Cassação de Aposentadoria: O Caminho Do Meio
Cassação de Aposentadoria: O Caminho Do Meio
Cassação de Aposentadoria: O Caminho Do Meio
O caminho do meio
1. Introdução
6
Com a edição da referida Emenda, o art. 40, caput, da Constituição passou a ter a
seguinte redação: “Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado
regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equi-
líbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo” (BRASIL, 1988). Todos os ocupantes
de cargo efetivo, de todas as esferas de governo, portanto, passaram a contribuir para o
sistema previdenciário.
7
O art. 40, caput, da Constituição então passou a ter o seguinte teor: “Aos servidores
titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter con-
tributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores
ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio finan-
ceiro e atuarial e o disposto neste artigo” (BRASIL, 1988).
8
Em obra anterior, um dos autores, Marcelo Leonardo Tavares (2007, p. 955-956),
defendeu essa posição, como também Di Pietro (2015) e ainda Bastos e Bezerra (2013).
9
Ver Campos (2013, p. 13). Tal entendimento seria reforçado pelo art. 172 da Lei
no 8.112/1990, o qual determina que o servidor que responde a processo administrativo
disciplinar somente poderá ser aposentado voluntariamente após a conclusão do proce-
dimento e cumprimento da eventual pena aplicada. Esse dispositivo, portanto, ratificaria
a ideia de que, deferida a aposentadoria, ela se tornaria um ato jurídico perfeito, uma vez
que foi concedida sem qualquer vício de legalidade, devendo ser, dessa forma, mantida
(RIGOLIN, 2007, p. 1051).
16
STF, STA 729-AgR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. em 28/
maio/2015. No mesmo sentido, em 03/jun./2014, o acórdão do AgRg no RMS 32.624, Rel.
Min. Celso de Melo.
17
STJ, MS 17.537, Primeira Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. em 11/mar./2015;
STJ, MS 20.936, Primeira Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. em 12/ago./2015.
18
Ver voto-vista proferido pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho no MS 17.537.
22
Esse entendimento ficou registrado no voto do Ministro Luís Roberto Barroso no
RE 661.256-RG, que tratava da discussão acerca da existência do direito à desaposentação.
Confira-se o seguinte trecho do voto: “De forma particular, não se extrai da ordem cons-
titucional a exigência de que haja correlação estrita entre os aportes dos segurados e as
prestações que receberão futuramente. De modo compatível com esse cenário normativo,
a legislação brasileira consagra, historicamente, a opção por um modelo de repartição
simples, em que todas as contribuições atuais formam um fundo geral para o custeio das
prestações devidas no presente. Inexistem, assim, contas individuais vinculadas a cada
segurado [...]. Isso não significa, contudo, que o legislador disponha de liberdade abso-
luta para formatar o sistema segundo quaisquer critérios de conveniência. Em vez disso,
há pelo menos dois limites principais à sua atuação. Em primeiro lugar, a falta de uma
comutatividade absoluta ou rígida entre contribuições e benefícios não significa que a
correspondência possa ser inteiramente desprezada. Ao contrário, a Constituição deixa
claro que os salários de contribuição compõem a base de cálculo para a definição das
prestações previdenciárias e que estes, assim como os próprios benefícios resultantes,
devem ser atualizados a fim de que preservem a sua expressão econômica. Essas circuns-
tâncias têm levado este Supremo Tribunal Federal a destacar a existência de uma relação
necessária entre os aportes dos segurados e as prestações estatais. Em segundo lugar, e
com maior relevância, o modelo concebido pelo legislador precisa ser compatível com o
princípio da isonomia, repartindo de forma equitativa os ônus e bônus do sistema previ-
denciário. Essa é uma exigência expressa do art. 201, § 1o, da Constituição, que impõe a
adoção de critérios uniformes para a concessão de aposentadorias. Daí a necessidade de
que a legislação institua uma fórmula estável de correspondência entre contribuições e
benefícios, aplicável a todos os segurados. Essa fórmula conterá, inevitavelmente, algumas
variáveis indeterminadas a priori, desde a maior ou menor extensão do período de fruição
dos benefícios até a existência ou não de pensionistas. É de se notar, porém, que essas
incógnitas aplicam-se ao conjunto de segurados de forma impessoal, e não seletivamente”
(BRASIL, 2016).
23
Sobre o tema, ver Friedman (2001, p. 11).
24
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domi- despesa média com aposentados do Poder Executivo da
cílios (PNAD) de 2013, elaborada pelo Instituto Brasileiro União é de R$ 8.739,00 (oito mil setecentos e trinta e nove
de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que o ren- reais). A média dos outros poderes é ainda mais alarman-
dimento médio dos servidores públicos federais é 288% te: (i) incríveis R$ 26.285,00 (vinte e seis mil, duzentos e
maior do que a média nacional. No ano de 2015, a média oitenta e cinco reais) no Poder Legislativo; (ii) R$ 18.303
da despesa mensal com a remuneração dos servidores ati- (dezoito mil trezentos e três reais) no Poder Judiciário; e
vos do Poder Executivo federal era de R$ 9.723,00 (nove (iii) R$ 16.932 (dezesseis mil, novecentos e trinta e dois
mil setecentos e vinte e três reais), segundo o Boletim Es- reais) no Ministério Público da União, de acordo com os
tatístico de Pessoal e Informações Organizacionais, divul- dados trazidos pelo Boletim Estatístico de Pessoal e Infor-
gado em fevereiro de 2015 pelo Ministério do Planejamen- mações Organizacionais, divulgado em fevereiro de 2015
to, o que representa uma remuneração próxima a 1% dos pelo Ministério do Planejamento.
mais ricos no país e três vezes maior que o PIB per capita 26
De acordo com o art. 8o da Lei no 10.887/2004, a
brasileiro em 2014. Se analisarmos a média da despesa contribuição da União para o custeio do regime de previ-
mensal de outros poderes, os valores são ainda mais ele- dência é o dobro da contribuição do servidor ativo. E mais:
vados: (i) R$ 15.034,00 (quinze mil e trinta e quatro reais) o parágrafo único do dispositivo mencionado afirma que
para o Poder Legislativo; (ii) R$ 15.255,00 (quinze mil, du- a União é responsável por cobrir eventuais insuficiências
zentos e cinquenta e cinco reais) para o Poder Judiciário; financeiras do regime decorrentes do pagamento de bene-
e (iii) R$ 13.971,00 (treze mil, novecentos e setenta e um fícios previdenciários. Em outras palavras, há uma quan-
reais) para o Ministério Público da União. tidade significativa de recursos públicos drenados para
25
Enquanto o teto previdenciário do RGPS gira em o pagamento de aposentadorias de servidores (BRASIL,
torno de R$ 4.500,00(quatro mil e quinhentos reais), a 2004).
27
De acordo com o dispositivo, “Para efeito de aposentadoria, é assegurada a conta-
gem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada,
rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensa-
rão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei” (BRASIL, 1988). Assim, o
servidor que teve a sua aposentadoria cassada poderia requerer a sua filiação no RGPS e
postular a contagem recíproca do tempo de contribuição do regime próprio. Nos termos
do art. 99 da Lei no 8.213/1991, o benefício seria pago na forma da legislação do regime
geral de previdência e de acordo com a contagem do tempo de contribuição, ficando in-
teiramente regido pelo RGPS.
6. Síntese conclusiva
28
A proposta aqui apresentada já encontra ressonância na jurisprudência. O Tribunal
Regional Federal da 5a Região, em sede de apelação no processo no 2004.83.02.005904-2,
adotou entendimento defendido neste trabalho, ao afirmar expressamente que o servidor
que teve a pena de cassação de aposentadoria decretada em processo administrativo disci-
plinar, apesar de não ter direito a reaver as parcelas da contribuição previdenciária já ver-
tidas ao sistema, poderia aproveitar o tempo de contribuição no RGPS. Ver TRF 5ª Região,
Apelação cível no 392178/PE, Rel. Des. Francisco Wildo, j. em 23/mar./2010. A mesma so-
lução também é defendida por João Batista Ribeiro: “Na hipótese em comentário, não há
qualquer proibição na legislação que impeça ao servidor público, aposentado pelo Regime
Próprio de Previdência que, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada
ampla defesa, tenha sido punido com a pena de cassação de aposentadoria, prevista no art.
134 da Lei no 8.112, de 1990, filie-se ao RGPS e, após o cumprimento da carência mínima
exigida (art. 24, §único, da Lei no 8.213/1991), aproveite a regra do art. 99, da Lei no 8.213,
de 1991, a fim de lhe garantir o direito à aposentação” (RIBEIRO, 2012, p. 65).
Sobre os autores
Marcelo Leonardo Tavares é doutor e mestre em Direito Público pela Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil; professor adjunto de Direito
Previdenciário da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro
(UERJ), RJ, Brasil.
E-mail: marceloltavares@globo.com
Estêvão Gomes Corrêa dos Santos é mestre em Direito Público pela Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (UERJ), RJ, Brasil.
E-mail: estevaogcs@gmail.com
29
Sem revisão do editor.
Referências
ATALIBA, Geraldo. Inconstitucionalidade de punições permanentes. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 33, n. 95, p. 15-25, jul./set. 1994.
BASTOS, Talita Ferreira; BEZERRA, Laerço Salustiano. A inconstitucionalidade da
pena de cassação de aposentadoria. Tributação em Revista, v. 19, n. 64, p. 40-43, jan./
jun. 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal,
Subsecretaria de Edições Técnicas, 1988.
______. Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos
servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais.
Diário Oficial da União, 12 dez. 1990.
______. Emenda Constitucional no 3, de 1993. Diário Oficial da União, 18 mar. 1993.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança n. 21.948. Relator: Min. Néri
da Silveira. Diário da Justiça, 7 dez. 1995.
______. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança n. 22.728/PR. Diário da
Justiça, 13 nov. 1998.
______. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental no mandado de segurança
n. 23.299. Relator: Min. Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, 12 abr. 2002.
______. Lei no 10.887, de 18 de junho de 2004. Diário Oficial da União, 21 jun. 2004.
______. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental no mandado de segurança
n. 23.219. Relator: Min. Eros Grau. Diário da Justiça, 19 ago. 2005a.
______. Supremo Tribunal Federal. Agravo de instrumento n. 504.188-6. Relator: Min.
Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, 11 nov. 2005b.
______. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental no recurso ordinário em mandado
de segurança n. 32.624. Relator: Min. Celso de Mello. Diário da Justiça eletrônico, 23 jun.
2014.
______. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de segurança n. 17.537. Relator: Min.
Arnaldo Esteves Lima. Diário da Justiça eletrônico, 9 jun. 2015a.
______. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental na suspensão de tutela antecipada
n. 729. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Diário da Justiça eletrônico, 23 jun. 2015b.
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4882.
Relator: Min. Gilmar Mendes. 2015c.
______. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 661.256. Relator: Min. Luís
Roberto Barroso. Diário da Justiça eletrônico, 2016.
CAMPOS, Adir Claudio. A impossibilidade de cassação da aposentadoria de servidor
público após a EC no 20/98. Fórum Administrativo, v. 13, n. 153, p. 9-15, nov. 2013.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 19. ed. rev. ampl.
e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.