, tomar banho e me organizar para ir para a EMS às 14:00 horas, onde passava grande
parte do meu tempo, voltando para casa às 20:00. Este hábito se repetia de segunda à sexta. Neste
espaço tive a oportunidade de conhecer exímios instrumentistas, professores, amigos, que
atualmente constituem a nova geração de músicos da cidade. Ser aluno da EMS era prazeroso não
apenas pelo ensino de música em si, mas por todo um conjunto de elementos: as práticas em grupo,
as apresentações em diversos contextos da cidade, as conversas esporádicas com os professores,
colegas e funcionários da escola, as viagens, assim como a participação nos grupos musicais da
escola, como o grupo8 de choro e a camerata de violões.
Foi na camerata de violões, em um dos ensaios, que me deparei pela primeira vez com
o que se chama de violão solista (THOMAZ, 2018). Neste evento, meu professor tocou “Sons de
Carrilhões”, de João Pernambuco. Vivenciei uma mistura de sentimentos; até então nunca tinha tido
contato com o violão sendo tocado daquela maneira: melodias e harmonias simultâneas, uma
interpretação com contrapontos, acordes que não faziam parte do meu vocabulário harmônico.
Assim, foi neste episódio que passei a me interessar e procurar saber mais a respeito deste tipo de
repertório, bem como os principais compositores para violão.
Porém, foi através do grupo de choro que passei a conhecer os compositores
brasileiros representativos para o violão (Garoto, Dilermando Reis, João Pernambuco), para o
Choro (Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Zequinha de Abreu, Chiquinha Gonzaga, Benedito
Lacerda), e também instrumentistas de renome no estado, como os violonistas Tarcísio Sardinha e
Eduardo Holanda, e o baterista Adriano Azevedo.
A partir do fluxo nestes eventos, minhas reflexões iniciais sobre a formação de
violonistas começaram a emergir, pois estas experiências me ofereceram situações em que minhas
vivências se confrontavam com experiências novas, com novas formas de interpretar música. Minha
curiosidade acerca do tipo de vivência que determinado músico passou para construir suas
habilidades e conhecimentos foi se amplificando. Através do grupo de choro, tive a oportunidade de
participar de uma oficina de samba e choro, ministrada por Tarcísio Sardinha. Ao vislumbrar sua
desenvoltura com o instrumento, comecei a construir algumas questões que, de certa forma, estão
relacionadas com a formação do músico: Como o violonista acompanha uma cantora que canta
determinado repertório que ele nunca escutou? Como se deu o processo de construção do seu
conhecimento musical? Foi em um conservatório? Em uma escola especializada? O que perpassou
para angariar determinadas habilidades e intimidade com o instrumento a ponto de acompanhar
músicas em qualquer tonalidade, sem o auxílio de partituras, com a capacidade de improvisar sem
um estudo prévio de determinada harmonia, ou até, a execução da harmonia tendo como referência
apenas uma gravação?
8
O grupo de Choro da Escola de Música de Sobral “Choruarú” teve seu nome criado por mim. É um
conjunto que reúne alunos para ensaiar, aprender e tocar as músicas do gênero, oportunizando a inserção de
alunos no contexto do choro.
18
9
O Mi, Festival Música da Ibiapaba, é um festival de formação, gratuito, realizado anualmente pelo
Governo do Ceará, através da Secretaria da Cultura e do Instituto Dragão do Mar. Consolidado como um dos
principais encontros de formação musical para alunos da rede pública estadual, músicos e instrumentistas do
Ceará, [...] Além da música erudita, o festival entra em sintonia com a música instrumental e a música popular
contemporânea. A cidade de Viçosa, localizada na serra da Ibiapaba, é o cenário do Festival [...] Além disso, as
políticas públicas de cultura voltadas para a música também entram na programação do festival, com o Encontro
Estadual de Regentes de Bandas e o Encontro Setorial da Música, que deve reunir o fórum estadual e os
representantes das entidades ligadas ao setor. Disponível em:
https://www.secult.ce.gov.br/festival-de-musica-na-ibiapaba/ Acesso em 28 out. 2020.
10
Iniciativa idealizada pela Sociedade Cearense de Produção Cultural e Científica e apoio da Secretaria de
Educação do Estado do Ceará, acontece em parceria com o Festival Jazz e Blues de Guaramiranga. O projeto de
estímulo à cidadania, formação e educação musical, capacita jovens e arte educadores de várias cidades do
interior do Ceará.
19
performance em distintos espaços. Através de ensaios, shows e apresentações, meu convívio com
violonistas da cidade se estreitou cada vez mais. Passei a observar que alguns músicos eram capazes
de criar arranjos para violão, introduções, interlúdios e finais de música; essa percepção me fez
questionar como se dera o processo para que o músico desenvolvesse tais habilidades: Será que ele
perpassou pelo mesmo processo formativo que eu para desenvolver-se musicalmente? Se não,
como foi construída determinada formação? Como se constituíram as habilidades inerentes a essas
práticas?
Quero deixar claro que não estou dizendo que para adquirir certas habilidades musicais
seja necessário passar por escolas especializadas, cursos superiores em música e/ou conservatórios.
O que pretende-se destacar é justamente o contrário: a aquisição de habilidades e conhecimentos
musicais pode acontecer em diversos espaços, através de processos diversificados. Acredito que as
variáveis encontram-se nas trajetórias, nos caminhos formativos. Observei que meus alunos de
violão espelhavam-se em alguns músicos de Sobral-CE; porém, não estava claro para mim, no
âmbito da cidade, como acontecia a formação desses músicos. Por esse motivo, senti a necessidade
de empreender uma pesquisa sobre a formação de violonistas em Sobral-CE. Seguindo essas
perspectivas, o intuito de minha pesquisa foi compreender os processos que marcam a formação
musical em múltiplos contextos (trocas de informações e aprendizagens musicais, além das
dimensões do espaço escolar) de violonistas profissionais e semiprofissionais na cidade de
Sobral-CE.
11
Disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/sobral/panorama Acesso em 23 out. 2020.
12
Disponível em: http://www.distanciasentrecidades.com/distancia-fortaleza-a-sobral Acesso em 24 out.
2020.
13
Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/perfil/municipio/231290 Acesso em 24 out. 2020.
14
Em divisão territorial datada de 1993 o município é constituído de 11 distritos: Sobral, Aracatiaçu,
Bonfim, Caioca, Caracará, Jaibaras, Jordão, Rafael Arruda, Patriarca, São José do Torto e Taperuaba. Disponível
em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/sobral/historico Acesso em 25 out. 2020.
20
próximas, principalmente por ser um polo com ênfase no setor secundário (indústria) e terciário
(ASSIS, 2008). Dispõe de indústrias, além de um forte comércio varejista, de um campus da
Universidade Federal do Ceará, um campus do Instituto Federal do Ceará, uma Universidade
Estadual15, instituições de ensino superior privadas, a Santa Casa de Misericórdia de Sobral, um
dos maiores hospitais da região, assim como o Hospital Regional Norte, que é o maior hospital do
interior da região Nordeste16. Também possui uma escola de música pública que oferece cursos
gratuitos para estudantes da rede pública de educação. O município aparece frequentemente como
destaque na imprensa por seus resultados no sistema de avaliação da educação básica (SAEB) e no
índice de desenvolvimento da educação básica (IDEB).
Sobral nasceu e cresceu no século XVIII em meio à confluência de rotas utilizadas por
criadores de gado. Esse entroncamento marcou o processo de ocupação das terras que deram
15
UEVA - Universidade Estadual Vale do Acaraú.
16
Disponível em: https://www.isgh.org.br/hospital-regional-norte Acesso em 24 abr. 2021.
17
Disponível em: http://www2.ipece.ce.gov.br/atlas/capitulo1/11/159x.htm Acesso em 24 out. 2020.
21
origem à cidade. Com essas rotas surgiram diversas fazendas, entre elas a Caiçara, futuramente
povoado Caiçara e Vila Distinta e Real de Sobral:
A ocupação territorial do Ceará deu-se pela implantação das fazendas de gado por
criadores que partindo de Pernambuco e Bahia, passaram pelo interior da Paraíba e
Rio Grande do Norte entrando pelo Sul do Ceará pela região do Cariri, derivando
duas rotas principais, uma com destino ao meio norte, Piauí e Maranhão, e a outra
seguindo a ribeira do rio Jaguaribe até Aracati, litoral cearense. Foi no entroncamento
das rotas, no séc. XVIII, formando um eixo comercial, que Sobral nasceu e cresceu,
dedicada inicialmente às atividades pastoris e comerciais. O século XVIII marcou o
processo inicial de ocupação das terras que deram origem a Sobral, desde o Povoado
Caiçara, a partir da fazenda de gado do mesmo nome, localizada à margem esquerda
do rio Acaraú [...] (AGUIAR JR, 2005, p. 26).
Sobral passou de vila à cidade no século XIX, no ano de 1841. Neste período, com as
atividades da economia algodoeira, acontece uma rápida expansão do território no que diz respeito
ao crescimento comercial e urbano. O fragmento abaixo complementa:
Seguindo essas perspectivas, a cidade busca oferecer espaços para o capital, assim
como ambientes vantajosos e condições benéficas para indústrias, construindo uma indústria forte e
descentralizada. O status de cidade universitária implicou na criação de cursos de enfermagem e
medicina, fatores que contribuíram para a qualidade dos serviços regionais. Com a contribuição da
prefeitura, no que diz respeito à expansão do espaço urbano, o setor de habitação passou a ser
atrativo para empresas locais e de fora, o que também implicou no curso de engenharia civil. Com
base nesses acontecimentos - a criação da UEVA, Santa Casa de Misericórdia, a vinda da
Grendene e a criação do curso de medicina - a paisagem urbana sobralense foi modificada,
alterando-se também os indicadores sociais. A esse respeito, Aguiar Jr. (2005) explana que:
18
Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/perfil/municipio/231290 Acesso em 27 out. 2020.
23
A vocação de Sobral para a cultura nos é atestada por diversos filhos da terra que
muito contribuíram com as artes do Ceará e do Brasil, como o poeta e jornalista
Gonçalo Inácio de Loyola Albuquerque e Mello (Padre Mororó; 1774-1825); o
cronista, jornalista, romancista e teatrólogo Domingos Olímpio Braga Cavalcanti
(1851-1906); o ator, escritor e humorista Antônio Renato Aragão (1936); e o cantor e
compositor Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes (1946) (MATOS
FILHO, 2014, p. 58, grifo do autor).
19
Disponível em:https://cidades.ibge.gov.br/brasil/ce/sobral/panorama Acesso em 27 out. 2020.
20
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
21
Universidade Federal do Ceará.
22
Banda Maestro José Pedro. Mais de 100 anos de tradição. Banda da prefeitura de Sobral-CE. Disponível
24
Sobral é uma cidade em crescimento que conta hoje, musicalmente falando, com um
curso de nível superior, Música-Licenciatura da Universidade Federal do Ceará
(UFC); uma Escola de Música Pública, que oferta um ensino gratuito; escolas
particulares de ensino de música; além de vários projetos de Artes próprios da rede
municipal que ocorrem nas escolas particulares e públicas de Sobral e outros
projetos de intervenção da universidade na escola como o PIBID Música UFC,
Campus Sobral (p. 27).
nos espaços centrais do município. Sobral possui cerca de dez desses grupos. O encontro de bois e
reisados é um evento anual no qual todos os grupos se reúnem para uma grande festa; realizado
habitualmente no Arco de Nossa Senhora de Fátima (região central da cidade), um dos
monumentos de destaque do município25, conta com uma programação que se estende por todo o
mês de janeiro. Já no período carnavalesco, acontecem o Bloco dos Sujos e o Desfile das Escolas
de Samba. Esses dois eventos trazem consigo diversos shows, assim como um fluxo de pessoas e
programações artísticas. O Bloco dos Sujos, por exemplo, é uma festa tradicional que acontece um
sábado antes do período carnavalesco; o evento reúne diversos grupos sociais e é caracterizado
pela troca de roupas entre gêneros masculino e feminino. Já o Desfile das Escolas de Samba
acontece normalmente com agremiações oriundas dos bairros, entre elas: GRES Unidos do Alto do
Cristo, GRES Mocidade Independente do Alto da Brasília, GRES Unidos das Pedrinhas, GRES
Princesa do Samba do bairro Recanto II, GRES Estação Primeira do Sinhá Sabóia, GRES Unidos
da Vila União. Tais escolas são selecionadas através de edital de credenciamento, em que as três
primeiras agremiações recebem uma premiação em dinheiro.
Outro exemplo marcante é o São João de Sobral, festa em que acontecem atividades
infantis, música popular, espaços de gastronomia regional, além do tradicional Festival de Quadrilhas
e do palco principal, espaço onde ocorrem os shows de artistas consagrados da música brasileira.
Assim como nos desfiles das escolas de samba, as quadrilhas são selecionadas através de editais.
A Virada Cultural é um evento promovido pela Prefeitura Municipal por meio da
Secretaria de Cultura e Instituto ECOA, em comemoração ao aniversário da cidade. O evento tem
como característica uma descentralização das atividades culturais, tendo sua programação
constituída por blocos de maracatu, quadrilhas juninas, grupos circenses, reisados e escolas de
samba. O evento também conta com diversos palcos espalhados pelos bairros da cidade,
promovendo shows e ações culturais.
25
Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo.html?id=437050&view=detalhes
Acesso em 8 nov. 2020.
26
de arte e cultura, incluída nestas, a Música. Os projetos vinculados à escola possibilitam aos
estudantes sobralenses acesso a alguma linguagem artística. Essas aulas, que também preparam os
alunos para performances a serem apresentadas em períodos festivos, acontecem usualmente no
contraturno escolar. Neste contexto, um importante exemplo a ser citado é a Jornada
Ampliada-Escola Viva:
[...] tendo como objetivo um maior desenvolvimento do ensino de Artes, como uma
das metas do programa educacional de ampliação do ensino escolar, com o intuito de
manter o aluno mais tempo na escola. O estudante passaria a ter 15 (quinze) horas
semanais a mais de atividades extracurriculares, sendo estas atividades
disponibilizadas em todas as escolas do município, inclusive aos de ensino infantil
(FERREIRA, 2016, p. 38).
Assim, percebemos que o ensino de música dentro do IFCE de Sobral vem ampliando
o seu campo de atuação e, consequentemente, adquirindo um novo significado no
âmbito educacional dessa instituição. A inserção do ensino de música, nesse
contexto, tem buscado reinventar o “cotidiano” da instituição, dos “praticantes” e da
comunidade externa (CRUZ, 2018, p. 25).
27
26
José Wilson Brasil foi um dos fundadores da Banda de Música Maestro José Pedro Alcântara, tendo
ingressado em 1936, ano de sua criação; também era grande conhecedor da história do município.
27
Cursos de instrumentos ofertados: Violão, Guitarra, Contrabaixo elétrico, Cavaquinho, Acordeon,
Violoncello, Violino, Viola, Contrabaixo acústico, Bateria e Percussão, Clarinete, Saxofone, Bombardino, Tuba,
Flauta Transversal, Trompete e Trombone.
28
Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/242 Acesso em 31 out. 2020.
29
Disponível em:
https://cultura.sobral.ce.gov.br/files/agent/10741/relat%C3%B3rio_de_gest%C3%A3o_2018_-_secjel.pdf Acesso
em 31 out. 2020.
28
abrange diversas práticas musicais. Portanto, há locais de ensino e aprendizagem que não
necessariamente estão vinculados às instituições de ensino formais30. No que diz respeito ao
contexto do violão na cidade, não é diferente. Em vista disso, não está claro, no âmbito da cidade,
como acontece a formação musical de instrumentistas que percorreram outros espaços. Levando
em consideração os múltiplos contextos que se configuram como contributivos para a formação
musical, como as instituições de ensino e os espaços não institucionalizados, surge um ponto de
reflexão: quais são as experiências que contribuíram para a formação musical, indicadas por
violonistas da cidade de Sobral-CE?
Tais questões trazem a necessidade de compreender os comportamentos, hábitos,
experiências, atitudes e valores que estes instrumentistas vivenciaram em seus percursos formativos.
Por esse motivo, o objetivo neste primeiro momento da pesquisa é colocar em discussão anseios e
dúvidas no que diz respeito à aprendizagem em música, especificamente a aprendizagem em violão.
Quais foram os comportamentos que esses músicos adotaram para se tornarem violonistas? Que
experiências formativas esses músicos tiveram? Quais as suas motivações? Oliveira (2017), ao
refletir sobre o processo de aprendizagem do violão, indaga:
30
Neste trabalho, compreendidas como organizações no formato de escola (pública ou privada) que
recebem estudantes via matrícula, possuem um horário regular de trabalho no formato de aulas e um currículo
planejado.
30
a relação particular de pessoas com a música, no percurso das diversas experiências musicais
vivenciadas por elas. Se analisados e compreendidos, esses dados auxiliarão na troca de saberes
entre pessoas que se associam com música e refletem sobre os processos de formação e aquisição
de habilidades musicais, o que acarretaria também em discussões e reflexões sobre práticas
pedagógicas. Assim, a compreensão da formação destes músicos no processo de aprendizagem do
violão no contexto de Sobral-CE possibilitará um engajamento em discussões e análises mais gerais
sobre aprendizagem musical.
Nos últimos 150 anos, diversas sociedades desenvolveram sistemas de educação
musical quase sempre baseados em modelos ocidentais, com um segmento idiossincrático de
conservatórios e instituições de ensino com configurações escolásticas. No século XX, a educação
musical preocupava-se com aulas voltadas ao âmbito instrumental de música de concerto. Assim,
não havia tanta abertura para outros tipos de repertórios, técnicas e abordagens. Em resposta a
isso, influentes compositores e educadores tomaram a iniciativa de incorporar na Europa e no Norte
da América a música folclórica no currículo escolar e, nas últimas três ou quatro décadas, tutores,
professores, passaram a incorporar uma variedade cada vez maior de músicas em seus trabalhos
(GREEN, 2002).
Desse modo, o campo da Educação Musical tem abordado nas últimas décadas
posturas mais relativizadoras, que consideram outros contextos sociais e culturais nas quais a
educação musical é praticada, incorporando outras percepções sobre o fazer musical, assim como
outras maneiras de aprender e ensinar música (ARROYO, 2000). Nesta perspectiva, “[...] há
diferentes concepções de músicas e de fazeres musicais, mesmo no âmbito de um meio social, e que
essas concepções são determinantes nas práticas de ensino e aprendizagem de música” (ARROYO,
2000, p. 14). Portanto, o campo da Educação Musical compreende que são muitos os espaços
onde a prática de ensino e aprendizagem de música pode ocorrer, não estando restrita apenas aos
espaços escolares. A diversidade de redes culturais, sociais, educacionais e musicais pressupõe
diferentes formas de aprender e ensinar música.
Por isso, o campo da Educação Musical não pode limitar-se a apenas fornecer
conhecimentos sobre fatos e contextos, mas entre as suas tarefas deve estar o suprimento de
abordagens explicativas que partam da compreensão, interpretação, descrição, explicação,
sensibilização e mudança. Isto implica em uma abordagem mais relativizadora do campo, em que a
inserção da área se dá em diferentes contextos: educação escolar e não escolar, atividades
extracurriculares, processos de formação na família, jardim de infância, escola de música, faculdade,
centro de educação de adultos, aulas particulares, coros, conjuntos, mídia e amigos, por exemplo
(KRAEMER, 1995).
31
31
Educação Musical com letras iniciais maiúsculas refere-se ao campo acadêmico de conhecimento.
32
O termo “educação musical” com letras iniciais minúsculas refere-se à educação musical enquanto
prática.
32
percorrido até a pergunta norteadora que rege este trabalho. Em seguida, foi apresentado o
contexto da cidade de Sobral-CE, locus do presente trabalho, assim como alguns elementos que de
certa maneira dizem respeito às principais manifestações musicais da cidade. Depois, foram citados
alguns espaços que se configuram como ambientes de ensino e aprendizagem de música. Por fim, o
texto centralizou-se na problemática da presente pesquisa apresentado os objetivos gerais e
específicos.
O segundo capítulo, onde será abordada a revisão de literatura, apresentará a literatura
vigente que versa sobre os processos de formação de violonistas e de músicos, numa perspectiva
geral. Este capítulo, além de descrever as principais discussões contidas nos textos, apresenta os
aportes fornecidos ao presente trabalho. A partir disso será apontado como a revisão de literatura
contribuiu para as reflexões acerca da formação de violonistas em Sobral-CE.
O terceiro capítulo é o da fundamentação teórica. Nesse espaço, serão exibidos os
principais conceitos que nortearam esta pesquisa. Com o intuito de adquirir aportes que ajudassem
a amparar as reflexões acerca da formação de violonistas, assim como para auxiliar nas fases de
construção, organização e análise dos dados, buscou-se em Ferry (1997) sustento para aprofundar
o conceito de “formação”. Já as diretrizes sugeridas por Green (2002) foram importantes para
apresentar os principais processos que balizam a formação dos músicos populares.
No quarto capítulo é apresentado o percurso metodológico do presente trabalho.
Assim, é mostrado os delineamentos adotados no âmbito desta pesquisa, bem como o referencial
teórico que sustenta a escolha de tais métodos. Também será apresentado os procedimentos éticos
que foram tomados perante os violonistas colaboradores. Em seguida, serão apresentadas as etapas
percorridas no que tange às técnicas de construção, organização e análises dos dados.
O quinto capítulo apresenta as inferências construídas a partir de um survey realizado
com violonistas em Sobral-CE, assim como a análise dos materiais didáticos utilizados pelos
violonistas colaboradores. Em seguida, são descritas as observações oportunizadas a partir dos
locais de atuação dos violonistas colaboradores. A partir da descrição das situações que os músicos
perpassam em seus espaços de atuação foi possível visualizar os episódios em que os
conhecimentos e habilidades dos instrumentistas se materializam na prática. Não apenas isto, foi
possível também observar os aspectos contributivos que estes ambientes de atuação fornecem aos
músicos.
O sexto capítulo traz o diálogo advindo das percepções dos violonistas colaboradores
(entrevistas) e das reflexões construídas sobre a temática em estudo. Dessa forma, são evidenciadas
as trajetórias e experiências que marcam o desenvolvimento musical dos instrumentistas envolvidos.
Assim, são tecidos comentários a respeito dos aspectos colaborativos que cada experiência
33
2 REVISÃO DE LITERATURA
De acordo com Freire (2010, p. 43), “A revisão de literatura se destina a realizar uma
leitura crítica da literatura especializada, buscando situar o tema da pesquisa no atual estado de
conhecimento da área”. Nesse sentido e, com base nos critérios empregados para o levantamento
desta pesquisa, é importante mencionar que foram encontrados poucos trabalhos que versassem
sobre a formação de violonistas. Desse modo, textos com propostas voltadas para a formação do
músico foram adicionados, tendo em vista que “a revisão de literatura pode até incluir alguns
trabalhos que não têm a mesma linha de abordagem adotada na pesquisa, mas que enriquecem o
conhecimento sobre o assunto por outros ângulos” (FREIRE, 2010, p. 43).
Buscou-se trabalhos que versassem sobre: processos de aprendizagem de violonistas,
estratégias e experiências formativas vivenciadas durante o processo de construção dos saberes,
além de textos que abordassem a formação do músico. As buscas foram realizadas principalmente
no âmbito da Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); no Portal Brasileiro de
Publicações Científicas em Acesso Aberto (OASISBR); no Catálogo de Teses e Dissertações da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); nos anais da
Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM); na revista Opus da Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Música (ANPPOM) e no software de revisão bibliográfica Publish
or Perish33, tendo o Google Acadêmico como fonte.
Vale salientar que os sistemas de buscas foram utilizados com alguns operadores
Booleanos e com as seguintes combinações de palavras-chave: “Aprendizagem AND violão”,
“Estratégias de aprendizagem AND violonistas”, “aprendizagem AND violonistas”, “Formação de
violonistas”, “Processos de Aprendizagem AND violonistas”, “violonistas”, “estratégias de
aprendizagem AND violão”, “formação AND violão”, “estratégias para o aprendizado do violão”,
“aprendizagem musical AND violão”, “Aprendizagem de violão”.
Os trabalhos encontrados passaram preliminarmente por uma análise em que se
consideram os elementos pré-textuais (títulos, resumos e palavras-chave), bem como expressões
que pudessem remeter à formação de violonistas ou à formação do músico numa perspectiva geral.
Dessa forma, trabalhos que possuíssem em seu escopo elementos como “formação”, “auto
aprendizagem”, “constituição da experiência”, “processos de aprendizagem musical”, “aprendizagem
33
Programa que recupera e analisa citações acadêmicas. Ele utiliza base de dados online para obter as
citações brutas, analisa-as e calcula uma série de métricas de citações. Os resultados ficam disponíveis dentro da
pesquisa realizada no software e podem ser copiados para a área de transferência do Windows (para colar em
outros aplicativos) ou salvos em um arquivo de texto (para futura referência ou análise posterior) Disponível em:
https://www.pucsp.br/sites/default/files/download/posgraduacao/programas/administracao/uso-do-publish-or-pe
rish-pop-marcia-barleta-jose%20luiz-silva-%20julio-rosa-dias.pdf Acesso em 6 dez. 2021.
35
Assim, é importante destacar que os trabalhos que versavam sobre prática deliberada,
autorregulação, bem como os trabalhos nos quais a formação do violonista estava mais voltada para
o âmbito do violão de concerto, ou seja, os trabalhos que se voltavam apenas para o
desenvolvimento de músicos numa configuração “clássica”, não foram colhidos, tendo em vista que
para o escopo desta pesquisa a literatura traz elementos tímidos para a construção das discussões e
reflexões.
No que diz respeito ao recorte temporal das publicações, foram considerados trabalhos
publicados entre 2000 e 2020. A faixa de tempo delimitada é marcada pela inserção de dois
trabalhos representativos para esta pesquisa: “Violão sem Professor: um estudo sobre processos de
auto-aprendizagem com adolescentes” de Marcos Kroning Corrêa (2000) e “Violonista de
Formação Erudita e Violonista de Formação Popular: Investigando Diferenças na Educação
Musical” de Elodie Bouny (2012).
A dissertação de Bouny (2012) “Violonistas de Formação Erudita e Violonistas de
Formação Popular: investigando diferenças na educação musical” analisa as lacunas existentes na
formação de violonistas “Clássicos” e “Populares”. Neste sentido, é realizado um estudo
aprofundado das principais competências que ambas escolas possuem. Foram construídas análises
com base em entrevistas semiestruturadas com nove violonistas, em que se inferiu possíveis lacunas
na formação de tais instrumentistas. A partir disso, são sugeridas algumas alternativas pedagógicas
que visam o aprimoramento na formação de violonistas em geral. Nesse sentido, trata-se de um
trabalho que coloca em discussão os processos formativos de violonistas, bem como diversas
questões que englobam as formas de ensinar e aprender violão, numa perspectiva mais transversal e
dialógica. O objetivo geral é “[...] investigar as diferenças entre a formação erudita e popular do
violonista [...]” (BOUNY, 2012, p. 25). Já os objetivos específicos são:
36
[...] (a) observar as diferenças entre as duas formações musicais, (b) identificar as
lacunas de ambas as formações e (c) refletir sobre possíveis alternativas para suprir
as ditas lacunas, visando caracterizar uma possível transversalidade pedagógica
entre as duas formações (BOUNY, 2012, p. 25).
escolher os caminhos formativos.” (SANTOS JUNIOR, 2016, p. 116). O autor ressalta que a
família e os amigos oferecem aspectos contributivos para a formação do músico, sendo a família
responsável por expor o indivíduo a um ambiente musical, de maneira espontânea e livre de
pressões. Já os amigos, através do convívio social, possibilitam o compartilhamento de informações
que, agregadas a outras experiências, contribuíram para a formação musical dos investigados. O
autor conclui que “[...] os músicos foram formados diante dos próprios contextos de atuação. Na
medida em que transitavam pelos grupos musicais, buscavam as informações musicais as quais
respaldassem a atuação naqueles espaços.” (SANTOS JUNIOR, 2016, p. 116). Vale acrescentar
que Santos Junior (2016) não pesquisa sobre a formação de violonistas. Porém, seu trabalho traz
importantes reflexões sobre a formação do músico popular. Seu olhar crítico em relação à formação
musical traz à tona questões que também são inerentes à formação de violonistas. Uma dessas
questões se apresenta quando o autor afirma que “cada vez mais as práticas de aprendizagem dos
músicos contemporâneos revelam que esses contextos de aprendizagem formais, não formais e
informais estão se aglutinando” (SANTOS JUNIOR, 2016, p. 36). Foi observado no survey34 com
Violonistas em Sobral-CE que grande parte dos instrumentistas tiveram experiências diversificadas
estudando em projetos sociais, escolas especializadas, instituições de ensino superior e em casa.
Isto significa que tais músicos percorrem diferentes contextos, que normalmente são caracterizados
como formais, não-formais e informais, reforçando o discurso de Santos Junior (2016), quando este
elucida que as práticas de aprendizagem musical estão se aglutinando. O autor também compreende
que a formação do músico pode acontecer em distintos contextos:
34
Será abordado na seção 5.1.1 deste trabalho.
38
subjugá-lo em uma única vertente. Vale destacar que tal trabalho não lança um olhar sobre a
formação do violonista. Porém, ao narrar aspectos históricos do instrumento no Brasil, traz
apontamentos que se relacionam com a temática em estudo. Por exemplo, no que diz respeito à
produção de conhecimento, Llanos (2018) esclarece que sempre foi função do violão entendido
como “erudito” fornecer e desenvolver a produção de conhecimento:
Como será visto no survey, os métodos e revistas de violão foram recursos bastante
citados pelos participantes. Sobre esses materiais, Llanos (2018) elucida:
Já com o foco nos aspectos contributivos das rodas de choro para a formação do
músico, Brito (2020) em sua dissertação “Contribuição da vivência na roda de choro para a
formação do músico instrumentista” tem como objetivo apontar aspectos inerentes e contributivos
da Prática de Conjunto nas rodas de choro para a formação do músico brasileiro profissional. Fica
evidente a contribuição da roda de choro para a formação do músico no momento em que se
percebe que esta - a roda - proporciona aos seus participantes experiências de prática em conjunto.
Nesse espaço é comum o desenvolvimento de habilidades e competências que são construídas
através da prática do repertório e da observação direta. No que diz respeito aos aspectos técnicos
do violonista, o autor cita a preparação da mão direita, bem como o desenvolvimento de técnicas
consonantes ao violão brasileiro, memorização das músicas e dos acordes, linhas e frases melódicas.
É interessante observar que são mencionadas habilidades e competências que o violonista deve
possuir para empreitar vivências na roda de choro. Entretanto, não é especificado como violonistas
desenvolvem tais competências. O autor mostra um caminho relativas à formação do músico, no
momento em que aponta diretrizes para o desenvolvimento musical:
montagem das posições dos acordes, linhas e frases de baixo (baixarias), baseado
nas progressões harmônicas tradicionais que, em alguns casos, podem ser
adquiridas na informalidade desses encontros (BRITO, 2020, p. 22).
Brito (2020) aborda outra importante competência que faz parte da maioria dos
violonistas: o acompanhamento rítmico-harmônico. Vale destacar que o autor está dentro do âmbito
da roda de choro, mas faz menções de violonistas para elucidar determinadas questões inerentes às
práticas narradas em seu trabalho. Neste sentido, ao entrevistar o músico Hamilton de Holanda,
destacou que o entrevistado mencionou um episódio com o seu pai quando perguntado sobre como
acompanhar. Hamilton esclarece que o acompanhamento, segundo seu pai, só é bem estruturado e
realizado com maior fluidez quando o músico tem uma larga bagagem de repertório, já que os
caminhos convergem para ficar similares. Em outras palavras, significa dizer que para se desenvolver
como músico acompanhador o instrumentista deve ter o domínio do repertório vigente na sua área
de atuação. Infere-se que naquela parte do texto há uma importante reflexão sobre como a
formação do músico acontece e quais os caminhos que normalmente o músico faz para adquirir
certas habilidades e conhecimentos, neste caso a habilidade de acompanhar no choro. O autor
também explana o conceito de Percepção Instrumental Harmônica, compreendida por ele como “a
prática da audição de músicas com o objetivo de identificar os acordes em sequências harmônicas
com a utilização do instrumento. Busca-se identificar os clichês tradicionais até alcançar o estágio
das concepções modulantes mais avançadas e seus efeitos enriquecedores.” (BRITO, 2020, p. 34).
Tais habilidades são mencionadas também em trabalhos como o de Thomaz (2018) e Santos Junior
(2016).
Acredita-se que tais estudos não aprofundam as discussões, pelo menos não de forma
diretiva, sobre como os violonistas conseguem desenvolver tais habilidades, ou sobre como os
contextos culturais influenciam o desenvolvimento dessas competências. Já no que diz respeito à
importância da roda de choro para a formação do violonista acompanhador, Brito (2020) elucida:
O violonista e produtor Caio Cézar (2019) afirma que a Roda de Choro “proporciona”
ao violonista acompanhador o desenvolvimento de várias habilidades”, destacando
“a prática de conjunto” em que se exercita a percepção musical numa amplitude
considerável, alargando a vivência necessária à compreensão, como um todo, dos
aspectos, melódicos, contrapontísticos, harmônicos e rítmicos das peças. Em muitos
casos, pratica-se a experimentação tímbrica em que se busca uma sonoridade
específica a partir de uma proposta de arranjo coletivo (BRITO, 2020, p. 43).
Dessa forma, o autor conclui que a roda de choro oferece a seus participantes distintos
aspectos contributivos que cooperam diretamente com a formação musical de instrumentistas que
participam da roda.
António Ângelo Vasconcelos (2020), no seu capítulo de livro intitulado “Das garagens
aos palcos do outro lado do rio: Aprender a tocar em contextos não formais e periféricos” entrevista
protagonistas de movimentos de bandas de rock na cidade de Almada, com o intuito de
compreender os processos de aprendizagem informais e não formais em música. O autor analisa “os
fatores que influenciaram a formação e as atividades das “bandas”; bem como os modos de
aprendizagens existentes e as suas relações com a vida musical fora dos grandes circuitos
comerciais” (VASCONCELOS, 2020, p. 47-48). Não apenas isto: o autor também busca
compreender como os músicos aprenderam a tocar seus respectivos instrumentos. Nesse sentido,
interpreta que a aprendizagem musical acontece em múltiplas configurações, com experiências em
contextos informais, ou em experiências com outros pares. A citação abaixo esclarece:
Nesta busca nos deparamos com a conclusão inicial de que o violão popular
brasileiro não pode ser entendido como uma manifestação musical homogênea, mas
como um emaranhado de expressões e ações ligadas a diferentes situações e lugares
dentro da cultura brasileira [...] Pode-se dizer, de forma resumida, que o violão
popular brasileiro é muito amplo e complexo e não pode ser definido de forma curta e
estanque, delimitando sua expressão por um conjunto sucinto de manifestações. Ele
é, ao contrário, um conjunto largo e heterogêneo de expressões musicais que
compreendem diferentes interpretações sobre o que é a música popular, como ela se
relaciona com as questões da nacionalidade e, a partir disso, como o instrumento é
utilizado dentro deste cenário (THOMAZ, 2018, p. 13).
Thomaz (2018) também acrescenta que há uma diferenciação entre o violonista popular
e o erudito, de modo que os músicos populares possuem uma relação menos rígida com a partitura,
sendo essa a principal diferença entre os violonistas populares e eruditos. O autor também retrata as
43
funções desenvolvidas pelo violão no âmbito da música popular: O violonista improvisador, Solista e
Acompanhador. Atrelado a essas configurações estão as principais funções que cada violonista deve
possuir, sendo este um aspecto importante para pensar a formação do instrumentista de maneira
geral.
A dissertação de Corrêa (2000), “Violão sem professor: um estudo sobre processos de
auto-aprendizagem com adolescentes”, investigou os processos de autoaprendizagem do violão em
contextos extra escolares através de cinco estudos de caso. O trabalho focou principalmente nas
formas como os aprendizes organizavam os seus conhecimentos, bem como nos caminhos utilizados
para a aprendizagem do violão. Vale notar, ainda, que a motivação em aprender um instrumento
também foi outro aspecto investigado no referido trabalho. Por fim o autor conclui que:
versam sobre violonistas (CORRÊA, 2000; BOUNY, 2012; ALMEIDA, 2018; LLANOS, 2018;
OLIVEIRA, 2018; THOMAZ, 2018) como na dos que falam sobre músicos numa perspectiva
geral (GOHN, 2003; SANTOS JUNIOR, 2016; BRITO, 2020; VASCONCELOS, 2020), há
indícios de que a formação musical é transitiva e ocorre em múltiplas configurações, não sendo
concretizada em uma única vertente e de maneira estanque.
46
3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Formar-se é adquirir uma certa forma. Uma forma de agir, de refletir e aperfeiçoar desta
forma [...] formar-se é "entrar em forma", como o atleta que fica em forma. A formação
é, portanto, completamente diferente de ensinar e aprender. Ou seja, o ensino e a
aprendizagem podem entrar na formação, podem ser suportes da formação, mas a
formação consiste em encontrar formas de cumprir determinadas tarefas para exercer
um ofício, uma profissão, um emprego, por exemplo38 (FERRY, 1997, p. 53-54).
35
todo aspecto que tenga que ver con la formación, los contenidos, los recorridos y las actitudes, se mira
procurando encontrar la articulación entre el recorrido personal y las exigencias institucionales de la formación
profesional.
36
ciertas condiciones de la formación que son los soportes de la formación. Pero esto no es la formación.
37
algo que tiene relación con la forma.
38
Formarse es adquirir una cierta forma. Una forma para actuar, para reflexionar y perfeccionar esta forma
[...] formase es "ponerse en forma", como el deportista que se pone en forma. La formación es entonces
48
O fragmento acima mostra que o conceito de formação está vinculado a algo que será
formado ou a processos que serão construídos (formados) para algo. Assim, outra maneira de
conceber o conceito de formação é compreender que este comporta três aspectos constituintes:
como uma função social, como um processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa e como
instituição. Na condição de função social, a formação concretiza-se através da “[...] transmissão de
saberes, de saber-fazer ou do saber-ser que se exerce em benefício do sistema socioeconômico, ou
da cultura dominante”. Como processo de desenvolvimento e estruturação da pessoa ela se
materializa “[...] com o duplo efeito de uma maturação interna e de possibilidades de aprendizagem,
de experiências dos sujeitos”. Já quando se expõe a formação como instituição, refere-se “[...] à
estrutura organizacional que planifica e desenvolve as atividades de formação” (FERRY, 1991 apud
GARCÍA, 2005, p. 19). Desse modo, o conceito de formação é flexível no que diz respeito aos
seus usos e sentidos, sendo compreendida sob diferentes aspectos.
Ferry (1997) argumenta que aspectos como conhecimentos, habilidades, representação
do trabalho a realizar, profissão exercida e o papel desempenhado constituem a dinâmica da
formação. Essa tem como objetivo a busca da “melhor forma” e se configura mediante o
desenvolvimento pessoal atrelado aos objetivos que se almeja. No que tange ao desenvolvimento
pessoal, é importante destacar que se trata de um termo amplamente relacionado ao conceito de
formação, sendo entendido como os processos que o indivíduo perpassa para se amplificar em
termos de conhecimento e experiências. Ferry (1997) argumenta que a formação deve ser
compreendida como uma dinâmica de desenvolvimento pessoal. Isso significa que:
[...] se deve renunciar a certas maneiras de falar que são frequentes. Uma formação
não se recebe. Ninguém pode formar o outro. Não se pode falar de um formador e de
um formado. Falar de um formador e de um formado é afirmar que há um pólo ativo, o
formador, e um pólo passivo, aquele que é formado [...] Ninguém forma o outro. O
indivíduo se forma, é ele quem encontra sua forma, é ele quem se desenvolve, diria,
de forma em forma. Então o que quero dizer é que o sujeito se forma só e por seus
próprios meios 39 (FERRY, 1997, p. 54).
completamente diferente de la enseñanza y del aprendizaje. O sea que la enseñanza y el aprendizaje pueden entrar
en la formación, pueden ser soportes de la formación , pero la formación consiste en encontrar formas para
cumplir con ciertas tareas para ejercer un oficio, una profesión, un trabajo, por ejemplo.
39
[...] se debe renunciar a ciertas maneras de hablar que son frecuentes. Una formación no se recibe. Nadie
puede formar a otro. No se puede hablar de un formador y de un formado. Hablar de un formador y de un formado
es afirmar que hay un polo activo, el formador, y un polo pasivo, aquél que es formado [...] Nadie forma a otro. El
individuo se forma, es él quien encuentra su forma, es él quien se desarrolla, diría, de forma en forma. Entonces lo
que quiero decir es que el sujeto se forma solo y por sus propios medios.
49
Para conhecer as coisas o ser humano precisa dos sentidos (audição, visão, olfato,
paladar, tato) e de sua capacidade cognitiva, racional, que lhe permite comparar,
relacionar, quantificar, classificar e qualificar as coisas. O conhecer implica uma
relação cognitiva e sensitiva do ser humano com o objeto de conhecimento,
enquanto o saber é produzido pelo sujeito em relação a outros sujeitos, adquirindo-o
em sua pluralidade de relações com os outros no mundo, envolvendo o próprio
conhecimento (OLIVEIRA, 2016, p. 25).
A citação acima sintetiza bem a relação entre conhecimento e formação, visto que para
consolidar a construção do conhecimento é necessário compilar as fontes de informação (família,
amigos, igrejas, projetos sociais, escolas especializadas, materiais didáticos) e relacioná-las entre si.
Desse modo, essa atividade configura-se por si só como um processo de formação.
Pode-se entender o processo de formação como a antecipação de situações reais, que
compreendem atitudes e gestos adequados para futuras experiências. É pertinente pensar que
músicos passam por experiências distintas que, de certa maneira, os preparam para situações
adversas de sua práxis. Essas experiências que os prepararam estão totalmente imbricadas com o
processo de formação, e essas mesmas experiências são concretizadas nas fontes de informação
(FERRY, 1997).
Apesar do indivíduo ser o responsável pela sua própria formação, ela só acontece com
a utilização de mediações. Professores, leituras, experiências da vida, circunstâncias, as relações
com outras pessoas, todos estes aspectos configuram-se como “[...] mediações que possibilitam a
formação, que orientam o desenvolvimento, a dinâmica do desenvolvimento num sentido positivo40”.
Portanto, partindo da premissa de que os conteúdos de aprendizagem, os dispositivos e o currículo
são meios e não a formação em si, Ferry (1997) questiona quais seriam as condições fundamentais
para potencializar essa dinâmica do desenvolvimento pessoal. Este questionamento é importante
para o presente trabalho, pois figura como uma pergunta provocadora, no sentido de investigar
sobre as condições e os meios que estão interligados com os processos de formação de violonistas
em Sobral-CE.
Não é difícil perceber que a formação, na voz de Ferry (1997), traz em seu escopo o
protagonismo que é explorado pelo aprendente. Nessa perspectiva, para formar-se o violonista
vivencia situações como protagonista a fim de angariar habilidades, competências e conhecimentos.
No escopo deste trabalho é oportuno considerar, a partir do conceito de formação, quais
experiências figuram como contributivas para a formação de violonistas.
40
[...] mediaciones que posibilitan la formación, que orientan el desarrollo, la dinámica del desarrollo en un
sentido positivo.
50
São essas práticas de aprendizagem diversas que esta pesquisa está disposta a
investigar, com base nas vivências e experiências formativas de violonistas na cidade de Sobral-CE.
No entanto, vale destacar que a atividade do ensino formal tem uma característica importante para a
prática e disseminação do ensino musical: os métodos, currículos, metodologias e conteúdos
configurando-se como informações tradicionais e difundidas na abordagem do ensino. Tais
características podem ser identificadas em práticas de músicos populares, já que há instrumentistas
que passeiam por ambas configurações:
Com base nas ideias e reflexões de Green (2002), percebe-se que violonistas
conhecem seus próprios processos de aprendizagem. Porém, não é fácil encontrar conhecimentos
sobre como estes aprendem, as atitudes e valores que compartilham na aprendizagem musical. Por
42
Alongside or instead of formal music education there are always, in very society, other ways of passing
on and acquiring musical skills and knowledge. These involve what I will refer to as ‘informal music learning
practices’.
43
Many musicians who are mainly brought up in formal settings engage in some informal learning
practices, such as teaching themselves to play an occasional popular song by ear and without any guidance.
Similarly, many musicians who have learnt largely by informal means have experienced a certain amount of formal
music education.
52
44
[...] the occurrence of some cognitive or psycho-motor shift [...].
45
[...] the concept of ‘methods’ suggests engagement which is conscious, focused and goal-directed, that
of ‘practices’ leaves open the degree of conscious, focused and goal-directed engagement. Informal music
learning practices may be both conscious and unconscious.
53
[...] uma espécie de interdependência que pode ser expressa diacronicamente (cada
experiência educacional é vivida em função das experiências educacionais anteriores
e prepara e condiciona as subsequentes), e também sincronicamente (o que acontece
com a criança em determinado ambiente educacional tem relação com o que ela vive
nos outros ambientes educacionais dos quais participa) (TRILLA et al., 2008, p. 45).
46
Skills are often associated with motor control, such as the ability to play fast scales, whereas knowledge
is connected with notions of understanding or acquaintance [...].
54
que este possibilita a imersão nas práticas musicais do contexto sociocultural em que o músico está
inserido. Pode-se conceituar a enculturação como um processo de:
Assim, o indivíduo entra em contato com a música ao seu redor não apenas por
escolha, mas por padrão. O processo de enculturação tem ramificações em todos os espectros, ou
seja, passeia por todos os locais onde o músico constrói suas habilidades e conhecimentos:
47
[...] learning the culture of a people, specifically its language, norms, beliefs, and appropriate behaviours.
Enculturation begins in childhood, but extends into adulthood, when the cultures associated with new statuses
and social roles must be learnt. Musical enculturation, the learning of a music culture, includes such processes as
cognitive development in children, teaching strategies, learning techniques, how performative behaviours are
understood as social behaviour, learning how to interact with audiences and patrons, and discovering the
symbolism or meaning of various aspects of musical style and presentation.
48
[...] such enculturation may turn into formal music education, which involves the introduction of new or
unfamiliar skills and knowledge of sorts that are not normally assimilated in ordinary daily life. In Western
contexts this usually occurs through formal instrumental tuition or other special education programmes. The
other path, by contrast, involves a continued journey along exploratory lines, turning imperceptibly into informal
music learning. This is the path taken by many of those who become popular musicians.
55
termina e a improvisação começa49” (GREEN, 2002, p. 42). Dessa maneira, os músicos perpassam
por um processo de “[...] experimentação precoce com a produção musical50 [...]” no qual as
práticas de improvisação e composição figuram como importantes meios para o desenvolvimento
musical, sendo a improvisação “[...] um precursor de outros tipos de composições51 [...]” (GREEN,
2002, p. 23).
Outro aspecto constituinte da formação do músico são os tipos de escutas
desenvolvidas durante o processo de formação. Podem-se considerar três tipos entre os principais
relacionados às práticas de aprendizagem musical: a escuta intencional, a escuta atenta e a escuta
distraída. A escuta intencional está relacionada com o tipo de objetivo que se quer alcançar;
normalmente, é utilizada para pôr em prática determinado aspecto após a experiência da escuta. A
escuta atenta é semelhante à escuta intencional; entretanto, não objetifica um alvo específico,
diferentemente da escuta intencional, que possui aspectos específicos a serem observados com mais
afinco. Já a escuta distraída está relacionada ao prazer e entretenimento, no qual sabe-se que há
uma determinada música sendo executada; contudo, não há muita atenção dedicada a esse tipo de
escuta. Vale acrescentar que esses tipos de escuta podem ser transversais, ou seja: em um primeiro
momento, pode-se utilizar uma escuta intencional e passar para uma escuta distraída, por exemplo.
Também é importante ressaltar o contexto da família como aspecto contributivo para a
formação dos músicos, tendo em vista que essa figura como um dos principais ambientes em que
acontecem as primeiras experiências musicais. Tais experiências possuem configurações distintas,
como a compra do primeiro instrumento musical e o apoio financeiro e emocional para estudar
música. Além disso, músicos populares costumam originar-se de famílias que tiveram um músico na
família, ou práticas artísticas bastantes difundidas, tendo em vista que “[...] devido à maior ênfase na
enculturação nas práticas de aprendizagem de música popular, é mais provável que os músicos
populares venham de famílias musicalmente interessadas52” (GREEN, 2002, p. 24). Outro
componente que desempenha um papel na aprendizagem de muitos músicos é a notação, que quase
sempre está associada a práticas auditivas, figurando como um objeto complementar às práticas
aurais53 (GREEN, 2002, p. 38).
49
The concept of improvisation can also include that of embellishment, although there is no definite line
where embellishment ends and improvisation begins.
50
[...] Early experimentation with music-making [...].
51
[...] a precursor to other kinds of composition [...].
52
[...] due to the increased emphasis on enculturation in popular music learning practices, it is more likely
that popular musicians will come from musically interested families.
53
Práticas musicais baseadas na audição.
56
54
[...] to instrumental and classroom music teachers’ practices of teaching, training and educating; and to
pupils’ and students’ experiences of learning and to being taught, educated or trained in a formal education
setting.
55
[...] such enculturation may turn into formal music education, which involves the introduction of new or
unfamiliar skills and knowledge of sorts that are not normally assimilated in ordinary daily life. In Western
contexts this usually occurs through formal instrumental tuition or other special education programmes. The
other path, by contrast, involves a continued journey along exploratory lines, turning imperceptibly into informal
music learning. This is the path taken by many of those who become popular musicians.
56
[...] the overriding learning practice for the beginner popular musician [...].
57
Os diferentes ambientes em que esse aprendizado ocorre tendem a fluir uns para os
outros. Por exemplo, um membro de uma banda pode mostrar um novo lick ou acorde
para um membro ou vários membros de outra banda; um instrumentista pode
aprender algo assistindo ou ouvindo outro músico, que permanece alheio ao fato de
que qualquer aprendizagem está ocorrendo; os membros de uma banda
provavelmente terão encontros casuais de aprendizagem fora de seus ensaios, cujos
resultados são, então, consciente ou inconscientemente, trazidos de volta aos
ensaios; e assim por diante59 (GREEN, 2002, p. 76-77).
57
[...] the explicit teaching of one or more persons by a peer [...].
58
Either type of learning may take place between only two people or in groups of more than two; it can
arise in casual encounters or organized sessions; it can occur separately from music-making activities or during
rehearsals and jam sessions.
59
The different settings in which such learning takes place are liable to flow into each other. For example, a
member of one band can show a new lick or chord to a member or several members of another band; a player may
learn something by watching or listening to another player, who remains unaware of the fact that any learning is
taking place; members of a band are likely to have casual learning encounters outside their rehearsals, the results
of which are then consciously or unconsciously brought back into the rehearsals; and so on.
58
conhecimentos elementares, principalmente os que dizem respeito aos acordes e escalas; “a criação
e o refinamento de ideias composicionais e improvisatórias por meio de negociação em grupo”; a
“observação de outros músicos tocando durante apresentações e ensaios”; a troca de “conselhos
sobre técnica e informações sobre teoria e música em geral” (GREEN, 2002, p. 83). Essas práticas
podem ser tanto conscientes como inconscientes, pois “[...] inevitavelmente, informações e idéias de
natureza formativa são trocadas consciente e inconscientemente entre pares no curso de interações
que ocorrem em escolas e em ambientes domésticos e de lazer, longe e durante as atividades
musicais60” (GREEN, 2002, p. 83).
Acerca da aquisição de técnica, primeiramente é preciso compreender que essa
terminologia carrega uma complexidade em sua definição. Para o presente trabalho, a técnica
instrumental compreende o “[...] controle físico monitorado auditivamente pelos músicos sobre a
interface entre seu corpo e seu instrumento61” (GREEN, 2002, p. 84). No contexto da formação
dos músicos, a técnica figura como um continuum, ou seja, “técnica primária”, pois se estabelece
nos estágios iniciais de maneira inconsciente e avança gradativamente até atingir um estágio mais
avançado, ou seja, uma técnica consciente, convencional (GREEN, 2002, p. 84).
Por fim, no que se refere às práticas, ou seja, ao tempo em que se passa praticando
determinado instrumento, vale elencar algumas características que certamente contribuem para uma
formação musical mais orgânica. A prática é realizada sob demanda e perante o humor do músico.
Isso implica que há momentos em que se passa uma maior quantidade de tempo praticando, quase
sempre quando o músico possui algum objetivo, ou quando está bastante obcecado. Isso significa
que a prática está relacionada também com o gosto: se determinada atividade musical não agrada,
não há constância, diferentemente de quando se tem componentes musicais que de alguma forma
representam o contexto sociocultural em que o músico está inserido (GREEN, 2002, p. 87).
60
[...] inevitably information and ideas of a formative nature are both consciously and unconsciously
exchanged between peers in the course of interactions occurring on school sites and in domestic and leisure
settings away from and during music-making activities.
61
[...] to players’ aurally monitored physical control over the interface between their body and their
instrument.
59
4 METODOLOGIA
Neste capítulo será descrito como se deu o processo de escolha dos violonistas
colaboradores da pesquisa. Além disso, serão apresentados os principais aspectos que marcaram a
trajetória metodológica, que consiste na escolha da abordagem e do delineamento do método
investigativo. Também serão descritos os critérios estabelecidos, com base no survey realizado com
violonistas, que auxiliaram na escolha dos violonistas. Este trabalho configura-se como um estudo de
casos múltiplos (YIN, 2015) sobre os processos que marcam a formação musical em múltiplos
contextos de violonistas profissionais e semiprofissionais em Sobral-CE. Além disso, será
apresentado o referencial metodológico que norteou o amadurecimento da pesquisa, bem como as
ferramentas utilizadas para a construção, organização e análise dos dados.
Para definir os violonistas colaboradores desta pesquisa, no caso, Juca Viana, Janilson
Braga, Reginaldo Fialho, Luizito Miguel e Almir Martins, recorreu-se ao survey com violonistas na
cidade de Sobral-CE, realizado entre abril e maio de 2020, cujo intuito era obter dados prévios
com indícios sobre o perfil, formação e práticas de aprendizagem desses músicos. Seguindo esses
apontamentos, é importante mencionar que ter participado do survey foi apenas um dos critérios
adotados para a escolha dos colaboradores, sendo os outros: possuir atuação profissional como
músico em bares, restaurantes, shows e eventos em geral na cidade de Sobral-CE, ou como músico
autônomo e considerar-se músico profissional ou semiprofissional.
Tendo em vista que dos 27 respondentes do survey 7 violonistas (25,9%)
consideram-se músicos amadores, a escolha dos colaboradores foi realizada a partir de 20
instrumentistas, dos quais 5 (18,5%) consideram-se semiprofissionais e 15 (55,6%) profissionais.
Vale ressaltar que foram analisadas as respostas individuais de cada músico participante do survey,
com o objetivo de identificar características intrínsecas de cada instrumentista a fim de obter
colaboradores com perfis semelhantes, ainda que não totalmente parecidos; esse processo foi
necessário, pois obteve-se 20 violonistas que atendiam aos critérios estabelecidos. É importante
esclarecer que nesse processo não foi realizada nenhuma análise estatística, mas sim uma análise
referente às respostas abertas disponibilizadas pelos músicos, com o intuito de encontrar
características que os distinguissem entre si.
A Tabela 1 mostra o resumo das principais características que contribuíram para a
escolha dos colaboradores.
60
Vinte músicos atenderam aos critérios escolhidos para figurarem como colaboradores.
A partir disso, foi necessário decidir quais seriam os fatores de distinção entre esses instrumentistas.
No que diz respeito aos violonistas semiprofissionais, é importante destacar que os
violonistas 6 e 22 foram desconsiderados por possuírem trabalhos mais voltados para a guitarra
elétrica. Sobre o violonista 26, é importante destacar que apesar de estar dentro dos critérios
estabelecidos, o mesmo não possui atualmente nenhum tipo de trabalho com música. Para o âmbito
do presente trabalho, seriam considerados apenas os músicos que estivessem atuando em distintos
espaços. Desse modo, restaram o violonista 17 e Janilson Braga. Como é possível observar, os dois
62
possuem perfis semelhantes, o que faz com que ambos estejam aptos a figurarem como violonistas
colaboradores. Entretanto, o fator de distinção para esse caso foi a frequência de trabalhos nos
locais de atuação. Janilson Braga, em relação ao violonista 27, possui além de maior frequência de
trabalho, a experiência de aulas particulares, figurando como um violonista com mais experiências
diversificadas em relação ao outro violonista. Dessa maneira, foi com base nesse caminho que se
chegou inicialmente ao primeiro violonista colaborador: Janilson Braga.
É importante destacar que, assim como ocorreu com os violonistas 6 e 22, também
foram desconsiderados os músicos profissionais que possuem uma maior gama de trabalhos
voltados para outros instrumentos, como é possível observar nos violonistas 5, 7, 10, 16, 24 e 25.
Desse modo, na categoria de músicos profissionais restaram 9 músicos como opções
para violonistas colaboradores. Assim, assumiu-se alguns fatores de distinção para a escolha dos
demais colaboradores, a saber: A) músicos que possuíssem maior gama de experiências
profissionais em distintos espaços; B) músicos com maior longevidade em termos de estudo do
instrumento e atuação profissional; C) músicos com práticas constantes nos diferentes espaços da
cidade de Sobral-CE. Nesse sentido, a relação tempo de experiência e atuações constantes em
distintos espaços se mostrou contributiva no auxílio das escolhas dos colaboradores.
O violonista 3, por exemplo, possui poucos trabalhos na cidade em relação aos outros
músicos. Já o violonista 12, apesar de possuir certa frequência com trabalhos, atua em menor
número de espaços, desenvolvendo seus trabalhos mais no âmbito das igrejas e escolas
especializadas privadas, enquanto outros músicos realizam trabalhos nesses e em outros espaços,
apresentando uma maior variedade de experiências vivenciadas. O violonista 14 possui um perfil
semelhante ao de Juca Viana, porém, no momento da escolha, o que pesou foi o tempo de atuação
com o violão: Juca possui 32 anos de experiência com o instrumento, enquanto o violonista 14
possuiu 22 anos. Em comparação com os demais violonistas profissionais, o violonista 14 não
possui tanta variedade de espaços, em termos de atuação; seu perfil assemelha-se ao de Juca,
porém o tempo de experiência figurou como fator determinante. O violonista 19 foi desconsiderado
pelos mesmos motivos do violonista 12: ambos possuem frequência em seus trabalhos, porém o
violonista 12 trabalha em uma instituição pública, sendo que o seu local de atuação se restringe
apenas a esse contexto. Em relação ao violonista 21, constatou-se que esse possui todas as
características indicadas para figurar como colaborador; entretanto, o fator de distinção que pesou
foi o tempo de prática com o instrumento. O violonista 21 também atua como professor de música,
desenvolvendo um trabalho de educação musical inclusiva em uma escola na cidade; essa
característica foi bem vista por dimensionar o leque de experiências que o músico possui. Porém,
em comparação com Luizito Miguel, que possui perfil parecido e que trabalha em um centro
63
socioeducativo com menores, o violonista 21 tem menos tempo de prática com o violão em relação
aos demais músicos. Foi assim que se decidiu pelo nome de Luizito Miguel.
Portanto, os músicos escolhidos possuem considerável trajetória e constância, no que
diz respeito aos números de trabalhos na cidade. Os músicos 3, 12, 14, 19 e 21 também possuem
essas características, porém, como foi visto acima, foi nos nomes de Juca, Janilson, Reginaldo,
Luizito e Almir que esses aspectos foram encontrados em maior número. É imprescindível reforçar
ainda que a quantificação dos trabalhos desses músicos se deu de forma empírica.
Juca, Janilson, Reginaldo, Luizito e Almir atuam de forma profissional ou
semiprofissional em Sobral-CE, desenvolvendo trabalhos em restaurantes, bares, estúdios de
gravação, eventos, casas noturnas, igrejas, além de desempenharem atividades docentes em
projetos sociais, ONGs, escolas de música especializadas (públicas e privadas) e aulas particulares.
Outro aspecto a ser ressaltado é que durante a realização do survey os nomes dos referidos
instrumentistas figuraram nas conversas despretensiosas que foram realizadas com alguns músicos. A
seguir, tem-se uma descrição inicial dos colaboradores, bem como algumas de suas características:
Juca Viana é um dos violonistas colaboradores que possui atuação profissional apenas
como músico, ou seja, não desempenha atividades docentes, sendo sua renda obtida exclusivamente
de trabalhos com música ao vivo em distintos espaços na cidade de Sobral-CE e localidades
próximas.
desempenha a função de professor em algumas aulas particulares. Todos esses aspectos contribuem
para a construção da sua renda mensal.
estão cumprindo pena. Entretanto, assim como os outros violonistas, Luizito já tocou em espaços
semelhantes aos descritos pelos músicos anteriores. Atualmente possui um emprego fixo na referida
instituição, desempenhando distintas atividades dentro de suas competências como professor de
música, ministrando aulas de instrumentos e prática de conjunto. Desenvolve ainda um trabalho
autoral envolvendo música e poesia.
Almir Martins possui um perfil parecido com os demais instrumentistas. Entretanto, dos
5 violonistas, é o único que, até o presente momento da escrita desta dissertação, está se formando
no Curso de Música - Licenciatura da UFC - Campus Sobral. Assim como Luizito, Almir é
envolvido no universo da música e poesia, considera-se músico profissional e atua em diversos
espaços da cidade de Sobral-CE com voz e violão, como Juca, Janilson e Reginaldo.
62
O arranjo e a interpretação da música, podem ser escutados no seguinte link:
https://youtu.be/5LN29ZqB4DQ Acesso em 13 set. 2021.
67
violonista Luizito Miguel, que confirmou seu interesse em participar e, no dia 11 de Maio de 2021,
Almir Martins recebeu e aceitou o convite para participar deste trabalho.
Tabela 2 – Tabela com datas e horários dos convites enviados pelo WhatsApp
Violonista Data Recurso Horário
Conforme a Tabela 2, pode-se ver a síntese dos convites enviados aos colaboradores.
Embora a pesquisa não exija que você faça um juramento, como em outras áreas, as
pessoas devem saber, por meio de suas ações, conduta e métodos de pesquisa, que
você está se esforçando para produzir uma pesquisa que seja honesta, inclusive para
esclarecer o ponto de vista que está sendo representado (YIN, 2016, p. 35).
68
Desse modo, reforça-se que tanto no processo de realização das entrevistas, quanto
durante as trocas de mensagens no WhatsApp, foi esclarecido aos músicos o direito de recusar a
participação no presente trabalho. Cohen et al. (2007) também ajuda a compreender o conceito do
consentimento informado:
O consentimento informado foi definido por Diener e Crandall (1978) como "os
procedimentos nos quais os indivíduos escolhem se querem participar de uma
investigação após serem informados dos fatos que seriam susceptíveis de influenciar
as suas decisões''. Esta definição envolve quatro elementos: competência,
voluntarismo, informação completa e compreensão64” (p. 52).
Por fim, explicita-se aqui que a postura perante os violonistas colaboradores foi de
encontro ao que Queiroz (2013, p. 16) entende como “[...] uma postura ética, no sentido de dar
voz aos verdadeiros detentores das práticas, saberes e produtos musicais [...]”, tendo em vista que
“[...] qualquer área que lida com estudo dos humanos e suas expressões culturais, deve ser realizada
com bom senso, sensibilidade e respeito ao fenômeno musical, material ou imaterial, estudado”.
63
The principle of informed consent arises from the subject’s right to freedom and self determination.
Being free is a condition of living in a democracy, and when restrictions and limitations are placed on that freedom
they must be justified and consented to, as in research. Consent thus protects and respects the right of
self-determination and places some of the responsibility on the participant should anything go wrong in the
research. As part of the right to self- determination, the subject has the right to refuse to take part, or to withdraw
once the research has begun [...] Thus informed consent implies informed refusal.
64
Informed consent has been defined by Diener and Crandall (1978) as ‘the procedures in which
individuals choose whether to participate in an investigation after being informed of facts that would be likely to
influence their decisions’. This definition involves four elements: competence, voluntarism, full information and
comprehension.
70
De acordo com o objetivo proposto para esta pesquisa, qual seja, compreender os
processos que marcam a formação musical em múltiplos contextos de violonistas profissionais e
semiprofissionais na cidade de Sobral-CE, o tipo de delineamento adotado foi o estudo de caso. De
acordo com Goldenberg (2004):
O estudo de caso não é uma técnica específica, mas uma análise holística, a mais
completa possível, que considera a unidade social estudada como um todo, seja um
indivíduo, uma família, uma situação ou comunidade, com o objetivo de
compreendê-los em seus próprios termos. O estudo de caso reúne o maior número de
informações detalhadas, por meio de diferentes técnicas de pesquisa, com o objetivo
de apreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso
concreto. Através de um mergulho profundo e exaustivo em um objeto delimitado, o
estudo de caso possibilita a penetração na realidade social, não conseguida pela
análise estatística (p. 33).
processo formativo dos violonistas. Portanto, o delineamento adotado oferece aportes pertinentes
para tratar dos espaços onde acontecem tais processos formativos, e de como determinados
espaços contribuem para a formação musical. O método utilizado - o estudo de caso -
caracteriza-se como tendo uma natureza descritiva, tendo em vista que o trabalho busca assimilar a
formação de violonistas, assim como descrever os principais aspectos que ocorrem na formação
musical.
Considerando que foram selecionados 5 violonistas colaboradores para o presente
trabalho, isto é, 5 unidades de análise, esta pesquisa se configura como um estudo de casos
múltiplos (holísticos), ou seja, cada violonista é compreendido como uma unidade única de análise
(YIN, 2015, p. 53). Sobre os estudos de casos múltiplos, Yin (2015, p. 60) compreende “os
projetos de casos únicos ou de casos múltiplos como variantes da mesma estrutura metodológica - e
não existe uma distinção ampla entre o assim chamado estudo de caso clássico (ou seja, único) e os
estudos de casos múltiplos”.
Acima, é possível ver a síntese da tipologia de estudo de casos múltiplos, em que cada
músico representa um contexto particular. Outra maneira de visualizar este quadro é
compreendendo que “cada história das múltiplas experiências vividas pelos indivíduos que moram na
cidade não podem ser numeradas, seriadas ou quantificadas, mas qualificadas como estilo de
apreensão singular que molda o espaço através das trocas simbólicas [...]” (BOURDIEU, 1990
apud FREITAS, 2000, p. 26).
72
4.4.1 Entrevistas
Inicialmente é importante destacar que, no que diz respeito às entrevistas, pode-se dizer
que existem alguns tipos, entre elas: individuais, grupais, narrativas e episódicas (BAUER e
GASKELL, 2015). Dessa maneira, as entrevistas podem assumir diferentes formas. Entretanto,
pode-se considerar que “[...] todas as formas se enquadram em dois tipos: entrevistas estruturadas e
entrevistas qualitativas” (YIN, 2016, p. 118). Sobre a terminologia referente à entrevista qualitativa,
é importante saber que:
65
Fonte Times New Roman; tamanho 12; espaçamento entre linhas e parágrafos 1,5; folha A4.
74
É pertinente mencionar que através das entrevistas obteve-se maior proximidade com
os músicos e com a temática em estudo. Durante o processo de construção do projeto de pesquisa
havia grande curiosidade em elencar as habilidades, conteúdos e competências que os músicos
possuem. Entretanto, depois desse primeiro momento, percebeu-se que seria de mais valia
compreender os processos que estão relacionados à construção da formação. Também é
importante mencionar que este processo se mostrou fecundo por despertar a “humildade científica”,
cuja visão, parte do pressuposto de que:
Transcrições literais são exatamente isso: palavra por palavra, mesmo que o falante
saia do assunto por algum tempo. A função do entrevistador em uma entrevista
semiestruturada é levá-lo de volta ao tema principal ou chamar sua atenção para a
76
próxima pergunta da entrevista. Estímulos podem ser usados para lembrá-lo do tema
principal ou corrente (OLSEN, 2015, p. 53).
Nesse sentido, as gírias foram incorporadas nas transcrições. Tendo em vista a duração
média de cada diálogo (1 hora, 34 minutos e 15 segundos), o processo de transcrição demandou
mais tempo para ser finalizado. Nas transcrições estão contidas as pausas e os momentos em que os
violonistas param para pensar em algo, sendo representados pelo sinal de (+). Já as gírias como
“né”, “tá” e “aí”, foram escritas em itálico; entre parênteses colocou-se expressões e ações que os
entrevistados realizaram no processo, a saber: (risos), (entusiasmado), (cantarolando), (começa a
tocar), (daí toca o acorde). As transcrições resultaram em 5 arquivos, totalizando 143 páginas
(com fonte Times News Roman, espaçamento entre linhas e parágrafos 1,5 e tamanho 12). Por fim,
vale acrescentar que as transcrições não passaram por nenhum tipo de exclusão ou adição de novos
elementos, ou seja: as gírias, pausas, ações e expressões não foram retiradas.
As observações nos contextos de atuação dos músicos figuraram como fecundas para a
compreensão da formação de violonistas, pois presenciou-se como os músicos manifestavam seus
conhecimentos nos espaços de atuação. Tendo em vista que “observar não é um ato neutro”, na
pesquisa qualitativa a observação auxilia na construção de “abordagens mais abertas e flexíveis”,
buscando auxiliar na “[...] interpretação do fenômeno, sem procurar chegar a conclusões
“verdadeiras”, mesmo que leve em conta informações objetivas ou quantitativas sobre ele”
(FREIRE, 2010, p. 29).
Portanto, ressalta-se que as observações se configuram como “observações simples”,
que são ferramentas utilizadas quando “[...] o pesquisador permanece alheio à comunidade, grupo
ou situação que pretende estudar [...]” (GIL, 2008, p. 101), observando os fatos que ocorrem.
Porém, levando em consideração que não foi estipulado um roteiro para observar os fenômenos
estudados, estabeleceram-se alguns tópicos norteadores para as observações de campo, sendo
eles: o comportamento do músico no local de atuação; a sonoridade do instrumento; a postura ao
tocar as músicas; as situações em que as práticas com o instrumento é mais exigida; a postura e o
comportamento ao realizar o acompanhamento rítmico harmônico; os olhares e expressões faciais; a
comunicação entre os músicos e a descrição do ambiente. Freire (2010, p. 29) esclarece que:
Nesse sentido, no que diz respeito aos tópicos norteadores para as observações, é
importante mencionar que esses foram construídos com base nas experiências tácitas e através da
literatura sobre a formação de violonistas. Freire (2010, p. 33) também esclarece que, apesar das
observações possuírem um caráter flexível no âmbito das pesquisas qualitativas, isso não significa
que sejam desprovidas de “cuidados metodológicos”, ou seja, da criação de registros sistemáticos
como diários de campo, fotografias e vídeos. Assim, é importante mencionar que no âmbito desta
pesquisa, observou-se os violonistas tanto em seus locais de atuação, como no processo de
entrevistas, tendo em vista que as observações “[...] podem ser feitas durante o seu trabalho de
campo, incluindo as ocasiões em que outras evidências, como as das entrevistas, estão sendo
coletadas” (YIN, 2015, p. 118).
No processo de observação foi construído um diário de campo contendo as
impressões mediante a exposição aos fenômenos investigados. Juntamente ao diário de campo,
compilaram-se fotografias e vídeos dos músicos em seus locais de atuação e em suas residências, no
momento das entrevistas. Ressalta-se que as observações foram realizadas com 3 violonistas, a
saber: Reginaldo, Luizito e Janilson. Entretanto, Almir e Juca, assim como os demais, foram
gravados (áudio e vídeo) tocando em suas respectivas residências, no decorrer das entrevistas,
como já mencionado anteriormente. Desse modo, esses registros, apesar de não terem sido feitos
nos locais de atuação, foram considerados como parte do processo de observação.
Durante o desenvolvimento das observações, buscou-se participar intensamente dos
episódios em que os violonistas estivessem em situações de prática com o instrumento, sendo os
comportamentos, atitudes, habilidades, competências, situações, diálogos e experiências, os
principais focos de observação. Com o violonista Janilson Braga, por exemplo, foram realizadas
observações em igrejas da cidade de Sobral-CE e em uma pizzaria, sendo que a autorização para
tais contemplações foi concedida no dia da realização da entrevista. Já com Luizito Miguel, as
observações foram realizadas na Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento
Socioeducativo (Seas), mediante autorização do diretor da instituição; nesse caso, a permissão para
as observações foi solicitada ao músico no dia da entrevista. Entretanto, o entrevistado esclareceu
que a autorização só seria viável através de um ofício, que deveria ser apresentado ao diretor. Dessa
forma, foi construído um termo de autorização (APÊNDICE G), que continha o objetivo da
presente pesquisa, o nome e assinatura do pesquisador, a instituição à qual o presente trabalho está
vinculado e direcionamentos para dúvidas ocasionais; além disso, foi enviado para a instituição,
juntamente com o termo de autorização, a declaração de vínculo do pesquisador enquanto aluno do
78
Mestrado em Música da UFRN67. Com Reginaldo Fialho, o processo foi semelhante ao de Janilson
Braga. Foi solicitada a autorização para observá-lo em seus locais de atuação no momento da
entrevista. O músico afirmou que iria disponibilizar sua agenda assim quando as atividades em bares
e restaurantes voltassem. Desse modo, realizou-se a observação do músico em um restaurante
assim que o mesmo disponibilizou sua agenda.
As observações aconteciam conforme a agenda dos músicos, ou seja, quando os
colaboradores comunicavam que iriam se apresentar em determinado lugar. Nesse ponto, vale
destacar que em todo o processo de observação foram realizadas conversas com os colaboradores
acerca de locais e horários em que aconteceriam tais práticas. No que diz respeito à extensão,
tinham em média 1 hora de duração. O quadro abaixo sintetiza todo o processo de observação do
músico Janilson Braga.
67
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
68
Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas).
79
No que diz respeito ao violonista Reginaldo Fialho, foi realizada uma observação no dia
04/06/2021 (Sexta-Feira) às 19:15 horas no restaurante “Skina do Camarão”. As anotações no
diário de campo eram escritas sincronicamente aos fenômenos observados, com o intuito de
registrar todos os episódios que aconteciam com os músicos, assim como o comportamento
adotado por eles em determinadas situações. Esses registros foram anotados inicialmente em um
caderno e em seguida transcritos para um arquivo, o qual continha a data, o contexto e o local de
cada observação.
As observações começaram em maio e finalizaram em junho. Desse modo, é
imprescindível relatar que o período de observações foi reduzido devido aos números preocupantes
que a pandemia estava alcançando. Nesse período não foi possível observar Juca e Almir. Vale
destacar que apesar da flexibilização e da abertura de alguns serviços não essenciais, não foram
encontradas oportunidades para observá-los. Como aquele era um momento ímpar na vida de
todos, sentiu-se que não seria necessário correr riscos a ponto de contribuir para os números
negativos da pandemia. Naquela ocasião (em junho), foi decidido que as observações seriam
encerradas. Porém, o fato de terem sido realizadas entrevistas e coleta de documentos, assim como
80
o fato de todos os músicos terem sido gravados, fez com que o encerramento das observações não
fosse tão prejudicial para a pesquisa.
No total, foram reunidos seis materiais didáticos, sendo que para chegar aos
respectivos documentos foram adotados dois critérios: seriam selecionados apenas os materiais que
os músicos tivessem estudado, ainda que parcialmente ou de alguma maneira particular (poderia
acontecer dos músicos apenas fornecerem um determinado material sem tê-lo consultado); além
disso, os materiais deveriam conter conteúdos musicais (harmonia, técnica, teoria musical, por
exemplo), além de repertórios.
Esse corpus, concretizado nos respectivos materiais, foi imprescindível para
compreender como os documentos fornecidos pelos violonistas colaboradores se materializam na
formação musical. Esses documentos deram indícios dos conteúdos que figuram na formação desses
músicos, assim como o tipo de material aos quais tiveram acesso.
Foi sob a luz da Análise Textual Discursiva (ATD) que foram organizados, construídos e
analisados os dados do presente trabalho, sobretudo aqueles coletados por meio de entrevistas. A
ATD69 configura-se como um processo de análise de textos qualitativos. Partindo da premissa de
que a pesquisa qualitativa almeja a interpretação dos fenômenos ao invés de uma quantificação, a
ATD, inserida nesse contexto, objetifica “[...] a compreensão, a reconstrução de conhecimentos
existentes sobre os temas investigados” (MORAES e GALIAZZI, 2016, p. 33). A ATD é
examinada em torno de três componentes, a saber: a desmontagem dos textos, o estabelecimento
de relações e a captação do novo emergente em um processo auto-organizado (MORAES e
GALIAZZI, 2016, p. 34). Dessa maneira, compreendem a ATD como:
69
Análise Textual Discursiva (ATD).
82
sintetizar que a ATD tem como um de seus objetivos a construção de metatextos baseados nos
textos do corpus.
84
Este capítulo tem como objetivo apresentar os dados construídos através de um survey
realizado com violonistas em Sobral-CE, além de descrever as principais análises oportunizadas
através das observações de campo e das inferências levantadas sobre os materiais didáticos
fornecidos pelos violonistas colaboradores. Assim, primeiramente serão abordados os principais
processos que marcaram a realização do survey. Em seguida, será tratado como se deu o processo
de compilação dos materiais didáticos, assim como os critérios adotados para recolher esses
documentos. Depois, serão explicitados o conteúdo de cada material, assim como as análises
efetuadas após a imersão nesses documentos. Também serão descritos os espaços de atuação dos
violonistas colaboradores, bem como as características intrínseca a esses locais. Para isso, serão
evidenciados o processo de “entrada em campo”, as dificuldades e percalços encontrados no
processo de observação e as percepções construídas após a estadia nesses espaços. Nesse
processo serão discorridas as opiniões referentes a como esses locais se relacionam com a
formação dos violonistas colaboradores.
Nesta seção será abordado um survey com violonistas na cidade de Sobral - CE. Com
o survey foi possível compreender questões relacionadas à aprendizagem musical, especificamente
no violão, levando em consideração as informações compartilhadas por esses instrumentistas. Para a
realização deste estudo, foi necessário contactar o maior número possível de violonistas da cidade
que atuam profissionalmente, com o intuito de aplicar um questionário. O survey possibilitou uma
visão geral sobre o perfil desses músicos, bem como a compreensão das práticas utilizadas para
aprimorar, desenvolver e aprender habilidades musicais.
O questionário70 foi estruturado nas respectivas seções: 1) Dados de identificação e
formação inicial; 2) Experiências formativas relacionadas ao violão; 3) Hábitos e atitudes utilizados
durante o processo de aprendizagem e 4) Práticas e questões relacionadas à atuação profissional.
Na seção sobre dados de identificação e formação inicial buscou-se formular perguntas
que compilassem respostas que ajudassem a traçar um perfil dos respondentes, bem como conhecer
as experiências iniciais com aprendizagem musical. Assim sendo, tais perguntas têm por objetivo
contemplar os contextos: formação inicial e identificação.
Sobre as experiências formativas, buscou-se identificar os processos que os músicos
passaram e que agregaram em sua formação musical, assim como os materiais didáticos utilizados e
os tipos de estratégias adotadas para o desenvolvimento violonístico. Em relação aos hábitos e
atitudes utilizados durante o processo de aprendizagem, as perguntas versavam sobre práticas que
os violonistas utilizam para aprender repertórios e conteúdos específicos (harmonia, teoria musical e
acordes). Nas perguntas sobre práticas e questões relacionadas à atuação profissional, buscou-se
conhecer os espaços de atuação profissional e compreender quais são as ferramentas necessárias
para tal desempenho e como esses contextos se relacionam na prática.
É importante ressaltar que o questionário aplicado foi realizado em um único intervalo
de tempo (survey interseccional). A técnica de amostragem foi de caráter Não-Probabilístico, tendo
em vista que, de acordo com Babbie (1999), nessa amostragem não é necessária a
representatividade exata da população estudada. Assim sendo, foram utilizados dois tipos de
amostragem não-probabilística, sendo a primeira por cotas, ou seja, com a adoção de alguns
critérios que foram utilizados para a escolha dos participantes e, posteriormente, com um segundo
tipo de amostragem, do tipo “bola de neve”: no próprio questionário os respondentes elegeram
outros músicos que julgaram ter o perfil da pesquisa e que consideram como violonistas.
Os critérios adotados para a escolha dos respondentes foram os seguintes: 1) Os
músicos deveriam atuar profissionalmente em Sobral, em bares, casas noturnas, shoppings, ou
70
O questionário utilizado foi aplicado através da plataforma do Google Forms, portanto, tanto a
confecção das perguntas como a obtenção das respostas foram obtidas através desta ferramenta.
86
[...] por profissional, quero dizer que eles ganham a vida ou passam parte da vida
tocando, e em alguns casos, compondo e ou organizando músicas. A expressão
semiprofissional se refere a uma variedade de contextos de trabalho e pode significar
que às vezes você é pago e às vezes não, ou que os músicos são pagos, mas não o
87
suficiente para viver, mesmo que trabalhem todas as noites da semana71 (GREEN,
2002, p. 9).
Após apresentar as reflexões de Salazar (2015) e Green (2002) sobre esses conceitos,
infere-se que tais definições caracterizam o grupo de músicos que esta investigação se propõe a
estudar, tendo em vista que são violonistas que atuam diretamente nos ambientes e contextos
citados pelas definições apresentadas. Vale destacar que não estão em discussão aspectos
relacionados à qualidade técnica; tais embasamentos possuem em seus cernes apenas apontamentos
que relacionam-se com a atuação profissional. Porém, vale acrescentar outro viés sobre as
discussões relacionadas com o tema amador x profissional. Classificar, caracterizar, denotar
determinado grupo como profissional ou amador não é uma tarefa fácil. Sabe-se que existem
diversas abordagens no que tange tais definições e que essas classificações exigem uma investigação
com maior proximidade e profundidade para não incorrer no risco de apresentar conceitos
ambíguos, que não se relacionam com o âmbito da pesquisa.
Ruth Finnegan afirma que “as complexas inter relações entre amador/profissional
formam um elemento essencial no trabalho dos músicos locais72” (FINNEGAN, 1989, p. 13). De
acordo com as reflexões apresentadas pela autora, verifica-se também que classificar músicos
levando em consideração os termos “profissional” e “amador” não é uma questão simples, como já
discutido acima. Tal abordagem não leva em consideração em um primeiro momento as relações
que são construídas entre os músicos. Dessa forma, deixa de abordar algumas questões pertinentes
para tal discussão. Uma delas é sobre a qualidade técnica, tendo em vista que um músico amador
normalmente é tachado de um instrumentista que não é tão capacitado em termos de técnica e
conhecimentos musicais quanto um músico profissional.
Um exemplo pertinente é encontrado no trabalho de Almeida (2017), que, sobre essa
temática, traz reflexões dos músicos de jazz da Cena de São Paulo. Um dos músicos esclarece que
a qualidade técnica não necessariamente está atrelada ao músico profissional, tendo em vista que
alguns músicos de jazz da cidade de São Paulo tocam apenas por hobby, mas que são professores
concursados de música em algumas instituições de ensino. Tal apontamento aponta para algumas
diretrizes a esse respeito: poderia-se, então, classificar tais músicos como amadores?
Finnegan (1989) esclarece que é importante aceitar que a abordagem “amador x
profissional” gera muitas ambiguidades, tornando difícil realizar uma distinção. Já Almeida (2017)
71
No Original: [...] by ‘professional, I mean that they make a living or part of a living from playing and in
some cases also composing and/or arranging music. The expression “semi-professional” refers to a variety of
work contexts and can mean that “sometimes you get paid and sometimes you don’t’, or that the musicians are
paid, but not enough to live on even if they worked every night of the week.
72
No Original: “the complex amateur/professional interrelations form one essential element in the work of
local musicians”.
88
destaca que há duas maneiras de enxergar estes fenômenos. A primeira leva em consideração a
questão da remuneração: o que está em evidência é a questão financeira; nessa perspectiva, um
músico que tenha domínio técnico mas não recebe cachê será classificado como músico amador. A
segunda abordagem é estruturada em termos qualitativos: o músico profissional seria aquele que
possui certa gama de conhecimentos musicais em relação ao músico amador, uma classificação
subjetiva. Finnegan por sua vez entende que “quando músicos locais usam o termo ‘profissional’,
frequentemente se referem à qualidade do músico, em vez do aspecto econômico: um músico de
alto nível73” (FINNEGAN, 1989, p. 15). Apesar do risco de tornar o discurso ambíguo, nesta
pesquisa compreende-se que a classificação dos músicos em profissional ou amador realmente
deixa lacunas no que diz respeito à formação, experiências e trajetórias. Há uma convergência com
os respectivos autores quando explanam que não necessariamente um músico amador tem menor
valor do que um músico profissional.
É importante destacar que a utilização dos termos profissional e semiprofissional nesta
investigação deu-se pelo aspecto da remuneração e da necessidade de ganhar dinheiro com música.
A amostragem da pesquisa é composta justamente por músicos que tocam para viver ou que
precisam da música para ajudar em suas respectivas receitas. Os termos utilizados por Salazar
(2015) e Green (2002) corroboram tal visão, culminando em uma decisão apriorística ao adotar
essas definições. Acredita-se que por viverem de música esses instrumentistas possuem experiências
únicas em termos de aprendizagem, foco e dedicação, experiências que passam despercebidas por
outros músicos que não necessariamente trabalham no ramo. Afinal de contas, esse grupo precisa
tocar para sobreviver, e dessa maneira precisam aprender determinados aspectos musicais para
tanto.
Foram obtidas 27 respostas, sendo que o questionário, realizado entre 15 de abril e 15
de maio de 2020, foi enviado para 40 músicos. Seguindo essas perspectivas, serão apresentadas
algumas considerações sobre o survey aplicado com violonistas em Sobral-CE.
Foi observado que os músicos atuantes na cidade têm em média 34 anos de idade.
73
When local musicians use the term ‘professional’ they often refer to evaluative rather than economic
aspects: the ‘right standard” of a player.
89
O Centro da cidade é o local onde a maioria dos violonistas reside, como se pode
identificar no Gráfico 3.
90
Uma das informações obtidas diz respeito à iniciação nos estudos musicais. Os dados
apontam que boa parte desses instrumentistas iniciou os estudos antes dos 20 anos, sendo 14 anos
a média de idade em que começaram a estudar música.
dado importante que nos ajuda a desenhar o perfil desses músicos é a relação com o primeiro
instrumento musical. O intuito era investigar se o violão foi o primeiro instrumento estudado ou se
tiveram outros que antecederam a prática violonística. Como é possível observar no Gráfico 6, mais
da metade (51,9%) dos músicos teve o violão como primeiro instrumento musical. Entretanto, uma
considerável parte (48,1%) teve experiências com outros instrumentos, como é possível visualizar
no gráfico abaixo.
Com base na visão de que a formação em música pode acontecer nos mais diversos
espaços, foram investigados os ambientes e contextos que proporcionaram momentos de formação
e aprendizagem. Com base nos dados quantitativos, pode-se destacar os respectivos contextos: 1)
Família; 2) Amigos; 3) Igreja; 4) Rádio; 5) Vizinhos e 6) Escola regular. Verificou-se que a família
desempenha um papel importante na formação musical dos instrumentistas. Sobre a família como
agente de inserção em ambientes culturais Fucci-Amato destaca:
Na família, o indivíduo desde seu nascimento interage com o meio onde vive para
conhecê-lo e passa a tomar este meio social (em seus aspectos materiais e
simbólicos) como padrão para seu comportamento em um processo de socialização.
Assim, a família pode desempenhar o papel de principal agente social de iniciação
cultural do indivíduo, intrínseco à sua condição de instituição social.
(FUCCI-AMATO, 2008, p. 408).
Percebe-se que a família, bem como as igrejas, amigos e vizinhos, tornam-se pólos de
inserção cultural, que proporcionam experiências culturais em que os indivíduos inseridos são
motivados ou até mesmo obrigados a participarem de certas situações, além de estarem em distintas
ocasiões das quais fazem parte ativa ou passivamente. Tais constatações são complementadas com
94
os discursos dos músicos, que apontam como cada contexto contribuiu para a escolha e estudo do
violão:
Violonista 3: Meu pai toca violão; frequento a igreja desde criança e via músicos
tocando nas missas e em outros momentos religiosos; via bandas tocando e sempre
quis tocar que nem eles.
Violonista 6: Quando comecei a ter aulas de violão, não estava muito animado para
aprender, isso mudou quando comecei a participar de grupos que eram formados para
apresentação na escola de música de Sobral, então na época eu gostava muito de
está entre amigos apresentando, participava da maioria dos grupos da escola.
Violonista 8: Via meus amigos e vizinhos tocarem e queria me sentir inserido nesse
grupo pois sempre tive fascínio pelo violão, e as músicas que eu ouvia na Rádio me
despertava a querer aprender o instrumento a todo custo para tocar minhas canções
favoritas.
Violonista 10: Sempre observava meu pai tocando na igreja, a partir daí comecei a
estudar com ele passando por cursos em projetos sociais, Minhas maiores
oportunidades de tocar foi na escola e na igreja, logo veio o desejo de me aprofundar
mais quando ingressei no ensino superior.
Violonista 11: Sou de uma família de músicos, meu pai é baterista, meus irmãos tocam
bateria, eu toco também, porém, eu quis aprender o violão [...].
Violonista 12: A influência foi da igreja, com a vontade de tocar nos cultos e também
do meu pai que já tocava violão.
Violonista 13: Precisava de violonista na igreja que frequentava. Meus amigos e
minha família me conseguiram revistas de cifras e materiais de estudo, então fiquei
tocando na igreja.
Violonista 14: Eu tinha vontade de aprender a tocar violão então quando entrei na
igreja surgiu a oportunidade então aproveitei.
É possível identificar nos registros acima que a igreja teve um papel importante no que
diz respeito a estímulos para o estudo e aprendizagem musical e que se mostra um ambiente
propício à inserção de músicos em contextos culturais. O depoimento abaixo mostra a influência da
família e de amigos na decisão de empreender experiências musicais relacionadas ao violão:
95
Violonista 19: Minha mãe canta muito bem e sempre gostou de tocar violão. Meu
pai sempre gostou de música e gostava de tocar violão, teclado, sanfona. Além
disso, a partir de estímulos de amigos na minha adolescência, comecei a tocar violão.
Violonista 23: Meu irmão mais velho foi um incentivador e, ao notar o interesse, me
levou a visitar o conservatório de música. Na igreja, quando criança e adolescente,
fiquei interessado em aprender o violão pois era utilizado nas cerimônias.
Violonista 25: Desde muito pequeno tinha vontade de aprender violão. Tinha um na
minha casa, mas eu era pequeno demais e mal conseguia segurar o instrumento. Aos
11 anos já tocava teclado, comecei a estudar violão por vontade própria e para servir
na igreja. Acabei unindo minha vontade de aprender o instrumento com a
necessidade que a igreja tinha por músicos.
Violonista 26: Meu pai tocava, me levava para assistir o ensaio do grupo de choro e
forró que tinha na minha rua. Ele era amigo dos instrumentistas.
Violonista 27: Meu pai é músico e compositor e sempre tocou em igrejas
evangélicas. Também minha mãe cantou durante um bom tempo em corais da cidade.
Além disso, uma das minhas tias foi professora de música na escola em que eu
estudava. A escola regular, inclusive, foi um importante espaço de formação artística
para mim. Através da escola é que pude vivenciar as primeiras experiências com
apresentações em público, tanto de música, quanto de teatro, outra área em que
também atuo. Todos esses fatores contribuíram para que eu me inclinasse a estudar
música.
a importância da interação com amigos e familiares sobre música e exaltam a importância dessa
convivência e troca de informações:
Violonista 8: A revista era o principal acesso quando comecei os estudos, não havia
internet, ver os amigos que tocavam e copiar, ver como eles faziam foram a principal
escola.
Violonista 9: Foi na igreja que fiz aulas de violão e como ainda não tinha acesso a
internet utilizava as revistas de música.
Violonista 10: No tempo que não tinha acesso a internet livremente, pesquisa em
revistas e assistir DVDs, quando surgiu a oportunidade em projetos sociais entrava,
mas tocar com os amigos era sempre enriquecedor.
Violonista 23: O início foi com revistas de violão com músicas de bandas como
Legião Urbana [...]
Violonista 24: Utilizei fitas VHS e Revistas de Cifras.
Com base nesses relatos, infere-se que a revista de violão descrita por esses músicos
teve um papel importante na formação dos mesmos, principalmente por: 1) Ser um material de fácil
acesso; 2) Oportunizar o contato direto com cifras de músicas de gosto pessoal; 3) Ser um dos
materiais disponíveis antes do avanço da internet e que possui uma praticidade e conteúdos
condensados, de rápida assimilação. Llanos (2018) elucida:
De maneira geral, esses violonistas em algum momento dos seus percursos musicais
tiveram contato com as ferramentas descritas acima. Percebe-se um protagonismo, principalmente
quando os músicos buscam materiais e informações através da internet, atuando como aprendizes
autônomos que complementam seus estudos e formações com base também no progresso
tecnológico. A aprendizagem do violão, nesse contexto, demonstra-se híbrida, ou seja: há a
aquisição de habilidades e conhecimentos em distintas configurações. Outro contexto mencionado
foi a Escola de Música de Sobral-CE. O depoimento abaixo demonstra a importância desse
espaço:
98
Violonista 25: Iniciei os estudos de violão num curso particular da minha cidade
natal, contudo, dois anos depois me mudei e ingressei na Escola de Música de
Sobral (EMS) que foi o divisor de águas para mim. Na EMS tive contato com diversos
outros instrumentos e músicos que ampliaram significativamente meu conhecimento
musical, repertório e “network”. Inclusive foi através da EMS que consegui os
primeiros trabalhos como músico profissional [...].
É possível observar que a escola de música pública, para além propiciar conhecimentos
teórico-práticos, democratiza o ensino de música e proporciona novas experiências de interação
vivenciadas pelos estudantes. Consequentemente, esse ambiente facilita o contato com outros
músicos, oportunizando trocas de experiências, informações e trabalhos. Seguindo essas
perspectivas, também foi perguntado sobre o planejamento dos estudos. O intuito era vir a saber se
os instrumentistas seguiam algum tipo de planejamento, segmentação de estudos, ou se esses
processos se davam de modo mais livre. Constatou-se que 16 violonistas não planejavam seus
estudos. De acordo com as experiências descritas, os músicos estudam aspectos técnicos ou
teóricos apenas sob demanda, sendo boa parte do tempo dedicada à prática do repertório. Os
depoimentos que se seguem elucidam a relação entre o planejamento dos estudos e os
respondentes:
Por outro lado, 11 respondentes relataram planejar os seus estudos, sendo certos
conteúdos mais enfatizados. Os depoimentos abaixo corroboram esses apontamentos:
Violonista 12: Sim. Eu estudo 4:00 a cada 24 horas. Sendo uma hora para escalas,
uma hora para harmonia, uma hora para ritmos. Metade para dedilhado e metade para
levadas uma hora para repertório erudito.
Violonista 14: Sim diariamente me dedico ao estudo de repertório principalmente.
Violonista 19: Atualmente, os estudos de violão estão mais esporádicos. Mas
quando estudava com mais afinco, geralmente fazia 5 minutos de movimentos de
alongamento, depois 10 minutos exercícios de aquecimento para a mão direita e
esquerda, tocava algumas peças, escolhidas por nível de dificuldade, no intuito de
continuar o aquecimento do corpo com instrumento e, também revisar o repertório
que dominava e, por último escolhia uma música para efetuar a ampliação do
repertório.
99
Violonista 23: Sim. Encontro músicas que eu tenha interesse de tocar e me organizo
para memorizá-las. Também acontece de planejar o estudo de certas músicas para que
eu possa utilizá-las em aulas.
Violonista 24: Estudo 3h por dia. 6 assuntos: Escalas, Técnicas, Leitura, Harmonia,
Improvisação e Repertório.
Violonista 2: No princípio eram horas a fio a ponto de levar o violão para o banheiro.
Hoje toco uma hora por dia sempre após o expediente.
Violonista 7: Estudava em média de 10 horas por dia todos os conteúdos que
aprendia. Hoje, quando pego, passo muito pouco tempo! 30 a 40 minutos.
Violonista 8: No início sempre pegava no violão, treinava tirar música de ouvido,
estudava acordes e repertório da música popular.
Violonista 19: No início do aprendizado, o tempo que tivesse livre no dia a dia, com
certeza estava com o violão nas mãos. Atualmente, não consigo me dedicar tanto
quanto gostaria ao instrumento, mas continuo fazendo o que mais gosto que é
realizar composições e arranjos com o violão.
Ainda no que diz respeito à prática de estudo, foram investigados os materiais didáticos
utilizados na aprendizagem musical. A Tabela 1 apresenta os materiais citados.
Vale ressaltar que outros métodos além dos apresentados na tabela foram citados, entre
eles: “Minhas primeiras notas ao violão” do autor Mário Mascarenhas, “Aprenda violão com ou sem
mestre” de Victor Hugo Tozewski e materiais desenvolvidos pelos guitarristas Frank Gambale e Don
Mock. Já outros músicos relataram que não tinham o costume de utilizar livros ou métodos, mas que
tinham o hábito de 1) “Tirar de Ouvido”75 e 2) Assistir vídeo aulas. O violonista 9 relata: “Utilizei
uma apostila no início, mas quando desenvolvi os acordes foi mais ouvindo música e tentando tirar
de ouvido”. Ao serem questionados sobre práticas em conjunto durante seus percursos formativos,
apenas 6 relataram não terem participado de nenhum grupo. O restante afirmou que em algum
momento participou de situações que envolviam a prática em grupos e que essas experiências foram
importantes para suas respectivas formações. Os músicos relataram as mais diversas experiências e,
entre elas, destacamos: 1) Experiências vivenciadas no âmbito do Curso de Música da Universidade
Federal do Ceará, Campus Sobral; 2) Vivências adquiridas através da Escola de Música de Sobral;
3) Formação e atuação nos ministérios de música em Igrejas e 4) A prática de formar projetos
musicais com amigos e outros músicos.
Outro aspecto investigado diz respeito aos violonistas que de alguma maneira
contribuíram para o desenvolvimento desses músicos. Entre os violonistas mais citados encontra-se
o nome de Marcelo Mateus de Oliveira, professor de violão do curso de Licenciatura em Música da
Universidade Federal do Ceará- Campus Sobral e do violonista Conrado Paulino. Um dos
violonistas entrevistados relata:
Violonista 27: Uma das experiências que mais contribuíram para o meu
desenvolvimento no violão foi a possibilidade de participar de oficina ministrada por
Conrado Paulino, no Festival Música da Ibiapaba. Seus ensinamentos sobre
harmonia aplicados ao violão me foram muito úteis. Outro fator que gosto sempre de
ressaltar é a troca de experiências que tive com os colegas de curso, no dia a dia das
aulas, seja com música que eram mais experientes, seja com colegas menos
experientes, com os quais aprendi bastante ao tentar compartilhar o que eu sabia.
Também as trocas de experiência com o professor Marcelo Mateus durante a
graduação, que foi uma oportunidade palpável que tive de experimentar o violão
clássico.
sentido, também foram questionados sobre os violonistas locais que são tidos como referência. De
acordo com os dados, os músicos mais mencionados foram respectivamente: 1) Uélito Filho; 2)
Marcelo Mateus e 3) Gleydson Frota.
Já no que diz respeito à leitura de cifras, boa parte afirmara ter o domínio e
familiaridade com o assunto.
Violonista 3: Sim; procuro o tom da música tocando notas que encaixam na melodia.
Após isso vou procurando acordes que se encaixam no campo harmônico.
Violonista 4: Sim. Ouço bem a música, procuro saber a tonalidade e vou seguindo
alguns clichês harmônicos.
Violonista 5: Sim. Começo tocando apenas o bordão.
Violonista 6: Sim. Primeiro escuto a música algumas vezes para aprender sua melodia
e entender sua sequência harmônica. Depois começo a praticar.
Violonista 9: Sim, eu utilizo os baixos para identificar a nota que estou tentando
encontrar.
Violonista 10: Sim. Geralmente procuro o tom tirando a melodia, depois os baixos e
por fim a cadência.
Violonista 16: Ouço a música algumas vezes, descubro o tom solfejando, se for uma
música simples já consigo identificar a progressão pelo os intervalos, quando é uma
música mais complexa, pego as notas mais graves de cada acorde, depois as mais
agudas e por último o que fica no meio.
Violonista 24: Sim, ouço a música várias vezes e começo a pegar pelo baixo e depois
os acordes.
No que diz respeito aos meios utilizados para a aprendizagem de repertório, a prática
de “tirar música de ouvido” foi a mais mencionada, seguida de: 1) Cifras; 2) Vídeos e 3) Partituras.
Desse modo, infere-se que os violonistas atuantes em Sobral-CE possuem práticas voltadas para
aprender repertório com base na escuta atenta e com a utilização de cifras. Entre os conteúdos
musicais mais priorizados, os instrumentistas destacaram: 1) Repertório; 2) Estudo de ritmos (mão
direita); 3) Teoria musical, harmonia e improvisação e 4) Técnica. Inclusive, os músicos relataram os
conteúdos musicais mais pertinentes para eles: 1) Saber tocar outros instrumentos rítmicos e
melódicos; 2) possuir um conhecimento abrangente sobre teoria musical; 3) Saber questões
relacionadas à harmonia; 4) Possuir a prática da improvisação e composição e 5) Possuir a prática
de tocar em grupo, já que, segundo os músicos, quanto maior o número de experiências seja
tocando em grupo, ou com outros músicos, nos mais variados contextos, maior e mais estruturada
será a formação musical, como é possível observar nos relatos abaixo:
Violonista 3: Não ter acesso a aulas de violão; pouco tempo para estudos.
Violonista 6: O apoio da família.
Violonista 8: Todas, desde o início, comecei tarde, não tinha instrumento próprio, se
quer ganhar grana pra comprar cordas, a família não incentivava, nunca pude
104
PIBID, depois estágio, eu vivo, respiro e amo a música, não me vejo fazendo outra
coisa.
Violonista 19: Dou aula de música e toco profissionalmente há 13 anos. Minha única
fonte de renda.
Violonista 28: Sempre trabalhei com música, no princípio aulas em escolas públicas e
atualmente de apresentações musicais em todas especificações.
Violonista 6: Tenho um trabalho fixo e tenho a música como uma renda extra.
Violonista 9: Eu gosto de música, se possível viveria dela, mas aqui na nossa cidade
é difícil, então faço música com alegria para me ajudar.
Foi observado que alguns músicos relacionam “ser músico profissional” com aquele que
detém o maior conhecimento teórico e sucessivamente o domínio técnico do instrumento. Na
sequência, foi verificado que diversos fatores contribuíram para que esses instrumentistas decidissem
trabalhar como músicos/violonistas. De acordo com os relatos, a prática de lecionar em ONG’s,
igrejas e escolas, bem como as experiências tocando em bares e restaurantes, foram os principais
estímulos para que começassem a atuar profissionalmente. Com relação ao ensino do violão, apenas
8 respondentes relataram não possuir a prática docente. Já os outros afirmaram que já lecionaram,
principalmente no contexto das aulas particulares. De acordo com os dados, 25,9% dos
respondentes atuam em outros contextos não relacionados à música, a saber: setor financeiro de
uma escola, setor de compras de faculdade, alguns como auxiliares de produção em uma empresa,
outros como vendedores, uns em restaurantes e outro como técnico em segurança do trabalho. Por
fim, vale ressaltar que ao serem perguntados sobre os conhecimentos e habilidades necessários para
a atuação profissional como violonista, os músicos elencaram os seguintes tópicos: 1) o domínio de
um repertório eclético e 2) a construção de boas relações profissionais.
De acordo com este survey foi possível compreender que a formação de violonistas em
Sobral-CE perpassa por diversas interações, quase sempre envolvendo as famílias, igrejas, amigos,
bem como vivências adquiridas através da observação de outros músicos e da prática de “tirar
música de ouvido”. Também foi possível inferir que no contexto da cidade de Sobral-CE não há
apenas uma “escola” para aprender violão. Assim, esses músicos percorrem diversos caminhos para
chegar em seus objetivos.
106
O fragmento acima permite pensar que os materiais didáticos utilizados por violonistas
são fontes de conhecimento que sintetizam determinados conteúdos, tendo como características a
fácil distribuição e o grande poder de circulação. Dessa forma, configuram-se como uma das fontes
de conhecimento do músico. É importante compreender que a formação dos músicos perpassa por
diferentes âmbitos, entre eles, o estudo de tais materiais didáticos, como aponta Santos Junior
(2016):
107
76
Método. Disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=m%C3%A9todo>.
Acesso em: 30 jun 2021.
109
A leitura dos materiais foi realizada com base no seguinte roteiro: 1) Conteúdos
abordados; 2) Objetivos propostos; 3) Figuras, ilustrações e diagramas; 4) Repertório e 5)
Atividades propostas. É importante acrescentar que as categorias foram construídas com base no
contato com os documentos.
O primeiro desses materiais diz respeito ao “Curso Prático Básico Avançado”, cujo
autor é Rosálio Martins77.
77
De acordo com Janilson Braga (2021), Rosálio Martins é um músico da cidade de Sobral-CE que
trabalhava tocando nas “noites sobralenses” e também dava aulas particulares de violão.
110
[...] quero deixar bem claro que, quando tomei a iniciativa de elaborar esta apostila
para a aprendizagem de violão, tentei fazê-la de maneira simples, para que possa
atender a todos que têm vontade e interesse de aprender a tocar esse instrumento.
Gostaria de dizer, ainda, que este trabalho é especialmente para aquelas pessoas que
não sabem tocar, ou, ainda, para aquelas que sabem pouco e que possam tentar o
aperfeiçoamento (ROSÁLIO MARTINS, 1998, s.n).
Este curso tem por nome CURSO PRÁTICO, BÁSICO AVANÇADO, porque traz
consigo, um esquema prático, que aprofunda o estudo das notas naturais, sem fugir
as [sic] regras da Escala Cromática, dando ao aluno, condição de assimilar os acordes
maiores, menores, maiores com sétima e menores com sétima, dentro de uma
sequência harmônica (ROSÁLIO MARTINS, 1998, s.n).
Com base nos conteúdos apresentados no material didático, pode-se inferir que não se
trata de um método específico de violão. Configura-se como uma aglutinação de assuntos
relacionados à teoria musical, repertórios e exercícios de sequências harmônicas, oportunizando ao
estudante acesso às principais temáticas utilizadas em um primeiro contato com o “violão
acompanhador” (THOMAZ, 2018). Nesse sentido, a apostila mostra aos estudantes os acordes e
apresenta sua aplicabilidade em um repertório diverso. O material possui 54 páginas, e ao longo de
sua extensão observa-se a utilização de ilustrações, diagramas de acordes e imagens do braço do
instrumento com suas respectivas notas.
O segundo material é o “Iniciação ao violão: princípios básicos e elementares para
principiantes”, do violonista e professor Henrique Pinto (1978).
111
Os dois volumes fazem parte de uma coleção de 5 volumes. No que diz respeito à
composição desses materiais, pode-se destacar como aspectos constituintes os elementos básicos
de estruturação musical vinculados à prática violonística em si. No volume 3, por exemplo, são
abordados aspectos como formação de acordes, cifras e conceitos sobre as propriedades do som
(altura, intensidade e timbre). Já no volume 4, os assuntos abordados perpassam por tétrades,
inversões, funções harmônicas e arpejos.
Esta seção tem como intuito trazer análises a partir dos materiais recolhidos,
evidenciando as principais diferenças e semelhanças e os pontos centrais dos documentos.
Considerando que a análise desse tipo de material implica em observar as recorrências dos
conteúdos, foi construída uma planilha, em que foram mapeados os assuntos que são abordados em
cada material para verificar as respectivas recorrências, como se pode observar na figura a seguir:
114
Figura 12 – Síntese dos principais conteúdos distribuídos nos materiais didáticos compilados
Partindo desse mapeamento, é possível inferir que o perfil de alguns materiais é mais
voltados ao que se chama de violão acompanhador, ou seja, “todas as ocasiões em que o violão
serve de suporte rítmico-harmônico a um solista, seja ele cantor ou instrumentista” (THOMAZ,
2018, p. 42). Nessa perspectiva, foram identificadas a presença de elementos voltados para o
suporte de acompanhamento de melodias, além da flexibilidade e adaptabilidade (GREEN, 2002, p.
40) de produzir música em qualquer tonalidade, usufruindo dos conhecimentos sobre transposição e
o desenvolvimento de diferentes progressões harmônicas, seja através de repertório ou de práticas
isoladas. Esses aspectos podem ser identificados no “Curso Prático Básico Avançado”, na revista
de violão (fascículo 1) e nos volumes 3 e 4 da revista “Aprenda fácil Violão”.
Quanto ao método “Iniciação ao violão: princípios básicos e elementares para
principiantes”, voltado para o âmbito do violão “clássico”, observou-se que são dedicadas várias
páginas à iniciação da leitura musical (partituras), bem como são empreendidos vários exercícios
para o desenvolvimento técnico78 no instrumento. No que diz respeito ao repertório, este material
utiliza o repertório canônico do violão “clássico”. Assim, o repertório popular de música brasileira e
o desenvolvimento harmônico através de exercícios de progressões e prática de acordes são
elementos não incluídos neste material.
Observou-se que a apostila de teoria musical (fascículo 2) apresenta uma variedade de
elementos que versam sobre o tema a que se propõe, não contemplando, no entanto, conteúdos
específicos sobre a aprendizagem do instrumento. É pertinente observar que nenhum material, além
78
“Entende-se como técnica o complexo digital-motor, com possibilidades de compreensão musical, dentro
dessa possibilidade técnica” (PINTO, 1978, p. 6).
115
do método de Henrique Pinto, traz em seu interior propostas de exercícios técnicos, pelo menos não
de forma explícita. Seguindo essa perspectiva, pode-se considerar que o principal objetivo de cada
material é desenvolver determinado conteúdo com base numa especificidade. Por exemplo, nos
volumes 3 e 4 da revista “Aprenda fácil Violão” observa-se que os principais temas a serem
desenvolvidos são respectivamente a utilização das tríades e tétrades, assim como suas inversões;
nesse caso, deduz-se que o objetivo é o desenvolvimento do maior número possível de acordes,
diferentemente do que pode ser observado na revista de violão (fascículo 1) e no “Curso Prático
Básico Avançado”, uma vez que no caso desses outros materiais o que se apresenta é uma mescla
de conteúdos variados, o que faz pensar que o objetivo dessas obras não está relacionado ao
aprofundamento em um ou outro aspecto musical relativo ao estudo de violão, mas consiste em
apresentar uma síntese dos principais componentes relacionados à prática violonística.
As cifras foram conteúdos encontrados em três materiais com abordagens similares,
quase sempre seguidas de um quadro relacionando as sete primeiras letras do alfabeto com as notas
musicais. Outro componente observado foi a utilização de ilustrações e diagramas, principalmente
para representar o braço do violão, os acordes e as principais partes que constituem o instrumento.
Por fim, verificou-se que nenhum desses documentos propõe exercícios; o que se observa em
alguns é a introdução de repertório para que o aprendiz desenvolva os conceitos apresentados nos
conteúdos.
Diante dos materiais didáticos foi possível observar que há uma predominância de
assuntos relacionados à prática de acordes; observou-se também que em quase todos os materiais
são introduzidas noções básicas de teoria musical, envolvendo componentes como escalas,
intervalos e acidentes. Constatou-se que grande parte dos materiais utilizados apresentam assuntos
relacionados às funções desenvolvidas pelos “violonistas acompanhadores” (THOMAZ, 2018).
Concorda-se com Queiroz (2010, p. 206) quando elucida que “a diversidade de espaços de
atuação, de repertórios e de perfis profissionais, faz com que não tenhamos uma perspectiva única
para a formação do violonista”. Os materiais didáticos aqui apresentados são entendidos como
apenas uma das perspectivas de formação violonística, configurando-se em duas vertentes: 1)
recursos de conhecimentos específicos direcionados a um determinado assunto (materiais dedicados
exclusivamente a tríades ou tétrades), como foi possível observar na revista “Aprenda fácil Violão” e
2) como uma mescla de assuntos introdutórios à prática violonística, como observou-se no “Curso
Prático Básico Avançado”.
A análise desses materiais suscitou importantes reflexões para esta pesquisa. Em vários
momentos, durante a apreciação dos documentos, foram encontradas anotações, rabiscos, páginas
sublinhadas. De certa maneira, isso mostra que os violonistas colaboradores, apesar de não
116
fim, acredita-se que este contexto - dos materiais didáticos e sua relação com a formação de
violonistas - seja um exemplo “do caráter sistemático de que pode revestir-se o aprendizado de
música fora de instituições escolares” (SANDRONI, 2000, p. 21). Em Sobral-CE, as barreiras
entre “erudito” e “popular” não importam muito; interessa construir conhecimento na prática do
instrumento.
Todavia, é possível considerar que este estudo não se mostrou efetivamente exaustivo
sobre as relações entre materiais didáticos utilizados por violonistas em Sobral-CE e a formação
musical, tendo em vista que não foi possível colher todos os materiais necessários, devido à
indisponibilidade de alguns músicos.
Outra forma que se mostrou frutífera e contributiva para a construção reflexiva acerca
da formação dos violonistas colaboradores foi a Observação de Campo. Partiu-se do pressuposto
de que só é possível estudar os músicos em Sobral-CE comunicando-se com eles. Isso implica que
“[...] se compartilhe sua existência de maneira durável (Griaule, Leenhardt) ou transitória
(Lévi-Strauss)” (LAPLANTINE, 2003, p. 121).
Assim, concorda-se com Laplantine (2003, p. 121), ao enunciar que não basta apenas
coletar dados em larga escala, através de um método “estritamente indutivo” mas, antes de tudo, é
imprescindível “impregnar-se dos temas obsessionais” (idem), sendo necessário viver “a tendência
principal da cultura que estuda” (idem).
Dessa maneira, foi-se para o meio da vida profissional dos violonistas colaboradores
com uma conduta na qual se faz necessário o exercício de um olhar atento, numa tentativa de levar
tudo em conta, pois, afinal, na observação de campo “tudo deve ser observado, anotado, vivido,
mesmo que não diga respeito diretamente ao assunto” no qual pretende-se estudar
(LAPLANTINE, 2003, p. 121). Utilizou-se a palavra “tentativa” porque acredita-se que o
pesquisador sempre deixará passar algo, sendo que o “estranhamento do campo” não se engendra
por completo.
Através da imersão em campo buscou-se observar como a formação, os
conhecimentos e habilidades se materializam na prática, na atuação profissional. De acordo com
Laraia (2002, p. 48) “O homem é o resultado do meio cultural em que foi socializado”. De certa
forma, isso permite pensar que seria pertinente conhecer as construções e os significados das ações
e situações que constituem as práticas dos atores envolvidos na pesquisa. Para Blacking (2007, p.
202), “As fontes de informação mais acessíveis sobre a natureza da música são encontradas nas
118
diferentes percepções que as pessoas têm da música e da experiência musical, por exemplo, nas
diferentes maneiras pelas quais as pessoas produzem sentido dos símbolos musicais”. Dessa
maneira, as observações de campo foram indispensáveis para se aproximar das “diferentes
percepções” que os violonistas colaboradores atribuem às suas práticas. Para “conversar com eles”
foi necessário participar da vida profissional de cada um deles, pois é a partir desse convívio que
ganha-se “[...] acesso ao mundo conceptual no qual vivem [...]” (GEERTZ, 2008, p. 17).
As observações de campo serão esmiuçadas sob a luz do diário de campo, das
fotografias e das gravações em áudio e vídeo. Partindo dessa perspectiva, serão construídas e
apresentadas inferências acerca dos dados desenvolvidos em campo.
No sentido pejorativo, chamar uma pessoa de “dinossauro” significa dizer que ela é
considerada anacrônica, obsoleta; contudo o termo pode adquirir um sentido positivo, quando o
que se pretende dizer é que tal indivíduo possui “largo historial numa dada área79”. Foi com essa
última acepção que alguns músicos da cidade de Sobral-CE se referiram a Juca Viana. Sabe-se que
essa era a acepção tomada por eles porque os mesmos instrumentistas logo em seguida
acrescentavam o quanto consideravam-no como um músico experiente, com vasto repertório e com
muito conhecimento construído através de suas distintas vivências na cidade de Sobral-CE. Essas
informações foram obtidas através de conversas com músicos da cidade, pois é comum no contexto
79
Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/dinossauro Acesso em 12 nov.
2021.
119
de Sobral-CE que você conheça outros músicos através dos pares. Esse esclarecimento inicial
acerca de Juca foi importante no processo de “preparar a lente” para a visita à sua residência com o
objetivo de entrevistá-lo, ocasião que se deu no dia 27 de março de 2021 às 18:00 horas.
Como já foi apontado na metodologia, não foi possível observar o músico em seus
espaços de atuação. Dessa maneira, a observação da sua prática com o violão, observada no
processo de entrevista, foi tomada como aspecto estudado. Portanto, as inferências que se seguem
serão descritas com base na gravação em vídeo do violonista executando a música “Apelo80” de
Vinicius de Moraes e Baden Powell.
Juca Viana relatou que tinha aprendido a música “de ouvido”, ou seja, após a escuta
intencional (GREEN, 2002) tentava reproduzir no instrumento o que tivera aprendido com a
gravação. De imediato essa informação despertou curiosidade no entrevistador, pois trata-se de um
repertório para violão solo, em que exige-se do músico a habilidade de tocar melodia e
simultaneamente o ritmo com os baixos dos acordes. Portanto, de imediato, presumem-se alguns
elementos: para tocar esse tipo de repertório é preciso um grau considerável de impregnação com o
tipo de música que se escuta; não apenas isso, mas é válido considerar também o grau de escuta
que o músico possui, enfatizando também os detalhes contidos no repertório.
Atrelada à sua interpretação encontra-se a junção de minuciosos detalhes que
aparecem na versão81 tocada por Baden, o que certamente demonstra o quanto o músico se
impregnou com a música, bem como com os seus elementos. Um exemplo disso encontra-se na
introdução, quando o instrumentista toca os ligados ascendentes82 que acompanham os acordes
introdutórios da música. Assim, infere-se que o músico, enquanto está construindo sua
interpretação, busca assimilar todos os detalhes da música, e não apenas os mais evidentes.
Portanto, apesar de não utilizar recursos de notação musical como a partitura, Juca dispõe de um
ouvido atento que capta detalhes importantes da obra executada.
Nota-se através de seus gestos corporais que tanto a mão direita quanto a esquerda
desempenham aspectos contributivos para os elementos rítmicos da música. Sua mão esquerda, por
exemplo, ao realizar determinados acordes, deixa de pressionar, levemente, o braço do violão;
deduz-se que o intuito de tal gesto é gerar notas abafadas, dando a sensação de elementos com teor
mais percussivo. Enquanto isso, sua mão direita realiza movimentos curtos enquanto toca o ritmo de
Bossa Nova. Essa economia de movimentos na mão direita denota que o músico está relaxado.
80
O arranjo e a interpretação da música, podem ser escutados no seguinte link:
https://youtu.be/WBwbSODRpqI Acesso em 14 nov. 2021.
81
O arranjo e a interpretação da música, podem ser escutados no seguinte link:
https://www.youtube.com/watch?v=SGHTzXAV8io Acesso em 15 nov. 2021.
82
A 0’04” do vídeo.
120
Ainda sobre sua mão direita, é interessante destacar o trabalho realizado principalmente pelo dedo
indicador83, que em muitos momentos é utilizado para tocar todas as cordas primas do instrumento.
Logo, ao invés de utilizar os dedos indicador e médio, com movimentos alternados, para conseguir
maior execução para tocar determinadas passagens, o violonista opta por utilizar apenas o
indicador. Esse aspecto também se aplica aos dedos médio e polegar. Ao notar esse ponto,
percebe-se que, de certa maneira, essa forma de tocar contribui para que o músico realize
movimentos mais rápidos com apenas um dedo; por outro lado, demonstra a falta de intimidade
com movimentos tradicionais da mecânica do instrumento, como a execução de melodias com os
dedos indicador e médio alternados.
Vale ressaltar que Juca utiliza em toda sua interpretação o toque sem apoio e com unhas
curtas, sendo notória a junção de toques utilizando a polpa dos dedos e das unhas. Em alguns
momentos da interpretação, chama a atenção sua despreocupação em relação à sonoridade. Há
alguns trechos, por exemplo, em que o músico toca notas que tradicionalmente são expressadas
como “sujas”, notas que trastejam. Porém, isso não parece incomodar, fato que evidencia o quanto
o músico transparece estar relaxado e concentrado.
Seu corpo não esboça movimentos muito amplos; é notória a sua concentração
enquanto executa a música. Ainda sobre a interpretação, verifica-se que a melodia da música é
construída sobre os acordes. Nesse sentido, o que se quer defender é que o músico parece buscar
a construção do seu arranjo em cima dos acordes. Isso implica que, inicialmente, é realizada a busca
por determinado acorde, para em seguida procurar a melodia que nele se encontra. Vale acrescentar
o uso do dedo indicador da mão esquerda84 para abafar as cordas enquanto executa o acorde de
Lá menor com sétima e nona. Esse movimento permite ao músico maior controle acerca do som
emitido pelas cordas soltas, assim como o controle do ritmo executado pela mão direita.
O que é importante considerar nesta interpretação é o semblante do músico, que a todo
momento demonstra naturalidade ao executar a música, não deixando transparecer nenhum tipo de
nervosismo. No que diz respeito ao seu olhar, por exemplo, percebe-se que não realiza movimentos
amplos, apenas acompanha a sua mão esquerda, o que sugere que não se preocupa muito em
acompanhar os movimentos da mão direita. A partir disso infere-se que o músico aparenta estar
satisfeito com os movimentos da mão direita, a ponto de não demonstrar supervisão sobre as
passagens. Assim, seu olhar direciona-se à mão esquerda, servindo de recurso guia para
acompanhar os movimentos.
83
A 0’23” do vídeo.
84
A 2’05” do vídeo.
121
Os gestos faciais como a contração dos músculos da face e o movimento dos lábios e
das sobrancelhas não se sobressaem sobre a interpretação do músico. Isso contribui para que os
elementos sonoros sejam o aspecto principal a ser observado no vídeo. Vale acrescentar que a
gravação foi realizada na residência do músico, fator que pode ter contribuído para seu semblante
“natural”, “calmo”, “relaxado”.
Também foi observado que, no que diz respeito à sua técnica de mão direita, há
elementos semelhantes ao que o violonista Ulisses Rocha chama de “posicionamento vertical85”. De
acordo com Ulisses, trata-se de uma postura derivada da escola de Francisco Tárrega
(1852–1909), em que “a mão fica bem reta e faz uma curvatura”. A partir dessa relação,
considerou-se que há um sincretismo nas maneiras de aprender e posicionar o instrumento. A forma
como a mão direita de Juca se porta é semelhante à utilizada na “escola de Tárrega”. Isso pode
indicar, em alguma medida, que o músico teve acesso a materiais que de alguma maneira o
aproximaram de elementos inerentes ao âmbito do violão dito “clássico”. Abaixo pode-se observar
a imagem do violonista Ulisses Rocha no momento em que menciona o “posicionamento vertical”, e
no lado direita da imagem pode-se observar o violonista Juca Viana, de modo que verifica-se a
semelhança de posicionamento.
85
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kosg6Xg6Qm0 Acesso em 16 nov. 2021.
122
Pelo que foi possível observar, o violonista, ao assimilar determinada melodia, tenta
encaixá-la na fôrma dos acordes que constituem esse trecho. A partir disso será construído o seu
arranjo. Portanto, a melodia, assim como a elaboração do arranjo, estará em função do
posicionamento dos acordes.
No que tange à escuta, verificou-se que o músico tenta realizar da maneira mais
fidedigna possível as nuances contidas no repertório. Portanto, há um importante processo de
intimidade com a peça que se executa no instrumento. Assim, depois de ter observado o violonista
Juca Viana, a sensação que se tinha é que tratava-se de um músico experiente, com conhecimentos
tácitos que muito possivelmente tenham sido construídos através de situações amplamente difusas.
Em uma roda de conversa sobre o ensino coletivo de violão, realizada através do
MusEdu86 no dia 10 de Julho de 2020, Marcelo Mateus de Oliveira, professor da Universidade
Federal do Ceará no curso de Licenciatura em Música do Campus de Sobral disse que a tradição
do violão em Sobral-CE ainda é do violão acompanhador. Apesar de não terem sido encontradas
pesquisas que aprofundem esta afirmação, concorda-se com o enunciado. A sensação que se tem é
semelhante ao discurso do professor Marcelo. Ainda que a cidade possua um considerável fluxo de
atividades de fomento à música, situações em que o violão e violonistas são elementos principais
ainda são escassas.
Observar Juca Viana despertou uma mistura de sensações: tocar “Apelo” do Baden
Powell sem o auxílio de partituras demonstra o grau de intimidade que o músico possui com o
instrumento, pois pelo fato de não usufruir desse recurso o violinista submeteu-se a outras formas de
apropriação musical. Além disso, a experiência foi importante para a pesquisa na medida em que
86
Projeto desenvolvido por professores e estudantes do curso de Música da Universidade Federal do
Piauí que propõe diversas atividades como entrevistas com professores do Campo da Educação Musical.
Disponível em: https://www.youtube.com/channel/UCjB9R0yTV37D7jLPhR2CebA/about Acesso em 20 nov.
2021.
124
possibilitou o encontro com um músico que se expressa através do violão solista, pois isso
demonstrou que, apesar da literatura massiva sobre os processos de aprendizagem de músicos,
ainda se faz necessário o aprofundamento em questões referentes à formação e aos processos de
aprendizagem desses violinistas. Também foi possível ponderar, a partir da interpretação do
violinista em questão, que apesar de Sobral-CE deter de modo predominante a prática do violão de
acompanhamento, há iniciativas de músicos que se expressam através do violão solista. Portanto, o
processo de observação do músico se mostrou importante para elucidar questões referentes às
formas de expressão com o instrumento.
Com Janilson Braga, ocorreu inicialmente uma conversa informal, antes das
observações, em sua residência, após a realização da entrevista. Essa conversa, ocorrida no dia 11
de abril de 2021, foi considerada também parte do processo das observações, apesar de não ter
sido realizada nos espaços de atuação do músico. O violonista relatou alguns aspectos de sua
experiência que, apesar de não terem sido contemplados na entrevista, demonstram como a sua
formação foi se construindo também através dos seus espaços de atuação, pelo fato de que esses
ambientes propiciaram situações que se configuram como contributivas no processo de
desenvolvimento de habilidades e conhecimentos.
Ao término da entrevista, foi iniciada uma conversa enquanto guardava-se todo o
material (celular, protocolo de entrevista e tripé) utilizado no trabalho de campo. Nesse intervalo de
tempo, Janilson relatou que “tocar na noite”, principalmente em “barzinho”, era o fator que regia o
que seria aprendido posteriormente, principalmente em termos de repertório. Dessa forma, os
pedidos que, comumente, clientes dos estabelecimentos solicitam ao músico, configuram-se como
os novos conteúdos que serão aprendidos. Isso contribui tanto para a ampliação do repertório,
como para a prática da continuidade perante os estudos, cujo intuito é manter-se atualizado. Não
apenas isso, mas a prática de atualização do repertório pode oferecer novos elementos para o
desenvolvimento do músico, como um acorde ou um ritmo novo. Inferiu-se, então, a partir do relato
de Janilson, que a prática de tocar em espaços de música ao vivo contribui com situações nas quais
o violonista se vê estimulado a estudar determinado tipo de repertório para oportunidades
posteriores, e que nessa atualização de repertório encontram-se elementos que, de certa maneira,
configuram-se como contributivos para a sua formação.
87
Disponível em: https://youtu.be/SI7kzSLC9iw Acesso em 19 Jan. 2022.
125
violonista não teria tantos percalços para executar a sequência harmônica, tendo em vista que a
estrutura harmônica da música está em função do lembrete de que tonalidade será tocada.
Também foi observado que em outras músicas tanto as letras quanto as cifras eram
escritas à mão, como é possível verificar na figura a seguir.
Esse elemento fez florescer conjecturas sobre a prática de escrever letras e cifras como
aspectos contributivos para a formação do violonista: será que essa escrita contribui de algum modo
para que o músico se familiarize com as sequências harmônicas estabelecidas nas músicas, e
consequentemente com o repertório?
Após conversar sobre algumas experiências relacionadas à sua atuação nas “noites
sobralenses”, Janilson citou, de maneira sucinta, alguns eventos em outros espaços que revelam as
contribuições de cada situação para o seu desenvolvimento como violonista. O músico destacou a
importância de tocar na igreja como elemento de inserção em situações de desenvolvimento e
prática musical e como elemento de inclusão em atuações futuras em outros espaços. De acordo
com o violonista, foi através desse espaço que ele passou a ser conhecido como uma opção para
trabalhos futuros com cantores. Nesse sentido, acrescenta que, a partir disso, conheceu alguns
cantores e iniciou trabalhos em distintos espaços. Esse fato permite refletir que a igreja
configurou-se como uma espécie de vitrine. Através dela, criou-se uma rede de contatos que
possibilitou o trânsito em outros espaços de atuação, que possuíam demandas e atores diferentes.
127
Um exemplo disso está contido no relato do músico ao citar a experiência de gravar nove músicas
para um cantor. Nesse momento, o músico apresentou uma das gravações88 e relatou que esta
prática de acompanhar cantores e gravar em estúdio foi fecunda para que sua motivação em
trabalhar com música se tornasse mais ampla. Entretanto, destacou que a relação com músicos que
tinham outras profissões paralelas impossibilitou uma constância de trabalhos, uma vez que os
cantores que acompanhava desejavam se apresentar apenas esporadicamente.
Atrelado ao seu trabalho de acompanhamento, destacou que em dado momento passou
a se considerar como produtor musical dos músicos que acompanhava, tendo em vista que era o
responsável por organizar os arranjos das músicas e os ajustes de possíveis incongruências nos
ensaios. Por fim, mencionou que tinha o sonho de sair do trabalho e se dedicar exclusivamente à
música. Entretanto, “a pandemia arruinou tudo”.
88
O arranjo e a interpretação da música, podem ser escutados no seguinte link:
https://youtu.be/uj7am_yAgG0 Acesso em 26 nov. 2021.
128
perpassa por um processo em que a aprendizagem do repertório proposto está além do estudo das
harmonias, sendo os andamentos, entradas e finalizações, as letras, dinâmicas e agógicas, elementos
pertencentes à aprendizagem do repertório. Tudo isso contribui para que o músico auxilie seus
colegas e para que também execute o repertório com domínio.
Essa acepção foi construída com base na observação de alguns elementos-chave: a)
quando olha para os colegas toda vez que se aproxima uma entrada; b) quando orienta-os em cada
parte da música, mostrando onde acontece uma repetição ou uma estrofe; c) quando executa
grande parte do repertório sem o auxílio de cifras ou de letras; e por fim, d) quando permanece
orientando seus colegas mesmo com determinada música sendo tocada com base na visualização de
cifras, ou seja, o violonista se desdobra tendo de orientar outros músicos e tocar um repertório que
não está memorizado.
É importante acrescentar que apesar da utilização de cifras em determinadas músicas,
não se percebeu, a partir disso, interferências na condução dos direcionamentos. Não apenas isso:
Janilson também orientava seus colegas em certos aspectos relacionados às melodias. Um exemplo
disso ocorreu quando, em determinado trecho do repertório, um dos cantores estava com
dificuldades para cantar a melodia. Em seu auxílio, o violonista explicou que tratava-se de uma
música que possuía certas nuances; passou, então, a gesticular movimentos de regência para ajudar
o cantor. Naquele momento, considerou-se que o músico possuía certa liderança em relação ao
grupo e que além de aspectos relacionados ao âmbito do violão, também encontravam-se elementos
relativos às dinâmicas de ensaio e gestão de grupo, componentes encontrados também na atuação
de um produtor musical. Isso complementa o que Janilson já havia comentado no dia da realização
da entrevista, ao citar suas funções perante o acompanhamento de cantores.
Outro componente verificado e que, de certo modo, está relacionado aos
conhecimentos e habilidades do músico, foi a capacidade de adentrar em qualquer parte do
repertório executado, o que demonstra que o músico não se limitava apenas a saber qual acorde
constituía o início ou o final de determinada música, e que além disso não tinha o hábito de aprender
determinado repertório baseado apenas na memorização de uma sequência harmônica (I, VIm, IIm,
V7, I, por exemplo). Pelo contrário: a partir das situações observadas, inferiu-se que o violonista
sabe qual acorde constitui cada parte das músicas de seu repertório:
Chega o outro cantor e, enquanto o que estava com certa dificuldade ensaiava, este
outro se preparava para cantar. Nesse momento começaram a ensaiar acappella,
porém, quando o outro cantor começou a cantar, Janilson acompanhou de imediato.
Nessa hora ficou perceptível que ele sabia qual acorde constituía aquela parte da
música, assim como de qualquer parte (DIÁRIO DE CAMPO, 02/05/2021).
130
O que foi possível observar durante a missa não foi diferente do que ocorreu no ensaio:
a) as comunicações eram feitas através dos olhares, sendo introduções e finalizações sinalizadas
com base nesses gestos e; b) a criação de introduções, compostas por citações à melodia principal
de cada música, se configurava como aporte aos seus colegas para que lembrassem da melodia, do
ritmo e da tonalidade. Assim, as mesmas situações que ocorriam nos ensaios se faziam presentes de
igual modo nas missas.
Já no que diz respeito aos acordes executados pelo músico, observou-se89 que é
recorrente a utilização de inversões no primeiro estado, ou seja, quando a nota mais grave do
acorde é a terça, e que as harmonias utilizadas são compostas em grande parte por tríades, sendo
os acordes dominantes as tétrades mais recorrentes.
Apesar dos desdobramentos, foi importante visualizar alguns aspectos que o músico
falou na entrevista se materializando na prática. Foi o caso da utilização de complementos de
quartas e nonas, empregados como ornamentos para enfeitar os acordes. Na prática, isso acontece
quando determinado acorde possui uma duração maior; assim, o violonista introduz acordes com
quartas ou nonas para evitar uma certa monotonia na harmonia. Ele chama essa utilização de “os
efeitos”. Na entrevista também contou que tem labirintite e que isso atrapalha a execução do
instrumento. Não se sabe se isso está relacionado com o seu problema de labirintite, mas em
determinado momento foi observado que as mãos do violonista estavam trêmulas.
Também foram significativas as conversas informais que aconteceram após as
observações. Em uma delas, o músico relatou que “os cantores se sentem mais à vontade” quando
as introduções das músicas são constituídas por melodia e harmonia, com rápidas citações às
melodias. Em outro momento90, dessa vez antes de começar a missa, o violonista passou alguns
minutos demonstrando ritmos de mão direita que utiliza para certas músicas.
Outra situação pertinente ocorrida no trabalho de campo foi a observação91 do
violonista na Catedral de Sobral, templo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, também
denominada de Catedral de Nossa Senhora da Conceição. Nesse episódio aconteceram algumas
situações que não tinham ocorrido nos outros encontros. Um desses episódios diz respeito aos
89
2° Observação de Campo, 09/05/2021 (Domingo) 09:27 horas.
90
3° Observação de Campo 09/05/2021 (Domingo) 17:30 horas.
91
4° Observação de Campo 15/05/2021 (Sábado) 17:56 horas.
131
ensaios. Em conversa informal pelo WhatsApp, o violonista já havia informado que por conta da
pandemia “o ensaio é escutar as músicas em casa”. Esse enunciado permitiu pensar que o processo
de impregnação com o repertório é semelhante ao que o violonista Juca Viana perpassa para
construir seus arranjos. Assim, é válido ponderar que ambos utilizam a escuta atenta (GREEN,
2002) como uma ferramenta contributiva para as situações impostas pelos seus espaços de atuação.
Um elemento diferente, mas que também diz respeito às habilidades e conhecimentos
do violonista, foi a capacidade de tocar uma mesma sequência harmônica em várias tonalidades. O
intuito era encontrar tons mais confortáveis para os cantores. A partir dessa observação,
considerou-se que o músico possuía certa facilidade em tocar sequências harmônicas tradicionais (I,
IIm, V7, I, por exemplo), em diversas tonalidades:
No ensaio também foi exigido que pegasse uma música que não estava no repertório
repassado. Dessa forma, observou-se que o músico concentrava-se bastante para tal
ação. Às vezes fechava os olhos. Inferiu-se que realizava tal ação para obter maior
concentração. Além disso, para pegar a música, ficava procurando os baixos e
olhando para os músicos, como se isto o ajudasse a encontrar a tonalidade e os
acordes da música [...] (DIÁRIO DE CAMPO, 15/05/2021).
A nota acima sinaliza uma das situações que, de certo modo, configuram-se como
contributivas, pois exigem que o músico desempenhe algumas ações que, consequentemente,
acarretarão no desenvolvimento de determinadas competências, nesse caso, a capacidade de tocar
sequências harmônicas em várias tonalidades.
Outro elemento que se destaca diz respeito ao semblante do músico, que é semelhante
ao de Juca Viana. Assim como Juca, Janilson não demonstra nervosismo ao tocar. Além disso, em
determinados momentos foi verificado que o músico errou algumas passagens com os acordes;
porém, reagiu como se nada tivesse acontecido e continuou a tocar sem demonstrar nenhum sinal
que pudesse manifestar o erro.
A partir das situações observadas foi possível refletir que esses eventos contribuem
para que Janilson adote posturas flexíveis e com certa desenvoltura com o instrumento. Tal
132
consideração foi construída com base na contemplação de mais alguns eventos-chave, a saber: a)
quando durante a missa começa a ensaiar uma nova música para a mesma ocasião e; b) quando,
por algum motivo, os cantores cantam uma determinada parte da música que não estava
programada e o músico tem de acompanhar algo que não estava ensaiado, sendo que, nesse caso, o
violinista espera os cantores cantarem a melodia para a partir disso encaixar algum acorde.
Portanto, a partir da contemplação de todas essas situações, inferiu-se que o músico deve estar
preparado para tocar músicas que não estão no seu repertório e que o processo de preparação
para tais eventuais acontecimentos é justamente o fato de se deparar com eles.
Durante esse período de observação, tentou-se construir reflexões que fugissem de uma
leitura cujas interpretações pudessem ser partilhadas facilmente. Assim, empenhou-se por uma
leitura do latente, “um tipo de interpretação mais exigente e aprofundada, não compartilhada tão
facilmente” (MORAES, 2003, p. 193). Nessa perspectiva, no momento das observações várias
perguntas se manifestavam. Essas indagações figuraram como provocações, pois a partir delas
pensou-se: o que deveria ser de fato observado? O que significa a maneira como o músico toca e
troca os acordes? O que há de particular em sua prática com o instrumento? De que maneira o que
está sendo observado está relacionado com a formação do músico? Partindo dessas questões
norteadoras, identificaram-se alguns elementos que até então não tinham sido apontados nas
observações. Foi percebido que o músico costuma utilizar em suas introduções a 7m (sétima menor)
em acordes dominantes como sinalização para as entradas das músicas: “Janilson tocou F# e F#7.
Como foi tocado a sétima, os cantores devem entrar logo em seguida” (DIÁRIO DE CAMPO,
15/05/2021). Verificou-se que às vezes utiliza o acorde sus92 antecedendo os acordes dominantes
como forma de enfeitar e embelezar suas harmonias. Estes elementos destacados - a utilização da
7m e do acorde sus - constituem as maneiras pelas quais o músico emprega seu conhecimento sobre
acordes naqueles contextos. É válido pensar que muitos violonistas utilizam os mesmos elementos de
distintas maneiras; porém, o que ficou evidenciado aqui foi o contexto em que o músico emprega
tais conhecimentos. Aconteceram outras situações que colaboraram para refletir acerca do papel
dos espaços de atuação na formação do violonista:
92
Acorde que tem a terça substituída pela quarta justa.
133
93
6° Observação de Campo.
94
Bordão proferido pelo violonista Reginaldo Fialho após concluir seus trabalhos nas “noites
sobralenses”.
134
apresentar. Esse fato deixou a impressão de que o músico deveria ter o mesmo zelo em suas
apresentações e trouxe reflexões sobre a figura de Reginaldo como músico profissional, que vive
apenas da receita oriunda de trabalhos com música.
os acordes, “preenchendo96” a música. De modo semelhante ao de Juca, que constrói seus arranjos
com base na fôrma dos acordes, Reginaldo constrói seus improvisos. Quando o músico começou a
improvisação, algumas reflexões foram emergindo, pois não parecia que era algo previamente
escrito (seja em partitura, tablatura ou em outro sistema de notação). Sentia-se que era de fato algo
feito de improviso, de modo espontâneo, único, de modo que se em alguma outra situação o
violonista tocasse aquela mesma música, sua improvisação seria totalmente diferente. Esse episódio
também fez lembrar das discussões de Nettl (2005) sobre o processo de composição e
improvisação em outras culturas, quando explana que a própria composição ocorre durante a
performance, e que esta é gerada a partir de um “banco de dados” que os músicos possuem.
Apesar da sensação de que o músico possui a capacidade de criar distintas maneiras de se
expressar nesses momentos de improvisação, a concepção que se tem faz coro à visão de Nettl
(2005) sobre tais processos. A concepção que foi construída após aquele momento era de que
tratava-se de uma capacidade que foi construída e alimentada, sendo as experiências em outros
espaços e em outras situações condições de alimentação desse “banco de dados”.
Assim como Juca, Reginaldo também utiliza um único dedo para tocar as cordas do
instrumento, aspecto observado no momento em que o violinista estava improvisando. Ao observar
esse fato, refletiu-se sobre como os violonistas vão filtrando as maneiras de tocar. Janilson utiliza os
dedos da mão direita de maneira diferente; já os violonistas Reginaldo e Juca parecem ter
movimentos semelhantes. Dessa maneira, é possível conjecturar que, apesar do envolvimento com
materiais didáticos distintos, assim como de situações difusas, a interpretação das informações
adquiridas é o que vai reger as diferentes formações. Assim, acredita-se que a compreensão dos
processos gera formações distintas, e, consequentemente, formas distintas de utilizar os dedos
polegar, indicador, médio e anular.
Um aspecto semelhante identificado nos três violonistas diz respeito ao semblante
“relaxado” e “concentrado”. Além disso, foi percebido que o erro durante a performance, assim
como nos dois casos anteriores, mais uma vez não parecia incomodar. Em determinado momento97
da execução da música, Reginaldo adiantou a sequência dos acordes. Entretanto, ao observar sua
reação nesse momento, percebeu-se que é semelhante à reação dos outros músicos, ou seja, sem
nenhum movimento ou expressão que evidencie o erro. Pelo contrário, comportou-se como se nada
tivesse acontecido. Assim, a observação do músico durante a interpretação da música “Fato
consumado” foi importante porque mostrou situações que remetem à sua atuação em outros
contextos. Um exemplo disso foi quando utilizou a improvisação como recurso para “evitar
96
A 1’11” do vídeo.
97
A 1’40” do vídeo.
136
que, atrelado aos seus conhecimentos sobre repertório e interação com o público, encontra-se
também o conhecimento sobre pedais de efeitos, configurando-se como um elemento adicional à
sua prática. Desse modo, interpreta-se que as inúmeras situações e experiências que o músico
perpassa são contributivas, de fato, para seu desenvolvimento. Juntamente a esses elementos,
pode-se acrescentar a utilização de pedais de efeito, que permite o desenvolvimento de outras
situações que ampliam sua prática com o violão quando, por exemplo, Reginaldo utilizou o pedal de
loop para fazer a clave do baião para tocar músicas de Alceu Valença e Geraldo Azevedo.
Por fim, outro contexto onde o músico foi observado foi na sua participação no
programa98 “Paraíso em Debate”.
98
Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=Xu7yBB-rzdA&list=PLuchBOwhkkNQPlIGZi_txVjquY7e3F3bB&index=94
Acesso em 7 dez. 2021.
99
A 20’24” do vídeo.
138
empreendimentos musicais. A partir disso, deduz-se que a interação entre público e músico também
figura como aspecto contributivo para a formação. O violonista diz: “[...] o meu principal diferencial
é esse, é ter contato com o público, que você interage junto, e você tem outra inspiração, não fica
só você aqui de um lado, com a música, e o outro só do lado de lá, só ouvindo, a gente faz tipo
juntos” (REGINALDO FIALHO, 2021).
Assim, foi compreendido que estavam-se direcionando os olhares para elementos mais
evidentes, como os eventos que exigiam que os músicos desempenhassem certas ações, os aspectos
técnicos de cada instrumentista perante as situações impostas pelos locais de atuação e os recursos
utilizados para complementar a prática e o desenvolvimento diante do instrumento. Porém, no
âmbito desta pesquisa, ficou claro que a interação com o público figura como um dos aspectos que
contribui para a formação do violonista. É através da relação construída entre público e músico que
são constituídos os estímulos que fazem com que o músico queira tocar mais e que almeje se
debruçar mais sobre a sua prática.
alunos. Para essa função, deveria possuir conhecimentos elementares sobre a tocabilidade de cada
instrumento. Esse foi um dos primeiros aspectos que foi observado. Uma das atribuições diz
respeito ao desenvolvimento de atividades que englobam a utilização de outros instrumentos, além
do violão. Para isso, foi necessário que o músico estudasse esses cada um deles, com o intuito de
atender a uma das demandas do trabalho. Esse fato permitiu pensar que, nesse caso, as demandas
do trabalho contribuíram para que o músico aprendesse novos instrumentos, o que de certa forma
propicia novas formas de se expressar com música.
Assim como no caso de Juca Viana, não foi possível observar Almir Martins em
nenhum de seus locais de atuação. Porém, a partir da observação de um vídeo100 no qual o violinista
toca “Bicho de Sete Cabeças” de Geraldo Azevedo, foi possível realizar algumas inferências a
respeito de sua prática musical. Vale acrescentar que o músico foi gravado em sua própria
residência, no dia 3 de junho de 2021, após a realização da entrevista. O que foi observado não
difere muito do que contemplou-se na performance dos demais violonistas entrevistados. Foram
identificados, inclusive, alguns elementos que já foram discutidos no corpo desta seção. Um deles
diz respeito à utilização de apenas um dedo da mão direita para tocar as cordas do violão: logo na
introdução da música, o violonista começa a tocar uma escala menor harmônica apenas com o dedo
indicador. Esse aspecto também foi identificado nos outros violonistas. Ao interpretar a música o
100
Disponível em: https://youtu.be/Fk5nJDaVzf0 Acesso em 8 dez. 2021.
142
violonista assume uma postura concentrada; entretanto, o movimento do seu tronco demonstra que
o músico está relaxado, que se sente confortável ao tocar o violão.
Também foi observado que, no que diz respeito à execução de dedilhados na mão
direita, há a utilização do dedo mínimo juntamente com os demais. Por fim, foi gratificante presenciar
o momento final da interpretação, quando o músico comete um erro em determinado trecho da
música, mas em vez de ficar constrangido, abre um sorriso. Naquele momento percebeu-se que a
prática com o instrumento, assim como as situações diversas que fazem parte do cotidiano desses
instrumentistas, são concebidas como fluidas, naturais e orgânicas. Foi possível interpretar que os
desafios que aparecem em cada contexto são os momentos em que desenvolvem-se os
conhecimentos e suas habilidades, como postula Sandroni (2000, p. 26) quando diz que “Superar
dificuldades técnicas numa situação de desempenho pode ser muito mais eficiente do que tentar
fazê-lo através de exercícios”. Não apenas isso, mas Almir, por exemplo, nessa “situação de
desempenho” lidou de forma branda, sem se culpar por não ter conseguido executar a parte final da
música; portanto, assim como se observou nos demais entrevistados, fica evidente que o violonista
não se constrange à exigência de uma pretensa perfeição, mas se expressa de forma natural,
confortável e sem muitas cobranças.
143
não é apenas na sua cidade que você aprende a bater. Se você deseja que seus olhos
estejam abertos para a percussão, você precisa viajar. Enquanto você está circulando
você poderá ver diferentes tipos de percussão, e se você ficar assistindo, você
aprenderá (CHERNOFF, 1979, p. 102-103 apud PRASS, 1998, p. 95-96).
1998) e no diálogo entre os músicos e os atores envolvidos no meio sociocultural em que estão
envolvidos.
Partindo dessa premissa, é válido considerar que a formação de violonistas em
Sobral-CE comporta-se como transitiva, sinérgica e interdependente. Transitiva porque os músicos
circulam em vários espectros do contexto em que estão inseridos, seja intencionalmente ou não.
Sinérgico, porque cada elemento constituinte destes ambientes de formação (a família, os amigos, os
materiais didáticos, os locais de atuação) age em conjunto aos demais para desembocar no
desenvolvimento do músico. E interdependentes porque eles precisam uns dos outros para
funcionarem como elementos contributivos para a formação, ou seja, figuram como aspectos
coexistentes, de modo que o desenvolvimento acontece na soma de todos os contextos, e não de
maneira unilinear. Assim, a formação de violonistas não acontece apenas quando esses músicos
estudam determinados conteúdos nos materiais didáticos, mas também quando buscam informações
complementares nas outras situações que vivenciam, tanto na relação entre pares, quanto em outras
situações de práticas musicais, oportunizadas pelos diversos espaços de atuação possíveis.
As próximas considerações tratarão do desvelamento, a partir dos depoimentos dos
colaboradores, dos principais contextos contributivos para a formação musical de violonistas em
Sobral-CE.
No que diz respeito à idade atual dos violonistas, a média é de 41 anos e está na faixa
do que Papalia, Olds e Feldman (2013) chamam de “meia idade”. Entretanto, é importante destacar
o tempo de dedicação ao instrumento e à carreira de músico. A média é de 23 anos, fato que faz
considerar que se tratam de músicos com carreiras longevas. Esse dado fez pensar que os
colaboradores são músicos experientes, com largo historial em sua área de atuação, o que, de certa
forma, dá a dimensão de que são indivíduos com experiências diversificadas, que foram construídas
durante o processo de formação.
A seguir, serão tratados os episódios descritos pelos violonistas que dizem respeito às
suas primeiras experiências com música e com o violão. Os entrevistados apresentaram as suas
vivências mais notáveis, normalmente associando-as aos períodos da infância e adolescência,
quando o convívio com a família, a escuta proporcionada por meio do rádio e de fitas cassete e a
interação social entre amigos figuravam como elementos potencialmente contributivos para a
formação musical.
[...] eu acho que meu pai percebeu, né? que eu tinha aptidão pra música, antes dos
meus 13 anos, quando eu tinha uns 10 anos, e a minha irmã ganhou um pianinho de
brinquedo, né? E eu já tirava de ouvido as músicas no piano, ela nunca se interessou
e eu já tirava de ouvido, qualquer música eu tirava. E foi quando eu me interessei,
talvez eu tivesse uns 10 anos, mais ou menos, aí, como eu disse, com 13 anos meu pai
me deu um violão, aí eu comecei a aprender, a tomar gosto, comecei ah ah ah, tive
aulas, né? (JUCA VIANA, 2021).
contribuíram para que o futuro músico adquirisse vivências com as práticas aurais101. Todo esse
processo colaborou para potencializar o seu interesse por música. É nesse fluxo que outras
situações vão aparecendo e cooperando com o seu desenvolvimento musical. Depois de ganhar o
primeiro instrumento, Juca começou a ter aulas de violão. Porém, não passaram de aulas
introdutórias, tendo a duração de dois meses. Após esse período, começou a estudar violão por
seus próprios meios. Por conta disso, considera-se um músico autodidata. No seguimento desses
eventos, começou a tocar na igreja, sendo que “com 16 anos [...] tocava todo domingo na missa, na
Igreja da Sé”, passando “[...] três a quatro anos tocando, todo domingo” (JUCA VIANA, 2021).
A princípio, essa constância em tocar periodicamente, ainda na fase de iniciação, contribuiu para
que o músico tivesse largo historial de prática com o instrumento, fator que colabora com o
desenvolvimento musical. Esse relato configura-se como um exemplo do que Green (2002) postula
ao expor que atrelado à iniciação musical encontra-se o suporte que os familiares oportunizam aos
aprendentes, principalmente com o apoio na compra do primeiro instrumento.
Janilson Braga também comenta sobre quando passou a se interessar por música e pelo
violão:
Quando eu tinha 22 anos, eu morava no interior, aí chegando em Sobral (+) por que
no interior a gente só escutava rádio à pilha, né? (risos) e eu sempre escutava violas
e repente naquele programa na Educadora com Antônio Pontes e José Eufrásio
(risos), e alí eu escutava aqueles repentes e cantava e decorava nos roçados, né?
Trabalhando e cantando, decorava tudinho, e aí eu fui começando fazendo aquela
lata de doce, botava um pedaço de madeira e fazia um violãozinho com arame e ficava
tocando (risos) tocando e cantando os repentes, né? Só que a gente veio morar em
Sobral [...] em 95, e aqui, na missa e na igreja eu vi um rapaz tocando [...] E aí eu “vish,
agora deu vontade de aprender a tocar violão”, aí eu comecei a ver ele tocando e as
condições eram poucas e eu saí pedindo emprestado para comprar o primeiro violão,
e aí foi assim que começou (JANILSON BRAGA, 2021).
Nesse relato é possível identificar alguns elementos que certamente contribuíram para a
formação de Janilson Braga. Pode-se destacar a apreciação e contato com veículos de
comunicação, como o rádio. Isso reforça o que Tinhorão (1998) aborda acerca da influência do
rádio como um importante veículo de comunicação musical à população brasileira. Assim, a escuta,
através do rádio, do programa “Violas e repente”, constitui-se como um dos exemplos de como “o
ouvir” é parte fundamental do desenvolvimento do músico, como afirma Green (2002, p. 24).
Acredita-se que essa escuta também é responsável por colaborar no interesse do músico em
adquirir experiências mais amplas com a música. Portanto, considera-se que esse processo de
escuta configura-se como um dos fatores contributivos para que o músico construísse um violão
feito de lata de doce, por exemplo. Pensa-se que “o ouvir” também é responsável por instigar os
101
“De acordo com as teorias cognitivas, o termo 'aural' refere-se à escuta interna de sons ou melodias, isto
é, à criação de estruturas auditivas internas ou construção mental do discurso musical” (SOUZA, 1998, p. 214).
147
músicos a obterem experiências distintas com música. Outro aspecto importante no discurso do
violonista é o contato com contextos em que o violão se faz presente. Nesse caso, a igreja católica
foi o espaço onde Janilson se deparou com um violonista que despertou nele o interesse pela
aprendizagem do instrumento. De certo modo, essa situação fez lembrar a experiência do
etnomusicólogo Kwabena Nketia ao pesquisar aspectos específicos de grupos musicais em Ghana.
O autor destaca como elemento potencialmente importante a “aprendizagem através da experiência
social”, pois é nesse contexto que o aprendente é exposto à situações musicais, bem como é
incentivado a participar destes episódios (NKETIA, 1974, p. 58-59). Entende-se que com Janilson
ocorreu uma situação semelhante. Foi na igreja, o espaço social com o qual o músico estava
envolvido, que lhe foi apresentada uma situação que o incentivou a participar efetivamente de
experiências que estavam diretamente ligadas à aprendizagem do violão.
Já no relato de Reginaldo Fialho, pode-se depreender a presença da família como um
dos fatores de estímulo ao músico:
Mas eu creio que a partir dos meus 4 anos eu já tinha (+) Eh a música enfim já me
chamava atenção, sabe? Eh (+) o pessoal da minha casa, irmãos, mãe e tal, né? o
pessoal que vivia, né? Dentro do meu ambiente familiar, sempre eles costumavam tá
escutando música e tudo e eu creio que isso aí me estimulou desde o princípio, sabe?
E daí, quando mesmo criança, eu eu, que eu recordo, né? Instrumentos musicais
quando de repente eu via, sempre me chamavam a atenção, me lembro de algumas
bandas de música na época da minha infância aqui em Sobral e então tudo aquilo ali
me chamava atenção, não só o fato do instrumento e nem do estilo musical, mas de
forma geral, o que envolvesse música me chamava atenção, na verdade, né?
(REGINALDO FIALHO, 2021).
Assim como foi possível observar na fala de Juca Viana, Reginaldo Fialho também
apresenta elementos que permitem compreender a dimensão da família como aspecto contributivo
para a sua formação. Nesse caso, a exposição a um ambiente de estímulo, ou como Green (2002,
p. 24) chama, “famílias musicalmente interessadas”, torna-se um dos fatores cruciais para a
formação do músico. O fragmento acima permite pensar que mesmo que o violonista não estivesse
interessado em experiências envolvendo música, o contexto social em que estava inserido - nesse
caso a família - o exporia a situações dessa natureza. Desse modo, a família contribuiu para que se
desenvolvesse nele o desejo de aprender, pois um dos ambientes em que há motivação para
aprender música são os próprios contextos sociais dos aprendizes (SANTOS JUNIOR, p. 47). De
acordo com Santos Junior (2016):
Sobre como se deu o seu interesse por música, Luizito Miguel o atribui a alguns
elementos responsáveis que, de certo modo, já foram discutidos no presente texto. O músico cita o
hábito da escuta como elemento crucial para o seu interesse por música. Entretanto, é curioso
destacar que atrelado à sua fala o violonista acrescenta a importância dos sentidos e da
compreensão ao escutar determinado repertório, quando comenta:
Eu acredito que, ainda criança, eu ouvia as músicas e as letras das músicas, elas
tinham muita profundidade para mim, considero que foram os meus primeiros livros,
considero que foram os meus primeiros poemas que eu consegui entender, e dar
sentido, né? (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Então quando eu ouvia na rádio, ainda muito criança, eu sentia, eh (+) eu já sabia ali
se uma música era boa ou não, se eu gostava ou não daquela música, e eu também já
conseguia diferenciar os instrumentos ali e a música me encantou a partir daí, a partir
da rádio, mas também o meu pai é caminhoneiro, então, ele trazia das estradas
algumas fitas, e eu lembro que ele trouxe algumas fitas, ele trouxe algumas fitas das
estradas, que era do Zé Geraldo, Zé Ramalho e Raul Seixas, então eu ficava ouvindo
isso aos 7 anos de idade, eu ficava ouvindo o lado A e o lado B das fitas, e eu ouvia
de novo, e eu lembro que quando eu saia, eu ficava com vontade de voltar para casa
para ouvir, né? Aquele desejo de chegar em casa, para poder ouvir de novo, e a partir
daí surgiu o meu interesse pela a música (LUIZITO MIGUEL, 2021).
para ouvir, né? Aquele desejo de chegar em casa, para poder ouvir de novo” (LUIZITO MIGUEL,
2021).
Almir Martins atribui à observação dos mestres da sua cidade e a situações em que
conseguia ter acesso ao violão o papel de fatores responsáveis pelo desenvolvimento de sua
curiosidade acerca da música. O violonista detalha:
Nos meados de 1999, eu desde pequeno já tive uma pré-disposição que eu sempre me
senti encantado quando via o violão, né? Quando via o violão na mão dos mestres
da minha comunidade, porque eu nasci numa comunidade do interior do interior, que
é Russas, né? [...] e tinham poucos violonistas na minha região, só que o instrumento
na igreja sempre me encantava, né? Mas só foi em 99, quando eu estava com 17 anos
que eu comecei a ter o meu primeiro contato com o violão, emprestado, de um colega
meu que tocava lá, né? Só que aí, nesse primeiro contato, eu me desestimulei, porque
a gente não tinha acesso na época a Cifra Club, a um [...] material, eh, didático, que
estimulasse a aprender, né? Eu encostei naquele período, só nos meados dos anos
2000, foi que realmente eu retomei esse estudo pra valer, sozinho, né? Eu não gosto
muito dessa palavra de autodidata, mas, até porque a gente pega a referência, então
pegava a referência desses mestres que já tocavam, de colegas da escola que
tocavam, eu fazia o ensino médio nessa época, e por ver eles tocando em roda de
violão, “Pô, eu quero ser que nem esses caras e quero tocar também” e aí por puro
processo de observação, de ver eles tocando, eu comecei a aprender meus primeiros
acordes, e aí depois, o outro processo era revistinhas, que a gente comprava nas
bancas para poder aprender a fazer os acordes e tocar, né? (ALMIR MARTINS,
2021).
A fala de Almir Martins faz coro aos apontamentos apresentados por Gohn (2003, p.
48), ao relatar que atrelado ao processo de auto-aprendizagem é comum o envolvimento com a
presença de “mestres”. Esses são modelos observados pelo indivíduo e podem ser representados
por vários atores envolvidos no contexto sociocultural, como professores, artistas ou pessoas que
detém notório saber em suas respectivas atividades. No caso de Almir, os “mestres” eram os
violonistas da cidade de Russas-CE. A partir do relato do entrevistado, é possível compreender a
importância desses modelos no seu processo de desenvolvimento musical. Assim, não se tratava de
apenas observar “os mestres”; era importante tomá-los como modelos. De acordo com Meirieu
(1998, p. 93), “os verdadeiros modelos são aqueles que têm um outro e que não se apresentam
como uma imagem rígida a ser imitada, mas como uma dinâmica capaz de inspirar outros”.
Assim como Janilson Braga, Almir Martins também menciona a igreja como o ambiente
proporcionador de situações em que tinha contato com o instrumento. Esse fato é interessante
porque denota a relevância da igreja na formação desses músicos. Atrelado a espaços como a
igreja, o músico também cita o contato com amigos e colegas de escola como contributivos para a
sua formação. É importante destacar que o interesse por música também surge da noção de
pertencimento a um grupo social. Essa relação fica clara quando o músico cita suas experiências
150
com amigos “na roda de violão”. Também é mencionada a utilização de recursos como revistas de
cifras para complementar essas situações de experimentação com o material sonoro.
Desse modo, através dos relatos dos violonistas, ficou compreendido que as situações
de aprendizagem, assim como as ocorrências em que o interesse por música e pelo violão são
desenvolvidas, são constituídas através das experiências nos distintos contextos em que transitam,
ou seja, “quem ensina é a vivência socializadora” (PRASS, 1998, p. 142). Swanwick (1994) diz
que os requisitos básicos para tocar um instrumento são o escutar cuidadoso e a observação
perceptiva. Também acrescenta a possibilidade da aprendizagem por “osmose”, por observação
indireta, por apenas “estar ali presente”. De certo modo, considerou-se que a “vivência
socializadora” apresenta aos músicos as situações em que é possível desenvolver esses aspectos
mencionados por Swanwick (1994).
O objetivo da próxima seção é aprofundar o conhecimento sobre as experiências
vivenciadas pelos entrevistados que figuraram como contributivas para o despertar do interesse
específico pelo violão. Desse modo, serão explanadas as situações que levaram os violonistas a
optarem pela escolha desse instrumento.
Para compreender as motivações dos músicos para estudar violão, buscou-se conhecer
as situações em que se desenvolveu o interesse pelo instrumento. Um dos aspectos a salientar é que
atrelado ao interesse pelo violão destaca-se o entusiasmo pelas artes em geral, como é possível
identificar nos relatos de Almir e Juca.
De acordo com Almir, a literatura e a poesia sempre o cativaram, sendo responsáveis
por aproximá-lo de nomes consagrados da música brasileira, como Chico Buarque de Holanda,
Caetano Veloso, Djavan e Milton Nascimento. Foi nas letras das músicas desses compositores que
o violonista encontrou uma relação com o que já tinha interesse. A partir disso, passou a tocar as
composições desses músicos, o que consequentemente o fez adquirir interesse pela prática com o
instrumento. É interessante destacar que o interesse advém justamente de uma situação na qual o
músico processa situações de aprendizagem que fazem parte do seu “mundo musical102”. De certo
modo, isso denota dois aspectos pertinentes à formação em música: a importância de considerar o
102
“A idéia de “mundos musicais” que Ruth Finnegan (1989) propõe, a partir da concepção de “art worlds”
de Howard Becker, refere-se a mundos “distintos não apenas por seus estilos diferentes, mas também por outras
convenções sociais: as pessoas que tomam parte deles, seus valores, suas compreensões e práticas
compartilhadas, modos de produção e distribuição, e a organização social de suas atividades musicais”
(Finnegan, 1989, p. 31 apud ARROYO, 2002, p. 99).
151
Além disso, assim como Juca, Reginaldo deixa transparecer a importância que atribui
ao fácil acesso a instrumentos musicais. De acordo com o músico, a possibilidade de ter
instrumentos em casa colaborou para que o seu interesse pelo violão se intensificasse
(REGINALDO FIALHO, 2021). Portanto, o entusiasmo pelo violão foi alimentado pelas
experiências advindas das relações sociais em que os violonistas estavam inseridos e pelo acesso
152
que esses músicos tiveram ao instrumento. Porém, atreladas a essas relações, manifestam-se
situações em que o processo de observação e imitação, dos atos e gestos realizados na execução
do instrumento, figuram como indicadores dos caminhos a serem seguidos na busca pela
aprendizagem do violão. Essa associação foi construída com base no relato de Luizito Miguel,
quando esse descreve a importância da observação e imitação no seu aprendizado da mecânica do
instrumento:
[...] assim que eu olhei para o violão, a primeira vez, eu pensei assim: “Eu sei tocar
isso aí cara” sabe? É como se fosse algo assim, que a minha percepção, em relação ao
que ele estava fazendo me dizia que ele estava usando o dedo um, o dedo dois, o
dedo três, o dedo 4, e eu conseguia entender o inverso do que eu estava vendo, né?
Porque quando a gente vê de fora eh (+) eu entendia que era a segunda corda, eu
entendia que era a primeira casa, então eu aprendi muita coisa vendo, e nesse
primeiro momento eu entendi que eu conseguia, porque ele estava repetindo
inclusive o ritmo, ele sempre fazia a mesma coisa com a mão direita, e ele sempre
utilizava quatro ou cinco acordes, em cada música, então aquilo era cíclico, né?
Aquilo era cíclico, então eu tinha até uma coisa assim, meio abobalhada, mas o cheiro
do violão, o cheiro do violão me causava assim uma emoção, quando eu via alguém
tocando violão, depois desse momento, isso me tocava muito, né? Me tocava muito
assim, mexia muito comigo, eu ficava me imaginando fazendo aquilo ali, né? E eu tive
muito interesse pelo violão a partir desse momento (LUIZITO MIGUEL, 2021).
quando eu cheguei aqui, eu passei a ouvir MPB, outra coisa diferente, escutando na
casa do vizinho, gostei daquela música, opa um estilo diferente, aí já passei a
observar Yamandú Costa na televisão, porque eu ia dormir de madrugada assistindo
a TVC, Yamandú Costa fazendo aqueles solos. Aí foi assim que eu comecei me
interessando pelo violão (JANILSON BRAGA, 2021).
153
determinados conteúdos, assim como o desenvolvimento técnico do instrumento, pode ser realizada
via repertório, não necessariamente dependendo de exercícios isolados de técnica.
Enquanto Almir elenca um único elemento (o repertório de MPB), Luizito Miguel
aponta uma variedade deles como aspectos notáveis no seu desenvolvimento musical: a
aprendizagem de cifras, o entendimento sobre a formação de acordes, o conhecimento sobre
intervalos e as fôrmas dos acordes. Sobre as cifras, o músico destaca que foi importante entender
que “as sete notas musicais são representadas pelas sete primeiras letras do alfabeto” (LUIZITO
MIGUEL, 2021). É interessante destacar que o músico faz a relação entre as primeiras letras do
alfabeto com as primeiras notas musicais. Isso ajuda a relacionar cada letra com a sua nota
correspondente, que é diferente de uma outra abordagem, que apresenta primeiro as notas partindo
do Dó para depois associá-las às letras do alfabeto. Sobre a formação dos acordes, o músico
destaca o seu interesse em compreender por que determinado acorde tinha certa configuração:
“quando eu aprendi a ler os acordes, eu quis ter um raciocínio rápido em relação a isso, e eu quis
também entender porque que um acorde era com sétima, porque que era com nona menor”
(LUIZITO MIGUEL, 2021). Desse modo, para o violonista, não se trata de decorar a “fôrma” de
um acorde; antes de tudo, é imprescindível compreender como o acorde chegou no estágio em que
é apresentado. Essa situação faz menção aos apontamentos fornecidos por Green (2012) ao
discorrer sobre o papel da autenticidade dentro da educação musical. O músico não está apenas no
plano passivo, em que o que importa é receber a informação sobre como se faz o acorde; também
há o plano ativo, situação na qual o violonista busca o conhecimento sobre o que almeja aprender.
No que diz respeito aos intervalos, Luizito relata que foi através de um amigo que compreendeu a
relação intervalar contida na escala maior: “quando ele me falou dos 2 tons, semitom, 3 tons e um
semitom, que é o padrão da escala maior, eu entendi tudo ali, ali eu entendi o que é uma sexta, ali
entendi que existia a nona, a nona maior e a nona menor, a nona aumentada e a nona menor”
(LUIZITO MIGUEL, 2021). Também foram citadas as experiências em que teve de manipular
determinados conteúdos de forma autônoma: “aprendi coisas por mim mesmo, fiquei por um bom
tempo chamando sétima aumentada, né? Eu aprendi por mim mesmo, porque eu chamava sétima
aumentada, né? Bom tempo depois foi que ‘não o termo certo é sétima maior’” (LUIZITO
MIGUEL, 2021). Essa última situação é pertinente porque representa a importância do tempo
como elemento contributivo acerca de novos conhecimentos sobre um assunto já visto. Com o
acúmulo de vivências em distintos contextos, o músico vai reciclando conhecimentos já aprendidos
de acordo com o trânsito nas situações que o cerca, de modo que o tempo figura como elemento
constitutivo dessa relação. Em outra fala, o violonista acrescenta: “eu pegava o acorde e eu
destrinchava esse acorde, entendeu?” (LUIZITO MIGUEL, 2021). Entende-se que atrelado à
155
eu entendi que se eu fizer o desenho de sétima com nona na segunda casa, eu vou
ter um Si, mas se eu for lá para a sétima casa eu vou ter um mi, também com sétima e
nona, então eu peguei a escala cromática e passei a compreender 12 acordes, a partir
de um. Isso foi maravilhoso para mim, é a questão visual, do desenho, a questão do
motivo pelo qual o acorde tem aquela formação (LUIZITO MIGUEL, 2021).
quando você começava a dominar uma canção, uma peça musical, né? Isso me
estimulava para aprender mais, aí canções e mais canções, vinham as dificuldades,
né? Na harmonia diferenciada de cada uma, então isso cada vez mais vai tornando
desafios diferentes para a gente, né? Então foi esse o princípio que eu tive no início,
né? E daí pelo meu gosto musical, aí eu já tava era criando repertório, né? Dentro
desse contexto da dificuldade que vinham as peças musicais, então era prazeroso e
ao mesmo tempo eu estava somando repertório, e isso acabava sendo
desenvolvimento, né? Para o violão, mesmo sem ter conhecimento teórico na época
(risos) só nas leituras de cifras ainda a força, mas foi esse princípio, né? Que fez eu
dominar o instrumento no início (REGINALDO FIALHO, 2021).
apenas as dificuldades, mas, de certo modo, mostrava ao músico quais eram os aspectos a serem
desenvolvidos no seu estudo do instrumento.
Na fala de Janilson são enfatizados três elementos: a igreja, a apreciação de outros
violonistas e o tempo. O músico relata que o período em que passou na igreja foi fecundo para o
seu desenvolvimento no instrumento, pois foi naquele espaço em que aprendeu violão e passou a
maior parte do tempo tocando. Entretanto, o último elemento citado por Janilson é instigador. O
músico diz: “o tempo fez com que eu fizesse alguma coisa de diferente no violão, do iniciante,
certo?” (JANILSON BRAGA, 2021). Desse modo, um aspecto que ainda não tinha sido
mencionado, pelo menos de forma explícita, foi o período em que se passa aprendendo violão.
Muito foi falado das experiências fundamentais na aprendizagem. Porém, é imprescindível
considerar que, atrelado a esses elementos, encontra-se a variável do tempo. Ele - o tempo - será o
responsável pelo amadurecimento dos conhecimentos adquiridos nas diferentes vivências dos
músicos. Basta lembrar que foi depois de um certo período que Luizito aprendeu que o certo é dizer
“sétima maior” e não “sétima aumentada”.
Juca menciona o incentivo de seu pai como um dos fatores responsáveis pelo seu
desenvolvimento com o violão:
o meu pai também me incentivou muito, ele comprava, ele gravava fitas, antigamente
na minha época era aquelas fitas k7, né? Ele gravava várias fitas, ele escutava muita
música, e essas fitas que ele gravava ia de vários estilos, ia desde de de da bossa
nova, a a músicas, aquelas clássicas antigas, eh eh eh Beatles, eh:::: o que é que eu
poderia dizer mais? (perguntando a si mesmo) (JUCA VIANA, 2021).
De acordo com Mauss (1974, p. 215), “a criança, como o adulto, imita atos que
obtiveram êxito e que ela viu serem bem sucedidos em pessoas em quem confia e que têm
autoridade sobre ela”. Dessa forma, escutar música foi um dos elementos imitados por Juca, que
contribuiu para sua formação. O violonista também relata as experiências vivenciadas como
observador em alguns pontos da cidade de Sobral-CE:
o que me incentivou também, foi na época que eu andava lá pela Beth’s, né? Antes
de eu começar a tocar, andava lá pela Beth’s, né? No Beco do Cotovelo, que hoje em
dia é o Cícero's, né? Cícero's, restaurante, e lá eu via gente lá, tocando lá, os caras de
fora [...] os caras bons tocando lá, e me fez, assim, criar o gosto musical que eu tenho,
né? [...] Naquela época eu era muito novo, né? E gostava mais era de um “rockzinho”,
músicazinha mais popular, mas isso me fez (+) abriu outros horizontes pra mim, né?
Por exemplo, da bossa nova, lá (+) eles tocavam esses estilos, assim, mais
requintados (+) um Djavan, tocavam Chico Buarque, Caetano, um estilo mais
requintado, eles tocavam lá [...] então a gente ia lá pra Beth’s, às vezes eu ia só pra
curtir a música mesmo, não era nem tanto pela bebida não, e só tomava uma cerveja e
passava a noite todinha até o final (risos), e era só pra curtir mesmo, que era muita
gente boa que tocava lá, tocavam lá grandes artistas, gente de Fortaleza e outros
estados (JUCA VIANA, 2021).
157
De certa forma, esse relato lembrou um comentário feito pelo professor Marcos Maia
(Docente do Curso de Música da Universidade Estadual do Ceará), em 2012, no Festival de
Música da Ibiapaba, quando relatou que um dos potenciais contextos de formação para o violonista
é o palco. No caso de Juca, ele não se encontrava no palco, mas estava presente no local de
atuação dos músicos. Assim, a aprendizagem é efetuada não apenas ouvindo, mas também
observando outros músicos (GREEN, 2002, p. 82). Assim, os espaços em que os músicos
transitam contribuem diretamente para o tipo de repertório escutado. No relato do violonista é
enaltecido o seu encantamento pelo espaço, pelos músicos e pelo repertório. Compreende-se que o
local em que o músico transitava oferecia elementos distintos, como o novo repertório a ser
escutado ou o conhecimento sobre um novo violonista de quem até então não tinha conhecimento.
eu acho que isso também, de certa forma, contribui muito, a questão do ouvir
cotidianamente, diariamente músicas, né? O fato de ouvir essas músicas seja na
158
rádio, seja na fita cassete, seja no vinil, elas trouxeram para mim um conhecimento
muito grande de um repertório, que eu aprendi a cantar antes mesmo de tocar violão,
né? Eu já sabia cantar essas músicas antes de tocar o violão, então isso foi primordial
(ALMIR MARTINS, 2021).
no começo, quando eu comecei a tocar o violão, eh, o meu pai, ele não me incentivou,
ele realmente ele apesar de gostar muito, de ter sido um homem boêmio na infância
dele, quando ele me viu começar a tocar os primeiros acordes, né? onde eu não saia
dos primeiros acordes e transposição, ele disse “Homem, pare com isso, que isso é
para quem tem dom, não está vendo que isso não é para você?” e hoje ele se ufana e
tem muito orgulho do filho tocar violão, de tocar na noite (ALMIR MARTINS, 2021).
Esse excerto apresenta alguns elementos que podem ser encontrados nas reflexões de
Queiroz (2017, p. 72):
Porém, a questão da crença no “dom”, de acordo com Almir, serviu de estímulo para
que continuasse estudando violão. De acordo com o violonista, seu pai menciona que se não fosse
pelas suas palavras, hoje Almir não seria violonista. O fragmento a seguir detalha:
até hoje ele fala sobre isso, dizendo que “rapaz, eu que te incentivei, porque se eu
tivesse te dado apoio e ter dito para ti que vá estudar e tudo, você não teria isso”
então foi para me desafiar, então de certa forma, eu acabo concordando com a fala
dele, que realmente trouxe o desafio de querer provar para ele que eu conseguiria
tocar (ALMIR MARTINS, 2021).
Sinteticamente, Almir descreve que, no que diz respeito à sua família, nunca houve
impedimentos. Porém, relata que o apoio era mínimo. Ele atribui esse baixo incentivo à falta de
estímulos ao estudo de música. O relato a seguir figura como exemplo:
159
eu gostaria muito de ter feito um curso de conservatório, a gente não tinha condições
financeiras para isso, para a época, então não houve esse apoio, mas dizer assim Ah,
no momento em que eu decidi comprar um instrumento com o meu dinheiro, eles não
chegaram assim “Não, você não vai tocar isso” entendeu? (ALMIR MARTINS,
2021).
Reginaldo agradece por ter nascido em uma “família musicalmente engajada” (GREEN,
2002), em que “o pessoal estava constantemente ouvindo música” (REGINALDO FIALHO,
2021). A seguir, o relato do músico sobre o efeito de ter convivido nesse ambiente musical:
então eu fui crescendo nesse ambiente bem musical, no intuito de você escutar e
conhecer diferentes ritmos, né? Mesmo sem ter a noção que eram ritmos
diferenciados, né? Mas que hoje para o futuro, né? Veio todo esse princípio, né? E
junto com o estudo a gente vai sabendo identificar os estilos, né? Mas então foi isso,
eu creio que desde pequeno que eu fui crescendo ouvindo música dentro do
ambiente familiar foi que me estimulou mais (REGINALDO FIALHO, 2021).
Green (2002, p. 24) aponta que a influência dos pais é fundamental para a formação do
músico. No relato fornecido por Reginaldo, é possível observar que os pais podem figurar ainda
como importantes elementos na decisão de se trabalhar ou não com música. É notável o fato de
160
que, ao associar a influência de sua mãe na sua decisão de trabalhar com o ensino de música, o
violonista também destaca que foi a partir de todo esse episódio que ele precisou se dedicar mais
em termos de estudo.
Janilson também apresenta um discurso semelhante ao dos outros músicos: relata que
seus pais sempre o apoiaram. E essa afirmação fica clara quando o músico diz: “os meus pais
sempre me apoiaram, na verdade eles que me ajudaram a comprar o violão, inclusive esse agora
(risos)” (JANILSON BRAGA, 2021). Sobre impasses relacionados às suas atividades musicais, o
instrumentista destaca a falta de tempo para se dedicar ao estudo do instrumento. Em seguida,
relaciona essa falta de tempo com as novas demandas da sua vida, como o seu casamento:
[...] depois que eu me casei, a esposa passou a ter (+) porque a música toma um
pouco de espaço da gente, ela toma o tempo, mas a gente tem que dedicar se não (+)
e aí ficou aquele “gosta mais do violão do que de mim?”, aquela coisa e tal, mas hoje
ela já aceitou (risos) tá tranquilo (risos) (JANILSON BRAGA, 2021).
Essa situação corrobora um dos dados construídos no survey, em que verificou-se que
após o processo de iniciação com o instrumento a tendência é de que os músicos passem menos
tempo estudando seu instrumento, sendo um dos fatores responsáveis por isso as novas atribuições
que surgem durante a vida (paternidade, família, trabalho). É nas recordações de infância
envolvendo sua mãe e seu pai que Juca descreve como se materializava a relação música e família.
De acordo com o músico, ainda possui lembranças de quando sua mãe o colocava para dormir e
começava a cantar: “Ela cantava, sempre assim quando me embalava pra dormir, né? Me
balançando na rede, ela cantava muito, ainda tenho na minha memória as musicasinhas que ela
cantava” (JUCA VIANA, 2021). Já ao falar do seu pai, o músico destaca:
Foi o meu pai, né? Que incentivou, ele comprou, né? Comprou não né? Mandou
gravar várias fitas né? Como eu já tinha falado antes, fitas, e os estilos eram o mais
variado possível, ia da bossa nova aos Beatles, eh eh, música internacional, música
nacional, eh:: Tom Jobim, eh::: O que era mais que ele escutava? (perguntando a si
mesmo) faz tempo, música francesa, internacional, meu pai, o gosto musical dele
parece muito com o meu, assim, o meu que parece com o dele, né? Que eu peguei
isso, né? Essa coisa (JUCA VIANA, 2021).
Luizito, ao relatar a idade que possuía quando começou a aprender violão, apresenta
elementos que demonstram que o espaço familiar não necessariamente se comporta como um
ambiente de estímulo a empreendimentos musicais:
[...] nesse primeiro momento em que eu, eh, peguei no violão, primeira vez, foi quase
aos 15 anos, faltava poucos meses para os 15 anos, mas eu tive muita dificuldade na
minha vida, muita dificuldade mesmo, meu pai é caminhoneiro, ele passava seis
meses nas estradas, então minha mãe era muito ocupada, tenho vários irmãos (+) isso
era bobagem para eles, era bobagem eu entrar nisso, né? De ser músico, sabe? De
aprender a tocar, era bobagem, mas ao mesmo tempo eles nem tinham conhecimento,
acho que eles tiveram conhecimento de que eu tocava violão uns 2 anos depois
desse momento (LUIZITO MIGUEL, 2021).
na minha infância, aos 10 anos de idade, 10, 11 anos de idade, eu fui para a cidade
dele que é Varjota e, quando eu cheguei lá ele ia participar de um ensaio, e aí eu fui
participar desse ensaio (+) foi a primeira vez, antes mesmo desse violão aparecer na
minha vida, primeira vez que eu vi uma banda assim, uma guitarra, uma bateria, um
contrabaixo, o cara da guitarra assim, ele tocando, ele (+) sabe? Mexeu muito comigo
aquilo ali (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Hoje, e já há muito tempo, eh, eles eh, tem um apreço muito grande, né? Pelo meu
lado como músico, e pelo meu lado profissional, porque eu agreguei o meu lado
musical, ao fator social, que se chama eh, o emprego e renda mensal e profissão, né?
Então eles me respeitam muito, minha família me respeita bastante, tem até aquele
certo orgulho de dizer que eu toco (LUIZITO MIGUEL, 2021).
[...] no início eles duvidaram, mas aí depois foi até bom porque me motivou a ir mais
do mesmo, e aí depois era sempre uma surpresa, quando eu aparecia com algo novo
era sempre uma surpresa e eles sempre me botavam para frente e hoje em dia não
conseguem desassociar, né? A música de mim (LUIZITO MIGUEL, 2021).
A dúvida gerada sobre sua capacidade gerou uma motivação adicional para prosseguir.
Fato semelhante foi visto no depoimento de Almir, ao tratar do episódio com seu pai. Luizito
compartilhou ainda outros detalhes sobre o ambiente familiar e a relação com a música:
162
aqui em casa a gente mal escutava rádio, a gente nunca teve o costume de se reunir
com a família para fazer churrasco, para fazer comemorações aos domingos, não tinha
essa coisa de ter música não, não era (regado) à música, existia um momento na
minha vida, que foi quando eu tinha mais ou menos sete anos de idade, seis para sete
anos de idade que meu pai comprou três fitas, uma do Raul Seixas, uma do Zé
Ramalho e uma do Zé Geraldo, então como ele trouxe essas fitas para cá, das viagens
dele, as fitas ficaram paradas um bom tempo, aí a minha vó mandou um
gravadorzinho velho, aí esse gravador chegou e finalmente eu tive acesso ao
conteúdo das fitas, então foi só esse período aí, aos sete anos de idade, mais ou
menos dos sete até os nove, que eu ouvi muito essas fitas, e aí eu passei a gravar
também, e tive a oportunidade de gravar também as músicas do Luiz Gonzaga cara,
riquíssimos, uma coisa assim que me impactou muito, que eu ficava impressionado
com a capacidade poética do Luiz Gonzaga (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Eu não tinha apoio, mas também não tinha impedimentos. O que aconteceu foi que eu
me tornei professor aos 24 anos de idade, mas minha primeira experiência com a
música, foi numa comunidade católica, aos 18 anos eu ingressei numa comunidade
católica, como eu tocava violão, às vezes as pessoas me chamavam para tocar no
grupo [...] Eu tocava nos grupos e tal, então teve esse primeiro momento, minha
família nem teve conhecimento disso, e aí eu passei um tempo morando fora, quando
voltei, exatamente aos 24 anos, eu conheci uma professora de artes, e ela falava para
mim que eu mandava bem no violão, e ela me indicou a ser professor de música, a
partir de uma seleção da prefeitura, então quando eu fiz essa seleção e passei, minha
família ficou muito feliz, não entendendo que eu mandava bem no violão, mas
pensando simplesmente que era uma oportunidade assim que eu estava tendo, né?
De ser professor e tal, mas a partir daí já começaram a ver com mais seriedade e,
principalmente peguei o exemplo do meu pai que é muito trabalhador, muito
trabalhador e, pronto, nunca houve impedimento de jeito nenhum, mas também
nunca houve apoio (risos) até os meus 29 anos, trinta anos de idade, talvez
(LUIZITO MIGUEL, 2021).
6.2.1 O repertório
você aprender uma harmonia sofisticada do Djavan, por exemplo, né? Você pega Flor
de Lis alí, apesar da época eu não entender como aqueles acordes funcionavam,
como eles se formavam, a sonoridade daqueles acordes, me despertavam o interesse
e uma inquietação em relação “Poxa, que acorde de sonoridade diferente, por que que
esse acorde é desse jeito, é um acorde de tensão”, né? “Porque que esse acorde
caminha para cá?” e tal, sem ter nenhum conhecimento de harmonia, mas causava
este questionamento, né? De entender porque que muitas vezes a voz não ia ao tom
que se queria achar dentro daquele acorde, pensava que o acorde estava errado e
tudo mais e tal, mas às vezes era só questão de alinhar o cantar com o que se estava
fazendo no violão (ALMIR MARTINS, 2021).
musical, certo? E disso aí, a gente acabava trabalhando [...] acabava incluindo repertório de vários
estilos, né?” (REGINALDO FIALHO, 2021).
Também é interessante destacar que Almir atribui a nomes como Gilberto Gil, Caetano
Veloso, Djavan e Alceu Valença, o título de representantes da “sua escola”, e não o faz em relação a
materiais didáticos ou a espaços físicos, por exemplo. Esse fato dimensiona a importância do
repertório para o seu desenvolvimento como violonista. Nessa perspectiva, foi solicitado ao músico
que relatasse como esse repertório contribuiu para sua formação como violonista. Almir responde:
para a construção do ser violonista, do que eu hoje faço na noite, tocando (+) porque
o músico da noite, ele tem que ser muito versátil, né? Então você tem que ter um
repertório muito amplo, então esse repertório tem que ser muito rico, e aí, graças a
esses caras, que eu acredito que dentro da construção da minha formação musical,
falando por si, foram de grande valia (ALMIR MARTINS, 2021).
Almir considera que o violonista que “atua na noite” deve estar munido com um leque
de possibilidades, sendo o repertório um desses elementos constituintes. Em outras palavras, o
trabalho exige que o violonista domine outros ritmos, outras harmonias, outros gêneros, novas
formas de executar um acorde de uma mesma “família” (PEREIRA, 2011) e todos esses elementos
estão acoplados no repertório diversificado que o instrumentista deve construir. Isso fica ainda mais
claro quando Janilson complementa:
quando eu conheci o violão eu passei a tocar vários estilos porque exigiu, né? Que
eu passei a trabalhar, aí foi aí que eu fui gostando de outros estilos, tipo o Samba,
né? A Bossa, aí veio o Pé de Serra [...] Na verdade, quando eu comecei, quando eu
fui desenvolver mais, foi quando eu conheci o cantor Xxxxxxxx Xxxxx, e aí foi onde ele
165
e eu ouvia principalmente a Legião Urbana, que foi uma grande descoberta aos 12
anos, né? Quando eu tinha 12 anos eu descobri a Legião Urbana, e até o meu
primeiro contato com o violão que foi aos 15, eu conhecia tudo da Legião, é tanto
que eu aprendi a tocar sozinho, porque a partir desse momento que o rapaz me
ensinou os acordes, eu já ganhei de outro amigo umas revistinhas da Legião, e eu
pegava a música por mim mesmo, então ele me ensinou aqueles acordes lá, aqui eu já
tenho mais vinte acordes, então eu cantava a música mentalmente, né? Ou cantava
mesmo, desafinado, mas cantava, e eu tinha na intuição o meu ritmo, entendeu?
Então eu ouvia (+) quando eu comecei a tocar violão, eu ouvia praticamente a Legião
Urbana, e o Engenheiros do Hawaii, e revistas que tinham coisas do Caetano Veloso,
coisas que tinham, eh, bossa nova, que tinham Cazuza, faz parte do meu show (nome
da música), né? O menino do rio, essas músicas, elas estavam numas
“coletâneazinhas” em revistas de cifra, que eu vi nessa época, que eu ganhei nessa
época, foi a partir dessas revistas que eu consegui, eh, me conceituar, consegui
aprender o que é acorde, e tudo mais, né? (LUIZITO MIGUEL, 2021).
O que é notório nesse relato é que apesar de ser predominante na fala do músico o uso
de revistas de cifras e a troca de informações entre pares, o violonista destaca também a autonomia
do seu aprendizado, quando diz que aprendeu a tocar sozinho. Isso corrobora o que Green (2002;
2012) aponta quando menciona que atrelado aos principais processos de aprendizagem dos
músicos há práticas tanto conscientes como inconscientes. Entretanto, o que haveria de contributivo,
na visão desses músicos, nesse repertório? Como tocar Legião Urbana, por exemplo, ajuda na
formação em violão? De acordo com Almir:
166
A facilidade, inicialmente quando se vai tocar o violão, claro que você se encontra
com as dificuldades de executar acordes de maior dificuldade de executar, né? E a
Legião Urbana, a música pop em si, o Rock Pop nacional, ele tem essa construção
fácil, então é uma porta de entrada para que você comece a desenvolver, né? Porque
você vai fazer acordes de Dó, Sol, Lá menor, Mi menor, né? Não passa de isso aí,
então é uma harmonia e uma melodia simples de executar no começo, principalmente
para quem está começando a tocar o violão (ALMIR MARTINS, 2021).
Como foi visto nos relatos anteriores, o repertório de construção simples auxilia no
desenvolvimento e na preparação para músicas mais complexas. Concorda-se, portanto, com Almir
quando diz que se trata de um repertório “porta de entrada”. Por outro lado, Luizito elenca aspectos
positivos e negativos que na sua opinião estão contidos nesse tipo de repertório. O músico
considera que a aprendizagem do instrumento deve perpassar tanto pelo repertório mais simples em
relação a quantidade de acordes, quanto por músicas mais complexas, pois de acordo com o
músico permanecer com aquele tipo de repertório pode ser limitante em alguns quesitos, como por
exemplo nas possibilidades de execução dos acordes:
[...] ele me limitou muito a enxergar o violão assim, dentro de uma possibilidade muito
pouca de fazer o Sol maior, de fazer o Ré maior, e eu não via nada além disso,
entende? É tanto que eu fazia aquilo bem feito na parte rítmica, mas eu ficava
segurando aquele solzão ali maior e nada mais, então ele me ajudou na parte rítmica,
mas na parte assim de pensar, além da formação de acordes, de pensar no campo
harmônico, de pensar por exemplo, na relativa, nas inversões, isso aí para mim nunca
existiu, até eu encontrar pessoas que abriram a minha mente, a pensar sobre isso, eu
via, eh que o pop é uma coisa mais prática, né? Eu via um lado riquíssimo do pop que
é o seguinte, faça você mesmo, pegue ali (+) você sabe quatro acordes, faça uma
música em cima, dá para você fazer uma obra de arte, o pop é isso, o pop ele te dá
essa possibilidade, mas é claro que a música, sendo infinita, né? E você não pode
pensar que você já entendeu tudo, porque você entendeu aquela música em quatro
acordes, quando na verdade tem outras músicas, como por exemplo, o Djavan depois
chega para a gente, né? Quando a gente descobre o Djavan, a gente já vê outras
possibilidades de um cara que conseguiu fazer algo magnífico com 32 acordes,
incrivelmente ele conseguiu incluir uma melodia ali, e ele colocou um conteúdo
riquíssimo de poesia e tal, aí você fica com uma ideia mais ampla (LUIZITO MIGUEL,
2021).
Apesar de apresentar elementos que figuram como aspectos negativos, Luizito dá uma
importante contribuição para o estudo do instrumento no momento em que relata as possibilidades
de se trabalhar com esse tipo de repertório de número reduzido de acordes: é possível compreender
os acordes contidos nas músicas como peças na construção de outras configurações em termos de
composição e elaboração de repertório; assim, o estudante de violão não absorve apenas as
informações que lhe são apresentadas, mas reflete sobre como esses conhecimentos se aplicariam a
outros contextos musicais possíveis, tanto em novos arranjos entre aquele número limitado de
acordes, quanto nas combinações possibilitadas pela inclusão de um número ainda maior de
acordes. Reginaldo também aponta os aspectos positivos que, na sua visão, fazem com que esse
167
[...] eu tocar Legião Urbana, ele foi digamos um exercício harmônico, né? Dali,
daqueles acordes, digamos básicos, né? Então foi isso que me ajudou, né?
Principalmente quando chegava ali naquela pestana, coisa que (risos) para um
iniciante é horrível, né? Então, foi bem acessível e assim, sempre procurava eh eh, me
expor, quando tinha uma peça da Legião Urbana, né? Que a gente tocava ali e tal, que
eu tocava, e isso acabava me estimulando cada vez mais, né? E aí depois disso aí,
com o tempo foi que eu fui partindo para um pouco (+) um pouco para outro
repertório, com uma harmonia um pouco mais diferenciada, um pouco mais
complicada, né? Mas que lógico que aquilo ali, naquela época lá da Legião Urbana,
não era só a questão da harmonia, é a letra que casa com a harmonia (+) que isso,
tudo conquista a gente (REGINALDO FIALHO, 2021).
[...] eu conseguia fazer essas variantes, até mesmo não sendo aquela totalmente
certa, da música, mas eu fazia algo semelhante, genérico, né? E isso, eh, me
enriqueceu bastante em termos de ritmo, porque eu não só criei um conceito de
quando fosse o pop rock como eu consegui fazer suas variantes a partir da
lembrança que eu tinha, porque como eu ouvi muito Legião Urbana e muito Titãs, eu
tinha aquela coisa daquela marcação (começa a bater palma, como se estivesse
marcando o andamento de uma música), né? Então essa pulsação também, uma
pulsação que eu uso até hoje, né? Sempre vamos usar, mas eu uso até hoje, até
mesmo para improvisar, essa pulsação que me faz assim, eh, perceber que eu posso
fazer variantes a partir daquela pulsação (LUIZITO MIGUEL, 2021).
[...] eu gostava muito da composição, tem uma característica minha também, que já
surgiu antes da música ou nasceu junto com a música que é a poesia. Então, eu
escrevo poemas, eu tenho vontade de escrever poemas desde dessa época, com sete
anos de idade, eu tinha vontade de escrever, era uma vontade, não era uma ideia, era
uma vontade, então, isso foi nascendo junto com a música, porque a música ela
apareceu e foi fortalecendo esse meu lado como poeta, então eu pensava assim,
como eu não canto, como eu não cantava nada, eu pensava assim, se eu fosse
compositor, não, eu pensava assim, se eu fosse cantor, eu iria compor uma música
assim, aí eu acabava compondo uma música, com melodia, com letra, né? Com os
acordes, e aí eu “pô deu certo uma, se eu fosse cantor eu faria uma música assim”
(LUIZITO MIGUEL, 2021).
improvisação e composição”. Após mencionar o seu processo de composição com o violão, Luizito
destaca o quanto gostava de improvisar no instrumento:
[...] outra coisa que eu uso até hoje, que é a improvisação, eu adoro improvisar, aí eu
pensava assim “ah eu estou inspirado hoje” (risos) mas não era questão de
inspiração, eu estava fazendo algo conceituado naquele momento, depois eu fui
entendendo essas coisas e tal (LUIZITO MIGUEL, 2021).
[...] comecei a tocar com 15 anos e com 15 anos eu comecei a compor, com dois, três
acordes, quatro acordes, eu tocava uma música do Engenheiros do Hawaii, da Legião
Urbana, e eu pegava aquela sequência e fazia a minha melodia e a minha letra,
entendeu? E isso foi o que mais me estimulou, mais me segurou no violão, na música,
foi isso, foi o fato de que eh, eu não pensava em subir nos palcos para tocar, mas, eu
gostava de interagir com o universo da música, eu mostrava minhas músicas para as
pessoas, ali com 15, 16 anos, e aquilo estabelecia uma comunicação, as pessoas
sentiam que eu era artista, sentiam que eu era músico (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Nesse discurso, Luizito demonstra que para fazer música não necessariamente
precisa-se de conhecimentos aprofundados em composição, pois é possível utilizar os
conhecimentos adquiridos com a prática e reaplicá-los em outras situações, em novas composições.
Essa situação lembra o que Bowman (2018) afirma em seu artigo intitulado “The social and ethical
significance of music and music education”: práticas essencialmente educativas tendem a
preparar aprendizes adaptáveis, inclusive para um futuro incognoscível. É possível enxergar essa
relação no relato de Luizito: o músico consegue adaptar um determinado tipo de conhecimento para
outra situação (composição).
Em síntese, compreende-se que o repertório é um dos pontos fundamentais para a
formação dos violonistas. Porém, ficou perceptível que esse deve ser o mais variado possível e que
sofre influência dos locais de atuação (como ocorreu com Janilson, por exemplo). O repertório
exequível contribui para que os músicos tenham um senso de realização que os auxilia a procurar
repertórios mais diversificados. Ficou evidente que permanecer com apenas uma determinada
segmentação de músicas pode atrofiar os conhecimentos referentes às possibilidades técnicas e
harmônicas do violão. A figura 23 traz uma síntese das principais características identificadas nas
concepções dos violonistas colaboradores sobre o repertório.
169
tipos de sonoridade que um acorde pode possuir. Um acorde de lá menor, por exemplo, poderia ser
substituído facilmente por um acorde de lá menor com sétima e nona, e vice-versa, sem apresentar
maiores dificuldades:
[...] Os songbooks que vêm sendo editados nos últimos anos cumprem um papel
importante, reunindo, organizando e divulgando a obra dos compositores populares,
e disponibilizando esse material para diversos fins. As harmonias que esses livros
trazem são normalmente tiradas de gravações consideradas “de referência”. Note-se
que os songbooks não costumam ser feitos — salvo raras exceções — pelos
próprios compositores.
[...] Junto com esse meu amigo eu acabei me desenvolvendo, né? A gente pegava ali
a revistinha, ficava olhando ao lado a formação do acorde, ali das posições, né? Na
verdade, e daí a gente ia tentando empregar essas posições dentro da letra da
música, né? Então esse foi o princípio [...] eu ficava só tocando com a mão
direcionada para baixo, né? Um movimento de cima para baixo, ficava só tocando de
cima para baixo e até chegar o próximo acorde, na sua definida palavra ali na letra da
música para trocar, então foi isso, era só uma batida para baixo até chegar a próxima
mudança, não era nem fazendo o ritmo e nem muito sabia que era compasso aquilo
(risos) e já estava trabalhando compasso na verdade (REGINALDO FIALHO, 2021).
[...] você imitava o desenho do acorde, mesmo sem ter a noção de saber a questão
rítmica e tudo, mas você ia tentando pelo tato, pelo ouvido de ver como é que
naquela música aquele acorde iria se comportar, né? Na sua batida, de como você iria
fazer, era mais ou menos isso que eu tentava fazer, imitar no processo de escuta da
música, tocando junto com o violão e vendo o desenho do diagrama [...] a gente
tinha que meio que se moldar ao que você tinha alí à disposição, né? E o que a gente
tinha eram as revistinhas que muitas vezes vinham com informações de acordes
errados, então, às vezes a gente se deparava com (+) fazendo determinado acorde
que a gente percebia que o ouvido percebia que não era aquele acorde, né? “Pô isso
aqui está errado”, você ficava tentando procurar, às vezes passava um tempão para
descobrir qual era o acorde real, muitas vezes ia outro músico, que já tocava aquela
música bem ou que tocava melhor, “Não cara, o acorde é esse aqui”, aí explicava para
a gente qual era o acorde (risos) (ALMIR MARTINS, 2021).
174
[...] Então, quem me deu a primeira informação foi esse meu amigo, e essa outra
informação que me levou a entender o conceito musical, a teoria musical eh, de
formação de acordes, de campo harmônico, escalas e suas variantes, foi um outro
amigo dele, que tocava guitarra na banda de forró do pai dele, então ele me viu com
interesse e aí ele me chamou e disse: “Ei cara, vem cá” e ele anotou assim para mim
“olhe, eu vou te falar aqui uma coisa, na música é o seguinte, escala maior é dois
tons, semitom, três tons e um semitom. Eu não sei como, mas eu entendi isso na hora,
ele achou até que eu não ia entender, aí eu disse “Ah, eu entendi cara, entendi,
entendi”, pronto, então quer dizer que um acorde com sétima é só fazer essa variação,
incluir um quarta, “ah esse desenho é de uma quarta” (falando como se estivesse
pensando), então as primeiras informações vieram dessas duas pessoas, desses dois
homens, dois rapazes, que viram que eu tinha interesse e me falaram ali o que
acharam que eu podia saber no momento, né? (LUIZITO MIGUEL, 2021).
[...] As primeiras informações que eu tive, havia um rapaz chamado Marcos José, que
me emprestava o violão dele, o violão tonante que ele tinha, de aço, e ele escreveu,
eh, um diagrama, para mim da posição dos acordes de Mi menor e Ré maior, me
lembro como se fosse hoje, para tocar “Pra não dizer que não falei das flores”, né?
Que é uma música do Geraldo Vandré, e aí ele desenhou o "diagramazinho" porque
eu não sabia, ele falou “olha, essa música aqui é bem facinha, são dois acordes e
tudo” então foi o primeiro material que realmente eu tive, “Este material aqui é o
material que eu vou aprender estes dois acordes aqui” e foram os dois primeiros
acordes que eu aprendi, né? E aí, em seguida, Legião Urbana, “Pais e Filhos”, que é
uma sequência de Dó, Ré e Sol, que aí, eu lembro que no começo eu tinha uma
dificuldade enorme, motriz, de sair do Dó para ir para o Ré, mas descobri também
nesse processo que a repetição é muito importante, então eu ficava repetindo e
repetindo todo o dia, os dedos ficavam cheio de calos, tocava com violão de aço, não
usava nylon na época, e ficava tentando Dó, Ré, Sol e minha irmão brincava muito
“Rapaz, tu não sai disso, o tempo todo cantando o trecho da música estátuas e
cofres e não sai dessa parte [Almir] Calma que ainda estou pegando por partes”
(risos) (ALMIR MARTINS, 2021).
tangenciam as suas formações como violonistas. A figura 28 traz uma síntese dos trajetos indicados
por Juca.
No último caso, decidiu-se citar o discurso de Janilson, pois acredita-se que o relato do
músico é bem esclarecedor e sintetiza bem como sua trajetória ocorreu. O músico detalha:
Aula, aula, foi só com ele, com o Xxxxxxx, certo? Agora o restante, eu fui descobrindo
ouvindo, e vendo, né? Os vídeos, que eu comecei vendo o barzinho, violão, DVD,
né? E ficava observando os caras, as maneiras deles tocarem, ouvindo, né? Os
ritmos, aqueles ritmos, puxadinho de arpejos e tal, isso eu não aprendi do professor
não, eu aprendi ouvindo, aqueles ritmos da Bossa, do Samba, dessas coisas, né? Eu
passei a observar e acabei que fiquei obcecado por aquilo ali. De tanto eu pegar o
violão e ficar de 7 horas da manhã e parar 11 horas do dia, praticando com o dedo
doendo, botava no gelo, para (risos) voltar a praticar de novo, então foi assim que fui
descobrindo, não foi de aulas, aulas foi só o básico (JANILSON BRAGA, 2021).
177
Portanto, entende-se que cada círculo nas figuras representa um único e particular
contexto. Isso corrobora a escolha da expressão “múltiplos contextos” no corpo deste trabalho.
Cada elemento colabora com um particular tipo de informação que é acrescida de outros
conhecimentos, que são formulados nos outros campos. Assim, é desse modo que configura-se o
processo de aquisição de informação dos violonistas colaboradores em Sobral-CE. Associado ao
processo de aquisição de informações, encontram-se as “mediações” (FERRY, 1997), ou seja: os
dispositivos que auxiliam no processo formativo. Assim, na próxima seção serão tratados os
recursos utilizados pelos violonistas no processo de formação.
[...] era mais no começo, era só as revistinhas, pegando de ouvido mesmo, copiando
alí a letra errada, tocando tudo errado mesmo, aí depois que eu adquiri com o Cícero,
né? Eu adquiri o songbook do Almir Chediak, aí comecei a tocar corretamente as
músicas do Djavan, que eu gostava muito de tocar Djavan, né? [...] vídeo-aula
(falando a palavra pensando), as vezes eu pego com uns amigos, alguma coisa assim,
mas é raro, é mais é aprendendo só mesmo, aquela rotina de ficar horas e horas ali
com o violão e tal, e aprendendo música pra (+) formando repertório, fazendo
repertório, pra tocar na noite (JUCA VIANA, 2021).
Percebe-se no relato acima um aspecto que será identificado nas falas de todos os
violonistas entrevistados: todos citaram a utilização de videoaulas, sites e DVDs, porém no próprio
discurso dos músicos sente-se que esses foram recursos passageiros, pois ao serem perguntados
sobre as lembranças em relação aos materiais nestes formatos - DVD, videoaula, sites - todos
alegaram não lembrar mais. Assim, os materiais físicos foram os predominantes. Luizito, por
exemplo, diz: “O único material didático que eu tinha era umas revistinhas mesmo de cifra [...]
durante muito tempo, foi apenas, eh, escrito mesmo” (LUIZITO MIGUEL, 2021). A utilização de
178
CDs também foi um elemento destacado pelos músicos. Janilson, por exemplo, explica como
estudava o repertório utilizando o CD como recurso:
[...] o mais foi de ouvido mesmo, ouvindo o CD, com o fone de ouvido e tentando
pegar aquele acorde e copiando mesmo, ouvindo o CD e parando, copiando a letra e
copiando o acorde, e assim eu fazia quando eu ia mudar de tonalidade a mesma coisa,
eu pegava a música todinha de ouvido quando acabava, copiava os acordes e ia
anotando em baixo, baixando o tom, aí foi assim, desse jeito (JANILSON BRAGA,
2021).
Nesse relato também encontra-se detalhado o modo pelo qual, naquela época, o
músico utilizava o CD tanto para transcrever os acordes quanto para transpor o tom das músicas.
Almir adotava uma abordagem semelhante, e conta: “o que eu utilizava era o CD, né? Para ouvir a
música e tentar tirar a música de ouvido” (ALMIR MARTINS, 2021). Semelhantemente, Juca
destaca que ouvia fitas cassete que tinha gravado de um amigo. O que é notório na sua fala é que ao
ser perguntado se escutava para em seguida “tirar de ouvido” o músico diz: “eu não tentava porque
eu achava (+) eu imaginava que era muito difícil, mas de tanto eu escutar, aí fluía normalmente”
(JUCA VIANA, 2021). Essa sua fala denota que a escuta que o músico tinha em relação ao
repertório era profunda, tanto em termos de qualidade quanto de quantidade. Pelo fato de escutar
repetidas vezes, o músico acaba praticando a escuta atenta e intencional (GREEN, 2002). Desse
modo, o músico não só absorve a música como um conjunto inteiro, como também aprende as
idiossincrasias contidas no repertório. Por isso ele sentia que com o tempo a escuta “fluía
normalmente”.
Nesse caso, é interessante destacar que a utilização de recursos acontece de forma
complementar: a utilização do CD, mais a checagem no ouvido, mais a utilização de fones para
amplificar o som reproduzido. Ainda sobre essa complementaridade que os músicos adotam na
utilização dos recursos, Reginaldo comenta:
Sobre o conteúdo contido nesses materiais, o violonista aponta que, em síntese, trata de
elementos referentes à teoria musical, como intervalos, e à harmonia, como campo harmônico,
tetracordes, inversões e formação de tríades. De certa forma, isso mostra que no decorrer da
jornada de formação em violão há um currículo que é formado em diferentes instâncias.
179
[...] quando a gente começou a ter acesso à internet, hoje tudo é muito fácil, hoje essa
dificuldade quebrou porque, por exemplo, meu ouvido me engana, hoje eu ainda não
consigo, honestamente, tirar uma música completamente de ouvido, dependendo do
grau de dificuldade da música, eu vou ali no Cifra Club, vejo uma vídeo aula, ou
procuro um vídeo que tenha de alguém tocando, porque só o que tem é cover, vejo,
tira a dúvida do que eu tenho ali e pronto, parto e sigo meu caminho feliz, né? (risos)
(ALMIR MARTINS, 2021).
Nesse sentido, o Cifra Club bem como os vídeos de cover surgem como elementos
contributivos no momento em que o músico não consegue aprender um determinado repertório com
outros meios, como “de ouvido”, por exemplo. Assim, infere-se que a utilização desses recursos são
fecundas para a formação musical, tendo em vista que quando não há a possibilidade de aprender
uma música de um jeito, recorre-se a outras maneiras de aprendê-la.
Por outro lado, Luizito, ao mencionar a utilização de livros como recurso, relata uma
experiência importante no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno que figura como
pertinente à temática em estudo. De acordo com o músico, quando passou um período de sua vida
morando em Fortaleza-CE, teve a oportunidade de estudar no conservatório. Nessa instituição,
passou seis meses estudando violão. Foi naquele período que teve contato com o método de violão
do professor Henrique Pinto. No discurso a seguir, o músico detalha como figurava o estudo no
conservatório atrelado à utilização de métodos:
[...] se eu estudasse aquilo ali e fizesse aquilo ali em 15 dias, eu já podia ir para a
quarta fase, então foi quando eu peguei os temas que eu sei tocar hoje104, de
clássico, são desse livro, eu peguei sozinho sabe? Ninguém (+) ele não me ensinou
nada cara, ele não me ensinou nada (risos) era uma aula dia de quarta feira, 8 horas da
manhã, ele chegava super cansado, ele tomava café e ele passava meia hora tomando
café e conversando comigo cara, e minha aula passando, dava 40 minutos, ele tocava
uma música, eu tocava uma e acabava a aula, e ele me deu essa tarefa de casa, que
era trazer todas as músicas que tinham partituras nesse livro do Henrique Pinto,
assim eu fiz, em 15 dias eu voltei tocando todas, né? Eu passava um dia inteiro para
pegar [...] Uma peça [...] Eu passava o dia inteiro para pegar uma peça e não esquecia
mais, até hoje eu lembro, e essa foi a experiência mais legal que eu tive, em termo
acadêmico, foi ótimo, foi maravilhoso (LUIZITO MIGUEL, 2021).
104
O arranjo e a interpretação da música, podem ser escutados no seguinte link:
https://youtu.be/YPmZEAAEdfg Acesso em 17 Jan. 2022.
180
Já ao falar sobre como aconteciam as aulas no conservatório, Luizito aponta que tinha
uma aula por semana, que na sua visão poderiam ter sido melhor aproveitadas. De acordo com o
músico, era comum o professor não administrar corretamente a duração da aula, a ponto de dar
tempo apenas de tocarem algumas músicas e conversarem um pouco. Apesar de destacar esses
aspectos das aulas no conservatório, Luizito aponta o papel do seu professor na sua formação. De
acordo com o violonista, seu professor o incentivava bastante, e esse incentivo foi importante para
sua formação, apesar das aulas não terem sido como o esperado. O músico comenta:
[...] Até porque esse meu professor, lembro bem dele, é o Xxxx, uma pessoa
maravilhosa e tocava muito cara, me inspirou bastante, me deu muitas palavras de
incentivo, ele dizia que eu era bom, que eu era talentoso, ele via algo assim bom em
mim, então isso foi fundamental para mim [...] e o Xxxx foi um cara fundamental
porque (+) como eu considerava ele um cara (+) um músico maravilhoso, ele dizia que
eu era bom, para mim foi ótimo, foi um estímulo muito grande mesmo (LUIZITO
MIGUEL, 2021).
Dessa forma, infere-se que muito mais do que uma aula de instrumento, é de suma
importância o reconhecimento dos modelos, das referências que o aprendente possui enquanto
estudante de violão. Esse incentivo, portanto, contribui para que o violonista persista em seu
processo formativo. Em síntese, a figura 32 traz os elementos que constituíram os recursos utilizados
na aprendizagem do violão. Nela é possível identificar as principais palavras pronunciadas pelos
músicos ao discursarem sobre os recursos utilizados.
Janilson, por exemplo, diz o seguinte: “E eu cheguei a comprar um dicionário de acordes, que é uma
revistinha, aí eu fui descobrindo vários acordes dissonantes por alí, aí isso ajudou bastante”
(JANILSON BRAGA, 2021).
Os “acordes dissonantes” aos quais o músico se refere são o que o violonista Marco
Pereira (2011) chama de “acordes com complementos”. As revistas configuram-se como elementos
de acesso relativamente fácil a esse tipo de conteúdo, com preços acessíveis e que compactam os
conhecimentos em documentos com poucas páginas.
Após o uso das “revistinhas”, Janilson menciona a utilização da internet como elemento
contributivo para sua formação. Nesse sentido, aponta sua percepção sobre a utilização desse
recurso:
[...] depois que eu conheci aqui a internet eu esqueci os livrinhos [...] Mas é muito
interessante as revistinhas de violão, e hoje o pessoal não está utilizando mais, né? O
pessoal está mais na internet e o Cifra Club é bom, mas é um problema, e eu já passei
por esse problema. Quando eu descobri o Cifra Club eu pegava uma música cifrada
aqui, olhava aqui, é bom demais, mas a gente acaba ficando preguiçoso, deixa de
estudar porque já tem pronto, aí um dia eu tava tocando e a cifra apagou e eu me
perdi, aí eu: “Opa, isso aí não está certo não, tenho que volta para o estudo”. (risos)
[...] a gente fica preguiçoso, porque a gente tem tudo pronto, aí eu ouvia uma música
aqui e isso aqui eu só ouvi, é só pegar alí uma cifra e tocar, eu não preciso decorar,
certo? Aí a gente fica com preguiça de ensaiar, porque pegar a música, ensaiar e
decorar, né? E quando a gente decora, faz com que a gente pegue aquela sequência e
quando vai para outra música (+) às vezes alguém diz assim: “Dá o tom de dó”, aí o
182
cara pega aquele tom e desenvolve o restante, né? Isso com estudo, aí quando a
gente só pega na cifra, a gente se perde nisso aí porque a gente fica só na cifra, a
gente não estuda mais (risos) aí a gente fica preguiçoso nesse sentido que eu falei
(JANILSON BRAGA, 2021).
[...] quando você quer se aprimorar e realmente quer trabalhar com a música, aí você
tem que procurar recursos mesmo, né? Então vem aí a importância de você ter ali o
seu material piloto, digamos assim, né? Para você desenvolver, porque por mais que
hoje em dia tenha a facilidade, digamos da internet, eu vou pegar uma música puta
complicada, né? [...] hoje em dia a gente tem essa facilidade, naquela época não tinha,
né? Ai o que é que acontece, o que é que adianta eu ir e pegar uma “harmoniazona”
dessa complicada se eu não tivesse a bagagem e eu não ter noção nenhuma do que
diabo é que se passava naquela harmonia, né? Então, eu acho que esse é o principal,
né? Do contexto musical que você vai pegar uma harmonia, por mais difícil que seja,
mas você sabe o que é que está fazendo, é diferente de você ir pegar uma harmonia,
você toca, toca bem, mas não sabe o que é que está ali dentro, né? Então essa é a
importância de você ter essa bagagem do conteúdo (REGINALDO FIALHO, 2021).
183
[...] Esses métodos funcionam mesmo, porque ele dá noção de distância entre os
dedos, ele fortalece os seus dedos, ele te dá mais segurança até para você, eh (+) ao
tocar a corda, você não confundir com a mão direita, né? Com a mão que está
executando, com a mão que está friccionando, você tem mais precisão na distância
das cordas também por conta desses exercícios, né? Didáticos, eh (+) um outro fator
também que eu poderia assim, eh, que eu poderia destacar, é o fato dos intervalos,
que a gente passa a ter uma outra visão do desenho das escalas, considerando que a
gente pode sair de uma nota e ir para outra um pouco mais distante, e fazer esses
intervalos que geram essas tensões, que geram essas coisas bonitas que a gente
escuta e de repente a gente se vê na possibilidade de fazer entre o dedo 1 e o dedo 4,
e depois entre o dedo 4 e o dedo 3, na outra corda em baixo, né? Então ali você já dá
uma sensação (começa a exemplificar) você já dá essa sensação (começa a tocar
novamente), né? Já gera algo que fica caracteristicamente, eh, marcante e que te dá
também, assim como os acordes, são desenhos, né? Esses intervalos também vão
gerando desenhos na sua cabeça e você vai a partir deles, vai tendo a oportunidade
de visualizar melhor, para pegar música, para improvisar, até para memorizar as
harmonias e os solos, né? (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Esta seção tem como objetivo evidenciar as maneiras utilizadas pelos violonistas para
estudar o violão. Desse modo, serão contemplados aspectos como: as horas despendidas no estudo
do instrumento, a utilização (ou não) de algum tipo de notação musical (partitura, tablatura), a rotina
de estudos, a sistematização e os tipos de conteúdo abordados. Luizito traz em seu relato alguns
elementos que denotam como acontecia a prática com o violão e como estas ocorrências
desemborcavam em situações de estudo e aprendizagem:
[...] eu não tinha a prática de parar para mim pegar uma música de ouvido, eu não
tinha, eu via algumas pessoas fazendo, eu fiz isso, conseguia, às vezes eu não
conseguia, faltava alguma coisa e eu ia tirar alguma coisa com um amigo, mas
praticamente a minha formação, foi olhar as pessoas tocando e quando alguém me
chamava para tocar, que aí foi a minha formação foi essa, as pessoas chegavam “Ei,
tu toca violão, eu preciso cantar um negócio ali, vamos tocar comigo” então a pessoa
me dava um repertório de 10, 15 músicas, dali eu passava a conhecer, tinha
conhecimento de mais 10 ou 15 músicas, então eram essas oportunidades, não
existiam nada de parar para estudar, mas vontade eu tinha, entenda, isso é muito
importante, eu tinha muita vontade cara, muita vontade, mas eu não sabia nem o que
estudar, eu não tinha a mínima ideia de como é que (+) do que procurar, entendeu?
Sabe quando você não tem uma pergunta a fazer? Eu não tinha perguntas a fazer em
relação à música, porque eu não sabia, eu não sabia nada, eu não tinha uma agenda
de estudo, eu não tinha nem noção de como é que eu poderia evoluir no violão, eu
não tinha nem noção, né? (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Apesar de ser notório na fala do violonista que a aprendizagem (e nesse caso, o estudo
do instrumento) ocorre nesse processo de interação social, em que as informações são alcançadas
nas situações que lhes são apresentadas, Luizito mostra concepções semelhantes aos outros
violonistas: o estudo não era tão representado nas suas práticas com o violão. Porém, quando se
escutam os violonistas, percebe-se elementos que evidenciam como o estudo do instrumento
acontecia. Luizito, por exemplo, ao mencionar que aprendia com base na construção do repertório,
não considerou, nesse primeiro momento, suas experiências no conservatório. O músico cita
rapidamente como aconteceram algumas dessas experiências; entretanto, não relaciona essas
experiências ao estudo do instrumento. O violonista destaca alguns exercícios técnicos que estudou
durante sua passagem pelo Conservatório de Música Alberto Nepomuceno. No relato a seguir, o
músico esclarece como acontecia esse estudo:
No que diz respeito ao estudo do instrumento, Luizito realizava exercícios técnicos nas
suas aulas no conservatório. Esses exercícios tinham como objetivo desenvolver a mobilidade da
mão esquerda. Apesar de ter vivenciado a experiência do conservatório, com a leitura de partituras,
Luizito afirma que o seu conhecimento sobre o violão advém principalmente da compreensão das
cifras. O músico explica:
[...] mas a minha formação musical ela se dá basicamente nas cifras cara, cifras, eh,
cifras foi tudo para mim, porque dali eu já tinha um mundo de informação, eu tinha o
nome da nota, eu tinha se ela era sustenida ou bemol, eu já sabia, eu tinha se era ela
com sétima, se o acorde era maior ou menor, se a sétima era maior, se existia uma sexta
eu já pegava aquele acorde com sexta, o desenho dele e já aplicava para todas as
outras realidades do violão, inclusive, mudando completamente o desenho do violão,
eu fazia uma diminuta, que a diminuta foi um dos últimos acordes que eu aprendi já
aos 16, 17 anos (toca um acorde diminuto) eu sabia que uma diminuta poderia ser
feita na região aqui por exemplo da segunda casa, mas eu posso ter essa mesma
diminuta na região da sétima casa, então mudava completamente o desenho, mas
tinha as mesmas notas, então a minha formação foi praticamente essa, de cifras
mesmo (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Após relatar que seu estudo com o instrumento volta-se mais para a prática com cifras,
o músico reafirma que não estudava violão; de acordo com o violonista, ele simplesmente tocava, e
não considerava aquilo estudo. Luizito diz: “eu tocava assim que eu acordava (risos) eu pegava o
violão, eu ia querer, né? Tocar algo novo, ou então algo que eu dormi ontem sabendo que eu
consegui, então ontem a noite eu toquei algo, hoje de manhã já acordei querendo fazer de novo,
né?” (LUIZITO MIGUEL, 2021). O contato com o violão, nesse caso, advém dos novos
conteúdos que o interessam ou das informações já aprendidas em situações anteriores. Luizito
destaca que a falta de estudo é ocasionada pela falta de orientação. Em outras palavras, o músico
186
muitas vezes se deparava com o fato de não saber o que estudar no instrumento. Apesar de
enxergar esse aspecto como um ponto a melhorar na sua formação, o músico destaca: “eu me
orgulho de ter passado por todo esse processo que eu passei sem internet, porque isso me
“maceteou” bastante” (LUIZITO MIGUEL, 2021). De acordo com o violonista, passar por esses
processos de incertezas em relação ao estudo contribuiu para que ele direcionasse seus esforços
para desenvolver sua sensibilidade como poeta e músico. O músico relata: “eu poderia nem ter
vivido isso se eu já tivesse aprendido assim de uma hora para outra através de um conteúdo de
aulas, sabe?” (LUIZITO MIGUEL, 2021). Nesse último relato, o violonista se refere às facilidades
trazidas pela internet ao possibilitar o acesso rápido e facilitado a informações em abundância; de
acordo com o músico, essa facilidade poderia privar o estudante de vivenciar processos valorosos.
Já foi discutido neste trabalho a importância da internet para o ensino e aprendizagem de música.
Porém, a fala de Luizito fez lembrar a do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, quando
destacou em uma palestra105 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em 2014,
que em uma enchente o primeiro elemento que falta é a água potável. Com tanta informação
compartilhada nas redes, é possível que algumas situações vivenciadas por Luizito e pelos demais
violonistas estejam menos evidentes.
É importante frisar que apesar do violonista afirmar que não tinha uma rotina de estudo,
o músico relata que possuía certa sistematização dos conteúdos que queria estudar. O próximo
fragmento esclarece:
[...] veja bem, eu não tinha dia certo, nem tempo certo para fazer, mas eu tinha a ideia
de estudar acordes menores com sétima, então eu estudava um acorde menor com
sétima em quatro ou cinco desenhos, em lugares diferentes, eu tinha esse interesse
mesmo, de fazer um sol menor com pestana, um sol menor com sétima com pestana,
um sol menor com sétima naquele formato mais da MPB, né? E eu tinha interesse de
fazer esse mesmo sol menor com sétima em outras regiões do braço, inclusive até as
sétimas e nonas que eu fazia, formando o acorde, partindo do formato principal,
então eu pegava essa sétima e nona e vinha aplicar ela aqui também, né? Eu vinha
aplicar a sexta, essas cadências também oh (mostra uma sequência de acordes com a
linha de baixo descendente) soava bem (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Assim como Luizito, Juca não tinha uma rotina de estudos definida. De acordo com o
músico, isso acontecia porque a música, para ele, era um hobby, de modo que naquele momento ele
nem pensava em trabalhar profissionalmente com música. Compreende-se que esses músicos
possuem comportamentos semelhantes aos identificados por Green (2002, p. 87), ao perceber que
os participantes da sua pesquisa realizavam a prática do instrumento contanto que gostassem.
O estudo de Janilson é semelhante aos processos identificados na fala de Luizito, ou
seja: o aprendizado do violão volta-se para o estudo das cifras e dos desenhos dos acordes. De
105
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=tvZBoV4o86Y Acesso em 18 Jan. 2022.
187
acordo com o músico, seu intuito era decorar os desenhos dos acordes para em seguida começar a
“tocar de ouvido”. Sobre o “tocar de ouvido”, Janilson descreve suas experiências nas aulas de
violão na igreja, onde passava determinado tempo estudando com o seu professor como “pegar
música de ouvido”. O relato a seguir detalha:
[...] ele botava lá o som para tocar e indicava o baixo, né? Ele dizia: “Janilson o baixo,
se liga no baixo, que é a nota mais fácil da gente escutar”. E aí, eu peguei essa ideia
do baixo, se o baixo é Fá o resto do acorde é Fá, ou Fá menor, aí vai testar, né? Ou
sétima, aí depois eu fui descobrindo, sétima maior, né? Eu vou testando e aí não dá
de acordo com aquilo que eu estou ouvindo, aí eu vou testando, até que (+), né? Já
com o tempo, a gente acaba acostumando (+) já hoje é diferente, a gente já escuta
aqui e já pega o acorde completo, né? De uma vez (risos) mas foi dessa forma que eu
comecei a pegar música de ouvido (JANILSON BRAGA, 2021).
Desse modo, a escuta intencional (GREEN, 2002), ou seja, aquela apreciação cujo
objetivo é aprender algo para ser executado logo em seguida, somada aos processos de
experimentação e tentativas e erros, direcionam o músico para um tipo de aprendizagem de
repertório. O que fica evidente na sua fala é que o tempo e a experiência contribuíram para
simplificar alguns processos, como, por exemplo, o número de vezes em que se testa possibilidades
na busca por um acorde ao tentar “pegar música de ouvido”. Reginaldo, por exemplo, complementa
essa reflexão adicionando que:
[...] Eu já estive vendo um amigo meu que foi estudar partitura e me mostrou como é
que era e eu disse assim: “Então, isso aí eu sei fazer tudinho mas não sei o que é”
(risos) a partitura, né? É tudo que a gente sabe fazer mas não sabe ler, porque não
estudou aquilo ali, então é isso aí, partitura eu nunca estudei (JANILSON BRAGA,
2021).
experiências semelhantes às de Janilson: o músico é capaz de realizar o que a partitura indica, mas
não sabe ler a notação e nem sabe se precisa aprender.
Na citação a seguir, o músico aponta uma situação onde o estudo do violão está
vinculado à construção do repertório:
[...] quando eu comecei tocar (+) passei a tocar para os amigos, nas calçadas, aquela
coisa, então alguém me apontava uma música e eu: “Hoje eu vou pegar essa música”,
então eu sentava lá e pegava música de ouvido, copiava a letra, cifrar, e depois
decorar e esquecer o papel, decorar, aí decorava tudinho. Então eu tirava o dia para
tocar, para pegar música, (e naquele mesmo dia) já começava a treinar, no outro dia eu
já ia tentando tocar sem olhar o papel, então eu só saia dali quando eu decorava
aquilo alí tudinho, agora só que, momentos antes, tinha o momento de praticar
exercícios e depois ia pegar música e depois ia para a calçada (risos) (JANILSON
BRAGA, 2021).
Percebe-se por esse comentário que há todo um processo envolvido nas ações do
violonista, sendo que é a partir do repertório indicado por amigos que o músico constrói as ações
específicas para estudar as músicas. Comportamentos semelhantes são identificados nos relatos de
Almir, quando descreve o processo de estudo de uma música a partir da utilização de um CD:
[...] Cara, é o processo de repetição, né? Eu colocava a música para ouvir ali, ouvia,
ouvia, ouvia, depois que decorava toda a música, no caso, no sentido de saber quais
partes, A, B, C da música e, né? E a letra também, então, aí você começa a partir do
conhecimento que você adquiriu da formação de acordes ali, começar a caçar, catar,
eu catava mesmo, colocava aqui o CD aqui, aí pronto, a primeira coisa que eu fazia,
tentar identificar o tom da música, a música está em Dó, “Opa, achei o tom aqui,
pronto, achei o tom”, então com base no campo harmônico que a gente já tinha, se
estava em Dó eu ia saber que aquela música ia caminhar para Lá menor, para Ré
menor, para Fá, para Sol, eu ia catando, caçando, buscando os acordes aqui, até
encontrar, às vezes encontrava um acorde difícil ali que não sabia, pulava, queimava
ele mesmo de boa e fazia o acorde “naturalzão” mesmo, tudo que fosse ali referente
dentro daquela cadência específica, né? E vai simbora, o processo era esse, tipo, era
de ouvir e o CD da música que você quer, descobrir o tom ali de ouvido e começar a
catar, catar, catar até conseguir, isso às vezes poderia levar um dia ou mais (risos)
para conseguir, às vezes eu gostava muito de ficar cifrando, né? A gente pegava uma
canetinha e um papel aqui e “Ah, tal canto aqui é um Lá menor e tal” aí ia e “Ah, aqui
é um Ré menor, aqui é um Sol com sétima, e tal” e assim eu ia, até conseguir fazer a
música todinha e tirar a música todinha e tocar, né? (ALMIR MARTINS, 2021).
processo de estudo dos violonistas colaboradores. O músico destaca: “o estudo que eu realmente
considero e eu até já falei em outras falas aí, é o fato de eu querer pegar aquela canção e aquilo me
estimular, então eu acredito que aquilo acaba sendo um estudo, né?” (ALMIR MARTINS, 2021).
Por esse motivo, para os violonistas foi muito difícil quantificar as horas que passavam com o
instrumento, já que a noção de tempo com o violão está mais vinculada ao tipo de repertório que se
quer aprender, e não a algo pré-definido. Almir diz o seguinte: “Para mim, estudar era pegar o
violão, me debruçar nele e tentar fazer os acordes que eu queria fazer para tocar uma música,
pronto, esse era o meu estudo, entendeu?” (ALMIR MARTINS, 2021). Imediatamente, seria
possível pensar que nessa perspectiva, em relação ao estudo do instrumento, não haveria mais
elementos a serem destacados. Entretanto, ao continuar discursando sobre o estudo com base no
repertório, o músico relata o seguinte:
[...] quanto mais tempo se passa com o instrumento, evidentemente que você vai
tendo um desenvolvimento, né? Que é o que muitas pessoas dizem [...] “Ah, eu
queria tanto aprender violão” Cara você quer mesmo? (Perguntando a si mesmo)
Porque exige (+) ter uma disponibilidade de tempo e energia para aquilo, né? O
processo de aprender o violão não vai acontecer por Osmose, você colocar ali o
violão no braço e sair tocando sem tentar executar acorde por acorde ali, devagar, aos
poucos, compreendendo e entendendo toda essa questão de (+) é motora de no
início você não conseguir fazer os acordes da forma que você quer (ALMIR
MARTINS, 2021).
Desse modo, nesse processo, é realizada toda uma sistematização das ações usadas
pelo músico para tocar, sendo a compreensão dos gestos um elemento presente no estudo do
violão. Em seguida o violonista detalha como foi o processo de estudo de acordes com pestana:
[...] Eu adaptava, fazia pestaninha, por exemplo, no Fá aqui, para fazer uma pestana
cheia, eu fazia um “fazinho” pequenininho que a gente coloca aqui os dois dedos
aqui segurando nas duas primeiras cordas, né? Para fazer o Fá aqui, pronto, eu não
conseguia fazer o Fá, mas, eu tinha a habilidade de fazer um “fazinho” pestaninha,
que eu aprendi observando um colega meu fazendo, “não macho, faço pestana não
que é difícil, faço o “fazinho aqui de guitarra” (risos) Entendeu? Então era essas
coisas que a gente ia pegando para poder ir desenvolvendo ao longo do tempo, e aí,
no processo natural de você tanto estudando e fazendo e a repetição, que vai
acontecendo nesse processo, você vai ganhando, né? A questão da força motriz, de
deslocar os acordes, de deslocar com habilidade maior e de criar um repertório de
acordo com aquilo que você estudou durante o longo da sua vida toda (ALMIR
MARTINS, 2021).
relações afetivas que possuiu com uma determinada música e as demandas que o trabalho impõe. O
músico detalha:
[...] o meu princípio é morrer de escutar ela [A música] (risos) até, digamos, eu estar
com o ouvido bem adaptado a ela e pelo gosto mesmo, né? Depois, aí sim, eu vou
trabalhar em cima de pegar ela e eu vou pela harmonia, né? E assim, acontece às
vezes de ter alguma dificuldade, de impor algum acorde ali, aí eu já pego a melodia pra
tentar casar com um acorde que vai vir aí a princípio. Às vezes nossa profissão, né?
Tem que pegar uma música e tal, né? Isso acontece muito, enfim, realmente é só você
chegar, sentar e já vai tentando tirar os acordes logo de cara, e automaticamente
quando você está tentando pegar, aí você também já vai absorvendo essa peça
musical, então é por isso que eu falei da primeira forma, né? Que eu disse “não,
primeiro uma música que agrade”, você pega logo a bagagem todinha dela, você
escuta porque gosta mesmo e tem o outro lado que você não, você já pega uma
música que você realmente tem que pegar, pelo trabalho, né? E você já de cara, vai
logo catando os acordes, vai procurando entender a harmonia, a forma como você
citou, e nessa parte você não assimila logo ela, né? Junto com o que você tá
pegando, você vai assimilando automaticamente (REGINALDO FIALHO, 2021).
verificou-se que os músicos concebem a construção do repertório como elemento motriz das ações
que constituem o estudo do instrumento. É através desse tópico que os violonistas reconhecem as
demandas a serem estudadas, e os tipos de conteúdo que querem abordar nas suas práticas.
Dentro do estudo do repertório encontram-se os subgrupos de assuntos que os
violonistas consideram importantes para o desenvolvimento do instrumento. Entre eles destaca-se a
apropriação sobre os conhecimentos dos acordes. Os violonistas despendem horas a fio para
decorarem as famílias dos acordes, quase sempre no âmbito dos acordes maiores, menores e
dominantes, assim como os principais desenhos e as estruturas e teorias que balizam a formação de
acordes.
No que diz respeito à escuta como elemento constituinte do estudo do instrumento,
verificou-se que essa é essencial e acompanha toda a trajetória de estudos dos músicos. Os
colaboradores relataram que possuem considerável dedicação à escuta do repertório proposto para
estudo. Essa apreciação é distribuída em três tipos: escuta atenta, escuta intencional e escuta livre
(GREEN, 2002). Dessa forma, os músicos somam a apreciação ao conhecimento das harmonias
das músicas para construir a aprendizagem do repertório proposto. Quando esses processos não
acontecem, os músicos utilizam outras maneiras de edificar o seu repertório, sendo elas: a utilização
de cifras, o uso de conhecimentos referente ao campo harmônico e a solicitação de informações a
outros músicos.
De acordo com Corrêa (2016, p. 29), “as dúvidas e os acertos são uma constante” no
processo de aprendizagem, sendo que o aprendente, nesse processo, passa considerável tempo a
sós com o instrumento. Seguindo tal perspectiva, observou-se que os músicos passavam grande
parte dos seus estudos sozinhos, sendo que nessas situações, encontravam-se com dúvidas e
dificuldades que, segundo os colaboradores, foram sanadas com o tempo. Apesar desse tempo
solitário com o instrumento, os músicos reafirmam que não sabem estipular quanto tempo passam
com o violão e que não delimitam o seu contato com o instrumento à uma rotina de estudos.
Portanto, compreende-se que o estudo do instrumento é realizado quando os
violonistas possuem algum tipo de demanda a exercitar: a música que um amigo indicou, um acorde
executado por outro violonista, uma melodia que escutou em uma determinada situação. E com
essas demandas surgem os novos elementos que serão estudados adiante e, nesse formato, os
músicos vão adquirindo novas técnicas e novos conhecimentos sobre o violão.
De acordo com Green (2002, p. 82), os músicos aprendem de várias maneiras: através
da escuta, da imitação e da observação. Dessa forma, atrelado às observações, os músicos
direcionam os seus olhares para as ações e gestos de músicos mais experientes, e nesse fluxo tentam
imitar tais expressões em práticas posteriores. Seguindo essas perspectivas, esta seção tem como
objetivo elencar os músicos nos quais os violonistas colaboradores se espelhavam, e como estes
músicos mais experientes contribuem para sua formação musical.
Janilson destacou três violonistas que, na sua visão, foram fundamentais para o seu
desenvolvimento enquanto instrumentista: Robson Miguel, Yamandú Costa e Marcos Kaiser. O
violonista comenta que o que o encantou foi a maneira de tocar desses músicos. A partir disso
tentou realizar algo semelhante na sua prática com o violão. O músico destaca:
[...] Então isso aí me influenciou bastante, eh::: a maneira de tocar, porque as pessoas
às vezes dizem que eu tenho uma maneira de tocar diferente, né? Que eu toco sempre
na igreja, muito, né? Na igreja, mais é na igreja. Então eu observo o que é diferente
dos outros que tocam, mas o que eu busco é ouvir eles, né? O Robson, e tento tirar
alguma coisinha, do estilo, acabo criando um estilo próprio, né? Ouvindo um,
ouvindo outro (JANILSON BRAGA, 2021).
[...] quando a gente passa a observar alguém, a gente passa a ter mais vontade, né?
De ter mais vontade de tocar, se a gente ficar só em casa, eu vou aprender, vou ficar
ensaiando (+) isso acaba ficando meio (+) a gente tem que mostrar tem que tocar para
alguém, ou tem que ver alguém tocando, e a família também ajuda, fica pedindo para
tocar, toca essa música, toca essa aí (falando como se fosse alguém da família
pedindo uma música) e acaba a gente pegando aquilo ali, tocando pro povo e vai
gostando cada vez mais, né? Vê que o povo tá gostando e (+) (risos) (JANILSON
BRAGA, 2021).
[...] Juca Viana, ele foi um dos fatores, para eu (+) não mudar o meu gosto musical,
mas direcionar o meu olhar para outros gostos musicais, no caso da MPB e tal, e até
a forma de tocar, sabe? A forma de executar também, eh, por exemplo, como eu lhe
disse que eu iniciei só pelo Pop Rock, mas assim, a gente conhecia uns poucos MPB,
mas que se passava muito vago, e isso começou a ser mais registrado quando eu vi o
Juquinha tocando, né? Que foi a primeira vez que eu vi o Juquinha tocando, inclusive
até na calçada da minha casa, por ele ser amigo de alguns colegas meus, e eu estava
com um violão na calçada e o Juquinha vinha passando e esse amigo chamou ele, aí
foi dali que o Juquinha começou a tocar, tocou uns MPB, inclusive uns Pop Rock
também, mas o que mais me marcou foi a forma como ele estava tocando MPB, aí foi
onde a minha orelha levantou (risos) aí aumentou a minha curiosidade, tanto o gosto
como a curiosidade, eu fui buscar, né? Aí foi onde eu comecei a inclinar mais para o
lado da MPB, né? Até mesmo deixando de lado um pouco o Pop Rock, e indo mais
para o lado da MPB, e depois fui descobrindo realmente (+) né nem descobrindo,
porque às vezes a gente na infância, como eu lhe disse que eu escutava muita música
na infância, mas assim, passava na nossa infância, mas era uma coisa muito vaga, aí
não, depois que eu fui conhecendo artistas da MPB lá do começo de 80, final de 70,
né? Que aí eu comecei a identificar, “poxa, aquela música que eu escutava tal época,
mas não sabia nem o que era”, e hoje eu já estou sabendo, então foi desse passo aí
né? (REGINALDO FIALHO, 2021).
[...] eu gosto muito do Djavan, pelo fato dele swingar bem as peças musicais dele,
né? Que é aí onde entra a questão da rítmica, né? Então eu me vejo muito por esse
lado, né? Onde você fazia ali uma harmonia bem elaborada, e ainda você jogar um
ritmo bem bacana em cima, então tudo isso é que me inspira, e foi onde eu tirei, quer
dizer, que eu tento tirar mais proveito das peças do Djavan (REGINALDO FIALHO,
2021).
Portanto, a observação dos pares contribui para que os músicos desenhem suas
formações, compilando o que acham mais conveniente para as suas próprias práticas. Luizito, por
exemplo, destaca que quando não sabia o que estudar, recorria a outros músicos, ou seja, passava a
observar músicos mais experientes com a intenção de identificar elementos nos quais ainda não tinha
domínio. A partir disso, surgiam novas demandas para sua prática enquanto violonista. Isso fica
evidente quando o músico diz: “a partir de contatos com pessoas do mundo da música, foi que, eh,
por exemplo, eu fiz composições, né?” (LUIZITO MIGUEL, 2021). Almir relata a seguinte
experiência:
[...] eu devo muito à observação que eu estive com essa galera, vendo eles tocarem,
né? Apreciando eles tocarem, vendo ali, ao mesmo tempo tirando dúvidas,
perguntando como é que se fazia, construindo aquele saber de forma oral, que é uma
coisa muito válida, né? eu via o mestre Luiz Ancioli que tocava na igreja tocando
violão, e a partir daí o meu despertar pelo violão começava a me indagar para ele
como é que ele fazia determinado acorde, infelizmente ele não sabia dizer qual acorde
era porque ele tocava de ouvido, mas ele mostrava “a posição é essa”, chamava de
posição, né? posição um, posição dois, posição três (risos), e assim, então, eh, mas
toda essa gama de conhecimento cara, ela vem da coletividade das pessoas com
quem você convive e são essas pessoas que vão de certa forma reger, eh, eu não sei
se seria essa a palavra certa, mas vai ter tudo a ver com o artista que você quer ser,
que você vai se tornar, que você vai (+) entendeu? Porque estas pessoas são pilar
fundamental que contribuíram de alguma forma (ALMIR MARTINS, 2021).
195
[...] eu escutei alguém dizendo assim: “Rapaz, esse rapaz tem condições de ir para a
noite”, aí aquilo foi despertando a ideia, aí comecei a tocar para os amigos, né? Aí foi
festinha de final de ano, e aí eu já comecei a ganhar uns “trocadinho” e aí fui me
interessando mais, né? Aí fui (+) onde fui parar nos restaurantes (risos) (JANILSON
BRAGA, 2021).
Dessa forma, os novos locais de atuação vão figurando na vida profissional do músico.
Janilson informa que é com base nesse trabalho que consegue adquirir alguns bens e a visibilidade
necessária para ser chamado para outros locais. O músico relata que foi durante o período em que
tocava em uma churrascaria que conseguiu comprar a sua moto. Janilson complementa: “de lá o
pessoal começaram a me ver, porque ali, é movimento, né? E dali, começaram a me levar para
recepção (+) de casamento, essas coisas, aniversários” (JANILSON BRAGA, 2021). Semelhante
a Juca, foi no repertório que Janilson teve de se empenhar para acompanhar as novas exigências
proporcionadas pelo trabalho. Entretanto, o músico destaca os ritmos da mão direita como os
elementos a serem desenvolvidos com as novas experiências. A partir disso, passou a estudar alguns
ritmos polifônicos, como o samba e a bossa nova.
Reginaldo, por outro lado, começou as suas atividades profissionais com aulas de
música em projetos sociais desenvolvidos pela prefeitura de Sobral-CE. Ele diz que não iniciou
“tocando na noite” por acreditar que seria necessário mais experiência em termos de vivências com
música. O violonista explica:
[...] eu tive que correr atrás de de, tanto da da prática, né? Do repertório, eu tive que
ampliar meu repertório, que assim, na verdade em relação à repertório, eu já tinha um
repertório já grande, né? Porque eu pegava mesmo, porque eu gostava, inclusive isso
já foi meio caminho andado, né? Mas eu tinha que aumentar meu repertório por causa
da demanda, né? E que com isso você sabe, você estudar um repertório, você tinha
que fazer valer, né? Você tinha que saber o que você estava fazendo, então tudo isso
também me puxou para o lado do ensino, né? Ops, desculpa, para o lado do
aprendizado, do estudar a teoria musical, de ter o conhecimento musical né? E tudo
isso principalmente porque foi na época em que eu comecei a ensinar, foi que
realmente eu tinha que ter o conhecimento musical pra mim passar minhas aulas, né?
(REGINALDO FIALHO, 2021).
197
[...] ser professor de música é ser diferente de músico da noite, né? Então eu aprendi
isso na prática mesmo, que eu precisava estudar a maneira como seria mais fácil para
o aluno entender, eu fazia um estudo sobre a minha didática, eu inventava coisas, eu
era considerado um bom professor, eu me empenhava mesmo e isso, praticamente
porque eu pensava a maneira como eu ia explicar, uma das coisas, frutos do meu
estudo, que é fruto do meu estudo, que eu uso até hoje, e que por onde eu passei foi
bom, foi eu ter associado o desenho dos acordes com desenhos mesmo, de uma
cadeira, o mi maior parece uma mesinha com uma cadeira, entendeu? O dó parece uma
escada, então são esses tipos de conceito que eu passei a adotar a partir de um
estudo, né? De uma preparação ali e, que foi aparecendo e facilitando a minha vida,
né? Foi isso (risos) (LUIZITO MIGUEL, 2021).
[...] foi a partir de 2005 que eu comecei a ganhar dinheiro, né? Ganhava dinheiro para
tocar, só que no início eu só tocava, eu não tocava e cantava, depois foi que eu
fiquei só solo, né? Fiquei, eu, voz e violão, mas sempre de 2005 até os dias de hoje,
sempre que eu toco na noite, ganho uma “michariazinha” (ALMIR MARTINS, 2021).
Ao relatar algumas experiências nesses espaços iniciais, Almir destaca uma situação que
não envolve diretamente a sua prática com o violão, mas que dimensiona vivências concretizadas
106
Disponível em: https://youtu.be/Yv-y-7lHj2w Acesso em 20 Jan. 2022.
198
nesses espaços. O músico menciona um episódio em que tocou e cantou pela primeira vez em uma
padaria. Nesse evento, o violonista relata que o nervosismo atrelado à inexperiência contribuiu para
que cantasse desafinado, fato que marcou sua trajetória como músico. Almir detalha:
[...] na vez que eu fui tocar e cantar, que eu passei um tempão frustrado nessa padaria
que foi o primeiro canto que eu toquei, eu cantei tão ruim Eltim, desafinado, que
assim, a galera (+) ficou todo mundo constrangido assim, de tão ruim e nervoso que
eu estava, que aí eu passei um tempão meio traumatizado com isso, dizendo que eu
não ia cantar mais e tal, e aí pronto, só que aí cara, é como sempre eu costumo dizer,
essas coisas se aprende fazendo, eu não tenho a melhor voz do mundo, mas todo
mundo tem voz, e quem tem voz pode cantar, e aí o que foi que eu fiz, eu comecei a
adequar a minha voz na tonalidade que eu cantava, a questão era que eu ficava
querendo cantar nos tons originais dos cantores, né? Eu descobri isso depois,
posteriormente, “Ah, então eu tenho que puxar para a minha tessitura”, né? Então foi
aí que eu comecei a ter um outro vislumbre (ALMIR MARTINS, 2021).
Ao afirmar que “essas coisas se aprende fazendo”, Almir fez lembrar rapidamente da
música “Feitio de oração” de Noel Rosa, pois em determinado trecho da letra encontra-se a
seguinte passagem: “Ninguém aprende samba no colégio”. Acredita-se que o samba pode e deve
ser aprendido no colégio. Entretanto, as concepções de Almir e Noel se aglutinam no sentido de
que a aprendizagem acontece em diferentes espaços, de modo que a atuação do músico é
potencializada pelas situações inesperadas que ocorrem em distintos eventos. Dessa maneira, o
músico aprende a ser músico não apenas em casa, estudando sozinho; aprende nas vivências
proporcionadas pela sua práxis enquanto ator social em um dado contexto.
Ao ser perguntado sobre as novas demandas que surgem no processo de atuação
profissional, Almir relata que além do estudo do repertório, que foi o aspecto mais destacado pelos
violonistas colaboradores, existe outra especificidade dentro do repertório a qual o músico deve
ficar atento. O instrumentista comenta que teve de se atentar para as músicas que são tidas como
standard, ou seja, um repertório recorrente nesses locais, que deve ser tocado:
público que está alí, e a música que você vai engatilhar para tocar naquilo ali, então
assim, o processo de aprendizado, ele fica contínuo, dentro da questão de pegar
repertório, renovar repertório, né? [...] quem trabalha com bar, você trabalha com o
cliente pedindo música, às vezes chega o papelzinho, aí se você não sabe
determinada música você coloca ali o papelzinho de lado, ou se você sabe tocar, você
toca, se você não toca você substitui por outra, você pede desculpa, enfim, fica a
critério de quem está tocando, enfim [...] (ALMIR MARTINS, 2021).
Esse relato é pertinente porque demonstra que o músico, além das competências
técnicas que deve desenvolver, precisa considerar todos os fatores externos que estão além da sua
prática, como o público, o espaço e a particularidade das situações. Também é válido considerar os
pedidos de músicas que os clientes solicitam ao instrumentista. Algumas situações exigem que o
músico se desdobre para atender as demandas de repertório, pois em muitas situações o músico
nunca tocou a música solicitada e se sente na necessidade de atender ao pedido, tanto do público,
quanto de cantores que acompanha; em alguns casos acaba contornando a situação tocando uma
outra música, em outros se arrisca a tocar com cifra de improviso, sem nunca ter escutado
determinado repertório. Dessa forma, essas novas ocorrências também figuram como colaborativas
para a formação de Almir, e se concretizam a partir do momento em que o violonista adentra em
experiências no âmbito profissional.
Após anos de experiência tocando profissionalmente, os músicos possuem certos
“macetes” em relação às suas práticas que certamente fazem com que tenham outras percepções
sobre a aprendizagem do violão. Assim, buscou-se identificar nas falas dos violonistas
colaboradores quais experiências, ou conteúdos, acreditam que devam ser mais priorizados na
aprendizagem do violão, levando em consideração suas atuações como profissionais.
Janilson foi bem incisivo em sua resposta ao alegar que tanto a parte teórica quanto a
prática devem ser priorizadas. Porém, para “quem precisa trabalhar logo”, é na parte prática que
tem de se dedicar bastante. Entende-se da fala do músico que a parte teórica a qual se refere diz
respeito a assuntos como: intervalos, acidentes, escalas, campo harmônico. Já ao tratar da parte
prática, acredita-se que o músico está diretamente se referindo ao repertório. Infere-se que o
violonista realiza uma dissociação entre teoria e prática, de modo que essa última tem maior valor
para as situações do âmbito profissional. Ao relatar uma experiência com aulas de violão, o
instrumentista destaca que já tomou conhecimento de alguns espaços na cidade de Sobral-CE que
priorizam desproporcionalmente aulas que envolvem mais a teoria em si do que a execução do
instrumento. Ao relatar a sua discordância com esse tipo de abordagem, o músico fez lembrar de
Hallam (1998, apud HARDER, p. 134, 2008) quando:
Nesse sentido, Janilson destaca que em uma aula particular de violão, por exemplo, a
aprendizagem com o instrumento acontece de maneira gradativa. Isso porque tanto os conteúdos
quanto a configuração das aulas são acordados pelas duas partes (professor e aluno). Isso
corrobora o que Requião (2001) elucida quando relata que a aula particular é aquela em que
professor e aluno possuem uma proximidade mais dinâmica, visto que definem juntos o local, a
carga horária e o preço das aulas. Janilson destaca a importância de desenvolver a parte técnica;
porém, na mesma sentença diz o seguinte: “eu acho o seguinte, tem que priorizar para tocar, a
técnica, e a teoria, se você quiser ser professor, aí você prioriza a teoria” (JANILSON BRAGA,
2021). Nesse sentido, entende-se que o músico vincula aspectos teóricos do estudo de música à
prática docente. Por fim, o violonista acrescenta:
[...] a questão mesmo de ritmos e de acordes, né? Porque hoje, as músicas hoje, são
diferentes, antigamente era umas “musicazinha” Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, hoje já
vem dó com nona, dó com sétima, sétima maior, quarta e nona, essas coisas, sétima e
nona, então, eu acho que tem que priorizar essa parte, essa questão aí de formação
de acordes, certo? A formação de acordes é muito importante, porque vai precisar, se
for pegar música de ouvido e não tiver formação de acordes, vai sofrer (risos)
(JANILSON BRAGA, 2021).
[...] no meu caso, hoje em dia eu gosto muito de tocar uma música eh (+) tipo eu
fazendo a harmonia [...] Principalmente hoje em dia eu gosto muito de ali, pegar a
harmonia, treinando só comigo, né? De pegar a harmonia e estar tocando a melodia
também junto, embora eu não vá fazer isso no meu trabalho da noite, né? Então a
forma deu pegar música, eu estou priorizando hoje em dia isso, que eu vejo assim, de
repente um acorde passar batido, se você fazer ali a melodia, fazendo ali a melodia, ela
vai sem querer lhe ajudar a empregar um acorde ali que poderia estar faltando, né?
Então é isso que eu estou priorizando mais hoje em dia (REGINALDO FIALHO,
2021).
201
Sobre tocar a harmonia simultaneamente com a melodia, pode-se acrescentar que essa
é uma prática mencionada por quase todos os violonistas. Juca, por exemplo, constrói seus arranjos
conforme a disposição dos acordes no braço do violão. Por outro lado, Janilson, observando o
violonista Robson Miguel, relata que aprendeu a “solar nos acordes”. Todos esses episódios são
considerados, no presente trabalho, como composições de arranjos para violão. Tendo em vista que
uma parte deste trabalho já foi dedicada a apresentar as formas como Juca constrói seus arranjos,
acredita-se que não há necessidade de acrescentar novas descrições. Porém, é importante
considerar que esses músicos possuem criações de arranjos semelhantes, ou seja, são compostas de
acordo com a disposição dos acordes. Dessa maneira, empregam as melodias com base na
localização do acorde no braço do instrumento. Apesar de Reginaldo mencionar que não utiliza esse
recurso em seus trabalhos, durante o processo de observação do músico foram identificadas
situações semelhantes às descritas no relato acima. Na concepção de Reginaldo, o hábito de
construir esses arranjos colabora para que o músico possua uma compreensão mais intensa do
repertório, afinal de contas, nesse caso, o músico é desafiado a tocar tanto a melodia quanto a
harmonia, o que resulta em maior conhecimento sobre as possibilidades do violão.
Luizito foi mais detalhista ao apontar o dedilhado (nesse caso, o músico se refere aos
arpeggios da mão direita) como um dos elementos que devem ser priorizados no estudo do
instrumento. Luizito detalha:
[...] Mas eu acho que o dedilhado, é um dos conteúdos mais ricos que o violão
oferece, porque ele é encantador, você fica encantado porque você percebe nota por
nota e às vezes a combinação dessas notas tocadas juntas em acordes e
separadamente, nota por nota, isso é que causa a sensação, na minha opinião, a
sensação mais forte que o violão oferece, né? Porque veja bem, quando você toca o
violão com ritmo, você está imitando praticamente o que uma bateria faz, né? E tal,
mas o dedilhado, ele é único do violão, o dedilhado ele tem (+) então eu acho que
você dominar os bordões com o polegar, né? E colocar separadamente o indicador
para a terceira corda, o médio para a segunda corda e o anelar para a terceira, e você
criar esse condicionamento, também incluindo o dedo mindinho alí, que eu também
uso, o dedo mindinho, no início eu usava muito mais, mas quando você trabalha o
dedilhado, você já tem possibilidades incríveis de se tornar um violonista, né? Não
simplesmente tocar um violão, mas para se tornar um violonista você tem que
dominar bem essa questão do dedilhado, então, na minha opinião é o dedilhado e a
formação dos acordes, porque você entende como é que (+) quando você entende a
formação de um acorde, você pode formar o seu acorde, né? A partir da leitura que
você faz e você pode rearmonizar também, que é uma questão muito legal também
(LUIZITO MIGUEL, 2021).
[...] existe a escala cromática e o desenho que eu faço lá na primeira casa com o Mi,
eu vou reproduzir na casa seguinte virando o Fá, eu imitando a pestana do violão
que é essa pecinha branca, né? Então quando eu digo para o aluno que essa peça
202
aqui é a pestana, eu abro a mente dele, assim como eu abri a minha, que eu vi que na
verdade o meu dedo ele está imitando aquela peça, então a escala cromática, o
desenho dos acordes em sequência é muito bom para raciocinar (LUIZITO MIGUEL,
2021).
[...] falta de conhecimentos até mesmo como escalas menores, né? Qual a diferença
de uma escala para outra, e também, eu acho que me faltou também muitas vivências
com os músicos, faltou muito, eu só tive uma oportunidade na minha vida, que era
uma vez por mês eu me encontrava com uma galera para falar sobre como ser
professor, eu não tinha, além disso eu não tive convivência nenhuma com músicos,
até eu ter a iniciativa, aos meus 29 anos de procurar compor, né? Aí, ali eu já estava
mais no meio, eu já estava mais inserido, né? No meio da galera. Mas essa falta de
vivência com outros músicos também, eu sinto muito (LUIZITO MIGUEL, 2021).
Assim como Almir, Luizito destaca a falta de intimidade com as escalas. Entretanto,
destaca outro elemento: a interatividade com outros músicos da cidade. Janilson, além de mencionar
o prévio conhecimento sobre as escalas, explica que gostaria de saber mais sobre as escalas
pentatônicas (escalas formadas por 5 notas), pois “isso faz falta, bastante, na questão da
improvisação, né? Questão de improvisação utiliza muito elas” (JANILSON BRAGA, 2021).
Este texto apresentará as opiniões dos violonistas sobre possíveis contribuições da atuação
profissional para seu desenvolvimento. Além disso, os músicos apresentarão, levando em
consideração suas experiências profissionais, as competências necessárias para atuar como
violonistas no âmbito da cidade de Sobral-CE.
Juca traz opiniões controversas em relação aos outros músicos. De acordo com o
violonista, “Tocar na noite” contribui pouco para o seu desenvolvimento perante o instrumento. Isso
acontece porque, de acordo com o músico, nos espaços em que a prática é desenvolvida é
importante que o repertório esteja adequado ao gosto popular. Em outras palavras, isso quer dizer
que muitas vezes o músico quis inserir um repertório de construção harmônica mais elaborada,
porém, como a demanda requer outros tipos de música, sempre permanece tocando um repertório
que não o desafia tecnicamente. De certa maneira, essa visão lembra as concepções de Almir ao
tratar do repertório como fonte de desenvolvimento violonístico: se há um considerável tempo
tocando sempre os mesmos tipos de acordes, ou as mesmas progressões harmônicas, o
desenvolvimento no instrumento pode ficar limitado. Por outro lado, Janilson diz o seguinte:
Contribuiu bastante porque eu tive que praticar mais, né? Antes eu pegava só para
tocar em casa, mas quando eu passei a trabalhar com a música, aí tive que me dedicar
mais naquele contexto ali, naquele repertório, ouvir mais, observar mais os músicos
tocando, ver como é que eles estão fazendo, tentar fazer um pouquinho diferente, ou
parecido (risos) eu sempre observo os melhores violonistas, aí eu tento ficar parecido
com ele para ficar diferentes dos outros (risos) é uma técnica (risos) é desse jeito, não
tem estudo, mas tem a técnica, a força, né? (risos) (JANILSON BRAGA, 2021).
[...] quando eu comecei a ver músicos atuando, eu vi muitos músicos bons, né? E não
é assim, não é que sejam bom e eu sou pior, e assim entre aspas, para mim ser bom
também não é chegar ao nível deles, né? Mas é o que? É você está seguro para levar
um trabalho legal, né? Então foi nesse aspecto, né? Que a noite contribuiu para mim
tocar bem o violão, né? Que eu queria levar uma boa apresentação para a noite, então
isso me estimulou também para mim desenvolver, para mim parar, para estudar mais e
pensar mais na parte, digamos, prática e execução do violão, né? E assim, a questão
da experiência musical, por mais que você tenha já um bom conhecimento, já tenha
um bom repertório, já tenha um bom domínio do violão, mas quando você entra na
noite, é outra escola, né? É essa a experiência que eu trago, porque, por mais que
você inicie na noite, você vai conhecer um público, o público vai lhe conhecer, e daí a
outra experiência é porque na noite mesmo é que você vai fortalecendo a sua
característica, né? Então, essa foi a minha experiência, né? Depois que eu adentrei
mesmo pro profissional, está certo? (REGINALDO FIALHO, 2021).
204
Nessa fala há alguns aspectos que evidenciam a importância da prática profissional para
a formação do violonista. Primeiro, certamente, é no âmbito profissional que o músico tende a ter
maior contato com outros violonistas que atuam profissionalmente na cidade, o que contribui para o
estabelecimento de “modelos” que o direcionam para práticas condizentes com suas escolhas
profissionais. Segundo, “tocar na noite” desenvolve nos músicos um senso de responsabilidade e
competências, ou seja, os músicos assumem que sua música é um tipo de serviço; entendida assim,
deve ser oferecida ao público da melhor forma possível. Isso corrobora o que Salazar (2015, p. 23)
diz quando afirma que os músicos, assim como os cozinheiros, estão vendendo serviços. Portanto, a
música, enquanto produto, deve possuir a melhor qualidade possível. Bons equipamentos, uma
rotina regular de ensaios e entrosamento são recursos que facilitam a elaboração de um trabalho tido
como bem feito. O terceiro ponto diz respeito a “quando o músico entra na noite”. Concorda-se
com Reginaldo quando destaca que por mais que se estude, que se tenha domínio técnico no
instrumento, é necessário que o músico passe pela escola que é “tocar na noite”, pois é nesse
espaço que as “situações de performances públicas” (PRASS, 1998; SANDRONI, 2000) se
concretizam. Almir, ao relatar sua percepção sobre possíveis contribuições da atividade profissional
para o seu desenvolvimento enquanto violonista, destaca que trabalhar com música é o elemento
que o faz possuir maior contato com o violão. O violonista relata:
[...] o fato de trabalhar com ela [com música] possibilitou, né? Estudar mais, pelo fato
de você está ali constantemente tocando, praticamente, três, quatro vezes por
semana, né? Como você sabe como é que é a rotina da gente que toca na noite, e a
questão de você, pelo fato de estar trabalhando como profissional, se preocupar em
estar com o repertório atualizado, né? E de contrapartida, eu tive muita sorte também,
porque ao mesmo tempo em que eu comecei a viver integralmente da música aqui em
Sobral, eu também estava fazendo a universidade, então eu estava ali, né? Com tudo
ao meu dispor, para melhorar mais, cada vez mais, o meu processo de aprendizado,
entende Eltim? Pronto, é isso aí (ALMIR MARTINS, 2021).
A fala de Almir faz pensar que a atuação dos violonistas figura como o próprio estudo
do instrumento. Dito de outra forma, pode-se pensar que durante todo o diálogo desenvolvido com
os colaboradores, foram recorrentes os momentos em que esses mencionaram a falta de uma rotina
de estudo, assim como o desconhecimento do tempo dedicado ao instrumento diariamente.
Entretanto, fazendo uma reflexão sobre o discurso de Almir, pode-se perceber que é na atuação
que o músico passa a ter uma rotina de contato com o instrumento (de três a quatro dias por
semana, como relatado por ele mesmo), e é no momento da atuação profissional que surgem as
demandas do que precisa ser estudado pelo violonista (o repertório).
Já ao ser perguntado sobre quais as competências que, na sua visão, seriam necessárias
para atuar como violonista em Sobral-CE, Almir enfatiza a importância de um vasto repertório que
205
atende a diversas demandas impulsionadas pela atuação profissional. Entretanto, o músico também
cita que atrelado às questões musicais é importante que os músicos tenham posse de sua própria
aparelhagem de som:
[...] ter seu equipamento próprio é fundamental, porque o conceito de músico, ele não
parte só da questão de você tocar e cantar, né? Ele parte do equipamento que você
utiliza, do violão que você utiliza, das caixas de som que você leva para o show,
então é imprescindível você ter esse equipamento para você tocar na noite, né?
(ALMIR MARTINS, 2021).
[...] Eu acho que todo violonista tem que ter esse conhecimento de funções
harmônicas, para criar seus arranjos, para rearmonizar, para fazer do seu jeito, né?
Enfim, eu acho que existem padrões, né? Tem os clichês que todo mundo ama, né? De
ver um cara fazendo, tem umas coisas tão incríveis que você não sabe nem como é
que o cara fez, nem entende como é que o cara está fazendo aquilo ali, mas são essas
técnicas aí (LUIZITO MIGUEL, 2021).
7 CONCLUSÃO
O objetivo geral deste trabalho foi compreender os processos que marcam a formação
musical em múltiplos contextos de violonistas profissionais e semiprofissionais no âmbito da cidade
de Sobral-CE. Para essa empreitada, tomou-se como objetivos específicos: analisar como se dão
as situações nas quais violonistas profissionais e semiprofissionais desenvolvem as suas habilidades;
identificar os contextos de formação de violonistas profissionais e semiprofissionais; identificar os
contextos de atuação de violonistas profissionais e semiprofissionais em Sobral-CE e analisar os
processos de aprendizagem voltados para o desenvolvimento violonístico desses músicos.
Tinha-se como ideia inicial desvelar como cada categoria (família, amigos, colegas,
recursos tecnológicos, materiais didáticos e espaços de atuação), discutida pela literatura que versa
sobre a formação do músico, colabora para edificar a formação de violonistas no contexto de
Sobral-CE. Nesse formato, esperava-se encontrar elementos particulares de cada categoria e
evidenciá-los mediante a discussão com base na literatura vigente. Entretanto, com a imersão nos
dados construídos com os violonistas colaboradores, percebeu-se que, mais do que elementos
particulares, há uma relação dinamicamente construída entre essas categorias. Dessa forma,
passou-se a visualizar o processo formativo dos violonistas como um continuum e não como um
aglutinamento de categorias estanques.
Foi com os músicos Juca Viana, Janilson Braga, Reginaldo Fialho, Luizito Miguel e
Almir Martins que a concepção de formação de violonistas foi ganhando novos horizontes. Esses
violonistas trazem em suas bagagens experiências diversificadas que se estendem desde vivências
com aulas de violão em um centro de acolhimento de menores infratores até experiências discentes
em um curso de licenciatura em música. Não apenas isso, mas esses colaboradores possuem largo
historial quando se tratam de experiências constantes em distintos espaços. Em síntese, atuam como
instrumentistas, cantores, compositores e professores. Todos passaram por experiências
semelhantes, porém, mergulhando em seus discursos, pode-se verificar a particularidade que cada
vivência traz para a formação de cada um desses violonistas.
Durante todo o processo de construção dos dados, os violonistas colaboradores
favoreceram o acesso à quaisquer informações que ajudassem a edificar as análises. Esses
instrumentistas foram atenciosos no que diz respeito às demandas da pesquisa. As suas respectivas
residências foram “os palcos” onde as elucidações referentes à formação de violonistas em
Sobral-CE foram se constituindo. Seguindo essas perspectivas, os cuidados em relação às questões
éticas tiveram de ser minuciosamente detalhados e apresentados aos colaboradores.
208
Assim, foi utilizado o estudo de caso como estratégia para compreender holisticamente
cada trajetória percorrida pelos colaboradores da pesquisa. Os percursos que marcam a trajetória
de construção dos dados foram os seguintes: Survey com violonistas na cidade de Sobral-CE -
usado para “conhecer o campo”, as primeiras informações que constituem a formação de músicos
na cidade, obter um panorama geral sobre as habilidades e conhecimentos que envolvem a prática
com o violão e a escolha dos violonistas colaboradores da presente pesquisa; observação direta -
quando os locais de atuação dos violonistas colaboradores foram visitados, com o intuito de
compreender como as habilidades e conhecimentos se concretizam na prática; entrevistas
qualitativas - momento crucial para a pesquisa, em que o intuito era evidenciar as percepções dos
músicos sobre seus processos formativos e colocá-los em diálogo com a visão de formação que
baliza o presente trabalho; análise documental - quando recolheu-se os materiais didáticos
fornecidos pelos colaboradores e teceu-se inferências sobre como esses documentos se relacionam
com a formação dos músicos.
No que diz respeito aos principais autores que embasam a pesquisa, pode-se
mencionar os nomes de Ferry (1997), que fornece o aporte teórico sobre o conceito de formação,
e Green (2002), que apresentou as principais características e processos que marcam a formação
dos músicos populares. A formação, segundo Ferry (1997), do ponto de vista psicossociológico,
diz respeito às formas que o indivíduo encontra para assumir diferentes configurações para exercer
uma atividade, seja profissional ou pessoal. Nessa perspectiva, o indivíduo é um ser totalmente
imbuído de criticismo, no que diz respeito às ações que envolvem o desenvolvimento de habilidades
e conhecimentos. Em outras palavras e transplantando para o contexto da pesquisa, formar-se, na
perspectiva de Ferry (1997), diz respeito ao momento no qual o violonista filtra determinadas
informações para se adequar às situações que lhes são apresentadas pelos contextos em que está
inserido. Por isso a perspectiva de formação é pertinente para o campo da Educação Musical, pois
parte da ótica de que o aprendente deve possuir protagonismo em suas ações formativas, e não
deve ser apenas um receptor de conteúdos e informações. O presente trabalho traz as figuras dos
violonistas como seres imbuídos de ações protagonistas no que diz respeito aos seus processos
formativos. Essa relação foi evidenciada ao longo do trabalho, na medida em que mostrou-se que os
músicos angariam informações de diferentes contextos e as utilizam de distintas formas, conforme as
percepções que obtém sobre esses conhecimentos.
Como se concretizam, então, os processos que marcam a formação musical em
múltiplos contextos de violonistas profissionais e semiprofissionais no âmbito da cidade de
Sobral-CE? São concebidos desde o ambiente familiar até as primeiras vivências no âmbito
profissional. Ao tratar da formação de violonistas, não se pode determinar esse aspecto partindo
209
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➢ Por favor, diga seu Nome completo, idade e tempo de carreira na música;
➢ Conte-me como surgiu o seu interesse pela música e a idade que você tinha nessa iniciação;
➢ De onde vem o seu interesse pelo violão e como ele se tornou o seu instrumento principal?;
➢ Na fase inicial, quais experiências você considera possuir que o fez desenvolver como
violonista?;
➢ Você é o único músico da família?;
➢ Como é a relação da sua família com a música?;
➢ Fale sobre o posicionamento da sua família em relação às suas atividades musicais. Havia
impedimentos? Você tinha apoio?;
➢ De onde veio e como você conseguiu as primeiras informações que você utilizou para tocar
violão?;
➢ Descreva a sua trajetória formativo-musical no que diz respeito ao estudo do violão, escolas
especializadas, festivais, cursos, aulas particulares e troca de experiências com outras pessoas;
➢ Utilizou em suas horas de estudo recursos como CD's, DVD's, vídeo aulas, gravações? Se
sim, como você relaciona tais recursos com sua aprendizagem no instrumento? Como acontecia?;
➢ Utilizou algum material didático para complementar sua formação como violonista? Se sim,
quais? E qual a sua percepção sobre tais recursos?;
➢ Você iniciou seu estudo através de partituras? ou “Tocava de ouvido” juntamente com cifras
e tablaturas? Ou estudava com base em todos estes componentes juntos? Comente sobre estes
aspectos;
➢ Quantas horas você costumava estudar por dia?;
➢ Possuía alguma rotina de estudos? Se sim, descreva;
➢ Havia alguma sistematização no que diz respeito à sua aprendizagem do instrumento?;
➢ O que você priorizava, em termos de conteúdos, no aprendizado do violão? E como fazia
para desenvolver/aprender tais conteúdos?;
➢ Você possui alguma influência (músico da cidade ou do cenário nacional) que tenha
contribuído para a sua formação como violonista?;
➢ Acredita que a troca de experiências com outros músicos, assim como amigos e familiares,
contribui para sua formação? Se sim, como?;
➢ Houve desafios enfrentados por você para se tornar violonista? Se sim, quais? E como
conseguiu resolvê-los?;
➢ Em que momento você começou a ganhar dinheiro com suas atividades musicais?;
➢ Quais os espaços iniciais onde você começou a atuar?;
237
➢ Você precisou estudar mais para as novas demandas de atuação? Se sim, o quê e de que
forma?;
➢ Quais as estratégias que você utiliza para memorizar uma música nova?;
➢ Na sua opinião, o que deve ser mais priorizado na aprendizagem do violão? Saber ler
partitura? Desenvolver a técnica violonística? Comente;
➢ Como você desenvolveu sua consciência harmônica? Ou seja, o conhecimento sobre
acordes, a transposição de harmonias para outras tonalidades, fale sobre esses processos;
➢ Você costuma fazer arranjos para violão solo? Se sim, comente sobre esse processo;
➢ Normalmente o que você faz quando não conhece uma música mas tem que acompanhar?;
➢ Como você fez para desenvolver sua técnica violonística? Ou seja, os ritmos na mão direita
e a técnica na mão esquerda. Comente;
➢ Como você faz para “tirar música de ouvido”?;
➢ Como você lida com o erro? Você sente nervosismo ao tocar?;
➢ Você possui composições feitas para violão?;
➢ Em sua atuação como músico, você sente falta de algum aspecto que faltou na sua formação
musical?;
➢ Em sua opinião, a atuação profissional contribuiu para a sua atividade como violonista? Se
sim, de que maneira? Fale um pouco sobre sua experiência como músico profissional;
➢ Na sua opinião, quais as competências necessárias para atuar como violonista em
Sobral-CE?
➢ Atualmente você possui alguma organização no que diz respeito aos estudos do
instrumento? Se sim, quais são as principais estratégias utilizadas por você para dar continuidade a
tais estudos?
➢ Como você dá continuidade à sua formação/carreira de violonista em um contexto de
pandemia?
➢ Que violonistas da cidade de Sobral-CE, você aconselha conhecer e escutar?;
➢ Quais as principais dificuldades que você visualiza na formação dos violonistas da nossa
região?
❖ Experiências docentes
238
1. Então, boa noite, eu vou entrevistar o músico Juca Viana, e eu vou começar a entrevista.
Juca, como você já percebeu, eu já lhe expliquei como é que vai funcionar a entrevista, e
também já lhe dei os documentos do termo de consentimento para você assinar e gostaria
de lhe dizer que qualquer dúvida que você tiver durante o decorrer da pesquisa, ou
posteriormente, você pode entrar em contato comigo, que eu fico à sua disposição. Como é
que eu pensei, primeiro eu vou fazer a temática de dados gerais de você, e depois as
experiências iniciais com música e com o violão, certo? Juca, por favor, me diga seu nome
completo, sua profissão, escolaridade, idade e tempo de carreira na música, por favor:
- Meu nome completo é Francisco Jeová Anselmo Viana, eu tenho 46 anos, e comecei a tocar (+)
eu ganhei um violão do meu pai quando eu tinha 13 anos de idade, aí com uns 16 eu comecei a
tocar na igreja, e depois quando eu completei uns 20 por aí, eu comecei a tocar na noite. Comecei a
tocar lá no Cícero’s, que era antigamente a Beth’s, no Beco do Cotovelo. Tocava lá, e tinha outros
restaurantes que tavam começando a fazer música ao vivo, que eu comecei a tocar também. E
naquela época, era muito pouco, assim, a música ao vivo, quase não tinha ninguém, assim que
tocava não. Existiam, eh:: grupo de serestas, mas assim, esse estilo, MPB, não. Não tinha assim,
ATÉ TINHA, tinha um grupo chamado (+) até do Rosálio né? Rosálio Martins, que ele fazia ainda
um estilo né? Teve outras pessoas, antes de mim né? Teve o Rosalvo, né? bem antes né?(risos)
que infelizmente ele se foi né? Ele faleceu, e tinha, eh:: Aí, lá na Beth’s, assim, que tocava, aqui de
Sobral, na Beth’s, era só eu e o Fernando Solon, não tinha outro não, que fazia esse estilo de
música né? eh:: e o que mais que eu poderia falar? A gente fazia lá no beco e é isso.
2. Juca, você já citou essa iniciação, mas você poderia falar um pouco mais como surgiu o
seu interesse pela música e a idade que você tinha nessa iniciação?
240
- O meu interesse pela música surgiu (pensando) (+) eu acho que meu pai percebeu, né? que eu
tinha aptidão pra música, antes dos meus 13 anos, quando eu tinha uns 10 anos, e a minha irmã
ganhou um pianinho de brinquedo, né? E eu já tirava de ouvido as músicas no piano, ela nunca se
interessou e eu já tirava de ouvido, qualquer música eu tirava. E foi quando eu me interessei, talvez
eu tivesse uns 10 anos, mais ou menos, aí, como eu disse, com 13 anos meu pai me deu um violão,
aí eu comecei a aprender, a tomar gosto, comecei ah ah ah, tive aulas né? Com o Lucinho, que é o
Lúcio né? Que foi meu professor, mas eu passei ainda, passei pouco tempo, passei uns (pensando)
(+) acho que não passei uns dois meses não, na aula não. Aí eu fiquei aprendendo sozinho em casa
mesmo, sou praticamente autodidata (+) e pronto, aí foi até hoje né? Depois entrei pra Igreja né?
Com 16 anos eu comecei a tocar, entrei pra renovação, e tocava todo domingo na missa, na igreja
da Sé, na missa de 18:30. Passei dos meus 16 anos até:: (pensando) passei uns (+) mais ou menos
quatro, três a quatro anos tocando, todo domingo na igreja, na missa de 18:30, na Sé.
3. Juca, e assim, de onde você acha que vem o seu interesse pelo violão?
- Eu acho (pensando) que eu sempre tive uma aptidão pra música (+) sempre tive assim, uma
aptidão pra arte em geral, né? Meu pai sempre me incentivou, eh:: assim, eu gostava de desenhar
quando eu era criança, né? Gostava de desenhar e sempre tive uma aptidão pra arte. E assim, como
eu falei né? Meu pai me deu um violão e fui desenvolvendo, né? Eu sempre gostei né? De de de
arte e principalmente de música, e quando ele me deu o violão, eu fui desenvolvendo aos poucos,
né? Eu já gostava e eu acho que é isso que faz a gente desenvolver, né? Quando a gente gosta de
uma coisa, tem aquela paixão, é o que faz a gente eh eh ter o gosto de pegar o violão, pegar um
instrumento e gostar, né? De tocar, gostar do instrumento em si e da música e da arte.
4. Nessa fase inicial, quais experiências você considera possuir que o fez desenvolver
como violonista?
- Que me fez desenvolver durante a minha fase inicial (indagando), o que me fez desenvolver, né?
(+) Eu acho que foi mesmo só o gosto mesmo pela arte, assim, o gosto pela música, assim, o meu
pai também me incentivou muito, ele comprava, ele gravava fitas, antigamente na minha época era
aquelas fitas k7, né? Ele gravava várias fitas, ele escutava muita música, e essas fitas que ele gravava
ia de vários estilos, ia desde de de da bossa nova, a a músicas, aquelas clássicas antigas, eh eh eh
Beatles, eh:::: o que é que eu poderia dizer mais? (perguntando a si mesmo) músicas, ele tem (+) o
meu pai modeste a parte, nós têm um bom gosto, né? Musical, e eu escutava, e também, assim, o
que me incentivou também, foi na época que eu andava lá pela Beth’s, né? Antes de eu começar a
tocar, andava lá pela Beth’s, né? No Beco do Cotovelo, que hoje em dia é o Cícero's, né?
241
Cícero's, restaurante, e lá eu via gente lá, tocando lá, os caras de fora, eh:: muita gente de Fortaleza,
os caras bons tocando lá, e me fez, assim, criar o gosto musical que eu tenho, né? O bom gosto,
né? Naquela época eu era muito novo, né? E gostava mais era de um “rockzinho”, músicazinha
mais popular, mas isso me fez (+) abriu outros horizontes pra mim, né? Por exemplo, da bossa
nova, lá (+) eles tocavam esses estilos, assim, mais requintados (+) um Djavan, tocavam Chico
Buarque, Caetano, um estilo mais requintado, eles tocavam lá.
-Nesse tempo da Beth’s, que você fala que olhava os músicos tocando, você tinha o quê?
13, 12 anos?
- Não (risos), eu tinha uns 17, por aí, que foi a época em que eu saí da renovação (risos), aí caí na
gandaia, comecei a sair com os amigos para tomar umas e tal, então a gente ia lá pra Beth’s, as
vezes eu ia só pra curtir a música mesmo, não era nem tanto pela bebida não, e só tomava uma
cerveja e passava a noite todinha até o final (risos), e era só pra curtir mesmo, que era muita gente
boa que tocava lá, tocavam lá grandes artistas, gente de Fortaleza e outros estados.
(perguntando a si mesmo) faz tempo, música francesa, internacional, meu pai, o gosto musical dele
parece muito com o meu, assim, o meu que parece com o dele, né? Que eu peguei isso, né? Essa
coisa.
7. Bem, nesse caso, gostaria que você falasse um pouco sobre o posicionamento da sua
família em relação às suas atividades musicais, havia impedimentos? Você tinha apoio?
- Sim. Minha família nunca interferiu não, nunca interferiram, nunca deram opinião. De certa forma,
assim, meus pais querem uma coisa que dê mais renda financeira, né? Infelizmente, a música aqui
em Sobral, né? Aqui no Brasil, né? É muito difícil, né? Principalmente aqui em Sobral, né? Aqui no
Ceará. É muito difícil a gente sobreviver de música, por isso que eu tou partindo aí, já com 46 anos,
Tô procurando outras coisas, outras atividades que dê uma renda financeira.
tinha o Rock nacional também, né? Mas, na verdade, eu nunca gostei muito do Rock nacional não
(risos), mas assim, a gente escutava, né? Naquela época, tinha também os forró, né? Mas também
nunca foi o meu gosto não. Naquela época a minha irmã passava o dia escutando forró, dava aquela
confusão, porque eu ia estudar, ela fazia a tarefa escolar dela, bem rapidinho, só pra se livrar, né? E
eu não, gostava de estudar com mais tranquilidade, assim, ler um texto todo e tal, e aí ela pegava e
tacava um forrozão (risos) Aí dava aquela confusão, aquela briga, porque na hora que eu começava
a estudar, ela tacava música e aqueles forró véi (risos) Eu tenho trauma disso aí (risos).
10. Juca, você falou dos tipos de música que você escutava, e você falou que de alguma
maneira contribuiu, você pode ser mais específico em relação? Como que essa música
contribuiu para você, enquanto estudante de violão, estudante de música?
- Como contribuiu?
- É.
- Certo. Não, eu acho assim, que pra ser mais específico, eu acho que melodicamente. As músicas
dos anos 80, elas tinham aquela coisa da melodia, não era só essa coisa da (+) hoje em dia tem essa
(+) a música que é produzida em larga escala, né? Que eu sinceramente acho uma porcaria, né?
Essas músicas (+) começou com o tempo do pagode, né? Aí foi caindo, né? A qualidade musical,
né? Assim, eu acho que é diferente, assim, eu acho que tem muito artista que não entra na mídia,
né? E o que faz às vezes, o cara nem tem tanto talento, mas a mídia faz o nome do cara e tal e tal, e
o povo, o gado (risos) acompanha, né? E assim, as músicas dos anos 80, as músicas que eu
escutava, durante a minha infância e adolescência, a contribuição que elas fizeram, foi isso, assim,
em termos de melodia dos anos 80, né? Que eles tinham melodias muito (+) eles (+) como é que se
diz? (perguntando a si mesmo) procuravam trabalhar, fazer uma música que tinha melodia, e isso
foi o que me influenciou muito, a melodia e o quê mais? (perguntando a si mesmo) O quê eu
poderia falar? (perguntando a si mesmo) É isso, principalmente a melodia das músicas.
11. Juca, de onde veio e como você conseguiu as primeiras informações que você utilizou
para aprender a tocar violão?
- Foi de um metodozinho que eu comprei. Aprenda Violão com ou sem mestre, Victor Hugo
(Falando o nome do autor) autor, né? Tozevski, alguma coisa assim. Foi o primeiro contato que
eu tive, assim, com método, né? De violão. Aí depois, era na época daquelas revistinhas (risos),
não é do teu tempo, né? Não sei se você já viu uma, tenho até guardada aí algumas.
- Você poderia me mostrar depois?
- Poderia sim, claro.
244
- Tá certo (risos).
- Aí, a gente pegava, comprava nas bancas, né? Antigamente tinham as bancas, né? Os prefeitos
acabaram, né? Com as bancas, tinhas as revistas, a gente comprava lá, no Beco do Cotovelo, alí no
Zé Osmar, comprava umas revistinhas, aí, aprendendo por aquilo alí, né? Pegava a letra, às vezes
tinham umas que só tinham as letras, né? Aquelas mais fininhas, folhetos, tipo uns folhetosinhos, aí
tinha umas que vinham com a cifra, né? E foi por alí também, né? Que eu fui pegando algumas
músicas, né? Hoje em dia, eu já uso Songbook, né? Do Almir Chediak, e outros, né? Que tem por
aí.
12. Juca, agora eu gostaria que você falasse um pouco sobre a sua trajetória
formativo-musical, ou seja, se você estudou em alguma escola de música, festivais de
música, cursos, aulas particulares, troca de experiências com outros amigos ou com outros
músicos, gostaria que você falasse um pouco sobre esse contexto em si, como é que foi, e
falasse um pouco sobre a sua trajetória formativo-musical.
- Como eu falei, né? Ganhei o violão com 13 anos, aí meu pai me deu um metodozim, né? Esse
método “Aprenda Violão com ou sem mestre”, aí eu fui começando, aí pegava umas revistinhas, aí
depois comecei a tocar na renovação carismática, na missa, foi que também um incentivo a mais,
né? Assim, foi uma oportunidade para eu ir executando e desenvolvendo, e sim, a aula de violão, eu
fiz, passei uns dois meses, só, no Lucinho, né? Que foi o meu professor de violão, aí eu fiquei
aprendendo sozinho em casa, né? Aí depois (+) pronto, aí comecei a aprender (pensando) Como
era mais aí a pergunta?
- No que diz respeito a festivais, cursos, aulas particulares e troca de experiências com
outras pessoas.
- Pronto, Festivais, eu participei do Festival, acho que foi em 94, eu tinha 19 anos, participei do
Canta Sobral, aí tirei o primeiro lugar com a música Retalhos, que foi uma parceria minha com o
Tano, que é o Luciano Mesquita, aí eu cheguei pra ele, né? Mais ou menos um ano antes do festival,
aí falei: Tano cara, eu soube que tu faz letra de música e tal, bora fazer uma música? Me passa uma
letra aí. Antes disso eu já tinha musicado uma letra, na renovação carismática, na época que eu fazia
parte, do Edmilson Moreira, uma música chamada (+) esqueci o nome da música agora (e começa
a cantarolar) não lembro o nome da música, eu lembro da melodia dela, mas não lembro o nome
não, aí foi a primeira música que eu fiz, antes eu já tinha feito algumas musicasinhas em casa e tal,
quando eu tinha 16 anos, eu comecei a compor alguma coisa, aí quando eu tinha mais ou menos 19
anos, eu participei do festival, com essa música Retalhos, em parceria com o Tano, e nós tiramos o
primeiro lugar. Sim, aí tem, aprendendo com amigos e tal, eu participei depois disso, de bandas de
245
garagem, assim, a gente se juntava, mas nada profissional, só por brincadeira mesmo, né? Aí eu ia
brincar com a galera, assim, no final de semana, e foi isso.
13. Juca, você utilizou em suas horas de estudo algum recurso como CD’S, DVD’S,
vídeo-aula, gravações? Se sim, como você relaciona esses recursos com sua aprendizagem
no instrumento? Como é que acontecia?
- Não (refletindo), assim, vídeo-aulas não, raramente assim, videoaula (+) eu vim aprender agora
depois de (+) depois de velho (risos) esse lance de vídeo-aula, mas era mais no começo, era só as
revistinhas, pegando de ouvido mesmo, copiando alí a letra errada, tocando tudo errado mesmo, aí
depois que eu adquiri com o Cícero, né? Eu adquiri o songbook do Almir Chediak, aí comecei a
tocar corretamente as músicas do Djavan, que eu gostava muito de tocar Djavan, né? Aí o Cícero,
parece que observou, né? Que eu tava tocando tudo errado (risos) Aí ele emprestou um songbook
do Djavan pra eu tirar a cópia, isso faz oquê? (Perguntando a si mesmo) uns 25 anos mais ou
menos, e foi isso, assim, vídeo-aula (falando a palavra pensando), as vezes eu pego com uns
amigos, alguma coisa assim, mas é raro, é mais é aprendendo só mesmo, aquela rotina de ficar
horas e horas ali com o violão e tal, e aprendendo música pra (+) formando repertório, fazendo
repertório, pra tocar na noite, e decorando letra, ainda hoje eu decoro letra, antigamente eu
decorava umas duas letras por semana, toda semana, aí hoje em dia eu tô menos, né? Porque é
muita coisa cara, muito atarefado, né? Partindo pra outras profissões e tal, né? Aí dei mais uma
relaxada.
14. Juca, você havia citado o primeiro método de violão que você estudou e tal, eu gostaria
de saber se você utilizou mais algum material didático para complementar a sua formação
como violonista, além desse método.
- Assim, só gravações mesmo, eu gravei umas fitas K7 com Baden Powell, eu sempre gostei muito
do Baden Powell, eu tinha um amigo, que ele tinha uns discos, né? do Baden Powell, aí eu pedi um
disco dele emprestado e gravei, né? Nas fitas k7, então, aí eu escutava aquilo ali direto, depois
passei a escutar algumas outras coisas de clássico, né? Mas não muito assim, algumas obras
violonísticas, né? De violão solo, mas minha referência mesmo de violão é Baden Powell.
- No caso, essas gravações que você fez, era do disco do Baden? Ou era DVD do Baden?
A imagem? Como era?
- Não, naquela época ali (+) foi como eu falei, eu tinha um amigo que tinha uns discos de vinil, eu
gravei a fita do disco pra fita k7.
- No caso, você escutava e dali você tentava aprender alguma coisa?
246
- Não, eu não tentava porque eu achava (+) eu imaginava que era muito difícil, mas de tanto eu
escutar, aí fluía normalmente.
- Que legal, sim.
15. No que diz respeito à sua iniciação, você iniciou através de partituras? Tocava de
ouvido, juntamente com cifras e tablaturas? Ou estudava com base em todos estes
componentes juntos? Comente um pouco sobre este aspecto.
- Não, partitura, eu leio muito pouco partitura, e partitura foi mais recente, foi depois que eu entrei
no coral do CREDE, né? Teve um projeto do CREDE muito importante aqui pra Sobral, onde
conseguiram reunir muita gente boa, muitos músicos, esse coral do CREDE, a gente tinha as
reuniões, né? Toda semana, reuniões com aula, né? Com o professor Marcos Rogério, dava aula
pra gente, ele que era o nosso instrutor, né? Ele dava aula pra gente uma vez por semana, e a gente
dava aulas nas escolas, nos projetos do CREDE, então, ali foi onde eu comecei a entrar em contato,
mais com a partitura. Antes era só (+) como eu falei, com revistinhas, cifras, né? E principalmente
pegando de ouvido.
17. Você falou um pouco, que passava um tempo estudando e eu gostaria de saber se você
possui alguma rotina de estudo.
- Não, não tinha uma rotina de estudo não, era só na base do do (+) porque no começo, não
pensava em me profissionalizar não, era só um hobby, né? Então, era só pelo gosto mesmo, eu não
tinha uma rotina de estudo não, mas como eu lhe dizia, né? Que eu te falei que durante o período
que eu (+) até hoje eu toco na noite, né? Está neste momento de Pandemia, mas assim, mas na
época que eu tava tocando mesmo direto mesmo assim, que eu tava me dedicando exclusivamente a
música, era direto, né? Aprendendo música, eu ainda tô nessa rotina, né? Mas só que menos, por
causa das outras atividades que eu tô exercendo atualmente, né? É isso.
18. Então, havia alguma sistematização no que diz respeito à sua aprendizagem?
- Sistematização, né?
- É, você pensava assim: Hoje eu vou estudar acordes, amanhã eu vou estudar (+)
-Não, não (risos), nesse quesito aí, eu era meio desorganizado, não tenho assim uma metodologia,
uma coisa, não.
20. Eu gostaria de saber, se você possui alguma influência de um músico aqui da cidade, ou
do cenário nacional, que tenha contribuído para a sua formação como violonista?
- Novamente como eu falei, né? O Carlos Alexandre, que ele, assim, foi uma referência, né? Eu
aprendi muito, conheci muita música, passei a conhecer vários artistas, como eu falei, Belchior,
música do Belchior, músicas do Fagner, Geraldo Azevedo, do Ednardo, e muitos outros, ele canta,
ele tem um repertório que é assim, de Roberto Carlos, imenso, ele pode passar, assim, umas 4
horas cantando só músicas do Roberto Carlos, o “cabra” sabe muito, aí não é um violonista
virtuoso, ele toca bem, canta maravilhosamente bem, hoje em dia não, né? Porque ele (+) Na
época ele teve um problema com álcool, aí se afastou da música e tal, mas ele ainda toca e canta, e
outra referência pra mim, de artista, foi como eu falei no começo da entrevista, quando eu tocava lá
no Cícero’s, tocava muito Djavan, tocava muito Djavan e é isso, a minha referência principal talvez
seja.
21. Juca, você acredita que a troca de experiências com outros músicos, ou até mesmo com
seus amigos e familiares, contribuiu de alguma forma para a sua formação?
- Com certeza, mas assim, não teve na minha formação (+) (+) a troca que teve, não foi bem assim
uma troca, foi como eu falei do Carlos Alexandre, né? Que eu ficava observando e tal, e isso me
influenciou muito, aí teve, posteriormente teve outros, né? Mas não teve assim (+) (+) Não tive
muito contato (+) (+) Assim, com o Renê, com o Gleydson, a gente já trocou algumas ideias, né?
Assim, aprendi algumas coisas, mas foi muito pouco, foi muito pouco, foi mais, na verdade, assim,
com o Alexandre mesmo, só observando mesmo.
22. No caso, Juca, houve desafios enfrentados por você para se tornar violonista? Se sim,
quais? E como você conseguiu resolvê-los?
- Se houve desafios?
- Para você se tornar violonista.
- É, o desafio é a pessoa não ter nenhum incentivo, né? Assim, por parte das autoridades, assim,
das autoridades políticas, né? A sensação que eu sentia, antes de começar essa época, nos anos
2000, antes dos anos 2000, nos anos 90, não tinha quase música ao vivo aqui em Sobral,
praticamente não tinha, e a sensação que eu tinha era que (+) como se eles quisessem acabar com a
gente, eh:: quisesse destruir a gente, a sensação (+) era uma coisa muito, assim (+) deplorável, né?
E hoje em dia, cara, tem muita gente tocando, depois dos anos 2000, né? Surgiram vários
restaurantes em Sobral, muita gente tocando, todo dia aparece um cantor pra tocar na noite, e a
concorrência imensa, né? E tal, aí é isso cara, a sensação que eu tenho é essa de desvalorização,
249
assim, do músico, falta de incentivo, e quando tem um incentivo da prefeitura hoje em dia, vai só pra
aquela panelinha, da elitezinha ali que (+) o pessoal que já tem dinheiro e tal, não é uma coisa que
engloba todo mundo, pra se fazer um projeto pra prefeitura cara, é uma burocracia imensa, pede até
(+) eu tou exagerando (risos), mas pede ate o tipo sanguíneo (risos), só falta pedir. Eu tirava às
vezes (+) fazia burocracia pro Rennê, né? Pra banda dele, tirava um documento, né? Aí cara eu
desisti, é uma burocracia imensa, e além disso, tem as coisas da panelinha, só entra no jogo, na
jogada, quem é da panelinha.
23. Juca, no caso, você teve acesso a aulas, ou qualquer experiência na Escola de Música
de Sobral, ou no curso de Licenciatura em Música da UFC?
- Não, a experiência que eu tive na Escola de música, foi (+) eu fiz vários cursos, assim, rápidos,
né? Seminários, eh eh, como é que chama aqueles cursos que é bem rápido?
- Workshop.
- Workshop, isso, fiz alguns Workshops, e até muito interessante, teve um que eu fiz, com aquele
senhor que é violonista (+) Turíbio dos Santos, ele foi lá uma vez, e foi muito interessante, e fiz
vários Workshops e alguns cursos rápidos, né? Cursos de dois dias, três dias, no máximo, na escola
de música, e me ajudou muito, foi muito bom, muito interessante.
- Mas você chegou a ser aluno da escola de música?
- Não, eu queria ser professor, mas nunca me deram a oportunidade.
24. Juca, você possui amigos que estudam ou estudaram nesses espaços? Se sim, eu
queria saber a sua percepção sobre a formação deles em contraste com a sua.
- Cara, tenho amigos que são professores, eram professores da escola de música, né? E alguns que
ainda são, né? E o contraste, ali, a Escola de Música proporciona, eh:: vou citar aqui um exemplo,
se eu tivesse me tornado um professor da Escola de Música, eu acho que estaria em um nível bem
mais elevado, como violonista, como professor, como músico em geral. A escola de Música, eu
acho que é importantíssima, né? Assim, na formação, por conta desses cursos, né? Como por
exemplo, eu citei o Turíbio dos Santos, é uma pessoa importantíssima no cenário musical brasileiro,
e teve outros, né? Marcos Rogério, Paraguai, eh:: eh, entre outros, né?
- Mas você tem algum conhecido que estuda ou estudou tanto na Escola de Música ou no
Curso de Licenciatura em Música da UFC?
- De licenciatura, né? Tenho, tenho vários amigos (risos)
- E o que é que você acha da formação deles em relação à sua? Percebe alguma diferença
no que diz respeito à essa formação? É muito discrepante? Qual é a sua percepção?
250
- Com certeza, né? Tem uma diferença, tem um diferencial porque na Escola de Música e
principalmente na Licenciatura, a pessoa se aprofunda, né? Na música, em termos de harmonia (+)
existe uma aprofundação, né? Em todos os sentidos da música, né? Em todos os requisitos da
música, tem uma certa aprofundação. Assim, eu sou praticamente um autodidata. E é difícil a gente
encontrar material de estudo, assim, esses, por exemplo (+) Consegui os Songbooks do Almir
Chediak muito posteriormente, depois de passar anos tocando errado (risos) e eu acho que a
Escola de mùsica também tem uma importância imensa também assim, e como eu falei antes,
conheço professores lá (+) apesar assim (+) eu tenho alguma críticas, né? Com relação à Escola de
Música, mas assim, se eu tivesse entrado na Escola de Música como professor, eu teria aprendido
muito, eu teria evoluído mais.
25. Em que momento, você começou a ganhar dinheiro com suas atividades musicais?
- Foi no momento em que eu comecei a tocar na noite. Teve uma vez (+) a primeira vez que eu
ganhei dinheiro com música foi tocando (+) foi uma missa que eu toquei, aí eu me lembro que o
senhor lá, né? Acho que ele é até da banda de música, ele me deu um monte de moedas (risos)
assim, umas moedas, um agrado, né? Que ele me deu, aí eu comecei a tocar em missas, tocando
em missas remuneradamente, né? Tocando em casamentos, tocando em aniversários, na Igreja, só
na igreja mesmo, quando eu comecei.
27. Juca, você precisou estudar mais para essas novas demandas de atuação? Se sim, o
quê e de que forma?
- Se eu precisei estudar mais para (perguntando ao entrevistador)...
- Para esses novos contextos, a igreja, o barzinho, os restaurantes.
- Na igreja, assim, é muito simples, né? Tem aquele repertório, era uma repertório pequeno, né?
Uma missa tem o que? No máximo, umas dez músicas, mas pra tocar em barzinho, aí a gente tem
que suar um pouco, né? Aprender música, aquela coisa que eu falei antes, a gente toda semana,
aprender uma música, era em média umas duas músicas que eu aprendia por semana, decorava a
letra, baixava a letra da internet, imprimia, aí aprendia aquela música, né? Geralmente meu
251
repertório é mais de ouvido que eu toco, algumas músicas assim do Djavan, do João Bosco, do
Chico Buarque, é que eu pego o songbook, procuro pela internet, mas é assim.
28. Juca, você pode falar um pouco mais sobre as estratégias que você utiliza para
memorizar uma música?
- Cara, as estratégias? É como eu falei, eu não tenho muita facilidade para decorar música não, mas
a estratégia que eu uso é, imprimo a letra, né? Pesquiso na internet, imprimo a letra, aí boto alí em
cima, ou boto na pasta, aí fico cantando e cantando, todo dia, até aprender, cantando no banheiro,
as vezes eu pegava e pregava a letra assim na parede, é assim.
- E no que diz respeito à harmonia, aos acordes? Como é que você faz para decorar
também?
- Não, não é decorado não, eu aprendo (risos). Eu não decoro harmonia, eu aprendo a harmonia
da música, e de certa forma a gente memoriza, né? Mas não é aquela coisa de decorar, é aprender,
a gente aprende, tem aquela sequência harmonia, né? Cada música tem várias sequências
harmônicas, a gente aprende aquela sequência harmonia e como eu falei era mais era de ouvido
mesmo, que eu aprendia as músicas.
- E como faz para aprender essa sequência harmônica que você fala? Consegue me dizer?
O que você acha que fazia, e o que te dava essa facilidade para aprender essa sequência
harmônica?
- Eu acho que a gente tem que formar um certo vocabulário de harmonia, né? Vocabulário de
acordes, a gente tem que ter, tem que aprimorar esse vocabulário, né? No começo eu manjava só
aquela coisa de (+) daquela sequência que era a tônica, a quinta, a quarta e a quinta, né? A tônica,
a sexta menor, a quarta e a quinta, isso aí eu já manjava, né? Isso aí, no começo, aí eu comecei
assim e hoje eu me aprimorei mais, né? E já tenho um certo vocabulário de acordes dissonantes.
29. Juca, na sua opinião, o que é que deve ser priorizado para a aprendizagem do violão?
- Priorizado, eu acho que é o (+) você ter paixão pelo instrumento. Pra você todo dia pegar o
instrumento e ter aquele gosto de tocar o instrumento, de (+) até o cheiro do instrumento (risos)
você ter gosto, né? Você ter a paixão pelo instrumento e pela música. Eu acho que isso é o que faz
eu me mover, pra chegar, aprender uma música, eu escuto uma música: “ah, essa música é legal
cara, música bonita e tal.” Aí é o que me incentiva a aprender a música, é isso, é principalmente isso.
-No caso, você acha que saber ler partitura, desenvolver a técnica violonística, nesses
aspectos, o que você diria que deveria ser mais priorizado? Saber ler partitura,
desenvolver a técnica? Ou qualquer outro aspecto que você ache importante.
252
- Eu acho que a partitura ajuda muito, principalmente para você aprender uma obra de algum autor
consagrado, ajuda muito, é importantíssima a partitura, a leitura da partitura, hoje em dia existem
programas, né? Que ajudam muito, né? Assim na (+) a ler partitura. Assim, minha técnica
violonística, vou falar do fingerstyle, né? Foi uma técnica que eu te falei antes da entrevista, né? Eu
nem conhecia, e nem sabia que o nome era esse, né? Eu já fazia isso a muito tempo e eu acho que
eu fui um dos pioneiros aqui em Sobral, como eu falei, né? O Gleydson Frota escutou, né? Lá da
casa dos pais dele, eu tocando lá na praça do São Francisco, ele achava que eram duas pessoas
tocando o violão, na verdade era só eu que tava lá tocando, a minha técnica principal é essa.
- Juca, ainda tocando nesse assunto de técnica, de fingerstyle, gostaria que você
comentasse um pouco, como é que você desenvolveu essas competências essas
habilidades de tocar, você mesmo me disse que o Gleydson achou que eram duas pessoas
tocando. Queria saber como é que você pensa na elaboração do arranjo, como é que
começou essa parte?
- Elaboração de arranjos, né? Aí vem do meu gosto musical, né? Que eu acho que eu conhecia
muito, e principalmente, mais uma vez, a paixão pelo violão, né? Pela música, foi isso que me fez (+)
é o que me faz pegar o violão e ficar dedilhando alí e tirar algum som do instrumento, tirar alguma
melodia, é a paixão pelo instrumento.
- Como você faz primeiro para fazer esses arranjos? No caso primeiro você toca a melodia
e depois tenta incluir o baixo? Ou você pensa em primeiro escrever alguma coisa?
- Não, eu não escrevo nada não, eu pego o violão e vai fluindo naturalmente.
30. No caso, como é que você desenvolveu a sua consciência harmônica? Ou seja,
conhecimento sobre acordes, transposição de harmonia para outras tonalidades, gostaria
que você falasse um pouco sobre isso.
- Cara, na verdade assim, a parte de teoria musical, eu nunca tive assim um (+) (+) principalmente a
dificuldade de arranjar material pra gente estudar, não tem cara, não tem aqui, muito posteriormente
eu consegui algum material do Almir Chediak, mas assim, eu achei complicado pra estudar assim,
só, e na verdade assim o que eu estudo assim, na parte do violão, é mais é na parte do ouvido
mesmo, não tenho muito teoria não. Por essa dificuldade, né? De arranjar material teórico assim,
alguns cursos que eu fiz, assim rápido, lá na Escola de Música, me ajudaram bastante também.
31. Juca, você costuma fazer arranjos para violão solo, a gente já falou sobre isso, mas eu
queria que você comentasse mais um pouco, sobre como ultimamente você tem pensado
253
essa relação do violão solo, do violão fingerstyle, você se inspira em alguém? Se inspirou
em algum método?
- Não, minha inspiração foi Baden Powell, minha inspiração principal. Baden Powell e assim,
referência aqui mesmo em Sobral, assim, não tenho nenhuma não.
32. Normalmente Juca, o que você faz quando não conhece uma música mas tem que
acompanhar?
- Quando não conhece uma música?
- É, mas tem que acompanhar.
- (Risos) A gente apanha um pouquinho, né? Pega uma peiazinha, né? Na hora lá, mas dependendo
da música, né? Dependendo da música, se for uma música simples né? Dali a gente (+) dá pra
enganar um pouquinho, né? Aí a gente vai daquele jeito apanhando.
- Você pensa em alguma sequência pré-estabelecida? Você vai pelo campo harmônico?
Como é que você faz para tentar acompanhar quando você não conhece? Tem algum
macete que você poderia me passar?
- Não, o campo harmônico é aquele, né? Que é a 1º a tônica, a 6º menor, a 4º e a 5º. Por aí, aí a
gente vai se baseando por isso aí.
- Entendi.
33. Eu gostaria que você me dissesse um pouco a questão da sua técnica violonística, a
questão dos ritmos da sua mão direita, e a sua técnica da sua mão esquerda. Juca, como é
que você desenvolveu essa parte?
- Por métodos, eu consegui adquirir um método de violão, que ensinava algumas técnicas, alguma
coisa de partitura, as notas do violão na pauta, aí aquilo ali me ajudou muito, né? Um métodozinho
que eu consegui.
- Foi o primeiro método que você citou no início da entrevista?
- Não, não foi esse primeiro método não, foi bem posteriormente, foi um método que tinha algumas
noções de partitura e de teoria musical, e mais voltado pra partitura, né? Tem várias partituras, eu
não lembro o nome do autor do método, nem o título do método, mas era assim, voltado mais para
a partitura.
34. Juca, como é que você faz para tirar música de ouvido?
- É, novamente, né? Aquela coisa de pegar aquele campo harmônico, que é primeira, sexta menor
(risos) a quarta e a quinta. Geralmente é por aí.
254
- No caso, como você tem o conhecimento desse campo harmônico, você tenta encaixar ele
dentro da música? Como é que você faz, por exemplo, para achar a tonalidade da música?
Tem alguma coisa que você faz?
- É, depende muito da música, né? Se for uma música mais complicada tipo Djavan, tipo João
Bosco, aí (risos) você tem que partir pro Almir Chediak mesmo (risos) até mesmo pela questão de
a pessoa ter que parar e escutar ali horas e horas e horas pra pegar os acordes, e pra isso é
necessário você ter um bom vocabulário de acordes e ter noções de campo harmônico, né? É isso.
35. Juca, como você lida com o erro? Você se sente nervoso ao tocar?
- Ainda tem aquele certo friozinho na barriga, né? Quando a gente chega ao palco, mas geralmente
eu me sinto (+) assim, por ter tocado durante tantos anos, né? Talvez quase 30 anos tocando na
noite, né? Tocando em missas, em eventos, enfim, a gente quando chega em frente ao público, né?
Tem aquela emoção, aquela coisa gostosa, é bom, eu acho gostoso assim, principalmente quando a
gente toca para um público que aprecia uma boa música, que tem um bom gosto musical, que a
gente chega (+) é aquela coisa gostosa, e faz parte da paixão que a gente tem pela música.
37. Juca, na sua atuação como músico, você sente falta de algum aspecto que faltou na sua
formação musical?
- Falta, principalmente é material de estudo, né? Assim, material de apoio, eu fui conseguir material
de estudo muito posteriormente, assim, eu não tinha quase acesso, né? A nenhum material de
estudo, assim, material teórico, acho que um grande impasse realmente é isso. Essa falta de material,
falta de um apoio.
- E em termos de conteúdo? Você sente falta de algum aspecto?
- De conteúdo em relação ao quê?
- Em relação ao estudo do violão, por exemplo, harmonia, leitura de partitura, técnica.
- É, o que eu sinto falta é isso, é a falta de material de estudo, a falta que eu sinto é essa.
255
38. Juca, em sua opinião, a sua atuação profissional contribuiu para a sua atividade como
violonista?
- Eu acho que talvez muito pouco, porque quando a gente toca na noite, a gente toca em bares e
restaurantes (+) assim cara, infelizmente o gosto do povo é assim (+) quer é aquela coisa que tá alí
tocando na moda, o povo não tem um gosto apurado, um gosto refinado (risos) e a gente sofre
muito com isso, a gente quer tocar um repertório, mas infelizmente a gente tem que tocar músicas
que não tem conteúdo, que não contribuem em nada pra cultura pro engrandecimento humano, não
contribuem em nada, às vezes até rebaixam o nível do ser humano, né? E enquanto à contribuição
pra parte violonística, né? É muito pouco, assim, só a questão de praticar, mas assim, a contribuição
é mínima.
39. Na sua opinião, quais são as competências necessárias para atuar como violonista aqui
na cidade de Sobral?
- Para atuar como violonista. Aí é aquela coisa, a gente não tem um espaço assim, eh,
exclusivamente assim, pra você exercer assim uma profissão como violonista mesmo, tem que tocar
nos bares, e fazer aquelas coisas, né? De se acompanhar ou acompanhar alguém, né? E fazendo só
harmonia, e se a gente for fazer um solo, ninguém valoriza, não é valorizado, se for tocar uma música
mais requintada, ninguém valoriza, ninguém conhece, o pessoal quer escutar é aquelas coisas da
moda, músicas que não acrescentam em nada, e os espaços que tem aqui em Sobral, principalmente
(+) Talvez só o Cícero’s, né? Não vejo outro espaço, assim pro músico violonista em si.
- E no que diz respeito a habilidades, você acha que o violonista tem que possuir alguma
para atuar como músico aqui em Sobral? Ele precisa ter conhecimento de quê, ou de algo.
O que você poderia me dizer sobre isso?
- Cara, assim, habilidade pra tocar na noite, basta ter um violão e dizer que é músico, ele chegar no
restaurante e dizer: “não, você me dar aí qualquer coisa.” Nem as pessoas mesmo percebem não a
diferença não, não sabem diferenciar um músico bom de um músico medíocre, que toca aquele
repertório ruim, toca só aquele lenga lenga, não sabe fazer uma dissonante, as pessoas não
diferenciam não.
- Juca, você falou aí de músico bom, e eu queria saber muito, na sua opinião o que seria um
músico bom?
- Um músico bom, é um músico que tem conhecimento de músicas de qualidade, que conhece as
grandes obras dos grandes artistas nacionais, que sabe trabalhar com campos harmônicos mais
elaborados, que sabe fazer um solo de violão, por aí vai.
256
40. Atualmente, você possui alguma organização no que diz respeito ao seu estudo do
instrumento? Se sim, quais as principais estratégias utilizadas por você para dar
continuidade aos seus estudos?
- Cara, atualmente, eu estou me dedicando mais a esse curso que eu estou fazendo, que eu tou
tentando partir pra outra área, pra ter alguma renda, né? Porque como músico aqui em Sobral, a
gente é muito desvalorizado, tem só aquela coisa (+) enfim, a gente é muito desvalorizado e eu tou
partindo pra outra área e atualmente eu estou estudando muito pouco, só aprendendo aqui e acolá
alguma música, e só.
43. Juca, quais as principais dificuldades que você consegue enxergar na formação dos
violonistas aqui da cidade?
- Primeiro que não tem assim, alguma coisa específica pro violonista, né? Assim um curso, uma
formação específica pro violonista, não existe, acho que esse já é o primeiro e principal impasse,
né? Que não tem uma cultura de violonistas, e eu acho que deveria assim, se reunir, né? O pessoal
do choro, né? Que toca choro e se reunir e se organizar pra formar alguma coisa em relação a isso.
um projeto da CREDE 6, né? Que era projeto do estado e quem era nosso orientador e nosso
professor, era o Marcos Rogério, ele orientava gente uma vez por semana, dava aula de coral de
teoria, e a gente ia dar aula nas escolas, as escolas do estado, era um projeto muito bom, que deu
muitos frutos, e em fim, foi isso.
45. Juca, nesse caso, você citou que dava algumas aulas particulares, você poderia me
dizer quais os principais conteúdos abordados e o por quê de você querer ensinar? Olha
vou ter que ensinar isso e tal.
- Não, na época em que eu fui ensinar, eu era muito novo e eu era, digamos, muito verdinho (risos)
Não tinha toda essa bagagem que eu tenho hoje, né? E eu não me senti muito estimulado não para
ensinar.
46. Juca, gostaria de saber de você, que conselho você pode passar aos estudantes de
violão que querem atuar profissionalmente.
- Eu acho que o estudante de violão deve se aperfeiçoar, aprender, APRENDER e não decorar,
harmonias, eh eh, músicas, escutar músicas boas, músicas como Tom Jobim, Chico Buarque,
Djavan, Caetano, Cartola, e aí vai, escutar música boa, e o quê eu diria mais? Se dedicar ao
instrumento, né? Não ficar só naquela coisa do lenga lenga, mas aprender um solo, aprender
harmonia, se bem que é muito difícil (+) a escola de música só ensina o básico, né? Ensina a pessoa
a fazer o lenga lenga (risos) a não ser que a pessoa se aprofunde, né? Eu não sei como é que
funciona o sistema lá, aí tem a faculdade de música, né? Onde a pessoa estuda música, mas não
especificamente pro violão, né?
47. Juca que outro violonista aqui da cidade você acha que eu deveria entrevistar e por
que?
- Violonista? Cara, violonista aqui em Sobral, tem a galera que toca na noite, né? Cara, mas assim,
não é violonista, é o pessoal que toca na noite, esse pessoal que toca na noite não toca um solo,
inclusive eu mostrei até umas música para um colega meu que toca na noite e ele disse assim: “tu
toca isso aí porque tu gosta”. Assim, fez pouco, né? Mas uma coisa dessa aí, um solo desse, uma
coisa dessa, não é todo mundo, é algumas pessoas, talvez até saiba fazer, mais ele tem que parar,
escutar e pegar nota por nota, coisa demorada, eu não, eu pego o violão e flui naturalmente.
48. Juca, por fim gostaria de saber se você desejaria mencionar quaisquer outras
experiências que julgue importante e que dizem respeito à sua formação de violonista.
258
- Eu acho que falta incentivo, falta espaço pra gente que é violonista, falta muito espaço, falta
organização entre os músicos, eu acho que falta muita coisa, assim, falta valorizar o músico, que não
é valorizado, e falta a sociedade, a gente começar a mostrar pra sociedade o trabalho desses
grandes artistas, das músicas consagradas, das músicas de artistas consagrados, de artistas que
contribuiram realmente para a MPB, para a música, né? Não artistas que faz música de linha de
produção, mas músicas (+) enfim, os grandes clássicos, né? Os grandes artistas, como Tom Jobim,
Chico Buarque, Djavan, Caetano, Gilberto Gil, que fazem músicas de qualidade, músicas que tem
conteúdo e que tenha alguma contribuição para a formação do Ser Humano, né? E o que eu
aconselho é que a pessoa que tá aprendendo violão, que tá querendo tocar, né? Eu acho que o
principal combustível é a paixão, a paixão pelo instrumento, pela música, eu aconselho é a pessoa
escutar essas coisas, primeiro, escutar os grandes clássicos, dos grandes artistas consagrados, e se
aprofundar, estudar harmonia, tentar se aprofundar no violão, é isso.
- Juca, a gente terminou aqui a entrevista. Eu gostaria de agradecer, muitíssimo obrigado,
você contribuiu bastante para a pesquisa, seus relatos são muito importantes para essa
temática e eu só gostaria de te agradecer, muitíssimo obrigado.
- Pois, precisando, estamos aí, espero ter contribuído para a sua pesquisa.
259
Então, eu estou com o violonista Janilson e eu vou começar agora a entrevista com ele.
Primeiro vou abordar as questões de dados gerais do entrevistado e as experiências
iniciais com música e com o violão.
1. Janilson, por favor, me diga seu nome completo, sua idade e seu tempo de carreira na
música.
- Meu nome é Janilson Braga Vasconcelos, eu tenho hoje 40 anos, completei agora, nesse mês de
abril, e já tou há 18 anos já com o violão, né? Na música, na verdade trabalhando na música, eu
passei 5 anos, tocando mesmo são 18 anos de violão.
2. Janilson, conte-me como surgiu o seu interesse pela música e a idade que você tinha
nessa iniciação.
- Quando eu tinha 22 anos, eu morava no interior, aí chegando em Sobral (+) por que no interior a
gente só escutava rádio à pilha, né? (risos) e eu sempre escutava violas e repente naquele programa
na Educadora com Antônio Pontes e José Eufrásio (risos), e alí eu escutava aqueles repentes e
cantava e decorava nos roçados, né? Trabalhando e cantando, decorava tudinho, e aí eu fui
começando fazendo aquela lata de doce, botava um pedaço de madeira e fazia um violãozinho com
arame e ficava tocando (risos) tocando e cantando os repentes, né? Só que a gente veio morar em
Sobral, 93 por aí, não, foi em 95, e aqui, na missa e na igreja eu vi um rapaz tocando, que é o
Aurélio, né? Foi ele que me ensinou, né? E aí eu “vish, agora deu vontade de aprender a tocar
violão”, aí eu comecei a ver ele tocando e as condições eram poucas e eu saí pedindo emprestado
para comprar o primeiro violão, e aí foi assim que começou.
260
3. E nesse caso Janilson, de onde é que vem o esse seu interesse pelo violão, e como é que
ele se tornou o seu instrumento principal?
- Bom, na verdade quando eu comecei, eu cheguei em Sobral, eu me interessei pelas artes marciais,
né? Olhe aí onde fui parar (risos) aí depois foi que (+) eu tive um problemazinho chamado
labirintite, onde eu não pude mais treinar, eu participei ainda de Kung fu, fazia apresentação, e aí foi
quando eu me interessei pelo violão, eu já via o rapaz tocando e tal, aí pedi pra ele me ensinar,
como é que era o curso, então a aula só era uma vez por semana, que eu podia, porque eu
trabalhava, ele fazia duas vezes, mas eu só tinha no sábado, o sábado de folga, e passei a ter essa
aula na igreja, né? Que é particular, não foi na área mesmo de estudo, de escola não, e aí começou
dessa forma. E aí as músicas que eu cheguei aqui e ouvia, porque lá era só Pé de Serra, quando eu
cheguei aqui, eu passei a ouvir MPB, outra coisa diferente, escutando na casa do vizinho, gostei
daquela música, opa um estilo diferente, aí já passei a observar Yamandú Costa na televisão, porque
eu ia dormir de madrugada assistindo a TVC, Yamandú Costa fazendo aqueles solos. Aí foi assim
que eu comecei me interessando pelo violão.
4. Nessa fase inicial, quais foram as experiências que você considera que o fez
desenvolver como violonista?
- A igreja mesmo, foi lá onde eu aprendi, e lá eu fiquei, na verdade quando eu comecei a aprender
eu disse: “Eu quero aprender a tocar violão pra tocar as músicas do Raul Seixas”, aí (risos) comecei
com algumas músicas, até fui montando o repertório, e eu curtia o estilo de Pop Rock mesmo, e aí
quando eu aprendi o violão aí tudo mudou. Eu comecei a conhecer mais eh:: Djavan, essas coisas, já
foi (+) Toquinho, mas eu peguei mesmo o básico, só o básico, então eu não tenho o estudo
avançado de jeito nenhum. Foi ouvindo mesmo, passei a ouvir esses violonistas, né? Aí passei a
tirar alguma coisinha pra mim, o tempo fez com que eu fizesse alguma coisa de diferente no violão,
do iniciante, certo? E na igreja eu estou até hoje, que foi lá onde eu aprendi e lá eu fiquei, e onde eu
participo até hoje, da comunidade lá da igreja e pretendo ficar por um tempo (risos).
6. E como é a relação da sua família com a música? Eles gostavam de escutar muita
música? Você, na sua infância e adolescência escutava muita música? Você pode falar um
pouco?
261
- Meus pais sempre (+) a minha mãe principalmente, que é dona de casa, né? Então ela ficava com
o radinho ligado direto, direto, na manhã todinha ligada em (+) qualquer música, hoje em dia ela
gosta muito de internacional, de Amado Batista, e vai os estilos de música tudinho, é música da
igreja, tudo em quanto ela escuta. Então eu acabei crescendo ouvindo, né? As músicas junto com
eles, aí eu acho que isso também influenciou bastante, né?
7. Eu queria que você falasse agora sobre o posicionamento da sua família em relação às
suas atividades musicais, havia impedimentos? Você tinha apoio?
- Não, os meus pais sempre me apoiaram, na verdade eles que me ajudaram a comprar o violão,
inclusive esse agora (risos) e agora assim, depois que eu me casei, a esposa passou a ter (+) porque
a música toma um pouco de espaço da gente, ela toma o tempo, mas a gente tem que dedicar se
não (+) e aí ficou aquele “gosta mais do violão do que de mim?”, aquela coisa e tal, mas hoje ela já
aceitou (risos) tá tranquilo (risos).
aí que eu fui gostando de outros estilos, tipo o Samba, né? A Bossa, aí veio o Pé de Serra, também
que eu adaptei, que eu nunca imaginei que dava pra tocar no violão (risos) Aí botei até gente pra
dançar (risos) e foi assim (risos).
10. Eu queria saber qual é a sua percepção sobre esse repertório, você acredita que
contribuiu para a sua formação como músico?
- Muito. Na verdade, quando eu comecei, quando eu fui desenvolver mais, foi quando eu conheci o
cantor Xxxxxxxx Xxxxx, e aí foi onde ele me colocou para pegar as músicas, né? Do do Toquinho,
Emílio Santiago, e aí foi onde eu fui ver que o negócio era bem diferente, aí eu senti dificuldade, aí eu
tive que ralar mesmo, e na verdade, foi trabalhando com ele que eu desenvolvi, os estilos de música,
aí eu passei já, né? (+) O Samba, e um pouco de Bossa, Toquinho, essas coisas assim.
- Janilson, nesse caso, como é que esse repertório te fez desenvolver no violão por
exemplo?
- Bom, assim, no caso de prática, de praticar mesmo, ouvir, eu ouvia bastante, porque eu não ouvia,
né? Eu não ouvia esse estilo, como eu falei, eu só ouvia o Pop Rock, então eu só tinha aqui CD de
Pop Rock, aí quando eu comecei a trabalhar com ele, eu tive que ficar ouvindo Emílio Santiago,
Toquinho, Vinícius de Moraes, e aí foi onde eu comecei a desenvolver mais, e tive que buscar na
internet, né? Alguma ajuda, porque a aula mesmo não deu, devido às condições, mas eu busquei na
internet alguma coisa e ajudou bastante.
11. De onde veio, e como você conseguiu as primeiras informações que você utilizou para
tocar violão?
- Veio de de (+) bom, na escola, eles faziam um concursozinho, né? Os talentos, e isso aí eu vi já,
na escola, alguém tocando violão, aí eu pensei: “Eu posso fazer isso aí também” (risos). Aí, na
verdade eu conheci o rapaz que me ensinou e eu passei a trabalhar vendendo refrigerante, e eu fui
oferecer refrigerante na casa dele, e ele estava tocando violão, começou desse jeito. E eu vendi um
refrigerante para ele, e eu falando desse jeito: “Você toca violão, né?” Vendo ele tocando violão
(risos), como querendo dizer assim: “Você poderia me ensinar?” ele: “Rapaz é, eu dou aula, eu dou
aula na igreja e tal”. Aí, foi aí que na verdade a gente começou e a gente virou amigo, e a gente
chegou a tocar junto. Depois que a gente (+) que eu aprendi com ele, 8 meses que eu fiz, e aí a
gente montou um grupinho e chegou a tocar junto um tempo também. E aí, foi assim que começou,
os primeiros acordes, e ele, hoje em dia diz que eu fui o melhor aluno dele, foi o que desenvolveu,
foi o que saiu para tocar, né? Porque os outros era só aprendendo em casa mesmo, e hoje eu dou
umas “aulaszinhas”, né? O que eu aprendi, o básico, né? Iniciante, dou aula para iniciante.
263
12. Descreva a sua trajetória formativo-musical, no que diz respeito ao estudo do violão.
Se você estudou em escola especializada, festivais, cursos, aulas particulares e troca de
experiências com outras pessoas, eu queria que você falasse um pouco sobre a questão do
seu estudo com o violão, se você só estudou com esse amigo, ou se teve outros contextos
como esses que eu citei.
- Certo, eh:: não. Foi só com ele mesmo. Aula, aula, foi só com ele, com o Aurélio, certo? Agora o
restante, eu fui descobrindo ouvindo, e vendo, né? Os vídeos, que eu comecei vendo o barzinho,
violão, DVD, né? E ficava observando os caras, as maneiras deles tocarem, ouvindo, né? Os
ritmos, aqueles ritmos, puxadinho de arpejos e tal, isso eu não aprendi do professor não, eu aprendi
ouvindo, aqueles ritmos da Bossa, do Samba, dessas coisas, né? Eu passei a observar e acabei que
fiquei obcecado por aquilo ali. De tanto eu pegar o violão e ficar de 7 horas da manhã e parar 11
horas do dia, praticando com o dedo doendo, botava no gelo, para (risos) voltar a praticar de
novo, então foi assim que fui descobrindo, não foi de aulas, aulas foi só o básico.
- Então, nesse caso você não participou de nenhum festival, nenhum curso, no caso você
chegou a trocar informações com outros amigos que estavam aprendendo esse tipo de
coisa?
- Não, isso não. Eu cheguei a participar de um festivalzinho de música da igreja, mas foi só com uma
composição autoral, né? Onde a gente fez (+) mas foi só uma participação, com o ministério. Mas
essa questão aí não, de trocar experiência, não.
13. Janilson, você utilizou em suas horas de estudo recursos como CD’S, DVD’S,
vídeo-aulas e gravações?
- Na minha época eram as revistinhas, aquelas revistinhas que compravam nas livrarias, né? Aí foi
por elas que eu fui desenvolvendo também, pegando as letras, as cifras, pegando as cifras, e o mais
foi de ouvido mesmo, ouvindo o CD, com o fone de ouvido e tentando pegar aquele acorde e
copiando mesmo, ouvindo o CD e parando, copiando a letra e copiando o acorde, e assim eu fazia
quando eu ia mudar de tonalidade a mesma coisa, eu pegava a música todinha de ouvido quando
acabava, copiava os acordes e ia anotando em baixo, baixando o tom, aí foi assim, desse jeito, não
foi CD nem DVD.
- No caso, então você utilizou revistinhas de violão?
- Isso. Revistinhas de violão.
264
14. No caso, qual é a sua percepção sobre estes recursos? Como ajudou na sua formação
como violonista?
- A revistinha me ajudou bastante, porque na época não tinha esses recursos de internet, se tinha,
mas eu não tinha condições ainda, então a revistinha ela ajudou bastante, porque alguma coisa que
eu pegava de ouvido, como era ainda no começo, e às vezes estava até errado, né? Né nem
correto, o acorde, e eu lá na revista tirava dúvida, o desenho do acorde, né? E eu cheguei a
comprar um dicionário de acordes, que é uma revistinha, aí eu fui descobrindo vários acordes
dissonantes por alí, aí isso ajudou bastante.
- Janilson, você ainda possui esses materiais?
- Não (risos) porque depois que eu conheci aqui a internet eu esqueci os livrinhos e eu acabei
emprestando um e pronto, desapareceu (risos). Mas é muito interessante as revistinhas de violão, e
hoje o pessoal não está utilizando mais, né? O pessoal está mais na internet e o Cifra Club é bom,
mas é um problema, e eu já passei por esse problema. Quando eu descobri o Cifra Club eu
pegava uma música cifrada aqui, olhava aqui, é bom demais, mas a gente acaba ficando preguiçoso,
deixa de estudar porque já tem pronto, aí um dia eu tava tocando e a cifra apagou e eu me perdi, aí
eu: “Opa, isso aí não está certo não, tenho que volta para o estudo”. (risos)
- Preguiçoso em que sentido? Da gente não decorar as harmonias?
- Isso, a gente fica preguiçoso, porque a gente tem tudo pronto, aí eu ouvia uma música aqui e isso
aqui eu só ouvi, é só pegar alí uma cifra e tocar, eu não preciso decorar, certo? Aí a gente fica com
preguiça de ensaiar, porque pegar a música, ensaiar e decorar, né? E quando a gente decora, faz
com que a gente pegue aquela sequência e quando vai para outra música (+) às vezes alguém diz
assim: “Dá o tom de dó”, aí o cara pega aquele tom e desenvolve o restante, né? Isso com estudo,
aí quando a gente só pega na cifra, a gente se perde nisso aí porque a gente fica só na cifra, a gente
não estuda mais (risos) aí a gente fica preguiçoso nesse sentido que eu falei.
15. Janilson, você iniciou o seu estudo através de partituras? Ou tocava de ouvido,
juntamente com cifras e tablaturas?
- Na verdade, foi só uma apostilazinha, né? Escrita pelo professor Rosálio Martins, só mesmo (+)
ela só tem mesmo os acordes de Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si (risos), os acordes naturais, então a
minha preocupação foi decorar aquilo ali, eu peguei, decorava do Dó até o Sí, Dó com sétima, até o
Si com sétima, depois menor, e depois os menores com sétima e aí pronto, aí daí eu já passei a
ouvir pegando de ouvido, tanto que a primeira música que o professor, que ele me passou, eu fui pra
casa com ela e pedia outra, né? Ele disse assim: “Não, vamos pegar essa primeiro, depois a gente
vê essa daí.” Só que quando eu voltei na aula seguinte, eu voltei tocando a música que ele tinha
265
pedido (risos) e ele se admirou disso, né? Então daí ele disse assim: “Com você vai ser bem mais
fácil trabalhar” (risos) e aí foi (+) e até daí ele passou a me levar para a casa dele e me mostrar
como pegar música de ouvido e isso aí me ajudou também bastante.
- Janilson, nesse caso, você poderia falar como foi essas dicas que ele te deu para pegar
música de ouvido?
- Sim, ele botava lá o som para tocar e indicava o baixo, né? Ele dizia: “Janilson o baixo, se liga no
baixo, que é a nota mais fácil da gente escutar.” E aí, eu peguei essa ideia do baixo, se o baixo é Fá
o resto do acorde é Fá, ou Fá menor, aí vai testar, né? Ou sétima, aí depois eu fui descobrindo,
sétima maior, né? Eu vou testando e aí não dá de acordo com aquilo que eu estou ouvindo, aí eu
vou testando, até que (+), né? Já com o tempo, a gente acaba acostumando (+) já hoje é diferente,
a gente já escuta aqui e já pega o acorde completo, né? De uma vez (risos) mas foi dessa forma
que eu comecei a pegar música de ouvido.
- Eu gostaria que você falasse só um pouco mais como é que você aprendeu a questão da
leitura de cifras, e eu também gostaria de saber se você sabe ler partituras.
- É, leitura de cifras foi só na apostila mesmo, eu decorei, né? Eu decorei tanto a letra alfabética da
nota, do acorde, né? Que o Si é o B, o C é o Dó e decorei as posições, eu pratiquei mesmo para
decorar mesmo, decorando. Agora a questão da partitura não, eu nunca estudei partitura. Eu já
estive vendo um amigo meu que foi estudar partitura e me mostrou como é que era e eu disse assim:
“Então, isso aí eu sei fazer tudinho mass não sei o que é” (risos) a partitura, né? É tudo que a gente
sabe fazer mas não sabe ler, porque não estudou aquilo ali, então é isso aí, partitura eu nunca
estudei.
17. Janilson, você possuía alguma rotina de estudo? Você estudava de segunda à segunda,
ou você intercalava, segunda, quarta e quinta? Ou você tinha uma certa rotina de estudos?
266
- Era toda hora (risos), segunda à segunda, na verdade era domingo à domingo, pronto, o tempo
que eu estivesse em casa eu tinha que pegar no violão, eu não posso ficar (+) até hoje eu não posso
dormir sem pegar no violão (risos) é desse jeito, tem que estar com ele nem que seja para (+) tocar
uma musicazinha, né? Ou fazer um exercício, mas é isso aí.
18. Janilson, havia alguma sistematização no que diz respeito à sua aprendizagem do
instrumento? Por exemplo: Hoje é segunda, hoje eu vou estudar acordes, amanhã eu vou
estudar técnica, depois eu vou estudar “tirar de ouvido”, você tinha uma sistematização no
que diz respeito ao seu estudo do violão?
- Tinha, assim, porque quando eu comecei tocar (+) passei a tocar para os amigos, nas calçadas,
aquela coisa, então alguém me apontava uma música e eu: “Hoje eu vou pegar essa música”, então
eu sentava lá e pegava música de ouvido, copiava a letra, cifrar, e depois decorar e esquecer o
papel, decorar, aí decorava tudinho. Então eu tirava o dia para tocar, para pegar música, (e naquele
mesmo dia) já começava a treinar, no outro dia eu já ia tentando tocar sem olhar o papel, então eu
só saia dali quando eu decorava aquilo alí tudinho, agora só que, momentos antes, tinha o momento
de praticar exercícios e depois ia pegar música e depois ia para a calçada (risos).
- Então você estudava técnica todo dia também?
- Todo dia. Todo dia eu praticava.
- No caso, esses exercícios de técnica você aprendeu onde?
- As escalas eu aprendi com ele, a escala, né? as escalas normais, simples, né? Agora os exercícios
que eu aprendi, também são mais simples, foi pela internet, né? Agora umas coisas simples que ele
me passou (+) né? Questão de escala, essas “escalaszinhas” que eu ficava praticando todo tempo.
- No caso, nessa sua rotina de estudo, você elencava mais pegar músicas e técnicas, ou
você colocava também a questão de estudar teoria? ou era mais a questão de repertório e
técnica?
- Era mais repertório e técnica, a teoria foi muito pouco, só no momento em que eu estava
estudando com ele, a teoria, né? Tanto que eu não sou muito bom de teoria (risos) Mais era para
pegar mesmo a música e cantar, porque o meu destino era cantar, tocar e cantar, tanto que eu faço
poucos solos, porque o meu destino era tocar e cantar, era assim, então foi montar repertório, eu
montei um repertório de sessenta músicas e passei a cantar no seco, sem som, sem nada, foi até em
um final de ano aí, na casa de um amigo, roda de gente, e eu no meio lá, cantando de dez horas até
uma hora da manhã, nesse dia eu fiquei rouco (risos).
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20. Janilson, você possui alguma influência, músico da cidade ou do cenário nacional, que
tenha contribuído para a sua formação como violonista?
- Tenho. Faz muito tempo (+) eu conheci o violonista Robson Miguel, ele é de São Paulo, Robson
Miguel, foi naquelas fitas K7, aí aquilo ali me encantou, aí naquilo ali pronto, eu passei a ouvir
Robson Miguel e passei a buscar fita, nunca consegui o DVD, só que hoje com a internet, eu passo
o tempo escutando o Robson Miguel, até no celular, né? (risos) Então isso aí me influenciou
bastante, eh::: a maneira de tocar, porque as pessoas às vezes dizem que eu tenho uma maneira de
tocar diferente, né? Que eu toco sempre na igreja, muito, né? Na igreja, mais é na igreja. Então eu
observo o que é diferente dos outros que tocam, mas o que eu busco é ouvir eles, né? O Robson, e
tento tirar alguma coisinha, do estilo, acabo criando um estilo próprio, né? Ouvindo um, ouvindo
outro, e hoje também eu conheço o Marcos Kaiser, eu acompanho também ele, e o Yamandú.
- No caso, quais são as contribuições que você acha que o Robson Miguel e o Marcos
Kaiser e o Yamandú trouxeram para a sua formação como violonista?
- (risos) A questão de solos, né? O Robson Miguel ele tem um estudo de aula, que ele tem até na
internet, que eu peguei, de escala, essas coisas, ele dá aula, né? E o Marcos Kaiser também, mas, é
a maneira de tocar, a maneira de tocar é diferente, eu sou encantado pelo Robson, porque ele toca
e conversa ao mesmo tempo, né? Eu não sei como é que ele consegue aquilo (risos) dá a entrevista
268
tocando, então isso aí, quando eu passei a ouvir, eu comecei a querer fazer alguma coisa parecida,
nunca consegui não (risos), mas, aí vem a mania de tentar solar no acorde, foi por causa do (+)
- Do Robson Miguel.
- É. Eu vi ele fazendo aquilo, né? Então passei a tentar solar nos acordes, então eu via sempre as
pessoas tocando, e fazendo as viradas no baixo, e eu achava bonito, mas eu já faço diferente, né?
Eu puxo nos agudos, às quartas, né? As nonas, fazendo aqueles dedilhadozinhos dentro do acorde.
E também adquiri o baixo, aquela questão do Samba, né? Pa Pum Pa Pum (exemplificando os
baixos do violão no ritmo de Samba) usando a base e o baixo ao mesmo tempo, foi escutando
ele, o Robson Miguel, e até o padre Jairo um dia me parou acolá e perguntou se eu já tinha feito
violão clássico (risos) e eu: “Não padre.” Não tenho esse estudo não, porque ele disse: “Rapaz teu
violão é uma coisa, é diferente, tem um negócio diferente” (falando empolgado) mas foi isso aí, eu
falei para ele que era observando esses violonistas e que eu acabei tirando alguma coisa pra mim.
21. Janilson, você acredita que a troca de experiências com outros músicos, ou amigos e
familiares, contribuiu para a sua formação como violonista?
- Contribui, contribuiu bastante. Porque quando a gente passa a observar alguém, a gente passa a
ter mais vontade, né? De ter mais vontade de tocar, se a gente ficar só em casa, eu vou aprender,
vou ficar ensaiando (+) isso acaba ficando meio (+) a gente tem que mostrar tem que tocar para
alguém, ou tem que ver alguém tocando, e a família também ajuda, fica pedindo para tocar, toca
essa música, toca essa aí (falando como se fosse alguém da família pedindo uma música) e
acaba a gente pegando aquilo ali, tocando pro povo e vai gostando cada vez mais, né? Vê que o
povo tá gostando e (+) (risos).
22. Houve desafios enfrentados por você para se tornar violonista? Se sim, quais e como
você conseguiu resolvê-los?
- Não, não houve desafio não. Não ouve, quando eu entrei não teve nenhum impedimento, todos a
favores.
23. Você teve acesso à aulas ou quaisquer experiências na Escola de Música de Sobral ou
no curso de Licenciatura em Música da UFC?
- Não, não tive. Tentei na escola de música, mas, a questão do tempo e do horário de trabalho, não
deu certo, e aí depois veio o casamento e a condição, e não deu certo também (risos), me
incentivaram bastante para eu ir para a UFC, né? Só que também não dá. Mas eu estou contente
com o que eu tenho, estou muito feliz.
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25. Janilson, em que momento você começou a ganhar dinheiro com suas atividades
musicais?
- Quando eu passei a fazer voz e violão nos barzinhos, né? Restaurantes, por aí. Na verdade eu
comecei com os amigos tocando para (+) aniversários, essas coisas, e o salão de beleza que tem ali,
eu tocava por (+) eu comecei assim, eu tocando lá, as músicas, o repertório, ai eu escutei alguém
dizendo assim: “Rapaz, esse rapaz tem condições de ir para a noite”, ai aquilo foi despertando a
ideia, aí comecei a tocar para os amigos, né? Aí foi festinha de final de ano, e aí eu já comecei a
ganhar uns “trocadinho” e aí fui me interessando mais, né? Aí fui (+) onde fui parar nos restaurantes
(risos).
- Numa churrascaria que hoje nem existe mais, mas era aqui próximo ao posto, flash, né? Na
pracinha que tinha ali, eu passei um ano tocando lá, um ano tocando lá, bem baratinho (risos) mas
que me ajudou bastante, inclusive eu paguei minha moto lá, paguei minha moto lá, aí de lá o pessoal
começaram a me ver, porque ali, é movimento, né? E dali, começaram a me levar para recepção
(+) de casamento, essas coisas, aniversários, e de lá eu fui parar no Delícia, Delícia.com, onde eu
digo que é o ponto dos músico, que os músicos de Sobral, tudinho tocam lá, e aí eu conheci o
Mário, o Mário da Pizzaria, e passei a tocar pra ele, e nesse momento aí ele me contratou e eu
passei dois anos com ele, direto, dois anos direto, lá no Rancho Flash, né? Parou agora por causa
da pandemia.
27. Janilson, você precisou estudar mais para as novas demandas de atuação? Se sim, o
quê e de que forma?
- Eu precisei estudar mais. Porque, como eu falei lá no início, eu escutava muitas músicas mais
simples, que o estilo era Amado Batista, Bruno e Marrone, quando começou aquela explosão lá
naquele acústico, aí o pessoal queria aquilo, e eu montei uns repertórios bem (+), né? Mas quando
eu conheci o Geronimo (+) aí eu tive que estudar porque eu tive que pegar, ir pra Bossa e pro
Samba, não tive como ter aula, mas, na verdade eu estive observando as aulas pela internet, né? Os
caras passando como é que fazia o ritmo e tal, e eu ouvindo ali, pegando e desenvolvendo,
praticando em casa, dessa forma, né? Eu busquei um pouco desse estudo pela internet.
28. Janilson, quais estratégias você utiliza para memorizar uma música nova?
- Quando eu comecei, eu botava a música para tocar e cantando junto e já pegando o acorde junto,
só que com isso, eu passei a perceber que isso levava um tempo, e aí, até pouco tempo, eu
comecei a observar (+) devido ao horário de trabalho que mudou, então eu tive que pegar bastante
música para tocar no final de semana, na igreja mesmo, eu tive que ficar ouvindo lá, para praticar em
casa, pegar em casa, e eu percebi que quando a gente ouve, que bota na mente, quando vai pegar é
bem mais rápido, aí eu adaptei essa técnica agora, eu escuto bastante, depois eu vou pegar, aí se
torna bem mais rápido (risos) é essa forma que eu utilizo hoje.
29. Na sua opinião, o que é que deve ser mais priorizado na aprendizagem do violão? Saber
ler partitura? Desenvolver a técnica violonística? Queria que você comentasse um pouco.
- Eu acho que é (+) as duas coisas na verdade, a teoria e a prática, né? Mas para quem precisa
trabalhar logo, eu acho que a prática, tem que se dedicar bastante, né? E a teoria em seguida,
pouquinho, e isso é um problema às vezes lá na casa da música, que as pessoas às vezes desistem
271
de lá, porque quando chega lá é muita teoria, teoria, teoria, e pouca prática, então eu já ouvi alguns
relatos dessa forma, que na casa da música passa muita teoria e a gente acaba não aprendendo.
Então, quando a gente vai para o particular, a gente aprende logo a tocar, né? E vem a teoria, mas,
eu acho o seguinte, tem que priorizar para tocar, a técnica, e a teoria, se você quiser ser professor,
aí você prioriza a teoria.
- E em termos de conteúdo, o que seria a questão da técnica, e o que seria esses conteúdos
que a pessoa tem que aprender, assim, que deve ser priorizado?
- Eu acho que é a questão mesmo de ritmos e de acordes, né? Porque hoje, as músicas hoje, são
diferentes, antigamente era umas “musicazinha” Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, hoje já vem dó com
nona, dó com sétima, sétima maior, quarta e nona, essas coisas, sétima e nona, então, eu acho que
tem que priorizar essa parte, essa questão aí de formação de acordes, certo? A formação de
acordes é muito importante, porque vai precisar, se for pegar música de ouvido e não tiver formação
de acordes, vai sofrer (risos).
30. Janilson, como você desenvolveu sua consciência harmônica, ou seja, o conhecimento
sobre acordes, a transposição de harmonias para outras tonalidades, eu gostaria que você
falasse sobre esses processos.
- Bom, essa questão aí (+) eu (+) foi a questão mesmo na caneta. Eu desenvolvi para mudar de
tonalidade, né? Baixar o tom, anotar, aí eu fui decorando aquilo ali, depois eu fui tentar tocar a
música que eu já tocava, mudar o tom dela já na mente, né? Pensando naquele acorde anterior e
fazendo outro, essa foi uma técnica que eu usei, uso até hoje ainda isso aí, eu pego a música e toco
Mi menor, Dó e Ré, eu penso, né? Fá sustenido menor, Ré e Mi, pronto, eu penso nesse acorde e
vou montar aquele, pensando no outro, essa é a fórmula que eu utilizo. Acho que para quem não
teve o estudo (risos) eu acho que é interessante fazer isso.
- Então foi assim que você estudou transposição?
- Foi assim que eu estudei transposição. Primeiramente anotando no papel, depois pegando e
tocando sem olhar para o papel, fazendo transposição na mente, ou olhando a cifra aqui, né? A
música é em Dó, e eu tocando ela em Ré, olhando para a cifra em Dó, mas, tocando em Ré, sabe?
Isso a gente tem que pensar já lá na frente, se eu estou fazendo Dó, já tem que pensar que o Ré é o
Mi.
- Quando você está escutando uma música, você tenta identificar os acordes? Você tenta
identificar a forma da música? Como é que você escuta uma música normalmente?
- A música que tem para pegar, eu observo os baixos, primeiramente, e o fone de ouvido ajuda
bastante, né? Pegar pelo fone de ouvido, porque antes eu não usava, aí eu botava o fone de ouvido
272
(+) mas quando eu botei o fone de ouvido, eu percebi que é bem diferente, percebe até os agudos,
né? Às vezes até o acorde completo logo, de primeira, mas eu utilizo a forma do baixo, a primeira
nota inicial que eu acho é o baixo, muito rápido, se o baixo é sol, eu vou combinar com o resto do
acorde.
32. Normalmente, o que você faz quando não conhece uma música, mas tem que
acompanhar?
- Fecho o olho (risos) e tento achar a nota inicial, né? Na verdade, quando acho a nota inicial fica
mais fácil, na verdade quando a gente conhece a música e não sabe tocar aquela música, se torna
mais fácil, né? Porque reconhece a melodia, e aí a gente dá a nota e aí vai, agora quando a pessoa
começa a cantar uma música e a gente buscar os acordes, isso aí é bem complicado, como o Padre
273
Jairo gosta de fazer (aí começa a falar como se fosse o padre): “Dá um mi menor” (toca o acorde
no violão) aí ele começa a cantar, e você tem que se virar para achar o resto das notas, né? E eu
consegui tocar as músicas com ele, dessa forma, né? Eu acho que de tanto praticar, o som parece
que fica na mente, né? O som dos acordes, quando ele dá a nota cantando, automaticamente vai
buscando aqui, então é um pouco complicado isso aí, né?
- No caso, você pensa em campo harmônico?
- Eu estudei pouco, campo harmônico, na verdade nem estudei, eu estive olhando agora há poucos
dias, né? E eh:: o campo harmônico não, não, eu não estudei, mas eu sei muito pouco, muito pouco.
- Então normalmente você tenta achar a tonalidade da música?
- Sim. Na verdade o campo harmônico, talvez seja quando eu comecei a aprender, não foi com
esse nome campo harmônico, mas, sequências, chamadas, né? Às sequênciazinhas, eu peguei sim,
algumas sequências, de dó, de ré, e isso também ajuda bastante na questão de pegar uma música,
na hora que alguém canta, né? Dá um mi, ah isso aqui é facinho, é só sequência, talvez esse nome
sequência, é o campo harmônico, e eu não estudei, mas eu estudei dessa forma, sequência.
- Então, no caso, quais as principais ações que você faz quando você não conhece uma
música, mas tem que acompanhar? Primeiro você encontra a tonalidade? E depois você faz
o quê?
- Primeiro eu encontro a tonalidade, depois é só seguir o cantor, esperar o que vai vir depois, o que
a voz vai vir para mim, e aqui, eu vou tentando buscar, o mi menor (exemplificando) se ele disse:
“Dá um mi menor”, mas tem música que é muito fácil, né? Tem aquela, caminhando e cantando
(risos) mas eu cheguei ao ponto de de (+) deixe eu lembrar aqui a música que ele pediu, ele pediu
(+) ele pediu um Ré, pronto: “Dá um Ré” aí ele começou a cantar (janilson começa a cantar):
“Um certo dia” e eu nunca tinha ouvido, e eu não sabia nem o ritmo, aí eu peguei a nota (começa a
cantar) “Um certo dia, à beira mar, apareceu” (começa a cantarolar e tocar a música) aí eu
lembrei da sequência (volta a cantarolar e cantar). Então, eu escuto primeiro a voz (+) achei o
acorde inicial, eu escuto primeiro o que vem depois, eu paro aqui, depois quando ele vem com a
segunda nota lá na voz, aí eu acho o resto da sequência, né? Aí o resto da sequência aqui, boto o
mi menor, o ré, tem o lá, vai pegar o sol, si menor, aí é o ouvido que vai dizendo.
33. Como você faz para desenvolver a sua técnica violonística? Ou seja, os ritmos da mão
direita, e a sua técnica de mão esquerda.
- Bom, isso aí eu costumo praticar bastante, a mão direita (+) eu na verdade prático as duas ao
mesmo tempo, né? Eu fico ouvindo primeiro e depois vou fazer e repetir isso várias vezes (começa
a tocar um exercício) aí eu vou praticando isso aqui, agora tem a questão do ritmo, né? Que eu
274
também não sabia, mas a pessoa abafar a corda e fica fazendo o ritmo (começa a fazer um ritmo
no violão com as cordas abafadas) seguro nisso, aí boto o acorde (começa a tocar um acorde
com um ritmo abafado) essa técnica, eu não sabia, eu fui aprender depois, já de muito tempo, mas
eu praticava já o ritmo direto todo tempo, ouvia, pegava e ficava fazendo isso, direto, né? Insistindo
direto.
34. Janilson, eu sei que a gente já falou um pouco sobre isso, mas, como você faz para tirar
música de ouvido?
- Eu utilizo muito o fone de ouvido, né? Mas primeiro eu escuto a música, hoje eu aprendi a escutar,
antes eu pegava e botava e já botava já para pegar já os acordes, mas, hoje eu escuto a música
todinha, depois volto de novo, aí eu vou o quê? Vou pegando nota por nota, na verdade com o
tempo a gente vai pegando mais rápido, mas existe as músicas mais difíceis, que aí leva um
pouquinho de tempo, é a questão mesmo, eu vou pelo baixo (toca o baixo do acorde) mantém o
baixo, se o baixo for mi, ou vai ser mi menor ou mi, agora a gente hoje, com o tempo que a gente
passa a escutar um estilo mais avançado, né? A Bossa, a MPB, a gente já consegue distinguir
aquela nota, que não é uma nota normal, né? Que não é um acorde normal, então a gente vai direto
logo procurando o acorde, a gente já consegue perceber logo esse som, é diferente.
35. Janilson, como você lida com o erro? Você sente nervosismo ao tocar?
- Eu sentia bastante, eu sinto às vezes em momentos em que eu não tenha ensaiado, né? Muito, se
eu ensaio pouco eu tiro pouco tempo para ensaiar, eu fico nervoso na hora de fazer, né? Sempre
quando vai iniciar alguma coisa, mas, hoje em dia é mais tranquilo, hoje em dia é mais tranquilo, mas
só que a gente fica (+) na verdade a gente fica inseguro, fica inseguro, né? Fica inseguro, agora a
questão de tocar e cantar, ajudou bastante a tirar um pouco o nervosismo. Mas sempre dá um
nervosismo, é normal (risos).
37. Em sua atuação como músico, você sente falta de algum aspecto que faltou na sua
formação musical?
- Sim, eu sinto falta das escalas, porque eu fiz só a escala normal, básica, né? Porque hoje tem as
pentatônicas, tem aquelas outras escalas, que eu não estudei e isso faz falta bastante na questão da
improvisação, né? Questão de improvisação utiliza muito elas, eu estive observando na internet, mas
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é interessante ter um estudo, porque se não tiver, não vai não, vai pelo ouvido mesmo, mas, nunca
vai igual ao estudo, pentatônica tem que estudar, isso fez falta.
38. Em sua opinião a atuação profissional contribui para a sua atividade como violonista?
Se sim, de que maneira? Fale um pouco sobre a sua experiência como músico profissional?
- Contribuiu bastante porque eu tive que praticar mais, né? Antes eu pegava só para tocar em casa,
mas quando eu passei a trabalhar com a música, aí tive que me dedicar mais naquele contexto ali,
naquele repertório, ouvir mais, observar mais os músicos tocando, ver como é que eles estão
fazendo, tentar fazer um pouquinho diferente, ou parecido (risos) eu sempre observo os melhores
violonistas, aí eu tento ficar parecido com ele para ficar diferentes dos outros (risos) é uma técnica
(risos) é desse jeito, não tem estudo, mas tem a técnica, a força, né? (risos).
39. Na sua opinião, quais as competências necessárias para atuar como violonista em
Sobral-CE?
- Aqui é complicado, porque o que vê mais aqui em Sobral é o Forró, né? Estilo de música que
hoje em dia está meio complicado, né? O violão já puxa aquelas músicas mais clássicas, aquela
coisa mais bonita, né? Mais gostoso de ouvir, então para atingir o gosto de Sobral aqui é difícil, na
verdade, eu acho que buscando aqui o Pé de Serra, ele agrada, ele agrada (começa a tocar o Xote
no violão) e já puxa um pouco do estilo, né? “Puxadozinho” do (+) (começa a cantar Numa Sala
de Reboco - Luiz Gonzaga) eu percebi que esse estilo agradou bastante quando eu comecei a
trabalhar com a música, é tanto que eu montei um repertório de oito músicas pra pegar direto,
porque agradou bastante botar o povo pra dançar, mas, só que vendo o contexto das músicas de
MPB, se torna um pouco mais difícil, né? Para contrato, essas coisas, pro baile, hoje em dia estão
buscando muito DJ, muita zuada, né?
- E esse ritmo de Xote, como é que você aprendeu?
- Ouvindo (risos) só ouvindo, isso aqui tudinho foi só ouvindo, eu só aprendi com aula isso aqui
(começa a tocar uma batida no violão) e aprendi isso aqui (começa a tocar outra batida no
violão) pronto isso aqui eu aprendi, o resto foi ouvindo, essa questão (+) (começa a tocar Samba)
ouvindo.
não perder, né? Aquele (+) porque se não, se ficar naquele (+) eu tive parado esses dias, parei
mesmo, então hoje eu estive dando uma ensaiadinha aqui (risos) porque até na pandemia, o que
aumentou foi o trabalho lá na igreja, né? Passei a assumir bastante, mas não parei de tocar, parei o
repertório, eu parei de pegar o estilo mais de Bossa, porque quando eu comecei a trabalhar sozinho,
aí veio muitos pedidos de Roberto Carlos, que aqui em Sobral, Roberto Carlos, pronto, pediram
Roberto Carlos, Zé Ramalho, aí tem que botar esse estilo, é muito difícil alguém pedir Garota de
Ipanema, aqui em Sobral é muito difícil.
41. Janilson, que violonista da Cidade de Sobral você aconselha conhecer e escutar?
- Eu conheço, e acompanho ele bastante, que é o Reginaldo Fialho, né? Eu gosto muito dele, o
estilo dele eu gosto bastante, Uélito (risos) gosto do estilo do Uélito, estive acompanhando ele no
Youtube, está se transformando no maior Violonista de Sobral ele (risos), acompanho bastante o
Reginaldo Fialho pelas lives dele, certo? Os shows que ele faz lá, a gente conversa.
42. Quais as principais dificuldades que você visualiza na formação dos violonistas da
nossa região?
- Eu creio que as dificuldades é essa questão de ritmo de Bossa, de Samba, aqui é raro encontrar
alguém aqui que toque dessa forma, é raro, a galera toca mais é o Pop, o Sertanejo, aquilo que o
povo pede, né? Mas a pessoa para gostar do violão mesmo tem que insistir, não tem como não, o
estilo parece que pede, né? O violão pede esse estilo, então eu creio que a dificuldade seja essa.
Pelo que eu já observei, eu já escutei muito violonista tocando, e o único que eu vejo fazer mais
isso, é o Reginaldo, o Reginaldo Fialho, ele toca os outros estilos tudinho.
- É, nas suas aulas, você como professor, quais os principais conteúdos abordados em suas
aulas e por quê você aborda tais conteúdos?
- Bom, como o pessoal gosta muito de (+) nas aulas particulares não querem nada de teoria, o
negócio é tocar, então eu abordo a questão de ritmos e de acordes, só, quer tocar? Abordo ritmos
e acordes e praticar, pratico bastante, praticar bastante, porque se não praticar, se tiver o violão e
não praticar é a mesma coisa de fazer um curso de computação e não ter o computador, é mesmo
que nada, é a mesma coisa (risos) Eu faço um curso de computação e não tenho o computador
para praticar, é como não ter feito o curso, e o violão, se você tem em casa, e tiver só aquela aula e
encostar lá, pronto, é mesmo que não ter tido a aula, só gastar dinheiro, isso que eu boto muito para
os alunos, falo muito isso.
45. Que conselho você pode passar aos estudantes de violão que querem atuar
profissionalmente?
- Estudar, buscar o estudo, na casa da música ou na UFC mesmo e buscar, porque é muito
interessante, se tiver condições vá atrás porque é muito bom.
46. Que outro violonista da nossa cidade você acha que eu deveria entrevistar e por quê?
- O Reginaldo Fialho, por que ele é um grande violonista, né? E tem um bom conhecimento,
inclusive ele é professor na casa de música, eu acho que daria uma boa entrevista.
47. Bem Janilson, esse era o último tópico do roteiro e eu gostaria de saber se o senhor
tem mais algo a acrescentar, que diz respeito à sua formação como violonista.
- Não, eu hoje tenho como (+) eu toco simples, eu sempre digo para as pessoas, meu tocar é
simples, né? É o básico, eu chamo de básico, foi o que eu aprendi, e o resto foi desenvolvendo
ouvindo, então não tinha uma formação, um estudo, né? Mais avançado, e foi só vendo pela
internet, alguma coisa, e pegando de ouvido, então só isso mesmo que eu tenho a dizer.
- Bem Janilson, muito obrigado pela sua entrevista, seus relatos são muito importantes
para esse trabalho, e eu agradeço e muitíssimo obrigado.
- Eu que agradeço e não esperava nunca passar por esse momento, pela formação de músico que
eu tenho, né? Então eu agradeço aí, por ter me escolhido para fazer essa entrevista. Isso também,
eu acho que vai me ajudar bastante.
278
Boa tarde, eu estou aqui com o violonista Reginaldo Fialho e eu vou aplicar a entrevista
com ele. Eu já falei como é que vai funcionar a entrevista e também expliquei que qualquer
dúvida que ele tiver, ele pode entrar em contato comigo para tirar qualquer dúvida, ou para
dar alguma sugestão.
1. Bem Reginaldo, por favor, me diga seu nome completo, sua idade e seu tempo de
carreira na música.
- Olá Eltim, boa tarde, eh Eltim, eu me chamo Reginaldo Fialho Rodrigues né? Nome artístico
Reginaldo Fialho, eh (+) no meio musical, contando com o ensino até os dias atrás que eu tou
trabalhando só com a tocada nas noites, eh (+) eu tenho aí 21 anos de de, NÃO, exatamente 20
anos na verdade, que eu iniciei em 2001, tá certo? Então tenho aí 20 anos de contato (+) digamos
profissional com a música, né? Trabalhando com a música, viu?
- E atualmente você está com que idade Reginaldo?
- Estou com 43 anos.
2. Reginaldo, por favor conte-me como surgiu o seu interesse pela música e a idade que
você tinha nessa iniciação.
- Eltim, na verdade o meu registro, que eu tenho desde que eu peguei a ter gosto musical, que eu
comecei a ter gosto musical, na verdade eu não consigo decifrar (risos) foi muito pequeno e eu não
tenho recordação por ser muito novo, na idade exata, sabe? Mas eu creio que a partir dos meus 4
anos eu já tinha (+) Eh a música enfim já me chamava atenção, sabe? Eh (+) o pessoal da minha
casa, irmãos, mãe e tal, né? o pessoal que vivia, né? Dentro do meu ambiente familiar, sempre eles
costumavam tá escutando música e tudo e eu creio que isso aí me estimulou desde o princípio,
279
sabe? E daí, quando mesmo criança, eu eu, que eu recordo, né? Instrumentos musicais quando de
repente eu via, sempre me chamavam a atenção, me lembro de algumas bandas de música na época
da minha infância aqui em Sobral e então tudo aquilo ali me chamava atenção, não só o fato do
instrumento e nem do estilo musical, mas de forma geral, o que envolvesse música me chamava
atenção, na verdade, né?
3. Nesse sentido, de onde é que vem o seu interesse pelo violão e como é que ele se tornou
o seu instrumento principal?
- Pronto, eh (pensando) desde o princípio, né? Quando eu comecei a ter contanto, quer dizer
quando eu comecei a perceber que eu tinha o gosto musical, eh (+) alguns instrumentos que eu tive
acesso, instrumento simples, simples entre aspas, né? Porque a gente às vezes tem mais acesso, tipo
uma flauta, até teclado mesmo, alguns “instrumentosinhos” de brinquedo, então, eh (+) esses foram
meu primeiros contato com o instrumento, e aí eu tinha um certa facilidade de pegar música de
ouvido, assim, tocando simples melodias, certo? Então quando entrou o violão na minha história, um
dos meus irmãos, que se chama até Aurélio, ele (pensando) a gente tinha adquirido aqui um violão
em casa e ele começou a aprender com amigos, né? Mas assim, naquela época eu não tinha ainda o
contato direto com violão, né? Não tinha ainda entrado no ramo do instrumento, né? Só que por
volta dos meus 16 anos, é que eu fui ter contato com o violão realmente, né? E foi também através
de amigos, amigos que estavam se interessando em aprender e aí eu fui pegando carona com eles,
né? Aí foi de onde surgiu o meu primeiro contato realmente com o violão, aos meus 16 anos, né? E
aí desde que eu iniciei o violão, né? Antes eu já tinha provado de alguns instrumentos, mas quando
eu conheci realmente o violão, eu realmente me adaptei bem ao instrumento, né? Então foi aí com
os meus 16 anos, o primeiro contato e onde eu me identifiquei com o violão.
4. Nessa fase inicial Reginaldo, quais experiências que você considera possuir que o fez
desenvolver como violonista?
- Eltim, na verdade, eu creio que tudo vem de influência desde a minha infância, né? E eu vejo
assim, como eu me identifiquei tanto com o violão, quando você começava a dominar uma canção,
uma peça musical, né? Isso me estimulava para aprender mais, aí canções e mais canções, vinham
as dificuldades, né? Na harmonia diferenciada de cada uma, então isso cada vez mais vai tornando
desafios diferentes para a gente, né? Então foi esse o princípio que eu tive no início, né? E daí pelo
meu gosto musical, aí eu já tava era criando repertório, né? Dentro desse contexto da dificuldade
que vinham as peças musicais, então era prazeroso e ao mesmo tempo eu estava somando
repertório, e isso acabava sendo desenvolvimento, né? Para o violão, mesmo sem ter conhecimento
280
teórico na época (risos) só nas leituras de cifras ainda a força, mas foi esse princípio, né? Que fez
eu dominar o instrumento no início.
6. Reginaldo, eu sei que você já falou sobre isso, mas eu gostaria que você falasse um
pouco mais da relação da sua família com a música. Nesse ambiente, tinha muitos
estímulos para você? No que diz respeito a seus pais, seus irmãos, escutavam muita
música? Você tinha acesso a instrumentos? Você pode falar um pouco da relação da
música com a sua família?
- Pronto Eltim, né? Frisando o que eu tinha falado lá no princípio, mas sem dar ênfase, né? Pois é,
eh eh eu graças a Deus, né? Eu tive essa oportunidade, né? De poder nascer numa família, não que
fossem instrumentistas, né? Músicos, mas que o pessoal estava constantemente escutando música,
né? E principalmente na década de 80, que a música teve uma grande expansão, né? Então, foi
fundamental, né? Os anos 80 pra música, popular principalmente, e tinha muitos estilos, não só
músicas eh eh nacionais, né? Mas também tinham as músicas internacionais, então eu fui crescendo
nesse ambiente bem musical, no intuito de você escutar e conhecer diferentes ritmos, né? Mesmo
sem ter a noção que eram ritmos diferenciados, né? Mas que hoje para o futuro, né? Veio todo
esse princípio, né? E junto com o estudo a gente vai sabendo identificar os estilos, né? Mas então
foi isso, eu creio que desde pequeno que eu fui crescendo ouvindo música dentro do ambiente
familiar foi que me estimulou mais.
cem por cento eh eh, me ajude aí Eltim, não nato, como é que se diz? Quase cem por cento
autodidata a princípio, então foi isso.
10. Qual é a sua percepção sobre esse repertório? Acredita que contribuiu para a sua
formação como músico?
- Sim, sim. Foi um passo inicial eh, bem importante para mim, né? Pelo fato da gente naquela época
(+) deu ser aprendiz, o Pop Rock ele tem uma linha harmônica que não é tão complicada, né? Mas
que você tem que saber bem empregar ali, os acordes dentro dos compassos, tudo que (+) na
época era o que mais complicava, né? Não era nem tanto em si a harmonia, então foi por esse lado
mesmo, né? Foi o Pop Rock no caso.
- Nesse caso Reginaldo, eu queria te fazer uma pergunta no sentido que, como tocar
Legião Urbana te ajudou a desenvolver mais no violão?
- É como eu lhe disse Eltim, digamos, eu tocar Legião Urbana, ele foi digamos um exercício
harmônico, né? Dali, daqueles acordes, digamos básicos, né? Então foi isso que me ajudou, né?
Principalmente quando chegava ali naquela pestana, coisa que (risos) para um iniciante é horrível,
né? Então, foi bem acessível e assim, sempre procurava eh eh, me expor, quando tinha uma peça da
Legião Urbana, né? Que a gente tocava ali e tal, que eu tocava, e isso acabava me estimulando
cada vez mais, né? E aí depois disso aí, com o tempo foi que eu fui partindo para um pouco (+) um
282
pouco para outro repertório, com uma harmonia um pouco mais diferenciada, um pouco mais
complicada, né? Mas que lógico que aquilo ali, naquela época lá da Legião Urbana, não era só a
questão da harmonia, é a letra que casa com a harmonia (+) que isso, tudo conquista a gente.
11. De onde veio, e como você conseguiu as primeiras informações que você utilizou para
tocar violão?
- Como eu lhe disse Eltim, um amigo meu, se chama até Emanuel, hoje em dia ele não mora em
Sobral, eh, Emanuel tinha comprado um violão, tinha (pensando) eh eh, como é que se diz? Ele
resolveu, né? Aprender violão e tal, disso comprou umas revistinhas de Cifras, que naquela época o
que? Não tinha acesso à internet e nem nada, quer dizer, não se tinha nem internet na verdade,
ninguém nem sabia (risos) Então o nosso aceso era o que? Era ir em uma banca de revista e
comprar lá uma revistinha de cifra, né? Então partiu desse princípio, né? Junto com esse meu amigo
eu acabei me desenvolvendo, né? A gente pegava ali a revistinha, ficava olhando ao lado a
formação do acorde, ali das posições, né? Na verdade, e daí a gente ia tentando empregar essas
posições dentro da letra da música, né? Então esse foi o princípio.
- E quando você sabia quando estava dentro do compasso ou fora, entendeu?
- Na verdade, assim, a gente não tinha essa noção de compasso, né? Então o que é que acontecia?
A gente ia pela mudança do acorde, né? Que a cifra traz em cima da letra, né? Agora eu
particularmente, uma das coisas que eu tive no princípio, né? Que eu fazia hoje em dia sem saber
que era marcação de compasso, mas eu ficava só tocando com a mão direcionada para baixo, né?
Um movimento de cima para baixo, ficava só tocando de cima para baixo e até chegar o próximo
acorde, na sua definida palavra ali na letra da música para trocar, então foi isso, era só uma batida
para baixo até chegar a próxima mudança, não era nem fazendo o ritmo e nem muito sabia que era
compasso aquilo (risos) e já estava trabalhando compasso na verdade.
- Nesse caso, depois que você fazia esse processo, você tinha conhecimento de quanto
durava cada acorde? Mais ou menos isso?
- Não, na verdade na época não, eu não tinha nenhuma noção a priori, era só no intuitivo mesmo,
sabe? Eu percebi que alguns acordes eram mais ligeiros de mudar do que para outros, né? Mas ali,
dizer que aquele acorde alí tem quatro tempos, e aquele outro só tem dois, eu não tinha, eu não
tinha essa percepção não, né?
12. Eu gostaria agora que você descreva a sua trajetória formativo-musical, no que diz
respeito ao estudo do violão, ou seja, se você estudou em alguma escola especializada,
festivais, cursos, aulas particulares e troca de experiências com outros músicos.
283
- Pronto, né? Eltim, nessa fase que eu iniciei o violão, foi 94, nessa época eu não morava em
Sobral, estava morando em Fortaleza, e eu retornei a Sobral em 99, de onde eh eh, foi um dos
primeiros cursos, digamos, de instrumentos populares lá na escola de música, né? Então foi o meu
primeiro contato, assim, com professor de violão, foi exatamente na escola de música em 99, certo?
E dali foi onde eu comecei a ter uma visão, tanto teórico como um pouco mais da prática, coisas
que eu não conhecia do violão, né? Mas daí eu passei pouco tempo, certo? Daí quando foi na
questão de dois anos, que foi em 2001, que eu comecei o ensino, aí realmente quando eu comecei o
ensino, eu ainda levei digamos entre aspas para a sala de aula só o meu conhecimento, né? E
enquanto eu estava dando aula, foi que eu comecei a trabalhar, a realmente estudar a música para
poder ter conhecimento de transmitir minha aula, está certo? Então foi desse princípio aí, né? Mas a
princípio o meu primeiro contato com professor foi na escola de música em 99, daí quando
passou-se o tempo, lá na (+) a minha primeira escola foi Trajano de Medeiros, iniciada no final de
2001, e daí a gente tinha tipo uma oficina, né? Tipo uma formação para professores.
- No Trajano?
- Isso, desculpe, isso pra prefeitura mesmo, para todos os professores, digamos, de música, né?
Que trabalhava música nas escolas, então a gente tinha essa formação, então foi o meu segundo
contato com a música, quer dizer, com o ensino musical, certo? Uma experiência teórica na música,
e aí tudo isso veio desenvolvendo e tal e em 2004 eu fui para a escola de música, né? Devido a
seleção, passei, e daí foi onde abriu mais minha mente, porque a gente teve contato com vários
professores e a gente acabava estudando juntos, né? E foi legal porque eu não ficava só no meu
violão, eu acabava aprendendo outros instrumentos e outros professores viam aprender violão
comigo, era tipo uma troca de experiências que a gente fazia dentro da escola e daí surgiu o
primeiro festival de Viçosa, né? Foi onde abriu muito a mente da gente, ali foi um salto muito grande
para o conhecimento musical, a partir desse festival de Viçosa.
13. Reginaldo, você utilizou em suas horas de estudo recursos como CD’S, DVD’S,
vídeo-aulas, gravações, todos esses materiais ou semelhantes? Se sim, como você
relaciona esses recursos com a sua aprendizagem no instrumento, como acontecia?
- Sim, sim, perfeitamente, eu fui buscar tudo isso, né? Mas tudo isso eu fazia de forma paralela, né?
Digamos, por exemplo, eu peguei um conhecimento ali, digamos, mais pessoalmente, mas depois eu
ia dá uma pesquisada ali num curso, digamos, que a gente comprava a revista numa banca, né? Ou
então DVD 'S, na época já tinha cursos, certo? Essa era da internet ainda não era tão forte, era bem
no princípio, né? Então não posso falar sobre a internet em relação a isso, mas era isso, eh eh, eu
mesclava o que se tinha aprendido pessoalmente e buscava detalhes de informações dentro de
284
revistas, né? De DVD 'S, de vídeo aulas, e também de livros, né? Livros direcionados, tipo “você
vai estudar harmonia” tipo isso, né? Então através de livros também, tá certo?
- Reginaldo, no caso, qual era o conteúdo que tinha nesse material que você estudava,
você poderia me dar algum exemplo? E também me mostrar como é que você estudava?
- Era tipo assim Eltim, na verdade eu estudava nessa fase do material concreto, eu estudava mais em
casa mesmo, né? Poucas vezes a gente se reuniu, né? Digamos, eu e alguns professores lá da
escola de música, na época, mas assim, o que eu estudava mais na época era coisas relacionadas à
harmonia, né? E também relacionada à notação musical, está certo? Então era isso, esse foi,
digamos, o material que eu estudava, né?
- No que diz respeito à harmonia e notação musical, você se lembra mais ou menos dos
conteúdos que eram? De harmonia, de notação musical?
- Sim, sim, assim, notação musical é (+) no caso do livro que eu adquiri na época, eu creio que (+)
não sei se é porque eu já tinha iniciado o estudo, né? Mas eu achei o livro que eu peguei na época
bem didático, sabe? Das notações, aí assim, na notação mesmo, ele já falava de intervalos
melódicos e tal, então foi tudo isso, eu tive a sorte, né? De ter pego um livro bem didático, e no
caso da harmonia, foi um pouco mais complicado porque harmonia é muita coisa para estudar, né?
O livro que eu peguei de harmonia, na verdade eu creio que eu nem domino tudo ainda que está lá
no livro (risos) mas que eu tirei muita bagagem desse livro, né? Já foi para intervalos harmônicos,
né? Formação de tríades, tetracordes, inversões e por aí vai.
14. Reginaldo, qual é a sua percepção sobre estes recursos? Como ajudou na sua formação
como violonista?
- Foram bem vindos, viu Eltim? Até porque, assim, uma coisa é você ir tocar por hobby, né? Ali
você não tem muita (+) eu não vou dizer nem a obrigação, não, né? Mas você não tem mais aquela
visão aprofundada do que realmente vem por trás da música, né? Que vem dentro da música, né?
Na verdade, e aí quando você quer se aprimorar e realmente quer trabalhar com a música, aí você
tem que procurar recursos mesmo, né? Então vem aí a importância de você ter ali o seu material
piloto, digamos assim, né? Para você desenvolver, porque por mais que hoje em dia tenha a
facilidade, digamos da internet, eu vou pegar uma música puta complicada, né? Uma harmonia (++)
bem (risos) fodástica (risos) queria dizer essas palavra não, mas foi o que veio (risos), músico é
assim mesmo, aí o que é que acontece, hoje em dia a gente tem essa facilidade, naquela época não
tinha, né? Ai o que é que acontece, o que é que adianta eu ir e pegar uma “harmoniazona” dessa
complicada se eu não tivesse a bagagem e eu não ter noção nenhuma do que diabo é que se
passava naquela harmonia, né? Então, eu acho que esse é o principal, né? Do contexto musical que
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você vai pegar uma harmonia, por mais difícil que seja, mas você sabe o que é que está fazendo, é
diferente de você ir pegar uma harmonia, você toca, toca bem, mas não sabe o que é que está ali
dentro, né? Então essa é a importância de você ter essa bagagem do conteúdo.
15. Reginaldo, no caso, eu gostaria de saber se você iniciou o seu estudo através de
partituras? Ou tocava de ouvido de ouvido, juntamente com cifras e tablaturas? Ou se você
estudava todos estes componentes juntos. Neste caso, gostaria que você comentasse um
pouco sobre estes aspectos, partituras, cifras e tablaturas.
- Na verdade, eu sempre fui mais voltado para o estudo de tablaturas, cifras, né? E o ouvido,
lógico, né? E assim, na questão da partitura, ela já vem muito para frente, exatamente da
necessidade de dar aula e tudo, né? Mas que realmente eu não uso ela como recursos deu tocar,
sabe? Tenho hoje em dia o conhecimento, né? Devido a necessidade de você dar aula, mas não
tenho aquela prática funcional da partitura não, né? O domínio geral da partitura eu não tenho, né?
Eu sou mais voltado então para o lado da cifra, no caso tablatura, né? E enfim, do ouvido mesmo,
né? Mas tenho a noção, né? Da partitura, mas não que eu executo com a partitura, certo?
- Digamos que a grande maior parte, foi através de cifras e tablaturas?
- Sim, sim.
- Você também citou a questão de tirar de ouvido, e eu queria saber, na sua opinião, o que
é “tirar de ouvido”?
- Eltim, eu acho assim, tirar de ouvido, falando assim, de um modo geral, eu creio assim, que você
ouve uma música ali, mas, lógico, você já deve ter o contato de algum instrumento, sabe? E dali,
quando você já percebe, sei lá, intuitivamente, você consegue tirar ali as notas do instrumento, ou os
acordes, né? Eu estou falando tanto melódico como harmônico, que aí, o que é que acontece, existe
esse primeiro lado, que você ouve uma melodia, ou uma harmonia e você já começa a produzir,
engatinhando e aí vai desenvolvendo, né? Tá certo? Daí, quando a gente vem amadurecendo tanto
no desenvolvimento do instrumento como contato e ensinamento, aí você já usa o recurso duplo,
né? Onde você usa o ouvido, como usa a teoria musical, você junta essas duas coisas e você pega
aquela música de ouvido de forma mais precisa, tem esses dois caminhos para pegar de ouvido.
- Nesse caso Reginaldo, eu gostaria de saber como é que você escuta uma música? Por
exemplo, você escuta primeiro a forma da música, ou mais nos acordes, esse é um acorde
maior, esse é um acorde menor, como é que é a sua escuta?
- Eltim, assim, a princípio, eu vou muito pela música que me agrada, certo? A princípio (+) tipo
assim, botando o meu sentimento, né? Porque assim, a música ela é incrível, porque de repente
passa uma música que você nunca conheceu e do nada ela bate no seu ouvido e você já gostou da
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música, então daí o meu primeiro princípio, nessa situação, o meu princípio é morrer de escutar ela
(risos) até, digamos, eu estar com o ouvido bem adaptado a ela e pelo gosto mesmo, né? Depois,
aí sim, eu vou trabalhar em cima de pegar ela e eu vou pela harmonia, né? E assim, acontece às
vezes de ter alguma dificuldade, de impor algum acorde ali, aí eu já pego a melodia pra tentar casar
com um acorde que vai vir aí a princípio. Às vezes nossa profissão, né? Tem que pegar uma música
e tal, né? Isso acontece muito, enfim, realmente é só você chegar, sentar e já vai tentando tirar os
acordes logo de cara, e automaticamente quando você está tentando pegar, aí você também já vai
absorvendo essa peça musical, então é por isso que eu falei da primeira forma, né? Que eu disse
“não, primeiro uma música que agrade”, você pega logo a bagagem todinha dela, você escuta
porque gosta mesmo e tem o outro lado que você não, você já pega uma música que você
realmente tem que pegar, pelo trabalho, né? E você já de cara, vai logo catando os acordes, vai
procurando entender a harmonia, a forma como você citou, e nessa parte você não assimila logo
ela, né? Junto com o que você tá pegando, você vai assimilando automaticamente.
16. Reginaldo, no que diz respeito ao seu estudo do violão, quantas horas você costumava
estudar por dia?
- Eltim, o que eu me lembro no princípio, era assim (+) a minha tara pelo violão foi tão grande, que
assim, na verdade eu não sei medir quantas horas eu ficava ali parando para pegar música, né? Mas
eu creio que eu ficava trancado dentro de um quarto umas 3 horas e eu nem percebia o tempo
passando, né? Eu só parava quando eu sentia os dedos doendo (risos) na verdade, e mesmo com
os dedos doendo ainda dava vontade, era só por conta dessa parte fisiológica mesmo é que eu
(risos) não conseguia mais.
17. Bem, nesse sentido eu queria saber se você tinha alguma rotina de estudo? Se sim,
descreva.
- Não, não, rotina mesmo não, era bem espontâneo, sabe? Até porque assim, no princípio não foi
aquela coisa “ah, eu vou aqui aprender esse instrumento e tal” não, eu peguei o gosto pelo
instrumento e dentro disso eu fui botando o meu gosto musical, né? E a minha vontade de cada vez
aprender mais, o instrumento, mas não era pretensão, assim, lá no princípio, tipo entre aspas, uma
obrigação, né? Tipo se eu fosse estudar em um conservatório, sei lá, você tinha que concluir aquele
exercício para tal dia, aí você tinha que se bitolar mesmo, né? E não, no meu caso foi de uma
maneira bem esporádica mesmo.
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18. Bem, nesse caso Reginaldo, você falou que não havia essa rotina de estudos, mas que
você passava bastante tempo tocando violão, nesse sentido, eu queria saber se havia
alguma sistematização no que diz respeito à sua aprendizagem do instrumento? Por
exemplo: vou começar estudando técnica, depois eu estudo acordes, depois eu estudo
escala, eu gostaria de saber se você pensava desse jeito, como é que você estudava violão,
o quê que você estudava?
- Não, na verdade, no princípio, eu estudava violão já com a peça musical mesmo, sabe? Não era
(+) é como eu lhe disse, na época não tinha nem contato direto com a parte teórica musical, né? Era
mais o gosto mesmo, e assim, no meu gostar, eu queria tocar bem, né? E eu gostava de música, e eu
pegava as músicas, ia aumentando o meu repertório, mas era tudo a questão de gosto mesmo, e o
que é que acontece, a minha forma de aprender e de dominar o instrumento foi pegando canções na
verdade.
19. Eu queria saber, na sua formação como violonista, o que é que você priorizava em
termos de conteúdos na aprendizagem do violão? E como é que você fazia para
desenvolver e aprender tais conteúdos?
- Isso ficou um pouquinho complicado, mas dá pra responder, sabe Eltim? Ficou complicado
porque, como eu lhe disse, eu trabalhava muito na questão da peça musical, né? Eu desenvolvia
muito, mas assim, quando eu passei a ir mais para a parte teórica, aí você tinha que parar para
estudar harmonia realmente ali, por exemplo, pelos menos a princípio, eu vou estudar harmonia, eu
vou trabalhar tal tom, eu ficava treinando ali, digamos a escala harmônica completa, mas só que
assim, a princípio ela não vai fixar, né? Ela só vai ser realmente, você juntando ela, dando um
sentido a aquilo ali, né? Que aí é onde vem mais uma vez a peça musical, né? Mas a princípio,
quando eu estava desenvolvendo a parte teórica, aí eu me resguardava um instante só para aquela
prática direta, depois é que eu mesclava com a peça musical, e também lógico, né? Até o trabalho
com a escala também, certo? Uma escala melódica mesmo, você tinha que estar ali, desenvolver os
seus dedos ali dentro das casas do violão e tudo, aquele desenho da escala, né? Mas ali, depois
você tinha que empregar uma melodia pra ela ter sentido, então era isso, nessa situação aí primeiro
fazia separado, eu treinava separado e depois eu juntava numa peça.
20. Reginaldo , você possui alguma influência, músico da cidade ou do cenário nacional,
que tenha contribuído para a sua formação como violonista?
- Tenho sim, eh, eu sempre conto essa história para onde eu vou Eltim, que um grande amigo meu,
tanto amigo próximo como amigo de profissão que é o Juca, Juquinha, né? Juca Viana, ele foi um
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dos fatores, para eu (+) não mudar o meu gosto musical, mas direcionar o meu olhar para outros
gostos musicais, no caso da MPB e tal, e até a forma de tocar, sabe? A forma de executar também,
eh, por exemplo, como eu lhe disse que eu iniciei só pelo Pop Rock, mas assim, a gente conhecia
uns poucos MPB, mas que se passava muito vago, e isso começou a ser mais registrado quando eu
vi o Juquinha tocando, né? Que foi a primeira vez que eu vi o Juquinha tocando, inclusive até na
calçada da minha casa, por ele ser amigo de alguns colegas meus, e eu estava com um violão na
calçada e o Juquinha vinha passando e esse amigo chamou ele, aí foi dali que o Juquinha começou a
tocar, tocou uns MPB, inclusive uns Pop Rock também, mas o que mais me marcou foi a forma
como ele estava tocando MPB, aí foi onde a minha orelha levantou (risos) aí aumentou a minha
curiosidade, tanto o gosto como a curiosidade, eu fui buscar, né? Aí foi onde eu comecei a inclinar
mais para o lado da MPB, né? Até mesmo deixando de lado um pouco o Pop Rock, e indo mais
para o lado da MPB, e depois fui descobrindo realmente (+) né nem descobrindo, porque às vezes
a gente na infância, como eu lhe disse que eu escutava muita música na infância, mas assim, passava
na nossa infância, mas era uma coisa muito vaga, aí não, depois que eu fui conhecendo artistas da
MPB lá do começo de 80, final de 70, né? Que aí eu comecei a identificar, “poxa, aquela música
que eu escutava tal época, mas não sabia nem o que era”, e hoje eu já estou sabendo, então foi
desse passo aí né? E um dos artistas brasileiros, que são muitos lógico, né? Mas o que eu mais me
identifico é o Djavan, né? Então, foi daí também, onde eu me escorei, né? Logo a princípio, um dos
primeiros músicos que me chamou a atenção de cara foi o Djavan, né? Embora conhecesse outros,
né? Como também conhecia músicas dele e não sabia que era dele, né?
- Em que sentido o Djavan, ele contribui para a sua formação?
- Principalmente harmônica, certo? Mas eu gosto muito do Djavan, pelo fato dele swingar bem as
peças musicais dele, né? Que é aí onde entra a questão da rítmica, né? Então eu me vejo muito por
esse lado, né? Onde você fazia ali uma harmonia bem elaborada, e ainda você jogar um ritmo bem
bacana em cima, então tudo isso é que me inspira, e foi onde eu tirei, quer dizer, que eu tenho tirar
mais proveito das peças do Djavan, é tanto que o pessoal diz assim, né? “Você vai tocar ali Djavan
com 3 acordes” (risos) acaba com o cara (risos), então o Djavan, por ele em si, ou você toca a
música daquele jeito, ou não é (risos) tem isso, né?
21. Reginaldo, você teve acesso a aulas, ou qualquer experiência na escola de música de
Sobral, ou no curso de licenciatura em música da UFC?
- Vixe como é que eu iria responder assim em relação a escola Eltim?
- Bem, pode ficar à vontade, pode falar de qualquer experiência.
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- Ah, sim, tudo bem, tudo bem, eu já peguei o caminho. É como eu lhe disse, né? Eltim, o meu
primeiro contato assim com ensino musical foi lá na escola em 99, né? Mas que em 94 eu já estava
era dando aula lá, né? Aí por isso que eu travei na pergunta, né? Mas aí o que é que acontece, lá
dentro da escola tinha várias oficinas, cursos temporários também que vinham professores de fora
para poder (+) como é que a gente chama? Reforçar o nosso conteúdo? (tentando se lembrar e
ao mesmo tempo perguntando ao entrevistador).
- Workshop?
- É workshop, mas tem um nomezinho específico que eu não tou (+) como se fosse somar com
aquilo ali para fortalecer o grupo, é que não está vindo na minha mente.
- Formação?
- Tipo cursos de formações para professores, pronto. Era isso, né? Então, a bagagem que eu tive
da escola foi desses dois tipos, né? Tanto às vezes a gente às vezes parava para estudar em grupo,
nós professores, né? Alguns, como também, vez e outra tinha cursos de formação, né? Dentro da
escola, então tudo isso, eu estava naquele ambiente musical, e tudo isso foi servindo para minha
bagagem musical, né? No conhecimento.
- Teve algum curso de formação em especial que você gostaria de mencionar?
- Assim, todos foram importantes, né? Para a nossa formação, né? Para a minha no caso, só que
logicamente, eu vou puxar a farinha para o meu saco (risos), então era tudo que era ligado à
harmonia, né? Eu não recordo assim de cara, alguns cursos que teve lá da escola, né? Mas eu creio
(+) pronto, Veio um grande músico de Fortaleza, Edu Holanda (tentando lembrar o nome).
- Eduardo Holanda.
- Pronto. Que eu recordo de uns que veio, nesse lado da harmonia, foi ele, inclusive eu acho que foi
próximo dos meus últimos anos lá na escola.
- Reginaldo, só me tire uma dúvida, você foi aluno na escola de música em que ano?
- 99, né? Só um período rápido.
- E você foi docente a partir de que ano?
- 2004, 2004, onde eu fiquei por 11 anos lá, né? De 2004 a 2015.
- Você como aluno, como é que funcionava as aulas? O que você via nas aulas? Eu sei que
foi pouco tempo, mas é só pra gente ter conhecimento.
- Foi assim, foi, foi uma experiência nova e uma outra adaptação que é como eu lhe disse, o que eu
tocava música, era mais no intuitivo, né? Era só pequenas informações que a gente tinha pela cifra,
né? Quer dizer que é zero, né? É só a localização dos acordes, enfim, né? Então ali já começou a
abrir minha mente, né? Ela teve essa importância por conta disso, né? Que eu já comecei a ter uma
bagagem tanto teórica como também eh eh na nomenclatura, como é que se chama o estudo da
290
partitura rapaz? (perguntando a si mesmo), notação musical, também da notação musical, né? E
com isso também veio a prática do instrumento que eu desenvolvi coisas novas que eu não sabia,
tipos técnicas de dedilhado, né? Embora eu tivesse facilidade, mas às vezes você precisa de um
empurrãozinho, um detalhezinho que você, por não ter experiência você não consegue chegar e
aquele detalhezinho é onde faz a diferença, né? Que eu creio que é onde o professor faz a
diferença, né? Porque hoje em dia a gente tem muita coisa aí pra você ter acesso a música, quando
você quer aprender algo, né? Mas a presença do professor acho que é importante por causa desse
detalhezinho, né? Então foi bem gratificante esse primeiro momento que eu estive lá.
22. Reginaldo, acredita que a troca de experiências com outros músicos, assim como
amigos e familiares, contribuiu para sua formação? Se sim, de que forma?
- Sim, completamente, como eu lhe disse, eu cresci em um ambiente familiar onde os parentes
gostavam muito de escutar música, e era todos os tipos de música, dentro da minha casa era muita
gente, então cada um tinha um gosto diferente, e eu, o menor, eu acabava escutando tudo (risos),
né? E lógico, depois do meu princípio com o violão de casa, digamos, né? Eu aprendi também por
conta de um amigo que estava iniciando também, né? E a gente ficava trocando figurinhas ali de
violão, né? E quando foi em um outra fase, foi que eu conheci um músico mais profissional que hoje
em dia eu sou amigo, né? Que é o Juca, né? Foi onde ele já me deu um toque para eu ir para um
outro lado mais profissional da música, né? Então tudo isso influenciou demais na minha bagagem
musical, na minha estrada também.
23. Reginaldo, houve desafios enfrentados por você para se tornar violonista, se sim, quais
e como você conseguiu resolvê-los?
- Eltim, eu acho que não encaro bem se houve desafios, né? Porque assim, como eu lhe disse, eu
comecei a tocar música lá no, no (+) Quer dizer, quando eu comecei a iniciar no violão, foi de uma
forma bem esporádica, sabe? Que eu não tinha aquela visão de lá pra frente (+) “vixe eu vou querer
ser um grande violonista” Eu não tinha essa visão, né? Então tudo isso foi acontecendo
naturalmente, agora lógico que no meio da estrada, tem uns buracos no meio da estrada, né? Então
a gente vai desviando desses buracos, né? E essas complicações fortalecem a gente e você tem que
procurar recursos para poder, para suplementar aonde você não está conseguindo, né? Então foram
essas as poucas das dificuldades, né? Mas que, todas superadas graças à Deus, né? Nesse intuito.
- Nesse caso Reginaldo, você se lembra de alguma dificuldade que você tenha passado?
- Eu me lembro um pouquinho do princípio, mas não foi tanta dificuldade foi só mesmo a parte
prática, que era o quê? (perguntando a si mesmo) Como tudo era algo novo para mim, eu tinha
291
começado a tocar e sempre eu tocando eu procurava a cantar já, quando eu estava desenvolvendo
alí a harmonia no violão, sempre era em cima de uma peça musical como eu já citei, né? Então
sempre eu procurava cantar, e daí quando (+) eu costumava pegar mais músicas (+) batidas
rítmicas, né? Quando eu fui para a parte do dedilhado, é que eu travei um pouco por conta de
dedilhar e cantar, né? Eu não tinha essa prática ainda, né? Então o que eu recordo assim de
imediato foi onde eu travei um pouco, mas que com o tempo, deu para tirar com a prática, né? E
dedicação, lógico, né?
- Nesse caso, especificamente, como foi que você resolveu essa questão que você acabou
de citar?
- Eu ia treinando tipo pausado, sabe? Como lá no princípio, a minha forma era só tocando para
baixo, sem ritmo e eu estava marcando o compasso sem nem saber, e dali eu ficava executando um
acorde e até chegar o próximo aí eu parava para montar o próximo, então nessa minha dificuldade
lá com o dedilhado, foi um pouco parecido, que aquele trecho que está aquele acorde lá parado, e
está trabalhando mais o dedilhado, eu ficava treinando por pequenas partes enquanto não chegava o
próximo acorde, né? Eu cantava ali aquela frase que tinha só um acorde, e eu ia tentando, eh eh, a
coordenação motora do dedilhado, a voz pausadamente de cada em cada acorde, que quando eu ia
para outro acorde é que já vinha outra dificuldade que era trocar o acorde dedilhando (risos) então
foi essa técnica que eu usei, né? Eu trabalhava pausando por cada acorde, certo?
24. Bem, a gente já falou um pouco sobre as suas experiências na Escola de Música de
Sobral, mas eu gostaria de saber se você se você teve alguma experiência, de qualquer
tipo, no curso de música da UFC?
- Não, quanto a UFC, eu nunca tive nenhum contato, nunca participei assim da UFC em si não, né?
- Você possui amigos que estudam ou estudaram nesses espaços? A escola de música e a
UFC? Se sim, qual é a sua percepção sobre a formação deles em contraste com a sua
formação?
- Sim, sim, tanto eu tenho amigos na escola, tanto na época que estudavam, não comigo, né? Mas,
ex-alunos que se tornaram amigos meus, como também, tenho amigos que estudaram e que estudam
ainda no curso de licenciatura, né? No caso, na UFC, no curso de Música.
- Pronto, qual é a sua percepção sobre a formação deles em relação a sua?
- Eltim, essa pergunta ficou um pouco difícil de responder porque realmente os amigos que eu sei
que fazem curso lá na UFC, a maioria deles já tinham iniciado a carreira musical, né? Na noite,
então eu não consigo descrever, assim, algum tipo de estudo que eles tiveram lá e jogaram a
bagagem para fora de lá, sabe? Realmente eu não sei, eu não percebi, sabe?
292
25. Reginaldo, em que momento você começou a ganhar dinheiro com suas atividades
musicais?
- Foi a partir de quando eu iniciei dando aula, né? Que foi no finalzinho de 2001, né? Nesses
projetos públicos que levavam música nas escolas, né? Então foi o meu primeiro contato assim,
mais profissional com a música, né? E já foi onde eu já iniciei ganhando dinheiro, né? Certo?
- Então, no caso você não começou tocando na noite, primeiro foi com sua experiência
como professor de violão, é isso?
- É, na verdade foi, né? Apesar de que naquela época eu já tinha essa vontade, né? De digamos de
ser um artista da noite, mas que (+) eu estava tipo parado nesse período na questão do
profissionalismo, eu estava parado porque eu estava procurando me reciclar, aumentar minha
bagagem musical, sabe? Então foi por isso, então a primeira oportunidade foi exatamente a aula,
né? Lecionar no caso, certo? Aí depois veio paralelo, né? A partir de 2002 eu já comecei a fazer
umas pequenas apresentações, que não eram com muita frequência, mas é porque Sobral, na
época, não tinha muitas oportunidades de você tocar, não tinha muitos cantos, né? Então isso foi se
tornar mais, mais eh (+) com mais consequência, com mais retornos aqui em Sobral, eu creio que a
partir de 2006, foi que começou a expandir mais essa questão de (+) da música no barzinho aqui.
27. Reginaldo, você precisou estudar mais para as novas demandas de atuação? Se sim, o
quê e de que forma?
293
- Sim, sim, né? Como eu lhe disse lá no princípio, eu não tinha a intenção, né? De de, pretensão,
começava a tocar mesmo por hobby, né? Pela afinidade que eu tive desde criança, mas aí o gosto
da gente vai aumentando a proporção, né? E outras coisas vão entrando no nosso caminho e aí
você vai tendo que dar conta dessas demandas, né? Então foi onde eu tive que correr atrás de de,
tanto da da prática, né? Do repertório, eu tive que ampliar meu repertório, que assim, na verdade
em relação à repertório, eu já tinha um repertório já grande, né? Porque eu pegava mesmo, porque
eu gostava, inclusive isso já foi meio caminho andado, né? Mas eu tinha que aumentar meu
repertório por causa da demanda, né? E que com isso você sabe, você estudar um repertório, você
tinha que fazer valer, né? Você tinha que saber o que você estava fazendo, então tudo isso também
me puxou para o lado do ensino, né? Ops, desculpa, para o lado do aprendizado, do estudar a
teoria musical, de ter o conhecimento musical né? E tudo isso principalmente porque foi na época
em que eu comecei a ensinar, foi que realmente eu tinha que ter o conhecimento musical pra mim
passar minhas aulas, né?
28. Quais estratégias você utiliza para memorizar uma música nova?
- Eh, eu vou responder de forma que eu (+) você fez uma pergunta lá pela metade, a princípio,
quando é uma música que realmente é de gosto nosso, meu, né? No caso, eu fico parado ali
escutando ela, né? Depois que ela começa a entrar mais, né? Na mente da gente, aí eu vou ali e
começo a tentar tirar a harmonia dela, né? E aos poucos vai memorizando, porque assim, se torna
mais fácil você pegar a música se você já estiver com ela dentro da sua mente, né? Porque você vai
tirar ali a harmonia dela e tudo (+) as passagens melódicas que vai fluindo, você vai
automaticamente empregando os acordes, né? Então essa é inicialmente a minha tática, eu paro
para ouvir bem a música, né? Eu já passei situações inclusive viu Eltim, que por exemplo: “Tem que
pegar música tal” aí o que é que acontece, você está ouvindo e já tá tentando tirar a harmonia ali, ali
você toca a harmonia de princípio, mas se você sair ali um instante, a música já some da sua mente,
né? Então eu acho que o primeiro princípio é esse, você tem que absorver bem a música e depois é
que ela entra naturalmente, aí fica mais fácil de você completar, de você pegar ela, né? Acontece
contigo também Eltim? Isso?
- Sim, sim, tem que escutar muito.
- Porque às vezes cara a gente vai fazer um trabalho, né? Paralelo e tal, aí (+) aqui é pra gente, é
pessoal (risos) Aí cara, você tem que pegar aquela música ali, cara você está pegando ali e tal, mas
se você sair você perde ela, aí o que é que acontece, você pega, bota ali no papel, embora você
escreva e cifre, mas você não tem ali o domínio do ritmo, da melodia, não está casado ali no seu
cérebro ainda, né? Eu a princípio procuro ouvir bem ela, né?
294
29. Reginaldo, na sua opinião, o que é que deve ser mais priorizado na aprendizagem do
violão? Saber ler partitura? Desenvolver a técnica violonística? Eu gostaria que você
comentasse um pouco.
- Eltim, eu acho assim, depende muito, eu creio, de cada músico sabe? Eu como declinei mais, quer
dizer, eu como inclinei mais para você pegar música ali sem precisar da partitura, né? Eu acho que o
mais importante disso aí, é você ser o mais fiel possível à música, né? E eu acho que essa
diferenciação, eu acho que é mais, né nem tanto o estilo da pessoa, é mais a forma que você
desenvolveu, né? Eu creio que é isso, né? Não é totalmente, digamos, que um vai ter mais
importância do que o outro não, é a forma que você desenvolveu, que você pode ter um acesso
mais rápido, digamos, né? É isso.
- E nessa forma de desenvolver que você falou, na sua opinião o que é que você acha que
você mais priorizou nesse seu desenvolvimento?
- Rapaz, eu acho que assim, no meu caso, no meu caso, hoje em dia eu gosto muito de tocar uma
música eh (+) tipo eu fazendo a harmonia, e automaticamente (interrupção durante a entrevista,
sua sobrinha chega em casa e o entrevistado tem que abrir a porta). Pronto, no meu caso, né?
Principalmente hoje em dia eu gosto muito de ali, pegar a harmonia, treinando só comigo, né? De
pegar a harmonia e estar tocando a melodia também junto, embora eu não vá fazer isso no meu
trabalho da noite, né? Então a forma deu pegar música, eu estou priorizando hoje em dia isso, que
eu vejo assim, de repente um acorde passar batido, se você fazer ali a melodia, fazendo ali a
melodia, ela vai sem querer lhe ajudar a empregar um acorde ali que poderia estar faltando, né?
Então é isso que eu estou priorizando mais hoje em dia. Foi respondido Eltim? Foi respondido
mesmo?
- Com certeza.
30. Reginaldo, como é que você desenvolveu sua consciência harmônica, ou seja, o
conhecimento sobre acordes, a transposição de harmonias para outras tonalidades, eu
gostaria que você comentasse um pouco sobre isso.
- Eltim, eu acho que isso aí parte do princípio que, como eu já tinha tido aquela prática inicial, né? E
alí, digamos, a gente tocando só cifras, a gente não tinha noção de tonalidade, de campo harmônico,
de trocar tom, nem nada disso, né? Está entendendo? Então, isso aí surgiu realmente depois que a
gente, quer dizer, depois que eu peguei toda uma bagagem teórico, né? Musical, né? Que dali,
digamos, pelo fato deu já ter repertório, já digamos, bem elástico já, então isso facilitou pra mim,
né? Juntando com o conhecimento teórico, tive mais facilidade de ter, da visão da harmonia, né? De
295
de repente eu precisar mudar o tom, ou de repente inventar alguma coisa ali e inventar uma
modulação ali, mesmo não sendo original à música, né? Então foi isso, foi base mesmo do conteúdo
teórico, né? Juntando com o que eu já tinha no meu repertório.
- Nesse sentido, você pode falar um pouco mais sobre como você aprendeu a mudar a
tonalidade de uma música, por exemplo, a transpor.
- Isso foi com base teórica, né? Digamos, estou tocando a música ali em um tom e tal e por
exemplo, vou mudar o tom dessa música e automaticamente já penso no campo harmônico do tom
que eu vou mudar, né?
- Então você pensa no campo harmônico?
- Isso.
- Aí, a partir disso você faz a transposição?
- Aí, a partir disso se faz a transposição, né? Certo?
- Hum rum.
32. Normalmente, o que você faz quando não conhece uma música, mas tem que
acompanhar?
- Sozinho fica complicado, viu Eltim? Tem que ter um instrumento guia pelo menos, né? Por
exemplo, você está em um dueto ali e por exemplo, a pessoa está tocando um violão ali e aos
296
poucos você vai encaixando a sua harmonia, né? Mas, com o pensamento nele ali totalmente, né?
No caso ali do primeiro violão, é dessa forma. Mas é aquilo que eu tinha falado antes, quando sai
dali acabou-se tudo, esqueceu-se tudo (risos).
- E quando você tem que acompanhar uma cantora Reginaldo, aí de repente ela pede uma
música só que você não sabe, mas aí você começa a acompanhar?
- É muito complicado, viu? Porque você tem que (+) Quer dizer, na verdade, não sei se acontece
com outros músicos, mas é quase que impossível, a cantora chega para cantar assim a peça musical
sem você (+) A questão do tom seria o mínimo, né? Mas a questão de você empregar um ritmo ali
que você não sabe nem para onde vai a música, é complicado, talvez que ali umas duas ou três
tentativas, você já começa a criar uma linhagem harmônica, mas, vai faltar alguma coisa, porque
você tem que conhecer pelo menos superficialmente a música, eu acho que é uns 90% impossível
isso aí, sinceramente, né?
33. Reginaldo, como é que você faz para desenvolver a sua técnica violonística? Ou seja,
os ritmos da mão direita, e a sua mão esquerda. Como é que você faz?
- A junção das duas é?
- Isso, por exemplo, a questão dos ritmos, como foi que você aprendeu bossa nova, ritmo
de samba, pop rock, a questão da mão esquerda, como é que você desenvolveu a sua
técnica?
- Ah, o princípio, né?
- Eh, a agilidade por exemplo, né?
- Pronto, na verdade aí, o mais complicado pra mim realmente foi só a mão esquerda, sabe? Porque
assim, digamos a mão direita, a mão do ritmo, embora eu não tivesse noção de estilos rítmicos, mas
eu sempre tive a facilidade, desde pequeno mesmo, é tipo assim, eu escutava a música e é como eu
já soubesse executar o ritmo dela na mão direita, quanto a essa questão rítmica, foi muito mesmo
nato, sabe? Bem, como é que eu posso dizer? Foi bem intuitivo mesmo, Lógico, depois que com o
tempo do ensino, né? Quer dizer, do estudo, é que eu fui tendo noção que, digamos, eu estou
fazendo batida rítmica aqui, eu estou fazendo um pop rock, mas, na época eu não sabia disso, né?
Eu ia pelo som, pronto. Eu escutava, eu vendo ali um clipe do cara tocando violão, ou então só pelo
áudio mesmo da música, eu chegava no violão e a minha mão já ia de encontro (risos) Eu sempre
tive essa facilidade, e a mão direita, foi exercícios mesmo, né? Como eu lhe disse, a princípio, era
trocando acorde passo a passo, ali já lendo mesmo a cifra, e pausando para cada mudança de
acorde, foi desse jeito mesmo.
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34. Reginaldo, você como violonista, quais são os passos que você faz para tirar uma
música de ouvido, por exemplo, se você quer pegar uma música agora que você achou
bacana, quais são os passos que você faz ao violão, para tirar essa música de ouvido?
- Quando é uma música ali que eu tenho que pegar rápido, que não dá tempo você parar para
degustar, digamos ela, o que é que acontece? Eu vou pegando por sequências, né? Tipo, a música
tem uma sequência A, B e refrão certo? Então, eu primeiro dou uma analisada nela geral, para ver
como é que é cada sequência, onde é que começa e onde é que termina cada sequência, daí eu
trabalho só aquele trecho ali daquela sequência, é tanto que quando eu pego a primeira sequência,
embora digamos a primeira sequência, repita ali quatro vezes, só mude a letra, né? Eu foco só na
primeira frase da letra, que ali é o que? Eu estou de imediato pensando no ciclo que está dando
aquela primeira sequência, para mim concretizar o campo harmônico ali daquela primeira sequência,
é isso, e daí a princípio eu não penso nem na letra em si não, né? Porque digamos, no caso eu estou
só acompanhando, né? Aí eu nem me preocupo e tanto para poder pegar a letra da música, né?
Então é nesse sentido, aí pronto, quando eu concluí a primeira sequência, vou buscar a segunda
sequência.
35. Como é que você lida com o erro? Você sente nervosismo ao tocar?
- Você está dizendo esporadicamente ou valendo?
- Isso, nos locais de atuação.
- Rapaz, assim, eh, é quase impossível viu Eltim, você passar ali 3 horas sem você errar, é quase
que impossível, a questão é você usar um pouco da sua malandragem (risos) para poder (+) você
não deixar brecha naquele erro, né? Porque às vezes não é nenhum erro, é um esquecimento rápido
que dá, não é? Não sei se é porque é tanta (+) é 3 horas de música, não sei se é porque é muitas
repetições, e você está ali no público e sem querer você se distrai com alguma coisa, né? Eu acho
que não é nem tanto um erro, né? Mas por exemplo, há mais facilidade do erro quando é uma
canção que você tem pego recentemente, né? Porque essa canção recente, que você pegou
recentemente, você tem que estar ali 100% concentrado nela, e você está ali diante de um público,
você sabe que está ali no público e você não está só tocando, né? Você está com o violão, você
está cantando, você está atuando, você está ali em atenção ao público, então são muitas coisas, né?
Que de repente isso tira o seu foco ali, quando você pegou aquela música há poucos instantes,
então você cai no erro, né? Agora é assim, você fortalece ali na sua apresentação, e cobre o erro
com o acorde que vem na frente ou então volta ali aquele acorde na mesma hora, o acorde que está
necessitando, né? É dessa forma.
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37. Reginaldo, em sua atuação como músico, você sente falta de algum aspecto que faltou
na sua formação musical?
- Assim, na verdade, por mais que a gente tenha (+) por mais que se tenha todo um conteúdo, toda
uma bagagem, mas eu acho que sempre falta uma coisa, né? Acho que sempre falta alguma coisa,
né? Eu assim de mente, eu não recordo, né? Eu tocando valendo, né? Mas é aquilo que eu tenho,
quando eu estou pegando uma música eu tento ser o mais fiel possível, né? Dentro daquela peça
musical, né? Então creio que é isso mesmo, sempre vai faltar alguma coisa, né? Mas que seja o do
menos, o melhor, né? Está entendendo?
38. Em sua opinião a atuação profissional contribui para a sua atividade como violonista?
Se sim, de que maneira? E eu gostaria que você falasse um pouco sobre a sua experiência
como músico profissional.
- A princípio sim Eltim, mas não é só isso, foi uma troca na verdade, né? Foi uma troca de eu ter
iniciado a tocar violão, e de eu ter começado a atuar, porque eu tinha que fazer um trabalho bem
legal, né? Que inclusive isso foi uma das minhas primeiras barreiras, a não ir diretamente para a
noite, porque eu não queria ir para a noite “ah eu fiz um repertório de 50 músicas e já dá para mim
tocar, já dá para mim ganhar o meu cachê” não é assim, e eu não sei também, né? Porque não sei
como é que pensa cada músico, mas eu não sei se é porque também quando eu comecei a ver
músicos atuando, eu vi muitos músicos bons, né? E não é assim, não é que sejam bom e eu sou pior,
e assim entre aspas, para mim ser bom também não é chegar ao nível deles, né? Mas é o que? É
você está seguro para levar um trabalho legal, né? Então foi nesse aspecto, né? Que a noite
contribuiu para mim tocar bem o violão, né? Que eu queria levar uma boa apresentação para a
noite, então isso me estimulou também para mim desenvolver, para mim parar, para estudar mais e
pensar mais na parte, digamos, prática e execução do violão, né? E assim, a questão da experiência
musical, por mais que você tenha já um bom conhecimento, já tenha um bom repertório, já tenha um
bom domínio do violão, mas quando você entra na noite, é outra escola, né? É essa a experiência
que eu trago, porque, por mais que você inicie na noite, você vai conhecer um público, o público vai
lhe conhecer, e daí a outra experiência é porque na noite mesmo é que você vai fortalecendo a sua
característica, né? Então, essa foi a minha experiência, né? Depois que eu adentrei mesmo pro
profissional, está certo?
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39. Na sua opinião, quais as competências necessárias para atuar como violonista em
Sobral-CE?
- Primeiramente você tem que ter um domínio musical (+) eh, ter uma visão musical, não é nem que
você seja um monstro na teoria, no conhecimento musical, não é nem tanto isso, mas você tem que
dominar bem o seu instrumento, no caso de cantores, né? Que vai atuar com voz e violão, tem que
ter uma voz bem preparada, não é só ter uma voz talentosa, não é só isso, você tem que ter um
acompanhamento vocal antes, né? E com esses dois fatores vem o domínio do repertório, é isso, o
caminho é esse.
40. Atualmente, você possui alguma organização, no que diz respeito aos seus estudos do
instrumento?
- Hoje em dia, uma organização? (pensando) não direta, sabe Eltim? Na verdade, hoje em dia, eu
estudo pouquíssimo, sabe? Hoje em dia, praticamente eu me foco mais na parte de repertório
mesmo, sabe? Às vezes vou mais a fundo numa música mais "troncha”, isso é que eu uso mais
como, digamos, como querer aprender algo a mais, sabe? Não é diretamente mais profundo na
teoria não, é mais (+) eu uso uma música, uma peça mais complicada para mim pegar, né? É mais
assim, o meu estudo hoje em dia é mais assim, sabe?
Mas assim, um grande amigo, né? Que eu me inspirei nele no princípio é o Juca, Juca Viana,
também tem um outro grande amigo, parceiro, que é o Márcio Brandão, daí tem músicos de vários
estilos aqui, né? Deixe eu ver se me vem aqui a memória rapaz (pensando) temos aí o nosso Renne
Django, tem o Dulcivando, que ele é tanto um grande intérprete como também é um grande
instrumentista, temos aí o nosso lado mais nordestino, que é o Tchesco Oliveira, né? E daí tem
vários, muitos, né? Ainda não citados, né? Muitos, e também muitos instrumentistas, né? Muitos
instrumentistas também, outros também que são muito voltados para o lado de composição, que no
caso é o Almir Martins, né? Também tem um grande amigo, que é um grande intérprete que é o
Gilliarde Rocha, então tem n figuras aí no cenário musical de Sobral Eltim.
43. Quais as principais dificuldades que você visualiza na formação dos violonistas da
nossa região?
- Rapaz, eu acho que a questão da dificuldade, eu acho mais é assim, na verdade Eltim, eh eh, não
sei se é só eu que tenho esse pensamento, mas hoje em dia, antes de eu responder, hoje em dia o
povo está preocupado tanto com esse repertório novo que ali, sinceramente, duas ou três acordes
você faz ali um repertório de 500 músicas (risos) brincadeira, enfim, eu vejo os músicos iniciando aí
na cidade e eles estão preocupados mais em chegar em um estabelecimento e tocar, e tocar essa
coisa nova, né? E eles não pensam que há tanta coisa por trás de uma simples apresentação
daquela, né? Um conhecimento musical, um aperfeiçoamento no instrumento, então, isso enfim é
que fica a meu ver aí, infelizmente, né? Mas o que eu aconselho é que as pessoas primeiramente se
dediquem à música, né? E depois que partam para o seu profissionalismo, eu queria que fosse
assim, né? Como eu fiz, né? Na verdade também.
45. Quais os principais conteúdos abordados em suas aulas e por quê você aborda tais
conteúdos?
- Pronto, dentro das minhas aulas de violão, eu faço um misto de não ser só a prática no
instrumento, né? Mas eu passo conteúdos, principalmente na apreciação musical, para a pessoa
escutar a música com mais consciência, isso é um dos fatos que eu mais priorizo dentro das minhas
aulas de violão, sabe? Você não simplesmente escutar por escutar uma música, e tentar entender o
que é que está se passando dentro daquela peça, então isso é uma das minhas prioridades, né? De
não só a prática, né? E lógico, daí vem junto o que está se passando ali na prática vir junto à
301
bagagem teórica, é isso. Então são essas 3 coisas, é a prática, a teoria e a apreciação, né? Que é
um fundamento realmente, né? E lógico, é bom, é interessante isso ser trabalhado em conjunto, não
separado, né?
46. Que conselho você pode passar aos estudantes de violão que querem atuar
profissionalmente?
- O conselho que eu dou a essa galera que está iniciando, que já tem em mente aí um futuro como
profissional, eu creio que à princípio ele se dedique ao estudo musical, né? E lógico, que com isso,
com esse desenvolvimento, ele possa ir também já construindo um repertório, mas sem ele querer ir
de imediato para a noite, né? Ele tenha todo esse pensamento que são etapas que tem que ser
passada, né? E não digamos, aprender ali, ter uma pequena prática já pensando em pular logo para
frente, para ir se apresentar, eu creio que é isso, se dedicar ao instrumento, ter um domínio bem
bacana, ter uma visão da música de modo geral, e não ter pressa, né? Você encarar a noite, quer
dizer, pelo menos no início, quando você se sentir preparado.
47. Que outro violonista da nossa cidade você acha que eu deveria entrevistar e porquê?
- Acho que o Gilliarde Rocha, grande músico e grande amigo, a gente sempre se encontra depois
das tocadas, sempre uma conversa saudável depois que termina de tocar, a gente se reúne ali, bate
uns papo de mesa, e não tem como o primeiro papo ser como foi em relação a apresentação feita
como antes, então eu creio que seja um cara bem bacana, né? Até porque o Gilliarde ele não é de
Sobral, né? Mas ele se iniciou, digamos, nessa geração anterior de músicos aqui de Sobral, depois
que teve essa (+) como é que se diz rapaz? (perguntando a si mesmo) como teve mais movimento
musical aqui em Sobral, que até antes estava apagada, né? Então, ali em meados de 2009 para cá,
né? Então é dessa nova fase da música aqui em Sobral, então creio que ele é (+) porque ele chegou
aqui em Sobral mais ou menos nessa transição aí, então, creio que seja um cara bem bacana para
contar a experiência que ele teve lá fora e como ele pegou essa fase nova aqui em Sobral.
- Bem, esse era o último tópico do roteiro, eu gostaria de saber se você tem mais algo a
acrescentar que diz respeito à sua formação como violonista.
- Acho que a entrevista por si, deixou bem focado, né? O nosso (+) a questão do profissionalismo,
de você não se apressar para ir para a noite, eu acho que é por aí mesmo. Eu acho que deu para
embasar tudo dentro dessa nossa entrevista.
- Bem Reginaldo, eu lhe agradeço, sua entrevista foi muito importante para a pesquisa,
seus relatos são muito importantes para este trabalho e eu só tenho a agradecer, muito
obrigado.
302
- Valeu Eltim, precisando, nós estamos aqui, foi uma satisfação colaborar aí com o seu estudo aí,
valeu.
303
Boa noite, eu estou com o violonista Luizito Miguel, eu já expliquei a ele como a entrevista
funcionará, e eu vou aplicar o protocolo de entrevista com ele. Já esclareci os termos de
consentimento livre e falei que qualquer dúvida que ele tiver, ele pode entrar em contato
comigo.
1. Primeiramente, eu gostaria que você me dissesse, seu nome completo, sua idade, e o seu
tempo de carreira na música.
- Boa noite, Uélito, meu amigo, eh, meu nome é Luizito de Melo Araujo, me chamo Luizito Miguel,
tenho 38 anos, e eu estou a mais de 20 anos na prática do violão, hoje eu sou professor de música,
há 13 anos dou aula, e permaneço com o violão, e aprendi outros instrumentos, que inclusive foi o
violão que me deu essa oportunidade, essa percepção para mim entender o que é música, e a partir
daí eu tive a oportunidade de dominar outros instrumentos que eu utilizo no meu trabalho, e para
fazer também o meu trabalho artístico, né? Eu como artista, também produzo em cima daquilo que
eu aprendi num primeiro momento com o violão.
2. Luizito, conte-me como surgiu o seu interesse pela música e a idade que você tinha
nessa iniciação.
- Eu acredito que, ainda criança, eu ouvia as músicas e as letras das músicas, elas tinham muita
profundidade para mim, considero que foram os meus primeiros livros, considero que foram os
meus primeiros poemas que eu consegui entender, e dar sentido, né? Então, também a música é
encantadora, a música, ela traz um sentimento, ela traz recordações, ela traz uma saudade até
mesmo por algo que você nem sabe o que é. Então quando eu ouvia na rádio, ainda muito criança,
eu sentia, eh (+) eu já sabia ali se uma música era boa ou não, se eu gostava ou não daquela música,
304
e eu também já conseguia diferenciar os instrumentos ali e a música me encantou a partir daí, a partir
da rádio, mas também o meu pai é caminhoneiro, então, ele trazia das estradas algumas fitas, e eu
lembro que ele trouxe algumas fitas, ele trouxe algumas fitas das estradas, que era do Zé Geraldo,
Zé Ramalho e Raul Seixas, então eu ficava ouvindo isso aos 7 anos de idade, eu ficava ouvindo o
lado A e o lado B das fitas, e eu ouvia de novo, e eu lembro que quando eu saia, eu ficava com
vontade de voltar para casa para ouvir, né? Aquele desejo de chegar em casa, para poder ouvir de
novo, e a partir daí surgiu o meu interesse pela a música. Agora pelo violão, já foi um tempo depois
até pela minha condição mesmo, eu tive a primeira oportunidade com o violão, aos 15 anos de
idade, por causa de um vizinho que tinha violão, e eu ia para a escola, via ele tocando, achava
bonito, parava para apreciar e aí depois de um tempo eu pedi para ele me ensinar as notas, né?
Que eu sabia que era Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, La, Si, e ele me falou que no caso do violão, eram uns
acordes, né? Então ele me ensinou em um primeiro momento, não sei porque, não sei explicar
como, mas eu memorizei os 7 acordes, eu soube e inclusive eu fiz pestana e foi quando ele me deu
um grande incentivo na minha vida, foi quando ele olhou para mim e falou assim “cara, tu vai tocar
muito bem porque você já está fazendo acorde com pestana”, e eu lembro exatamente que era o Fa
e o Si, então isso aí foi um pontapé inicial para mim, alguns meses depois eu fui tendo contato, e foi
ficando esporadicamente e eu acredito que aos 17, 18 anos, eu já tinha muito contato com o violão,
quase que todos os dias, e apreciava muito os músicos que eu encontrava e aprendia com os
iniciantes e também com os veteranos, eu considerei que todo mundo tinha algo para me ensinar,
né?
3. Luizito, eu sei que você já falou sobre isso, mas de onde vem esse seu interesse pelo
violão e como é que ele se tornou o seu instrumento principal?
- Bom, em um primeiro momento (+) só posso dizer que foi muito tocado, quando eu via esse meu
vizinho eh, fazendo os acordes, ele tocava coisas como Stairway To Heaven do Led Zeppelin, ele
tocava (inaudível), ele tocava esses flashback e eu ficava admirado dele saber aquilo e ele tocava
muito paralamas do sucesso, então era bem familiar para mim as músicas que ele tocava, e a
primeira vez na minha vida que eu vi alguém executar uma música, ao vivo, e o primeiro instrumento
que eu vi, foi o violão, e eu confesso para você que aconteceu uma experiência, assim cara, que eu
não sei te explicar muito bem, mas assim que eu olhei para o violão, a primeira vez, eu pensei assim:
“Eu sei tocar isso aí cara” sabe? É como se fosse algo assim, que a minha percepção, em relação ao
que ele estava fazendo me dizia que ele estava usando o dedo um, o dedo dois, o dedo três, o dedo
4, e eu conseguia entender o inverso do que eu estava vendo, né? Porque quando a gente vê de
fora eh (+) eu entendia que era a segunda corda, eu entendia que era a primeira casa, então eu
305
aprendi muita coisa vendo, e nesse primeiro momento eu entendi que eu conseguia, porque ele
estava repetindo inclusive o ritmo, ele sempre fazia a mesma coisa com a mão direita, e ele sempre
utilizava quatro ou cinco acordes, em cada música, então aquilo era cíclico, né? Aquilo era cíclico,
então eu tinha até uma coisa assim, meio abobalhada, mas o cheiro do violão, o cheiro do violão me
causava assim uma emoção, quando eu via alguém tocando violão, depois desse momento, isso me
tocava muito, né? Me tocava muito assim, mexia muito comigo, eu ficava me imaginando fazendo
aquilo ali, né? E eu tive muito interesse pelo violão a partir desse momento.
- Nesse momento da sua vida você tinha aproximadamente quantos anos? Com quantos
anos você começou a tocar violão?
- Pronto, eu tinha quase 15 anos, primeiro contato, porque quase 15 anos (justificando) porque foi
no início do ano em que eu ia completar os 15 anos, então no início do ano eu indo para a escola
como de costume, eh, me deparei com esse amigo, em um certo momento na calçada, tocando, e
um clima super maravilhoso, né? Você ver um cara tocando violão ali na calçada, é algo assim
inexplicável, né? Do quanto que isso parece ser bom, e de fato eh, então, nesse primeiro momento
em que eu, eh, peguei no violão, primeira vez, foi quase aos 15 anos, faltava poucos meses para os
15 anos, mas eu tive muita dificuldade na minha vida, muita dificuldade mesmo, meu pai é
caminhoneiro, ele passava seis meses nas estradas, então minha mãe era muito ocupada, tenho
vários irmãos (+) isso era bobagem para eles, era bobagem eu entrar nisso, né? De ser músico,
sabe? De aprender a tocar, era bobagem, mas ao mesmo tempo eles nem tinham conhecimento,
acho que eles tiveram conhecimento de que eu tocava violão uns 2 anos depois desse momento,
mas nesse primeiro momento, com quase 15 anos, eu tive o primeiro contato, meses depois eu tive
a oportunidade de ter um violão na minha casa, desafinadinho, era um Di Giorgio e tal, desafinado,
mas ali eu ia estudando os acordes, então eu posso considerar que aos 15 anos de idade.
4. Nessa fase inicial, quais experiências você considera possuir que o fez desenvolver
como violonista?
- Boa, o dedilhado, que é parte da minha sensibilidade, e os acordes, porque como eu não cantava,
e não tinha quem cantasse para mim, eu fiquei apaixonado pela ideia dos acordes, primeiro que eu
aprendi a ler as cifras, né? Entendi que é de A, B, C, D, E, F, G, as sete notas musicais, são
representadas pelas sete primeiras letras do alfabeto, eu mesmo tive essa percepção, e quando eu
aprendi a ler os acordes, eu quis ter um raciocínio rápido em relação a isso, e eu quis também
entender porque que um acorde era com sétima, porque que era com nona menor, então eu entendi
os intervalos, através de um amigo que me explicou isso acreditando até que eu nem ia entender
naquele momento, mas quando ele me falou dos 2 tons, semitom, 3 tons e um semitom, que é o
306
padrão da escala maior, eu entendi tudo ali, ali eu entendi o que é uma sexta, ali entendi que existia a
nona, a nona maior e a nona menor, a nona aumentada e a nona menor, então, é tanto que eu
aprendi coisas por mim mesmo, fiquei por um bom tempo chamando sétima aumentada, né? Eu
aprendi por mim mesmo, porque eu chamava sétima aumentada, né? Bom tempo depois foi que
“não o termo certo é sétima maior”, mas eu pegava o acorde e eu destrinchava esse acorde,
entendeu? E eu comecei a avaliar outra coisa importantíssima além do meu dedilhado, além de eu
entender porque que os acordes, como eram formados os acordes, também teve um fator muito
importante, que era o desenho, então eu entendi que se eu fizer o desenho de sétima com nona na
segunda casa, eu vou ter um Si, mas se eu for lá para a sétima casa eu vou ter um Mi, também com
sétima e nona, então eu peguei a escala cromática e passei a compreender 12 acordes, a partir de
um. Isso foi maravilhoso para mim, é a questão visual, do desenho, a questão do motivo pelo qual o
acorde tem aquela formação, e a questão do dedilhado também, que foi algo assim que eu me
descobri, me descobri com isso.
partir do que eu faço, mas no início foi bem difícil, no início foi bem complicado, uma situação assim,
que parecia que eu estava fazendo algo que não tinha futuro, sabe? E foi bem difícil mesmo cara,
para mim ter o primeiro violão, eu tive que (+) eu mesmo trabalhar, eu mesmo (+) e fazia isso
porque eu queria, porque eu gostava, né? Porque, eh (+) mas eu confesso para você, até nesse
momento agora, me veio um monte de coisa na minha mente, veio muitas cenas do passado, onde
eu tinha minhas limitações, né? Eu não tinha unha cara, eu não tinha unha grande, então eu não tinha
um dedilhado que eu (+) depois que eu passei a ter, então eh, ficou uma coisa que foi se
desdobrando, e naturalmente no início eles duvidaram, mas aí depois foi até bom porque me
motivou a ir mais do mesmo, e aí depois era sempre uma surpresa, quando eu aparecia com algo
novo era sempre uma surpresa e eles sempre me botavam para frente e hoje em dia não conseguem
desassociar, né? A música de mim.
- Bem, nesse ambiente familiar que você cita, seus pais escutavam muita música? Seus
irmãos? O que quero dizer com isso, você tinha um ambiente que lhe estimulasse em
relação à sua família com música?
- Não, não, aqui em casa a gente mal escutava rádio, a gente nunca teve o costume de se reunir
com a família para fazer churrasco, para fazer comemorações aos domingos, não tinha essa coisa de
ter música não, não era (regado) à música, existia um momento na minha vida, que foi quando eu
tinha mais ou menos sete anos de idade, seis para sete anos de idade que meu pai comprou três
fitas, uma do Raul Seixas, uma do Zé Ramalho e uma do Zé Geraldo, então como ele trouxe essas
fitas para cá, das viagens dele, as fitas ficaram paradas um bom tempo, aí a minha vó mandou um
gravadorzinho velho, aí esse gravador chegou e finalmente eu tive acesso ao conteúdo das fitas,
então foi só esse período aí, aos sete anos de idade, mais ou menos dos sete até os nove, que eu
ouvi muito essas fitas, e aí eu passei a gravar também, e tive a oportunidade de gravar também as
músicas do Luiz Gonzaga cara, riquíssimos, uma coisa assim que me impactou muito, que eu ficava
impressionado com a capacidade poética do Luiz Gonzaga, e só esse momento, depois disso aí
(nunca mais existiu mais nada).
7. Luizito, eu sei que você já falou um pouco, mas eu queria que você falasse um pouco
mais sobre o posicionamento da sua família em relação às suas atividades musicais, havia
impedimentos? Você tinha apoio?
- Eu não tinha apoio, mas também não tinha impedimentos. O que aconteceu, foi que eu me tornei
professor aos 24 anos de idade, mas minha primeira experiência com a música, foi numa
comunidade católica, aos 18 anos eu ingressei numa comunidade católica, como eu tocava violão,
às vezes as pessoas me chamavam para tocar no grupo, e eu não gostava muito porque, porque eu
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não queria a música, era uma coisa minha, eu não queria a música, assim, para aquele momento, eu
queria a música para a minha vida entendeu? Eu queria um dia ter o prazer de ver que eu estou
tocando bem, e aquele momento não me importava muito o que as pessoas pensavam de mim não,
sabe? Eu tocava nos grupos e tal, então teve esse primeiro momento, minha família nem teve
conhecimento disso, e aí eu passei um tempo morando fora, quando voltei, exatamente aos 24 anos,
eu conheci uma professora de artes, e ela falava para mim que eu mandava bem no violão, e ela me
indicou a ser professor de música, a partir de uma seleção da prefeitura, então quando eu fiz essa
seleção e passei, minha família ficou muito feliz, não entendendo que eu mandava bem no violão,
mas pensando simplesmente que era uma oportunidade assim que eu estava tendo, né? De ser
professor e tal, mas a partir daí já começaram a ver com mais seriedade e, principalmente peguei o
exemplo do meu pai que é muito trabalhador, muito trabalhador e, pronto, nunca houve
impedimento de jeito nenhum, mas também nunca houve apoio (risos) até os meus 29 anos, trinta
anos de idade, talvez.
improvisar, aí eu pensava assim “ah eu estou inspirado hoje” (risos) mas não era questão de
inspiração, eu estava fazendo algo conceituado naquele momento, depois eu fui entendendo essas
coisas e tal.
10. Luizito, você falou aí do seu repertório e eu queria saber qual é a sua percepção sobre
esse repertório que você falou agora. Acredita que contribuiu para a sua formação como
músico? Se sim, de que maneira?
- Bom, esse repertório, ele me ajudou muito na questão do ritmo, né? Mas ele também, ele me
limitou a enxergar a música e as possibilidades do violão, como algo muito, eh, vou usar a palavra,
vou procurar uma palavra aqui, ele me limitou muito a enxergar o violão assim, dentro de uma
310
possibilidade muito pouca de fazer o Sol maior, de fazer o Ré maior, e eu não via nada além disso,
entende? É tanto que eu fazia aquilo bem feito na parte rítmica, mas eu ficava segurando aquele
solzão ali maior e nada mais, então ele me ajudou na parte rítmica, mas na parte assim de pensar,
além da formação de acordes, de pensar no campo harmônico, de pensar por exemplo, na relativa,
nas inversões, isso aí para mim nunca existiu, até eu encontrar pessoas que abriram a minha mente, a
pensar sobre isso, eu via, eh que o pop é uma coisa mais prática, né? Eu via um lado riquíssimo do
pop que é o seguinte, faça você mesmo, pegue ali (+) você sabe quatro acordes, faça uma música
em cima, dá para você fazer uma obra de arte, o pop é isso, o pop ele te dá essa possibilidade, mas
é claro que a música, sendo infinita, né? E você não pode pensar que você já entendeu tudo,
porque você entendeu aquela música em quatro acordes, quando na verdade tem outras músicas,
como por exemplo, o Djavan depois chega para a gente, né? Quando a gente descobre o Djavan, a
gente já vê outras possibilidades de um cara que conseguiu fazer algo magnífico com 32 acordes,
incrivelmente ele conseguiu incluir uma melodia ali, e ele colocou um conteúdo riquíssimo de poesia
e tal, aí você fica com uma ideia mais ampla, mas esse meu primeiro momento me ajudou só na
questão rítmica mesmo.
- Luizito, você cita essa questão rítmica, mas em que sentido? Você poderia falar um pouco
mais? Como o pop rock ritmicamente te ajudou na questão do violão?
- Bom, eh, é justamente por causa dos conceitos, eh, o que aconteceu foi assim, eh, você me
perguntou como o pop rock, né? Eu entendi uma coisa ainda muito cedo, que a música é uma
repetição, e o ritmo é uma repetição, depois eu fui conceituado com amigos, né? Ouvindo e tal, que
isso se chama célula rítmica, intuitivamente eu fazia as células rítmicas, de acordo com as músicas,
então o pop ele tem muitas variantes, o pop ele tem um padrão, mas ele tem muitas variantes, o pop
rock tem um padrão, mas tem muitas variantes, eu conseguia fazer essas variantes, até mesmo não
sendo aquela totalmente certa, da música, mas eu fazia algo semelhante, genérico, né? E isso, eh,
me enriqueceu bastante em termos de ritmo, porque eu não só criei um conceito de quando fosse o
pop rock como eu consegui fazer suas variantes a partir da lembrança que eu tinha, porque como eu
ouvi muito Legião Urbana e muito Titãs, eu tinha aquela coisa daquela marcação (começa a bater
palma, como se estivesse marcando o andamento de uma música), né? Então essa pulsação
também, uma pulsação que eu uso até hoje, né? Sempre vamos usar, mas eu uso até hoje, até
mesmo para improvisar, essa pulsação que me faz assim, eh, perceber que eu posso fazer variantes
a partir daquela pulsação.
11. De onde vem, e como você conseguiu as primeiras informações que você utilizou para
tocar violão?
311
- Veio de um amigo, vizinho, que mora na minha rua, no caminho da escola que eu estudava. A
primeira informação que ele me deu, foram que (+) eh, me lembro, foi essa palavra, acordes, né?
Existem as notas, e existem os acordes, isso aí foi fundamental para mim porque eu entendi que uma
nota é uma nota, já o violão, me dá a possibilidade de fazer três ou mais notas, e isso se chama
acorde, e foi quando eu entendi, já de um passo assim, de meses, de um mês para o outro, eu
entendi que é formado pela primeira, terceira e quinta, eu já entendi isso assim, do início, lá no início
eu entendi, a primeira, a terceira e a quinta, formam o acorde, então se eu incluir a sexta eu tenho
(+) Então, quem me deu a primeira informação foi esse meu amigo, e essa outra informação que me
levou a entender o conceito musical, a teoria musical eh, de formação de acordes, de campo
harmônico, escalas e suas variantes, foi um outro amigo dele, que tocava guitarra na banda de forró
do pai dele, então ele me viu com interesse e aí ele me chamou e disse: “Ei cara, vem cá” e ele
anotou assim para mim “olhe, eu vou te falar aqui uma coisa, na música é o seguinte, escala maior é
dois tons, semitom, três tons e um semitom. Eu não sei como, mas eu entendi isso na hora, ele achou
até que eu não ia entender, aí eu disse “Ah, eu entendi cara, entendi, entendi”, pronto, então quer
dizer que um acorde com sétima é só fazer essa variação, incluir um quarta, “ah esse desenho é de
uma quarta” (falando como se estivesse pensando), então as primeiras informações vieram dessas
duas pessoas, desses dois homens, dois rapazes, que viram que eu tinha interesse e me falaram ali o
que acharam que eu podia saber no momento, né?
12. Luizito, descreva para mim a sua trajetória formativo-musical no que diz respeito ao
estudo do violão, ou seja, se você estudou em alguma escola especializada, festivais,
cursos, aulas particulares e troca de experiências com outras pessoas.
- Bom, em termos acadêmicos e didáticos, eu não tive oportunidade, ou talvez não tenha tido tanto
talento na época para acreditar em mim, né? Eu não tinha desarnado ainda para o violão como eu
queria, então eu não tinha tanta fé, assim na minha pessoa enquanto violonista, não tinha. Eu tive
depois desse primeiro momento, um tempo assim bastante amplo, assim de dois anos talvez, que eu
não conversava com ninguém sobre violão, que era uma coisa íntima minha, era uma coisa minha,
pegava um violão emprestado, ficava na minha casa, tocando para mim mesmo, para mais ninguém,
e aí, depois desse período, eu eh, conhecendo algumas pessoas, soube de um curso, e aí eu tive
interesse de fazer esse curso, e fui para uma aula, nessa aula, isso é interessante o que eu vou lhe
falar, nessa aula eu aprendi a ser professor, eu não vou desmerecer o meu professor, não vou
desmerecer, cara, mas ele deu uma aula tão ruim, ele foi tão complicado, ele tornou a coisa tão
complicada que ele me ensinou a explicar de uma maneira fácil, eu comecei a dar aula de música
pensando nesse professor que complicou a coisa para mim e, eu desconstruir aquilo que ele fez
312
comigo, ele me bloqueou cara. Na verdade, essa primeira aula foi um bloqueio para mim, que eu
passei assim, 8, 10 meses sem querer nem ver violão, sabe? Porque ele me bloqueou, ele me fez
acreditar que eu nunca iria tocar, mas ele não foi contra mim, ele não era contra a minha pessoa, ele
foi difícil na maneira dele falar o que era música, então ele me confundiu, eu abandonei, fiquei
bloqueado, fiquei triste, meu coração chega sangrava bicho, tristeza, frustração mesmo, e eu passei
mais esse período, apenas com essa aula, mas sabe como é que é, né? O cara quando gosta, aí de
vez em quando eu ia lá no violão, pegava meu violão e ia na calçada, eu por mim mesmo, depois
desse primeiro momento, eu só tive a oportunidade de aprender alguma coisa nos grupos de
oração, que é quando fulano dizia assim “Ah eu vou cantar, essa, essa e essa música”, a música que
eu não sabia, às vezes eu não sabia as três, aí eu ia para um outro cara que tocava e dizia “como é
essa música aqui?” e ele me passava os acordes, como eu tinha uma visão boa de acordes, uma
memória boa, e um ritmo bom, então ele me falava, me mostrava uma vez e eu pegava a música, ele
me mostrava a outra música, eu pegava, ele me mostrava a outra e eu pegava. Então, em termos de
harmonia, eu era muito bom, muito bom mesmo, em termos de ritmo, eu sempre botava um ritmo
genérico ali que dava certo, então, essa foi a oportunidade que eu tive de estudar um pouco mais
com pessoas até mesmo cantando, que para mim era um estudo, né? Quando tinha alguém para
cantar para mim aquilo era um momento de estudo. Então, ali foi muito assim, eh, muito eh,
esporádico, né? Foi muito por acaso também, e já aos 24 anos, foi que eu precisando ser
professor, precisando de um emprego, eu entrei e comecei a ter formação todo mês na prefeitura,
mas nisso Eltim, eu já tocava, eu já dava meu recado no violão, certo? Mas assim, em termos de (+)
então a gente vai até mais adiante, porque além dessas formações que eu tive, a outra coisa de suma
importância foi considerar que todo mundo pode me ensinar algo, todo mundo, sabe? Eu não tinha
preconceito cara, eu não era aquele cara que ficava falando mal de forró, “ah num sei o quê do
funk” e tal, eu não tinha isso, eu não tinha preconceito, para mim era uma coisa bacana, o cara
chegou lá, mostrou o trabalho dele, está ganhando o dinheiro dele e tal, eu não tinha preconceito
nenhum e sobre formação, eu nunca tive (risos) tive amigos igual a você, né? A gente teve a
oportunidade de trabalhar, eu vendo você fazer aquilo, me despertou um interesse muito grande de
estudar, de sacar, “rapaz qual é a escala maior, é essa, quais são as menores né?” Tem a menor
melódica, tem a primitiva, tem a harmônica, então foi esse tipo de situação que me fez dar passos
com o violão.
-Luizito, nesse contexto, esse curso que você fez, você teve quantas aulas
especificamente?
- Bom, nesse curso na minha adolescência, eu tive uma aula. Foi uma aula que eu tive.
313
13. Você utilizou em suas horas de estudo recursos como CD’S, DVD’S, vídeo-aulas,
gravações? Se sim, como você relaciona esses recursos com a sua aprendizagem no
instrumento, como acontecia?
- O único material didático que eu tinha era umas revistinhas mesmo de cifra, eh, sobre CD, esse
lance de video aula, eu nunca tive acesso, mas eu não vou falar que foi falta de oportunidade tá? Eu
vou falar que foi por falta de cuidado, de zelo, de interesse da minha parte, foi assim, foi uma vacila,
né? Não vou me colocar como vítima, né? Mas o único material didático que eu tive, durante muito
tempo, foi apenas, eh, escrito mesmo, eh, eu não tinha a prática também, isso é importante, eu não
tinha a prática de parar para mim pegar uma música de ouvido, eu não tinha, eu via algumas pessoas
fazendo, eu fiz isso, conseguia, às vezes eu não conseguia, faltava alguma coisa e eu ia tirar alguma
coisa com um amigo, mas praticamente a minha formação, foi olhar as pessoas tocando e quando
alguém me chamava para tocar, que aí foi a minha formação foi essa, as pessoas chegavam “Ei, tu
toca violão, eu preciso cantar um negócio ali, vamos tocar comigo” então a pessoa me dava um
repertório de 10, 15 músicas, dali eu passava a conhecer, tinha conhecimento de mais 10 ou 15
músicas, então eram essas oportunidades, não existiam nada de parar para estudar, mas vontade eu
tinha, entenda, isso é muito importante, eu tinha muita vontade cara, muita vontade, mas eu não
sabia nem o que estudar, eu não tinha a mínima ideia de como é que (+) do que procurar, entendeu?
Sabe quando você não tem uma pergunta a fazer? Eu não tinha perguntas a fazer em relação à
música, porque eu não sabia, eu não sabia nada, eu não tinha uma agenda de estudo, eu não tinha
nem noção de como é que eu poderia evoluir no violão, eu não tinha nem noção, né? E quando eu
via alguém mais evoluído tocando, eu já passava a considerar que era o dom, talento da pessoa,
né? E de fato era, mas era algo além que ele encontrou como oportunidade, ou ele mesmo
percebeu, né? A partir da percepção dele, mas ele estava fazendo algo, e aquilo ali ficava na minha
mente, meses depois, anos depois, eu me via fazendo aquilo ali, então praticamente.
- Luizito, você lembra de algum livro, método que você tenha utilizado assim, o nome?
- Eu lembro Eltim, aos 27 anos eu tive a oportunidade de morar em Fortaleza, eu morava em uma
casa de missão, então nessa casa de missão, todos nós fazíamos faculdade, todos que moravam na
casa faziam faculdade, eu era o único que não fazia faculdade, então as pessoas acharam por bem
pagar um curso para mim, para mim poder estudar, aproveitar meu tempo estudando, e aí como eu
tocava, eu pensei no conservatório de música Alberto Nepomuceno, do qual eu ouvi falar lá em
Fortaleza, e me disseram que eu podia ir para saber quanto era e tal, então eu fui atrás, a
mensalidade, a comunidade podia arcar com a mensalidade e tal, que não era tão caro, né? Mas eu
lembro que eu entrei no conservatório de música Alberto Nepomuceno, passei 6 meses, e o
professor me passou para o quarto período, eu não sei se é antididático fazer isso, mas ele já achou
314
que eu já estava mais a frente e tal, ele me passou para o quarto período, me dando a
responsabilidade de apenas de ler um livro do Henrique Pinto, certo? Um método do Henrique
Pinto, ele disse que se eu estudasse aquilo ali e fizesse aquilo ali em 15 dias, eu já podia ir para a
quarta fase, então foi quando eu peguei os temas que eu sei tocar hoje, de clássico, são desse livro,
eu peguei sozinho sabe? Ninguém (+) ele não me ensinou nada cara, ele não me ensinou nada
(risos) era uma aula dia de quarta feira, 8 horas da manhã, ele chegava super cansado, ele tomava
café e ele passava meia hora tomando café e conversando comigo cara, e minha aula passando,
dava 40 minutos, ele tocava uma música, eu tocava uma e acabava a aula, e ele me deu essa tarefa
de casa, que era trazer todas as músicas que tinham partituras nesse livro do Henrique Pinto, assim
eu fiz, em 15 dias eu voltei tocando todas, né? Eu passava um dia inteiro para pegar um, um (+)
Como é que a gente chama uma (+).
- Uma peça?
- Uma peça, pronto. Eu passava o dia inteiro para pegar uma peça e não esquecia mais, até hoje eu
lembro, e essa foi a experiência mais legal que eu tive, em termo acadêmico, foi ótimo, foi
maravilhoso.
- Luizito, eu sei que você já falou, mas como é que funcionava essas aulas? Assim para
você, você tinha acesso a técnica, a dedilhado, a repertório, você pode falar um pouco mais
como era nesse tempo do conservatório?
- Posso sim. O conservatório, eh, ele era um espaço muito (+) positivo, sabe? Ele era um espaço
assim muito musical mesmo, sabe? Você sentia muitas pessoas talentosas, andavam por lá, tinham
aula, alunos que já tinham alguns anos de estudo e tal, o clima era maravilhoso, eu fiz amigos, eu
participei de um coral, que foi lindo, a gente fez no final do ano um coral maravilhoso de natal,
descobri que eu tenho uma voz bonita, e uma voz alta, as pessoas me falavam assim, os professores
de lá, né? “Oh rapaz, tu canta bem, tu tem uma voz bonita” foi uma descoberta legal, em termos de
aula, eu tinha uma aula por semana, daí, como eu falei que era a primeira aula, em um dia de quarta
feira, então quando eu chegava, assim, eu só tou falando a verdade, né? Até porque esse meu
professor, lembro bem dele, é o Xxxx, uma pessoa maravilhosa e tocava muito cara, me inspirou
bastante, me deu muitas palavras de incentivo, ele dizia que eu era bom, que eu era talentoso, ele via
algo assim bom em mim, então isso foi fundamental para mim, mas aí o Xxxx, eu não sei se ele
morava longe, eu não sei, ele tomava café sempre no início da aula, era eu tocando violão e ele
tomando café, eu achei que eu aproveitei muito pouco, ou ele aproveitou muito pouco do que
poderia me ensinar, que ele era (+) conhecendo hoje os violonistas, até mesmo você, eu diria que o
Xxxx é muito bom, sabe? Ele é muito bom, e diante do que ele poderia ter me ensinado cara, faltou
muito sabe, faltou muito assim da parte dele, não sei se pelo horário, mas o que ele me passou em
315
termos de dedilhado foi muito rico para mim ficar conceituado, eu fazia coisas e depois dessas aulas
que eu tive com o professor Xxxx eu fui dando nome para as coisas, então eu podia repetir aquilo
que eu achava que eu estava inspirado (risos) eu estava inspirado naquele momento, tocando
daquele jeito, na verdade era só um conceito que eu estava relembrando ali, então como eu dei
nome para as coisas eu passei a fazer mais praticamente, entendeu? Com mais prática, coisas que
eu mesmo fazia, que eu mesmo criava, e o Xxxx foi um cara fundamental porque (+) como eu
considerava ele um cara (+) um músico maravilhoso, ele dizia que eu era bom, para mim foi ótimo,
foi um estímulo muito grande mesmo.
- Você tem recordação de algum exercício ou de alguma coisa que ele tenha passado para
você? Você poderia tocar e tal?
- Tenho, eu me lembro dos combinados (Luizito começa a demonstrar, tocando exercícios de
independência com os dedos 1,2,3 e 4 da mão esquerda) dedo 1, dedo 2, dedo 3, dedo 4, ele
me aconselhava a pegar na quarta casa do violão a partir da primeira corda, então o dedo 1, 3, 2, 4
(tocando no instrumento) aí vai para a segunda corda, dedo 1, 3, 2, 4 (continua tocando no
violão) terceira corda, mesmo movimento, né? E depois fazia mais rápido, eu me lembro desse
exercício que ele passava, combinados, ele chamava assim.
14. Luzito, eu sei que você já falou sobre isso, mas qual é a sua percepção sobre estes
métodos de violão que você utilizou na sua formação?
- Eu acho que esses métodos, eles (+) assim, em primeiro lugar fica ao mérito do aluno se praticou
bem, né? Esses métodos funcionam mesmo, porque ele dá noção de distância entre os dedos, ele
fortalece os seus dedos, ele te dá mais segurança até para você, eh (+) ao tocar a corda, você não
confundir com a mão direita, né? Com a mão que está executando, com a mão que está
friccionando, você tem mais precisão na distância das cordas também por conta desses exercícios,
né? Didáticos, eh (+) um outro fator também que eu poderia assim, eh, que eu poderia destacar, é o
fato dos intervalos, que a gente passa a ter uma outra visão do desenho das escalas, considerando
que a gente pode sair de uma nota e ir para outra um pouco mais distante, e fazer esses intervalos
que geram essas tensões, que geram essas coisas bonitas que a gente escuta e de repente a gente se
vê na possibilidade de fazer entre o dedo 1 e o dedo 4, e depois entre o dedo 4 e o dedo 3, na
outra corda em baixo, né? Então ali você já dá uma sensação (começa a exemplificar) você já dá
essa sensação (começa a tocar novamente), né? Já gera algo que fica caracteristicamente, eh,
marcante e que te dá também, assim como os acordes, são desenhos, né? Esses intervalos também
vão gerando desenhos na sua cabeça e você vai a partir deles, vai tendo a oportunidade de
316
visualizar melhor, para pegar música, para improvisar, até para memorizar as harmonias e os solos,
né?
15. Luizito, você iniciou o seu estudo através de partituras? Ou tocava de ouvido
juntamente com cifras e tablaturas? Ou estudava com base em todos estes componentes
juntos? Gostaria que você comentasse um pouco sobre estes aspectos.
- Bom, eu tive interesse em tudo. Eu tive aquele interesse, porque tudo que dizia respeito ao violão
eu queria saber, então, eu já tive conhecimento da partitura, já nessa época, talvez até antes de
pegar o violão, até antes de praticar o violão eu já tinha interesse na partitura, que desenho era
aqueles, porque aquelas linhas, né? Aquela clave de sol, que eu já sei desde aquela época que é
uma clave de sol, e porque que era uma clave de sol, que alguém me falou que foi da época da
idade média que a igreja tinha uma cruz, bem ali, tem exatamente o cortado da clave de sol, corta a
segunda linha, né? Então ali ele já denomina o sol, eu tive interesse em saber porque que as notas se
chamavam Do, Re, Mi, Fa, Sol, La, Si, eu tive interesse de tudo, eu queria saber só tudo, então,
tive interesse nas cifras, eu tive interesse em pegar música de ouvido, em afinar o violão, em saber o
nome das cordas, eu acho que desde o primeiro momento que alguém me falou Mi, Si, Sol, Ré, Lá,
Mi, eu memorizei, tamanho era o amor, eu não estou falando em questão de inteligência, entendeu?
De memória, que eu me destaco em relação a isso, não é, era o interesse mesmo, era o amor, era o
cheiro do violão cara, aquela coisa mesmo deu achar bonito aquilo, então, quando alguém me falou
o nome das cordas por exemplo, eu já memorizei, entendi que existia as notas sustenidas, no
intervalo de uma nota natural para outra, isso foi fundamental para mim, foi uma maravilha, porque
automaticamente eu já entendi que as notas não eram só sete, eram 12, eu já sei disso desde essa
época, e eu aprendi isso através de um amigo, aliás através da única aula que eu tive com esse
professor, que foi aos meus 15 anos, que ele me falou que Mi e Si não tem sustenido, então eu matei
a charada que são 12 notas, mas a minha formação musical ela se dá basicamente nas cifras cara,
cifras, eh, cifras foi tudo para mim, porque dali eu já tinha um mundo de informação, eu tinha o
nome da nota, eu tinha se ela era sustenida ou bemol, eu já sabia, eu tinha se era ela com sétima, se
o acorde era maior ou menor, se a sétima era maior, se existia uma sexta eu já pegava aquele acorde
com sexta, o desenho dele e já aplicava para todas as outras realidades do violão, inclusive,
mudando completamente o desenho do violão, eu fazia uma diminuta, que a diminuta foi um dos
últimos acordes que eu aprendi já aos 16, 17 anos (toca um acorde diminuto) eu sabia que uma
diminuta poderia ser feita na região aqui por exemplo da segunda casa, mas eu posso ter essa
mesma diminuta na região da sétima casa, então mudava completamente o desenho, mas tinha as
mesmas notas, então a minha formação foi praticamente essa, de cifras mesmo.
317
17. Luizito, você possuia alguma rotina de estudo? Se sim, descreva. Tipo, segunda e
quarta é que eu pego no violão ou terça e quinta? Havia alguma rotina de estudos?
- Não, não havia rotina nenhuma, na escola, por exemplo, eu ainda hoje estava pensando nisso, não
existia nenhum, nenhum, eh, conteúdo sobre música, não existia nada sobre música, não tinha
cursos, muito menos professores ou materiais para isso, então eu não tinha essa rotina não criei para
mim, não tinha na escola habitual, e não criei para mim.
18. Havia alguma sistematização no que diz respeito à sua aprendizagem ao instrumento?
Por exemplo: Quando você pegava no violão, você pensava “eu vou estudar técnica 15
minutos, depois eu vou estudar acordes mais 10 minutos” Você sistematizava alguma
coisa?
- Sim, eu fazia isso, intuitivamente eu fazia isso, eh, porque, veja bem, eu não tinha dia certo, nem
tempo certo para fazer, mas eu tinha a ideia de estudar acordes menores com sétima, então eu
318
estudava um acorde menor com sétima em quatro ou cinco desenhos, em lugares diferentes, eu tinha
esse interesse mesmo, de fazer um sol menor com pestana, um sol menor com sétima com pestana,
um sol menor com sétima naquele formato mais da MPB, né? E eu tinha interesse de fazer esse
mesmo sol menor com sétima em outras regiões do braço, inclusive até as sétimas e nonas que eu
fazia, formando o acorde, partindo do formato principal, então eu pegava essa sétima e nona e vinha
aplicar ela aqui também, né? Eu vinha aplicar a sexta, essas cadências também oh (mostra uma
sequência de acordes com a linha de baixo descendente) soava bem.
20. Você possui alguma influência, músico da cidade ou do cenário nacional, que tenha
contribuído para a sua formação como violonista?
- Bom, eu sou fã mesmo de alguns músicos aqui da cidade, desde a minha adolescência, né? E olhe
eu não ia para shows, os shows que existiam antigamente eram shows de forró, onde tinham
bebedeiras, né? Eram para adultos, não era um show cultural, nós não tínhamos essa realidade de
show cultural, aconteceu um show cultural quando veio a Xuxa, quando veio os Trapalhões, e era
aquela multidão, você ia, eu odiava isso, odeio isso, odeio, odeio ir para um show, meio mundo de
gente, aquela coisa, as pessoas se apertando, se pisando para ver um cara minúsculo, lá em cima,
sabe? Mas assim, quando é um conteúdo de um festival como aqui na Meruoca, é um prazer, uma
satisfação você poder ver a banda em ação e tal, mas já, há tempos atrás não tinha isso, então eu
não ia para shows, não ia e tal, eu não participava disso, porém, nessa minha experiência com Deus,
né? Na comunidade na qual eu participei, eu tive a oportunidade de ver alguns músicos em ação
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21. Acredita que a troca de experiências com outros músicos, assim como amigos e
familiares, contribuiu para sua formação musical? Se sim, como?
- Totalmente, eh, eu consegui chegar até determinados resultados sozinho, né? Então, eh, a partir do
momento em que eu não sabia o que estudar para mim evoluir, iam aparecendo pessoas e essas
pessoas, esses contatos que eu tive de amizade, elas sempre disseram assim para mim “Cara,
estuda, né?” Sempre deram aquele parecer de que assim, eu tenho um som bonito, eu faço uma
coisa que não é difícil, mas é bonito, uma coisa do meu toque, que não era difícil, mas era bonito,
então, ao conviver com esses músicos, né? Com esses amigos, eu já percebi que eu fazendo o que
eles faziam, eu conseguia fazer e às vezes eu fazia do meu jeito, às vezes eu fazia parecido, e às
vezes eu criava algo a partir daquilo que eu aprendi com eles. Então, esse processo criativo para
mim, ele é muito estimulante cara, ele me manteve (+) sabe? Na estrada mesmo, porque a partir de
contatos com pessoas do mundo da música, foi que, eh, por exemplo, eu fiz composições, né? Eu
compus com várias pessoas aqui da cidade, eh, e a partir desse contato, dessa proximidade, eu
pude desmistificar muita coisa, eu pude ver que na prática todos nós somos parecidos, né? O que
nos diferencia, é claro, é uma capacidade única, que a natureza dá para cada um de nós, mas
também o tempo de dedicação de estudo que nós tivemos, a oportunidade que nós tivemos,
considerando que fulano pode estudar tanto quanto você, mas você toca muito, você Uélito toca
muito e fulano não toca, fazer o que? É a natureza, né? Fulano se dedicou tanto quanto a você, mas
não é esse termo de comparação, é fulano que tem que chegar a perfeição dele e você tem que
chegar a sua perfeição, então isso eu fui aprendendo com o contato com os músicos que me
mostraram que nada nasce pronto, né? Que tudo é à custa de muita experiência.
22. Luizito, houve desafios enfrentados por você para se tornar violonista? Se sim, quais e
como você conseguiu resolvê-los?
320
- Sim, teve a questão financeira, questão financeira foi um fator que determinou toda a minha vida,
porque nós somos de uma família onde nosso pai é caminhoneiro e a nossa mãe é dona de casa, nós
somos (+) sou eu e mais três, as coisas nunca foram fáceis, nunca, a gente sempre teve aquele
salário para cobrir um mês e no final do mês faltou grana, estamos esperando de novo para poder,
eh, continuar pagando as contas e tendo comida e, acesso a lazer, nenhum, acesso a lazer não
tivemos, acesso a esse ponto cultural, como eu falei, aqui em Sobral, há 20 anos atrás, né? Há vinte
e poucos anos atrás não tinha, então o fator financeiro ele me limitou muito, me atrasou muito, me
desestimulou, eu desisti várias vezes, eu desisti, porque eu não (+) por isso é que eu preferia ficar só
para mim, entendeu? O violão, porque primeiro, eu vim ter um violão, cara, depois dos meus vinte
anos de idade, porque nunca me sobrou cem reais, eu trabalho desde os meus 12 anos de idade,
mas nunca me sobrou um dinheiro que eu pudesse comprar, fiz uma compra, é bom porque eu estou
lembrando disso agora, fiz uma compra importantíssima quando eu tinha 15 para 16, comprei um
Micro system, e eu comprei várias fitas que eu ia gravando CDS do AC/DC, do Led Zeppelin, dos
Mutantes, eu fui gravando essas fitas e tal, a partir daí eu não pude comprar violão, só lá pelos vinte
anos eu fui comprar um “violãozim” simples e tal, eu não tinha como não trabalhar,eu precisava
trabalhar, manhã e tarde, eu precisava estudar à noite, então isso aí já limitou todas as minhas
possibilidades de uma vida de estudo. Eu nunca tive assim, eh, além de um instrumento bom, eu
nunca tive conteúdo de DVD, de vídeo aulas e, também nunca tive, eh, como pagar cursos,
entendeu? Contratar um professor particular, para ficar vendo, era sempre a custa de favor mesmo,
mas eu tive sorte, que eu vi, eh, eu tive sorte de conhecer alguns guitarristas e violonistas aqui na
cidade que eu tive a persistência, né? De apesar deles, eh, explicando de qualquer jeito, eu tive a
insistência ali e eles me repassaram isso, mas as dificuldades que eu tive mesmo, foi deu nunca (+)
eu nunca pude parar para mim estudar, inclusive era um sonho que eu tinha e eu fui fazendo no
decorrer da vida (risos).
23. Luizito, você teve acesso a aulas, ou quaisquer experiência na escola de música de
Sobral, ou no curso de licenciatura em música da UFC?
- Não, eu não tive essa oportunidade, porque na época, eh, que a escola de música chegou, é claro
que isso trouxe um (+) foi muito bom para a cidade, trouxe algo assim, encantador, né? Nós
ficamos felizes e tal, nós que gostamos de música, mas, eh, num primeiro momento eu não tive
nenhum contato, logo em seguida, eu já me tornei professor da prefeitura, e o contato que eu tinha
com a escola de música, era as formações que a gente tinha lá, que a gente recebia dos professores
de lá, que não era sempre também, e que não era de um conteúdo, deixe eu explicar isso, não era
de um conteúdo prático, era nos ensinando a ser professores, não era nos ensinando a ser
321
violonistas ou instrumentistas, e o contato também mais direto que eu tive com a escola de música, é
porque eu conhecia uns músicos de lá, a partir dessas reuniões que eu tive e eu ia lá visitar a galera,
eu ia ver, eh, então quando eu chegava lá eu era bem recebido e tal, as pessoas falavam comigo e
tudo, mas aula mesmo, nunca tive não.
24. Luizito, você possui amigos que estudam ou estudaram nesses espaços que eu citei? Se
sim, qual a sua percepção sobre a formação deles em contraste com a sua?
- Bom, eu conheço. Tenho amigos que são professores da escola de música, qual é o outro que
você falou?
- O curso de música da UFC.
- O curso de música da UFC. Pronto, tanto na escola de música, quanto no curso da UFC, eu
tenho amigos que foram professores, que são professores, que foram alunos, que são alunos, então
eu tive um contato legal com essa galera a partir de amigos que eu fiz no decorrer da minha vida,
né? Então eu posso dizer que os meus amigos, eu falo isso assim, eh, com toda a verdade, eu falo
com toda a verdade, os meus amigos eles tem potencial musical muito maior do que o meu, eles são
conceituados e, eles fazem coisas que eu poderia fazer se eu tivesse passado por assim dizer, por
toda a labuta, por toda a fadiga, por todo o (+) sabe? A queimação de pestana, todo o sacrifício
que eles tiveram para estudar, coisa que eu não passei, então eu não posso tirar o previlégio, o
merecimento deles, de serem realmente músicos mais conceituados e muito melhores do que eu,
porque são mais preparados, porque sabem realmente, eh, as linhas melódicas da música, que
sabem os ataques, né? Enfim, os caras estudam mesmo, levaram mesmo a sério, e eu acredito que
isso, em grande parte, foi uma exigência que a escola de música fez, é fruto de uma exigência que a
UFC fez, e é uma oportunidade única para quem tinha capacidade, né? Oportunidade única para
poder evoluir, crescer, é tanto que chega o nome, né? Do violonista, ele chega antes mesmo do
próprio violonista, né? Isso é bonito “fulano está tocando muito”, ai em um belo dia você ver fulano
tocando e realmente este está tocando muito, então eu conheço, conheço músicos da UFC e da
escola de música e, o fator mais importante é que eles foram muitos profissionais e tiveram muito
zelo em relação a estudar mesmo.
- Mas Luizito, o que você acha que eles têm que contrasta com a sua formação? É só essa
conceituação? Você percebe uma discrepância? Uma diferença assim na formação deles
em relação a sua? Tem alguma coisa que lhe chama a atenção?
- Eltim, hoje, depois deu (+) eu tomei uma decisão na minha vida, agora recentemente, não tão
distante, eu tomei uma decisão na minha vida, que foi, eu parei para mim estudar guitarra, eh,
porque é um instrumento que eu adoro, que eu gosto muito, então eu tomei a decisão, eu comprei
322
uma guitarra, eu comprei uma pedaleira, comprei uma caixa, e eu estudei por mais seis meses todos
os dias, então hoje, entenda bem o que eu vou falar, está certo? Hoje eu vejo que a minha linha de
improviso ela é muito boa, entendeu? Eu vejo que os meus amigos, justamente esses que eu estou
me referindo, que eu considero que tem um potencial maior do que o meu, eles olham para mim e
eles reconhecem a minha musicalidade e eles apreciam isso e me dizem uma coisa que eu acho
muito bacana, eles dizem assim “Tu tem uma identidade musical que quando a gente escuta, a gente
sabe que é tu que está tocando” então, hoje mesmo eu posso dizer que não há, há uma distância
muito grande em relação a experiência que eles têm de palco, em relação a experiência, por
exemplo, que você tem de peça, porque para mim tocar igual a você, Uélito, particularmente eu
teria que passar quatro, cinco anos estudando mesmo cara, sabe? Estudando mesmo para poder
chegar a fazer o que você faz, certo? E tem também o fator sorte, eu não sei se eu vou conseguir
pô, eu não sei se eu tenho essa mesma dinâmica que você tem de dedos, essa mesma velocidade
que você tem, eu não sei, eu tenho a minha velocidade, agora eu não sei se eu ia ter a velocidade
que você tem para fazer o que você faz, eu sei que eu poderia estar ali no meio, né? E tal, mas hoje,
depois desse momento que eu me dei, agora de 2019 a 2020, eu me dei uma oportunidade única na
minha vida que agora eu consegui um emprego melhor, estou tendo uma oportunidade única, eu
parei para mim estudar, escala menor melódica, né? As harmônicas, escala harmônica e tal,
primitiva e tal, e a maior, sétima aumentada e tal, eu conheço todas elas, cara, depois desse
momento eu evolui bastante a ponto de grandes músicos aqui da cidade (+) a galera aqui já me vê
com outros olhos, né? Gostavam de mim antes, mas gostam mais agora, musicalmente falando, é
isso.
25. Luizito, em que momento você começou a ganhar dinheiro com suas atividades
musicais?
- Boa, foi aos 24 anos, foi já como professor, mas diga-se de passagem que eu me tornei professor
de música porque eu tocava, eh, eu fazia dinâmicas de grupo, fazia dinâmicas, então eu comecei a
ganhar dinheiro aos 24 anos como professor de música.
escola, e eu disse que sim, mas não era para ser professor de música, era para ser professor de
português e matemática para alunos de um projeto, né? Então eu ingressei, a partir daí comecei a
namorar uma professora de artes e essa professora de artes falava que eu mandava bem no violão
e, ela me disse de uma seleção da prefeitura que ia ter, ela mesmo me matriculou, ela mesmo me
disse os dias da prova, e a gente namorava, né? A gente se dava super bem e tal, a gente foi fazer
junto, eu tirei segundo lugar, de todos os professores de capoeira, de dança, de teatro, de tudo eu
tirei segundo lugar, o primeiro lugar foi, era o professor Marcelo que virou coordenador, então ele já
não assumiu a vaga como professor de artes, então eu fui o primeiro desse momento a poder
escolher a escola que eu queria dar aula, então eu escolhi no Dinorah Ramos, que é onde minha
namorada dava aula, e ela também escolheu lá, e a gente passou dois anos trabalhando juntos lá, foi
maravilhoso, foi muito bom.
27. Você precisou estudar mais para as novas demandas de atuação? Se sim, o quê e de
que forma?
- Sim, precisei estudar mais. Primeiro que me tornar professor de música tocando apenas violão, foi
uma grande oportunidade para aprender todos os instrumentos que hoje eu sei tocar, porque, eh, eu
tinha que fazer um trabalho com flauta, então eu descobri Uélito que eu tenho talento para flauta, se
eu quiser ser um flautista mesmo eu seria, por causa da facilidade que eu tenho de tocar aquela
flauta, mas nunca passei daquele limite, né? Cheguei num limite ali que eu parei, mas eu sei tocar
flauta, então foi fruto desse estudo, né? Passei a praticar percussão, aprendi a tocar pandeiro e suas
variantes, né? Triângulo, Cajon, Zabumba, num primeiro momento eu não sabia, mas aí depois que
eu (+) “ah, é assim” então eu sabia, certo? Aí foi quando eu tive a oportunidade de aprender os
instrumentos que hoje eu sei, contrabaixo, guitarra, eu tive que estudar mais, tive, mas ser professor
de música é ser diferente de músico da noite, né? Então eu aprendi isso na prática mesmo, que eu
precisava estudar a maneira como seria mais fácil para o aluno entender, eu fazia um estudo sobre a
minha didática, eu inventava coisas, eu era considerado um bom professor, eu me empenhava
mesmo e isso, praticamente porque eu pensava a maneira como eu ia explicar, uma das coisas,
frutos do meu estudo, que é fruto do meu estudo, que eu uso até hoje, e que por onde eu passei foi
bom, foi eu ter associado o desenho dos acordes com desenhos mesmo, de uma cadeira, o mi
maior parece uma mesinha com uma cadeira, entendeu? O do parece uma escada, então são esses
tipos de conceito que eu passei a adotar a partir de um estudo, né? De uma preparação ali e, que
foi aparecendo e facilitando a minha vida, né? Foi isso (risos).
28. Quais as estratégias você utiliza para memorizar uma música nova?
324
- Eu tenho, eh, uma noção muito boa, eh, sobre campo harmônico, eu sei quais os acordes que
fazem parte daquela família e então isso já me ajuda bastante, mas eu tenho uma predisposição cara,
que eu não sei te explicar como, mas eu tenho uma memória muito boa, para desenho e violão, para
outras coisas da minha vida minha memória é péssima, mas para memorizar os desenhos do violão,
eu memorizo muito bem, e eu associo isso a uma coisa que eu adquiri com o tempo que antes eu
não tinha que era o ouvido, né? Eu não era bom de ouvido, e até hoje eu não sou assim, esse cara,
saca? Bom de ouvido, eu não sou, definitivamente, mas é claro que depois de muitos anos tocando
e é claro, depois de você já conhecer várias sequências de acordes, você sabe exatamente o que a
música vai pedir, né? Parece que já é uma coisa óbvia, que vai acontecer de entrar um ré menor ali,
com sétima, para depois ir para sol maior, né? Mas já tem aquelas variações que começa a
aparecer sol menor, depois com dó com sétima, né? Isso aí já também facilita muito as coisa para
mim, mas eu uso o método de repetição para mim aprender, eu tenho que aprender, então eu vejo
isso como um trabalho e, se eu não memorizar na segunda vez, eu faço a terceira, quarta, a décima,
até eu conseguir memorizar.
- Luizito, só voltando um pouco, você falou sobre a questão de, eh, relacionar desenho de
acorde com desenhos, você fez, eh essa comparação com todos os acordes naturais, ou
você só fez com alguns específicos?
- Eu fiz com os 24 acordes, maiores e menores, porque assim, eu explico logo pros meus alunos
que são 12 notas musicais, dessas 12 notas eu tenho 12 acordes maiores e tenho 12 acordes
menores, que somando dá 24 acordes, então eu conto uma historinha com os 7 primeiros acordes
e, eu tenho a segunda historinha com os outros mais 7 e, tenho uma terceira historinha com os
outros mais 7. Três vezes sete dá vinte e um acordes, daí eu já associo também, eu já repasso a
ideia de que o acorde se repete, dependendo da casa ele muda só o nome, então pronto, quando
chega lá pela segunda historinha, no final eu já não tenho nem que contar a terceira, eu já vou a
partir da ideia da escala cromática, bom, se aqui é Fá, aqui é fá sustenido, se aqui é fá sustenido
menor, então na casa posterior vai ser sol sustenido menor, então já dou a missão ao meu aluno de
aprender a escala cromática para ele raciocinar melhor, raciocinar rápido.
- Você pode contar um pouco das história dos acordes maiores, menores, como é que você
relaciona esses desenhos? O dó é a escada, e o ré?
- O ré é um triângulo apontando para o meu braço direito, né? Eu boto uma ponta de uma flecha
também, às vezes eu boto uma ponta de uma flecha, que ele é um triângulo, onde o meu dedo três,
ele tá apontando, né? Em direção a boca do violão, mas eu conto assim, eu uso a mão direita para
criar um personagenzinho com os meus dois dedos, o indicador e o médio, esses dois dedos que eu
também vou utilizar para mim tocar, né? Eu uso eles como a figura de um homem que mora dentro
325
do violão, então ele morando dentro do violão, quando ele sai, ele segue o braço do violão como se
fosse uma ponte, e ele chega até o acorde de dó que é uma escada, então ele desce aqui o acorde
oh (mostrando toda a história no violão), embaixo da escada tem um triângulo que é o ré
(começa a tocar ré maior) em cima da escada tem uma mesinha e uma cadeira que é o mi, uma
mesinha e uma cadeira, então esse homenzinho mora numa praia, certo? Do lado de fora tem outra
mesinha com uma cadeira e um coqueiro, então eu já ensino a pestana como se fosse um coqueiro,
né? (começa a tocar o acorde de fá maior) a partir do fá, eu digo que ele está sentado na
mesinha, observando a praia, então tem dois jogadores de vôlei, jogando contra dois jogadores de
vôlei que é o acorde de sol (toca o acorde de sol maior) que se destaca porque são duas notas
embaixo, na primeira e segunda corda e, na quinta e sexta eu tenho outras duas, então eu tenho o
acorde de sol, eh, as três irmãzinhas dormindo na mesma cama é o lá (daí toca o acorde de lá
maior) e as outras três irmãzinhas dormindo no quarto ao lado, tem a parede que é a pestana do si,
então eu já tenho aqui o último acorde, então, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, por incrível que pareça,
quando eu termino essa historinha que eu vou perguntar, eles já sabem, o que é que é o dó, que é a
escada, né? Aliás (falando entusiasmado), já sabem que é o triângulo, então por algumas aulas
eles ainda vão dizendo “ah agora é o triângulo, né? Professor, ah, agora é as três irmãzinhas” e tal,
esse é o meu método cara (risos) isso foi sucesso, foi sucesso por onde eu passei porque (+) e a
galera pensava que era algo assim, né? De conteúdo mais difícil, mas eu confesso a você que essa é
a minha maneira que eu uso para todas as faixas etárias e dá certo.
29. Luizito, na sua opinião, o que é que deve ser mais priorizado na aprendizagem do
violão? Saber ler partitura? Desenvolver a técnica violonística? Eu gostaria que você
comentasse um pouco. Na sua opinião o que é que deve ser mais priorizado na
aprendizagem do violão?
- Eu acho que o dedilhado é um dos (+) é um (+) é porque está me faltando a palavra, né? Mas eu
acho que o dedilhado, é um dos conteúdos mais ricos que o violão oferece, porque ele é
encantador, você fica encantado porque você percebe nota por nota e às vezes a combinação
dessas notas tocadas juntas em acordes e separadamente, nota por nota, isso é que causa a
sensação, na minha opnião, a sensação mais forte que o violão oferece, né? Porque veja bem,
quando você toca o violão com ritmo, você está imitando praticamente o que uma bateria faz, né? E
tal, mas o dedilhado, ele é único do violão, o dedilhado ele tem (+) então eu acho que você dominar
os bordões com o polegar, né? E colocar separadamente o indicador para a terceira corda, o
médio para a segunda corda e o anelar para a terceira, e você criar esse condicionamento, também
incluindo o dedo mindinho alí, que eu também uso, o dedo mindinho, no início eu usava muito mais,
326
mas quando você trabalha o dedilhado, você já tem possibilidades incríveis de se tornar um
violonista, né? Não simplesmente tocar um violão, mas para se tornar um violonista você tem que
dominar bem essa questão do dedilhado, então, na minha opinião é o dedilhado e a formação dos
acordes, porque você entende como é que (+) quando você entende a formação de um acorde,
você pode formar o seu acorde, né? A partir da leitura que você faz e você pode rearmonizar
também, que é uma questão muito legal também.
- Ei Luizito, e nesse aspecto, na sua opinião como é que a gente faz para desenvolver a
questão do dedilhado e a questão dos acordes?
- Boa. Os acordes (+) a grande descoberta que eu fiz no violão em relação aos acordes, foi que
eles podem ser feitos em sequência, existe a escala cromática e o desenho que eu faço lá na
primeira casa com o Mi, eu vou reproduzir na casa seguinte virando o Fá, eu imitando a pestana do
violão que é essa pecinha branca, né? Então quando eu digo para o aluno que essa peça aqui é a
pestana, eu abro a mente dele, assim como eu abri a minha, que eu vi que na verdade o meu dedo
ele está imitando aquela peça, então a escala cromática, o desenho dos acordes em sequência é
muito bom para raciocinar. Já na questão do dedilhado, eu acho que nada melhor do que exercícios
mesmo, você determina, pré define, aliás, pré define não, você define uma coisa e você vai fazer
aquilo ali, né? Embora depois você mude, mas é assim, o que é que estou querendo dizer, eu vou
fazer um determinado exercício e que eu tenho uma sequência, tum ta tum ta ta tum,
(exemplificando um ritmo, a saber: 3 semínimas 2 colcheias e 1 semínima) então eu vou ficar
fazendo isso, tum ta tum ta ta tum, (o ritmo muda, fica: 3 semínimas 1 colcheia pontuada 1
semicolcheia e 1 semínima) tum ta tum ta ta tum, tum ta tum ta ta tum, tum ta tum ta ta tum, da
mesma maneira que eu posso fazer esses quatro momentos de dedilhado, totalmente diferente um
do outro. Eu posso mesclá-los, né? Mas eu só vou ter segurança se eu fizer exercício a partir só de
um, se eu fixar uma ideia e permanecer naquela ideia ali.
30. Luizito, como foi que você desenvolveu sua consciência harmônica, ou seja, o
conhecimento sobre acordes, a transposição de harmonias para outras tonalidades, fale um
pouco sobre esses processos.
- Bom, eu tive uma oportunidade legal, ainda com quase 16 anos, eu tive uma oportunidade aqui na
calçada mesmo aqui na minha casa, onde um cara me disse o seguinte “Cara quais são as notas
musicais?” Eu falei Do, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá, Si, ele anotou em um papel e ele me mostrou que entre
essas notas existe um intervalo, entre o Dó e o Ré, tem um tom, entre o Ré e o Mi tem um tom,
entre o Mi e o Fá tem meio tom, então ele fez a fórmula da escala maior, dois tons, um semitom, três
tons e um semitom. Eu não sei como cara, mas eu entendi tudo, eu entendi tudo ali naquele
327
momento ali, e aí, com essa oportunidade que eu tive, de entender esse princípio, eu passei a
entender assim, eu cheguei em casa e fiz a escala de ré, aí a partir dessa mesma ideia eu fiz a escala
de mi e eu passei a conhecer todas as escalas inclusive as sustenidas. Eu entendi que se eu estou
tocando em Do e que eu quero subir um tom eu vou para ré, então eu já não via mais as notas como
notas, eu via como números, o Dó é a primeira, o Ré menor é a segunda, o Mi menor é a terceira,
porque eu percebi isso, que a primeira, o quarto e o quinto acorde são maiores, o segundo, o
terceiro, o sexto e o sétimo são menores, então isso aqui para mim rock'n roll (Fica com a mão
fechada com o indicador, polegar e o dedo mínimo esticados) é primeira, quarta e quinta,
maiores, eu já sabia disso, então eu sabia, não via mais as notas, eu via números, então Dó é a
primeira, Ré é a segunda, Mi é a terceira, a quarta é Fá, a quinta é Sol, então se eu fosse tocar em
Ré, bastava eu seguir essa numeração, eu saquei isso, ninguém me falou, eu saquei “Ah, então se eu
for tocar em sol, eu vou usar a mesma sequência numérica, se eu tinha lá primeira, quarta e quinta,
aqui em Sol eu vou ter primeira, quarta e quinta, sendo que em Dó vai ser Dó, Fá, Sol, e em Sol vai
ser Ré, Dó, aliás, Sol, Dó e Ré, né? Então eu entendi isso.
32. Normalmente, o que você faz quando não conhece uma música, mas tem que
acompanhar?
- Eu lembro de outra música, eh, eu tenho assim (+) eu confesso que limitadamente, eu tenho
algumas músicas do meu catálogo mental que eu uso para mim comparar com outras músicas que eu
preciso pegar. Então quando eu escuto uma música, eu me lembro daquela outra música que eu sei
tocar, então eu vou (+) eu já identifico imediatamente que o tom é aquele, e aí, eu vou, de acordo
com o tempo, se for de hoje para amanhã, né? Se tiver de ser agora e nunca mais, aí a gente parte
para a improvisação, procuro fazer uns arranjos, procuro fazer do meu modo, às vezes é uma
328
música fácil mesmo, às vezes está na cara, você vai e pega a música e tal, mas quando é uma coisa
mais difícil e você não tem tempo, então você vai improvisando, eu parto também Uélito, para fazer
uma percussão no violão, não necessariamente eu tenho que estar fazendo um acorde ali, eu posso
estar contribuindo, não atrapalhando, fazendo um percussão, uma parte de efeitos sabe? Eu uso
bastante.
33. Como você faz para desenvolver a sua técnica violonística? Ou seja, os ritmos da mão
direita e a técnica da mão esquerda. Comente.
- Bom, através do estudo mesmo, depois eu me tornei mais categórico, eu achava bonito alguém
tocar samba, achava bonito, então, como eu achava bonito, eu queria estudar aquilo ali
especificamente, né? Então eu queria estudar aquilo ali especificamente, então foram através de
ciclos de momentos assim que eu me dediquei a fazer o estudo de (+) das células rítmicas, eu uso
muito essa palavra, célula rítmica, eu achei muito rico essa palavra, esse conteúdo, esse conceito, eu
achei riquíssimo, então eu passei a estudar e estudei esses conteúdos do qual você me perguntou,
dessa maneira, estudei assim, na mão esquerda, mais a questão de acordes e os exercícios mesmo
combinados.
34. Luizito, como você faz para tirar música de ouvido? E para você, o que é tirar música
de ouvido?
- Bom, boa pergunta, porque, eh, nesses tempos agora de internet geralmente a gente nem precisa,
né? A gente que trabalha profissionalmente com a música, a gente tem todo um aparato de uma
equipe que define um repertório, que coloca tudo numa pasta, que define juntamente ali com todo
mundo os tons, existe os ensaios, eu não passo por isso, eu não preciso, entendeu? Passar por isso.
As músicas que eu ensino aos meus alunos, certamente são músicas que eu já toco, ou então de
repente, de supetão eu lembro de uma música e aí lembro de tocar essa música e vou tocando
porque eu quero tocar aquela música naquele momento, então dá certo porque eu já tenho uma
lembrança vaga da letra, da melodia e tal, agora o que é pegar música de ouvido? Boa pergunta,
porque para muitos, né? Um músico que é músico, ele pega de ouvido, eu não acredito nisso de
uma maneira assim dogmática não, eu vejo isso como uma aptidão que alguém pode ter, porque de
repente, eu conheço pessoas que tem um ouvido maravilhoso mas não tocam lá essas coisas,
entende? Eu conheço pessoas que tocam divinamente bem, mas nunca comporam nenhuma música
e tem outros que tocam pessimamente e fizeram músicas bonitas e, tem outra pessoa que não sabem
nada de harmonia, de melodia, e que cantam super bem, canta afinado e, por assim dizer, toca, eh,
super bem, né? Então eu acho que no universo da música, não tem essas coisas assim de você
329
definir um padrão preestabelecido para o que é um músico, né? Músico já sabe, ele tem que ter
muita sensibilidade para ele poder entrar na música quando ele está participando da música. Agora
pegar música de ouvido, para mim é um privilégio, é um privilégio, é um dom que cada um de nós,
podemos, eh, evoluir, né? Podemos crescer nesse ponto a partir da prática também, e eu acho que
como são 24 tonalidades, né? Então se a gente memorizar 24 músicas, cada uma dentro de cada
uma tonalidade, a gente vai poder ter uma referência muito forte, né? De possivelmente aquela
música ser naquele determinado tom, porque se parece com aquela outra música da qual eu já sei
tocar, então para mim é isso.
- Você fala, de desenvolver a questão desse aspecto de tirar de ouvido, na sua opinião
como é que a gente pode desenvolver a questão do tirar de ouvido?
- Boa. Teve um período na minha vida Uélito, que foi determinante, mudou tudo para mim. Eu
comecei a usar todos os dias as notas musicais, e solfejar em cima delas, eu comecei a fazer mesmo,
mesmo mesmo (exemplifica tocando e cantando a nota dó), Dó, Ré (cantando e tocando a
nota), Mi, essa relação da minha voz com as notas, não sei te explicar bem, mas assim, eu vou falar
até de uma maneira poética,ela fez a música entrar em mim, sabe? A flauta também foi outro
instrumento riquíssimo na minha vida, porque a partir da flauta eu já passei até a cantar, a partir da
flauta, antes da flauta eu cantava péssimo, péssimo, depois da flauta eu passei a cantar melhor, eu já
vi minha voz como instrumento, né? E a questão de você pegar música de ouvido, eu acredito que é
praticamente isso, você ter essa intimidade com as notas musicais, independentemente de você fazer
ela sem auxílio de algum instrumento, ou se você faz só com um instrumento em mão, ou você
consegue fazer sem o instrumento, de qualquer modo isso é maravilhoso, você educa seu ouvido a
partir do solfejo, a partir do estudo das notas, né? E isso é uma construção mesmo.
35. Luizito, como você lida com o erro? Você sente nervosismo ao tocar?
- Bom, eu costumo dizer que a gente erra até falando, então errar para mim já não me causa
nenhum constrangimento, eu não quero voltar para o ponto que eu errei, sabe? Porque às vezes a
gente errava mais ainda querendo mostrar que não errou, eu passo por cima e eu esqueço,
imediatamente, eu esqueço que eu errei, continuo a partir dali e isso já até me estimula para mim
tocar mais, eu quero tocar mais a partir do momento que eu erro, apesar de que hoje em dia, né?
Na vivência da gente, poucas vezes a gente tem o desprazer de errar, porque a gente já está
tocando coisas que a gente já toca, qual era o outro ponto Eltim?
- Era se você sente nervosismo ao tocar.
- O nervosismo, dependendo do lugar, cara, eu sinto muito, muito mesmo, mas eu vou te falar uma
coisa, uma coisa assim incrível, que eu digo que é da natureza da pessoa, cara eu tenho um
330
nervosismo muito, assim, uma frieza e tal, mas a partir do momento que eu subo no palco cara, que
eu boto o violão aqui, a correia do violão aqui, cara eu fico frio, frieza total, eu sou uma geladeira,
eu não tenho sentimentos de nervosismo, você me entende? Eu tenho uma ansiedade até o momento
que antecipa eu subir no palco, ou eu começar a tocar, mas quando eu começo eu sou frieza total,
não tem esse negócio para mim não, quem sabe sabe, se eu sei eu sei, se eu não sei eu não sei, o
que eu fizer aqui vai ser bonito porque as notas são bonitas, as notas são bonitas, é igual pintor, ele
pega a tinta, a tinta é bonita, ele só coloca no quadro, o que ele colocar no quadro, ele tem uma
noção boa de combinação, vai ficar bonito, né? Agora o nosso caso que é um negócio mais
padrão, que não é essa coisa que você pode improvisar sempre, eu acho que, simplesmente assim,
eu posso te falar que eu tenho essa natureza, eu tenho um pouco de nervosismo antes, mas na hora
mesmo, não tem nada que me atrapalhe não.
36. Luizito, em sua atuação como músico, você sente falta de algum aspecto que faltou na
sua formação musical?
- Ah, sinto muito, sinto muito, eu sinto não ter tido, eh, eu sinto não ter tido bons instrumentos, sinto
muito, eu sinto também, eh, pelas frustrações que eu passei, eu poderia ter evitado, porque assim,
geralmente as pessoas viam a gente com o violão “Ei, vem cá”, né? “Vamos tocar ali a missa tal”,
chegava lá combinava uma coisa, chegava lá mudava tudo, ou então fazia como de costume “Me dê
um ré menor aí, um ré menor”, ora se eu não sabia, se eu estava começando pô, como é que eu ia
saber qual era a sequência que eu ia dá para ré menor? Né? Se até hoje, de repente posso não
pegar, mas já aconteceu de um padre pedir assim (risos), na hora da missa, “Me dê um ré menor” e
aí eu dei só um ré menor, ele começou a cantar e aí eu (+) pô, foi uma frustração para mim, e depois
da missa ele me chamou “Macho é assim oh” me mostrou, aí eu “Ah, é só isso?” Apesar de não ser
só isso, mas se eu soubesse eu tinha feito, então, falta de instrumentos bons, esses momentos que eu
não fui poupado, que foram alguns, assim que a galera me colocava mesmo, falta de recurso, falta
de conhecimentos até mesmo como escalas menores, né? Qual a diferença de uma escala para
outra, e também, eu acho que me faltou também muitas vivências com os músicos, faltou muito, eu
só tive uma oportunidade na minha vida, que era uma vez por mês eu me encontrava com uma
galera para falar sobre como ser professor, eu não tinha, além disso eu não tive convivência
nenhuma com músicos, até eu ter a iniciativa, aos meus 29 anos de procurar compor, né? Aí, ali eu
já estava mais no meio, eu já estava mais inserido, né? No meio da galera. Mas essa falta de
vivência com outros músicos também, eu sinto muito.
- Eu compus, quase que 100% de tudo que eu compus, com o violão, mas não para ser tema de
violão. Até mesmo músicas que um violão cai super bem, né? Mas para tema mesmo de violão, eu
não fiz ainda. Eu fazia assim, eu pegava as melodias (começa a exemplificar no instrumento)
pegava uma música, e eu fazia harmonia e melodia, entendeu? É uma versão, né? Eu fazia uma
versão, mas tema para violão não.
38. Em sua opinião a atuação profissional contribui para a sua atividade como violonista?
Se sim, de que maneira? Fale um pouco sobre a sua experiência como músico profissional.
- Bom, essa oportunidade que eu tive de dar aula, ela me ajudou na minha renda mensal, em eu
viver de música, e eu optei em ter grana, em ter subsídio para viver da música, mas a oportunidade
para ser violonista, nenhuma, ela só atrapalhou, atrapalhou bastante porque eu não podia estudar
violão, não podia, ou eu era professor, ou eu era violonista, né? Dois universos completamente
diferentes, dado em vista de que eu trabalhava manhã e tarde e à noite eu tinha minha vida habitual,
né? Tinha casado, entende? Com uma criança, e tendo que ir para a faculdade, por um período eu
passei na faculdade, outros períodos eu tive que, eh, eu me dividia entre música e poesia, né? Então
atrapalhou bastante, e o fato de que nas escolas as coordenadoras, diretoras e professoras, elas,
não sei a realidade hoje, mas elas não entendem o que é música, o que é aula de música, elas não
entendem, elas pensam que é aquele padrão de botar letra pro aluno sabe? Elas não têm fé na
gente, acham que o que a gente faz é fácil porque a gente faz parecer que é fácil, mas na realidade é
muito difícil e poderia ser muito melhor, se elas acreditassem mais que nós somos artistas e não
meramente professores.
39. Luizito, na sua opinião, quais as competências necessárias para atuar como violonista
em Sobral-CE?
- Bem, no Brasil, o violão, ele ganhou uma projeção muito linda e maravilhosamente rica dentro, por
exemplo, do chorinho, o samba, ele oferece uma possibilidade maravilhosa de você mostrar um belo
violão, né? Então, nós temos aqui, eh, esses dois ritmos, esses dois estilos, né? Que todo violonista
que prioriza a sua qualidade como músico e que considera a sua cultura, o seu país, sabe? Que
considera as suas raízes, ele tem que passar por isso, ele tem que dominar isso, sabe? E realmente
isso é uma coisa linda cara, isso é algo assim, grandioso, no mundo todo, que você vê que nós aqui
no Brasil, nós temos grandes violonistas, e que os caras tocam chorinho como ninguém, né? E o
Samba, os gringos podem fazer igual, mas fomos nós que ensinamos, somos nós que temos o
sangue para fazer isso, então o que um violonista tem que ter, primeiro, ele tem que ter o domínio
dessas, na minha opinião, ele tem que ter o domínio desses dois ritmos, ele tem que ter também, eh,
332
como é que eu chamo aqui Uélito, quando eu pego um acorde e eu associo a outros dois, que eu
posso usar aqui para (+) para Dó eu posso usar Lá menor e o Ré com sétima.
- Funções harmônicas.
- Funções harmônicas. Eu acho que todo violonista tem que ter esse conhecimento de funções
harmônicas, para criar seus arranjos, para rearmonizar, para fazer do seu jeito, né? Enfim, eu acho
que existem padrões, né? Tem os clichês que todo mundo ama, né? De ver um cara fazendo, tem
umas coisas tão incríveis que você não sabe nem como é que o cara fez, nem entende como é que o
cara está fazendo aquilo ali, mas são essas técnicas aí.
40. Atualmente, você possui alguma organização, no que diz respeito aos seus estudos do
instrumento? Se sim, quais as principais estratégias utilizadas por você para dar
continuidade a tais estudos?
- Não, eu passei um período em que eu estudei guitarra, porque eu também tenho uma paixão muito
grande por guitarra e tal, eh, hoje eu continuo sendo professor, eu evolui nesse ponto, eu consegui
um emprego maravilhoso, que eu tenho a carteira assinada, eu tenho um salário razoavelmente bom,
eh, e eu tenho, para você ter ideia, eu tenho uma sala, que é o meu escritório, e eu tenho a minha
sala de dar aula, e eu tenho oito instrumentos, de cada instrumento que precisa numa banda, né?
Tenho oito contrabaixos, oito guitarras, duas baterias, dois teclados, enfim, eu tenho cavaquinho,
tenho violões e tal, eu tenho muita responsabilidade a cumprir, eu tenho no meu dia a dia, eu dou
aula para seis turmas, cada turma com 5 alunos, então por dia, eu dou aula para trinta alunos, e eu
tenho que ter conteúdos para as minhas aulas, entende? Então a minha vida é praticamente pensar
isso, sendo que eu faço isso com todo prazer, para mim não é um sufoco, eu faço isso porque eu
gosto, mas eu tenho, eh, essa responsabilidade diária de dar aulas, multi instrumental, para essa
quantidade de alunos, que já me consomem e eu só fico pensando nisso, mas assim, eu sempre
espero um momento em que eu me sinto mais a vontade, mais inspirado, eu passo dois dias
estudando, sabe? Três dias, às vezes passo uma semana, todos os dias eu pego o violão, sabe?
Todo dia eu pego em violão, e essa intimidade que eu tenho com o violão é porque eu gosto mesmo
do violão, acho uma coisa (+) um som agradável, uma coisa mágica, né? É uma riqueza da
humanidade, né? Cara, algo assim, que é bom, sempre as pessoas chegam e dizem assim “Eu acho
tão bonito quem toca violão” sempre eu escutei isso também, né? Eltim, sempre alguém chega e diz
“Cara, eu não tenho inveja de nada nesse mundo, eu só tenho inveja de uma coisa, de quem toca
violão” é uma coisa que eu sempre escutei, muito, muito mesmo, quer dizer que assim como as
pessoas gostam eu também gosto e me ocupo com isso, mas não de maneira sistemática.
333
43. Quais as principais dificuldades que você visualiza na formação dos violonistas da
nossa região?
- Eu acho que a galera quer mais é tocar uma música, cantar, tocar e cantar. Todo mundo que
começa a tocar violão tem o objetivo de começar a tocar para cantar músicas, nem que seja com
outra pessoa, com um parceiro, mas a pessoa quer aprender o ritmo, para poder tocar aquelas
músicas que ele gosta de ouvir e tal, ninguém (+) raramente as pessoas param para pensar em fazer,
fazer peças e fazer estudos de , fazer estudos de, do violão, dentro desse contexto gigante que o
violão chegou hoje, né? O violão hoje tem um contexto que está muito, muito alto, uma coisa muito
alta, você me entende, né? Então eu acho que a dificuldade maior é a pessoa [inaudível] é a falta de
visão, que a pessoa tem, ou até mesmo Eltim, a questão do talento, né? Cara, várias pessoas tocam
contrabaixo, mas tem o contrabaixista, né? Várias pessoas escrevem poema, mas tem um poeta,
então tem a natureza da coisa também, e tem , eu acho que o que mais atrapalha é essa visão de
334
você já chegar chegando, já chegar assim, sem estudo, sem nada, já me garanto, nasci com o dom,
é mais ou menos isso que a gente (+) que as pessoas pensam, eu não pensei assim, mas muita gente
pensa.
45. Quais os principais conteúdos abordados em suas aulas e por quê você aborda tais
conteúdos?
- Bom, os principais conteúdos abordados, eu vou direto ao ponto, são 12 notas galera (como se
estivesse falando para os alunos) cada nota gera um acorde maior e um acorde menor, são 12
acordes maiores, são 12 acordes menores, nós temos os ritmos, um cara que faz uma música, ele é
um artista, às vezes ele pega dois acordes e ele faz uma música, três acordes, com quatro acordes,
por isso que ele é chamado de artista, então eu vou direto nesses pontos para conceituar uma
chegada, um ponto de chegada, certo? Mas é claro, que nós temos 24 acordes, quando eles sabem
5 automaticamente eles já sabem também três músicas, né? Porque, porque eu quero treinar os
acordes ao mesmo tempo em que eu estou treinando um ritmo, e eu falo sempre da célula rítmica,
que mudou tudo para mim em termos de conceito, porque eu faço isso há décadas, né? As células
rítmicas, e de uns anos, uns bons anos para cá que eu peguei essa palavra, célula rítmica, então esse
é o meu princípio, e aí para alguns alunos que têm mais facilidade, por isso que eu lhe falo da
335
natureza, alguns alunos eu ensino alguns dedilhados, do Scorpions, alguns dedilhados assim que
todo mundo acha bonito, então eles se motivam, vão em frente.
46. Que conselho você pode passar aos estudantes de violão que querem atuar
profissionalmente?
- Bom, não existe um grande músico, sem muito estudo, certo? Você pode ser um grande artista,
mas para você ser um violonista, você tem que estudar violão, dentro dos parâmetros que hoje a
gente conhece, e principalmente você tem que saber qual é a sua, se realmente você tem capacidade
para ser o violonista que você quer ser, porque de repente você tem essa capacidade, mas o fulano
de tal, ele tem a capacidade de chegar a esse nível em cinco anos, talvez você vai precisar de
quinze, entendeu? Então você tem que ter, eh, muita consciência, nesse ponto aí, dos seus limites,
mas tem que saber principalmente que a prática leva à perfeição, de repente eu não posso estar
fazendo hoje, e se eu desistir eu nunca vou fazer, mas eu posso não estar fazendo hoje, continuar e,
daqui um tempo me ver fazendo com a maior facilidade do mundo, então eu acho que para um cara
ser profissional no violão, ele tem que dar tempo ao tempo, ele tem que estudar muito, tem que dar
tempo ao tempo, e ele tem que estar dentro de um repertório que eles se identifiquem, dentro da
natureza, né? Dentro da natureza dele, tem gente que nasceu para cantar sertanejo, aí vai cantar
rock e não combina, e o que canta rock, nasceu para cantar rock, vai cantar sertanejo, não
combina, então cada um na sua também, eu acho que essa consciência ajuda muito também.
47. Luizito, que outro violonista da nossa cidade você acha que eu deveria entrevistar e
porquê?
- Eh, Eltim, boa pergunta Eltim. Cara, eu acho que tem um cara aqui em Sobral que (+) Tem uns
caras aqui em Sobral que tocam muito, tocam assim, tocam bem, tem uma coisa bonita e tal, eu não
consigo me lembrar o nome de nenhum, eu vou citar o nome de um amigo , eu vou citar o nome de
um amigo meu, o Nai, o Naim Ventura, eu acho que o Naim, ele toca muito bem cara, ele toca
muito bem, ele não tem um nível de violonista, ele não tem um conhecimento, se for colocar ele
mesmo dentro da, do quesito mesmo, né? Ele tem muita limitação para ser o violonista, dito
violonista, mas pela capacidade musical que ele tem, pela experiência, bagagem e tudo, ele
conseguiu desenvolver uma parte rítmica assim, bem interessante, eu acho ele um cara legal, é um
grande músico, né? Um bom músico.
- Bom Luizito, esse era o último tópico do roteiro, e eu gostaria de saber se você tem mais
algo a acrescentar que diz respeito à sua formação como violonista.
336
- Bom, eu queria lhe dizer que foi muito bom ter participado dessa entrevista, porque isso trouxe um
filme de memórias, sabe? E eu confesso para você que até em alguns momentos aqui, eu cheguei a
me emocionar, ao relembrar das dificuldades, das conquistas, né? Das pessoas que eu conheci
através da música, através do violão, de saber que hoje eu tenho uma (+) o meu trabalho, a minha
renda mensal, ela vem toda da música a mais de 13 anos cara, e isso é emocionante, é de repente
você perceber que você, eh, conseguiu, né? Você está caminhando confortavelmente, dentro de um,
dentro de um ponto que você queria, né? Eu me sinto confortável dentro do que eu faço, eu acho
que eu me sinto super bem, por ser músico e tal, e eu queria dizer assim, que foi uma oportunidade,
foi um acontecimento,né? Muito legal, de eu estar participando dessa entrevista, porque daí eu pude
de repente contar minha história, coisas que eu já fiz diversas vezes separadamente, ou então para
mim mesmo eu já contei tudo isso, né? Eu já relembrei tudo isso em dados momentos da minha vida
e agora estamos aqui cara, dando essa entrevista exatamente para você que é um cara que alguns
anos atrás, nem lembro ao certo, a uns 10 anos atrás, estava exatamente aqui nesta sala, me
mostrando uma música no violão, que era “Imagine”, ela feita na melodia e tal, lhe achei assim,
porra, um muleque tocando desse jeito mah e tal, 15, 16 anos tocando desse jeito, pô que massa,
fiquei super feliz, você era amigo de um aluno meu, né? Que também tocava bem, e foi ele que lhe
trouxe aqui, apesar da gente já ser vizinhos, amigos desde criança e tal, aí você chegar tocando com
aquela qualidade e tal aí eu disse “Poxa, tu toca muito bem e tal”, então são histórias assim que me
emocionam, sabe? Que traz uma boa lembrança e que me faz perceber que eu sou um artista cara, e
é bem complicado porque o cara pode ter uma alma de artista mas ele tem que trabalhar muito,
para ele conseguir alguma coisa para mostrar, você não é artista da boca para fora, você é artista
depois que você constrói algo, né? Então, hoje está mais fácil e tal, mas é uma história bem
interessante que eu estou tendo a oportunidade de contar (risos).
- Bem Luizito, muito obrigado, eu vou encerrar a entrevista agora, seus relatos são muito
importantes, suas experiências, vão contribuir muito para a pesquisa e o que eu tenho para
lhe falar agora é que muitíssimo obrigado, muito obrigado pela disposição do tempo, e eu
só agradeço.
- Valeu, Eltim, é nois garoto.
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Boa tarde, eu estou aqui com o violonista Almir Martins, eu já expliquei a ele como a
pesquisa funciona, também já pedi para que ele assinasse os termos de autorização e
também explicitei que qualquer dúvida, qualquer sugestão que ele tenha, ele pode entrar
em contato comigo que eu estarei à disposição.
1. Almir, boa tarde, eu gostaria inicialmente que você me dissesse, seu nome completo, sua
idade, e o seu tempo de carreira na música.
- Eltim, boa tarde. Meu nome completo é José Almir de Carvalho Martins, eu tenho 38 anos, e eu
tenho 20 anos, já de profissão na música.
2. Almir, conte-me como surgiu o seu interesse pela música e a idade que você tinha nessa
iniciação.
- Eltim, nos meados de 1999, eu desde pequeno já tive uma pré-disposição que eu sempre me senti
encantado quando via o violão, né? Quando via o violão na mão dos mestres da minha comunidade,
porque eu nasci numa comunidade do interior do interior, que é Russas, né? A cidade é Russas,
mas eu nasci no interior dessa cidade, ficava a 6 km de distância do centro da cidade, e tinham
poucos violonistas na minha região, só que o instrumento na igreja sempre me encantava, né? Mas
só foi em 99, quando eu estava com 17 anos que eu comecei a ter o meu primeiro contato com o
violão, emprestado, de um colega meu que tocava lá, né? Só que aí, nesse primeiro contato, eu me
desestimulei, porque a gente não tinha acesso na época a Cifra Club, a um (+) como é que se diz?
A um repertório, a um material, eh, didático, que estimulasse a aprender, né? Eu encostei naquele
período, só nos meados dos anos 2000, foi que realmente eu retomei esse estudo pra valer, sozinho,
né? Eu não gosto muito dessa palavra de autodidata, mas, até porque a gente pega a referência,
então pegava a referência desses mestres que já tocavam, de colegas da escola que tocavam, eu
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fazia o ensino médio nessa época, e por ver eles tocando em roda de violão, “Pô, eu quero ser que
nem esses caras e quero tocar também” e aí por puro processo de observação, de ver eles tocando,
eu comecei a aprender meus primeiros acordes, e aí depois, o outro processo era revistinhas, que a
gente comprava nas bancas para poder aprender a fazer os acordes e tocar, né?
3. Olha, eu sei que você já falou, mas eu queria que você explanasse mais um pouco de
onde é que vem esse seu interesse pelo violão e como é que ele se tornou o seu
instrumento principal?
- Pronto. O interesse pelo violão, ele partiu, porque desde muito cedo eu tinha um gosto muito
grande pela literatura, eu gostava muito da poesia, né? E um tanto da poesia repentista que é o meu
projeto de trabalho agora da minha pesquisa também, e aí, por gostar muito da arte escrita, da
literatura, da poesia, eu comecei a ouvir compositores brasileiros de grandes nomes, né? da música
popular, como Chico Buarque de Holanda, Caetano, Djavan, Milton Nascimento. Esses cantores
têm letras muito bem elaboradas, né? Então, como eu gostava dessas letras, surgiu a necessidade
de aprender a tocá-las, né? Eu não me sentia músico na época, mas acontece que quando eu
comecei a aprender essas músicas e a tocar essas músicas no violão, despertou a paixão pela
música a partir daí, né? Então foram esses compositores que de certa forma trouxeram para mim
essa vontade de querer ser músico, de tocar essas músicas tal como esses camaradas tocavam.
4. Na fase inicial, quais experiências você considera possuir que o fez desenvolver como
violonista?
- Isso é bem importante, essa pergunta, porque no meu começo, quando eu comecei, quando as
coisas que eu utilizei como elemento para facilitar (+) você diz em relação ao meu aprendizado, né?
Pronto, o que é que acontecia, como eu ouvia essas músicas, desses compositores, grandes nomes
brasileiros, intérpretes, essas músicas são bem elaboradas, essas músicas são bem elaboradas, são
ricas em harmonias e aí o que é que acontece, como essas músicas são ricas em harmonias, de uma
certa forma, creio eu, eu acabei trabalhando o meu ouvido, desenvolvendo o meu ouvido e claro
desenvolvendo também a minha técnica de mão esquerda por conta de executar acordes de difícil
execução, né? Então eu creio que a partir da música (+) da audição da música popular brasileira,
né? Que a gente (+) Eu tenho até (+) Não sei se caberia aqui, mas que a galera fala que é uma
música de qualidade, né? Há controvérsias sobre isso, mas a gente sabe que é uma música bem
mais elaborada do que ditamente mesmo a música popular, digamos assim, que tem poucos
acordes, né? Mas a MPB, ela tem essa música rebuscada e foi através dessa música que eu
consegui, eh, desenvolver, técnicas que melhoraram o meu aprendizado no decorrer.
339
6. Bem, essa era a próxima pergunta, eu acredito que você já respondeu, então, dessa
forma eu vou pular para a próxima.
7. Almir, eu gostaria que você falasse sobre o posicionamento da sua família em relação às
suas atividades musicais, havia impedimentos? Você tinha apoio?
- Olha, falando honestamente, no começo, quando eu comecei a tocar o violão, eh, o meu pai, ele
não me incentivou, ele realmente ele apesar de gostar muito, de ter sido um homem boêmio na
infância dele, quando ele me viu começar a tocar os primeiros acordes, né? onde eu não saia dos
primeiros acordes e transposição, ele disse “Homem, pare com isso, que isso é para quem tem
dom, não está vendo que isso não é para você?” e hoje ele se ufana e tem muito orgulho do filho
tocar violão, de tocar na noite, para ele (+) minha mãe pelo contrário, nunca houve impedimentos,
só, eh, apoio, né? É tanto que ela é muito feliz por eu estar fazendo uma faculdade de música e estar
saindo da faculdade, é o sonho dela ver um filho formado e ainda mais em música e tudo, mas não
havia esse impedimento, porém, também não havia o apoio necessário, por exemplo, não falando
mal dos meus pais em relação a isso, porque as condições também não existiam naquela época, mas
eu gostaria muito de ter feito um curso de conservatório, a gente não tinha condições financeiras
para isso, para a época, então não houve esse apoio, mas dizer assim Ah, no momento em que eu
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decidi comprar um instrumento com o meu dinheiro, eles não chegaram assim “Não, você não vai
tocar isso” entendeu? Só o meu pai brincou comigo, foi essa única fala que ele teve comigo e
deixou, e ele disse que até hoje ele fala sobre isso, dizendo que “rapaz, eu que te incentivei, porque
se eu tivesse te dado apoio e ter dito para ti que vá estudar e tudo, você não teria isso” então foi
para me desafiar, então de certa forma, eu acabo concordando com a fala dele, que realmente
trouxe o desafio de querer provar para ele que eu conseguiria tocar.
10. Almir, qual a sua percepção sobre esse repertório? Acredita que contribuiu para a sua
formação como músico? Se sim, de que maneira?
- Sem dúvida nenhuma Eltim, contribuiu muito e, de qual forma contribuiu? (perguntando a si
mesmo) Como eu já lhe falei anteriormente, sendo até um pouco redundante, mas como você disse
que faz parte do processo, eh, no momento em que eu escutava essas canções, né? Meu ouvido ia
se acostumando, aquelas canções com aquelas sonoridades, né? Diferente de você ouvir uma
música de construção simples, né? Então, é tanto que hoje eu utilizo isso como referência para
pessoas que estão aprendendo a tocar violão “Escutem, tentem escutar músicas, escutem Jazz, O
Samba, O Choro, né? Tem que escutar músicas que tenham uma construção bem elaborada porque
eu acredito que o aprendizado é como um treino de quem malha, né? Quanto mais você malhar,
mais você vai ficar grandão, né? Quanto mais você come, mais você engorda, o processo de
aprendizado é do mesmo jeito, se você escutou uma música simples, você vai evoluir? Vai, beleza,
mas você vai chegar em um momento que vai estacionar, vai parar ali, seu grau de conhecimento
dentro daquela construção simples parou porque (+) Como a gente tem muitos amigos nossos que
tocam o básico do violão porque escutam um repertório de forma mais simples, né? Não
desmerecendo esse repertório, que é muito importante, evidentemente a gente sabe, mas para a
construção do ser violonista, do que eu hoje faço na noite, tocando (+) porque o músico da noite,
ele tem que ser muito versátil, né? Então você tem que ter um repertório muito amplo, então esse
repertório tem que ser muito rico, e aí, graças a esses caras, que eu acredito que dentro da
construção da minha formação musical, falando por si, foram de grande valia.
- Almir, tire uma dúvida, o que é que tem nesse repertório, por exemplo, da Legião Urbana,
que te fez desenvolver o aspecto violonístico?
- A facilidade, inicialmente quando se vai tocar o violão, claro que você se encontra com as
dificuldades de executar acordes de maior dificuldade de executar, né? E a Legião Urbana, a
música pop em si, o Rock Pop nacional, ele tem essa construção fácil, então é uma porta de entrada
para que você comece a desenvolver, né? Porque você vai fazer acordes de Dó, Sol, Lá menor, Mi
menor, né? Não passa de isso aí, então é uma harmonia e uma melodia simples de executar no
começo, principalmente para quem está começando a tocar o violão.
11.De onde veio, e como você conseguiu as primeiras informações que você utilizou para
tocar violão?
- As primeiras informações que eu tive, havia um rapaz chamado Marcos José, que me emprestava
o violão dele, o violão tonante que ele tinha, de aço, e ele escreveu, eh, um diagrama, para mim da
posição dos acordes de Mi menor e Ré maior, me lembro como se fosse hoje, para tocar “Pra não
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dizer que não falei das flores”, né? Que é uma música do Geraldo Vandré, e aí ele desenhou o
diagramazinho porque eu não sabia, ele falou “olha, essa música aqui é bem facinha, são dois
acordes e tudo” então foi o primeiro material que realmente eu tive, “Este material aqui é o material
que eu vou aprender estes dois acordes aqui” e foram os dois primeiros acordes que eu aprendi,
né? E aí, em seguida, Legião Urbana, “Pais e Filhos”, que é uma sequência de Dó, Ré e Sol, que aí,
eu lembro que no começo eu tinha uma dificuldade enorme, motriz, de sair do Dó para ir para o Ré,
mas descobri também nesse processo que a repetição é muito importante, então eu ficava repetindo
e repetindo todo o dia, os dedos ficavam cheio de calos, tocava com violão de aço, não usava nylon
na época, e ficava tentando Dó, Ré, Sol e minha irmão brincava muito “Rapaz, tu não sai disso, o
tempo todo cantando o trecho da música estátuas e cofres e não sai dessa parte [Almir] Calma que
ainda estou pegando por partes” (risos).
- Almir, você poderia explicitar mais um pouco dessa parte da repetição que você
percebeu?
- Da repetição? Em relação aos acordes? Pronto, você tinha o desenho do acorde, numa revistinha,
por exemplo, para poder ver ali como é que estava essa formação, né? e aí você imitava o desenho
do acorde, mesmo sem ter a noção de saber a questão rítmica e tudo, mas você ia tentando pelo
tato, pelo ouvido de ver como é que naquela música aquele acorde iria se comportar, né? Na sua
batida, de como você iria fazer, era mais ou menos isso que eu tentava fazer, imitar no processo de
escuta da música, tocando junto com o violão e vendo o desenho do diagrama.
- Nesse caso, você percebeu? Ou isso estava escrito na revistinha, de como fazer?
- Não, não. Isso eu percebi. Isso eu percebi como que isso, de certa forma, como eu falei, como a
gente não tinha acesso ao material de vídeo aula, ou mesmo naquela época o Cifra Club nem se
falava, a gente tinha que meio que se moldar ao que você tinha alí à disposição, né? E o que a gente
tinha eram as revistinhas que muitas vezes vinham com informações de acordes errados, então, às
vezes a gente se deparava com (+) fazendo determinado acorde que a gente percebia que o ouvido
percebia que não era aquele acorde, né? “Pô isso aqui está errado”, você ficava tentando procurar,
às vezes passava um tempão para descobrir qual era o acorde real, muitas vezes ia outro músico,
que já tocava aquela música bem ou que tocava melhor, “Não cara, o acorde é esse aqui”, aí
explicava para a gente qual era o acorde (risos).
12. Almir, descreva a sua trajetória formativo-musical no que diz respeito ao seu estudo de
violão, escola especializada, festivais, cursos, aulas particulares e troca de experiências
com outras pessoas. Nesse caso, essa trajetória formativo-musical é desde a sua
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aprendizagem até agora, tudo que você já passou que diz respeito à sua formação como
músico, como violonista.
- Bem, Eltim, antes de entrar na universidade cara, eu não tive nenhum contato oficial, né? Digamos
assim,de como falei de conservatório, ou de aulas particulares, né? Não tive acesso a nada disso,
assim, sempre foi um contato mais empírico, né? Antes de entrar na universidade, e não existiam
recursos para isso, né? É tanto que havia uma grande dificuldade, é tanto que eu costumo dizer para
meus amigos hoje em dia, que se fosse começar de novo do zero, talvez eu não quisesse, mas aí, em
termos da questão da experiência ao longo desse trajeto, eu participei de vários festivais, certo?
Antes mesmo de entrar na universidade, esses festivais trouxeram também muita formação, porque
o sistema do festival competitivo de canção de música popular, ele te dá aquela, aquela gana de
você construir o melhor que você pode, dentro de uma canção, né? Eu comecei a tocar violão em
2000, em 2001 existia o festival de talentos das escolas públicas, eu participei com uma canção
chamada “Solos para os filhos da fome”, foi a primeira canção que eu compûs, que era uma canção
bem interessante, era uma crítica social, e essa canção chegou à final, a gente não vencemos, na final
nós perdemos, mas a canção chegou até o final, numa banda montada com o grupo da escola, e aí,
muito tempo depois, mais tarde, nos festivais municipais, eu participei de três festivais da minha
cidade, onde eu fui campeão três vezes consecutivas, desses festivais, né? E em 2011 eu cheguei
também na final do “Canta Ceará” que foi a primeira edição que saiu desse festival, inclusive desse
ano, Sobral era muito distante de mim, estava até uma banda chamada Dona Lili que é daqui, de
Reggae, ficou em terceiro lugar na época, a gente ficou bem em quinto nessa final também, mas
assim, sempre estando participando desses festivais e esses festivais sempre trazendo (+) eu
costumo dizer que foi o maior período de riqueza e descoberta, porque cada festival ocorria
anualmente e em cada ano eu estava tentando sempre compor da melhor maneira possível, da
melhor forma possível e é claro, amadurecendo também porque com a idade, né? Vem o
amadurecimento também de própria percepção de mundo, então e a sua própria construção, a
relação com o violão, ela vai amadurecendo, ou seja, o ato de se aprender a tocar, é tocar todo dia,
né? Agora claro, evidentemente que você (+) Hoje eu me sinto muitas vezes gastando energia
porque eu faço só tocar e parei um pouco de estudar, mas isso é uma escolha minha, lógico que se
eu estiver estudando, alí consequentemente você pegar uma hora por dia no violão, e essa uma hora
você pegar meia hora de estudo, evidentemente que vai ser bem mais produtivo e eu vou enriquecer
muito mais, mas hoje eu sou muito satisfeito com o que eu toco, eu posso dizer que eu sou um
músicos profissional da noite, que eu vivo disso, apesar da pandemia agora, né? Nós estamos
parados, mas há seis anos que eu resido em Sobral, há seis anos que eu vivo profissionalmente da
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música e isso me deixa muito feliz, né? Muito gratificante trabalhar com a música e viver da música.
Espero que tenha contemplado a pergunta.
13. Almir, você utilizou em suas horas de estudo recursos como CD’S, DVD’S, vídeo-aulas,
gravações? Se sim, como você relacionava tais recursos com a sua aprendizagem no
instrumento, como acontecia?
- Na época que eu comecei a aprender, não, o que eu utilizava era o CD, né? Para ouvir a música e
tentar tirar a música de ouvido. Quando a música não tinha uma (+) não era uma música (+) era de
fácil construção, dava para pegar tranquilo, quando a música era mais elaborada eu não conseguia
realmente, e aí depois com o passar dos anos, quando a gente começou a ter acesso à internet, hoje
tudo é muito fácil, hoje essa dificuldade quebrou porque, por exemplo, meu ouvido me engana, hoje
eu ainda não consigo, honestamente, tirar uma música completamente de ouvido, dependendo do
grau de dificuldade da música, eu vou ali no Cifra Club, vejo uma vídeo aula, ou procuro um vídeo
que tenha de alguém tocando, porque só o que tem é cover, vejo, tira a dúvida do que eu tenho ali e
pronto, parto e sigo meu caminho feliz, né? (risos).
14. Almir, você iniciou o seu estudo através de partituras? Ou tocava de ouvido juntamente
com cifras e tablaturas? Ou estudava com base em todos estes componentes juntos?
Gostaria que você comentasse um pouco sobre estes aspectos?
- Cara (risos), era o ouvido, a revistinha com os diagramas e só, te vira, no começo era desse jeito,
né? Por isso, daí a dificuldade muito grande, Partitura? Que é isso, a gente pergunta: isso é de
comer? Porque tipo, a gente não sabia nem o que era, o que era exatamente, como eu falei para
você eu tive a graça e a oportunidade, né? De ter o acesso ao aprendizado de uma partitura,
quando entrei na universidade e isso me deixou muito feliz, hoje, apesar da minha leitura não ser uma
leitura tão, tão grande assim, mas eu consigo, né? Dominar e consigo utilizar essa linguagem
diferente, que é a linguagem da música no formato de uma partitura, mas na época do aprendizado,
isso no começo mesmo, a gente usava as revistinhas, que eu acho que deve um salve para as
revistinhas em todos os músicos da minha idade, contemporâneo a mim, tem mais de 30 anos
aprendendo a tocar dessa forma, com as revistinhas, correto ou errado, mas era o acervo que a
gente tinha disponível, amigos mais que tinham o poder aquisitivo melhor, né? Como um amigo meu
que tocava contrabaixo lá, ele tinha um videocassete na casa dele, ele comprava vídeo aulas, né?
Na época não existia esse negócio de comprar pela internet, ele comprava pela caixa postal do
artista que tinha visto num revistinha, às vezes recebia as fitas em casa pelos correios para estudar
contrabaixo, mas a gente, como morava no interior, mal tinha o “aparelhozim” para tocar o CD,
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como é que tinha vídeo cassete para comprar? Amigos mais abastados compravam vídeo aulas de
guitarra, compravam vídeo aulas de violão mesmo, mas, a gente não tinha nem em quê assistir
porque a gente não tinha aparelho para isso, né? Um amigo meu tinha um revistinha de violão cara,
do (+) não, era de guitarra, do Mozart Mello, e a gente doido para ver essa (+) e aí a gente foi para
a casa de um amigo rico que a gente tinha para poder ver essa vídeo aula (risos) para poder ver
alguma coisa, para poder ver como é que era e sacar, porque a gente não sacava como é que era o
método de ensino por uma vídeo aula, né? (risos).
- Você já falou, mas eu gostaria que você explanasse mais um pouco. Almir, como era essa
questão de aprender tirando música de ouvido? Você pode me falar como é que você fazia,
como é que você pensava e como é que você ainda pensa nessa questão do tirar música de
ouvido.
- Cara, é o processo de repetição, né? Eu colocava a música para ouvir ali, ouvia, ouvia, ouvia,
depois que decorava toda a música, no caso, no sentido de saber quais partes, A, B, C da música
e, né? E a letra também, então, aí você começa a partir do conhecimento que você adquiriu da
formação de acordes ali, começar a caçar, catar, eu catava mesmo, colocava aqui o CD aqui, aí
pronto, a primeira coisa que eu fazia, tentar identificar o tom da música, a música está em Dó, “Opa,
achei o tom aqui, pronto, achei o tom”, então com base no campo harmônico que a gente já tinha,
se estava em Dó eu ia saber que aquela música ia caminhar para Lá menor, para Ré menor, para Fá,
para Sol, eu ia catando, caçando, buscando os acordes aqui, até encontrar, às vezes encontrava um
acorde difícil ali que não sabia, pulava, queimava ele mesmo de boa e fazia o acorde “naturalzão”
mesmo, tudo que fosse ali referente dentro daquela cadência específica, né? E vai simbora, o
processo era esse, tipo, era de ouvir e o CD da música que você quer, descobrir o tom ali de
ouvido e começar a catar, catar, catar até conseguir, isso às vezes poderia levar um dia ou mais
(risos) para conseguir, às vezes eu gostava muito de ficar cifrando, né? A gente pegava uma
canetinha e um papel aqui e “Ah, tal canto aqui é um Lá menor e tal” aí ia e “Ah, aqui é um Ré
menor, aqui é um Sol com sétima, e tal” e assim eu ia, até conseguir fazer a música todinha e tirar a
música todinha e tocar, né? tocar e cantar.
estudar cara e, assim, mas o estudo que eu realmente considero e eu até já falei em outras falas aí, é
o fato de eu querer pegar aquela canção e aquilo me estimular, então eu acredito que aquilo acaba
sendo um estudo, né? Então eu não tirava assim “Ah, eu tirava 3 horas de estudo” você
consideraria por exemplo, eu passo 3, 4 horas com o violão, principalmente quando eu estava
começando, passava, tentando pegar músicas ali, isso é um estudo, né? Quer queira, quer não, se
você considera isso como um estudo beleza, então esse era o meu estudo, então eu costumava ali
entre duas horas e meia, três horas, às vezes duas horas de tarde, eu tinha muito tempo porque eu
trabalhava à noite em uma pousada, na época que eu comecei, eu podia levar o violão, passava o
final de semana todinho com o violão na pousada, então isso me permitia passar mais tempo com o
instrumento, quanto mais tempo se passa com o instrumento, evidentemente que você vai tendo um
desenvolvimento, né? Que é o que muitas pessoas dizem Eltim, em relação “Ah, eu queria tanto
aprender violão” Cara você quer mesmo? (Perguntando a si mesmo) Porque exige (+) ter uma
disponibilidade de tempo e energia para aquilo, né? O processo de aprender o violão não vai
acontecer por Osmose, você colocar ali o violão no braço e sair tocando sem tentar executar
acorde por acorde ali, devagar, aos poucos, compreendendo e entendendo toda essa questão de
(+) é motora de no início você não conseguir fazer os acordes da forma que você quer, a famosa
pestana, né? Que todo mundo (+) Eu adaptava, fazia pestaninha, por exemplo, no Fá aqui, para
fazer uma pestana cheia, eu fazia um “fazinho” pequenininho que a gente coloca aqui os dois dedos
aqui segurando nas duas primeiras cordas, né? Para fazer o Fá aqui, pronto, eu não conseguia fazer
o Fá, mas, eu tinha a habilidade de fazer um “fazinho” pestaninha, que eu aprendi observando um
colega meu fazendo, “não macho, faço pestana não que é difícil, faço o “fazinho aqui de guitarra”
(risos) Entendeu? Então era essas coisas que a gente ia pegando para poder ir desenvolvendo ao
longo do tempo, e aí, no processo natural de você tanto estudando e fazendo e a repetição, que vai
acontecendo nesse processo, você vai ganhando, né? A questão da força motriz, de deslocar os
acordes, de deslocar com habilidade maior e de criar um repertório de acordo com aquilo que você
estudou durante o longo da sua vida toda.
bom, as cordas eram altas, parecia mais um berimbau, mas assim, tanto os meus dedos se
fortaleceram muito porque eu precisava fazer um arco, um movimento de arco para poder trazer as
cordas para o braço do violão, né? Mas assim, essa rotina era sagrada, até hoje, eu sempre gosto
ali, eu não estou estudando, mas estou sempre pegando no violão ali, para fazer um acorde ali, para
aquecer, né? fazer três, quatro acordes ali, ficar brincando, fazendo uma escalinha simples ali para
poder ficar aquecendo e não perder a prática, até porque a gente, nesse período de pandemia está
parado e não pode perder a vibe, né?
18. Nesse caso Almir, havia alguma sistematização no que diz respeito à sua aprendizagem
do instrumento? Passava três horas com o instrumento, mas assim, pense, hoje eu vou
estudar técnica, amanhã eu vou estudar acordes, depois eu vou estudar escala, como é que
você pensava essa (+)?
- Eltim, era todo doido cara, não tinha isso não. Eu lá sabia, primeiro eu não tinha nem
conhecimento do que era se organizar para estudar. O meu estudo, como eu falei, era totalmente
empírico, né? Para mim, estudar era pegar o violão, me debruçar nele e tentar fazer os acordes que
eu queria fazer para tocar uma música, pronto, esse era o meu estudo, entendeu? Não havia uma
organização assim pensada, elaborada, né? Depois da Universidade não, depois da Universidade,
com as dificuldades que eu tive dentro do curso, porque foi um processo de desconstrução, quando
eu entrei na Universidade, né? Aí eu tive que aprender a reaprender, olhe só, né? Como assim?
Quando eu te falo isso, é porque muitas coisas, vícios que eu tinha, né? Eu aprendi muitas coisas
erradas, supostamente dentro do que se estuda dentro do violão popular e tudo, que eu tive que
desconstruir e reaprender e começar a estudar isso, e foi um processo dorido, porque eu já estava
acostumado a fazer determinadas coisas de uma forma, né? E meu professor dizia “Não cara, você
tem que fazer desse jeito aqui, desse jeito aqui não pode, desse jeito está incorreto, né?” A questão
da pressão psicológica em estar dentro de uma caixa, uma coisa é você estar estudando aqui o
instrumento, livre, totalmente por sua conta, outra coisa é quando você está ingresso na
universidade, que eu concordo plenamente, com a metodologia que a universidade utiliza, você está
ali dentro, você tem que sair com competências aptas a você passar aquilo que a universidade está
te passando, repassar, né? Mas, concordo que o processo, ele foi um processo dorido, para o que
eu pretendo aplicar isso futuramente, me serviu muito, vai me servir muito, não pretendo ser um
professor acadêmico, dentro da academia, mas quero ser professor de séries iniciais, né? E
fundamental e médio e tudo, eu acho para a galera que (+) o meu foco é que as galeras que não
tiveram as mesmas oportunidade que eu, não tive também, elas possam ser sanadas a partir do
conhecimento que eu tive, de como é que era na minha época aprender a tocar um instrumento, né?
348
E as dificuldades que eu tive, que com a ajuda da universidade essas dificuldades foram, algumas
delas foram muito superadas, né? Outros traumas vieram com mais, da maior parte, acredito que
setenta por cento, acrescentou e muito ao conhecimento que eu já tinha, e eu sei que eu poderia
utilizar esse conhecimento futuramente, de uma forma bem mais abrangente, pegando a parte do
meu aprendizado que foi totalmente autodidata, junto com o que eu aprendi dentro da universidade.
- Almir, mas você não acha que esse seu aprendizado totalmente autodidata foi o que fez
você ser o músico que você é hoje?
- Cara, eu acredito que sim, se for pesar assim, as duas medidas, né? Eu passei, eu estou no quinto
ano da faculdade, era pra mim ter saído no quarto, né? Mas eu reprovei algumas disciplinas, então
são cinco anos, vamos dizer assim, foram cinco anos dentro da universidade, aprendendo disciplinas
pedagógicas, que você sabe que é o que a gente aprende, e a parte teórica, são praticamente
divididas em dois anos na época de como o nosso curso era antes da divisão, dois anos para as
práticas, mas eu já vinha trazendo uma bagagem de 15 anos, né? De 14 anos de música já, né?
Que eu cheguei ali e é tanto que (+) olha só o contraponto Eltim, tinham amigos meus que ficavam
assim abismados quando sabiam que eu estava sendo reprovado na disciplina de violão, vendo o
tanto que eu toco, “Rapaz tu toca tanto, como é que pode?” Um contraponto, né? Eu digo “Pô,
mas é assim mesmo, eu realmente não estou apto, não estou dando aquilo que a universidade está
me exigindo” para que eu faça, né? Por conta realmente de vir também desse período em que eu
não tinha uma disciplina, eu sou muito indisciplinado no sentido de estudo, então assim, eu, eh, eh,
eu sou aquariano cara, aí o cara gosta das coisas livres, nada que tem pressão para mim deixa de
ser interessante, então é muito complicado, mas aí como a universidade para mim, o curso superior
é importante, eu tive que realmente abarcar isso, então acabou sendo doloroso esse processo, né?
Mas evidentemente que entre mortos e feridos, no final do contexto geral cara, é uma gama de
conhecimentos muito grandes que se aprende, como eu lhe disse, todo o meu conhecimento foi
válido quando eu entrei na universidade? Até entrar na universidade? Sim! Lógico que quando eu
entrei eu já fazia ao menos alguns acordes, muitas vezes (risos) (+) é bom e é ruim, porque às
vezes, determinadas coisas que se passavam ali na minha leitura, eu não queria ler, eu ficava
pegando de ouvido, de "migué", para não fazer e não ler, né? E tudo, e isso é ruim no caso para
quem já está entrando do zero, que não toca violão, que vai aprender do zero, ele vai se concentrar
ali no aprendizado mais homogêneo, né? Diferente de quem já traz uma bagagem cheia de vícios, eu
acho isso.
método X, suponhamos o Suzuki, ou mesmo o Henrique Pinto, pronto, você tem um método feito
ali, mas você tem que entender que todo ser humano, ele é diferente, ele tem o seu processo de
aprendizagem ao seu tempo, né? Nem eu, nem o Eltim, vai desenvolver o aprendizado de uma
forma diferente pelas suas vivências e pelas suas experiências e pelas suas épocas, e pela disposição
que você está para, eh, absorver aquele conteúdo, né? Tem toda a questão da carga emocional,
cultural, acessibilidade, isso logicamente, se você tem um violão melhor, se você tem um local
adequado para estudar, se você tem um local que te permite você estudar com outras pessoas, com
mestres e tudo, eu acredito que o seu desenvolvimento vai ser muito melhor, quando você está em
um ambiente inóspito, em um ambiente onde você tem barulho, em um ambiente onde você não tem
um instrumento bom, onde você está preocupado com seu trabalho, em pagar o boleto no outro dia
meu amigo, o processo musical vai ser um negócio mais difícil de adentrar, né? Então é uma questão
muito (+) eu acho que deve ter uma acessibilidade muito grande para olhar como vai ser gerado
esse conteúdo, e para quem esse conteúdo, mais do que tudo, vai ser aplicado. Porque, pensa só,
eu como aluno, gostaria de ter o Eltim como meu professor de violão? O Eltim como aluno gostaria
de ter eu como professor de violão? Entendeu? Então assim, eu acho que vai muito por aí, para que
público a gente está fazendo todas as nossas pesquisas, criando nossos métodos e como é que a
gente vai levar para essa galera, esses ensinamentos, né?
20. Almir, você possui alguma influência, músico da cidade ou do cenário nacional, que
tenha contribuído para a sua formação como violonista?
- Ah cara, na minha cidade eu tenho o mestre Luiz Ancioli, que é um senhor, ele é contemporâneo
do meu pai, e ele é o único violonista que tem na minha comunidade, onde eu nasci, né? Tinha ele e
o Marcos José, que era o que me emprestava o violão, que eu te falei que me ensinou os dois
primeiros acordes. Marcos José não tocava muito não, mas já sabia um pouco da parte teórica, de
desenhar os acordes e tudo, mas (+) ele tocava a “desconhecida”, a famosa desconhecida que eu
aprendi com ele, mas o mestre Luiz Ancioli, ele era um senhor que tocava de forma autodidata, e ele
gostava muito dessa coisa de tocar essas coisas do Dilermando Reis, né? Tipo Marcha dos
Marinheiros, Abismo de Rosas, essas coisas, e tocava de ouvido, eu achava isso interessantíssimo,
porque usava muito aquela coisa da baixaria do violão, né? E ele me inspirou muito Eltim, assim, é
tanto que hoje é interessante, ele é vivo ainda, graças a Deus, a gente se encontra sempre quando eu
vou no Pedro Ribeiro, na minha localidade lá, onde a gente se encontra, ele fica abismado, porque
ele disse para mim que “Rapaz, eu achava que você não ia aprender a tocar violão” porque ele
participou do meu processo de aprendizado, e eu cantava extremamente desafinado na época e
tudo, e ele via e disse “Rapaz é incrível como qualquer pessoa pode realmente evoluir” e hoje ele é
351
meu fã e eu sou fã dele, né? Tipo, por ele ver o processo de até onde eu cheguei no violão, que
para ele é muito, que eu acho que ele toca muito mais do que eu, mesmo sem nenhum conhecimento
teórico, sem saber nem que acorde está fazendo ali, mas o ouvido dele vai buscar, e é uma coisa
maravilhosa ver ele tocar, a forma dele, o jeito dele, então é isso Eltim, eu acho que falando de uma
pessoa que eu poderia ter como referência, tem outros, outros que eu observava, colegas de escola,
que foram relevantes também, o Marcos Gleydson que é um guitarrista que tocou na banda Raízes
do Forró, durante muito tempo, e tudo, é o cara que me emprestava o violão, o cara que me dava
umas dicas de acordes “Cara, música tal é o acorde tal” então toda essa galera, eu sou muito, eh,
grato, por ter me dado esse acesso, né? De eu estar naquele momento com aqueles caras,
convivendo ali, vendo como é que eles faziam para poder trazer isso para o meu hall de
conhecimento, né?
- E do cenário nacional Almir, tem algum músico que te chama a atenção?
- Ah cara, do cenário musical é bem difícil falar assim, porque eu sou um grande fã, como eu já te
falei, mas assim, tem um artista pernambucano que é o Alceu Valença, do qual eu tenho quase toda
a obra dele aqui em Vinil, e é um dos cantores da música brasileira, um dos primeiros cantores que
eu comecei a escutar, e que criei assim, uma paixão muito grande, porque é uma construção de
músicas simples, com arranjos sem ser coisas estrambólicas, mas que falam diretamente das coisas
do cotidiano, e é onde toda a minha poesia, eh, se inspira, né? Assim, é na obra do Alceu, as coisas
que eu crio, parece, lembram muito como referência que eu tive de escutar demais esse artista e que
escuto todo dia, quase todo dia tenho que colocar alguma coisa do Alceu para ouvir.
21. Almir, acredita que a troca de experiências com outros músicos, assim como amigos e
familiares, contribuiu para sua formação musical? Se sim, como?
- A convivência com amigos?
- Sim.
- Sem dúvidas, eu acho Eltim que o ser humano, ele é algo extremamente coletivo, não tem como
você (+) o homem por natureza, ele é coletivo cara, um filhote de homem não sobrevive sozinho, se
você deixa ele ao relento, ele precisa de alguém para cuidar, criar ali, desde os primeiros passos, e é
dentro dessa sociedade, dentro desse local que você está [ezelido] que você vai começar a ter suas
referências e construir o seu eu, né? Ou seja, se a gente for pensar, a gente não é (+) sei lá, eu sou
alguém, não, você é o coletivo de um bucado de coisas emblemáticas, de gente que você conheceu,
passou pela sua vida, pelos seus familiares, de amigos, então, a minha música eu devo muito à
observação que eu estive com essa galera, vendo eles tocarem, né? Apreciando eles tocarem,
vendo ali, ao mesmo tempo tirando dúvidas, perguntando como é que se fazia, construindo aquele
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saber de forma oral, que é uma coisa muito válida, né? Coisa linda cara, eu acho muito lindo essa
questão da oralidade, do saber construído ali dentro da comunidade, por exemplo, eu via o mestre
Luiz Ancioli que tocava na igreja tocando violão, e a partir daí o meu despertar pelo violão
começava a me indagar para ele como é que ele fazia determinado acorde, infelizmente ele não
sabia dizer qual acorde era porque ele tocava de ouvido, mas ele mostrava “a posição é essa”,
chamava de posição, né? posição um, posição dois, posição três (risos), e assim, então, eh, mas
toda essa gama de conhecimento cara, ela vem da coletividade das pessoas com quem você
convive e são essas pessoas que vão de certa forma reger, eh, eu não sei se seria essa a palavra
certa, mas vai ter tudo a ver com o artista que você quer ser, que você vai se tornar, que você vai
(+) entendeu? Porque estas pessoas são pilar fundamental que contribuíram de alguma forma, seja
com a questão de dar tempo para que você pudesse estudar, no meu caso, os meus pais, não me
incentivavam mas não me atrapalhavam, né? Eu ficava em casa sozinho, tinha tempo para estudar
bastante, né? Porque não tinha um trabalho fixo na época quando eu comecei do “zerozão”, quando
eu comecei a ter um trabalho, o meu trabalho me permitia que eu estudava porque eu estudava à
noite, eu tinha dois dias livres, porque eu trabalhava doze por vinte e quatro, entendeu? Então assim,
o ambiente onde você está [ezelido] é muito responsável pelo aprendizado que você vai ter e seja
em que âmbito for, não só na questão artística mas no profissional, no que você for fazer no mundo,
você é totalmente dependente das pessoas que te cercam, essa é a minha percepção, né? Eltim,
espero que tenha contemplado.
22. Almir, houve desafios enfrentados por você para se tornar violonista? Se sim, quais e
como você conseguiu resolvê-los?
- Houve? Não seria certo, tem? (risos) Existem até hoje, cara, reformula a pergunta de novo aí.
- Houve desafios enfrentados por você?
- Pronto. Desafios vão existir sempre Eltim, você como músico gigante que é, você sabe que é um
eterno aprendizado, né? Estudar o violão, estudar um instrumento, em tudo na vida que você vai
estudar, a gente é um eterno aprendiz cara, a gente nunca consegue estar satisfeito de absorver tudo
que a gente queria, absorver de conhecimento. Hoje eu já consigo me dar bem com isso, como eu
te falei, eu sou muito satisfeito com o que eu faço, teve um tempo que eu entrei em crise cara, assim,
na universidade, eu pensei “Pô, o que é que eu estou fazendo aqui? Isso não é para mim e tal”,
cheguei a pensar em desistir Eltim, de verdade, aí eu pensei “Cara, macho eu vinha há tanto tempo”
e uma coisa que eu tinha dito para mim no começo é que eu ia aprender a tocar para mim ser feliz,
para mim tocar as coisas que eu gosto de tocar, que eu ouvia a galera tocando ou que ouvia no
rádio, e eu queria aprender a tocar essas músicas, para na hora que eu quisesse tocar e cantar elas
353
entendeu? Eu “Porra, eu decidia aprender a tocar isso aqui para mim ser feliz” para mim (+), né? E
aí eu tou sofrendo desse jeito, tem alguma coisa errada, aí chutei o pau da barraca, vou continuar
sendo feliz, vou tentar fazer aqui o máximo que eu puder dentro da universidade, adquirir os
conhecimentos necessários e vou viver feliz, vou viver tocando, vou fazer o que eu realmente amo,
que é estar no palco cantando, né? Mas os desafios, retorno a dizer cara, eles sempre vão existir, e
claro, chega um momento em que você fica mais confortável, ali por uma questão mesmo de (+)
como é que eu poderia dizer a palavra agora Eltim? Por uma questão sua mesmo, é de “Ah, eu
cheguei nesse patamar aqui, para mim já está bastante interessante, então acho massa, porque o que
ocorre hoje muito na classe é essa preocupação, essa baboseira, essa besteira que a galera tem de
“Ah, fulano toca mais do que eu” mesurar a arte, né? Cara, fulano toca, você toca, eu toco, né?
Cada um tem a sua fama de representar ali com a sua arte uma forma, seja ela rudimentar como
queira chamar, como for, ou porque aquele cara ali toca mal, cara as pessoas estão em esferas, e eu
acho assim, que cada um tem uma esfera diferente, muitas vezes você não está na esfera da que a
outra pessoa esteja, por exemplo, eu não escuto música sertaneja, nem consumo, mas eu sou
totalmente um cara que respeita demais o cenário da música sertaneja e das pessoas que tocam
sertanejo, que vivem tocando isso, existe um público que escuta que consome, que gosta disso,
então se é feliz fazendo isso, se gosta disso, se acredita nisso, se há verdade nisso, quem sou eu
para dizer o contrário? Eu sou feliz fazendo música brasileira, umas das coisas que eu hoje mais
gosto de mim, é que assim, todo mundo que me contrata sabe, eu não toco música sertaneja, eu não
toco, né? A galera sabe que o meu repertório é pop, é rock, é MPB, a galera já conhece, quem vai
me contratar, o que é que eu vou tocar, ou seja, contrata porque gosta desse estilo, gosta do que eu
faço, né? Por exemplo, se perguntam “Rapaz tu toca sertanejo?” eu digo “Cara, não toco,
infelizmente, chame outra pessoa porque eu não tenho, não é para mim, não condiz, eu não tenho
repertório para isso, vai ser uma porcaria eu ir tocar para você, né?” Mas dentro da minha praia
pode me chamar, eu faço meu feijão com arroz muito bem, e obrigado, eu acho que é isso que é
válido cara, todo mundo deveria cuidar bem do seu, sendo coletivo, né? ajudar uns aos outros,
precisar de um equipamento, de uma coisa e tudo, enfim, se abraçar nesse sentido, mas que cuidar
do seu jardim, daquilo que você quer, né? E essa é que é a vantagem da coisa, porque todo mundo
é diferente, né? Eltim, se todo mundo fosse igual, qual a graça disso?
- Almir, ainda nesse lance dos desafios, você deixa transparecer que teve. Especificamente
no violão, você consegue se lembrar de alguma coisa que você tenha passado dificuldade?
- Posso revelar? Tenho uma frustração grande Eltim, eu nunca consegui me dar bem com escalas
cara, com executar escalas do jeito que eu queria, compreender as escalas, né? Tipo assim, eu faço
uma harmonia , modeste a parte, até razoável, mas por exemplo, quando passa para solo, eu não
354
sou um bom solista, pela questão da preguiça e do tempo que eu me dispus para isso, né? Tipo
assim, realmente eu nunca me dediquei a fazer isso, a minha vontade, por exemplo, era pelo menos
a aprender a executar uma pentatônica aqui e tal, fazer uma pentatônica, e aí eu fiquei frustrado com
isso não, como eu não sou músico melodista de solo, eu vou focar na minha harmonia, e comecei a
tocar também, então eu foquei toda a minha energia para isso, mas é uma frustração que eu tenho,
uma dificuldade que eu tive, que tenho, né? E que dentro da universidade eu tentei superar, mas fez
foi ficar pior (risos) com os métodos de escalas do Henrique Pinto, que me traumatizaram até hoje,
essas escalas que sobem de um jeito e descem de outro (risos) no braço do violão todinho, mas foi
falta também de gana, é o momento em que eu estava, o período em que eu estava, eu acho que
tem muito haver com a questão psicológica de como você está, eu sofro de ansiedade, de algumas
questões patológicas e tudo, isso acaba comigo, no sentido de, eu tenho urgência e necessidade das
coisas, então eu não tive, com todo o conhecimento que eu já estou no violão, eu não tive saco de
retornar ali para algo que deveria, para mim, na minha percepção, já estar fazendo entendeu? É
como se você fosse fazer uma coisa que você já sabe, mas que deveras você não consegue
executar, porque teoricamente eu sei como isso funciona, mas na prática eu não consigo executar, aí
isso frustra, entende como é que fica? Espero ter ficado bem claro aí (risos). É mais ou menos isso,
então essa é a dificuldade que ainda tem, ainda reina até hoje, claro, muitas outras coisas, questões
rítmicas, sou extremamente insatisfeito com minha mão direita, mas é como eu digo Eltim, ninguém
vai estar cem por cento satisfeito, se a gente ficar encucado com isso, você não vive, você vai viver,
vai se frustrar pelo resto da vida e, né? Eu decidi, não, vou tirar isso do meu caminho, a coisa existe
aqui, quem sabe de repentemente, no outro caminho, eu lembro que o professor Xxxxxxx dizia para
mim “Almir, essa questão da tua leitura em solfejo, vai melhorar de uma hora para outra quando tu
tiver um estalo” porque eu tinha muita dificuldade em solfejar, né? De cantar lendo a partitura, lendo
figuras rítmicas, né? Figuras rítmicas, hoje eu leio até um semicolcheia e é meu Deus, vala me Deus,
depois disso é morrendo se acabando, mas aí, tipo, ele dizia “Rapaz é um estalo, porque você já
tem isso internalizado” até agora ainda não chegou, mas pode ser que daqui a 5, 10 anos chegue, ou
não chegue, e eu vou deixar de ser feliz por isso cara? E o meu trabalho vai deixar de ser irrelevante
por falta de um determinado conhecimento específico que eu tenho alí no violão? Onde muita gente
queria está fazendo o que eu faço, né? E eu queria está fazendo o que muita gente faz. A questão é
que você deve ter inspiração em relação aquilo, mas não se frustrar, que é o que acontece muito
dentro da universidade, o perigo, o cara via eu tocando muito “Não, o que é que eu estou fazendo
aqui, todo mundo que está aqui dentro dessa sala aqui toca mais do que eu, eu não toco porra
nenhuma”, a pessoa se frustra, porque tem um desnivelamento muito grande dentro daquele negócio
ali, né? Você chega, tem gente do zero, tem gente intermediário, tem gente avançado, tem animal
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que toca descomunalmente assim como você nunca viu, mas que já vai ter dificuldade nas
pedagógicas por exemplo, o cara toca que só a porra mas não sabe escrever um resumo, né? O
cara não se propôs a isso, então vai ser dolorido para ele de uma outra forma, né? Então esses são
os processos do conhecimento que é, cara, se tem uma coisa que eu aprendi dentro da universidade
é que, meu amigo, você tem que fazer aquilo que você tem amor, que você quer, de verdade,
porque se você não tiver paixão meu amigo, não tiver amor por aquilo que você está fazendo, você
se frustra, você não consegue terminar e é por isso que a gente tem a quantidade de evasão, disso
aí, né? Que agora melhorou muito bastante, já, já tinha melhorado bastante, mas cara, acontece,
porque você dá de cara com uma realidade extremamente brutal ali dentro da universidade, que
quer colocar você dentro da caixa, e acredito que dentro da norma educacional que a gente tem, é
preciso essa construção do ser que vai pensar na caixa ali, porque ele vai, é o nome da instituição
que ele estará levando, né? A gente não tem uma universidade livre onde você vai trocar saberes ali
de qualquer forma, a universidade tem um plano, tem um jeito, ela quer que você chegue, são metas,
né? Estipuladas naquilo ali, então é assim meu chapa, ou você concorda ou você sai fora, simples
assim, e quantos de nós queríamos está lá, né? Eu me sinto hoje um privilegiado, de onde eu vim,
né? Da aldeia que eu nasci, eu acho que eu sou a terceira pessoa a ter um nível superior, né? Nem
minha mãe que trabalhou com 35 anos de educação, a minha mãe tem formação que se chamava de
terceiro normal, na época, que era uma formação a nível de ensino médio para professores que
davam aula para o ensino fundamental, mas a minha mãe não tem um curso superior, por isso ela
fica muito feliz por um filho, é uma oportunidade que a gente tem, que a gente tem que abarcar e
abraçar e que é um direito nosso também se a gente for pensar, fugi até um pouco aqui da pergunta,
mas é só pra gente encerrar essa pergunta aí Eltim. Eu acho que ficou contemplado, né? Meu
querido.
23. Você teve acesso a aulas, ou quaisquer experiências na escola de música de Sobral, ou
no curso de licenciatura em música da UFC?
- Só no curso de Licenciatura da UFC, né? Foi quando eu ingressei. Quando eu cheguei aqui em
Sobral, inclusive eu sou muito grato, porque quando eu vim cursar aqui, havia um amigo meu que
morava aqui, eu não conhecia nada em Sobral, e havia um colega meu de Russas que morava aqui,
e aí ele sabia que eu tocava violão e disse “Cara, tem o curso de Música da UFC” e eu não sabia
da existência do curso de música, e tão pouco sabia que não exigia o curso de aptidão, não é? Que
eu sempre tive uma vontade enorme de fazer um curso de Música, mas para mim, só existia a
UECE, eu achava que era só a UECE e a UECE tem um teste de aptidão musical rígido, né? Pra
caramba, para você entrar lá. Quando eu descobri que não precisava do teste de aptidão musical e
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só a nota através do SISU, eu estava há 11 anos sem estudar, aí me empolguei e comecei a estudar
para o ENEM, e fiz o ENEM, e graças a Deus passei no curso de Música e fiquei morto de feliz, foi
como ganhar na loteria,, né? E estou agora, graças a Deus, no pontapé inicial, final, que é o TCC,
se Deus quiser em breve graduado em música.
24. Almir, você possui amigos que estudam ou estudaram nesses espaços? Escola de
música ou Licenciatura? Se sim, qual é a sua percepção sobre a formação deles em
contraste com a sua?
- Bem, os amigos que eu tenho aqui, que foram, eh (+) eu construí dentro da universidade, né? Os
meus amigos da minha cidade natal, nenhum fizeram UFC aqui, né? Aí os amigos que eu construí
aqui ao longo do percurso da universidade, a formação deles em contraste com a minha é o
universo, né? Cara, é um panorama totalmente diferente, porque, por exemplo, eu tenho uma banda
chamada Táxi Lunar, onde nós somos 4 músicos, todos os quatro estudantes da UFC, né? Amigos
que tocam, e cada um cara, tem um grau de conhecimento diferente e uma formação diferente, né?
O Xxxx Xxxxxx é baixista, mas começou tocando guitarra, e é um cara que teve acesso, assim,
pelas falas que eu tive com ele, não sei se poderia falar por ele aqui, eh, ele teve acesso a vídeo
aulas, estudava essas coisas e tudo, né? E o Xxxx é um pouco mais novo do que eu, eu acho que
ele tem 36 ou é 35. Já o Xxxxxx e o Xxxxxx Xxxxx, um é guitarrista e o outro é baterista, o Xxxxxx
tem 22 e o Xxxxxx também tem 23 eu acho, eu acho que é 23 a idade dos dois, são bem mais
jovens que a gente, que nós dois, e o grau de conhecimento para a época que eles nasceram, se
você for comparar, eis onde está a questão do panorama diferente, né? São meninos que nasceram
aí nos meados dos anos 90, ali, né? Nos anos 98 por alí, já começo de 2000, então essa galera já
nasceu com a informatização, né? Ali na mão e tudo, tiveram um acesso mais rápido, então a
construção de conhecimento deles, talvez, por esta questão da acessibilidade melhor, foi bem mais
rápida e acredito que bem mais desenvolvida do que eu que estou em um processo mais antigo, né?
Que nasceu ali na década dos anos 80, pela questão do acesso, da acessibilidade, não pela questão
de dizer assim “Ah, porque eu tenho capacidade e ele não”, né? Não, por questão do lugar, do
tempo e da época, faz com que, lógico, o ser humano que tem acesso à ferramentas, ele vai
desenvolver, eu acredito que muito melhor do que outro, né? O Xxxxxx, hoje em dia podemos dizer
que é um exímio baterista, talvez o melhor da região aqui, e o menino só tem menos de 25 anos de
idade, né? Mas assim, o acesso, o local onde ele estava, com quem ele esteve, ele vem de uma
família de Pernambuco, que são extremamente musicais e tudo, né? Então eu acho que tudo isso
influencia de alguma forma na questão do contraste em relação ao meu aprendizado e ao
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aprendizado dos colegas que eu conheço dentro da universidade, é a carga histórica que cada um
vem trazendo de forma diferente.
25. Almir, em que momento você começou a ganhar dinheiro com suas atividades musicais?
- Cara, eu comecei a ganhar uma grana com as minhas atividades musicais lá nos meados de 2005,
eh, eu já tocava violão como eu te falei, comecei a tocar nos meados dos anos 2000, né? Em 2005
eu já estava com 5 anos, então eu já tocava, já tinha um repertório bacana, mas eu não cantava,
olha só que detalhe, eu cantava só em umas rodas de violões, não cantava profissionalmente, só que
eu era muito doido para adentrar nesse mundo do barzinho, né? De tocar na noite, e aí eu descobri
um brother meu lá em Russas, que ele cantava, ele era afinadinho, tocava o instrumento e gostava
do repertório que eu gostava, olha, gostava de Caetano, Gilberto Gil, né? O repertório era o
mesmo, aí bacana, juntamos a fome com a vontade de comer, aí montamos um grupo chamado Mil
Tons, e aí a gente começou a adentrar na noite lá tocando, eu e ele, a gente tocou até (+) passamos
um ano tocando juntos, no ano de 2006, eu saio de Russas e vou embora para morar em São
Paulo, né? Aí lá em São paulo eu continuo estudando o violão, mas sem tocar, mas sempre com
essa vontade, querendo arranjar um parceiro para tocar na noite, arranjei alguns parceiros lá, toquei
pouquíssimas vezes, mas ainda toquei, aí sempre com essa coisa de ficar chateado pelo fato de não
cantar, quando foi um belo dia, isso já em 2008, eu tinha retornado de São Paulo, passei 2 anos lá,
aí voltei a tocar em um projeto chamado Alforria, lá em Russas, eu era violonista e tudo e esse meu
amigo já tinha saído do projeto porque ele virou evangélico, e aí, quando foi um dia lá o cantor que
estava cantando faltou e o cara “Rapaz, porque que tu não canta?” eu disse “Rapaz, eu não sei
cantar não macho, eu sou meio desafinado aqui, vai espantar é o povo aí” aí ele “Não macho, pode
cantar” e eu “Rapaz, tu bota tua conta a perder?” aí o cabra disse assim “Rapaz, pode cantar, é por
minha conta aí” aí eu “Beleza, eu vou cantar” Aí como o cara vai livre de (+) Cara, foi aí que eu me
descobri que eu cantava (risos) e aí pronto, e aí foi desde 2005 que eu comecei, para responder a
pergunta, foi a partir de 2005 que eu comecei a ganhar dinheiro, né? Ganhava dinheiro para tocar,
só que no início eu só tocava, eu não tocava e cantava, depois foi que eu fiquei só solo, né? Fiquei,
eu, voz e violão, mas sempre de 2005 até os dias de hoje, sempre que eu toco na noite, ganho uma
“michariazinha”.
tocam, né? Músicas do repertório da música popular brasileira são pouquíssimos, tocavam muito
axé, essas coisas, outros bares, e eu tinha uma vontade muito grande de tocar nesse bar, e aí foi, em
um dado momento lá que a dona era amiga desse cara que cantava comigo e aí ele conseguiu uma
vaga para a gente tocar lá, e aí a gente tocou, foi o primeiro local que eu toquei e aí, em seguida foi
em uma padaria da minha cidade, em um evento de confraternização, que a gente foi tocar também.
Detalhe, na vez que eu fui tocar e cantar, que eu passei um tempão frustrado nessa padaria que foi o
primeiro canto que eu toquei, eu cantei tão ruim Eltim, desafinado, que assim, a galera (+) ficou todo
mundo constrangido assim, de tão ruim e nervoso que eu estava, que aí eu passei um tempão meio
traumatizado com isso, dizendo que eu não ia cantar mais e tal, e aí pronto, só que aí cara, é como
sempre eu costumo dizer, essas coisas se aprende fazendo, eu não tenho a melhor voz do mundo,
mas todo mundo tem voz, e quem tem voz pode cantar, e aí o que foi que eu fiz, eu comecei a
adequar a minha voz na tonalidade que eu cantava, a questão era que eu ficava querendo cantar nos
tons originais dos cantores, né? Eu descobri isso depois, posteriormente, “Ah, então eu tenho que
puxar para a minha tessitura”, né? Então foi aí que eu comecei a ter um outro vislumbre, enfim, aí o
resto você já sabe.
27. Almir, você precisou estudar mais para as novas demandas de atuação? Se sim, o quê e
de que forma?
- Cara, para as demandas de atuações, dentro do que eu faço, em relação à música da noite, né?
Se é isso que você está perguntando, a gente precisa sempre estar estudando, no sentido de que,
repertório, né? Só que dentro do bar cara, tem uma coisa bem interessante, pelo menos no interior,
tanto aqui em Sobral, como em Russas, os locais que eu já estive, ou até mesmo fora, eu já estive
em Macapá, já estive em São Paulo, é incrível como a galera que escuta música brasileira, popular,
ela adquiriu um gosto específico para determinadas canções do repertório da música popular
brasileira, como assim? (perguntando a si mesmo) Por exemplo, você vai para um bar, você tem
que tocar “Oceano” do Djavan, Djavan tem 600 músicas, mas se não tocar “Oceano” o público fica
insatisfeito, Zé Ramalho tem 300 músicas, se você não tocar “Chão de Giz” a galera não fica
satisfeita, entendeu? Então, assim, você tem que estar trabalhando um misto de músicas que estão,
digamos, no momento, na febre do momento, né? Do que está sendo tocado, aí você pega essas
canções e um misto daquilo que já existe dentro do próprio repertório da música brasileira, não dá
para você se dissociar daquilo ali, né? Você tem que (+) eu tenho um repertório específico ali, que
eu vou, eu tenho 40 músicas ali que eu sei que a galera vai gostar, tipo: “Tocando em Frente”, né?
“Bem que se quis” da Marisa Monte, só para citar aqui, “Oceano” do Djavan, “Nem um dia”, né?
“Se”, essas canções que fizeram a graça do repertório popular, do povo brasileiro, principalmente
359
aqui da nossa região do interior e dos cantos onde eu já estive, né? Se você tocar uma música que
não é tanto do repertório popular, conhecida muito das pessoas, as pessoas meio que acham, muitas
vezes até tacham o cantor como ruim, se você tocar muitas coisas que a gente usa até um termo, um
termo, uma gíria, né? Que é músicas do Lado B, Lado A e Lado B porque vem do vinil, né? Que
tinha o Lado A e o Lado B, as músicas do Lado B eram as músicas que ninguém ouvia, escutava
mais o lado A que eram as músicas comerciais, né? Quando a gente se refere ao Lado B, a gente
está querendo dizer que são as canções que quase ninguém escuta, aí você pega, você vai tocar
uma canção alí que (+) três, quatro canções, a galera começa a se desinteressar pelo repertório,
começa a reclamar com o dono da casa, o dono da casa vem reclamar para você tocar músicas
mais animadas, entende? Então, você tem que ter um faro muito grande para observar alí dentro de
como você está tocando na noite, quais são as pessoas que estão ali, o público que está alí, e a
música que você vai engatilhar para tocar naquilo ali, então assim, o processo de aprendizado, ele
fica contínuo, dentro da questão de pegar repertório, renovar repertório, né? Mas não é uma coisa
assim que eu faço constantemente, eu pego ali, sei lá, três, quatro, cinco músicas, por ano, por
semestre agora, tipo, já tem um repertório pronto, né? Dali de todas as canções, porque quem
trabalha com bar, você trabalha com o cliente pedindo música, às vezes chega o papelzinho, aí se
você não sabe determinada música você coloca ali o papelzinho de lado, ou se você sabe tocar,
você toca, se você não toca você substitui por outra, você pede desculpa, enfim, fica a critério de
quem está tocando, enfim, e é bem interessante essa questão da música cara, nos bares, porque, é
interessante, a galera podia colocar um pen drive, né? Se for para ficar pedindo música desse jeito
assim, num show e tudo, mas a galera gosta daquela coisa de ver a música ao vivo, a manifestação
acontecendo ao vivo, o que é bem interessante e merecia até um estudo, essa questão de ver como
é que se comporta os frequentadores de bar, né? Cara, entrevistar, né? (risos).
28. Almir, quais as estratégias que você utiliza para memorizar uma música nova?
- Eita cara, rapaz isso é interessante, pelo processo cognitivo assim, eu acho que pela questão até
de idade. Quando eu era mais jovem cara, eu decorava uma letra, aprendia uma letra
instantaneamente aqui eu, duas, três vezes eu já estava com a letra na cabeça, agora cara, eu uso o
método de contar uma historinha, eu vejo do que aquela música está tratando, da letra, né? E aí eu
crio uma historinha para mim poder lincar aquela historinha (risos) aí geralmente demora, dois, três,
quatro dias, às vezes, até uma semana, por exemplo, eu como compositor cara, eu componho
minhas músicas, a maior parte das minhas músicas eu não sei cantar as músicas, as minha próprias
músicas, a maior parte eu sei, claro, setenta por cento, mas tem um repertório de trinta por cento
das minha músicas autorais que eu não me lembro de cantar assim, preciso pegar aqui e ler, né?
360
Mas o repertório todo que eu canto na noite, eu opto por não utilizar nada de pasta, de tablet, nada,
né? Eu não uso essas ferramentas, até às vezes, agora, determinadas músicas novas, quando o cara
vai ficando mais velho, né? Eu já sei tocar, mas eu não sei cantar, eu pego ali o auxílio do celular só
para ver a letra ali, mas não gosto, não me sinto confortável.
29. Na sua opinião Almir, o que é que deve ser priorizado na aprendizagem do violão?
Saber ler partitura? Desenvolver a técnica violonística? Comente sobre os principais
conteúdos que você acha que devem ser priorizados.
- Cara, eu acho que o principal conteúdo que deve ser priorizado é o estímulo, ao aluno que vai se
propor a aprender a tocar violão, né? A primeira coisa, é fazer com que ele entenda que não é uma
tarefa fácil, né? Deixar ele ciente disso, mas que não é impossível, né? E não limitá-lo, mas deixar
bem claro para ele o tanto que esse ofício é um ofício que requer uma dificuldade e uma certa, eh,
como é que se diz, uma certa dedicação, né? E aí, depois disso, as questões teóricas como você
perguntou aqui, eu acredito cara que tudo (+) a leitura, eu acho que é primordial, no início, para
quem está começando do zero, porque você vai caminhando ali gradativamente, eh, para um grau
de conhecimento mais avançado, é como eu te falo da questão de desconstrução, se eu tivesse
começado a aprender com a partitura, quando eu comecei, né? Eu teria sofrido muito menos
quando eu entrei na universidade, né? Como muitos colegas meus que tem leitura, que já vinham da
escola de música, a vantagem de ter uma escola de música na cidade, né? Minha cidade não tem
uma escola de música, minha cidade natal, a maior parte dos colegas que entraram no curso de
música já tinham uma leitura de partitura, né? Então isso auxilia muito, não é tudo, mas eu acho que
é o grande pontapé inicial porque você já conhece aquela linguagem, dos sons, né? Como aquele
som se comporta, como é que ele está escrito naquela partitura, a altura e tudo, você tem ali um
desenho, um panorama desenhado de como se comporta o som, né? Ali você tem um
entendimento, e aí é interessante quando você une a questão, né? Da teoria, do teórico, do
conhecimento que você tem, com a prática, caminhando as duas de mãos juntas, eu acredito que
esse desenvolvimento vai ser muito melhor e muito mais proveitoso, né? Você vai aproveitar muito
mais, diferente de quem começa do zero, como autodidata, e depois de velho vai começar a
aprender a leitura, né? Então é diferente, é como se você estivesse fazendo o processo inverso, né?
Então eu sofri muito com isso, e tudo, mas eu acredito que o aluno que ele já começa ali, igual o
método do Henrique Pinto, assim, eu acho que o iniciação para violão I é um método que me
esclareceu muito, inclusive você me ajudou muito, eu lembro das minhas dificuldades, das minhas
inquietações e você é um exímio professor cara, mas voltando assim, eu acho que (+) porque você
tem ali um movimento de cordas soltas para você identificar qual é a primeira corda do violão,
361
segunda, terceira, quarta, entender primeiramente a anatomia do violão, né? Para depois começar a
executar a partir da mão direita com exercícios simples, então cara, é uma construção, você vai
fazendo o pilar passo a passo e com o tempo, é tanto que existe caderno 1, caderno 2, 3, 4, e você
vai estudando isso gradativamente, mas aí é como eu digo, detalhe, a importância de perguntar para
o estudante qual é o interesse dele no violão, porque às vezes o cara quer aprender a tocar violão
só para tocar ali na rodinha de amigos dele cara, ele não quer, tipo (+) entende? Mas você vai
privar esse cara desse conhecimento? “Ah, não, porque você não quer ser um Sebastião Tapajós,
porque você não quer ser um Paulinho Nogueira, você não vai estudar violão aqui não, para tocar
violão para os seus amigos na roda de violão” Qual é o problema? né? Agora tem que deixar bem
ciente, “Cara, se o teu interesse é esse aqui, beleza, bora estudar isso aqui” e assim, e há métodos
que façam, que sejam específicos para o que o aluno esteja interessado, ele quer devorar? É
fominha? Quer estudar? Beleza, tem esse método aqui, tem esse e esse, “Ah, eu quero só aprender
a tocar” “Beleza, tem aqui um caderno de acordes aqui para você aprender, se não quer aprender a
tocar por partitura, não é seu interesse, massa” ninguém é obrigado, né? Cara, tem que ver qual é o
seu interesse, é como eu lhe disse o meu interesse na música partiu porque eu queria as músicas que
eu gostava, que eu ouvia, então por isso que eu fui aprender a tocar, né? Porque eu gostava de
poesia, entende? Uma coisa segura a outra, agora, por exemplo, talvez se naquela época eu tivesse
tido a oportunidade de ter o ensino da partitura, talvez eu tivesse desistido, né? “Não, isso aqui é
muito chato, eu lá vou com (+)”, né? Tipo, eu quero é tocar, eis a questão do que eu penso assim,
como eu como aluno, o que é que eu queria? Queria tocar pô, a primeira coisa que um menino quer,
quando vai para a aula de violão é tirar um som, né? Então assim, muitas vezes o professor frustra o
aluno porque, tipo, o cara entope o menino de exercício de mão direita, de mão esquerda, não sei o
quê, e o menino não vê música, “Diabo é isso, eu vim para a aula de violão” (risos) entendeu?
Então, assim, quando eu passei seis meses no Mais Educação ali da escola Gerardo Rodrigues,
como professor de violão lá, né? Cara, eu fazia sempre isso assim, eu tentava observar neles, qual
era a urgência que eles tinham, de instrumento, né? Eu tinha um aluno que eu descobri que ele nem
violonista queria ser, era percussionista, então eu joguei a percussão na mão do menino, tocar agogô
(começa a fazer o som do instrumento), o menino ficou morto de feliz, eu vendo o menino assim,
“desinterado” assim, no meio das aulas assim, perdido dos outros, eu “Meu fi, você quer mesmo ir
para a aula de tocar violão?” Aí o menino “Rapaz, tio, não, eu gosto de tocar é percussão” aí eu
“Ah” entendeu? Então, assim, se você vai pelo caminho de uma coisa que você não quer cara, você
vai (+) não vai render, ter resultado, né? Eltim, é mais ou menos por aí cara, que eu penso.
362
30. Almir, como foi que você desenvolveu sua consciência harmônica, ou seja, o
conhecimento sobre acordes, a transposição de uma harmonia para outra tonalidade,
gostaria que você falasse um pouco sobre esses processos.
- Eltim, esse processo aí cara, eu te confesso que fui ter conhecimento disso na academia mesmo,
dentro da universidade, assim, eu não estudava muito isso, fora, mesmo com o tempo depois, até
porque como eu te falei, eu toco há 20 anos, né? Pô, eu tive realmente tempo para estudar isso, eu
andei comprando algumas revistas, algum tempo depois, sobre harmonia e tudo, evidentemente que
eu conheci o campo harmônico, o maior e o menor, né? Quando eu entrei na universidade já
conhecia, já como funcionava e tudo, mas assim, usava isso muito pouco, o meu negócio era pegar
música e tirar música, dentro da universidade foi que eu comecei a ter um olhar mais sensível para
isso e ver a importância disso, né? Nas aulas de harmonia, com o Xxxxxxx com o Xxxx que foram
os professores que eu tive, eu comecei ver o quão rico e quão vasto é o mundo harmônico e quão
necessário é principalmente para a gente que é compósito, e que é músico de bar, né? Porque você
começa a entender porque que determinada função de um acorde, tem aquela função, né? De
dominante, ou de semi-dominante, ou de sub ou de relativa, e tudo, quando você começa a
entender esses parâmetros, você começa a entender que aquilo que você faz, empiricamente, sem
pensar muito, tem haver com aquilo que é teórico, né? “Ah, um subV” acontece muito na música
popular, né? E você não sabe porque que acontece aquilo ali, naturalmente sem ter o estudo, né?
Então cara, eh, como foi a pergunta mesmo?
- A pergunta foi sobre como você desenvolveu sua consciência harmônica.
- Pronto, aí essa consciência harmônica, para fechar aqui, né? Ela desenrolou muito mais, eh, dentro
da universidade, né? De seis anos para cá, meu pensamento é bem diferente do que quando eu
estava fora da universidade, acho que contempla, né?
instrumental é uma outra linguagem, é uma música que conversa, ela tem um diálogo, com quem está
tocando aqui e a platéia, de uma forma diferente. O meu diálogo com a música é um diálogo que
precisa partir, a partir de uma letra, então eu escuto todos os elementos da música ali, mas ouvindo
também a letra, né? Eu escuto o que que está se fazendo ali no contrabaixo, vou sacando a
harmonia e também ao mesmo tempo consumindo a letra. Então, é uma diferença de quem escuta
música instrumental, aí voltando para essa questão de você perguntar se eu faço arranjos para violão
solo, né? Cara, eu nunca fiz, o meu único arranjo que fiz de uma música autoral minha, para a
faculdade foi sofrido pra caramba, nas pêias, fiz a quatro vozes e tudo, para o violão IV, né? Mas
não é minha praia cara, assim, eu não gosto mesmo, eu não me dou bem, porque eu acho que é uma
linguagem que não dialoga comigo, super admiro, quem não admira? Eu acho que talvez, essa
frustração de eu não ter aprendido escalas, não ter me dedicado a isso, isso dificultou muito na
minha vida, né? Foi uma coisa que eu não consegui quebrar e travar aquilo alí, destravar daquilo ali
e tal, acho super válido, eu acho super necessário, que haja grupo de violões, mas você pode fazer
grupo de violões com música popular, já fiz isso na época do PIBID, a gente levava os meninos da
escola lá (+) por que para mim, o que é o grupo de violão? Se você tem gente ali, você não vai
colocar todo mundo para tocar em uníssono, mas se você coloca o menino para fazer o baixo, você
coloca um menino para fazer a harmonia, coloca outro para fazer a melodia, né? Isso é um grupo de
violões, né? Então o contexto todo, alí você pode, eh, fazer isso de uma forma diferente, não
necessariamente, mas respondendo a sua pergunta, arranjo para cordas de violão solo eu nunca fiz
não e nem tenho, como é que se diz, eh, capacidade para isso cara.
32. Almir, normalmente, o que é que você faz quando você não conhece uma música, mas
tem que acompanhar?
- Ah meu querido, aí, dependendo do grau da música (+) você diz assim, em uma situação
hipotética, né?
- Isso, por exemplo, a gente sabe que na noite isso acontece.
- Na noite isso não acontece muito comigo porque eu toco e canto, né? Por isso que, por exemplo,
eu sempre tive muita dificuldade quando chegam meninas para cantar, que a gente sabe que é
totalmente diferente do tom de meninos, né? E aí cara, eu já digo logo “Qual é o tom da música?”
Faço logo um interrogatório, né? “Ah, o tom é tal” então dá para tocar, “Ah, o tom é tal” vixe, se
for dois, três, quatro tons, ou eu boto um capotraste, ou se for um tom perto aí dá para o cara
desenrolar de vez, dependendo do grau da música, se a música tiver muitos acordes, eu não consigo
transportar de imediato não, aí eu digo só o “nãozão” seco e pronto, não toco não porque tipo
assim, ficar caçando acordes na hora que você está tocando é muito chato, né? Se você está
364
tocando ali para alguém, ficar catando aqui os acordes de (+) mas assim, já fiz, quando a música
tem quatro acordes, aí meu amigo, você pode prosseguir para qualquer tom, né? Quatro
“acordeszin”, mas se você pega uma música “Flor de Lis”, para tocar em mi bemol (risos) aí meu
amigo, você está em dó e agora vai tocar em mi bemol aqui e tal, aí não tem condições, igual ao
método do peru (risos). Tu vai me direcionando para ficar coerente aí viu?
33. Almir, como você faz para desenvolver a sua técnica violonística? Ou seja, os ritmos da
mão direita e a técnica da mão esquerda.
- Rapaz, cara, foi outra coisa que eu só fui estudar quando eu entrei na universidade também, né?
Os métodos do Marco Pereira que o Xxxxxxx passava para agente, que ajudou muito na técnica de
mão direita, que eu também tive dificuldade enorme em fazer, porque, olha só, eu tenho um vício de
utilizar meu quarto dedo mindinho para dedilhar, é um vício, né? A gente só usa o polegar, o
indicador e o médio, né? E o anelar, então eu uso aqui o “mindinzin” aqui, para ficar frescando aqui,
aí nas técnicas de arpejos, de mão direita, né? Os primeiros “exercícioszin” bem facinho, legal, dava
pra ir, o terceiro e quarto exercício, tinha uns que complicavam a questão da disposição das cordas
de cada dedo, meu amigo, o cara acostumado a uma levada só, digamos, de mão direita, né? Onde
você contempla ali, que você fica alternando, num processo de imitação, de repetição do som, que
aí é onde você compreende o quanto é válido estudar teoria, porque, por exemplo, o Xxxxxxx me
ensinava o ritmo de baião, para mim, baião era outra coisa, quando ele fazia a célula rítmica do
baião, executando, para mim, era outra coisa totalmente diferente, né? Aí eu ficava assim, “pô,
teoricamente é desse jeito aqui, mas para mim não soa desse jeito assim”, tanto que minha música
autoral, eu dizendo que era um xote, o Xxxxxxx dizia que era um Ijexá, a música, como assim? Eu
sou o compositor da música, eu queria que fosse um xote e é um ijexá, aí tipo assim, essa questão
da mão direita, da mão esquerda, e aí, cara, é como eu te digo, tudo para mim que fica repetitivo,
dentro do estudo, é chato, aí o que é que acontecia, ficava repetindo aquilo ali, repetindo, o pior é
que quando eu não conseguia, aí era que o Xxxxxxx dizia para mim “Cara, errou, continua de onde
parou” aí esse era o meu mal, sempre quando eu estava estudando um exercício que eu errava, eu
queria voltar, eu sempre quero voltar, aí, você gasta tempo, de certa forma, mas você tem que
continuar de onde você erra, né? E aí meu irmão, cara, foi outro processo doloroso, mas que
rendeu muita coisa, eu sinto que minha mão direita melhorou muito, nesse período acadêmico,
dentro da universidade e a esquerda do mesmo jeito também cara. A esquerda, estudos de
formação de acordes mesmo, que o Xxxxxxx passava muito para a gente, né? Com seguidos
acordes novos que colocava no meu repertório, de abertura, de coisas que ajudaram muito, mas
sempre focado, utilizando muito isso para o que eu faço Eltim, eu toco na noite, então eu pego isso e
365
vou aplicar na noite, “Ah, cara, você é da universidade, você é o professor de violão”, cara, eu sou
um violonista, toco na noite, eu concordo plenamente com isso, sou um profissional da música, mas
eu não tenho pretensões nem predileções para ser um professor de violão, de música, né? O quê
que eu quero ser? Eu quero ser educador musical, eu quero levar música para a galera, né? Então,
assim, é muita questão que eu digo, o quê que você vai fazer e qual área você vai atuar que vai dizer
qual o profissional que você vai ser, né? Eu sei que eu não seria um bom profissional sendo um
professor de violão, especificamente, só do violão, né? Um professor acadêmico de violão, eu não
seria um bom professor, entende? Acho que pelo meu conhecimento, pela minha técnica, pelo que
eu estudei, pelo que eu domino, não conseguiria estar dentro dessas habilidades, e claro, sei que se
eu estudar mais um pouco, quebrar essas amarras, eu consigo, mas eu estou com 38 anos, eu não
me vejo mais gastando tempo, eh, com coisas que vão ter um determinado prazo, onde eu posso
continuar trabalhando com coisas que eu já tenho e que possam me dar resultados melhores,
entende Eltim?
34. Almir, ainda na questão do tirar música de ouvido. Tirar música de ouvido, era
considerado por você como parte do aprendizado, ou você não sabia o que estava fazendo?
- Não, tirar música de ouvido era um termo que eu ouvia entre os colegas, né? Que falavam sobre
esse termo aí, eh, eu no começo não tirava toda música de ouvido, porque, tipo, eu não tinha ouvido
para isso, como eu falei, o cara que não canta é porque ele realmente não tem ouvido, ele tá (+) ele
não consegue se ouvir, não consegue alcançar ali a altura da nota, então é muito o processo de
repetição, no sentido de olhar para as revistinhas, né? Depois, mais tarde, um pouquinho mais tarde,
nesse aprendizado é que você começa a se familiarizar com os sons, você começa a aprendê-los a
repetir, né? Que até Eltim, eu acho que isso não quer dizer que você seja bom de ouvido, você
começa a identificar o som, por exemplo, você tem uma sequência de acordes que você faz, isso é
uma teoria minha, certo? Você tem um acorde, sequência de acordes que você faz, por exemplo, eu
tenho uma predisposição bastante em cantar na tonalidade de Sol, né? Eu crio ali em mim uma
referência do acorde de Sol maior, de Mi menor, né? De Lá menor, quando eu toco esses acordes,
eles soam comuns para mim, porque eu os uso muito, entendi, eu estou em um processo de
repetição direto, com eles ali, né? Então, quando eu escuto eles numa música, se torna mais fácil de
eu pegar porque eu já tenho uma referência, então é um processo de imitação, não é de ouvido, né?
O cara fala “Ah, de ouvido e tal” ah, mas ouvido porque o cara ouviu ali, aquele acorde tal, se ele
ouviu um Mi meio diminuto, ele vai saber que é um Mi meio diminuto? Ele vai saber que é um
acorde de tensão ali, é o que eu faço, eu vou caçar, né? “Umbora, é um diminuto ou é um
aumentado” não sei qual é o diminuto ou o aumentado, né? O meio diminuto, o aumentado e o
366
diminuto, exatamente, não vou saber dos 3 ali, quais são, qual é quem entendeu? Aí eu preciso
buscar o recurso de catar o acorde, de buscar no braço do violão ali. Então assim, se eu tocasse
músicas com o uso mais desses acordes, ou se eu estudasse mais esses acordes, tanto que na
universidade o Xxxxxxxx ficava colocando esses acordes de tensão, nas aulas do Xxxx eu fiquei
com um ouvido mais legal para isso, né? Eu escutava ali, já sabia quando era um meio diminuto, já
sabia quando era um aumentado, e tudo, mas não todos, dos que eu estava mais familiarizado em
fazer no violão, na noite, entende? Tipo, aqueles que soam diferente, ou por exemplo, em uma
região diferente do braço, que eu não estou apto a fazer. O violão, ele tem um braço aqui, onde
você possibilita fazer várias posições do mesmo acorde no braço, então você vai ter um timbre do
mesmo acorde, diferente, concorda? O acorde vai ser o mesmo, o timbre vai ser diferente devido à
posição de onde você está fazendo a formação do acorde, então como você não está habituado a
fazer muito, esses acordes, muitas vezes você se engana, qual é o acorde, né?
35. Almir, como se escuta uma música quando a gente quer pegar de ouvido?
Primeiramente a gente identifica o baixo dos acordes? Primeiro a forma da música? Como
a gente escuta uma música?
- É, como eu te falei inicialmente, a primeira coisa que eu faço é tentar achar o tom da música,
procurar o tom, né? Procurando o tom aí eu vou, em um processo contínuo, qual o primeiro acorde
aqui? (perguntando a si mesmo) Tem uma sequência? Geralmente música popular gosta muito de
ter esse negócio de cromatismo, o cara tá em Sol, Fá sustenido, cai em Mi menor, né? Essas coisas
assim, aí o cara escuta o baixo, para ver como é que vai o caminho do baixo, aí faz aqui, aí às
vezes, por exemplo, para a questão de procurar o tom, o cara vai no próprio violão, ou eu faço o
acorde, ou eu fico procurando a nota mesmo, referente aquele tom, né? A nota solta para achar o
tom, e o resto é o processo, é esse caminho que eu estou lhe falando, de acorde em acorde, vou
anotando aqui, cifrando aqui, até chegar o final da música, e aí, geralmente quando eu faço isso,
detalhe, eu faço já sabendo cantar a música, né? Quando é uma música que eu quero pegar só a
harmonia ali, que eu não sei cantar a letra, o processo é o mesmo, mas aí, como eu não tenho o
domínio da música, eu faço só a cifragem, né? Ali e tal, pra mim pegar a letra e posteriormente
cantar, ou então, na melhor das hipóteses, hoje o cara vai no cifraclub e baixa (risos), não vamos
ser hipócritas, né?
36. Almir, nesse caso, eu gostaria de saber como é que você lida com o erro, e se você se
sente nervoso ao tocar?
367
- Cara, o erro, parece até clichê, né? Mas é humano, errar é muito natural, e em bar acontece
muito, eu já tive de começar a tocar determinada canção cara e simplesmente me fugiu o tom e eu
não achar mais o tom da música, precisar parar de tocar uma música que eu conheço, toco há 20
anos ali e tal, e de repente dá um branco e você se perde no tom da música e não acha mais, já
pensou que coisa estranha, mas tocar fora mesmo assim, e não achar mesmo e parar, parar, “Não,
galera, desculpa aqui” parar e tocar outra música mesmo, porque o cabra não consegue mais achar
o tom da música, isso acontece, eu já vi com vários músicos, já aconteceu comigo, nem vou ser o
último e nem vou ser o primeiro, eh, como é que eu lido com o erro, né? E aí cara, essa questão de
lidar com o erro é você relaxar cara, não dá para você, como eu te disse, assim, você está em um
bar, você vai estar ali com um público te pedindo para você tocar músicas e tudo, ficar nervoso, a
gente sempre fica quando vai começar a tocar a primeira música, depois que toca a primeira música,
dá aquele aquecimento interno ali e você se sente seguro, parece que você e o violão virou uma
coisa só, homogêneo ali, pronto, mas os erros tocando ao vivo cara, não tem como, você não está
nem gravando em um estúdio para fazer cortes, né? Você está tocando ao vivo, então vai, às vezes
uma questão de unha quebrada, o dedo escorrega, sai uma nota fora, um acorde fora ali e tudo, mas
vai sempre existir, a questão é você estar adaptado para lidar com esse erro, né? não ficar criando
coisa e nem ficar (+) Ah, uma das coisas que eu não gosto Eltim, é ficar me desmerecendo assim
“Ah, eu não toco nada não, não sei o que, e tudo” cara, eu toco, a galera chega para mim e diz que
eu toco, eu digo “Rapaz, eu tenho 20 anos de profissão”, né? Eu estudo, faz tempo que eu estou
nisso aqui, a minha (+) eu tenho obrigação de tocar pelo menos isso aqui, né? Não vou ficar
dizendo “Ah, eu não toco nada não” tenho raiva de quem diz isso cara, porque, cara você tem uma
estrada, você vive disso, você trabalha com isso, você tem que ter pelo menos o mínimo do mínimo,
domínio e competência para isso, né? Como eu me proponho a tocar na noite e cantar na noite, eu
tenho repertório para isso, eu trabalho isso, eu estudo esse repertório, e tudo, então é um tipo de
estudo diferenciado do estudo acadêmico? Talvez, mas é um estudo, requer tempo, né? Requer o
cara conhecer o repertório, requer o cara estudar canto, né? Então está tudo lincado ali.
38. Almir, em sua atuação como músico, você sente falta de algum aspecto que faltou na
sua formação musical?
- Poderia exemplificar Eltim?
- Hum, eu acho que eu poderia ter um conhecimento maior de (+) hum, harmonia, de
arranjo.
- Sim, sim, sim, entendi agora. Pronto, é exatamente isso, é como a gente veio falando na conversa,
né? Sempre vai faltar alguma coisa Eltim, você não vai conseguir completude, né? Em tudo, mas eu
gostaria de ter estudado mais como eu lhe falei, escalas, ser mais safo na questão, eu gostaria de ter
estudado um pouco mais de jazz, de conhecer mais do universo do jazz, e tudo, eu gostaria
também, assim de estudar violão do samba, o samba mesmo, 7 cordas, estudar, né? Aprender as
baixarias do 7 cordas que eu acho muito bonito, e tudo, mas, eh, enfim, há tempo para isso ainda,
agora que eu tenho 38 anos, tem mais 30 pela frente, 40, 50, dá para aprender um bocado de coisa
ainda pela frente.
39. Almir, em sua opinião a atuação profissional contribui para a sua atividade como
violonista? Se sim, de que maneira? Fale um pouco sobre a sua experiência como músico
profissional.
- Pois é cara, a minha atividade como músico profissional, eh, durante muito tempo, quando eu
comecei, era como o meu segundo (+) minha segunda renda, né? Tocar era minha segunda renda,
eu sempre tive um trabalho efetivo, né? Eu era vendedor, passei quase 10 anos da minha vida
trabalhando com vendas, passei mais 6 anos trabalhando com hotelaria, enfim, mas sempre tendo
empregos fixos e carteira assinada, e aí, a renda extra era tocando, quando eu me mudei para
Sobral, há uns 6 anos atrás, eu comecei a viver totalmente de música, e eu me senti muito orgulhoso
Eltim, porque, pela primeira vez eu estava vivendo do ofício que eu realmente acreditava, e onde eu
realmente era feliz em fazer, né? Eu fui vendedor e tal, trabalhava em outras coisas, mas eu não era
feliz fazendo aquilo, né? Eu acho que você tem que estar em um local onde você esteja feliz. E aí
cara, eu acho que na questão de trabalhar com a música, o fato de trabalhar com ela possibilitou,
né? Estudar mais, pelo fato de você está ali constantemente tocando, praticamente, três, quatro
vezes por semana, né? Como você sabe como é que é a rotina da gente que toca na noite, e a
questão de você, pelo fato de estar trabalhando como profissional, se preocupar em estar com o
repertório atualizado, né? E de contrapartida, eu tive muita sorte também, porque ao mesmo tempo
em que eu comecei a viver integralmente da música aqui em Sobral, eu também estava fazendo a
universidade, então eu estava ali, né? Com tudo ao meu dispor, para melhorar mais, cada vez mais,
o meu processo de aprendizado, entende Eltim? Pronto, é isso aí.
369
40. Na sua opinião, quais as competências necessárias para atuar como violonista em
Sobral-CE?
- Eita, pergunta difícil (risos). Quais as competências necessárias para (+) cara, eu acho que a
primeira coisa, para atuar como professor?
- Como violonista.
- Independente de ser professor?
- Independente de ser professor, independente da formação.
- Ah, pronto. Agora eu entendi a pergunta.
- Na sua opinião, certo?
- Pensei que era como professor da universidade. Olha, eu acredito que (+) a primeira coisa é a
experiência, se você tiver uma experiência, se você for músico de bar, que já toca um certo tempo,
que já tem um domínio, no instrumento, você pode dar aula cara, na minha opnião, agora assim, se a
aula vai ser boa ou não é outra coisa, entende? Mas eu acredito que você tendo uma experiência já
(+) por exemplo, eu, com o tempo que eu tive de música, antes de entrar na universidade, eu
poderia dar aula? Poderia, não seria uma aula com uma visão que eu daria uma aula hoje, como um
professor licenciado em de música, né? A percepção é totalmente diferente, então, a pergunta que
você me faz é intrigante, porque a gente pensa assim, beleza, você pode não ter formação? Pode,
tem um monte de gente que dá aula sem formação, mas que são exímios músicos e que são exímios
professores, mas o contrário também é verdadeiro, tem caras, pessoas que também são formadas
na área, que são professores fuleragem, em toda área vai ter, mas depende muito do professor que
vai dar aula, o cara que vai dar aula, ele querer dar aula, ele querer e ter um mínimo de competência
possível e material necessário para poder conseguir, eh, conduzir o plano de aula e conseguir fazer
com que o aluno aprenda no decorrer do estudo do violão dele, né?
- E no que diz respeito na área de atuação? De performance aqui em Sobral? No tocar na
noite, no tocar em múltiplos contextos, em estúdio, em bar, em theatro, na sua opinião, o
que é que o violonista ele tem que ter?
- Não, aí o violonista, no caso aí, para ele tocar, né? Nessa coisa performática, que você está
falando aí, primeiramente o conhecimento de um vasto repertório, né? Ser seguro daquilo que ele
vai fazer, ter seu equipamento próprio é fundamental, porque o conceito de músico, ele não parte só
da questão de você tocar e cantar, né? Ele parte do equipamento que você utiliza, do violão que
você utiliza, das caixas de som que você leva para o show, então é imprescindível você ter esse
equipamento para você tocar na noite, né? Atuar, e cara, e aí o estilo, quem vai definir é você
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mesmo, o que é que você vai fazer, como é que você quer, se você quer ser eclético, se você quer
tocar, eu acho que é isso cara, é por aí.
41. Almir, atualmente você possui alguma organização, no que diz respeito aos seus
estudos do instrumento? Se sim, quais as principais estratégias utilizadas por você para
dar continuidade a tais estudos?
- Não, Eltim, no momento estou parado, focado somente no TCC, não tenho pensado nessa coisa
de estudar violão não, estou totalmente parado mesmo.
43. Almir, que violonistas da cidade de Sobral você aconselha conhecer e escutar?
- Cara, eu aconselho muito aquele cara lá macho, o Uélito Filho, que é um violonista muito bom, eu
aconselho muito o Giliarde, é um violonista muito bom, o Reginaldo Fialho também é um grande
músico da noite, você fala violonista que atua na noite tocando em bar? Geral, né? Seu Cícero
também, seu Cícero Paiva, é um bom violonista, um senhor que tem muita história para contar, deixa
eu ver, quem mais aqui cara, do violão, o Kelvin Mota, acho que é um violonista excelentíssimo
assim, muito grande, da região que você fala, de Sobral? O Sam, que é um colega de faculdade que
toca violão muito bem também, deixa eu ver quem mais cara, Ana Jakeline, boa violonista, não vou
deixar as mulheres de fora, né? Incrível como o universo do violão é um universo masculino ainda,
né? Cara, eh, deixa eu ver quem mais, violonistas, deixa eu pensar aqui, só um pouquinho mais aqui
Eltim, cara, eh, o Juca Viana, pela quantidade de repertório que ele tem, o tempo que ele toca,
nesse momento são os que eu consigo me recordar.
44. Almir, quais as principais dificuldades que você visualiza na formação dos violonistas
da nossa região?
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- Cara, eu acho que a principal dificuldade (+) Cara quer queira, quer não, a gente vê uma classe
extremamente desunida, isso é fato, na verdade eu acho que todas as classes, eh, principalmente a
dos violonistas, dos músicos que atuam em bares, é uma classe um pouco desunida, já melhorou
muito, mas tem muita coisa a melhorar, mas quando eu falo isso é na questão de que tem muito
gente que quer reter conhecimento sabe Eltim, tem pessoas que querem reter, que não
compartilham, eu acho isso uma grande bobagem, eu acho que isso já deveria ter sido superado,
essa questão de você saber uma informação e você não compartilhar comigo, por medo ou ciúme
de que futuramente eu me torne melhor do que você naquilo, entende? Isso acontece, e muitas vezes
também, às vezes, estrelismo demais por parte da galera também, no sentido de achar que toca isso
aqui “eu sou o bichão, sou isso aqui mesmo entendeu?” Não é bem por aí, eu acho que para
fortalecer essa questão da formação do aprendizado do violão, eu creio que pessoas como você
que estão vindo com uma pesquisa como essa, né? E tal, é que vai trazer um vislumbre melhor de
como é que está essa situação, eu não saberia te dizer assim, o que realmente seria necessário para
melhorar, entende? Sei que precisa melhorar, mas eu entendo que uma das chaves seria pesquisas,
né? Que é a mesma coisa que eu estou fazendo agora com o repente, para tentar entender o quê
que está acontecendo aqui com o repente, aqui na cidade de Sobral, mas assim, o que eu vejo aqui
em Sobral, é que tipo assim, a maior parte da galera, não todos, eu tenho poucos amigos aqui em
Sobral, mas os que eu tenho são muitos chegados, mas a maior parte assim, todos por todos,
salvem-se quem puder, tipo, é uma classe que realmente deveria se unir, por exemplo, estava
tentando ser criado o conselho de música agora aqui, não sei se você sabe disso, aí nesse conselho
de música, na sala de bate papo, a galera começou a falar sobre outros assuntos, começaram foi
uma briga no curso, no grupo e pronto, aí a coisa começa com isso, desde que eu estou morando
aqui, fala-se de um sindicato de música, aqui em Sobral, aí já tentaram, todos os anos, termina o
ano, começa o ano, e o sindicato? Aí o sindicato não vai para a frente, hoje eu acredito que
majoritariamente, posso até estar errado, maior parte da galera que vive de música aqui, são
violonistas que tocam na noite, que cantam, que acompanham, né? E aí cara, seria uma grande
oportunidade para essa classe se fortalecerem mais, um pouco mais, mas eu não saberia te dizer
cara, com exatidão, penso que essas são as possibilidades que eu te falei, né? A questão das
pesquisas que estão sendo feitas e da criação do conselho.
residência pedagógica onde também ministrava oficina de violão na Escola Maria José Ferreira
Gomes.
47. Almir, que conselho você pode passar aos estudantes de violão que querem atuar
profissionalmente?
- Cara, o conselho que eu tenho para passar é o seguinte, comecem o mais rápido que vocês
puderem e é um aprendizado para a vida toda, mas que é muito gratificante, porque quem toca um
instrumento nunca está sozinho cara.
48. Que outro violonista da nossa cidade você acha que eu deveria entrevistar e porquê?
- Cara, são tanto, né? Assim, mas eu acho que você deveria entrevistar o Kelvin, porque você
bateria um papo bem legal com ele, mas pensando assim, numa questão de formação, porque é
bom também entrevistar músico que não tem formação acadêmica, né? Cara, para você ter uma
percepção de como é que é essa questão do aprendizado. Você já falou com o Giliarde? Eu acho
que você entrevistaria o Giliarde, ele gostaria muito de conversar com você e é um cara legal para
conversar, e já está atuando a muito tempo aqui em Sobral, como músico da noite, é um dos
primeiros na verdade, começou junto, praticamente com o Reginaldo Fialho e com o Juquinha.
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- Bem, esse era o último tópico do roteiro, e eu gostaria de saber se você tem mais algo a
acrescentar que diz respeito à sua formação como violonista.
- Não Eltim, eu acho que na entrevista a gente contemplou tudo, assim, o que eu tinha para falar
mesmo eu falei, até me alonguei em alguns dos discursos aí das perguntas, né? Saí fora do tema das
perguntas, eu acho que foi bem contemplado, muito válido assim, acho que sua pesquisa é uma
pesquisa bastante interessante, fiquei muito curioso depois para ver o resultado desta e acredito que
será muito enriquecedora para esse processo que você está investigando, né? Que é como é essa
questão do violonista aqui na cidade de Sobral, meu irmão só parabéns, sucesso e agradecer pelo
convite maravilhoso, é um prazer inenarrável cara (risos).
- Eu agradeço Almir, muito obrigado, suas contribuições são muito importantes e você traz
questões pertinentes para a pesquisa e a gente só tem a agradecer, obrigado.
- Cara, espero que tenha contemplado aí, viu Eltim.