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21902/
Organização Comitê Científico
Double Blind Review pelo SEER/OJS
Recebido em: 28.06.2015
Revista de Direito Administrativo e Gestão Pública Aprovado em: 01.09.2015
1
Helena Elias Pinto
RESUMO
ABSTRACT
Foundations of State liability has become a topic that deserves further study in Brazilian
doctrine. In general, doctrine is limited to invoking equality and fair distribution of social
security contributions for cases of liability for lawful acts. In cases of unlawful acts, the
appointed foundation is the principle of legality. However, there are more complex situations
(like the cases of liability for omissions) where mere invocation of these traditional
foundations have not shown to be sufficient or useful. Based on the results of bibliographic
and jurisprudential surveys, we seek to: a) explain what the shortcomings of the traditional
formulation are and b) verify if it is possible to update and\or upgrade the theoretical
foundations of State liability in order to better frame such subject regarding the prominent
constitutional dimension attributed to fundamental rights.
Keywords: Civil liability of the state, Civil liability by omission, Foundations of civil
liability
1
Doutora em Direito pela Universidade Gama Filho - UGF, Rio de Janeiro (Brasil). Professora Adjunto da
Universidade Federal Fluminense - UFF, Rio de Janeiro (Brasil). E-mail: helenaelias@gmail.com
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INTRODUÇÃO
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causador do dano para a proteção das vítimas (María Del Pilar Amenábar, 2008, p.
85). Entre outras consequências, as novas concepções produzem a denominada teoria
do risco, inspirada na vontade de ressarcir quem sofre um dano, dispensando -se a
existência ou não de culpa no comportamento do autor do fato.
Na segunda metade do século XX, com o fim da II Guerra Mundial, verificou-
se que o rastro de atrocidades por violação de direitos humanos no período da guerra
ensejou um movimento mundial pela ampliação da proteção dos direitos
fundamentais, sobretudo no plano de buscar eficácia para as normas constitucionais
que os estabelecem.
Com base em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial realizada, pretende -se,
ao longo do texto, expor as linhas mestras dessa evolução e realizar uma avaliação
crítica da atual visão da doutrina brasileira, com vistas a trazer subsídios par a uma
atualização dos fundamentos que têm sido adotados de forma praticamente uníssona na
doutrina pátria contemporânea.
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A situação não se altera com a Constituição de 1891 que, como a de 1824, não
continha norma prevendo a responsabilidade do Estado, mas apenas a responsabilidade
do funcionário em decorrência de prática de abuso ou omissão no exercício de suas
funções (art. 82).
Na vigência da Constituição de 1891 foi editado o antigo Código Civil,
promulgado em 1916, o qual acolheu a teoria civilista da responsabilidade subjetiva em
seu art. 15, que previa a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público por atos
de seus representantes que causem danos a terceiros, mas condicionava a incidência dessa
responsabilidade a uma atuação contrária ao direito ou ao descumprimento de dever
legal1.
Diante da dicção do texto legal de 1916 (que fala em atuação contrária ao direito
ou descumprimento de dever legal), verifica-se que a responsabilidade civil do Estado
tinha por fundamento a antijuridicidade da conduta do agente público (que se configurava
mediante sua atuação culposa), erigindo-se a culpa como um elemento essencial para a
configuração do dever do Estado de ressarcimento.
A Constituição de 1934 em nada alterou substancialmente este quadro normativo,
porque estabeleceu a responsabilidade solidária entre o Estado e o funcionário, de acordo
com o seu art. 171 – norma que se repetiu no art. 158 da Constituição de 1937.
Note-se que o art. 15 do Código Civil de 1916 foi recepcionado integralmente pelas duas
ordens constitucionais que se sucederam deste a edição do
Código.
Foi a Constituição de 1946 que, rompendo com a tradição que encontrava o
fundamento do dever de indenizar na culpa do agente, acolhe a responsabilidade objetiva
do Estado (art. 194), inspirado na teoria do risco administrativo. Passa-se, a partir de então,
a dispensar a prova da culpa do agente público ou mesmo da falta do serviço (culpa do
serviço).
A Constituição de 1967 e a Emenda nº 1, de 1969, praticamente repetem a norma,
não estabelecendo qualquer alteração substancial. Do mesmo modo, a Constituição de
1988 seguiu a tradição inaugurada em 1946. Trouxe a atual Constituição
apenas uma novidade: a inclusão, de forma expressa, das pessoas jurídicas de direito
1 A redação do art. 15 era a seguinte: “As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis
por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo do modo contrário ao
direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo direito regressivo contra os causadores do dano.”
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O que temos, nesse exemplo, é uma atuação estatal lícita que, entretanto, por uma
avaliação que somente é possível a posteriori, gerou um dano injusto, causando uma
situação contrária ao direito à luz do resultado e não à luz da conduta praticada, que foi
lícita, autorizada pelo ordenamen to jurídico. Esse tema será retomado adiante. Por ora,
contraste-se o entendimento do autor citado com outras referências doutrinárias.
O entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (2006, p. 961) não é
discrepante na essência, lecionando o autor que o fundamento se biparte, conforme se
trate de comportamentos ilícitos omissivos (princípio da legalidade) e comissivos
(princípios da legalidade e da igualdade) ou lícitos, assim como na hipótese de danos
ligados a situação criada pelo Poder Público (equâni me repartição dos ônus, princípio
da igualdade):
a) No caso de comportamentos ilícitos comissivos ou omissivos,
jurídicos ou materiais, o dever de reparar o dano é a contrapartida do
princípio da legalidade. Porém, no caso de comportamentos ilícitos,
comissivos, o dever de reparar já é, além disso, imposto também pelo
princípio da igualdade.
b) No caso de comportamentos lícitos, assim como na hipótese
de danos ligados a situação criada pelo Poder Público – mesmo que não
seja o Estado o próprio autor do ato danoso -, entendemos que o
fundamento da responsabilidade estatal é garantir uma equânime repartição
dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando que alguns
suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades
desempenhadas no interesse de todos. De conseguinte, seu fundamento é o
princípio da igualdade, noção básica do Estado de Direito. (grifo do autor) ,
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outro patrimônio distinto daquele do autor da falta, não pode ser considerada
como o fundamento mas somente a condição da responsabilidade. Quanto
à idéia de risco, el a implica somente uma correlação, uma relação de
causa e efeito e, por consequência, só pode ser uma condição, e não um
fundamento. 3 (tradução livre)
3 No original : “Il n´est pás rare que la faute (ou le risque) soient qualifiés de fondements de la responsabilité
de l´administration. Cette conception est critiquable. La faute (ou le risque) constituent seulement la condition
exigée selon les cas pour que l´administration soit tenue de réparer, mais non le fondement, c´est-à-dire la
justification de la responsabilité. En effet, en droit administratif, la faute ne peut jamais être imputée à
l´administration elle -même qui n´est qu´une entité (ou personne morale) dont il serait absurde de penser qu´elle
pût commettre des faut es; la faute est toujours le fait d´un ou plusieurs fonctionnaires, connus ou anonymes ;
ainsi la responsabilité étant supportée par un autre patrimoine que celui de l´auteur de la faute, celle -ci ne peut être
considéree comme le fondement mais seulement la condition de la responsabilité. Quant à l´idée de risque, elle
implique seulement une corrélation, une relation de cause à effet et, por suite, ne peut être, elle aussi qu´une
condition, non un fondement.”
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públicos. E, apesar de não existir norma constitucional expressa na Argentina que seja
similar à prevista na Constituição da República do Brasil, a doutrina nem por isso deixa
de reconhecer os fundamentos constitucionais da responsabilidade civil do Estado,
diretamente na previsão dos direitos fundamentais.4
A comparação com o ordenamento constitucional argentino é suficiente para
tornar mais clara a evidência de que o fundamento da responsabilidade civil do Estado
na atualidade não pode mais ser fundada exclusivamente no risco administrativo e na
igual repartição dos encargos sociais, pois tais referenciais já não são suficientes para
fazer frente à complexidade das relações estabelecidas na s sociedades
contemporâneas.
Tal mudança de paradigma é imperativa, diante da dignidade constitucional
atribuída aos direitos fundamentais e do papel do Estado como garantidor desses
direitos. Na doutrina estrangeira5, a antijuridicidade objetiva (revelada no dano injusto)
tem sido reconhecida como principal fundamento 6 da responsabilidade civil estatal a
partir da sua conjugação com o dever de proteção dos direitos fundamentais. A
identificação desse fator representa um significativo avanço para a elaboração
doutrinária de uma base sólida para a teoria geral da responsabilidade civil estatal. É
com a noção de dano injusto que o sistema de garantias da responsabilidade civil do
Estado adquire coerência e harmonia.
Essa perspectiva contemporânea, a partir da noção de antijuridicidade
objetiva, relaciona-se à virada do princípio da legalidade para o da juridicidad e. Nesse
4
Nesse sentido, consulte-se a lição de Roberto Dromi (1997, p. 766): “Si bien es verdad que en la
Constitución no hay un artículo que atribuya responsabilidad reparatoria por el daño ocasionado, hay
presupuestos fundamentales que consagran la reparación de los derechos ofendidos. Toda
responsabilidad reparatoria se funda sobre la ofensa de los derechos reconocidos y adquiridos: respeto a
los derechos adquiridos y de propiedad (art. 17), indemnización previa en la expropriación por utilidad
pública (art. 17); igualdad ante las cargas públicas (art. 16); seguridad y garantías individuales (arts. 18
y 43); garantía a la libertad (arts. 15 y 19); demandabilidad judicial del Estado (art. 116)
(CNFedCivCom, Sala III, 6/9/84, “Rey Serantes, Armando c/Banco Hipotecario Nacional, JA, 1985 -
II-491). Todo lo indicado sin perjuicio de los “derechos y garantías no enumerados, pero que nacen
del principio de la soberanía del pueblo y de la forma republicana de gobierno” (art. 33).”
5
Na doutrina estrangeira, Roberto Dromi (1997, p. 784 -785) e Jesús González Pérez (2006, p. 434)
são representativos dessa linha de entendimento. Na doutrina nacional, Cármen Lúcia Antunes Rocha
(1994) não indica expressamente esse requisito da antijuridicidade objetiva, mas se alinha à doutrina
estrangeira na abordagem do dano injusto, noção que remete à idéia de dano antijurídico (base da idéia
de antijuridicidade objetiva). Juarez Freitas (2005, p. 28) faz uso da expressão “lesão antijurídica”.
6
André Fontes (2001, p. 8), inspirado na doutrina produzida na Argentina, aponta os seguintes “fatores
objetivos de atribuição” (os “fatores subjetivos” apontados são a culpa e o dolo):
“No estado atual do conhecimento acerca dos fatores objetivos de atribuição, enumeram -se os
seguintes fenômenos: a) a solidariedade; b) a seguridade social; c) o risco criado; d) a eqüidade; e) a
garantia e tutela especial do crédito; f) igualdade dos ônu s públicos; g) seguro; h) critérios
econômicos.”
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sentido é que deve ser compreendida a afirmativa de Cármen Lúcia Antunes Rocha
(1994, p. 69) de que a essência do Estado de Direito “se expõe e se cumpre no princípio
da juridicidade administrativa combinado com o da responsabilidade do Estado”. Nessa
linha de raciocínio, afirma (1994, p. 97) que a antijuridicidade não reside “apenas no
exercício da competência regulamentar à margem, contra ou além da lei, mas também
na ausência de exercício desta competência, quando deva ela ser desempenhada e deixe
de sê-lo”.
J. J. Gomes Canotilho (1974, p. 13) destaca que o instituto da responsabilidade
civil “não se limita, no âmbito do direito público, a satisfazer as necessidades de
reparação e prevenção, à semelhança do que acontece no direito
civil”. E continua:
Como conquista lenta mas decisiva do Estado de direito,
responsabilidade estadual é, ela mesma, instrumento de legalidade. E
instrumento de legalidade, não apenas no sentido de assegurar a
conformidade ao direito dos actos estaduais: a indemnização por sacrifícios
autoritativamente impostos cumpre uma outra função ineliminável no
Estado de Direito Material – a realização da justiça material.
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de danos causados em legítima defesa dos casos em que o dano decorre d e atuação do
agente público em estado de necessidade?
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CONCLUSÃO
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BIBLIOGRAFIA
AMARAL NETO, Francisco dos Santos. Direito civil: introdução. 6. ed. rev. atual. e
aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21. ed. rev.
e atual. São Paulo: Malheiros, 2006.
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