Brinquedoteca Espaco Brincar

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ISBN: 978-65-87719-36-8

BRINQUEDOTECAS E OS
ESPAÇOS DO BRINCAR
NO CICLO VITAL
Celina Maria Colino Magalhães , Iani Dias Lauer Leite e
Luana Carramillo Going
(orgs.)
Chanceler Dom Tarcísio Scaramussa, SDB
Reitor Prof. Me. Marcos Medina Leite
Pró-Reitora Administrativa Profª. Dra. Mariângela Mendes Lomba Pinho
Pró-Reitora de Graduação Profª. Dra. Rosângela Ballego Campanhã
Pró-Reitor de Pastoral Prof. Me. Pe. Cláudio Scherer da Silva

Conselho Editorial (2023)


Profª. Dra. Mariângela Mendes Lomba Pinho (Presidente)
Prof. Dr. Fernando Rei
Prof. Dr. Gilberto Passos de Freitas
Prof. Dr. Luiz Carlos Moreira
Profª Dra Maria Amélia do Rosário Santoro Franco
Prof. Dr. Paulo Ângelo Lorandi

Editora Universitária Leopoldianum


Av. Conselheiro Nébias, 300 – Vila Mathias
11015-002 – Santos - SP - Tel.: (13) 3205.5555
www.unisantos.br/edul

Atendimento
leopoldianum@unisantos.br
Celina Maria Colino Magalhães
Iani Dias Lauer Leite
Luana Carramillo Going
(Organizadoras)

BRINQUEDOTECAS E OS
ESPAÇOS DO BRINCAR NO
CICLO VITAL

Santos
2023
[Dados Internacionais de Catalogação]
Departamento de Bibliotecas da Universidade Católica de Santos
Viviane Santos da Silva - CRB 8/6746

Brinquedotecas e os espaços do brincar no ciclo vital


/ Celina Maria Colino Magalhães, Iani Dias Lauer Leite
e Luana Carramillo Going (Organizadores). -- Santos
(SP) : Editora Universitária Leopoldianum, 2023.
188 p.

ISBN: 978-65-87719-36-8

1. Brinquedotecas. 2. Jogos. 3. Recreação. 4. Lazer. I. Magalhães,


Camila Maria Colino. II. Lauer-Leite, Iani Dias. III. Going,
Luana Carramillo. IV. Título.

CDU: e-book

Revisão
Organizadores

Planejamento Gráfico / Diagramação / Capa


Elcio Prado

Sobre o e-Book
Formato: 160 x 230 mm • Mancha: 130 x 190 mm
Tipologia: Goudy Old Style (textos/títulos)

Este e-Book foi produzido em novembro de 2023.

Colabore com a produção científica e cultural.


Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor.
SUMÁRIO

07 PREFÁCIO
09 APRESENTAÇÃO

13 O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?


Rosely Perrone
27 O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA:
VALORIZANDO SEU DESENVOLVIMENTO PLENO
Beatriz Picolo Gimenes

47 O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES FACILITADORES E


LIMITANTES NO CONTEXTO TERAPÊUTICO
Rafaela dos Santos Reis e Iani Dias Lauer Leite

61 SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: O BRINCAR E AS


PRÁTICAS INCLUSIVAS
Neide Maria Santos, Cláudia Benitez Martinez dos Reis e Luana Carramillo-Going

73 PRÁTICAS EDUCATIVAS EM UMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR


EM SANTARÉM: PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS
Andréa Reni Mendes Mardock e Elizabeth Teixeira

95 BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS


EDUCACIONAIS: CAMPO DE POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE
ATIVIDADES...
Shiniata Menezes, Ilka Bichara, Dalila Carneiro e Graziele Carneiro
119 “A CASA DO BRINCAR”: A IMPLANTAÇÃO DE UMA
BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE UMA INSTITUIÇÃO DE
ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ
Milany Santos de Carvalho, Adria Juliana Vasconcelos Sousa da Silva, Celina Maria
Colino Magalhães e Iani Dias Lauer Leite

137 BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO


HUMANO: REVISÃO NARRATIVA DA LITERATURA
Dalízia Amaral Cruz e Celina Maria Colino Magalhães
151 UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO DO VÍDEO GAME
COMO INSTRUMENTO PARA A SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS
Pamella Sanchez Mello de Pinho e Thalita Lacerda Nobre
165 O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA
MARÉ
Adelaide Rezende de Souza
183 SOBRE OS AUTORES/ORGANIZADORES
PREFÁCIO

E ntrelaçando o brincar com o fazer das brinquedotecas e de outros espaços


lúdicos de atenção à criança, esta obra apresenta ao leitor uma visão das di-
versas facetas com que a brincadeira se apresenta e das múltiplas possibilidades que a
dinâmica desses espaços oferta ao desenvolvimento das crianças.
Vivemos em uma época pós pandêmica, quando os laços vinculares entre a
criança e o adulto, seja ele professor, terapeuta, brinquedista, assistente social, agente
comunitário, entre tantos outros lugares de relação, foram profundamente afetados.
Ainda nos ressentimos fortemente dos efeitos negativos dessa realidade contemporânea
para o processo saudável de desenvolvimento e de aprendizagem.
É neste contexto social bastante difícil que o conjunto de pesquisas realizadas
pelo Grupo de Trabalho Brinquedo, Aprendizagem e Saúde da ANPEPP vem nos
trazer uma luz de esperança e de energia renovada, apresentando resultados de
pesquisas sobre o lúdico no campo da Psicologia, nos contextos da Saúde, Educação
e Políticas Públicas.
Como presidente da Associação Brasileira de Brinquedotecas, não poderia deixar
de ressaltar a importância que este campo de estudo e pesquisas vem ganhando na pós-
graduação em universidades da região Norte e Nordeste de nosso país.
Além disso, como o leitor poderá verificar, foram objeto de observação e
análise nos capítulos aqui apresentados, os mais diferentes contextos onde estão as
crianças, seja na instituição de acolhimento, na favela, na sala de recursos pedagógicos
no Atendimento Educacional Especializado (AEE), como também nas diferentes
modalidades de brinquedoteca - escolar, universitária, terapêutica, hospitalar e a
comunitária.
Esta ampliação de estudos que ocorre nos centros de pesquisa universitários
acerca das manifestações lúdicas em seus diversos ambientes está também patente nos
temas e subtemas que os fundamentam. Na presente obra, o leitor encontrará a riqueza
das facetas e miradas com as quais se acessam os fenômenos pesquisados, devido a ser
o brincar uma expressão genuína da nossa humanidade e da nossa humanização.
De fato, percorrem e organizam as diversas pesquisas aqui apresentadas, temas
centrais acerca da infância e das atividades lúdicas, como são: o desenvolvimento
humano, o desenvolvimento psicomotor e socioemocional, a constituição psíquica,
os processos de subjetivação e socialização, o brincar na sua conexão com a cultura e
o território.
Destaco alguns temas emergentes correlatos que propõem questões muito atuais
e de valor central para o desenvolvimento de atitudes e posturas na relação do adulto

7
com as crianças: brincar e gênero, a regulação das brincadeiras pelos adultos e o brincar
espontâneo, o brincar de crianças em inclusão escolar.
Preciosas contribuições, menos frequentes de se encontrar na literatura desta área
de pesquisa acerca do lúdico, valorizam a importância do lúdico desde o intraútero e
na primeiríssima infância, com as suas “janelas de oportunidades”.
Presentes na atuação lúdica do educador, seja ele informal ou formal, vemos
como de grande importância, trazer `a discussão o brincar livre e coletivo, o brincar
dirigido ou brincar mediado, o valor (ou terror?) dos jogos online e o brincar do
autista.
Falando desta última questão, em meio a tantas dúvidas acerca da inclusão de
crianças com TEA, como não sentir gratidão por podermos ter noção de quais são os
fatores facilitadores para a brincadeira de crianças autistas, de acordo com a pesquisa
em ambiente terapêutico, a qual também contribui com a observação de seus fatores
limitantes?
Devido à diversidade dos contextos enfocados e das questões relacionadas com
o fazer lúdico, da variedade dos grupos de crianças e adolescentes abordados pelas
autoras, com fundamentação teórica e prática, este livro nos brinda com uma atualizada
e rica contribuição para a formação lúdica dos estudantes e a continua qualificação
dos profissionais que desejam se ocupar, ou já se ocupam, da atenção à criança.
A criança pede o seu lugar de escuta e de sensível observação. E esta escuta e esta
observação não podem prescindir do seu brincar.

MARIA CELIA MALTA CAMPOS


Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano – IP/USP
Presidente da Associação Brasileira de Brinquedotecas – gestão 2021-2023.

8
APRESENTAÇÃO

E ste livro é resultado dos estudos realizados no âmbito do Grupo de Traba-


lho Brinquedo, Aprendizagem e Saúde vinculado à Associação Nacional de
Pesquisa e Pós -Graduação em Psicologia . Esse trabalho foi organizado a partir de
trabalhos teóricos e empíricos voltados para as diversas manifestações do brincar e as
brinquedotecas, em suas múltiplas formas.
O livro possui dez capítulos e objetiva apresentar os resultados de pesquisas
realizadas em Psicologia, por pesquisadores, docentes e discentes, membros do Grupo
de Trabalho, além de alguns convidados externos, de diferentes programas de Pós-
Graduação no Brasil. Os capítulos dessa obra foram organizados pensando no brincar
ao longo da vida humana e nas brinquedotecas em diversos contextos.
O primeiro capítulo, de autoria de Rosely Perrone, denominado de “O bebê
brinca desde o útero materno?”, enfoca de maneira teórica e reflexiva a sensrório-
motricidade e a intencionalidade comunicativa do bebê ainda no útero, que sugerem
os primórdios da brincadeira sensório-motora e do jogo de fort-da.
A seguir, Beatriz Picolo Gimenez aborda o tema das atividades lúdicas de bebês de
três anos, em seu capítulo “O brincar livre da criança de 1000 dias na brinquedoteca:
valorizando seu desenvolvimento pleno”, utilizando os referenciais da Fenomenologia
Existencialista e da Neurociência.
A importância dos ambientes e seus fatores facilitadores ou dificultadores para
o brincar de crianças autistas é discutido no capítulo “O brincar de crianças autistas:
fatores facilitadores e limitantes no contexto terapêutico, de Rafaela dos Santos Reis
e Iani Dias Lauer Leite. Este estudo analisou mediante observação uma instituição
especializada que atende pessoas autistas, buscando averiguar os elementos que
promoviam ou dificultavam a brincadeira nesse contexto. Os dados foram analisados
à luz da Teoria do Nicho de Desenvolvimento.
Em outro contexto, Neide Santos, Claudia Benitez e Luana Carramillo-Going
avaliaram a sala de recursos multifuncionais, o brincar e as práticas inclusivas. O foco
do trabalho foi garantir que a Sala de Recursos Multifuncionais atenda aos dispositivos
da Resolução nº 4 de 2009, do Conselho Nacional de Educação que instituiu as
Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação
Básica, modalidade Educação Especial e no Art. 5º, o Atendimento Educacional
Especializado (AEE).
O brincar no espaço hospitalar é relatado por Andrea Mardock e Elizabeth
Teixeira, no capítulo “Práticas educativas numa brinquedoteca hospitalar em
Santarém: percepção de acadêmicos”. Neste estudo, são relatadas as percepções de

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acadêmicos sobre as práticas realizadas nesse ambiente.
O contexto escolar é destacado no capítulo “Brinquedoteca como lugar de
crianças nos contextos educacionais: campo de possibilidades, continuum de
atividades…”, de Shiniata Menezes, Ilka Bichara, Dalila Carneiro e Graziele Carneiro.
O capítulo trata das brinquedotecas como locais privilegiados para a vivência das
complexas interações que acontecem nos grupos de brincadeiras (GB) e entre estes e
os adultos que atuam nesses espaços. Este capítulo aborda a brinquedoteca a partir de
dois enfoques e cenários educacionais distintos: relato de uma pesquisa realizada em
uma escola pública municipal de Salvador/BA, com crianças do grupo 5 da educação
infantil que brincavam em uma brinquedoteca improvisada; e relato de experiência de
duas bolsistas de extensão do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Feira de
Santana na brinquedoteca universitária.
O ambiente institucional é foco do capítulo “A casa do brincar: a implantação de
uma brinquedoteca no cotidiano de uma instituição de acolhimento no oeste do Pará,
de Milany Santos, Adria Juliana Miranda, Celina Magalhães e Iani Lauer Leite. Nesse
estudo, é relatado o processo de implantação da brinquedoteca, fruto de um projeto
de extensão vinculado à Universidade Federal do Oeste do Pará.
O capítulo “Brinquedoteca comunitária e desenvolvimento humano: revisão
narrativa de literatura” de Dalízia Amaral Cruz e Celina Maria Colino Magalhães,
traz uma contribuição teórica que objetiva descrever o panorama das produções
acadêmico-científicas sobre brinquedotecas comunitárias, destacando sua importância
para o desenvolvimento humano. O estudo apresenta delineamento transversal, com
caráter descritivo-exploratório e abordagem quanti-qualitativa dos dados.
A seguir, Pamella Sanchez Mello de Pinho, Thalita Lacerda Nobre apresentam
o capítulo “Uma proposta prática para a utilização do vídeo game como instrumento
para a socialização dos jovens”, no qual parte-se do pressuposto de que os modos de
interação social têm se modificado ao longo dos últimos tempos e o brinquedo como
ferramenta do brincar adquire um significado simbólico importante para a criança
e, atualmente, para os adolescentes e jovens adultos. A partir dessa constatação, é
proposta uma tecnologia social com alcance para a população pesquisada visando
oferecer plantões psicológicos online para os jovens, visando acolher esses sujeitos em
suas angústias e estimulando a reflexão e diálogo sobre os sentimentos inerentes ao
movimento da vida.
Finalizando, Adelaide Rezende traz o capítulo denominado de “O jogo do
zoar: expressões lúdicas em duas favelas da Maré”, no qual discute os registros das
brincadeiras de crianças no terceiro ano do ensino fundamental. Algumas consideradas
mais comuns, enquanto que outras apresentaram características que parecem estar
atreladas a cultura e a sociabilidade do território. Entre elas destaca-se o jogo de zoar,
uma espécie de jogo no jogo que representa duelos de afronta e resistência que aponta
para uma disputa que exige o improviso e a auto afirmação.

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Todos os capítulos ora apresentados trazem como fio condutor o brincar em
diferentes idades e contextos, assim como as diversas formas que as brinquedotecas
assumem de acordo com os espaços que estas ocupam. Os estudos realizados reafirmam
de maneira inequívoca, a importância do brincar, não importa a idade e o lugar.

As organizadoras

11
O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?1

Rosely Perrone

INTRODUÇÃO

C om os avanços tecnológicos das imagens da ultrassonografia e, mais tarde,


da ecografia 4D foi possível investigar o universo fetal e o processo para o
desenvolvimento do bebê in utero, assim como a dinâmica do seu comportamento
durante os diferentes estágios da gestação.
Estudos contemporâneos revelam que, em útero materno, o bebê é um ser humano
dinâmico em constituição, reage a estímulos e promove provocações, movimenta-
se, abre e fecha a boca, chupa o dedo, agarra o cordão umbilical, dorme e acorda,
entre outras ações, sendo inclusive, capaz de ter condutas organizadas, harmoniosas e
criativas (Fagard, Corbetta, 2014; Myowa-Yamakoshi, Takeshita, 2006; Piontelli, 1995;
Reissland, Austen, 2018; Reissland et al., 2014; Reissland, Francis, Mason, 2012;
Rotenberg, Marques, Menna-Barreto, 2003; Sparling, Wilhelm, 1993; Trevarthen,
2017). Essas realizações não ocorrem sem sentido; todos esses comportamentos
parecem se dar em busca de conforto associado ao prazer, de forma intencional.
A teoria da intersubjetividade inata presume que o bebê nasce com uma
predisposição para interpretar os estados subjetivos do outro e buscar trocas mútuas
(Trevarthen, 1993, 2004). Esse conceito aponta que, desde sempre, o bebê possui
capacidade de atuar, efetivamente, em interações com o outro, por meio de uma
linguagem multimodal (Trevarthen, 2019).
Nessa perspectiva científica, o bebê possui competência de comunicação ativa,
que lhe possibilita interpretar o outro e o entorno, fazer escolhas, expressar desejos
e revelar seus saberes, intencionalmente, ainda que em ambiente uterino (Parlato-
Oliveira, 2019; Trevarthen, 2019).
Esses achados trazem muitas reflexões acerca do início da vida, especialmente em
relação às experiências sensório-motoras e à intencionalidade comunicativa vivenciadas
pelo bebê in utero. Do que é capaz o bebê em ambiente uterino? A sensório-motricidade
do bebê intraútero seria a origem da brincadeira sensório-motora? Agarrar e soltar o
cordão umbilical pode ser interpretado como um jogo de fort-da? Será que o bebê brinca
intencionalmente em útero materno?

1
Este trabalho foi inspirado nos bebês in utero e suas mães. Contudo, ele é também resultado dos nossos
estudos com a psicanalista e pesquisadora Professora Doutora Erika Parlato-Oliveira.

13
O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?

O BEBÊ IN UTERO

As investigações recentes vêm mostrando muitas correlações entre o bebê e a sua


mãe e sugerem que, mesmo antes de nascer, ele já é dotado de muitas competências.
Suas habilidades comunicativas revelam um ser eminentemente organizado e,
sobretudo, complexo. Em útero materno, inicia trocas interativas de modo intencional,
executa ações coordenadas, expressa-se e se comunica pela linguagem corporal (Parlato-
Oliveira, 2019; Trevarthen, 2017, 2019).
A interação do bebê in utero com a sua mãe e com o entorno pode ser contemplada
pela vibração, o movimento, o tato e a gustação revelados pelas imagens no exame
de ultrassom ou de ecografia, envolvendo as dimensões dos aspectos sonoros, da
motricidade e da sensorialidade, cujo bebê exerce um controle ativo no processo.
O ambiente uterino constitui-se, de tal modo, em um núcleo ativador sonoro
para o bebê, facilitando a percepção dos sons internos, como os batimentos cardíacos
ritmados e os sons respiratórios e dos movimentos peristálticos maternos, assim como
a recepção dos sons externos. Intraútero, o bebê é capaz de diferenciar particularidades
do som que ouve em relação a intensidade, altura, familiaridade e direção. Pesquisas
com bebês pré-termo indicam que, ao ouvir o som da voz materna, a frequência
cardíaca e a taxa de sucção do bebê aumentam (Busnel, Granier-Deferre, 1983; Butler
et al., 2014; Fischer, Als, 2004).
Além disso, desde o útero materno, os ritmos biológicos já estão presentes no
bebê e vão se modificando ao longo do tempo, tanto quanto os ciclos ambientais
que promovem sua sincronização. Segundo Menna-Barreto e Wey (2007), os ritmos
biológicos em ambiente uterino são sincronizados pelos ritmos maternos. É o padrão
rítmico da atividade materna e as substâncias que chegam a ele que marcam um espaço
uterino rítmico.
Nesse sentido, as primeiras experiências vitais in utero, certamente, estão
absorvidas pela percepção dos ritmos maternos, que parecem servir a um primeiro
grau de organização psíquica em relação à presença-ausência (Prat, 2011). As primeiras
experimentações em útero materno são rítmicas, portanto, a vida é ritmo antes de
tudo.
Piaget (1942) tratou o ritmo como uma das três estruturas fundamentais da vida
psíquica, ao estabelecer as bases para a teoria do equilíbrio dinâmico humano, visto
que para ele, o ritmo gere os primórdios da ação, além dos mecanismos básicos da
percepção (Ratccliff, 1998).
A sensação e a percepção do ritmo in utero possibilitam ao bebê estruturar
suas próprias ações combinadas ao ritmo de sua mãe. O ambiente uterino permite
experiências férteis e valiosas que proporcionam a ele, o bebê, um saber particular
acerca de suas capacidades e da comunicação que estabelece com a sua mãe e o entorno.

14
ROSELY PERRONE

A teoria da musicalidade comunicativa mostra que existe uma natureza musical


intrínseca na interação humana. Desenvolvida a partir de estudos inovadores,
demonstra que na comunicação entre a mãe e o seu bebê existem padrões perceptíveis
de tempo, pulso, timbre de voz e gesto, antes mesmo dele nascer. Inesperadamente e sem
pretensão, a interação entre o duo mãe-bebê segue muitas das regras da performance
musical, incluindo ritmo e tempo (Malloch, Trevarthen, 2009).
Para Fagard e Corbetta (2014), o bebê explora dinamicamente o ambiente uterino,
realiza ações de maneiras diferentes e intencionais, além de perceber e memorizar
sons e cheiros. Para mais, apontam a existência de um balbucio motor fetal, isto é,
intraútero. O bebê experimenta as possibilidades de seu corpo ao usar o balbucio vocal
para testar suas capacidades de linguagem oral e seus efeitos no meio social em um
futuro não muito distante.
Os primeiros movimentos in utero são iniciados em torno da sétima semana
gestacional e coincidem com a formação das primeiras sinapses e da atividade elétrica
cerebral do bebê. Desde a décima quarta semana os movimentos das mãos já estão
presentes e a partir da décima quarta semana o bebê é capaz de tocar e sugar os
dedos e as mãos. Entre 28 e 30 semanas, ele se apresenta bastante ativo, com muitos
movimentos de mãos e expressões faciais. Por volta das 34 semanas o bebê sorri e há
um aumento da sua atividade flexora (Kurjak et al., 2008).
As investigações de Fagard e Corbetta (2014) evidenciam que há uma continuidade
entre a motricidade do bebê in utero e após o nascimento, ou seja, a sucção do mesmo
polegar, os mesmos gestos dos braços, o pedalar das pernas, entre outras ações.
Mostram também, que a maioria dos bebês, em útero materno, move o braço direito
mais do que o esquerdo e leva mais o polegar direito à boca do que o esquerdo, o que
revela uma tendência inata para a lateralidade motora.
Do mesmo modo, as pesquisas de Piontelli (1995) indicam não apenas uma intensa
motricidade nos bebês no intraútero, mas também a existência de notável persistência
em aspectos da vida pré e pós-natal. Suas observações revelam que os bebês pouco
ativos em útero materno, continuam passivos depois de nascer e que os movimentos
mais realizados pelos bebês ativos, como lamber e agarrar, são reproduzidos no período
pós-natal. Assim, parece haver uma conservação no comportamento que transita do
bebê, desde o útero materno, ao bebê após o nascimento e, por conseguinte, à criança.
Os estudos de Busnel e Granier-Deferre (1983) comprovam que, desde o
intraútero, o bebê é capaz de compreender e se comunicar, apresentando sinais
precoces não apenas de linguagem, mas sobretudo, de sensorialidade. Ao investigar a
sensorialidade em ambiente materno, escutando a linguagem do bebê, Busnel (1997)
constatou que as entradas sensoriais favorecem a sua comunicação desde o ambiente
uterino. Segundo a pesquisadora, o bebê possui uma linguagem, cujas expressões
manifestam uma intencionalidade e um enunciado numa gramática a ser desvendada
pela escuta do outro e do entorno.

15
O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?

Assim, as evidências apontam que os primeiros movimentos e comportamentos


de exploração, a sensorialidade e a ritmicidade vivenciadas pelo bebê, em ambiente
materno, são fundamentais para sua constituição psíquica, desenvolvimento e
crescimento, cujo processo é contínuo.
Por outro lado, o bebê, desde o início da vida, demanda uma interação com o
outro, com a sua mãe, que dará a sustentação necessária para a sua existência, tanto do
ponto de vista físico quanto afetivo. A maternagem implicada permite a constituição
subjetiva, o desenvolvimento e o crescimento do bebê, que participa ativamente da
interação, caracterizada, desse modo, como uma via de mão dupla. Há um enlaçamento
entre o bebê e o outro, entre ele e a sua mãe, cuja relação é regida por um cenário de
alienação e desejo (Parlato-Oliveira, Cohen, 2017).
À vista disso, observamos que a construção da vida está plenamente conectada
às experiências sensoriais, motoras e rítmicas, desde sempre, que são ancoradas
numa interação com trocas mútuas e dinâmicas entre o bebê e o outro e o entorno,
especialmente entre o bebê e sua mãe.

O BRINCAR

O brincar está presente desde sempre na narrativa da humanidade e nos


impulsiona ao campo da constituição do sujeito e do desenvolvimento. No quadro
Children’s Games, originalmente com o nome de Kinderspiele, em alemão, Pieter
Bruegel (1560), pintor holandês que retratou multidões e cenas populares, mostra
como o brincar e as brincadeiras eram vigentes no período do Renascimento, onde a
sociedade saia pelas ruas para que todos brincassem juntos.
Objeto de estudo e de domínio de importantes teóricos, pintores, poetas e
cientistas, o brincar caracteriza-se como uma das principais manifestações de linguagem
do bebê e da criança.
Nesse olhar, brincar é estruturante e alinhava o curso da vida, cruzando os
eixos da ontogênese e da filogênese da existência humana. Brincar agrega aspectos
exploratórios e renovadores, conduzidos pela sensório-motricidade e pelo ritmo do
corpo, sustentados na interpretação, na simbolização e na interação com o outro e o
entorno. Para mais, brincar implica em um envolvimento ativo.
Freud (1920/1996), ao tratar do brincar de crianças, discutiu principalmente a
brincadeira de seu neto de dezoito meses, o jogo do fort-da, que corresponde a uma
brincadeira de desaparecimento e aparição de um objeto. Com uma linha amarrada a
um carretel, repetidas vezes, o menino atirava o objeto segurando o cordão, de tal modo
que desaparecia de sua visão, ao mesmo tempo em que emitia o som “o-o-ó”, que Freud
decifrou como fort, isto é, “ir embora” no idioma alemão. A seguir, o menino puxava

16
ROSELY PERRONE

o carretel pelo cordão, emitindo o som “da”, entendido por Freud como “retorno”.
O jogo do fort-da foi interpretado por Freud (1920/1996) como uma encenação de
partidas e retornos da mãe, cujo menino representava o próprio abandono. Contudo,
por meio da brincadeira, foi possível uma mudança de posição, quer dizer, de um
lugar passivo, o menino deslocou-se para uma condição ativa, passando a ter controle
sobre a ausência do objeto (da mãe) e sentir prazer ao descobrir o seu domínio acerca
da desaparição. Repetir inúmeras vezes o jogo do carretel revelou, no menino, uma
demanda inconsciente de garantir o poder de reencontro do objeto ausente, guiado
pelo desejo de elaborar a sua angústia.
O jogo do fort-da é, portanto, um exemplo de envolvimento ativo que, segundo
Freud (1920/1996), possibilita a elaboração de acontecimentos desfavoráveis, visto
que, ao brincar, a criança reproduz vivências desagradáveis, desprendendo-se de
sentimentos negativos relacionados a experiências não agradáveis e torna-se dona da
situação.
Os estudos de Lacan (1964/1998) alargaram a leitura freudiana acerca do brincar,
outorgando uma característica estrutural à ação lúdica e um caráter linguístico,
justamente pela conexão com o significante, pelo movimento de posições e pela
operação simbólica que combina a alternância entre presença e ausência, no jogo
do fort-da. Para Lacan (1964/1998), trata-se de um jogo de ocultação, que articula
dois tempos primordiais da constituição psíquica: a alienação e a separação. Segundo
ele, essas são operações originárias da lógica formal que identificam o sujeito em sua
dependência significante ao lugar do Outro, representado pela figura materna no jogo
do fort-da. Na visão lacaniana, a repetição do jogo, com alternância entre presença e
ausência, sem a desaparição do Outro, constitui o modelo da lógica simbólica.
Logo, observamos um momento de suma importância para a estruturação
psíquica da criança no jogo do fort-da que proporciona o domínio do real e a realização
de desejos.
Piaget (1945/1978), em seu tempo, traçou uma curva evolutiva do brincar da
criança, iniciada pelas brincadeiras sensório-motoras em direção às brincadeiras
simbólicas e, em seguida aos jogos de regras. Ao atribuir ao corpo a organização do real
na criança, Piaget (1937/1979) afirmava que a organização da realidade física é a base
da autorregulação simbólica, ou seja, é o corpo que possibilita a formação do símbolo
na criança. Para ele, a formação do símbolo é explicada pela estrutura do pensamento
e se torna possível apenas com o início da representação, cuja manifestação ocorre por
volta dos dezoito meses.
Segundo Piaget (1945/1978), a partir do fim do primeiro mês de vida, a
brincadeira sensório-motora já é identificada no bebê, caracterizando-se como
um processo centrado no próprio corpo. Simultaneamente, a imitação também se
manifesta, mas como um prolongamento da atividade de acomodação, na medida em
que os comportamentos imitativos fazem parte de uma conduta que o bebê associa

17
O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?

a uma sequência de ações que tenta reproduzir, repetindo aquela já construída. Um


exemplo, para ele, seria o abrir, o fechar ou o chupar a mão.
Piaget (1945/1978) falava em descobertas casuais do bebê, que são circunscritas
ao seu próprio corpo, cujo resultado do exercício é o fortalecimento da ação motora
que tenderá a conservar-se e se aperfeiçoar. Segundo ele, nos primeiros dois meses de
vida, a imitação esporádica está presente no bebê, que repete alguns sons inclusive
aqueles que, espontaneamente, foi capaz de emitir. Assim também, a voz da mãe excita
a voz do bebê, que imita o som por ela produzido naquele momento, além de ser
capaz de imitar sons que não tinha emitido antes. Para Piaget (1945/1978), trata-se de
uma brincadeira de imitação com repetição e reconhecimento, sendo que o bebê, do
mesmo modo, é capaz de sorrir por contágio ou quando a mãe brinca e fala com ele.
Na atualidade, consideramos outras categorias do brincar do bebê e da criança
pequena: o brincar sensorial, que corresponde à exploração de objetos por meio da
percepção e da sensorialidade; o brincar funcional, que corresponde ao uso do objeto
em sua forma habitual; e o brincar de faz-de-conta, que se refere à brincadeira semi-
simbólica e simbólica, cujo surgimento se dá por volta dos quinze meses (Golse, 2003).
Para Roussillon (2004), o jogo pode ser tomado tanto como uma espécie de
funcionamento mental quanto como uma representação do trabalho psíquico. Ele
diferencia três etapas do brincar, que são intrínsecas e entrelaçadas: o brincar auto
subjetivo, que é bidimensional e se refere às ações autocentradas do bebê, trabalhando
a passagem da auto sensorialidade aos autoerotismos; são essas atividades do bebê
que possibilitam o sentir e o existir. A seguir, se refere ao brincar interativo, que é
tridimensional e compartilhado, o que favorece a construção da transicionalidade e
a aceitação da intersubjetividade, preparando o bebê para a ocorrência da linguagem
e pré-simbolizações. E, por fim, descreve o brincar intrasubjetivo, quando já há
exploração e criatividade proto-simbólica e simbólica, permitindo à criança sustentar
uma certa distância do adulto.
Seja em qual teoria for, o que verificamos é que o brincar faz parte do curso da
vida, não se restringe a tempo, espaço, lugar ou cultura e é sinalizador do processo
contínuo de constituição psíquica, do desenvolvimento e crescimento do bebê e da
criança.
Entretanto, embora o brincar seja revelador da evolução da existência humana,
entendemos que, hoje em dia, ele não pode ser tomado por ações caracterizadas por
uma ordem determinista para todos os bebês e crianças, uma vez que cada bebê é
único, cada criança é ímpar. O brincar é da ordem do singular assim como cada bebê
e cada criança também o é.

18
ROSELY PERRONE

O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?

O bebê humano, desde o início da vida, possui capacidade de fazer uso do corpo
de forma formidável. Pesquisas recentes (Fagard, Corbetta, 2014; Myowa-Yamakoshi,
Takeshita, 2006; Parlato-Oliveira, 2019; Piontelli, 1995; Reissland, Austen, 2018;
Reissland et al., 2014; Reissland, Francis, Mason, 2012; Rotenberg, Marques, Menna-
Barreto, 2003; Sparling, Wilhelm, 1993; Trevarthen, 2017, 2019) apontam que suas
habilidades e competências intraútero revelam-se por ações intencionais, que o
conduzem pelo caminho da atividade.
O uso do corpo pelo bebê é uma forma de conexão com ele mesmo, com o outro
e o entorno. Em útero materno, ele apresenta intensa sensório-motricidade ritmada,
experimentando seu potencial de velocidade, força e mobilidade, unindo-o ao prazer e
estabelecendo uma comunicação criativa, com propósito e desejo. Logo, o movimento
corporal do bebê, no ambiente uterino, envolve vários aspectos integrativos e,
essencialmente, significados.
A cada movimento que o bebê executa temos uma nova enunciação, ainda
que o movimento seja repetitivo; sua ação terá sempre uma outra velocidade e uma
entonação diferente. Nesse sentido, os movimentos que o bebê apresenta in utero não
são isolados, são uma resposta ao outro e ao seu entorno.
Segundo Trevarthen e Delafiekd-Butt (2016), o bebê nasce com um espírito
curioso e inventivo. Em investigações atuais, esses pesquisadores observaram ritmos
em ação e invenção lúdica que evidenciam progressos conforme o corpo e o cérebro
do bebê vão crescendo, o que caracteriza uma vitalidade fértil.
Após o nascimento, os primeiros sinais do brincar do bebê já são dados ao
ser colocado no seio materno. Ele demonstra prazer em abrir e fechar a boca, em
abocanhar e largar o bico do seio da mãe e em se enxergar nos olhos dela. Para mamar,
o bebê vai em direção ao seio, desloca o próprio corpo encontrando satisfação nesse
movimento e, ao mesmo tempo, gera prazer na mãe em amamentá-lo (Couvert, 2020).
Nesse sentido, o bebê é um sujeito ativo, sensível, inovador e provoca mudança no
outro, combinando ritmo e ludicidade (Trevarthen, 2017).
Os resultados das pesquisas de Nagy e Molnar (2004) mostram que, a partir do
segundo dia de vida, o bebê está apto para imitar um movimento do modelo. Além
disso, comprovam que o bebê possui capacidade de suscitar uma resposta imitativa
e convidar o outro para uma interação, isto é, de produzir uma provocação. Essas
imitações são acompanhadas por aumento da frequência cardíaca (Nagy, Molnar,
2004; Trevarthen, 1977). Um achado surpreendente nesses estudos é de que, além de
provocar uma resposta imitativa, o bebê sustenta uma interação.
As observações e os trabalhos de Brazelton (1961) com o bebê, também ressaltam
que, ao nascer, ele é um sujeito afetuoso e brincalhão, que busca significado na

19
O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?

interação. E sobretudo, segundo ele, a capacidade do outro para responder aos sinais
do bebê é primordial na relação.
Assim sendo, desde o final do século XX, muitos estudos vêm mostrando as
competências do bebê, inclusive in utero. Contudo, a passagem de um ambiente
aquático para uma atmosfera aérea, após nascer, impõe restrições às quais ele, o bebê,
tem que se adaptar.
A força da gravidade modifica os gestos do bebê e as limitações relacionadas a ela
são percebidas nas suas primeiras ações. Mesmo já sabendo levar a mão à boca antes
de nascer, o bebê não consegue romper a força da gravidade do ambiente aéreo no pós-
natal para realizar essa ação; trata-se de uma questão de força muscular. Um exemplo
disso, após o nascimento, é que raramente o bebê consegue atingir um objeto ao levar
os braços em direção a ele (Fagard; Corbetta, 2014).
De acordo com Bullinger (2015), em útero materno, o bebê vive em ambiente
amniótico de baixa gravidade e, depois de nascer, enfrenta a gravidade terrestre. A
experiência para vencer esse desafio é, justamente, o que suscita os reflexos tônicos,
que resultarão na posição anatômica humana de referência, ou seja, o ficar de pé.
As pesquisas constatam, desse modo, que o bebê humano nasce com capacidade
para realizar diversas e variadas ações, inclusive lúdicas, competência para a imitação,
interação e provocação, de forma proposital. Possui também habilidade para integrar
as informações de modalidades diferentes como: toque e visão, orientação da cabeça
para sons, coordenação do movimento mão-boca e mão-olho, ajustamento de
padrões rítmicos da sucção, entre outras (Seidl de Moura; Ribas, 2004). Para mais,
possivelmente, ele dispõe de inúmeros saberes que nem conseguimos imaginar por
agora.
Por outro lado, as investigações comprovam que, em ambiente uterino, o bebê
coordena os movimentos corporais e faciais para seu deleite, bem como para expressar
um diálogo afetuoso com um outro responsivo (Trevarthen, 2017).
Esses resultados asseguram que in utero já são constatadas experiências
intencionais não apenas consigo mesmo, mas também com o outro. Os exames
de ultrassom e ecografia 4D mostram os bebês manipulando o cordão umbilical
no intraútero, chutando e até mesmo arremessando uma gota de sangue deixada
por uma amniocentese, entre outras condutas. Agarrar e soltar poderia, então, ser
compreendido como um jogo de pré fort-da no útero materno (Prat, 2011).
Ou ainda, os movimentos de abrir e fechar os lábios no intraútero, que criam um
ritmo, ou seja, uma presença e uma ausência (Couvert, 2020), igualmente, podem ser
assimilados como um pré fort-da, visto que abrindo e fechando os lábios o bebê abraça
o líquido amniótico. Há um prazer muscular na ação de abrir e de fechar os lábios,
quer dizer, há um “sim” e um “não” presentes, sendo ele, o bebê, quem controla todo
curso dessas ações.

20
ROSELY PERRONE

É importante lembrarmos aqui que, até o final do século XX, os teóricos e


pesquisadores estruturavam os seus trabalhos num panorama em que o bebê era visto
sem emoções, desprovido de maturidade para sensações e percepções e não sentia dor.
Ele era definido pelo seu meio, sendo que tudo derivava, essencialmente, do desejo e
do saber do outro, da sua mãe.
Um longo caminho foi trilhado até que o bebê passasse a ser visto como um
sujeito ativo, com competências próprias, habilidade para sensório-motricidade
ritmada e capacidade comunicativa intencional, desde o útero materno.
Levar esse aspecto em consideração é essencial para abrirmos a possibilidade de
um novo olhar ao bebê humano e darmos acesso à escuta dos seus dizeres.
Nessa lógica, a rica sensório-motricidade apresentada no intraútero não pode
ser interpretada como exploração aleatória, tendo em conta todas as comprovações
científicas acerca da intencionalidade do bebê nesse ambiente (Fagard, Corbetta, 2014;
Myowa-Yamakoshi, Takeshita, 2006; Parlato-Oliveira, 2019; Piontelli, 1995; Reissland,
Austen, 2018; Reissland et al., 2014; Reissland, Francis, Mason, 2012; Rotenberg,
Marques, Menna-Barreto, 2003; Sparling, Wilhelm, 1993; Trevarthen, 2017, 2019). O
bebê possui a noção de corpo e o usa, propositalmente. O saber acerca do seu corpo é
o que lhe permite brincar e suprir sua satisfação para além da necessidade.
Logo, a brincadeira sensório-motora parece mesmo ter seu início no útero
materno, pois se o brincar autoriza o prazer e o prazer tem função estruturante, é no
brincar que o corpo é colocado. Ao agarrar e soltar o cordão umbilical, em ambiente
uterino, por exemplo, podemos dizer que o bebê brinca, posto que, ao realizar essa
ação, ele marca o “sim” e o “não” e assim faz com que o seu corpo seja engajado no seu
desejo e no seu deleite, sendo ele quem tem o domínio de toda essa façanha.
E ainda mais, o brincar não prepara o bebê e a criança para a linguagem; o
brincar é uma forma de linguagem. A comunicação do bebê com o outro e o entorno
é multimodal (Parlato-Oliveira, 2019).
Sabemos que brincar combina sensação, percepção, interpretação, organização,
simbolização e criatividade, entre outras capacidades na execução de uma ação, além
de, muitas vezes, o uso do corpo. Ao mesmo tempo, envolve emoção e júbilo. O que
conhecemos, atualmente, acerca do bebê in utero aponta que seus comportamentos se
articulam com essas qualidades e se apoiam na troca com o outro, com a sua mãe e o
entorno; ele se constitui e se desenvolve na relação, cujo outro, a sua mãe, desempenha
uma função crucial para sua constituição psíquica, seu desenvolvimento e crescimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os avanços científicos e tecnológicos aproximam-nos cada vez mais do universo

21
O BEBÊ BRINCA DESDE O ÚTERO MATERNO?

uterino e, embora ainda tenhamos muito a descobrir, já sabemos que o bebê humano
é mesmo um ser notável. Ele fala por meio de olhares, gestos, vocalizações, choro,
sorrisos, brincadeiras, enfim, ele é dotado de uma multimodalidade comunicativa.
Assim também, o bebê mostra fazer uso de sua sensorialidade e de seu corpo de
forma admirável, estabelecendo trocas com o outro e o entorno, com a sua mãe, desde
o ambiente uterino.
O bebê brinca in utero para seu deleite, por meio de movimentos e sensações, de
maneira ritmada, controlada e deliberada. Assim também, ele usa a brincadeira na sua
interação com o outro e o entorno, com a sua mãe, sendo justamente nesse enlace que
ele se constitui, desenvolve e cresce.
Em tempos atuais, consideramos que a interlocução entre diversas áreas do
conhecimento, tais como: Biologia, Epigenética, Música, Neurociências, Psicanálise,
Psicologia do Desenvolvimento, entre outras, é fundamental para pensarmos e
escutarmos o bebê.
Por isso, em todo este ensaio, estamos nos referindo sempre ao bebê em útero
materno e não ao feto, visto que todas as evidências científicas têm apontado que ele
já é um sujeito, desde o início da vida. E se é assim que o reconhecemos, é de bebê que
ele deve ser chamado.
O que sabemos hoje, distante de ser tudo, nos autoriza a olhar para ele, o bebê,
de uma outra forma e, com isso, fundamentalmente, reatualizarmos o nosso trabalho.
Por fim, verificamos que muitas questões em torno do bebê estão ainda por ser
respondidas. Mas, todos os indícios apontam que sim, o bebê brinca desde o útero
materno…
Vamos deixar que ele nos fale mais.

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS
NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO SEU
DESENVOLVIMENTO PLENO

Beatriz Picolo Gimenes

INTRODUÇÃO

“Nossa, como o Joãozinho cresceu! Ele está saudável, pois se desenvolveu


muito bem em três anos, desde a última vez que o vi!” (GIMENES,
2007)

É dessa maneira que as pessoas comumente se expressam, diante de uma crian-


ça que há tempo não a viam – através da observação parcial, consideran-
do “desenvolvimento” focado apenas em um de seus aspectos. A preocupação dos
pais ou dos responsáveis pela criança, geralmente, é centralizada nessa área percebida
mais visualmente - o corpo físico: crescimento e fortalecimento, envolvendo o aumen-
to do corpo ou de suas partes durante a maturação, limitando o conceito de saúde.
(GALLAHEU; OZMUN; GOODWAY, 2013).
Entretanto, em 1.947, a Organização Mundial da Saúde definiu o termo saúde
como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência
de doença”. Então, a criatura desde o seu nascimento encontra-se saudável se estiver
em um processo de modificação e maturidade orgânica, transcorrendo sem entrave
crítico consistente e que promova alguma situação adversa ao bom desenvolvimento,
sob a influência do meio em que vive. Além disso, a OMS prossegue em sua definição
de saúde mental, como “um estado de bem-estar no qual um indivíduo percebe
suas próprias habilidades, pode lidar com os estresses cotidianos, pode trabalhar
produtivamente e é capaz de contribuir para sua comunidade” (WHO, 2018, 2019).

O QUE É DESENVOLVIMENTO?

Para facilitar a compreensão no presente estudo, a ciência tradicional considera


desenvolvimento como a evolução ordenada e sistemática das potencialidades humanas
durante o crescimento e funcionamento do organismo humano, resultante das inter-
relações de fatores biológicos, afetivos-emocionais, intelectual, socioambientais e

27
O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

espiritual, ao longo do tempo. Tal processo envolve mudanças nas estruturas físicas e
neurológicas, cognitivas e comportamentais, que emergem de maneira ordenada e são
relativamente duradouras. Há transformações que parecem ser universais – aquelas
mudanças que ocorrem em todas as crianças, não importando a cultura na qual vivem
ou pelas experiências que tenham tido. Contudo há outras, que diferenciam os seres
individualmente, bem como aquelas, que dependem do contexto em que cresceram. De
modo que, esses três aspectos: padrões universais, diferenças individuais e influências
contextuais sejam imprescindíveis para se compreender o desenvolvimento da criança
(BEE, 1996, 1997; BRAZELTON, 1994; GALLAHEU; OZMUN; GOODWAY, 2013;
MYERS, 2012).
A visão da existência em estágios, mais considerada pelos pesquisadores, considera
cinco características de desenvolvimento que se diferenciam em: Multidirecional – a
modificação nem sempre é linear, pois desde ganhos-perdas, compensações e déficits,
crescimento previsível versos transformações inesperadas, são cenários na vida humana.
Multicontextual – cada existência humana está envolvida em diversos contextos,
predominando: biossocial, cognitivo e psicossocial entre outros. Multicultural – são
considerados os aspectos universais e específicos relacionados ao desenvolvimento,
tais como: valores, tradições e recursos para viver. Multidisciplinar – as áreas acadêmicas
vinculadas, especialmente: Psicologia, Biologia, Educação, Sociologia e, atualmente,
a Neurociência, Epigenética, Economia, Medicina, Antropologia entre outras,
possibilitando dados para uma visão mais ampla em desenvolvimento. E, no sentido
Plástico, o mais animador – cada criatura, e cada característica dela, pode ser alterada
em qualquer ponto do ciclo vital, isto é, tratando-se de vida humana, nada é construído
e fixo, sendo muito variável, como jamais foi suposto pelos cientistas. Convém lembrar
que o estudo do desenvolvimento humano tem essa separação didática para melhor
compreendê-lo, todavia, sempre haverá sobreposição, porque o desenvolvimento é
holístico – cada indivíduo cresce como um todo integrado (BERGER, 2016).
Em meados da década de 90, a partir da criação da estratégia de Atenção
Integrada às Doenças Prevalentes na Infância (AIDPI), houve a preocupação com o
desenvolvimento infantil, fazendo parte das ações de promoção em saúde da criança
propostas pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, 2005). Os Estatutos da
Criança e do Adolescente, referindo a tais fatores, sugerem o direito de a criança/
adolescente de ter, desde o nascimento, um desenvolvimento sadio e harmonioso,
em condições dignas de existência. Para isso, existem no Brasil 116,5 mil escolas de
Educação Infantil, cobrindo 8,5 milhões de matrículas de crianças de até cinco anos,
com suas famílias, conforme censo de 2017, recebendo um atendimento educacional
de qualidade (UNICEF/BRASIL, 2021a).
Assim, mediante os avanços na Neurociência, a criança passando seus primeiros
anos – especificamente “durante os primeiros 1.000 dias, desde a concepção até os dois
anos” de idade, em um ambiente estimulante e acolhedor, novas conexões neuronais
se formam na velocidade ideal, promovendo uma capacitação cognitiva para aprender

28
BEATRIZ PICOLO GIMENES

e pensar, a lidar com o estresse, influenciando-a beneficamente até quando adulta


(UNICEF/BRASIL, 2021b).

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR E SOCIOEMOCIONAL

Do nascimento a doze meses de idade

Todo ser humano cresce e se desenvolve em um ritmo que lhe é peculiar e


único. Enquanto o seu responsável vai se constituindo na maternagem, o bebê vai
se relacionando com esse e os demais membros da família. Sua única maneira de se
expressar ao nascer é pelo choro, podendo ser diferenciado posteriormente, se for de
dor física ou fome, apesar de ficar dormindo 60% de seu tempo em seus primeiros dias
de vida. Sua visão tem alcance curto, cerca de até 15 cm de distância com acuidade,
mas, como tem as mãos fechadas na maior parte do tempo, nada busca ao seu redor
por estar ainda centrado em seu corpo e em suas sensações (GIMENES, 1998, 2002;
GIMENES; LOPES; NAKANAMI, 2012).
Para o seu bem-estar, seu ambiente deve ser calmo e limpo, mantendo música
suave e de embalos. Sempre deve estar vestido com roupas confortáveis e uma camada
somente a mais que o adulto, por ter temperatura física mais elevada, mas também,
para melhor se adaptar a qualquer movimento volitivo com o corpo. Convém ter
sempre um pequeno apoio longitudinal macio (rolo) durante as horas de sono, pois
lhe é valioso sentir-se aconchegado (semelhança ao útero materno). A hora do banho
de imersão pode ser seu momento mais lúdico, se possível com aquela música rítmica
de fundo ouvida pela mãe, nas calmarias durante a gravidez, para haver o fator de
associação (GIMENES, 2002).
Sabe-se que o desenvolvimento psicomotor humano ocorre da posição encéfalo-
caudal e próximo-distal. Assim, a criaturinha vai se tornando cada vez mais interativa
com ela mesma, a partir do primeiro trimestre, ou seja, explorando as suas próprias
mãos porque as descobriu. Tornando-se mais sociável, acorda tanto para comer, quanto
para conhecer melhor o seu entorno. O sorriso é responsivo a algo de que gostou,
passando a ser intencional. Estão presentes então, a questão emocional, o ritmo de
gestos faciais e corporais e, tomando vulto, o aspecto relacional em sua existência
(GIMENES, 2011, 2020c).
Chega assim, aos quatro meses de idade, a sentar com e depois, sem apoio,
obtendo a preensão de panos/objetos, pois o campo de visão é aumentado para 90o.
Olha com atenção à sua volta e para o lado, de que surgem os sons, além de tentar
alcançar com o corpo, o objeto para o qual seu olhar foi atraído (GIMENES; LOPES,
NAKANAMI, 2020).

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

Desde o quarto mês, sendo colocado debruço com um rolo de apoio sob o
tórax, pode melhor alcançar e apreciar o espaço e brinquedos à sua frente, além de
fortalecer a musculatura do tronco e membros para o preparo do rastejar e o posterior
engatinhar, nessa fase que adentrou. Pode rolar o corpo para os lados, revertendo para
a posição ventral (GIMENES, 2002).
Já aos seis meses deve possuir uma rotina em sua vida, como dormir à noite toda
e ter sua soneca após o almoço. Isso lhe favorece para quando em vigília, estar mais
atento e ativo, descobrindo a forma, tamanho, peso e textura dos objetos.

Fig. 1- Foto da autora

Prosseguindo sobre o desenvolvimento sadio, essa busca natural por movimentar-


se por si mesmo, tem um fator interno desencadeante – a emoção! Sim, a emoção gera
a motivação, que neste estudo é considerada intrínseca e autorreguladora para o agir
e à saúde psíquica, comprovada pela Neurociência. Como esclarece o neurocientista
Antonio Damásio, as emoções são filogeneticamente transmitidas, existentes em nosso
cérebro antes de atingir a fase da razão pela experiência. Daí a necessidade de haver a
maturação do sistema nervoso, para a criança avançar nesse campo (DAMÁSIO, 2000;
GIMENES; PERRONE, 2020).
A partir dessa conquista sobre o corpo, nessa fase, além de brincar com textura e
sons, bem como no banho, com animais flutuantes, coloridos e com grandes olhos, é
intensificada a relação emocional com os pais, com pessoas extra-família e com outros
bebês na creche, por exemplo - “quando as cuidadoras permitem os bebês a se integrar
entre si, durante o horário de brincar, eles aprendem sobre interações importantes que
são suportes para as amizades” (KOVACH; PATRICK; BRILEY, 2012).
Ao engatinhar, pode aproximar-se da mobília e ficar de pé, dando os primeiros
passos apoiando-se em beiras. Os padrões sensórios-motores são lentamente substituídos
pelo funcionamento sentimental. E, também, começa a estranhar quando não

30
BEATRIZ PICOLO GIMENES

identifica alguma face como reconhecida. É nessa fase, que percebe que os objetos/
pessoas que somem de sua frente não desaparecem, daí sai à procura – caracterizando
a “noção de permanência de objeto” (GALLAHEU; OZMUN; GOODWAY, 2013;
GIMENES, 2020b).
Próximo dos sete-oito meses a intencionalidade é muito presente, encantando-se
com as músicas rítmicas, objetos sonoros, os jogos-surpresa do “vai-vem”, do cavalinho
sobre o joelho, e do “cuco” – quando o responsável vira o rosto de lado e volta-se para
falar: Cuco!

Fig. 2 – Foto da autora

Estando próximo dos 15 meses, já tem um ou dois brinquedos prediletos,


querendo levá-lo aonde for, ou até dormir com algum deles, pois isso o acalma,
internalizando o sentimento de pertencimento. A imitação copia a ação, ou o símbolo
dessa, havendo então, o jogo paralelo, e a identificação como processo mental. Come
já alguns alimentos sozinho, se desde os nove meses foi incentivado a certa autonomia
e a fazer algo independentemente (GIMENES, 1998).

DOS 15 MESES AOS TRÊS ANOS DE IDADE – FASE TODDLER

Durante o período do primeiro até os dois anos de idade, a criança já anda


e corre, busca a firmeza gravitacional e psicológica. Equilibra-se, rebola, pula, salta
e dança, amando as brincadeiras corporais – fase da psicomotricidade global. Seu
corpo, seu segundo brinquedo físico, depois das mãos. Quer fazer tudo sozinha e
afirmar seu Eu, como “individualidade, a qual está se constituindo, e deseja ser capaz
de fazer funcionar tudo por si mesma (GIMENES, 2023). Porque se não fosse isso,

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

qual a finalidade desta sempre e crescente conquista da independência?” É o que


indaga e afirma Maria Montessori (1949, p. 106), em suas reflexões. E prossegue: “O
primeiro instituto da criança é agir sozinha, sem a ajuda dos outros, e o seu primeiro
ato consciente de independência é defender-se daqueles que procuram auxiliá-la. Para
agir sozinha ela procura fazer um esforço sempre maior” (p. 106).
Convém lembrar que desenvolvimento, em seu significado próprio, implica em
favorecer para que a criatura se “des-envolva” ao longo da vida, isto é, “deixar de
ficar envolvido” pelo seu responsável. Na verdade, esse conceito tem base na palavra
autonomia, que, por sua vez, significa “viver por suas próprias normas ou regras, tendo
autoconfiança e agindo conforme suas decisões e escolhas”. E isso concerne em pensar
por si mesmo, em sentido cada vez mais crescente, pois quanto maior for o sucesso
consequente, promoverá o aumento constante de seu protagonismo (GIMENES,
2021a, 2022a).
É importante ressaltar que nessa faixa etária, a autonomia é relativa ao movimento
corporal, com possibilidades de pequenas tarefas manuais, porque a criança está em uma
fase de heteronomia, ou seja, as regras são estruturadas externamente, provenientes de
seus responsáveis, estando o estado de consciência moral ainda em nível inconsciente
e longe de se implementar. Enquanto isso, o “não”, que é aprendido socialmente, deve
já ter sido inserido desde a fase de bebê, como um princípio para observar limites,
identificado apenas pela diferença da entonação da voz e/ou do olhar facial, para não
bloquear a espontaneidade (GIMENES, 2000).
Assim, é necessário que a rotina, que se amplia nessa fase, porque a criança busca
novos espaços para satisfazer sua curiosidade, que é espontânea e não deve ser tolhida,
proporcione à criança o contato com os vários reinos da natureza existentes no planeta:
o mineral – terra e água, o vegetal – plantas diversificadas, principalmente com as
flores e, o reino animal – especialmente os domésticos: peixes, aves e mamíferos,
porque todos eles estimulam a emoção, pois a criança pequena que os “vê necessita
do toque”, integrando corpo e mente, pelos vínculos do enternecimento. Tudo o que
vê, melhor aprecia tocando! Ela “enxerga com os dedos”, diz um velho ditado, mas,
mesmo os animais de tecido são prazerosos ao tato!

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BEATRIZ PICOLO GIMENES

Fig. 3 – Foto da autora

O contato com a água, areia e terra são oportunos, são matérias amorfas, com
diversidade de manipulação, liberam energias retidas pelas tensões emocionais,
acalmando e divertindo. Na ausência dessas, pode ser utilizado o macarrão, por
exemplo.
Isso porque a criança controla melhor seu interesse pela ação visomotora tátil,
cuja percepção supera a representação (imagem do objeto que está sendo construída
em nível mental), internalizando a realidade à sua volta, isto é, o conhecimento sobre o
mundo. Inicia-se, assim, no universo simbólico - simbolização, base para a construção
e efetivação da aprendizagem, e o brincar de-faz-de-conta, cujo alicerce é estruturado
com o estabelecimento da memória – o conhecimento residual que fica! (KOVACH;
PATRICK; BRILEY, 2012; GALLAHEU; OZMUN; GOODWAY, 2013).
Quanto ao nível corporal, a psicomotricidade global vai refinando-se,
especializando a motricidade viso motora fina (olhos-mãos), pois, antes de um ano
de idade, a pinça manual já estava ativa para pegar pequeninas migalhas no chão ao
engatinhar, por exemplo, devido ter a percepção visual centrada em pequenas partes
do espaço. Entretanto, caminhando para os três anos, ela muda de lugar, ao realizar
tarefas sobre uma mesinha adaptada ao seu tamanho.
As atividades devem ser manuais simples e de curta duração, expostas clara e
objetivamente, à criança desde os 15 meses.
Nessa fase, paralelamente às atividades manuais, devem ser mantidas aquelas
psicomotoras globais de maneira lúdica consistentemente. Sintetizando: a tonicidade
(neuro motricidade), a equilibração (regulada pelo aparelho vestibular), a lateralidade
(direita e esquerda), a lateralização (dominância motora entre os membros superiores),
por meio de brincadeiras de rodas, que são rítmicas e cantadas; as competitivas, como
lenço-atrás, corre-cotia; as corridas cooperativas entre outras (GIMENES, 2011).

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

Figs.4, 5 e 6 - Brinquedos diversificados em tipos, formas, texturas e cores (Fotos da autora)

Destarte, sempre enaltecer a participação infantil ao valorizar a sua segurança


emocional pelos movimentos realizados; a capacidade criativa e produtiva sobre o que
é feito com as mãos especialmente; favorecer para que a sua competência seja percebida
por si, isto é, a avaliação feita de si - o autoconceito, que repercute na autoestima.
Lembrar que a emoção deve proporcionar sentimentos positivos, como: satisfação,
alegria, encorajamento entre outros.
Contudo, quando a criança se irrita, faz birra, ou berra, ela está enviando
uma mensagem ao seu responsável, sobre a qual não sabe melhor se expressar. Isso
pode ocorrer na relação existente entre pais-filho em idade Toddler, cujos cuidadores
“ignoram as prioridades para o pequeno ser, ocorrendo desequilíbrios emocionais
constantes, ainda mais se houver a ausência de bons hábitos e de rotina dentro do
lar”, por exemplo, então é “necessária a ajuda de especialistas ou da psicoterapêutica”
(KOVACH; PATRICK; BRILEY, 2012, p. 61).
Winnicott (1999), em sua obra “Tudo Começa em Casa”, aborda um tema,
intitulado: “A Delinquência como Sinal de Esperança”, que é o outro lado da face
do que até aqui foi exposto. Ele relata que a grande causa seja possível, a falha da
manutenção de contato que havia até um determinado momento – e algo se altera.
Afirma que tudo deve ter tido um início para com as crianças nessa condição... “E
nesse começo havia uma doença, e o menino ou a menina tornou-se uma criança
carente” (WINNICOTT, 1999, p. 82).
Prossegue esse psicanalista, afirmando que ele se baseia não em teoria complexa,
e sim, apenas em sua experiência, que é com crianças pequenas, que a causa não
provém das piores condições sociais, de assuntos gerais, como: miséria, lar rompido,
delinquência parental ou outros, e sim, que a “tendência anti-social está inerentemente

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BEATRIZ PICOLO GIMENES

ligada à privação” (p. 82).


Winnicott supõe que se a criança viesse fazer uma conferência sobre si mesma,
ela reproduziria o fato de quando tudo ocorreu e que ela já tinha idade suficiente
para entender as coisas. Porque, em psicoterapia, a criança é capaz de se lembrar pelo
brincar, ou no falar, os fatores básicos da privação original. Sintetiza, que esta situação
anti-social é “o impulso que dá à criança para que volte a um momento anterior, ou
ao momento à condição de privação” (p. 83). Isto porque ela vivenciou um nível de
ansiedade inimaginável, vindo então a reorganizar-se lentamente, até ao estado de
neutralidade: concordando com tudo. Porém, em dado instante, surge a esperança, de
retornar à situação anterior da privação e desfazer o medo da ansiedade superlativa
e do estado confusional experienciado – então “...a tendência anti-social transforma-
se numa característica clínica: a criança torna-se difícil” em nível de comportamento
(WINNICOTT, 1999, p. 84).
Assim, para evitar que a criança tenha problemas de relacionamento futuros graves,
urge que se tenha o olhar necessário de cuidado às suas necessidades desde bebê.

DESENVOLVIMENTO PERCEPTIVO-COGNITIVO E A LINGUAGEM

Atualmente, o que mais deixa uma família contente, é que seus filhos estejam
bem, principalmente em nível de escolaridade, para poder ter uma profissão futura e
que o favoreça financeiramente.
Sobre a questão de conhecimento, isso implica em aprendizagem, ou seja,
mudança comportamental decorrente de alteração sobre o modo de pensar a respeito
de várias situações-problemas. É fundamental emocionar-se ao saber ou conhecer
sobre algo. Porque a sapiência liberta o indivíduo do desconhecimento, que outrora a
ignorância o acomodava em um circuito muito restrito de ação. Agora, ao contrário,
quando se descobre a solução sobre tal desafio, há a amplitude do pensar que o
favorece, revestindo-o com as muitas possibilidades de agir diante do universo que se
abre à sua frente (MARINO Jr, 1975).
Hodiernamente, a Neurociência esclarece esse processo em nível cerebral: o
aprender deve ser um ato desejante para ser saudável, como a Psicopedagogia sugere desde
a década de 1990. E isso acontece quando o objeto a ser conhecido estiver conciliado ao
prazer e interesse do sujeito cognoscente, cujo estado mental conduz estímulos neurais
até à área do sistema límbico, a zona de prazer-recompensa, culminando, assim, no
aceite consciente; então o ato decisivo aciona a motivação intrínseca, favorecendo o agir
contextual - ocorrendo o fenômeno. (GIMENES, 2000, 2020a; GIMENES; PERRONE,
2021a). Como já citado pelo neurocientista Damásio (2000), as emoções estão presentes
no DNA e elas habitam o cérebro, antes mesmo do surgimento da razão, por isso a
formulação das leis da aprendizagem baseada em estatísticas científicas.

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

Fig. 7 – Janela das Oportunidades (DOHERTY, 1997 apud BARTOSZECK, 2007).


Fonte: Gráfico adaptado pela autora

As leis brasileiras recentes, para a Educação Infantil (BNCC, 2020), pontuam


seis fatores básicos para ocorrer a aprendizagem na infância: conviver, brincar, participar,
explorar, expressar e conhecer-se. Contudo, para isso ocorrer satisfatoriamente, aquele
que é responsável pela criança, tanto no lar, quanto na creche/educação infantil, deve
conhecer as potencialidades existentes na criatura desde o nascimento, para saber em
qual período elas despertam e como agir para promover o bom desenvolvimento de
todas elas.
Para que as potencialidades supramencionadas sejam concretizadas, elas carecem
de um investimento para isso: que sejam estimuladas e acolhidas em um contexto
ambiental propício, a fim de haver a sua manifestação em todos os aspectos, na realidade
social em que vive a criatura (Fig. 7 – Janela das Oportunidades). No entanto, dois
fatores essenciais têm que ser preservados; a espontaneidade e a autonomia relativa
precoce possível. Inicialmente, mediados pela responsável até 18 meses e dois anos
aproximadamente, como segurança psíquica e modelos constantes na formação de
sua identidade que ora se constitui, porque o infante cria hábitos pela experiência, se
desde bebê com os outros e de maneira sadia (GIMENES, 2021b).
A Neurociência da aprendizagem informa que na primeira infância: a visão
desenvolve-se de zero a seis anos de idade, conforme as condições saudáveis da criança,
podendo se estender até os oito (GIMENES; LOPES; NAKANAMI, 2012, 2020). O
desenvolvimento motor evolui desde o nascimento até os seis anos, depois haverá
refinamento e ampliação de atividades psicomotoras finas e as de manutenção em
nível global, individual e coletivamente (GALLAHEU; OZMUN; GOODWAY, 2013;
GIMENES, 1998, 2011, 2020c).
A linguagem, por sua vez, inicia em nível de “lalação” por volta dos nove meses,

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BEATRIZ PICOLO GIMENES

devendo ter uma dicção e bom vocabulário por volta dos oito anos. Ela evolui muito
com o hábito desde bebê, pois balbucia, faz vocalizações prolongadas. Sorri a todos
que dele se aproximam, sorrindo para ele. Há a troca de olhares com a mãe, desde
a amamentação (natural ou mamadeira) reconhecendo-a visualmente e, pela leitura
labial e a sonoridade, desde a gestação, confirmado pela epigenética (GIMENES;
PERRONE, 2022c).
A criança pequena ganha maior desenvoltura ao falar, se puder responder
oralmente, depois de ouvir a contação de história pelo responsável, por exemplo,
indagando-lhe a opinião do conteúdo. Esse hábito colabora no desenvolvimento do
senso crítico após os seis-sete anos de idade. Além disso, a leitura em voz alta favorece
lhe não somente para a linguagem oral e escrita, mas, também, à performance da postura
e oratória futuras (GIMENES, 2021b).
Essa época dos seis anos, é muito favorável para já se observar o controle
emocional da criança, que se manifesta desde os nove meses, atingindo um retrato
colorido desse aspecto aos dois anos de idade – cujas nuances chegam até ao entorno
dos seis. Sempre lembrando que as condições orgânicas da criança devem estar dentro
da normalidade da maioria de seus semelhantes, nessa faixa etária e como já discutido
por Winnicott.
Quanto à responsividade social, esse comportamento deve existir desde bebê
até os seis anos, para manter-se plausível como participante no grupo em que vive
e favorecendo em nível de cognição social. Entretanto, as habilidades sociais, essas
tomam maior vulto após os dois anos, progredindo de fato, até os oito anos de
idade, em pleno auge da educação fundamental. E tem estreito laço com a linguagem
e a formação do pensamento simbólico, que vai desde os 18 meses aos seis anos,
dependendo, deveras, da experiência física sobre os objetos!
O simbolismo acontece decorrente dessas experiências, para abstrair as essências
do mundo real em nível mental, que reaparece no ser humano sempre quando surge algo
novo, que se deseja conhecer. Também, o universo matemático, envolvendo a noção
de quantidade, não é “transmitido” pelo ensino alheio e nem nasce com a criatura,
tem que ser adquirido/construído pela própria criança explorando as características
do mundo físico, mas pode ser facilitado pelo adulto (GIMENES; GOMES, 2013).

O VALOR DO BRINCAR LIVRE E EM GRUPOS NA BRINQUEDOTECA

Brincar é a razão de existir do bebê e mesmo quando estiver mais crescido!


Todavia, quando o ser humano atinge os dois anos, o toddler, essa fase é
potencialmente muito rica para a mente, pelas descobertas, e, também, por ter o
domínio de seu maior brinquedo - o corpo, que leva as mãos dele até onde os olhos

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

direcionam! Sim, nessa idade, ele já se observa por inteiro no espelho – da cabeça
aos pés. Inclusive, manipula os órgãos genitais, época muito propícia para o “tirar
as fraldas” com o uso do penico. Também, já há um universo de conquistas feitas,
preparando-se para ser feliz na fase escolar que se desponta (GIMENES, 2022b).
Ele consegue fazer com o corpo muitas peraltices, brincando e experimentando
suas novas habilidades, como: o deslocamento pelo deambular; o transporte dos
brinquedos com carriolas de um lado para o outro; ou trepar em mesas e sofás para
alcançar algo que deseje. Aprecia imitar os adultos, suas expressões e posturas, além
de vestir seus adornos. Usa muito a massa para moldar, além de usar o giz grosso para
pintar (GIMENES, 2017a).
Nessa fase, a criança já consegue manipular brinquedos com partes-todo: como
cubos de empilhar, jogos de encaixe e formas geométricas. Gosta de construir legos e
alguns puzzles de tabuleiro. Além de explorar objetos usados nas rotinas da casa, tanto
os meninos como as meninas, como: colheres, caixas de plástico, vassouras, tachos,
panelas entre outros, bem como os brinquedos de puxar e de empurrar. Aprecia livros
com imagens, sonoros e táteis; filmes animados curtos, da TV ou tablete, que, até no
máximo quinze minutos, é saudável. E deve acompanhar no embalo corporal algum
gênero musical, acompanhando o ritmo da melodia se estiver habituado (GIMENES,
2017a).
Caso a criança esteja aproximando-se dos três anos, deve ir para alguma escola
tradicional? Não. Deve frequentar por meio período, uma brinquedoteca-escola, ou
seja, deve conviver em vários ambientes lúdicos com seus pares para brincar, porque
assim vivendo, acaba aprendendo divertidamente (Fig. 8 apud GIMENES; COTRIM,
2021, p. 134). O principal nessa idade é vivenciar todas as potencialidades permitidas
plenamente!

Fig. 8 - A Brinquedoteca Estruturada por Gimenes (Foto da autora).

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BEATRIZ PICOLO GIMENES

Atualmente, há muita informação a respeito do que seja uma brinquedoteca,


contudo é necessário, que ela tenha uma filosofia existencialista, para acolher no aqui
e agora toda a demanda da criança, encantando-a à primeira vista, com seus cantos ou
salas temáticas, atendendo às fases do desenvolvimento humano em suas linguagens
expressivas (GIMENES, 2019).
Gimenes (2020a) considera a brinquedoteca como um espaço lúdico de
aprendizagem e de inclusão de qualquer modalidade, descrevendo sobre todos os
ambientes nela existentes, desde aqueles fechados, quanto aos ambientes abertos,
fundamentados à luz da Psicologia Existencial e da Neurociência, cujos frequentadores
são desde o bebê até à idade adolescente, à família e ao idoso, sugerindo adaptações
para aqueles com limitações específicas.
Assim, na brinquedoteca, cada criança pode brincar livre e solitariamente,
em pares ou em grupos, socializando-se, além de descobrir e conhecer sobre seu
desempenho e aptidões de maneira emocionante e interessante, usando a criatividade
diante do desafio com sucatas, ao construir um brinquedo, por exemplo (GIMENES,
2017b).
Agora, descrevendo para uma criança/leitora, não-vidente, que vai “ouvindo/
vendo/imaginando” a cena narrada/fotografada por Gimenes, em um dia de 2016,
quando perto de 20 crianças em ação, de até três anos incompletos, vivenciam os
cantos temáticos da Brinquedoteca (GIMENES; COTRIM, 2021, p. 134). No meio da
sala, um garotinho pode andar de triciclo, enquanto outro, de cavalinho e aqueloutro
no automóvel de capota amarela, dirigindo/imitando o papai. Mais ao fundo, na
cozinha, próximos à janela, há um menino adiantando a comida, nem se importando
de usar a roupa de super-herói, porque lembra que o papai ajuda a mamãe nesses
afazeres domésticos. Bem como, a menina levando o seu bebê passear depois de sair
da banheira, ficando cheirosa; e ainda, tem aquele que pode comer uma fruta de
mentirinha, retirada da fruteira sobre uma mesa feita de fórmica; enquanto dois
rapazinhos, estão sentados em uma outra mesinha de madeira, em companhia de um
urso e de uma boneca gigantes, quase do tamanho deles.
Todavia, é impossível não observar, uma criança concertando um carro com
as ferramentas no espaço temático de locomoção, enquanto outro está diante da
penteadeira se arrumando com os enfeites ali dispostos. E, muito emocionante, é ver
a garota sentada na poltrona vermelha, em conversa com o astronauta famoso, Buzz
Light Year da Toy Story. Por fim, a elevada dinâmica da criançada, está sendo envolvida
ao embalo da risada e contentamento de todos, juntos à bicharada espalhada pelo
ambiente.
Podendo ser uma só criança, então, a evidência registrada da alegria, do
protagonismo e da autonomia, por vivenciar o fenômeno lúdico na brinquedoteca. -
Gosto de colocar uma máscara para ninguém saber quem sou!

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

Fig. 9 – Foto da autora

Portanto, a criança até os três anos já conseguiu aprender certas regras e normas
sociais. Conhece os pronomes pelo valor: isso é meu e isso é seu!
Aprende a zelar pelos brinquedos, se lhe permitirem; a guardar o brinquedo no
lugar para quando voltar e o desejar, ele estará lá! Além de aprender a repartir, esperar,
tolerar frustrações, construir objetos lúdicos em sucatas, a expressar seus desejos
com cordialidade, a se comunicar, com as palavras mágicas de respeito, entre outras
qualidades a conquistar.
Atingindo os três anos, possivelmente, então, já entende mais de 1000 palavras,
porque pergunta sobre tudo o que queira: o nome dos objetos; na linguagem oral
vai integrando progressivamente, os artigos, pronomes e advérbios; e, mesmo quando
tem “crise de personalidade”, opõe-se aos colegas, especialmente, para se afirmar
vigorosamente.
Já diferencia e reconhece algum objeto vendo apenas uma parte dele, desde que
o tenha explorado anteriormente. Faz pareamento, agrupando-os por semelhanças, a
começar pela cor, depois pela forma.
Também, desenha círculos e prossegue para um bonequinho, como sendo ela -
uma cabeça e dois palitos. Enumera os elementos que compõem uma ilustração, mais
por decorar a sequência numérica. E ama colocar a última peça na torre alta, depois

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BEATRIZ PICOLO GIMENES

de ter construídos muitos prédios com blocos de construção, com cores, formas e
tamanhos variados, ou combinado como um trenzinho, para derrubar tudo no final - é
muito divertido!
Uma apreciação que todos se encantam, nem que seja uma vez, é sentar-se frente
ao piano por gostar de sua música, ou de encenar com alguma fantasia, mesmo que
seja para se vestir de palhacinho, no Dia do Circo. Assim, brincar faz bem à saúde física
e mental, e, mesmo que a criança adoeça, sendo internada, ela receberá os cuidados
lúdicos em uma brinquedoteca hospitalar (GIMENES, 2020b).

CONCLUSÃO

A criança na faixa etária dos 1000 dias aproximadamente, deve ter com a família
uma relação permeada pelo diálogo constante, para que a comunicação fortaleça os
laços de pertencimento social e que os princípios éticos provenham do ambiente
caseiro especialmente. A identidade infantil, que ora se estabelece, que seja regada
pelo respeito à criança, como individualidade que é, não necessitando da constante
imagem do “ego auxiliar”, que não negligencia e nem superprotege.
Essa fase, pelo fato de a memória se estabelecer ao lado da emoção intensamente,
então à noite, durante o sono, há a manifestação de “terrores noturnos”. Eles podem
ocorrer normalmente, libertando as tensões do dia a dia da criança. Devendo o
adulto acalmá-la, ficando ao seu lado por um certo tempo, explicando que ela não
está só, oferecendo algum brinquedo de afeto, especial e de seu gosto. A ciência
confirma que “é efetivado o aprendizado” durante o sono físico sobre o conteúdo
construído em vigília. E caso algo não tenha sido controlado emocionalmente durante
a vivência prática (assistir animação/vídeos, esses não promovem a catarse), o medo e
a insegurança podem se manifestar durante o relaxamento do sono profundo.
Contudo, em vigília, as atividades devem sempre focar a ludicidade, estabelecendo
os princípios comentados no BNCC, pela prática da compreensão, da gentileza e da
calma, efetivando os vínculos no relacionamento, que levam à criação da admiração
sem conflitos e com as “almofadas” do afeto que acolhe.
Tais atitudes relacionais modelam comportamentos para resiliência, que está
sendo construída nessa fase, a fim de ser protagonizada pela criança diante dos desafios
que surgirem no futuro breve, promovendo a saúde mental. Esse preparo então, é base
para a fase de desenvolvimento das habilidades e competências do próximo ciclo vital,
entre os quatro e seis anos, que a guiarão como alicerce para vida fora - a de pequeno
explorador prático.
Criar confiança, com paciência e amor, adornados pela ludicidade e o bom
humor na maior parte do tempo, certamente oferece uma convivência feliz, mesmo

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O BRINCAR LIVRE DA CRIANÇA DE 1000 DIAS NA BRINQUEDOTECA: VALORIZANDO
SEU DESENVOLVIMENTO PLENO

que calcada na responsabilidade, mas com flexibilidade, balanceando entre alguns


“nãos”, porém, antecipados sempre pelos muitos elogios decorrentes das pequenas
conquistas sucessivas.

REFERÊNCIAS

BEE, H. A criança em desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,


1996.
______. O ciclo vital. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
BERGER, K. S. O desenvolvimento da pessoa: do nascimento à terceira idade.
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O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES
FACILITADORES E LIMITANTES NO CONTEXTO
TERAPÊUTICO

Rafaela dos Santos Reis


Iani Dias Lauer Leite

“As crianças não brincam de brincar. Elas brincam de verdade”.


Mário Quintana

INTRODUÇÃO

A melhor forma de compreender a realidade vivida pelas crianças é através do


brincar, por ser um meio de comunicação da infância e um comportamento
fundamental para o desenvolvimento humano. Ao brincar a criança expõe suas emo-
ções, transforma e analisa os acontecimentos sob sua ótica (Almeida, 2012).
A brincadeira acontece naturalmente conforme as interações ocorrem entre as
crianças e com os adultos. Dessa forma, elas aprendem, ganham habilidades e agem
ludicamente compartilhando brinquedos e atividades. Mas nem sempre esse processo
de desenvolvimento ocorre desse modo com todas as crianças, a exemplo das autistas
(Martins; Goés, 2013).
O transtorno do espectro autista (TEA) é “uma condição caracterizada pelo
desenvolvimento acentuadamente anormal e prejudicado nas interações sociais, nas
modalidades de comunicação e no comportamento” (AMERICAN PSYCHIATRIC
ASSOCIATION, 2013).
Embora apresentem essas características, as crianças autistas podem desenvolver
habilidades lúdicas, desde que o meio sociocultural, as interações sociais e com os
brinquedos, as brincadeiras e o tipo de abordagem sejam propícios ao desenvolvimento
(Freitas, 2008).
Essas crianças apresentam um modo de ser lúdico diferente, pois possuem
particularidades que refletem na qualidade do brincar, tais como: a dificuldade na
interação social que tende ao isolamento; linguagem restrita; potencial imaginativo
e imitativo limitado; e estereotipias que podem interferir na realização de atividades
lúdicas, entre outras características (Bernert, 2013).
Por isso, a importância de averiguar de que forma o brincar ocorre no dia a dia

47
O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO

dessas crianças, nos contextos nos quais estão inseridas, buscando identificar aspectos
ou características positivas e negativas para que o brincar aconteça, mesmo diante das
dificuldades inerentes ao TEA. Principalmente, por ser esta uma qualidade intrínseca
aos seres humanos.
Em vista disso, este capítulo apresenta resultados relativos aos agentes facilitadores
e dificultadores para o brincar de crianças autistas em um contexto terapêutico, no
município de Santarém, no Pará.

O BRINCAR E A BRINCADEIRA DE CRIANÇAS AUTISTAS

Durante nossa vida, a motivação e o modo como brincamos se modificam com o


passar dos anos, seguindo os processos de construção de habilidades motora, cognitiva
e social. Além disso, na dinâmica do desenvolvimento, a brincadeira é influenciada
sobremaneira pelo contexto, tanto pelos aspectos físicos que nos rodeiam, quanto
pelos aspectos inerentes as relações sociais disponíveis, seja nas interações sociais
consolidadas, seja através da cultura que contribui significativamente na construção
do indivíduo (Bichara et al., 2009).
Villela (2015) afirma que o brincar é a linguagem universal da criança, um
ato genuíno e intrínseco a essa fase da vida. Dessa forma, as crianças brincam não
porque um adulto ou uma instituição definiu que brincar é um conteúdo curricular
importante, mas porque é a forma como ela expressa seus sentimentos, pensamentos
e desejos.
Para Filocreão (2013), basta haver vontade e a brincadeira acontece, não importa
se o ambiente é ou não estruturado para essa atividade, se o brincante está sozinho ou
na companhia de terceiros. Qualquer objeto nas mãos de uma criança pode se tornar
brinquedo.
A criança aprende através da imitação, captando informações do mundo
circundante, a maneira como os adultos e os seus pares utilizam os objetos. Dessa
forma, ela passa a produzir imagens mentais dos objetos, a relembrar e a refletir sobre
os mesmos sem que precisem estar presentes. Posteriormente, com o desenvolvimento
da linguagem falada, a criança começa a usar símbolos para substituir esse objeto,
atribuindo-lhe outra função, que caracteriza a brincadeira simbólica ou, também,
chamada de faz de conta (Piaget, 1975).
Já as crianças autistas possuem dificuldades nos comportamentos ligados ao
brincar, no aspecto ausência ou diminuição de jogos ou brincadeiras de imitação
social variada e espontânea apropriada ao nível de desenvolvimento, descrito no
DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders-IV) como um critério de
diagnóstico para o TEA. Nesse sentido, o brincar da criança autista é compreendido

48
RAFAELA DOS SANTOS REIS e IANI DIAS LAUER LEITE

como um brincar não usual (López, 2012).


Um indício de comprometimento na interação social é a ausência da atenção
compartilhada durante uma atividade, ou seja, numa situação de brincadeira, essa
criança pode estar ao lado de outras, mas não brincando com elas (Chicon et al., 2018).
As crianças autistas apresentam dificuldades no brincar com outras crianças e em
fazer amigos devido possuírem habilidades sociais limitadas. Assim, é considerado que
as crianças autistas podem demonstrar uma preferência por objetos e não por pessoas
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2013).
Em relação a isso, Martins e Góes (2013) argumentam que é preciso um
distanciamento dessa concepção “objetos versus pessoas”, de que o autista evita as
pessoas, para que seu comportamento seja percebido sob outra perspectiva, sem
rótulos, podendo ser descoberta uma variedade de manifestações não esperadas no
desenvolvimento atípico.
No que diz respeito ao brincar de faz de conta, Fiaes e Bichara (2009) afirmam
que as crianças autistas brincam, similarmente, as crianças menores, ainda que estejam
em uma etapa do desenvolvimento mais avançada de acordo com a idade cronológica.
Fadda (2013) afirma que o ser humano tem a necessidade de ter um encontro
profundo com o outro, aquilo que é expressado, que é vivenciado, deve ser considerado.
Sejam os pais, professores, amigos ou terapeutas que o acolham, o compreendam e o
considerem, estes por sua vez devem ter a capacidade de compreender isso, de buscar
entender os silêncios e as falas que aparentemente não têm sentido.
Diante do exposto, é necessário destacar que além das características presentes no
brincar da criança autista, os múltiplos contextos de desenvolvimento podem elucidar
questões acerca do papel da brincadeira para as crianças autistas, principalmente,
quando apresentam interação com outras crianças (Fiaes, 2010).
Nesse sentido, Super e Harkness (1986) evidenciaram a importância do contexto
no desenvolvimento humano, no conceito de nicho desenvolvimental que aborda
influências extrínsecas ao organismo no seu desenvolvimento, englobando diferentes
níveis: (1) o ambiente físico e social, (2) as práticas de cuidado e (3) a psicologia dos
cuidadores.
Este capítulo apresentará somente o nível (1) o ambiente físico e social de modelo,
por se tratar de um recorte de uma dissertação fundamentada no conceito de nicho
desenvolvimental de Super e Harkness (1986), que buscou analisar as percepções
e práticas sobre o brincar, a brincadeira e a relação com o desenvolvimento
de crianças autistas na perspectiva dos atores sociais presentes na família, escola e
instituição terapêutica.

49
O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO

CONTEXTO E ASPECTOS METODOLÓGICOS

Dessa forma, considerando um dos preceitos desse modelo de desenvolvimento,


este estudo ocorreu no ambiente físico e social terapêutico (Associação de Pais e
Amigos dos Excepcionais de Santarém - APAE), no município de Santarém, no Pará.
Participaram desta pesquisa três crianças autistas com 6 anos de idade, que
receberam os pseudônimos Mário, Luigi e Alice, para que suas identidades fossem
preservadas e mantidas no anonimato.
Em relação à linguagem, Mário e Alice não falavam, diferentemente, de Luigi.
Foram realizadas observações individuais por meio de um diário de campo, que
aconteceram em um período de três meses, durante duas horas (tempo de duração do
atendimento), totalizando cinco observações de cada criança devido aos atendimentos
dessa instituição terapêutica serem realizados duas vezes por semana para cada criança,
e além dos finais de semana e feriados, houve algumas faltas.
O diário de campo apresentava numeração sequenciada dos dias (primeiro dia,
segundo dia...), com um roteiro referente ao brincar no início de cada uma delas.
Para nortear as anotações a serem feitas, esse roteiro continha as seguintes
questões:
1. Do que está brincando?
2. Onde está brincando?
3. Está brincando de forma programada ou voluntária?
4. Com quem está brincando? Quem são os participantes da brincadeira?
5. Está brincando com objetos? De que maneira?
6. Como foi a brincadeira?
7. Qual a duração da brincadeira?
8. Houve interrupções ou interferências externas?
9. Apresentou alguma preferência de brincadeira?
10. Como se comporta durante a brincadeira?
Desse modo, foram coletados os dados necessários para análise amparada pelo modelo
desenvolvimental de Super e Harkness (1986), para o alcance dos objetivos da pesquisa.
Por fim, destaca-se que este estudo foi desenvolvido adotando as exigências da
Resolução nº. 466, de 12 de dezembro de 2012, sobre pesquisa com seres humanos, do
Conselho Nacional de Saúde (CNS). Foram respeitados os princípios de autonomia,
beneficência, não maledicência, justiça e equidade.
O presente estudo foi submetido à anuência dos pais e da instituição terapêutica,
bem como dos profissionais, para aceitação e ciência, após os devidos esclarecimentos
dos objetivos e procedimentos da pesquisa para que pudessem assinar o TCLE (Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido).

50
RAFAELA DOS SANTOS REIS e IANI DIAS LAUER LEITE

RESULTADOS

As influências de outros contextos ambientais, externos ao contexto familiar


das crianças autistas, como a escola e a instituição terapêutica, quando frequentados
regularmente, são importantes a serem investigados no que se refere ao brincar e ao
desenvolvimento dessas crianças nesses locais. Principalmente, por serem contextos
propiciadores e/ou facilitadores no processo desenvolvimental dos autistas (Santos;
Ramos; Salomão, 2015).
O modelo de nicho de desenvolvimento de Harkness e Super (1994) determina
que para se analisar o desenvolvimento infantil é importante que se caracterizem os
contextos da criança, compreendendo o ambiente físico e social, sendo que estes têm
uma relação dinâmica com o desenvolvimento.
Para fins deste capítulo, serão apresentados os resultados relativos aos agentes
facilitadores e limitantes para o brincar de crianças autistas no contexto terapêutico.

Quadro 1 – Resultados de agentes facilitadores e limitantes relativos ao brincar

AMBIENTE FÍSICO

Agentes facilitadores Agentes limitantes


Espaço amplo, organizado, limpo e arejado; Sala de atendimento pequena.
climatização eficiente; presença de
brinquedos; e várias salas com diferentes
atividades.

AMBIENTE SOCIAL

Agentes facilitadores Agentes limitantes


Profissionais acolhedores que interagem com Dificuldade de interação entre as crianças
as crianças; trabalho em equipe; diversidade devido as especificidades de cada uma.
de atividades lúdicas.

Fonte: Autora (2022)

O contexto terapêutico é um local amplo, organizado, limpo e arejado. As salas


são climatizadas com centrais de ar e, ainda, existem várias árvores dentro e no entorno
da instituição.
Os brinquedos estão presentes nas salas de atendimentos e, ainda, possuem
diferentes salas para a realização de diversas atividades. Apenas, a sala de atendimentos
das crianças participantes é pequena.
Os profissionais interagem com as crianças, se ajudam, trabalham em
equipe. Contudo, a interação entre as crianças ocorre com dificuldades devido às
particularidades de cada uma, que depende do diagnóstico que possuem.

51
O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO

Na turma do Mário, não houve interação entre as crianças. Já na turma da Alice


e do Luigi, foi observada interação entre eles e com as outras crianças. Acredita-se
que as características individuais relacionadas aos déficits no desenvolvimento tenham
influenciado para que fosse assim.
Porém, as interações que ocorreram na turma de atendimento de Luigi e Alice
foram sutis quando comparadas com o que se espera para a idade de 6 anos.
A seguir serão apresentados trechos das observações do diário de campo que
mostram as variedades de espaços, brincadeiras e oportunidades para o brincar
presentes na instituição terapêutica que atende essas três crianças.

a. Observações do diário de campo – Mário

Esse tópico destina-se a mostrar os resultados de observações no contexto


terapêutico, transcritas do diário de campo.
Em um trecho do diário de campo, das observações do Mário, em um dia de
atividade na quadra de esportes da instituição, as crianças de todas as turmas foram
levadas, acompanhadas pelas professoras responsáveis.
Nesse dia, sem que a professora de Mário desse um comando verbal, ao chegar
na quadra imediatamente pegou uma bola de futebol e jogou em direção a cesta como
destacado no trecho a seguir:
“Ao chegar na quadra, foi correndo pegar a bola de futebol na quadra. Em seguida, ele
a jogou para cima em direção a cesta e começou a sorrir. Nesse momento, a professora
entrou na brincadeira e começou a pegar a bola e jogar para ele e à medida que ele jogava
na cesta, ela devolvia jogando a bola para Mário. Durante todo o tempo em que ficou
brincando com a bola e professora, Mário sorria”.
“Em outro momento, Mário começou a chutar a bola na trave. Ele fez um gol e a professora
comemorou batendo palmas e dizendo: goool!”.
Outra atividade proposta pela professora com a turma do Mário foi realizada no
jardim sensorial, um espaço da instituição em que as crianças são estimuladas a terem
contato com os elementos da natureza (água, terra, plantas, pedras etc.).
Esse local possui uma trilha com divisões que possuem diversas texturas como
cascalhos de tronco de árvores, areia, brita e grama. Existe, também, um espaço com
plantas, flores, regadores, torneiras e mangueira de borracha para brincarem com
a água e, ainda, uma árvore de grande porte. Dessa forma, é possível trabalhar os
sentidos da visão, do olfato e a percepção tátil. Além de ser um ambiente ao ar livre,
ventilado e amplo para brincar. Os trechos abaixo descrevem como tudo ocorreu no
jardim sensorial:

52
RAFAELA DOS SANTOS REIS e IANI DIAS LAUER LEITE

“Mário tirou os sapatos, caminhou na trilha acompanhado pelo seu pai; pisou no cascalho;
pisou nas pedras, mas rapidamente retirou os pés; pisou na areia e na grama. Tentou ir
embora, mas o pai o trouxe de volta”.
“A professora deu a mangueira ligada para ele molhar as plantas, molhou um pouco,
depois apertou na ponta da mangueira e começou a molhar as plantas distantes. Em
seguida, começou a esguichar a água da mangueira para o alto. Nesse momento, o pai
pediu para parar, ele molhou os pés e a professora. O pai disse que Mário ia molhar todo
mundo desse jeito. A professora sorrindo disse que lá para se molhar mesmo. Com isso, o
pai ficou mais tranquilo”.
“Mário se aproximou da torneira, a professora o chamou e disse que estava tirando uma
foto dele. Ele, imediatamente, olhou e mandou um beijo na direção dela. Depois começou
a passar a mão nas plantas”.

b. Observações do diário de campo – Alice

Nesse tópico, em alguns trechos do diário de campo, retirados das observações,


como Alice e Luigi são atendidos na mesma sala, buscou-se mostrar a interação entre
eles. No trecho a seguir, observou-se o uso de tintas guaches para pinturas:
“Alice acompanha a professora até o armário e a observa pegando as tintas. Luigi chama:
Alice! Alice! A professora pergunta: Vamos fazer uma mãozinha Alice? Alice sorri. A
professora passa tinta na mão de Alice que sorri bastante, olhando para sua mão. Luigi
diz: Legal! Então, a professora espalma a mão de Alice no papel”.
O trecho abaixo é de uma observação realizada na sala de música em que Alice
fica muito animada e tenta cantar apesar de não falar, mas consegue nesse momento
emitir sons no microfone como pode-se perceber a seguir:
“Alice pega o microfone e fica marchando pela sala como se estivesse cantando, emitindo o
som ah...ah...ah. A professora batuca na percussão e ao mesmo o professor de música toca
violão e canta uma música. Depois Alice deixa o microfone e passa a pular sorridente.
Durante a música se você está feliz, na parte que fala bate palma, Alice bate palmas.
Luigi toca o pandeiro”.
Na sala de dança com a professora de educação física, as crianças de várias
turmas se juntam acompanhadas das professoras responsáveis por elas, enquanto a
professora de educação física conduz as atividades, fazendo coreografias de dança e
dando comandos verbais. Já as professoras das turmas agem como mediadoras. Segue
abaixo um trecho dessa observação:
“Alice se aproxima de Luigi e pega nas mãos dele. Luigi olha e sorri. Alice observa

53
O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO

a professora de dança, imita a coreografia, me olha nos olhos e sorri (enquanto eu a


observava). Luigi senta ao meu lado. A professora chama: ‘bora’, Luigi! Nesse momento,
a professora começa a dançar carimbó e Luigi repete a coreografia que ela faz. Alice pula.
A professora responsável faz uma rodinha com os dois, balança os braços e gira. Os três
sorriem”.

c. Observações do diário de campo – Luigi

Esse tópico apresentará trechos das observações realizadas nos atendimentos do


Luigi.
“A professora passou uma tinta guache verde na mão do Luigi com um pincel. Alice
ficou observando a professora colocar a mão do Luigi na folha de papel. Nesse instante,
Alice começa a enfileirar os tubos de tinta e Luigi começa a sorrir no momento em que a
professora espalma sua outra mão com tinta no papel”.
“Luigi pergunta: professora, pode brincar? Ela responde que sim. Então, ele pega as letras
de E.V.A., senta-se à mesa e começa a encaixar. A professora diz para Luigi, que ele é um
menino muito educado. Enquanto ele encaixa, fica sonorizando ih, ih, ih. A professora
fala para Alice que ela pode brincar com o brinquedo que ela quiser. Alice olha para as
peças que o Luigi está encaixando. A professora pergunta: É esse que você quer? Alice olha
e Luigi coloca as peças próximas de Alice”.
“Na sala de música, o professor com o violão toca várias músicas. Em seguida, Luigi
reproduz essas músicas no microfone, uma delas é a música da borboletinha e a outra
é a música seu Lobato. Além de cantar, ele toca o pandeiro. Alice dança, fazendo uma
coreografia.”
Além dos resultados apresentados acima, será mostrado o que a professora
respondeu ao ser questionada sobre quando e como as crianças costumavam brincar.
Ela disse o seguinte de cada criança:
“O Mário, geralmente, todas às vezes... ele entrou na sala de aula já vai pegando o
brinquedo, qualquer brinquedo que ele goste. Geralmente é carro. Ele já senta lá e já
brinca. Não tem dificuldades pra brincar. Gosta de empurrar com bastante velocidade”.
“A Alice sempre, o propósito, na verdade, dela é mais brincar. Ela pega uma coisa brinca...
mas assim, ela pegou um tipo uma caixa dessas de blocos, ela vai lá brinca. Mas depois ela
não quer mais aquele, aí depois ela já pega outro brinquedo e vai assim ela vai brincando.
Mas ela gosta de brincar. Não tem dificuldade. Ela monta, ela vai montando jogos de
encaixe. É essa forma que ela brinca”.
“O Luigi sempre o brinquedo que eu coloco na mesa ele brinca. Ele é bem mais tranquilo
que os outros. Ele pede ajuda, né, quando ele não consegue. Ele pede ajuda pra mim

54
RAFAELA DOS SANTOS REIS e IANI DIAS LAUER LEITE

principalmente pra encaixar que é os jogos que ele mais brinca... os jogos de encaixe, né”.
Além disso, ela concluiu dizendo: “Ah, também, eles gostam... as atividades que eles
gostam historinha. Principalmente, a Alice e o Luigi. Eles gostam muito de historinhas. Quando
eu começo a contar ficam bem atentos prestando atenção... gostam de musiquinhas também, eu
começo a cantar... eles gostam de música”.

DISCUSSÃO

A inflexibilidade e rigidez no comportamento (insistência nas mesmas coisas,


adesão inflexível a rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não
verbal) são muito característicos nas crianças com TEA (Cipriano; Almeida, 2016).
Esse comportamento, presente na fala da professora, esteve mais frequente
no brincar do Mário que, muitas vezes, pegava o carro para ficar empurrando. Essa
preferência pelo brincar com carros exemplifica uma brincadeira evidentemente
marcada pela estereotipia de gênero, semelhante aos de meninos que possuem
desenvolvimento típico (brincadeiras de luta e transportes) (Fiaes; Bichara, 2009).
Isso mostra que Mário assimilou um padrão comportamental da cultura em
que está imerso, evidenciando que os contextos nos quais ele frequenta, também,
influenciam no seu modo de brincar.
Além disso, um ponto importante trata-se da falta de interação entre as crianças
da turma do Mário ao qual se considerou como o principal fator limitante para o
desenvolvimento através do brincar.
Em contrapartida, na turma da Alice e do Luigi a interação ocorria entre os
dois e, também, com as outras crianças. Atribui-se esse efeito ao fato das crianças
apresentarem menos comprometimentos nas relações sociais e, algumas, grau leve de
autismo.
No que se refere ao brincar solitário, Moraes (2012) afirma que há muito
que explorar ao seu redor, as formas, as texturas, os sons, as cores, os espaços, as
possibilidades de seu corpo etc.
Por outro lado, Chicon et al. (2018) diz que o homem se constitui nas relações
sociais e, desde o seu nascimento, a sua inserção no mundo social propicia-lhe
condições de desenvolver-se.
Ao brincar, a criança amplia sua imaginação, desenvolve também suas emoções,
pois esta acaba se evolvendo tanto com a brincadeira, que nem percebe em suas ações,
o sentimento de emoção e entusiasmo adquirido durante ela. Esse sentimento de
prazer e interação favorece o seu desenvolvimento (Silva, 2016).
Em relação ao ambiente social da instituição terapêutica, é um local facilitador

55
O BRINCAR DE CRIANÇAS AUTISTAS: FATORES FACILITADORES E LIMITANTES NO
CONTEXTO TERAPÊUTICO

para experiências do brincar, principalmente, tendo em vista a diversidade de atividades


desenvolvidas para as crianças. Contudo, mostrou-se um limitador devido às crianças
terem dificuldades de interação, principalmente, da turma do Mário.
Porém, a instituição terapêutica por ser um local que tem como objetivo principal
estimular a autonomia dessas crianças apresentou menos fatores limitantes quando
comparada com os fatores facilitadores, sendo assim, um contexto potencializador
para o brincar de crianças autistas.
Bichara et al. (2009) aponta que a brincadeira ao ser atrelada ao desenvolvimento
humano, permite visualizar o direito da criança a desenvolver suas aptidões, destacando
a necessidade de um comprometimento social com a criação de ambientes favoráveis
à brincadeira. Para essa autora, estudantes e profissionais de diversas áreas têm a
responsabilidade de alargar o entendimento sobre a brincadeira, em prol do bem estar
das crianças e para expandir esse conhecimento.
Os resultados apresentados na presente pesquisa se assemelham aos encontrados
no estudo de Ruela e Moura (2007) ao mostrar que, independentemente das
características apresentadas nesses locais, espaço disponível, móveis e objetos, em
qualquer dos casos, o ambiente revelou características que ora agem no sentido de
limitar ou de facilitar experiências desenvolvimentais.
Cipriano e Almeida (2016) destacam que o brincar acarreta em diversos benefícios
para as crianças com autismo, favorece a formação de vínculos afetivos, o estabelecimento
e aprofundamento das relações, amplia sua comunicação e compreensão, melhora
a expressão de sentimentos e insatisfações e, consequentemente, possibilita maior
qualidade de vida.
Dessa forma, destaca-se que é importante promover condições favoráveis no
ambiente físico para que as crianças desenvolvam atividades que lhe são postas, sendo
ainda, igualmente, relevante nesse processo o ambiente social, onde os atores sociais
presentes podem oportunizar o brincar de modo a desenvolver as capacidades das
crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste capítulo, buscou-se abordar essa temática tendo como enfoque o


contexto atrelado à presença do lúdico em uma instituição terapêutica que atende
crianças autistas que apresentam limitações, que podem influenciar diretamente no
desenvolvimento de habilidades lúdicas.
O intuito principal é destacar as influências e as possibilidades que um
determinado contexto pode ter na aquisição dessas habilidades, especialmente, nas
crianças autistas.

56
RAFAELA DOS SANTOS REIS e IANI DIAS LAUER LEITE

Além disso, é necessário destacar que apesar de terem sido apresentadas as


características peculiares ao TEA, o principal objetivo deste estudo não se limitou
ao que já está pré-estabelecido na literatura científica sobre o TEA, percebeu-se que
era preciso trilhar novos caminhos para a compreensão do que ainda não havia sido
investigado.
Diante ao exposto, concluiu-se que este estudo apresentou subsídios para o campo
do desenvolvimento infantil, mostrando um contexto enriquecedor com a presença de
adultos que proporcionem um meio adequado para que o brincar aconteça, pois tem
uma influência maior no processo desenvolvimental de crianças autistas do que as
limitações relacionadas às interações entre as crianças com necessidades especiais que
são atendidas em uma instituição terapêutica.

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RAFAELA DOS SANTOS REIS e IANI DIAS LAUER LEITE

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59
SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: O BRINCAR E
AS PRÁTICAS INCLUSIVAS

Neide Maria Santos


Cláudia Benitez Martinez dos Reis
Luana Carramillo-Going

INTRODUÇÃO

O planejamento é uma das estratégias pedagógicas para que a escola possa


sistematizar as suas ações. Essa organização requer da equipe interprofissio-
nal, a tomada de decisões, das intervenções educativas, efetivadas por meio de planos
de trabalho docentes, promovendo o acompanhamento e avaliação dos estudantes.
O capítulo tem como objetivo apresentar a relevância do lúdicos na sala de
recursos multifuncionais (SRM) para os docentes no enfrentamento aos desafios e as
necessidades de práticas inclusivas no cotidiano do universo escolar e tem como base
os estudos de Santos (2021) e Reis (2021).
O desenvolvimento de um projeto que envolva a SRM, necessita de um
processo interdisciplinar, um diálogo contínuo entre os pares, com um raciocínio de
abertura do conhecimento entre as áreas de estudos científicos e tem como objetivo a
comunicação entre os saberes, onde cada ciência dá a sua contribuição, preservando
os seus conceitos e métodos.
A interdisciplinaridade nas práticas inclusivas e o pensar sobre a SRM requer um
trabalho em comum, em que é considerada a interação dos componentes curriculares,
de seus conceitos, as diretrizes, a metodologia, o planejamento dos instrumentos e
dos jogos lúdicos da sala e os procedimentos de cada conhecimento. Para ser viável
esse plano de trabalho inclusivo, não se pretende anular o conhecimento científico
de cada ciência específica, mas sim, uma maneira de impedir que seja estabelecida a
supremacia de uma determinada ciência, em detrimento de outra.
Dessa forma, a prática interdisciplinar na elaboração da SRM dirigida para uma
reflexão inclusiva, exige que cada especialista ultrapasse os seus próprios limites,
abrindo-se às contribuições de outras disciplinas. Assim, “[...] a interdisciplinaridade
terá como propósito uma relação de correspondência mútua, que pressupõe um modo
diferente a ser assumido diante da questão do conhecimento, isto é, substitui a visão
fragmentária do ser humano pela concepção unitária” (FAZENDA, 2008, p. 18).
O trabalho educacional e interdisciplinar requer, por parte da gestão escolar e

61
SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: O BRINCAR E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS

dos docentes, a organização administrativa e pedagógica, quanto à estruturação do


trabalho escolar no atendimento diferenciado para as práticas inclusivas, por meio
de um Plano de Ensino Individualizado (PEI), a fim de possibilitar o intercâmbio e o
apoio entre os profissionais externos.
Numa inserção psicoeducativa e social, ao dialogar sobre o lúdico e as estratégias
pedagógicas, a comunidade escolar deve estar engajada para que haja o acolhimento
e a inclusão desses estudantes. Aceitar a diversidade significa situá-la como base
inicial no PEI e uma intervenção pedagógica adequada de tal forma que permita a
cada estudante, em particular, progredir de acordo com a sua capacidade, isto é, no
seu tempo e no seu espaço, considerando a sua individualidade e o atendimento às
necessidades específicas.

SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS (SRM): O LÚDICO NO


PROCESSO INCLUSIVO

Dentre as legislações, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394/96


estabelece em seu artigo 59, no Inciso I, que os currículos, métodos, técnicas, recursos
educativos e organização específicos devem atender as necessidades dos estudantes
com deficiência nos sistemas de ensino.
Nesse contexto, a educação inclusiva tem como objetivo identificar e analisar a
contribuição da escola quanto ao trabalho pedagógico desenvolvido pelos docentes
e demais educadores, sobre a organização estrutural, arquitetônica e pedagógica dos
espaços e o tempo no ambiente escolar.
Dessa forma, para a concretização do projeto de inclusão de uma escola, a SRM
deve ser defendida como um espaço para intervenção especializada e individualizada,
como suporte na estrutura e organização das atividades didáticas (GALVÃO FILHO
E MIRANDA, 2012).
A Resolução nº 4 de 2009, do Conselho Nacional de Educação, instituiu as
Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado na Educação
Básica, modalidade Educação Especial e no Art. 5º, o Atendimento Educacional
Especializado (AEE) é realizado, prioritariamente, na SRM da própria escola ou em
outra escola de ensino regular.
Nesta perspectiva, quanto à organização da SRM, conforme estabelecido na
legislação, este ambiente deve ser um espaço de educação inclusiva para auxiliar o
trabalho do docente em sala de aula, no período regular das aulas, com espaço físico,
mobiliário, materiais didáticos, recursos lúdicos, pedagógicos e de acessibilidade aos
estudantes com deficiência.
Importante ressaltar que a SRM deve ser composta por instrumentos, materiais,

62
NEIDE MARIA SANTOS, CLÁUDIA BENITEZ M. DOS REIS e LUANA CARRAMILLO-GOING

brinquedos e jogos que levam em conta a regionalização da escola e as necessidades


comunitárias, não tendo um modelo pronto. Outro ponto a ser destacado é que
material lúdico deve ser planejado pela equipe de profissionais embasados em estudos
científicos, pois, muitas vezes o lúdico não é considerado um direito dos alunos na
comunidade escolar.
A equipe interdisciplinar responsável por elaborar o projeto de práticas
inclusivas para ser desenvolvida na SRM, com a meta de estimular por meio do lúdico
as relações, cognitivas e socioafetivas pode ter como fio condutor, entre outros, os
estudos de Piaget (1936/1970) (1945/1971), pois estes apontam que para a progressão
da criança e do adolescente se deve levar em conta dois pontos: a necessidade da
interação do sujeito com o meio e a construção das suas funções pré-determinadas.
Para o autor o desenvolvimento lúdico envolve três estágios:
a) o jogo de exercício, característico do período sensório motor, pode ser
trabalhado ao longo do desenvolvimento do sujeito, a relação psicomotora, a
interação contínua do sujeito com o meio através da ação sobre o objeto, da
construção da imagem corporal, do jogo da imitação. Na sala é necessário pensar
em um espaço para que o brincante se sinta convidado a explorar por meio
dos cinco órgãos dos sentidos, diversos objetos, formas, texturas, temperaturas,
espessuras, cores entre outros aspectos a serem estimulados.
b) o jogo simbólico é desenvolvido no período pré-operatório onde este nível
conduzirá a criança para a representação no que se refere à imagem do objeto
evoluindo para o jogo do simbolismo, da imaginação, possibilitando a construção
da formação da representação simbólica. A SRM tem que levar em conta o
aspecto mágico fenomênico possibilitando brincadeiras como o faz de conta,
desenvolver o imaginário por meio da oralidade, contos de fadas e narrativas
infantis, promover momentos que envolvam a Arte por meio das canções,
folclore, da pintura, da escultura e da dramatização.
c) jogos de regras, de construção, jogos tradicionais ou jogos eletrônicos sejam
grupais ou individuais. A sala precisa contemplar uma quantidade significativa
de jogos de tabuleiros, quebra cabeças, resta um, baralho, cara a cara, dominó,
pega varetas, entre outros, como também brincadeiras folclóricas para os espaços
livres ou de chão da sala que envolvam regras, e tablets ou computadores para
jogos eletrônicos.
Para promover a interação do estudante no processo de ensino-aprendizagem,
é importante que os materiais de apoio, como brinquedos, jogos, música e outros
recursos didáticos e lúdicos, sejam selecionados de acordo com as suas necessidades
individuais e específicas. Nessa acepção, a estruturação da sala requer que a disposição
dos materiais lúdicos e pedagógicos seja arrumada de forma simples e fluída, para que
não haja estímulo em demasia (CUNHA, 2019).

63
SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: O BRINCAR E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS

No contexto da prática inclusiva em algumas circunstâncias, é necessário um


atendimento pedagógico mais individualizado e, nesse momento, a sala de apoio
especializada apresenta-se como um ambiente propício para que as crianças ou
adolescentes possam realizar as atividades de maneira mais concreta e lúdica.
Nesse sentido, é relevante considerar que este ambiente destinado à saúde
emocional, psicomotora e ética possibilita ao estudante a participação nas propostas
apresentadas e a aquisição de novas competências, à medida que as barreiras no
processo de ensino-aprendizagem da sala comum são eliminadas.
Para que isso ocorra é imprescindível por parte da equipe de profissionais
o cuidado de conhecer cientificamente quais são as características de cada criança
ou adolescente e levantar suas necessidades significativas de aprendizagem, as
competências já adquiridas e quais as relações sociais desenvolvidas.
O docente precisa considerar o repertório que o estudante apresenta, planejando
as ações sobre o que ele faz, o que ainda não consegue fazer e como ele aprende.
Dessa forma, cada estudante de inclusão precisa ter seu próprio PEI, no qual o
profissional estabelece metas objetivas e mensuráveis, com avaliação sobre o progresso
de aprendizagem, a fim de que não ocorram as defasagens pedagógicas.
Esse espaço inclusivo não é destinado exclusivamente para os estudantes com
deficiência, mas será um ambiente reservado e destinado para todos os discentes que o
necessitem para a organização do tempo e da causalidade de situações vivenciadas para
o acolhimento ou aprendizagem especializada, priorizando projetos de intervenção.
A SRM não basta ser organizada como um espaço para o desenvolvimento de
planos de aula de ensino de cooperação e inclusão com jogos didáticos e lúdicos e
isolada de todo o universo escolar. Ao contrário, todo o processo inclusivo necessita de
um programa amplo que possa promover a discussão dos profissionais e dos discentes
sobre toda a dinâmica que envolve a prática inclusiva.
A sistematização da SRM para o atendimento individualizado no espaço escolar,
também apresenta como escopo um ambiente de formação de profissionais da
educação, cujo objetivo é orientar e fundamentar cientificamente o ensino colaborativo
e a relevância na elaboração de um plano de trabalho baseado em evidências para a
utilização dos recursos didáticos e lúdicos.

PRÁTICAS INCLUSIVAS E A ASSEMBLEIA DE PROCESSOS DECISÓRIOS

Na SRM pode ser desenvolvida a Assembleia de Processos Decisórios cuja meta


é reunir grupos de alunos, a fim de discutir situações conflitivas entre seus pares para
a resolução de conflitos, inclusive situações de bullying e cyberbullying e, formação de
docentes no desenvolvimento de práticas inclusivas e para lidar com as situações

64
NEIDE MARIA SANTOS, CLÁUDIA BENITEZ M. DOS REIS e LUANA CARRAMILLO-GOING

conflitivas.
A implantação da formação dos profissionais da educação pode ocorrer para e pela
atuação em Assembleia de Processos Decisórios. Esta tem a proposta de desenvolver o
conhecimento teórico prático sobre como acontece o desenvolvimento moral, segundo
a teoria piagetiana em crianças e adolescentes pela prática das assembleias em busca de
relações mais humanas, pelo respeito mútuo entre as crianças e os jovens, incluindo a
todos do processo educativo numa cultura de paz (REIS, 2022).
Ao considerar a diversidade que se manifesta no cotidiano do contexto escolar,
sendo o professor o protagonista do processo educativo é imprescindível a formação
para lidar com os conflitos e situações de bullying e cyberbullying.
Com especial atenção se evidencia a demanda das redes sociais caracterizando a
exposição acentuada, a invasão da privacidade e o acesso a conteúdo inapropriado para
a idade das crianças e adolescentes que não sabem administrar a situação. Algo que
transcende muitas vezes o alcance das famílias e professores e que atingem diretamente
as relações interpessoais dos alunos dentro e fora da escola, gerando o bullying e o
cyberbullying.
As Assembleias de Processos Decisórios podem contribuir na resolução de
conflitos se instituídas na escola, previstas para prevenir e amenizar as situações de
violência. O intuito é abrir espaços de escuta para conhecer melhor os anseios, os
pensamentos, os desejos, os conflitos e o fazer dos estudantes, levando-os a refletir
pelo bem comum.
A realização da mediação nas assembleias pode ocorrer pelos agentes escolares,
professores e pelos próprios estudantes ao longo do processo, na perspectiva de gerar
ações emancipatórias e autônomas em todos os envolvidos da comunidade educativa,
desde que sejam preparados por meio de formação para tal (ARAUJO, 2007).
A teoria piagetiana associada aos estudos de desenvolvimento infantil é o aporte
teórico apresentado para que se possa lidar com os conflitos na busca da formação
integral dos estudantes, de forma que os valores estejam vinculados às relações
interpessoais mais justas e solidárias, articulando-se com as diversas disciplinas
curriculares (REIS, 2021).
Ademais, como finalidade das disciplinas curriculares se projeta construir um
currículo em que as atividades metodológicas, as atitudes do educador e a avaliação
fundamentem sua prática e levem em consideração o desenvolvimento humano e
moral, na construção do conhecimento compartilhado cientificamente para a vivência
do bem comum.
Dentro das vivências das assembleias se apresentam momentos em que se institui
a palavra, o diálogo, e o coletivo se reúne para refletir, tomar consciência de si mesmo
e transformar o que o coletivo considera como oportuno.
As assembleias oportunizam o momento em que professores e estudantes

65
SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: O BRINCAR E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS

partilham questões importantes, indicam pontos a serem melhorados, reelaboram


regras que regulamentam o trabalho e a convivência, defendem posturas e ideias que
podem ser opostas, em que todos podem colocar-se, levando as pessoas a conviver
coletivamente (ARAÚJO, 2007).
A mediação do diálogo pelo grupo na assembleia possibilita a participação com
igualdade de direito ao expressar o que pensam, desejam e agem frente a um conflito.
As Assembleias de Processos Decisórios também podem envolver outros espaços,
seja a quadra esportiva, a sala de aula, a SRM ou a sala de artes com encontros
semanais ou mensais no mínimo, com a intenção de regulamentar a convivência, as
relações interpessoais por meio do diálogo e inferir propostas que tragam à luz uma
ação conflituosa exposta, refletida, mediada na busca de revertê-la em ação voltada
para solução tendo como perspectiva o bem comum.
A Assembleia de Processos Decisórios pode envolver diversas dimensões em que
haja conflitos como: professores e direção da escola, professor regente e a classe à qual
é responsável em realizar a mediação, equipe diretiva e pais. A função é regular ou
regulamentar temáticas ligadas ao convívio entre estudantes/estudantes, estudantes/
docentes, docentes/equipe diretiva, pais/equipe diretiva e o projeto político pedagógico
da instituição.
A melhor oportunidade para introduzir as assembleias é vivenciando-as e a
formação do professor pode ocorrer por meio delas.
Alguns procedimentos são importantes para que as assembleias se realizem,
iniciando com a mobilização do grupo, a sistematização e periodicidade, sobre o que se
fala durante a assembleia, a preparação da assembleia, do local e do que será proposto
para inicialmente conhecer o grupo e dar os encaminhamentos (ARAUJO, 2007).
Precisa ficar claro que é um espaço de escuta atenta, de diálogo e de participação.
O grupo precisa entender o seu funcionamento e, para isso, uma proposta didática é
atribuída para que os estudantes discutam a importância do diálogo na resolução de
conflitos e encaminhem propostas que melhorem o convívio da classe, ou escola com
a intenção de que todos os envolvidos estejam incluídos nesse processo (REIS, 2021).
As Assembleias pretendem gerar espaços de convivência mais positivos e
democráticos, em que se reconhecem fragilidades, habilidades, competências, se
felicitam por conquistas pessoais, coletivas, se discutem e articulam projetos futuros
embasados nesse reconhecimento.
A sistematização e periodicidade são importantíssimas para que se tenha
resultado, e em seu processo de funcionamento se identifique o papel da assembleia
como referência na construção de valores. A certeza do tempo reservado para o
momento do diálogo, da discussão e avaliação promovem e permitem a construção da
estabilidade e os processos de regulação social.
Nas assembleias se desenvolvem temáticas relacionadas ao convívio escolar

66
NEIDE MARIA SANTOS, CLÁUDIA BENITEZ M. DOS REIS e LUANA CARRAMILLO-GOING

que afetam a classe ou a escola, e as relações interpessoais que tratam dos conflitos,
dos encalços, das intimidações, além das conquistas realizadas pelos estudantes,
professores, pela classe e escola. Os valores socialmente desejáveis deverão estar seguros
pelo diálogo nesse espaço (ARAUJO, p. 51, 2015).
Os temas propostos são organizados em grupos como: pontos positivos, pontos
a melhorar e sugestões para enfrentar os desafios. Os estudantes podem escrever em
espaços determinados e visíveis sobre o que querem debater na próxima assembleia.
Para atender os temas, os assuntos, a abertura do espaço de escuta e diálogo
determinante da assembleia pode ocorrer por meio de atividades que envolvam a
ludicidade, como jogos com regras, jogos cooperativos e jogos digitais com o intuito
de mobilizar reflexões sobre alguma ação já vivenciada e problematizada pelo grupo.
Ademais, o jogo é uma atividade intelectual e lúdica que aborda aspectos motores,
simbólicos, conceituais e atitudinais e este contribui quando mediados pelo adulto ou
o próprio estudante na reflexão, compreensão e resolução dos conflitos.
As atividades que envolvem dinâmicas e jogos contribuem para que o aluno
reflita seus sentimentos sobre determinado assunto ou situação, elabore seus
argumentos e alcance um patamar de equilíbrio mais consciente perante si e o grupo.
Não necessariamente esse aluno precisa falar, mas o fato de participar lhe proporciona
a percepção das regras do jogo ou dinâmica, ouve as colocações dos colegas e atenta-se
ao ponto de vista do outro.
A aprendizagem e o desenvolvimento não estão em si apenas no jogo ou dinâmica
e sim no resultado das relações que se estabelece no meio, com os pares e mediadores,
é um processo que depende dos domínios adquiridos sabendo-se que este transcende
o contexto da partida, e da intervenção realizada pelos profissionais que conduzem a
assembleia.
Podemos citar como exemplo o jogo cooperativo “volençol”, pensado para
refletir sobre as relações interpessoais dos alunos evidenciada pelo grupo. Ao ser
realizado durante a assembleia o mediador atem-se a propor a atividade, a apresentar
os obstáculos, questionar, analisar os procedimentos e as condutas dos alunos para a
resolução dos conflitos. Ao fazer isso traz diversas contribuições do grupo a fim de que
possam apropriar-se de condutas e formas de raciocinar que lhes favoreça uma atuação
adequada, não apenas nesse contexto, mas em outros.

CONCLUSÃO

O processo de inclusão dos estudantes com deficiência no ambiente escolar tem


se mostrado desafiador, o que demanda dos profissionais da comunidade educativa um
conhecimento baseado em evidências científicas e estratégias de intervenção eficazes.

67
SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS: O BRINCAR E AS PRÁTICAS INCLUSIVAS

É de suma importância a organização de espaços pedagógicos, lúdicos, interativos


e de tempos no ambiente escolar, assim os educadores e demais profissionais que atuam
com estes estudantes podem observar e compreender o seu comportamento, além de
contribuir com concepções nas suas áreas específicas de trabalho no desenvolvimento
deste aluno num todo.
Dessa forma, a SRM, a partir dos materiais pedagógicos, dos jogos, dos recursos
didáticos e lúdicos, apresenta-se como um importante espaço de apoio ao trabalho
pedagógico, de formação docente e de resolução de conflitos, possibilitando a
elaboração de um plano de trabalho com estratégias de aprendizagem colaborativa e
sistematização da prática pedagógica, favorecendo a inclusão escolar, social e construção
do conhecimento dos estudantes.
A Assembleia de Processos Decisórios pode ocupar-se desse espaço para desenvolver
de forma lúdica por meio de jogos com regras, jogos cooperativos e dinâmicas
estratégias para propor atividades que apresentem os obstáculos, questionem, analisem
os procedimentos e as condutas dos alunos levando-os a estratégias para a resolução
dos conflitos e outras aprendizagens. Dessa forma, no processo das assembleias os
discentes são instigados a sentirem-se pertencentes do processo, refletindo suas ações
para modificar suas atitudes buscando estratégias na perspectiva da resolução de
conflitos, evitando assim situações de bullying e cyberbullying.
Corroborando para a proposta de formação dos docentes faz-se necessário que a
escola planeje e elabore programas formativos aos professores e demais profissionais
envolvidos no contexto escolar, baseados na sua realidade da sala de aula e que estejam
repertoriados em um referencial teórico científico sobre a educação inclusiva e da
teoria que embasa a Assembleia de Processos Decisórios.
A SRM é um subsídio à formação continuada do docente. Para o aperfeiçoamento
na intervenção pedagógica com o estudante inclusivo pressupõe-se que os profissionais
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem tenham uma formação adequada,
bem como a escola ofereça as condições necessárias para que esse processo ocorra e
torne o projeto de inclusão possível de ser concretizado (SANTOS, 2021).
Dessa forma, a interlocução entre os saberes específicos de cada profissional que
atua com esse estudante vem colaborar para o seu desenvolvimento e contribuir no
processo de ensino-aprendizagem. O alinhamento de conteúdo, atividades e métodos
de ensino, de forma colaborativa entre os professores possibilita uma aprendizagem
mais eficaz entre os estudantes (ORSANTI et al., 2015).
Pela perspectiva apresentada acima é possível notar que a educação inclusiva deve
ser vivenciada individualmente na SRM e na sala de ensino comum, independente
do grau de severidade de cada caso, favorecendo a sociabilidade e o aprendizado em
conjunto (CUNHA, 2019).
Assim, essa mediação pedagógica entre o professor do ensino regular em parceria
com o profissional especializado que atua na SRM tem como proposta um trabalho

68
NEIDE MARIA SANTOS, CLÁUDIA BENITEZ M. DOS REIS e LUANA CARRAMILLO-GOING

interdisciplinar com objetivo de acompanhar as propostas elaboradas no PEI.


A relação que os professores devem estabelecer com esse ambiente, explorando
e descobrindo como os recursos tecnológicos, materiais didáticos e lúdicos existentes,
considerando as necessidades específicas do discente podem favorecer na estimulação
do seu desenvolvimento motor e pedagógico. A observação da reação do estudante a
um estímulo e como aprende serve como referência na escolha dos recursos didáticos
e lúdicos que contribuirão no desenvolvimento.
Nessa perspectiva de formação, os profissionais da educação envolvidos no
contexto educacional e que são responsáveis pelo processo de ensino-aprendizagem
do estudante inclusivo devem ter a clareza sobre o seu desempenho profissional, o
conhecimento científico e as práticas pedagógicas baseadas em evidências, quanto à
organização e elaboração de ações educativas, a fim de garantir a inclusão no contexto
escolar e a promoção de uma convivência saudável e respeitosa.
Assim, pensar a construção e a organização de uma escola inclusiva requer
processos gradativos e demanda um investimento na formação dos profissionais da
educação, exigindo determinação, trabalho coletivo e ações pedagógicas que sejam
baseadas em evidências científicas, considerando a formação educacional desse
discente.

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71
PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA
HOSPITALAR EM SANTARÉM: PERCEPÇÃO DE
ACADÊMICOS

Andréa Reni Mendes Mardock


Elizabeth Teixeira

INTRODUÇÃO

A educação em saúde tem sido constituída como uma disciplina emergente


em áreas hospitalares, e as categorias empíricas advindas do estudo, refor-
çam as bases teóricas do tema em questão.
No que tange a contribuição social, é um estudo sobre a criança hospitalizada
e o ato de brincar, e traz à tona uma questão social na medida em que envolve
sujeitos sociais (mães e acadêmicos), bem como dá oportunidade a essas crianças de
desenvolverem dimensões socioeducativas.
Ao observar o contagiante entusiasmo de crianças hospitalizadas em participar
de atividades na brinquedoteca de um hospital de Santarém, passei a refletir sobre se
tal entusiasmo bem direcionado poderia somar-se aos esforços profissionais, visando
a melhoria da qualidade das práticas educativas e do período de internação; uma das
observações que pude fazer foi a reação delas em relação ao jaleco diferenciado usado
pela equipe, que é bastante colorido, e o prazer que as crianças sentem quando estão
brincando.
Em fevereiro de 2009 o hospital regional de Santarém inaugurou a Brinquedoteca
Hospitalar Carrossel, para atender as crianças internadas e acompanhantes, com a
implantação de estratégias para minimizar os aspectos que influenciam negativamente
no tratamento e reabilitação de crianças, com o objetivo de proporcionar a diminuição
do estresse na criança, causado pelo período de internação.
Esse é um projeto pioneiro em Santarém, por isso é algo novo, o que estimulou-
me a conhecer tais práticas educativas, para poder potencializá-las e melhor atender as
crianças internas que são usuárias do hospital, fazendo do hospital não só um lugar de
sofrimento, mas também de alegria, que educa brincando.
A brinquedoteca e as práticas educativas nela desenvolvidas podem aliviar o
estresse, a angústia da espera e a dor, colaborar nos procedimentos e estimular um maior
envolvimento da família por várias razões: com a beleza e o ambiente acolhedor da
sala, pela variedade de brinquedos e outros materiais disponíveis; pelas oportunidades

73
PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

individuais que cria, através das atividades educativas desenvolvidas; pela qualidade
das relações interpessoais que possibilita; pela atuação como agente polarizador de
vários recursos e serviços; pelas emoções gratificantes que gera e pelos sentimentos e
valores positivos que desperta, para além da compensação do sofrimento causado pela
enfermidade.
O Hospital Regional do Baixo Amazonas do Pará Dr. Waldemar Penna, localizado
em Santarém, Estado do Pará, é referência na atenção de média e alta complexidade
e atende a população do próprio Município e de mais 18 que fazem parte da região
Oeste do Estado; possui equipe multiprofissional especializada e realiza atendimento
ambulatorial e de internação (com 40 leitos de pediatria/obstetrícia, 22 na clínica
cirúrgica e 28 na clínica médica). O Hospital é totalmente vinculado ao SUS e, como
tal, prima por seus princípios e diretrizes.
A brinquedoteca é coordenada pelo Núcleo de Educação Permanente – NEP do
HRBA, que capacita os brinquedistas acadêmicos da Universidade do Estado do Pará
– UEPA, sobre a forma de trabalhar no espaço destinado ao lúdico com as crianças;
funciona de segunda a sexta, nos horários das 9 às 11h e das 15 às 17h.
A educação, a humanização, a equidade e a integralidade no atendimento fazem
o diferencial na atenção à saúde do usuário, e a proposta de implantação de espaços
destinados ao lúdico infantil no Hospital Regional, e tem como objetivo intervir
na ambientação, priorizando as práticas educativas e a humanização hospitalar,
proporcionando à criança um espaço mais agradável durante o período de internação.
Com a única brinquedoteca hospitalar na região Oeste do Pará, e com base no
trabalho desenvolvido como Coordenadora do Núcleo de Educação do Hospital
Regional do Baixo Amazonas do Pará Dr. Waldemar Penna, e como coordenadora da
brinquedoteca da Clínica Pediátrica de julho de 2009 a janeiro de 2010, emergiu o
interesse em apreender sobre as atividades educativas desenvolvidas na brinquedoteca
hospitalar com as crianças hospitalizadas: Qual a percepção dos acadêmicos quanto às
contribuições das práticas educativas às crianças de uma brinquedoteca hospitalar no
município de Santarém?
Assim, este capítulo apresenta um estudo, que se apoiou em constructos
metodológicos, abordagem qualitativa, descritiva, do tipo do estudo de caso, com
recorte temporal no período de 2011 a 2012. Realizou-se investigação documental e
empírica, fazendo uso da entrevista semiestruturada com os 8 acadêmicos dos cursos
da área de saúde de uma Instituição de Ensino Superior - IES Estadual. Os dados
coletados foram tratados por meio da análise ídeo-central, para Teixeira (2005) a
“análise ídeo-central” é uma modalidade de análise temática que visa evidenciar ideias
centrais ou ideias-chave nucleares dos discursos; ideias que emergem das respostas
obtidas questão-por-questão.

74
ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pseudônimo Idade Gênero Atuação na Curso
brinquedoteca
Chapeuzinho Vermelho 20 Feminino Voluntária Educação Física
BarbieParticiparam do estudo208 (oito) acadêmicos
Feminino PAE1
que aceitaram Educação
fazer Físicado estudo,
parte
Bela Adormecida 20 Feminino PAE Enfermagem
e Branca
assinaram
de Neve o Termo de Consentimento
19 Feminino Livre e Voluntária
EsclarecidoEnfermagem
(TCLE). Os traços
identitários de cada indivíduo são forjados no seio de cada cultura [...] segundo Veiga
Cinderela 19 Feminino PAE Enfermagem
Rapunzel
(2015). Para se perceber as 20
Preto Alfa 21
Feminino
contribuições
Masculina
Voluntária
significativas Educação Física
dos participantes
Voluntário Enfermagem
do estudo,
é Zéimperativo
Colmeia conhecê-los, partindo
20 do princípio que
Masculina PAEestes atores da saúde estão
Enfermagem
envolvidos com o ensino-aprendizagem.
No Quadro 01 a seguir, ilustra-se o perfil dos acadêmicos participantes do estudo,
segundo idade, gênero, atuação na brinquedoteca e curso de graduação.

Quadro 01 – Perfil dos acadêmicos participantes do estudo


Pseudônimo Idade Gênero Atuação na Curso
brinquedoteca
Chapeuzinho Vermelho 20 Feminino Voluntária Educação Física
Barbie 20 Feminino PAE1 Educação Física
Bela Adormecida 20 Feminino PAE Enfermagem
Branca de Neve 19 Feminino Voluntária Enfermagem
Cinderela 19 Feminino PAE Enfermagem
Rapunzel 20 Feminino Voluntária Educação Física
Preto Alfa 21 Masculina Voluntário Enfermagem
Zé Colmeia 20 Masculina PAE Enfermagem

Fonte: Mardock (2012 p. 63).

Estes dados correspondem à publicação Estatística de Gênero (IBGE, 2017),


e ambos os grupos apresentam que as estudantes eram a maioria entre as/os
universitárias/os no ensino superior, correspondendo 53% das matrículas. Conforme
o IBGE (2017), o número maior de mulheres tende a se manter em todas as regiões
do país.
As informações referentes à faixa etária dos pesquisados condizem com os dados
apresentados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (INEP, 2015), onde 58,5% dos estudantes do ensino superior encontravam-se
na faixa etária até 25 anos, confirmando que uma parcela significativa dos estudantes
de graduação é constituída por jovens.
As percepções dos acadêmicos estão organizadas em três eixos, de acordo como
o roteiro utilizado nas entrevistas, sendo o Eixo I: Percepção sobre a Brinquedoteca,
Eixo II: Percepção da atuação na brinquedoteca e Eixo III: Percepção das crianças na
Brinquedoteca.

1
Programa Assistência Estudantil da UEPA.

75
PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

EIXO I: PERCEPÇÃO SOBRE A BRINQUEDOTECA

Fica evidenciado que hoje o hospital não é mais apenas um lugar de sofrimento,
através da brinquedoteca pode-se ter um lugar lúdico, “rico” (ainda está um pouco
longe disso, mas deveria ser) de brinquedos, cheio de imaginação, alegria, contagiante
e envolvente, sendo visto como um aspecto positivo, no aprendizado e na contribuição
do tratamento para as crianças. Conforme quadro 02, ver a seguir:

Quadro 02 – Percepção da brinquedoteca na unidade hospitalar

Chapeuzinho A brinquedoteca tem importante função na unidade hospitalar. Um espaço onde as crianças
Vermelho podem desenvolver diversas atividades, brincar, se divertir, esquecer o sofrimento e tédio
que é ficar no leito do hospital.
Barbie A brinquedoteca em uma unidade hospitalar tenta influenciar a recuperação das crianças
tendo como “arma”, o brincar, a fim de proporcionar à criança momentos de ludicidade;
interação e a fuga da dura realidade da vida no hospital, permitindo a imaginação e a
invenção de cada uma.
Bela Adormecida A brinquedoteca tem grande importância para o hospital, pois ela estimula as crianças a
brincar, sorrir, além de interferir no contato dos próprios pacientes. Estimula a alegria, a
criança tem menos chance de ficar deprimida e acaba por melhorar e até mesmo anteceder
a volta do paciente ao seu lar.
Branca de Neve A brinquedoteca tem uma importância muito grande, por trazer pra essas crianças a alegria,
um bem-estar emocional para as mesmas.
Cinderela Com a brinquedoteca as crianças não vivem no mundo somente dos remédios e
procedimentos, elas se distraem.
Rapunzel Brinquedoteca é imaginar muitos brinquedos em um mesmo lugar, com crianças brincando
felizes, em um espaço especial: contagiante e envolvente, onde somam-se sorrisos,
diminui a tristeza, multiplicando-se a amizade e dividindo o carinho com todos.
Preto Alfa Uma oportunidade para as crianças terem um contato com o lúdico.
Zé Colmeia A brinquedoteca é uma opção a mais para a criança hospitalizada, de brincar e continuar
a interação que tinha quando sadia. É o espaço onde a criança pode ser criança, é o que na
maioria das vezes faz elas esquecerem o sofrimento e medo que estar em um hospital.

Fonte: Mardock (2012 p. 70).

IDEIAS-TEMAS
Momentos lúdicos – Muitos de brincadeiras – Esquecer o sofrimento – Influência
na recuperação

De acordo com Paula (2002), as brinquedotecas hospitalares vão “muito além


do sentido de diversão. O brincar no ambiente hospitalar vem como um coadjuvante
terapêutico ao alívio do estresse associado à internação”.
Através da brinquedoteca está sendo desenvolvido esse trabalho, os brinquedistas
tentam amenizar o sofrimento das crianças hospitalizadas, oferecendo brincadeiras,
histórias, jogos..., para que a criança se sinta bem, interagindo com outras crianças,
aprendendo a compartilhar, através dos brinquedos. A criança fica feliz, e essa
felicidade só faz o bem para ela e seu acompanhante, e isso reflete na sua recuperação.
É realizado o planejamento para as atividades dos brinquedistas, ver no quadro 03.

76
ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

Quadro 03 – Percepção do planejamento dos brinquedistas

Chapeuzinho Até o momento não há um planejamento das atividades que são feitas na brinquedoteca.
Vermelho As atividades são executadas aleatoriamente, de acordo com o gosto e necessidade das
crianças.
Barbie O planejamento da brinquedoteca é organizado de acordo com a disponibilidade de
participação de cada voluntário e é bem executado uma vez que todos os dias têm
voluntários presentes na brinquedoteca.
Bela Adormecida Na verdade, o planejamento das atividades durante o período em que estou atuando, não
existe e acaba por repetir as brincadeiras do dia anterior, creio que isso não deve ocorrer
mais, pois já existe um projeto de planejamento da brinquedoteca e novas capacitações.
Branca de Neve No momento não têm nenhum planejamento sendo executado no hospital (brinquedoteca).
Cinderela Não existe o planejamento, na verdade a gente inventa na hora o que fazer com elas. De
acordo com o que a criança quer fazer.
Rapunzel Sei que existe o planejamento das atividades na brinquedoteca, mas no momento não está
sendo executado, não sei se por falta do apoio da coordenação responsável pela
brinquedoteca no hospital, pois não temos contato com os mesmos e muito menos apoio
para o desenvolvimento das atividades.
Preto Alfa Não há um planejamento específico, mas realizamos as atividades de acordo com a
necessidade dos pacientes.
Zé Colmeia O planejamento da brinquedoteca se divide em antes e depois da entrada de novos
voluntários. Antes desses voluntários entrarem eles fazem capacitações que ajuda a
conhecer mais a fundo como funciona a brinquedoteca. Após a entrada são planejadas
algumas atividades para assim serem desenvolvidas com as crianças, mas as atividades
são feitas de modo aleatório.

Fonte: Mardock (2012 p. 71).

IDEIAS-TEMAS
Não há planejamento – Atividades realizadas de acordo com a necessidade – O
planejamento existe, mas não é executado

A falta de planejamento pesa como sentido negativo entre os acadêmicos, pois


acabam por repetir algumas atividades; afirmam que se houvesse um planejamento
seria muito melhor e fácil de desenvolver as atividades, mesmo realizando o que as
crianças têm vontade de fazer. E planejar é pensar sistematicamente antes de agir.
Na brinquedoteca existia um planejamento a ser seguido, porém atualmente não
mais, então as atividades são as que eles aprendem através da capacitação: utilizar e
confeccionar jogos, contar histórias, alguns aprendem dobraduras e origamis, desenhos
já prontos para pintura, utilizar os brinquedos existentes, e algumas atividades que já
conhecem.
As crianças e acompanhantes sentem necessidade de mais brinquedos e
principalmente de um planejamento para a organização dos horários dos brinquedistas
e que houvesse atividade todos os dias. É importante ressaltar que para iniciar essa
pesquisa, essa pesquisadora teve que doar brinquedos para a brinquedoteca que estava
quase vazia. Ver o funcionamento no quadro 04, a seguir.

77
PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

Quadro 04 – Percepção do horário de funcionamento

Chapeuzinho Sim. Pois as crianças, a maioria das vezes, ainda não tomaram banho e nem café quando
Vermelho chegamos, tempo ideal para arrumar o espaço. Na saída é uma situação parecida, tanto no
período da manhã quanto da tarde.
Barbie Sim. A brinquedoteca funciona de segunda a sábado (manhã e tarde); proporcionando às
crianças várias horas de descontração por dia.
Bela Adormecida O horário de funcionamento é totalmente adequado, pois o tempo em que o brinquedista
demora para chegar no espaço e se organizar é o tempo em que as crianças já tomaram
seus banhos e já se alimentaram. E o horário que o brinquedista sai condiz com a hora do
almoço do paciente, levando em consideração que atuo pelo turno da manhã como
brinquedista.
Branca de Neve Sim, o horário é bem adequado, pois as crianças já tomaram o café da manhã, quando nós
brinquedistas chegamos e quando saímos, eles vão almoçar.
Cinderela Sim, é o horário que já estão acordadas e dispostas para brincar.
Rapunzel Com certeza, pois é o que melhor se adéqua as crianças hospitalizadas, não interferindo
nos horários: banho, café da manhã, almoço, jantar e nas administrações dos
medicamentos.
Preto Alfa Sim, geralmente iniciam-se as atividades entre 8:00 às 12:00 horas e a tarde 14:00 às 18
horas.
Zé Colmeia Sim, pois se mais cedo as crianças ainda estão dormindo e mais tarde já estão almoçando.
No caso da tarde por volta das 18:00 horas elas precisam ir para os leitos. O horário é
adequado, tanto no período da manhã quanto da tarde.

Fonte: Mardock (2012 p. 72).

IDEIAS-TEMAS
O horário é adequado

O horário de funcionamento da brinquedoteca é de acordo com a disponibilidade


de tempo livre das crianças, sem atrapalhar os procedimentos do hospital (das 8h00
às 12h00 e 14h00 às 18h00 horas). Tem um sentido positivo e afirmativo para as mães
em relação às atividades e contribuição para as crianças.
Segundo Santos (1997) para que as brinquedotecas sejam instituições profissionais,
é imprescindível que não funcione baseando-se no voluntariado exclusivamente, sem
possibilidade de uma dedicação profissional de pessoal qualificado.
Todos concordam que esse é o melhor horário para desenvolver as atividades
da brinquedoteca. Como esse projeto é desenvolvido com voluntários, os acadêmicos
desenvolvem as atividades de acordo com a sua disponibilidade, ou seja, alguns vão
um, dois e três dias durante a semana; todos os entrevistados desenvolvem pelo menos
três dias na semana. As crianças e acompanhantes ficariam muito mais felizes se todos
os dias, tivessem atividades para desenvolverem com os brinquedistas. Conforme
quadro 05, na página seguinte:

78
ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

Quadro 05 – Percepção das atividades na brinquedoteca


Chapeuzinho Geralmente as crianças escolhem de que ou com o que brincar. Jogos de mesa, tabuleiro,
Vermelho pintura e desenho são os mais requisitados.
Barbie Na brinquedoteca se faz várias atividades agradáveis e divertidas (jogos, desenhos,
pinturas, recortes, colagens, filmes e etc.) estimulando a criança a brincar e a interagir com
outras pessoas.
Bela Adormecida Na brinquedoteca se faz várias atividades. Logo ao chegar há a visita nos leitos e o convite
para as brincadeiras. Nesse espaço as crianças pintam, jogam os jogos de mesa, como por
exemplo xadrez, dama, dominó, uno, assistem filmes e musicais, brincam com os
brinquedos, fazem recorte de E.V.A., origami, entre outros.
Branca de Neve As crianças brincam bastante, conversam entre elas e com os brinquedistas, pintam,
desenham, entre outros.
Cinderela Brinco com as crianças com jogos educativos, dominó, ajudo a colorir os desenhos.
Rapunzel Possibilitamos o que é direito de toda criança: brincar, mesmo ela estando enferma, ela
precisa ainda muito mais disso ficar feliz, e quando ela brinca demonstra esse sentimento,
nos dispomos a fazer a vontade delas, brincamos de bola, cantamos, desenhamos,
pintamos, assistimos filmes, jogamos baralho, dominó, uno, xadrez, contamos histórias,
ensinamos a ler ou a escrever. E aprendemos muito mais com cada uma delas, como vencer
as dificuldades das nossas vidas. Aprendemos que se temos que fazer algo com elas ou
para elas, devemos fazer naquele momento, pois depois pode ser muito tarde para nós. Nos
alegramos muito com cada uma delas, mas também choramos quando não as encontramos,
quando ela já recebeu um chamado superior, onde ela não irá mas sofrer como estava, não
vai sentir dor, mas também não vai estar ali para fazê-la sorrir. Elas me ensinaram a lidar
com a morte.
Preto Alfa Diversas atividades voltadas para ao lúdico.
Zé Colmeia As atividades mais comuns são pintura, desenhos, jogar dominó e outros jogos de mesas.
Algumas vezes as crianças pedem para contarmos histórias e querem assistir DVDs.

Fonte: Mardock (2012 p. 73).

IDEIAS-TEMAS
Convite para as brincadeiras – Jogos – Desenhos – Histórias – Recortes – Origami

É notória a satisfação da criança em participar das atividades da brinquedoteca,


pois ao verem pelas janelas aqueles jalecos diferenciados que os brinquedistas usam
ao passarem pelo corredor da Clínica Pediátrica, as crianças e acompanhantes logo
os seguem até o espaço onde estão, porque já sabem que eles chegaram para a
brinquedoteca; as crianças têm a certeza de que irão brincar e fazer o que gostam. O
projeto que os acadêmicos desenvolvem justifica-se pelo longo período que as crianças
permanecem em tratamento e hospitalizadas, e pela angústia e sofrimento que a
situação pode produzir.
Segundo Santos (2008) os jogos, brinquedos e brincadeiras são atividades
fundamentais da infância. O brinquedo pode favorecer a imaginação, a confiança
e a curiosidade, proporciona a socialização, desenvolvimento da linguagem, do
pensamento, da criatividade e da concentração.
Através do jogo de dominó os brinquedistas ensinam as crianças: as cores, a
quantidade, a combinação das peças e a refletirem sobre qual peça jogar. A função dos
acadêmicos (brinquedistas) é mediar as interações criança-atividade; as crianças ficam
muito felizes quando aprendem atividades novas, principalmente aquela que acha que
conseguiria aprender, e de forma descontraída e brincando.

79
PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

Quadro 06 – Percepção do caráter educativo na brinquedoteca

Chapeuzinho Sim. A brinquedoteca possui um caráter educativo, pois as atividades e brincadeiras


Vermelho executadas envolvem também o lado pedagógico e educativo, seja em educação e saúde,
leitura e outras.
Barbie Sim. A brinquedoteca é fundamental para o aprendizado infantil já que afeta vários setores
da vida da criança: a sociabilidade com outras pessoas e com seus familiares; a sua
autoestima; o equilíbrio emocional, uma vez que estas crianças estão frágeis e sensíveis.
Bela Adormecida Acredito que sim, tendo em vista que alguns brinquedos são educativos e que sempre é
deixada uma lição, como por exemplo, ter que comer toda a refeição, aprende coisas
básicas.
Branca de Neve Sim, mas seria importante fazer com que as crianças recebessem uma atividade educativa
séria.
Cinderela Sim, porque as crianças brincam e aprendem com os jogos educativos, as letras do
alfabeto.
Rapunzel Apesar das atividades serem mais voltados para o lúdico, como as brincadeiras; a
brinquedoteca tem sim caráter educativo, como ensinamento através do alfabeto móvel,
trabalhamos com algumas crianças através da leitura de histórias, vou citar um exemplo
que vivenciei, onde um pai gostaria que ensinasse o filho dele a lê, mas ele queria sempre
que me dedicasse somente ao seu filho, então fui ensinando ele a escrever o nome dele, o
pai ficou na maior felicidade, foi quando ele me confessou que era analfabeto e que não
queria que o filho fosse igual a ele.
Preto Alfa Sim, na medida do possível visto que nós brinquedistas não temos uma formação
pedagógica.
Zé Colmeia Sim, pois as atividades exploram tanto o lado lúdico quanto pedagógico.

Fonte: Mardock (2012 p. 75).

IDEIAS-TEMAS
Tem caráter Educativo – Lúdico - Pedagógico

É perceptível como positivo o caráter educativo das atividades desenvolvidas na


brinquedoteca Carrossel pelos acadêmicos (brinquedistas). Segundo Santos (2008) falar
sobre brinquedoteca é, portanto, falar sobre os mais diferentes espaços que se destinam
à ludicidade, ao prazer, às emoções, às vivências corporais, ao desenvolvimento da
imaginação, da criatividade, da autoestima, do autoconceito, da ação, da sensibilidade,
da construção do conhecimento e das habilidades.
Na brinquedoteca as atividades são prazerosas, e através delas as crianças devem
aprender; é claro que isso depende das habilidades dos brinquedistas. Pois a criança é
agitada e está em constante processo de desenvolvimento corporal e mental, com isso
a brinquedoteca executa um papel primordial nesse desenvolvimento através do lúdico
e das práticas educativas.

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ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

Quadro 07 – Percepção avaliativa do espaço da brinquedoteca

Chapeuzinho O espaço físico, por ser pequeno, limita algumas atividades. Mas ainda assim dá-se um
Vermelho jeito e as brincadeiras acontecem.
Barbie A Brinquedoteca é um lugar muito importante dentro do hospital, uma vez que ela pode
favorecer mais rapidamente a reabilitação das crianças enfermas, que pode estar com
grandes alterações emocionais, físicas e intelectuais.
Bela Adormecida O espaço brinquedoteca é de fundamental importância para o paciente, pois ela atinge a
autoestima das crianças. Quando falta algum voluntário as crianças perguntam, sente falta.
Ela é um espaço em que tanto o voluntário, como o paciente e até mesmo o acompanhante,
sente-se mais aliviados, pois ao que parece eles esquecem por algumas horas que estão
dentro de um ambiente hospitalar.
Branca de Neve O espaço é pequeno, ficando ao lado do refeitório, mas é um local onde as crianças e nós
nos sentimos bem.
Cinderela É um pouco pequeno o espaço.
Rapunzel É um espaço pequeno, mas aconchegante, é onde podemos conhecer cada criança e seus
acompanhantes que geralmente são os pais, posso dizer que é o local mais feliz do hospital,
onde as crianças sentem prazer em está, o lugar onde elas podem escolher o que fazer, com
que brincar.
Preto Alfa Poderia ser um espaço maior.
Zé Colmeia O espaço físico é inadequado. Muito pequeno e localizado ao lado do refeitório.

Fonte: Mardock (2012 p. 76).

IDEIAS-TEMAS
Pequeno - Importante – Aconchegante - Alívio

Apesar de ser um espaço pequeno, como citado pelos acadêmicos, tem todo seu
diferencial na vida de cada criança, acompanhante e acadêmico, que desfrutam desse
espaço com prazer e alegria. Segundo Porto (2010) o ambiente onde deve funcionar a
brinquedoteca deve ser aconchegante, limpo, arrumado ao final de cada sessão.
As brinquedotecas têm uma importância imensa na vida das pessoas que
precisam desses espaços, principalmente a brinquedoteca hospitalar, apesar de ser um
espaço pequeno, mas é onde as crianças sentem prazer em estar, porque nesse espaço
tem liberdade de escolher o brinquedo ou a brincadeira que norteiam as atividades
desenvolvidas pelos acadêmicos (brinquedistas).

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

Quadro 08 – Percepção para melhorias no espaço da brinquedoteca

Chapeuzinho O espaço físico poderia ser ampliado ou mesmo uma sala poderia ser providenciada ou
Vermelho adaptada para suprir as necessidades.
Barbie Sim. Os responsáveis da brinquedoteca poderiam entrar em contato com lojas que
pudessem doar brinquedos; lápis de cor; papel; E.V.A.; hidrocor e, seus nomes seriam
divulgados em uma camisa exclusiva dos brinquedistas.
Bela Adormecida Sim, creio que o espaço deveria ser maior para que as crianças ficassem mais à vontade,
deveria ser longe do refeitório dos profissionais de saúde, poderia ter mais brinquedos.
Outra sugestão é que outras faculdades pudessem aderir ao voluntariado já que pessoas de
fora não podem pelo risco que o hospital oferece.
Branca de Neve Sim, seria bom um local maior, com mais brinquedos.
Cinderela Poderia ter um espaço mais amplo.
Rapunzel Sim, que seja ampliado no espaço do refeitório que é junto ao espaço da brinquedoteca,
que na maioria das vezes nós utilizamos para desenvolver atividades com as crianças.
Preto Alfa Em relação ao atendimento na recepção, poderiam recepcionar melhor as pessoas que
chegam ao hospital, sejam voluntários, pacientes, acompanhantes ou outras pessoas e
poderia ter mais brinquedos para as crianças.
Zé Colmeia Sim, poderia ser numa sala, só onde seriam feitas as atividades, mais ampla e mais
brinquedos.

Fonte: Mardock (2012 p. 77).

IDEIAS-TEMAS

Maior espaço físico – Melhor atendimento dos recepcionistas

Algumas sugestões dos acadêmicos (brinquedistas) estão no Quadro anterior: o


espaço é pequeno, poderia ser ampliado; estruturar e funcionar em uma sala maior,
pois a brinquedoteca é um como espaço benéfico no desenvolvimento das atividades
propostas pelos brinquedistas e/ou solicitadas pelas crianças, concomitante a isso, uma
educação lúdica e humanizadora, onde haja interação, troca de carinho e ampliação
do conhecimento intelectual e emocional. Afinal a alegria, a magia, o encanto estarão
sempre norteando, não somente as crianças, mas a todos aqueles que consideram e
acreditam que o lúdico sinaliza um mundo melhor, mais colorido e mais humano; a
criança teria mais espaço para desenvolver atividades como já citado; e treinamento
para os que atuam na recepção desse tão conceituado hospital, onde recepcionassem
a todos que ali chegam bem, com prazer e educação.
Constatou-se um sentido positivo e afirmativo dos acadêmicos em relação às
críticas para melhor desenvolvimento das atividades da brinquedoteca. Segundo
Pereira (2008) a brinquedoteca é um laboratório onde a criatividade se transforma em
aprendizagem. É um local destinado a brincadeiras para crianças de todas as idades...
ao trabalho em equipe e a confecção e restauração de brinquedos.
Na brinquedoteca imagina-se uma quantidade muito grande de brinquedos
diversificados, ainda não chegou a esse ponto, mais percebe-se que o pouco que existe
faz uma grande diferença na vida dos participantes desse espaço.
Durante as capacitações que os brinquedistas recebem para atuarem na
brinquedoteca, são repassadas muitas informações, mas nenhuma específica para lidar

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ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

com o próprio emocional, em meio a tanto sofrimento das crianças e com a morte,
pois isso abala a estrutura dos brinquedistas.

EIXO II: PERCEPÇÃO DA ATUAÇÃO NA BRINQUEDOTECA

Nesse eixo, os participantes expressam suas percepções quanto à atuação na


brinquedoteca. Assim, as capacitações tem grande valor para o processo de atuação,
e uma preparação psicológica para os brinquedistas. Segundo Santos (1997) é
uma profissão emergente, o brinquedista (ludotecário), isto é, aquele que deve ser
preparado, não apenas para atuar como animador, mas também como observador e
investigador da demanda dos usuários no âmbito das brinquedotecas. Tarefas desta
dimensão social requerem uma formação consistente [...].

Quadro 09 – Percepção sobre as capacitações que receberam


Chapeuzinho As capacitações são importantes, pois servem para conhecer as técnicas que são precisas
Vermelho e indispensáveis no momento de atuação da brinquedoteca.
Barbie As capacitações que recebemos são muito boas e acrescenta bastante nossos
conhecimentos, melhorando nossa forma de atuar enquanto brinquedista.
Bela Adormecida As capacitações foram ótimas e bastante úteis para o desenvolvimento das atividades.
Branca de Neve A capacitação que é dada pela UEPA é muito boa, pois aprimora nossos conhecimentos
para podermos repassar para as crianças, e a capacitação feita pelo HRBA também foi de
suma importância.
Cinderela A capacitação é boa, pois aprendemos a como contar histórias para as crianças,
confeccionar brinquedos com material reciclado e confeccionar jogos com E.V. A.
Rapunzel Boa, mas poderia ser melhor, com mais horas de capacitação e principalmente, mas
voltada para o lúdico pedagógico, até ter parceria com a Secretaria de Educação para
existir sim a educação formal das crianças nesse espaço.
Preto Alfa Os coordenadores sempre tentam inovar com as capacitações, geralmente voltadas para o
lúdico que é uma deficiência predominante entre os brinquedistas.
Zé Colmeia As capacitações são importantes. Vimos o lado lúdico, pedagógico que auxilia bastante na
hora de desenvolver as atividades. Porém, o lado afetivo precisa ser mais trabalhado, pois
em alguns casos encontramos situações que requer mais preparação emocional.

Fonte: Mardock (2012 p. 79).

IDEIAS-TEMAS
As capacitações foram boas – A preparação emocional é importante

Para atuar na brinquedoteca, os acadêmicos fazem capacitação organizada


pelos professores da UEPA, responsáveis pelo projeto, em um primeiro momento de
sensibilização do projeto, informam a lei que vigora desde 2005, onde todos os espaços
com crianças hospitalizadas têm que existir uma brinquedoteca, a necessidade de gostar
de trabalhar com crianças “em tratamento”, não ter preconceito, ter disponibilidade
para ir ao hospital, aprendem a contar histórias, fazer origamis e outras, além da
higienização dos brinquedos e lavagem das mãos.

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

A criança precisa neste momento de pessoas que as façam felizes, que as façam
sorrir, brincar, se distrair e ao mesmo tempo aprender através das brincadeiras, muitas
delas perdem os cabelos, devido ao tratamento, para as meninas é um momento difícil
e constrangedor, então os brinquedistas podem ajudar a superar isso.

Quadro 10 – Percepção do que mais e menos gostam de fazer na brinquedoteca


Chapeuzinho Gosto de conversar com as crianças, saber qual a brincadeira que elas mais gostam e
Vermelho comentar os filmes que elas querem assistir. Não gosto muito quando tenho que desenhar
ou ficar sem fazer nada, quando a criança não quer de jeito nenhum fazer qualquer
atividade.
Barbie Gosto bastante de jogar, fazer recortes, dobraduras, trabalhar em E.V.A., pintar e no que
tenho mais dificuldades é ir aos leitos.
Bela Adormecida O que mais gosto de fazer é a visita aos leitos, só o “tchauzinho” deles pela janela já é
animador. O que menos gosto é quando a gente recebe a notícia que um deles partiu, isso
deixa uma tristeza enorme no coração, já pensei em desistir várias vezes da brinquedoteca,
mas penso nos outros, na tristeza deles quando não vai ninguém pra brincar.
Branca de Neve Gosto de conversar com as crianças, pintar, jogar UNO entre outros, e o que menos gosto
de fazer é desenhar porque eu não sou boa em desenhos.
Cinderela Gosto de brincar e não gosto de jogar dominó, pois nunca ganho as crianças.
Rapunzel Gosto de fazer quase todas as atividades, confesso que gosto muito do dominó, pois ensinei
várias crianças a jogarem e agora elas ensinam outras e até mesmo os brinquedistas que
não sabem, há elas aprenderam tão bem que nem consigo mais ganhar delas, na verdade
não sei se é a que menos gosto, mais a que sei menos é fazer dobraduras, origami; o que
não gosto nas atividades da brinquedoteca é de receber a notícia de que alguma criança
morreu.
Preto Alfa Assistir DVDs e não tem nada que eu não goste de fazer.
Zé Colmeia Conversar com as crianças. Desenhar e pintar, pois as crianças ficam mais fechadas nessas
atividades.

Fonte: Mardock (2012 p. 80).

IDEIAS-TEMAS
Gosto de descobrir o que as crianças querem fazer – Não gosto de fazer o que não sei -
Morte

É interessante que os brinquedistas gostam de desenvolver as atividades, pois


aprendem para ensinar as crianças, o que menos gostam é o que não conseguem
desenvolver tão bem. Segundo Matos (2010) era triste, e difícil a experiência da
perda. “Tínhamos de estar preparadas para tudo e saber enfrentar qualquer situação
inesperada”. “Durante todo esse tempo de estágio pudemos perceber o amadurecimento
em relação a todos os aspectos da vida”. “Agora passamos a enxergar a vida com outros
olhos e dar mais valor à saúde e à vida”.
Uma das coisas mais difíceis de enfrentar na brinquedoteca era a morte, pois
desde a capacitação já se falava, que sempre deveriam fazer o melhor de cada uma das
crianças e não deixar para depois o que poderia ser feito naquele dia, pois o depois
poderia ser tarde para aquela criança, então não poderiam perder a oportunidade,
mas só sabe realmente o que é isso, quando se enfrenta a situação; como o convívio é
próximo dos brinquedistas com as crianças e familiares, se envolvem emocionalmente,
e é difícil entender o porquê uma criança passa por essa situação, e ao mesmo tempo
dá uma palavra de conforto aos acompanhantes, na maioria das vezes não sabem o que

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ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

falar e acabam emprestando o ombro para que eles chorem.

Quadro 11 – Percepção de atuação na brinquedoteca

Chapeuzinho Sinto-me bem. As crianças transmitem algo bem satisfatório pra nós quando a fazemos
Vermelho servir.
Barbie Sinto-me muito feliz e abençoada por Deus, já que estou proporcionando coisas boas para
aquelas crianças e aprendendo também a encarar a vida de forma diferente, com mais
humildade e sabedoria.
Bela Adormecida Antes eu pensava que ia fazer o bem a alguém, hoje vejo que são eles que fazem o bem
para mim, quando a gente sai de lá, sente a sensação de alegria, de dever cumprido. A cada
sorriso, desenho ou dobradura, recorte que você recebe deles, o coração se enche de
alegria.
Branca de Neve Sinto-me muito feliz em levar alegria para as crianças, me sinto renovada a cada dia que
vou para a brinquedoteca, é uma lição de amor e alegria.
Cinderela Bem, aprendi com as crianças a superação e a força de vontade de cada uma delas de se
recuperar.
Rapunzel É maravilhoso poder fazer parte desse projeto, onde podemos trazer um pouco de
felicidade, descontração as crianças e aos familiares mais conforto e ânimo. Onde sabemos
que seremos muito bem recompensados quando conseguimos fazer pelo menos uma
criança sorrir naquele dia, sinto-me importante para elas, pois percebo que sentem minha
falta, é interessante eles sabem os dias que vamos, e eles ficam nos aguardando e quando
deixamos de ir, somos cobrados, pelas próprias crianças, e quando conquistamos a
confiança delas que não é muito fácil e tão rápido requer um certo “trabalho” dedicação,
elas fazem desenhos para nos presentear, dobraduras pensando na gente.
Preto Alfa Realizado!
Zé Colmeia Sinto-me bem, já que estou conhecendo a realidade das crianças e interagindo com elas.

Fonte: Mardock (2012 p. 81).v

IDEIAS-TEMAS
Muito Feliz – Abençoada – Realizado – Sinto-me bem

Segundo Santos (1997) entende-se também que para trabalhar numa brinquedoteca
é necessário um profissional diferente, o “brinquedista”, que antes de mais nada deve
ser um educador, ou seja, antes de ser um especialista em brinquedo, deve ter em
sua formação conhecimentos de ordem psicológica, sociológica, pedagógica, artística...
Enfim matérias que lhe dê uma visão de mundo e uma visão clara e crítica sobre
a criança, jogo, brinquedos, brinquedoteca, escola, homem, sociedade e, ao mesmo
tempo, seja uma pessoa com sensibilidade, entusiasmo, determinação, dinamismo,
que chora, que ri, que canta e que brinca.
Concordo com a autora que um brinquedista tem que ter todas essas qualidades,
e fico muito feliz, porque na brinquedoteca Carrossel, vê-se brinquedistas com um
coração enorme cheio de amor para dá a essas crianças, sentindo-se realizados, por
poder proporcionar um momento de alegria, sentindo-se recompensado através de
um sorriso, um abraço, um desenho que receberam de presente, pois sabem que
ganharam o dia quando fizeram uma criança enferma sorrir em meio ao sofrimento e
a dor, brinquedistas que se sentem abençoados e realizados por conhecerem crianças
especiais como as que frequentam a brinquedoteca.

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

Quadro 12 – Percepção de desempenho: pontualidade e criatividade na brinquedoteca

Chapeuzinho Procuro chegar um tempinho antes das 8:30 para quando as crianças forem à brinquedoteca
Vermelho elas encontrarem alguém para brincar com elas. Não sou muito criativo, mas tento me
superar.
Barbie Sou sempre pontual, procuro chegar as 8:00hrs e sair as 12:00hrs (3 vezes por semana),
me daria nota 9,0. Já minha criatividade precisa ser mais explorada, me daria nota 6,0.
Bela Adormecida No quesito pontualidade não falho e nem posso falhar, criatividade é bem interessante
porque quando falta algo no espaço que eles queiram a gente sempre dá um “jeitinho de
brasileiro”.
Branca de Neve Minha criatividade é boa, porque sempre busco fazer com que as crianças brinquem,
desenhem etc. quanto a pontualidade eu sempre chego e saio na hora certa.
Cinderela Não sou tão criativa, acho que poderia fazer mais.
Rapunzel Sempre exerço as atividades com o meu melhor, sendo pontual, pois as crianças esperam
com ansiedade a nossa chegada, a maioria das vezes elas já vão informando o que querem
fazer, pois a maioria das vezes elas querem desenhar ou jogar.
Preto Alfa Pontualidade: sou sempre; criatividade: nós nos “viramos nos 30”.
Zé Colmeia Na maioria das vezes chego antes do horário para preparar o local. Não sou tão criativo
mais consigo desempenhar muitas brincadeiras.

Fonte: Mardock (2012 p. 82).

IDEIAS-TEMAS
Há pontualidade – Tem criatividade

Constatou-se um sentido positivo. Segundo Porto (2010) o ato criativo é um ato


de coragem... a busca de solução e o “deixar fruir de dentro”... a criação é sempre um
ato de liberdade; quem cria se expõe.
Na brinquedoteca é de suma importância a pontualidade, e fica visível o
comprometimento dos brinquedistas com a pontualidade, pois as crianças já sabem
o horário de funcionamento da brinquedoteca e o horário em que os brinquedistas
chegam, então ficam ansiosos esperando, e é importante ressaltar como todos são
criativos, pois essa criatividade como a autora cita é uma coisa que vem de dentro, ou
seja, é realmente algo criado por eles. A criança tem a liberdade de criar desenhos,
personagens, histórias de faz de conta, jogos, enfim, usar e abusar da criatividade.

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ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

Quadro 13 – Percepção da equipe de profissionais da Clínica Pediátrica

Chapeuzinho Eles procuram ajudar também no trabalho da brinquedoteca. De minha parte não há
Vermelho reclamações com relações a eles.
Barbie Muito boa, as enfermeiras e médicos são muito atenciosos e procuramos sempre manter
um convívio harmonioso com todos do hospital.
Bela Adormecida A maioria nos trata super bem, são cordiais, nos recebem bem, ficam curiosos pra saber
quem somos e porque estamos lá. A gente também ganha muita experiência com eles.
Branca de Neve Nos dias em que eu vou, a equipe é sempre atenciosa e nos ajudam a fazer nosso papel na
brinquedoteca. Seria bom que a equipe que fica na recepção do HRBA fosse mais educada,
com todas as pessoas e conosco também.
Cinderela Muito bom, dependo do estado de espírito que os profissionais vêm para o trabalho, mas
geralmente são muito receptivos.
Rapunzel Sempre muito boa, pois eles também ficam felizes com as nossas atividades, pois acaba
facilitando também o trabalho deles, pois eles falaram que as crianças ficam melhores
quanto participam das atividades, aceitam melhor os medicamentos e também se
alimentam melhor.
Preto Alfa Os profissionais da saúde são muito gentis conosco.
Zé Colmeia Temos uma boa interação. Nós nos ajudamos bastante.

Fonte: Mardock (2012 p. 83).

IDEIAS-TEMAS
São Atenciosos - Gentis – Receptivos

Verificou-se um aspecto positivo no relacionamento dos brinquedistas com os


profissionais de saúde. Segundo Matos (2010) a condição de trabalho dos profissionais
de saúde tem sido um complicador na interação com as crianças, pois as condições
adversas de trabalho, a pressão de conviver com doenças graves, risco de morte
constante fazem com que os médicos e enfermeiros sejam obrigados a se acostumarem
a uma rotina rígida, plantões intermináveis, baixos salários, condições inadequadas de
trabalho, falta de equipamento, de remédios, de profissionais que atendam a demanda.
Apesar do que a autora cita, os brinquedistas têm um bom relacionamento
com os profissionais de saúde, porque sabem da importância desse trabalho na
brinquedoteca com as crianças, influencia no bem-estar, diminuindo a tensão da
intervenção hospitalar e com isso uma melhor aceitação da equipe de profissionais de
saúde. Os brinquedistas usam jalecos de cor diferenciada dos profissionais de saúde do
tradicional branco, usam coloridos, e contagiou os profissionais que atuam na clínica
pediátrica, perceberam essa aceitação, sendo que hoje a maioria deles usam jalecos
coloridos.

EIXO III: PERCEPÇÃO DAS CRIANÇAS E A BRINQUEDOTECA

A brinquedoteca tem a sua beleza, que encanta não só as crianças, mas os


próprios acadêmicos (brinquedistas) com a experiência que proporciona a cada um,

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

para a profissão e para a vida pessoal.


As brinquedotecas proporcionam momentos prazerosos às crianças,
acompanhantes e acadêmicos, pois nesse espaço de tão grande aprendizagem através
das práticas educativas com o lúdico, as crianças brincam, os acompanhantes ficam
felizes e os acadêmicos aprendem ao ensinar.

Quadro 14 – Percepção do impacto da brinquedoteca na vida das crianças


Chapeuzinho Sem dúvida. A brinquedoteca torna-se um refúgio de todo o tédio que é ficar em um leito
Vermelho hospitalar. Ainda mais que as crianças gostam muito dos brinquedistas e das atividades.
Barbie Sim. As crianças já esperam todos os dias ansiosos pela chegada dos brinquedistas,
algumas até só comem toda a comida porque sabem que depois vão brincar, segunda
afirmação das mães.
Bela Adormecida Sim, com certeza, elas ficam mais alegres, menos aborrecidas, perguntam por que não
fomos, ou deixamos de ir algum dia sua autoestima melhora muito.
Branca de Neve Sim, pois melhora na autoestima das mesmas, e até mesmo melhora na doença, elas gostam
de ir brincar conosco.
Cinderela Estado de humor, elas melhoram, ficam mais felizes.
Rapunzel Sim, uma melhor aceitação aos procedimentos, devido ao tratamento, as que frequentam
a brinquedoteca ficam mais felizes.
Preto Alfa Assim, quando nós brinquedistas não vamos elas sentem muita falta.
Zé Colmeia Sim, elas ficam na maioria das vezes mais interativas e perdem a timidez.

Fonte: Mardock (2012 p. 84).

IDEIAS-TEMAS
Refúgio do estresse – Alegria – Elas melhoram

Percebe-se um impacto positivo da brinquedoteca nas crianças através das


atividades desenvolvidas, contribuindo dessa forma para as práticas educativas e na
aceitação dos procedimentos e profissionais de saúde. Santos (2011) acredita que a
criança deve viver com alegria a própria infância, seja em casa, na escola, no bairro,
na comunidade, no hospital ou em qualquer outro ambiente. As brinquedotecas
unem-se pelos princípios que dela emanam, mas diferenciam-se pelo tipo, função e
características socioculturais. Por meio das atividades desenvolvidas na brinquedoteca
pode-se perceber a infância das crianças, pois ficam melhores, brincam felizes e menos
estressadas por se encontrarem em um leito de hospital.

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ANDRÉA RENI MENDES MARDOCK e ELIZABETH TEIXEIRA

Quadro 15 – Percepção positivas e negativas para as crianças em participar da


brinquedoteca
Chapeuzinho Além de interagir com outras crianças, na brinquedoteca elas podem fazer aquilo que mais
Vermelho gostam: brincar. Pontos negativos são zero, ou mínimos em raros casos.
Barbie As crianças que participam da brinquedoteca têm chance de se recuperar mais
rapidamente, de amenizar o sofrimento e o estresse adquirido pelo fato de estar doente.
Ainda não percebi os pontos negativos.
Bela Adormecida Pontos positivos é o desenvolvimento psicomotor, conhecem novas pessoas, ficam mais
alegres. E os pontos negativos se existem não são perceptíveis.
Branca de Neve Os positivos são a melhoria na saúde, autoestima e negativos não vejo nenhum.
Cinderela Positivo se distraem, aprendem, brincam, interagem com outras crianças.
Rapunzel Ao participarem das atividades, elas têm a oportunidade que se relacionarem com outras
crianças, desenvolvendo afetividade com sua espontaneidade, brincando, aprendendo e
criando, se descontraindo, sendo criança novamente, levando a criança a se sentir bem e
com vontade de voltar de novo.
Preto Alfa Na minha opinião os pontos positivos são que o espaço é uma alternativa para diminuir o
stress que é o hospital para as crianças e os negativos são que muitas vezes eles sentem
dificuldades em realizar as atividades por conta dos procedimentos realizados nos
mesmos.
Zé Colmeia Positivos são muitos, elas ficam mais alegres e dispostas. Negativos, acredito que nenhum.

Fonte: Mardock (2012 p. 85).

IDEIAS-TEMAS
Socialização – Alegres e Dispostas - Afetividade

Constatou-se um sentido positivo e afirmativo dos acadêmicos em relação


às atividades e a contribuição para as crianças. Segundo Santos (2008) o processo
educativo e a afetividade ganham destaque, pois as interações afetivas ajudam mais a
modificar as pessoas.
Por meio da brinquedoteca pode-se perceber as práticas educativas envoltas dos
brinquedos pedagógicos e das atividades lúdicas, onde as crianças aprendem e ao
mesmo tempo ensinam, principalmente como ser forte e lutar contra um tratamento
doloroso pela vida. Quando os brinquedistas estão na brinquedoteca com as crianças,
se tornam crianças, brincam com uma naturalidade, que se não estivessem nesse
espaço, talvez não fosse tão fácil, e o ato de brincar é fortalecedor e enriquece a vida,
através da socialização de brinquedos, tornando todos mais alegres e dispostos a novos
desafios.

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PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

Quadro 16 – Percepção de contribuições das atividades para as crianças e familiares


na brinquedoteca
Chapeuzinho Os pais também gostam de atuação dos brinquedistas, pois sabem que tem mais alguém
Vermelho que vai ajudar na recuperação de seu filho e isso alivia não só eles, mas também as crianças
do sofrimento que é muitas vezes um hospital.
Barbie As crianças e os familiares descarregam as tensões do cotidiano do hospital.
_ os pais ficam satisfeitos de verem seus filhos se divertindo.
_ A maior aceitação na hora de tomar os remédios (soro etc.)
_ A maior interação entre as crianças com os pais e também com outras crianças.
Bela Adormecida Os familiares conversam muito com a gente, tendo em vista que passam o dia sozinho,
sem ter com quem conversar, alguns deles até brincam com a gente, outros tem um tempo
para descansar. A nossa relação com as crianças e os familiares é muito boa. Eles sabem
que estamos ali para aliviar um pouco a dor e o sofrimento dos seus filhos, visto que a
maioria faz tratamento pesado como a quimioterapia, por exemplo.
Branca de Neve Para as crianças, elas socializam com os outros, se divertem bastante e para a família é
interessante porque eles conversam com a gente.
Cinderela Na interação com outras crianças aprendem novas coisas, os pais também brincam e se
distraem.
Rapunzel Percebo que os acompanhantes que geralmente são familiares (Mãe, Pai, Avó...) ficam
felizes quando estamos desenvolvendo as atividades com as crianças no espaço da
brinquedoteca, é o momento que muitos deles descansam, saem para dá uma volta, seja no
hospital ou até mesmo fora, porque eles se sentem segurança em nossas atividades, e/ou
ficam brincando conosco e as crianças, interagem nas atividades, alguns na verdade
acabam brincando até mesmo mais que a criança, pintam mais desenhos, jogam dominó,
baralho... Enfim aproveita para se descontrair também. Sem falar que algumas vezes
somos psicólogos ali dentro é conosco que eles vêm conversar sobre algo ou até mesmo
desabafar.
Preto Alfa Para as crianças: elas ficam muito felizes com o nosso trabalho e para os familiares é uma
oportunidade também para diminuir o stress que é ficar internado em um hospital, por
vários dias, visto que a maioria dos pacientes são de outras localidades.
Zé Colmeia Em primeiro lugar é na saúde, pois contribui muito para a recuperação delas. E quanto aos
familiares, eles desabafam, outros agradecem...

Fonte: Mardock (2012 p. 86).

IDEIAS-TEMAS
Dá Alívio – Contribui para o tratamento – Favorece a Conversação

As atividades desenvolvidas fazem um bem muito grande para a criança e


acompanhante; os acompanhantes desabafam e os acadêmicos ouvem; e quando
podem ajudar com uma palavra, um abraço, um sorriso, ou fazendo as crianças felizes
fazem isso de coração. Porto (2010) a brinquedoteca surge como uma alternativa aos
problemas de vida na sociedade contemporânea, pois ela socializa, o brinquedo resgata
brincadeiras tradicionais e é o espaço onde assegura à criança o direito de brincar.
Para a criança brincar significa fazer o corpo sentir, amar, viver e vibrar... o
brinquedo transforma o corpo... a cada movimento vive uma emoção, a cada toque
um sentimento. Brincar é amar e viver a plenitude do corpo em todas as nuances que
compõem a melodia da vida (Santos, 2008).
Apesar de toda dificuldade encontrada para a execução desse projeto, como espaço
pequeno e falta de brinquedos, o trabalho voluntário, é louvável a participação desses
acadêmicos nessa atividade; que enobrece a alma humana, desenvolver atividades com

90
crianças que realmente precisam dessa atenção cotidiana, colocando esperança em
seus corações.
Segundo Santos (2011) ao valorizar as atividades lúdicas como um meio a
mais na alavancagem dos processos de desenvolvimento e aprendizagem, requer
concomitantemente pensar na preparação daqueles que se dispõem atuar nesse campo
emergente, qualificando os instrutores (acadêmicos) que deverão atuar com os atores
(crianças e acompanhantes) nas mais variadas faixas etárias.
“Cada criança participante da brinquedoteca Carrossel é um exemplo de
superação para cada um de nós e sei que fazemos a diferença na vida delas”; e dessa
forma percebe-se que os brinquedistas não só ensinam as crianças, mas aprendem tanto
quanto elas, elas os fazem ficarem alegres quando estão contentes e tendo melhora em
seu quadro clínico, mas os deixam também super tristes quando partem para um
outro mundo ao qual não se conhece.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, buscou-se descrever as práticas educativas desenvolvidas na


brinquedoteca hospitalar, conclui-se que o amálgama dos saberes das diversas áreas de
formação dos brinquedistas, participantes desta pesquisa, além de enriquecer didática
e pedagogicamente as práticas educativas desenvolvidas com as crianças, favorece a
diversidade do brincar tornando-o um dispositivo educativo-cuidativo, envolvendo-as
de modo que possam ressignificar sua estadia no ambiente hospitalar, o que em alguns
casos é fator preponderante na potencialização dos tratamentos e terapias aplicados,
chegando até mesmo a reduzir o tempo de internação destas crianças.
No tecer do estudo optou-se por falar sobre um espaço-dispositivo que se destina
à ludicidade, ao prazer, às emoções, às vivências corporais, ao desenvolvimento da
imaginação, da criatividade, da autoestima, do autoconceito, da ação, da sensibilidade,
da construção do conhecimento e das habilidades. A brinquedoteca executa um papel
primordial no desenvolvimento da criança através do lúdico e as práticas educativas
abarcam a subjetividade dos sentimentos e alegrias e amenizam os pesares do cotidiano
das crianças, familiares e profissionais da saúde.
Quanto à participação das crianças e os acadêmicos nas práticas educativas,
conclui-se que a participação é humanizadora-acolhedora; as atividades desenvolvidas
fazem um bem muito grande para a criança e acompanhante; os acompanhantes
desabafam e os acadêmicos ouvem; e quando podem, ajudam com uma palavra, um
abraço, um sorriso, ou fazendo as crianças felizes, e fazem isso de coração.
Mais uma vez a brinquedoteca surge como uma alternativa, pois socializa-
humaniza-acolhe; é o espaço onde se assegura à criança o direito de brincar. A
PRÁTICAS EDUCATIVAS NUMA BRINQUEDOTECA HOSPITALAR EM SANTARÉM:
PERCEPÇÃO DE ACADÊMICOS

brinquedoteca tem a sua beleza, que encanta não só as crianças, mas os próprios
acadêmicos (brinquedistas) com a experiência que proporciona a cada um, tanto
para a profissão como para a vida pessoal. O envolvimento de acompanhantes, que
também são contagiados pelos brinquedistas, integra e coopera, e interagem nas
referidas atividades favorecendo um clima democrático no espaço brinquedoteca.
Transcendem-se limites lúdicos, tornando a brinquedoteca um local propício para o
desenvolvimento de novos laços e vínculos afetivos; o que foi nitidamente perceptível
ao longo do estudo, envolvendo os participantes os quais frequentemente relatavam a
singularidade das relações ali construídas.
É importante ressaltar a confiança que os acompanhantes depositam nos
brinquedistas, pois quando percebem a chegada deles ao passar pelo corredor da
Clínica Pediátrica, logo em seguida começam a sair dos leitos e se direcionar para a
brinquedoteca.
Dessa forma fica evidente a participação positiva dos brinquedistas e a forma
como conquistam as crianças e acompanhantes, mantendo amizade e confiança, de
forma envolvente nesse espaço tão aconchegante que é a brinquedoteca. Basta o sorriso
de uma criança que está enferma para este trabalho ser gratificante. Esses pequenos
gestos é que fazem a vida ficar mais feliz e completa.
Com base nessas conclusões, sugere-se um trabalho contínuo no espaço da
brinquedoteca, com equipe interdisciplinar e multidisciplinar, pois é perceptível a
necessidade educacional, psicológica e social. Destaca-se o papel dos brinquedistas
voluntários no desenvolvimento das práticas educativas por meio do lúdico. Ficou
evidente a necessidade das crianças serem acompanhadas pelos brinquedistas para
ocupar o tempo ocioso com atividades lúdicas-pedagógicas dentro do hospital. Com
isso, propicia-se o verdadeiro brincar, aquele que possibilita a expressão das necessidades
mais profundas do ser humano; aquelas que embora desconhecidas, podem estar
bloqueando a liberação de potencialidades ou impedindo o acesso à felicidade.

REFERÊNCIAS

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tado em 25 de setembro de 2017.
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MARDOCK, A. R. M. Práticas educativas com crianças em uma brinquedote-
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92
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93
BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS
NOS CONTEXTOS EDUCACIONAIS: CAMPO DE
POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE ATIVIDADES...

Shiniata Menezes
Ilka Bichara
Dalila Carneiro
Graziele Carneiro

Brinquedos

O brinquedo, o que é o brinquedo?


Duas ou três partes de plástico, de lata,
Uma matéria fria, sem alegria, sem história.
Mas não é isso, não é, filho?
Porque você lhe dá vida
Você faz ele voar, viajar...
Vamos, filho. Sabe que lugar é esse?
É um lugar de sonhos.
Uma casa de brinquedos.
Vamos entrar?

(Fernando Faro)

INTRODUÇÃO

C omo ambiente criado especialmente para a criança brincar, organizado de


distintas formas a depender do contexto no qual se situa, com brinquedos
de tamanhos diversos e alcançando públicos variados que diferem de acordo com a
sua localização, pode-se pensar uma brinquedoteca como uma casa de brinquedos –
que não será igual a nenhuma outra. Wanderlind et al. (2006, p. 265) a define como
um “espaço estruturado para estimular a criança a brincar, possibilitando o acesso a
grande variedade de brinquedos, dentro de um ambiente especialmente lúdico”. Dis-
poníveis às crianças que por lá transitam, os brinquedos têm sentidos e significados
diversos, pois refletem e representam o contexto sociocultural no qual estão inseridos.
Assim, transmitem símbolos sociais que ensinam às crianças atitudes e práticas cul-
turais (Bomtempo, 1999; De Conti, Sperb, 2001; Carvalho, Pedrosa, 2002; Pontes,

95
BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS EDUCACIONAIS:
CAMPO DE POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE ATIVIDADES...

Magalhães, 2003; Magalhães, Bichara, Pontes, 2003; Brougère, 2004; Gosso, Morais,
Otta, 2006).
Bougère (2004) coloca que o brinquedo, sendo uma das fontes de imagens e
representações culturais, é um suporte das ações lúdicas empreendidas pela criança.
Diante dele, a criança se depara com uma imagem cultural especialmente construída
para ela. Decifrar essa imagem implica apreender e se apropriar de códigos culturais
básicos que definem e regulam a vida social – padrões e conduta, inclusive expectativas
em relação aos gêneros, normas, valores, crenças, ritos. Isto é um desafio constante, ao
qual a criança responde, em grande parte, no e através do brincar. Assim, as diferentes
brinquedotecas constituem-se cenários diversos de produção e transformação da
cultura; por outro lado, estes mesmos cenários revelam múltiplos contextos culturais
nos quais as crianças estão inseridas.
Mesmo que apresentem características comuns, as brinquedotecas se diferenciam
quanto ao formato, conteúdo, propósitos, dinâmicas, locais nos quais estão situadas.
Ainda assim, como casa de brinquedos, é um local privilegiado para a vivência das
brincadeiras e das complexas interações que acontecem nos grupos de brincadeiras
(GB) e entre estes e os adultos profissionais que atuam nesses espaços.
A brincadeira oportuniza a manipulação e a interação lúdicas, processos
fundamentais de ressignificação e apropriação, pois a criança, na relação com
o brinquedo, cria formas inéditas, inusitadas de apreensão, ativa e autoral, das
informações culturais nele veiculadas. Assim, a criança não se limita nem à estrutura
do brinquedo, nem ao conteúdo simbólico que ele expressa, mas, brincando com
ele, sozinha ou em interação, transforma-o, atribuindo-lhe novos significados, muitas
vezes, inclusive, anulando/negando as prescrições (significados anteriores) veiculadas
pela estrutura do brinquedo e pela propaganda que incrementa sua distribuição e
consumo (Brougère, 2004).
Não nos referimos, aqui, apenas aos brinquedos já produzidos, aqueles que
chegam às crianças já formatados, mas incluímos também os brinquedos por elas
inventados a partir de objetos diversos, tais como papéis, elementos da natureza,
sucata, entre outros. Os brinquedos assim criados possibilitam perceber, de forma
mais direta, o processo transformador das brincadeiras que altera o significado deles,
atribuindo-lhes sentidos diversificados. Por exemplo, a bola de meia, a mesma que
pouco antes vestia o pé, tornada recurso essencial para a vivência da brincadeira de
futebol; ou pedrinhas, areia e folhas que viram uma armadilha ou se tornam apetitosas
iguarias em uma festa de aniversário de faz de conta.
Além de brincar, a criança estabelece com o brinquedo relações de posse, de
investimento afetivo, de exploração e de descoberta. Tais relações engendram a formação
de vínculos que precisam ser melhor compreendidos e respeitados. A depender da
idade, a criança pode vivenciar o brinquedo como parte dela mesma, uma extensão
de seu próprio corpo. Há que se ter cuidado nos momentos de “despedida” de tais

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SHINIATA MENEZES, ILKA BICHARA, DALILA CARNEIRO E GRAZIELE CARNEIRO

brinquedos, evitando-se a perda (ou o corte) abrupta. Tais vínculos também podem
explicar preferências que estão além de padrões de beleza ou valores socialmente
instituídos. Em cenários como as brinquedotecas, os brinquedos mediam interações
de parceria ou de conflitos entre pares, revelando-se ainda importante recurso nos
rituais de acesso às brincadeiras.
As brinquedotecas são relevantes para a criança contemporânea que vive nas
grandes cidades, podendo tornar-se um local privilegiado não só de encontro com
pares, como também de observação de suas brincadeiras, já que a grande variedade de
brinquedos disponível estimula desde o simples tocar e/ou experimentar objetos até a
complexidade das interações grupais (Bomtempo, 2009). Nas brinquedotecas também
é possível, através do brincar espontâneo, observar, problematizar e discutir aspectos
do desenvolvimento da criança, tais como suas habilidades, seu jeito de aprender,
como apreende sua realidade social (Adur; Polomanel, 2014). Há brinquedotecas que
inclusive já incorporam em seu acervo os jogos eletrônicos e muitas, no período em
que vigorou, no Brasil, o distanciamento social por conta da pandemia de COVID-19,
funcionaram de modo virtual, reinventando-se.
A organização do espaço lúdico tem se mostrado uma variável significativa na
determinação (e na previsibilidade) da forma e do conteúdo das brincadeiras. Assim,
a descrição e a análise de episódios de brincadeira podem revelar características da
organização do espaço – como arranjos espaciais1, disponibilidade de brinquedos e
de equipamentos, densidade, diferença de gênero – que influenciam no tipo, duração
e qualidade das brincadeiras empreendidas nesse espaço (Johnson, Christie, Yawkey,
1999; Campos-De-Carvalho, 2011; Bichara et al., 2009).
No entanto, ainda é pouco comum, em estudos de Psicologia do Desenvolvimento
no Brasil, pesquisas que abordem o meio físico e suas características e como as pessoas
– em especial, para os fins deste capítulo, as crianças – se relacionam com o espaço
(Kobarg, Kuhnen, Vieira, 2008; Bichara, 2006; Campos-de-Carvalho; 2004). Há, aqui,
uma lacuna, que se acentua ainda mais pelo destaque dado às influências do meio
social no desenvolvimento da criança, evidenciando o que Campos-de-Carvalho (2011)
considera uma negligência: poucas pesquisas que abordem as características físicas do
contexto. No entanto, podemos considerar a indissociabilidade entre os meios físico
e o sociocultural.
As brinquedotecas existem em diversos cenários: hospitais, creches, escolas,
universidades; além de unidades autônomas localizadas em bairros. Apesar da
centralidade do brincar, têm diferentes objetivos. A brinquedoteca escolar, além de
assegurar o direito às brincadeiras em um contexto que privilegia atividades acadêmicas,
possibilita investigar a relação das crianças com colegas, com os adultos que a cercam e
a interação com um novo ambiente físico que condiciona comportamentos, inclusive
1
Arranjos espaciais são configurações do espaço criadas a partir da “maneira como os móveis e equipa-
mentos existentes em um local estão distribuídos e posicionados entre si” (Campos-de-Carvalho, 2011,
p.71).

97
BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS EDUCACIONAIS:
CAMPO DE POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE ATIVIDADES...

as próprias brincadeiras.
No entanto, sabe-se que o contexto escolar, da educação infantil à universidade,
não é neutro; ao contrário, é um “texto” cultural forjado nas condições de existência das
pessoas que nele convivem, condições estas historicamente construídas. Esse “texto”,
relevante no processo formativo, se mostra e pode (deve) ser lido na arquitetura dos
prédios, na organização dos espaços de aprendizagem – desde a disposição dos móveis
aos currículos, oficiais e ocultos, adotados, que refletem as desigualdades sociais, as
múltiplas e diversas etapas de desenvolvimento e de mundos de vida, as diferentes
concepções e práticas educativas implementadas, condicionadas aos determinantes
sociais vigentes. Podemos então indagar e refletir sobre a inserção de uma “casa de
brinquedos” em tal contexto: para que? para quem? para brincar como, de que e com
quem?
Este capítulo aborda a brinquedoteca, concebendo-a como lugar de criança,
inserida em dois cenários educacionais a partir de dois enfoques distintos: inicialmente,
apresenta uma pesquisa realizada em uma escola pública municipal de Salvador/BA,
com crianças do grupo 5 da educação infantil que brincavam, em dias e horários
regulares, em uma brinquedoteca improvisada em uma área física cuja configuração
se aproximava a um estreito corredor (Figura 01) – portanto, muito distante dos
padrões sugeridos pela literatura. Este relato privilegia a brinquedoteca como lugar
de brincadeiras espontâneas entre as próprias crianças, entendendo-se brincadeiras
espontâneas ou livres como o brincar no qual não há intervenção nem participação
de adultos; as crianças brincam entre si, tendo liberdade para escolherem brinquedos,
tipos de brincadeiras e parcerias.

Figura 01 – Brinquedoteca com configuração de corredor

Fonte: Shiniata Menezes, 2013.

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SHINIATA MENEZES, ILKA BICHARA, DALILA CARNEIRO E GRAZIELE CARNEIRO

A seguir, o capítulo foca na experiência de duas bolsistas de extensão, graduandas


do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
na brinquedoteca universitária alocada no campus, enfatizando um modelo de
brinquedoteca no qual as crianças vivenciam três formas de brincar, a depender da
relação estabelecida com os adultos profissionais e estudantes e do lugar que estes
assumem nas brincadeiras empreendidas: o brincar espontâneo, tal qual o definimos
acima; o brincar dirigido, no qual o adulto é o autor da proposta (define e explica regras,
por exemplo) e a coordena, observando-a, em geral; e ainda o que aqui tomamos a
liberdade de nomear como brincar mediado, no qual o adulto (1) apresenta a proposta,
porém a negocia com as crianças, buscando respeitar sua autonomia – o que traz
inovações à proposta, tornando-a uma experiência de autoria compartilhada; (2) pode
assumir, na brincadeira, o lugar de brincante ou acompanhar seu desenvolvimento
enquanto observador.
O relato da pesquisa e o relato da extensão, ainda que experiências distintas,
têm pontos de ancoragem comuns: a concepção de criança ativa e criativa; o respeito
e a defesa da brincadeira, em suas diferentes formas, como direito das crianças; a
observação do brincar espontâneo como método; a brinquedoteca escolar como
campo fecundo de investigação e de aprendizagem, relevante à formação acadêmica.
No entanto, quando tomamos como referência a concepção do brincar espontâneo,
os dois relatos se distanciam, visto que na brinquedoteca universitária, diferentemente
da brinquedoteca da educação infantil, tal forma de brincar, ainda que valorizada, não
é exclusiva.
Antes de relatar as experiências, vejamos breves considerações sobre os dois tipos
de brinquedoteca escolar de que tratamos neste capítulo.
Enquanto contexto de desenvolvimento, os espaços educacionais privilegiam
as interações, portanto as trocas de experiências e de repertório lúdico. No nível da
educação infantil, pensa-se em um tripé interacional, construído no cotidiano das
crianças com o meio físico; com os(as) educadores(as); e entre si – tanto nas dinâmicas
internas dos grupos de brincadeiras, como no contato entre os diferentes grupos
(Menezes, 2014). A brinquedoteca da educação infantil, instalada dentro da escola, é
assim atravessada por esse conjunto de dinâmicas interativas que acontecem de modo
simultâneo, como um todo e em movimento, capturadas nos episódios de brincadeiras
em sua complexidade e diversidade.
A brinquedoteca da educação infantil, quando existe, é um espaço que assegura
o direito às brincadeiras espontâneas, ainda que de modo restrito, pois o acesso à
mesma depende da rotina escolar. Em geral, a frequência não é diária, mas disposta
em dias específicos, com duração estimada pelo tempo total dedicado ao recreio,
em torno de 30 minutos. É um tempo escasso quando comparado à agenda das
atividades acadêmicas, também impactado por outros fatores flutuantes, inclusive
o comportamento das crianças, regulado, muitas vezes, pela permissão ou não de

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BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS EDUCACIONAIS:
CAMPO DE POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE ATIVIDADES...

ir à brinquedoteca, conforme critérios estabelecidos pelos(as) educadores(as). A


brinquedoteca da educação infantil pode não seguir as especificações determinadas
pela literatura. Pode ainda funcionar como espaço compartilhado que atende a outras
demandas da escola, impondo adaptações ao uso pelas crianças; nela pode haver
interdições de alguns brinquedos e brincadeiras. Mas, mesmo com todas as restrições,
é uma área lúdica muito apreciada pelas crianças, especialmente quando estas têm a
possibilidade de escolha de parceiros, brincadeiras e brinquedos.
A brinquedoteca universitária surgiu a partir do aumento dos cursos superiores
no Brasil, quando houve a necessidade de oferecer serviços para o campo externo ao
ambiente universitário; ou seja, a necessidade de transformar os conhecimentos já
adquiridos na universidade em vantagens para a população (Castro; Castro, 2010).
Portanto, tal tipo de brinquedoteca se assenta na tríade ensino, pesquisa e extensão;
o foco está em auxiliar na formação acadêmica de profissionais que valorizem e
compreendam a importância das brincadeiras para o desenvolvimento infantil, ao
tempo em que se prestam serviços à comunidade, inclusive de cunho educativo, através
de atividades extensionistas como palestras, cursos, simpósios, e também em propostas
de estudos sobre a presença do lúdico nas práticas de ensino (Roeder, 2008). Assim, a
brinquedoteca funciona como um laboratório de ludicidade a partir da promoção de
pesquisa, extensão, observações e atividades com crianças, proporcionando-lhes um
espaço com diversidade de brinquedos e asseguramento do direito de brincar (Araújo,
2011; Oliveira et al., 2017).
Sugere-se a criação desses espaços considerando-se seu potencial para o
desenvolvimento de pesquisas na área do desenvolvimento infantil, como, por exemplo,
sobre a presença do lúdico na formação educacional da criança e seus impactos como
recurso que intensifica a aprendizagem infantil (Reis; Araújo; Baptista, 2017), mas
também levando-se em consideração que a brinquedoteca em universidades quebra
paradigmas em relação à presença de crianças e por se constituir, desse modo, em um
espaço de brincar.
Uma brinquedoteca universitária subverte paradigmas a começar pela garantia
da participação infantil em território acadêmico. Também o faz pela recusa em ser um
espaço insularizado de jogo e de brincadeira. Não o é na medida em que sensibiliza
para o direito de participação lúdica da criança nos diversos tempos e espaços da vida
no campus e em contextos comunitários (Farenzena et al., 2018, p. 68).
O autor ressalta o compromisso da universidade em problematizar a divisão
do tempo de brincar e tempo de aprender que ainda prevalece nas escolas, como
se o brincar não favorecesse a aprendizagem infantil (Farenzena et al., 2018). Cabe
ao espaço da brinquedoteca universitária discutir essa temática através de projetos e
práticas, embora não seja fácil romper com essa divisão (Farenzena et al., 2018). Mas
é uma empreitada válida e necessária, pois o brincar ainda é considerado por muitas
pessoas apenas como fonte de lazer para a criança e como uma tarefa útil para ocupar

100
SHINIATA MENEZES, ILKA BICHARA, DALILA CARNEIRO E GRAZIELE CARNEIRO

o tempo livre da mesma.


Assim, em uma perspectiva mais ampliada, compreende-se a brinquedoteca
universitária enquanto processo formativo para discentes de cursos de graduação,
mediado por estratégias de ensino que envolvam a aprendizagem, através das
brincadeiras (Roeder, 2008). No entanto, apesar de tal importância, nota-se que ainda
há uma invisibilidade da brinquedoteca universitária no meio acadêmico, visto que
seus recursos e mesmo a relevância do brincar são desconhecidos por alguns discentes
(Reis; Araújo; Baptista et al., 2020).
Passamos, então, ao relato das duas experiências que embasam este capítulo.

A PESQUISA EM UMA BRINQUEDOTECA DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Na pesquisa2 empreendida em uma escola pública municipal, com 20 crianças


de dois grupos de 05 anos (G5), observou-se, de forma direta e com registro cursivo
contínuo focal3, crianças brincando na brinquedoteca nos horários de recreio,
considerando o constructo de Rasmussen (2004): lugares para crianças – concretos e
planejados por adultos visando o bem-estar e segurança das crianças, representando
expectativas, normas e valores da cultura na qual elas estão inseridas; lugares de crianças
– concretos ou imaginados pelas crianças, que neles investem afeto; são, assim,
subjetivos, contam histórias e retratam/significam vínculos pessoais, mas podem ser
compartilhados. Objetivou-se compreender como crianças de 05 anos, ao brincar,
poderiam construir lugares de crianças através da ocupação, apropriação e ressignificação
da brinquedoteca, compreendida como um lugar para crianças. Participaram da pesquisa
20 crianças dos grupos 5A e 5B. A análise deu-se em duas dimensões: descritiva –
criação de tabelas e gráficos; e analítica – os registros foram submetidos à Análise de
Episódios para Ilustrar um Argumento (Pedrosa; Carvalho, 2005). Percebeu-se que as
crianças construíram os lugares de utilizando duas estratégias: (1) ocupação e uso de
toda a área, aproveitando e incorporando às brincadeiras degraus, paredes, móveis
e mesmo o trânsito pela brinquedoteca, tanto de crianças como de adultos; e (2)
exploração das potencialidades da brincadeira simbólica (Moraes; Otta, 2003) e dos
brinquedos disponíveis; a brincadeira simbólica, inclusive, funcionou como suporte
para as brincadeiras turbulentas (Moraes; Otta, 2003), proibidas – as crianças usavam
brinquedos diversos (miniaturas de animais, bonecos...) para empreenderem lutas, por
vezes intensas, dentro de enredos imaginários. Tais achados revelaram uma dimensão
2
Pesquisa realizada no mestrado (PPGPSI UFBA, 2012-2014), pela primeira autora, orientada pela segun-
da autora deste capítulo.
3
O registro cursivo focal é a descrição fidedigna, escrita à mão pelo(a) pesquisador(a) durante as obser-
vações realizadas como procedimento de coleta de dados de determinado estudo. A descrição é feita em
formulário específico, chamado Protocolo Observacional, que varia de modelo conforme as característi-
cas do estudo e objetivos propostos.

101
BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS EDUCACIONAIS:
CAMPO DE POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE ATIVIDADES...

simbólica do construto de Rasmussen (2004), ancorada na construção de vínculos e em


vivências de interações sociais, não explorada pelo autor em seus estudos, mas por nós
aprofundada, inclusive em pesquisa posterior que resultou na defesa de tese do grupo
de brincadeira (GB) como lugar político (construto GB-P), assentado na dinâmica
interacional vivenciada no contexto escolar. Compreendeu-se que a configuração
restrita da brinquedoteca impactou sua ocupação, tipos de brincadeiras e modos de
interação. Porém, as crianças brincaram muito, escolhendo, usando e negociando os
brinquedos disponíveis, ocupando criativamente toda a área. Conseguiram assegurar
o brincar, superando obstáculos. Concluiu-se que a construção dos lugares de crianças
na brinquedoteca funcionou como respostas das crianças aos desafios e limites da
escola, constituindo-se em importante recurso no enfrentamento à cultura escolar, na
defesa de seus interesses e da brincadeira espontânea. Dessa forma, o estudo embasa
reflexões sobre a brinquedoteca escolar enquanto espaço de fortalecimento da cultura
de pares.
A partir desta pesquisa, queremos ressaltar a brinquedoteca da educação infantil,
ainda que diversa em suas configurações físicas e conteúdo (brinquedos, equipamentos,
condições ofertadas às crianças), como lugar de criança – ou seja, lugar privilegiado
da brincadeira espontânea, assegurando aos grupos de brincadeiras (GB) o direito
de escolher como, de que e com quem brincar. A brinquedoteca que tomamos aqui
como referência tinha características peculiares que a distanciava dos padrões exigidos
e desejáveis, indicados pela literatura (Bomtempo, 2009; Wanderlind et al., 2006). Sua
área de 29,31m² tinha a forma de um corredor estreito, sem cantos ou espaço central,
no qual, além de estantes de brinquedos e algumas mesas e cadeiras nas quais as
crianças gostavam muito de brincar de faz de conta, havia também uma área de serviço
com máquina de lavar e móveis em desuso, um banheiro adulto ativo, um depósito de
merenda escolar; o acesso se dava atravessando duas salas de aula e logo após o portão
havia um armário para uso dos funcionários da escola. Portanto, esta brinquedoteca,
além de improvável como tal, não era um espaço para uso exclusivo das crianças. Nela
circulavam, nos momentos de recreio, vinte e cinco crianças, além das professoras,
auxiliares, estagiárias, pesquisadora e funcionários. Mesmo assim, o que pudemos
observar foi a vivência de diversos tipos de brincadeiras engenhosas, especialmente
ricos enredos e performances de brincadeira simbólica (ou faz de conta), que revelaram a
complexidade das interações entre pares ao confrontar a cultura escolar e defender seus
próprios interesses assegurando que, apesar de todas as controvérsias, a brinquedoteca
se tornasse um lugar de criança, cenário de suas interações, de sua inventividade, de seu
protagonismo, descobertas, aprendizados – todos mediados pelo brincar espontâneo.
Apesar das limitações em sua configuração, a brinquedoteca dispunha de muitos
e variados brinquedos, cujo uso pelas crianças foi fundamental nos processos de
negociação de seus interesses com parceiros e com os adultos profissionais com quem
interagiam. Isso nos faz refletir que o acesso livre e autônomo aos brinquedos, e não
apenas a variedade destes, foi essencial para que as crianças superassem, de forma

102
SHINIATA MENEZES, ILKA BICHARA, DALILA CARNEIRO E GRAZIELE CARNEIRO

criativa, as restrições da brinquedoteca.


As duas estratégias de construção de lugares de crianças que elencamos acima, que
em muitas situações foram observadas ocorrendo de modo integrado e simultâneo,
apontam que tal superação deu-se através de processos coletivos que demonstram
o potencial e o alcance do brincar espontâneo, pois as crianças, ao se apropriarem
criativamente dos obstáculos impostos pela área lúdica, terminaram por usá-los para
possibilitar e mesmo expandir o espaço de suas brincadeiras. Por exemplo, a área de
serviço, apesar de aparentemente ser inadequada à realização de brincadeiras, tornou-
se um local preferido das crianças, pois era mais largo; lá aconteceram diversos tipos
de brincadeiras, tais como: o carro imaginário, formado pela parede debaixo de duas
pias – a configuração física da brinquedoteca transformando-se em um brinquedo
muito especial, que conduziu um grupo de brincadeira misto por vários locais de
uma cidade também inventada, alargando, assim, o espaço restrito da brinquedoteca;
uma brincadeira de bola, muito improvável devido às condições da área lúdica, que
transcorreu em um espaço desdobrado, por assim dizer, localizado tanto na concretude
da área de serviço como no espaço interacional entre seus protagonistas – de fato, o
único espaço possível a uma brincadeira desse tipo, já que a bola – essa era a regra –
devia passar de um ao outro sem cair para o lado e invadir outras brincadeiras que
também aconteciam no momento.
Destacamos ainda o uso pelas crianças em suas brincadeiras do que chamamos
trânsito na brinquedoteca, ou seja, o deslocamento, o ir e vir em uma área estreita
por onde circulavam diversas pessoas, gerando uma densidade elevada. Pois nessas
circunstâncias as crianças criaram uma brincadeira cuja característica principal era
justamente atravessar toda a brinquedoteca, desde a área de serviço até o portão de
entrada, comunicando-se através de “rádios” imaginários. Ou ainda um menino que,
agachado, brincou de se deslocar por toda a brinquedoteca empurrando desse jeito um
pequeno carrinho. Aparentava estar bem satisfeito ao enfrentar os obstáculos, esbarrar
com colegas, tentar achar brechas para continuar avançando.
E como agiam os adultos durante os recreios na brinquedoteca? Observamos
que tentavam regular os comportamentos das crianças, permitindo ou vetando
determinadas brincadeiras, mediando conflitos causados pela posse de brinquedos,
nem sempre considerando regras definidas pelas próprias crianças, como o critério de
“quem pegou primeiro”.
Outro aspecto que marcou essa regulação das brincadeiras na área lúdica da
brinquedoteca foi a questão de gênero, já que principalmente as auxiliares entendiam
que havia brincadeiras adequadas às meninas e outras pertinentes ao universo dos
meninos, agindo, em muitas situações, de forma rígida com as crianças. Ainda assim,
estas conseguiram, em algumas ocasiões, desenvolver brincadeiras que, de certa forma,
escapavam a esse controle. Vejamos um exemplo:
Meninos brincam com bonecas (Registro D):

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BRINQUEDOTECA COMO LUGAR DE CRIANÇAS NOS CONTEXTOS EDUCACIONAIS:
CAMPO DE POSSIBILIDADES, CONTINUUM DE ATIVIDADES...

Carlos brinca com o castelo, nas Mesas, com colegas. Há bonecos e animais que
se envolvem em lutas. Outro colega, Mathias, traz uma boneca que veste um short e
um top, inserindo-a na brincadeira. Os meninos riem. Carlos vai à estante, pega uma
boneca e também a insere na brincadeira. As duas bonecas se encontram e lutam.
Depois a brincadeira continua com os meninos tentando colocar as bonecas em
diversas partes do castelo. Ambos riem muito.
A luta entre as duas bonecas ocorre outra vez. Depois Carlos, rapidamente,
abaixa o short de uma das bonecas; depois levanta seu top. Ele e Mathias riem. Carlos
encosta a boneca no rosto de Mathias, que está sentado à mesa brincando, e faz com
que a boneca o beije na boca. Mathias toma um susto, mas sorri. Carlos ri. Depois
acontece uma terceira luta entre as bonecas.
Este episódio oportuniza a discussão sobre a brincadeira de meninos com bonecas
(note-se que não se trata de um brincar de bonecas, típico de meninas), ao tempo
em que ilustra a brincadeira simbólica de luta mediada por brinquedos. Embora
desde o início do episódio já se observe a brincadeira de luta através de bonecos e
animais, a introdução das duas bonecas no cenário lúdico não apenas dá continuidade
à brincadeira, como possibilita a incorporação de novos significados (sinalizados,
inclusive, pelo riso de ambos os brincantes), claramente alusivos à curiosidade sexual
pelo corpo feminino representado nas bonecas e à provocação de um “beijo roubado”.
O registro ainda informa sobre as amplas possibilidades de manipulação de
brinquedos que assim adquirem novos significados (Brougère, 2004). Apesar de ser
um brinquedo característico de meninas, seu uso pelos meninos mostra-se alinhado
ao universo cultural masculino (De Conti; Sperb, 2001).
Dessa forma, constatou-se nesta pesquisa que o adulto assumiu a função de
cuidador (Cotrim; Bichara, 2013), entendendo-se as ações de repreensão, ordem e
veto como ações de cuidado com as crianças no contexto escolar.
Passamos, então, ao relato de experiência de extensão de duas bolsistas, estudantes
do curso de Psicologia, na brinquedoteca da Universidade Estadual de Feira de Santana
– UEFS. Seguimos, com curiosidade, a indagação: como as crianças brincam nesse
espaço que, prioritariamente, se apresenta com o objetivo da formação acadêmica – o
que vincula o brincar ao aprender, tanto das crianças quanto dos adultos que com elas
se relacionam na brinquedoteca universitária?
A brinquedoteca UEFS atende crianças entre 0 a 10 anos de idade, filhas e filhos
de servidores, docentes, discentes e da comunidade externa ao ambiente universitário.
Trata-se de um espaço que, embora busque priorizar o brincar espontâneo, implementa
também em suas ações dois outros tipos de brincar, conforme explicitamos
anteriormente: o brincar dirigido e o brincar mediado. Se, no relato sobre a pesquisa em
uma brinquedoteca da educação infantil, observamos o brincar espontâneo exclusivo
entre as crianças e a relação destas com adultos profissionais que se colocavam no lugar
de cuidadores que realizavam intervenções no brincar, regulando-o, na brinquedoteca

104
SHINIATA MENEZES, ILKA BICHARA, DALILA CARNEIRO E GRAZIELE CARNEIRO

universitária de que tratamos aqui o cenário, tanto físico quanto social, é totalmente
outro. Vivenciando essa “casa de brinquedos” voltada à pesquisa, ao ensino e à extensão
no nível universitário, as crianças têm a oportunidade e o desafio de empreenderem
formas de brincar distintas, estabelecendo com os adultos diferentes interações a
depender do lugar que estes ocupam nas brincadeiras.
No brincar espontâneo tal como o entendemos aqui, o adulto é o observador que
busca aprender e apreender a complexidade das brincadeiras infantis, respeitando a
autonomia e a autoria das crianças. Ao participarem das brincadeiras espontâneas das
crianças, por exemplo, quando convidados, os adultos ficam atentos para não retirar
o protagonismo destas. E interferem em tais brincadeiras quando solicitados pelas
crianças ou quando surge a necessidade de intervenções. Por outro lado, no brincar
dirigido, implementado a partir de atividades, os adultos seguem um planejamento
prévio flexível; ainda que considerem sugestões e opiniões das crianças, estas não
escolhem as brincadeiras.
Entre o brincar espontâneo e o brincar dirigido, há outra forma de brincar na
brinquedoteca UEFS que se apresenta quando o adulto engaja-se nas brincadeiras,
tornando-se brincantes. Então, o que antes se apresentava como consulta às crianças,
torna-se, em um continuum de possibilidades, brincadeira mediada, ou seja, negociada,
combinada com as crianças que assim dela se apossam, transformando-a junto com
os adultos. A inclusão do adulto no grupo de brincadeira (GB) das crianças é algo
que merece ser mais estudado, principalmente à luz dos achados de Menezes (2020),
quando propõe a tese do GB como lugar político no contexto escolar. Note-se que o
papel do adulto cuidador mostra-se transversal aos três tipos de brincar ora elencados.
Vejamos, no relato das bolsistas, como as crianças brincam nesta brinquedoteca,
considerando suas características específicas.

RELATO DE BOLSISTAS DE EXTENSÃO EM UMA BRINQUEDOTECA


UNIVERSITÁRIA4

A brinquedoteca UEFS recebe crianças que vêm de diferentes contextos sociais,


algumas delas desprovidas de recursos financeiros e consequentemente de brinquedos.
Muitas também não dispõem de espaços físicos adequados para o brincar; assim, a
brinquedoteca universitária ameniza a desigualdade social ao tratar todas as crianças
da mesma forma – vale sinalizar que todas as crianças são acolhidas independente de
classe, raça ou gênero – e dispor de profissionais qualificados para observar e intervir
nas brincadeiras, quando necessário. A maioria dessas crianças possui cadastro fixo na
brinquedoteca, ou seja, tem sua vaga reservada em um ou dois dias da semana, pela
manhã e/ou pela tarde. Outras crianças que não possuem cadastro fixo fazem reserva
4
Programa de extensão: “Ensinar e aprender brincando: Proposta alternativa para a formação docente”.

105
das vagas restantes através do contato com a equipe da brinquedoteca via e-mail ou
telefone. São permitidas, no máximo, dez crianças no espaço, embora esse critério
varie com as visitas de escolas da educação infantil, que ocorrem principalmente
durante o mês de outubro, quando se comemora o Dia das Crianças.
Cada criança que frequenta o espaço tem a oportunidade de explorar os diversos
cantinhos de brinquedos: consultório médico, casinha, camarim, leitura e brinquedos
de montagem, sendo que cada uma delas possui suas preferências, ou seja, cantinhos
que costumam brincar frequentemente. Nos momentos de brincar espontâneo, quando
podem escolher com qual brinquedo desejam brincar, com quem e onde desejam
permanecer, ou mesmo escolher não brincar – o que é raro, as crianças exercitam o
fortalecimento de sua autonomia. A observação dessas brincadeiras faz parte da rotina
dos adultos e embasam as outras atividades lúdicas por eles coordenadas.
Dessa maneira, foi possível registrar momentos como o futebol na área externa
da brinquedoteca, em que as crianças, mesmo não dispondo de um local realmente
adequado para o jogo, adaptaram-se ao espaço da área externa permitido às brincadeiras.
Ali elas estão em contato com a movimentação cotidiana da universidade, ou seja, com
a vizinhança de outros espaços, com pessoas transitando, conversando ou estudando
nas proximidades. É interessante notar a brincadeira espontânea assegurando e
dando visibilidade à participação das crianças no cenário acadêmico (Farenzena et
al., 2018), misturando-se aos afazeres dos estudantes, docentes, servidores, trazendo às
suas dinâmicas outras cores e outras sonoridades (como ficar insensível aos gritos de
“gooolll!!!”?).
Em outros episódios de futebol, o início de um corredor se transformou na trave,
sendo que o jogo era constantemente interrompido pela passagem de discentes. Isso
demonstra tanto a adaptação da brincadeira às condições físicas disponíveis, recriando-
as, como a capacidade do grupo de brincadeira de sustentação coletiva apesar dos
obstáculos.
Em outros momentos de brincadeiras espontâneas observadas, as cadeiras da
brinquedoteca se tornaram um trem, ou camas, avião, obstáculos de um percurso
de uma competição. O sofá presente na área interna se transformou em um palco
de shows, algumas crianças se tornaram os artistas famosos e as outras crianças se
transformaram em uma plateia e em fãs. O cantinho temático do escritório tornou-se
escritório de um advogado, sala de atendimento médico e sala de espera de uma clínica
médica. O banheiro infantil e a cozinha se transformaram em esconderijo. Toda a
brinquedoteca e tudo que há nela, para as crianças frequentadoras, torna-se algo a
ser utilizado no brincar. O que não se tem se faz com o que tem, é inventado, criado
e fantasiado; assim surgem diversas brincadeiras, histórias, encontros, experiências.
Aqui encontramos o processo de transformação do espaço, do uso de seus recursos, da
criação acontecendo, fomentando os empreendimentos lúdicos coletivos.
Tais registros das brincadeiras espontâneas na brinquedoteca UEFS indicam
ocupações e apropriações autorais, inéditas, que nos fornecem pistas da transformação
da brinquedoteca em um lugar de crianças, na perspectiva que adotamos no presente
capítulo.
Mas como acontecem as performances das crianças em brincadeiras dirigidas ou
mediadas? Nesses momentos, elas participam de atividades que envolvem o desenho
coletivo, mímica, história coletiva, faz de conta direcionado, entre outros recursos. Tais
atividades são desenvolvidas visando o respeito à faixa etária e consideram o número
de participantes envolvidos. Entre as muitas atividades implementadas, selecionamos,
para fins deste capítulo, os registros de dois episódios de brincadeiras mediadas – “Os
fantoches” e a “brincadeira de casinha”:

“OS FANTOCHES”

As crianças foram convidadas a criar uma história contendo personagens como


a professora, a própria criança e os colegas, envolvendo o brincar e a brinquedoteca.
As crianças tiveram liberdade para decidir o desenvolvimento e a forma como seria a
história e quais recursos seriam utilizados. A atividade foi iniciada com uma criança
de oito anos, única que concordou em participar. Disse que a professora “fala o que a
criança pode ou não pode fazer, conversa e brinca com a gente”, e que a criança brinca.
Ela optou por fazer uma história utilizando bonecos fantoches. Com dois pequenos
fantoches para representar as crianças e um maior com o livro para ser a professora,
disse que a professora deveria contar uma história. Como tinham outros fantoches
próximos, a criança pegou outros dois, um padeiro – que ela disse que faria o lanche;
e uma médica – por conta do consultório médico, que faz parte do espaço lúdico da
brinquedoteca. Outra criança, de cinco anos, se aproximou e disse que a criança “corre
e joga as coisas pela brinquedoteca” e que a professora “fala que não é pra correr e
jogar as coisas”. Essa outra criança disse que seria a menina, entre os dois fantoches
que foram escolhidos como as crianças, inicialmente. Porém, ela se dispersou e não
construiu nenhuma história. A outra criança também se dispersou e foi para outra
brincadeira.
Percebeu-se que houve uma identificação de papéis, pois como a bolsista
também participou da atividade, foi ela quem ficou com o fantoche que representava
a professora; a criança ficou com os fantoches que representavam as crianças. Além
disso, é interessante notar que esta brincadeira mediada revela o olhar das crianças
para os múltiplos papéis ou lugares ocupados pelos adultos nesta brinquedoteca: a
criança os reconhece em sua posição de autoridade, que define o que ela, criança,
pode ou não fazer; ou seja, o adulto é aquele que estabelece normas – e isso se aplica
também às brincadeiras dirigidas nas quais é este quem dita as regras; o adulto, segundo
a criança, também conversa (e, nas brincadeiras, esse lugar é percebido com maior
clareza na forma mediada) e brinca (quando assume o papel de brincante, junto com a
criança). É ainda responsável pelo lanche (podemos compreender o papel do padeiro
representando a importância da segurança alimentar para a criança) e, igualmente, o
lugar da médica (importância dos cuidados com a saúde).
Curiosamente, o lugar da criança é representado por uma imagem que evoca
liberdade (correr) e transgressão (jogar as coisas pela brinquedoteca, o que não deve ser
feito), o que nos faz indagar quais recursos as crianças desta brinquedoteca utilizam no
enfrentamento da cultura escolar, também presente nesses espaços. Não esqueçamos
que esta é uma brinquedoteca universitária, que cumpre objetivos outros além da
promoção do brincar. E que tais objetivos, acadêmicos, se alicerçam em diversas regras
– a criança está em um ambiente outro, e isso se expressa, por exemplo, nas restrições
de uso da área externa, já que é compartilhada com o público adulto que frequenta a
Universidade, como vimos anteriormente. Assim, pelo olhar das crianças envolvidas
na breve brincadeira de faz de conta com fantoches, encontramos representações dos
lugares que demarcam as múltiplas possibilidades de interação entre criança e adulto
na brinquedoteca UEFS.

“BRINCADEIRA DE CASINHA”

A brincadeira de casinha aconteceu no cantinho da cozinha de brinquedos,


composto por várias panelinhas, mesa, cadeiras, geladeira, pia, fogão e demais
brinquedos afins. Participaram dessa atividade três meninas e uma bolsista de extensão.
Uma das meninas, com quatro anos de idade, disse que a bolsista, juntamente com
as outras duas crianças, representariam as filhas, enquanto ela seria a mãe. A criança
(mãe) direcionou que todos os participantes da brincadeira sentassem nas cadeiras
e esperassem, pois ela iria cozinhar o lanche. Após manusear panelinhas, geladeira
e fogão, a criança (mãe) entregou um cupcake de brinquedo para cada integrante da
brincadeira, ao mesmo tempo em que também alimentou as bonecas (também suas
filhas). Durante essa atividade, foi comum que as crianças expressassem falas como
“minha mãe faz assim” e isso justificava o fato da criança fazer igual. Houve também
ensinamentos compartilhados entre as crianças, tais como lavar as mãos antes de
comer e mastigar com a boca fechada.
Durante essa brincadeira, notou-se que as crianças se apresentaram entusiasmadas
e disponíveis para novos diálogos e ensinamentos. Constatou-se a expressão de papéis
sociais; dessa forma, cada criança se comportou tentando seguir padrões culturais de
como uma mãe ou filha devem se comportar. Fato interessante é que a criança de
quatro anos exigiu que fosse chamada de “mamãe” ao invés de ser chamada por seu
próprio nome, pois naquela brincadeira ela realmente assumiu o papel de mãe.
Neste faz de conta, típico das meninas, as crianças se lançaram no mundo adulto
– e este é um dos privilégios das brincadeiras simbólicas – vivenciando o processo que
Corsaro (2011) nomeou como reprodução interpretativa, através do qual as crianças se
apropriam criativamente da cultura na qual estão inseridas, mas o fazem reelaborando
conteúdos. Experimentam papéis sociais que, na realidade cotidiana, ainda não podem
experimentar, e assim tentam decifrar e compreender seus códigos, seus significados
coletivamente estabelecidos. Atribuem, assim, novos sentidos a ações que vivenciam
no cotidiano (Vigotski, 2008). Por isso a nomeação como “mamãe” é uma exigência
que valida a brincadeira; por isso ocorre o compartilhamento de vivências com as mães
“de verdade”. A brincadeira, em uma perspectiva de análise mais extensa, informa
também sobre as relações entre os gêneros na sociedade em que tais crianças vivem (ou
seja, as atribuições associadas ao papel da mãe, da mulher).
Em síntese, observou-se que, a partir das brincadeiras mediadas, as crianças
conseguiram se colocar em representações de papéis e dizer qual o objetivo e função
de cada papel social. Além disso, a interação com as outras crianças na brinquedoteca
fez com que as ideias e conhecimentos sobre esses papéis fossem compartilhados.
Dessa forma, nas tramas interacionais entre pares e com os adultos, as brincadeiras se
configuraram e se desenvolveram.
As brincadeiras dirigidas podem ser exemplificadas pelas Oficinas, como, por
exemplo: a “Oficina de Cupcakes”, a “Oficina de massinha de modelar”, a “Oficina
de pizzas”, em que foi possível notar como as crianças se interessaram em participar,
mantendo-se pacientes ao esperar cada uma o seu momento de mexer a massa do cupcake
ou manipular a massinha de modelar. Pudemos perceber o interesse em participar
do desenvolvimento das atividades propostas, as quais, na maioria dos casos, se
distanciavam da rotina dessas crianças, já que possibilitavam o manuseio de utensílios
(e não brinquedos) de cozinha. Ao mesmo tempo, algumas crianças relatavam que
faziam receitas com suas mães e a forma como cozinhavam juntas. Assim, as oficinas
também permitiram o compartilhamento de experiências e a construção de novos
conhecimentos.
Parece-nos que as Oficinas funcionaram como momentos e espaços de
encontros, de trocas de experiências e de informações que fortalecem vínculos, além
de oportunizarem vivências, se não inéditas, incomuns nas rotinas das crianças. Assim
se mostraram atrativas. Quando comparadas às demais formas de brincadeira, revelam
a maior proximidade entre as brincadeiras espontâneas e as mediadas.
Ao longo do período em que vigorou a bolsa de extensão, foi possível notar
como as crianças se sentiram à vontade no ambiente da brinquedoteca, tanto interno
quanto externo. Percebe-se, com base nos episódios descritos, que a qualidade de
ambiente acadêmico, portanto lugar de aprendizagens, comprometido com a formação
principalmente de discentes dos cursos de Pedagogia e de Psicologia, que caracteriza
a brinquedoteca universitária e mais especificamente a brinquedoteca UEFS, não foi
obstáculo à demonstração de prazer, pelas crianças, por estarem lá, nem à vivência das
brincadeiras dirigidas, mediadas ou espontâneas. Sem dúvida a brinquedoteca UEFS
proporciona oportunidades diversificadas de interação entre pares e destes com os
adultos que lá atuam.

BRINQUEDOTECA: LUGAR DE CRIANÇA

Este capítulo, ao trazer reflexões sobre duas brinquedotecas situadas em dois


diferentes (e distantes) contextos educacionais, reflexões estas oriundas de uma
pesquisa de mestrado implementada em uma escola de educação infantil e de
experiências de bolsistas de extensão em uma brinquedoteca universitária, não
pretendeu comparar as duas brinquedotecas em foco, essencialmente diferentes
em termos de conteúdo (materiais, área e configuração física), objetivos, atividades,
público-alvo, dinâmicas. O que tentamos desenvolver seguiu o fio condutor das formas
diversas de brincadeiras ofertadas às crianças frequentadoras, que, por sua vez, está
ancorado no tripé interacional vivenciado pelas crianças nos contextos educacionais,
ou seja: as interações estabelecidas com a área física, com os adultos que nela circulam
e com os parceiros (ou pares) das brincadeiras. Tais parceiros constituem o grupo de
brincadeira, uma microssociedade na qual são criados e fortalecidos vínculos afetivos,
de pertencimento, de proteção que são importantes para o desenvolvimento físico e
emocional das crianças.
O relato de pesquisa, considerando a força das dinâmicas interacionais, pensa a
brinquedoteca à luz do construto de Rasmussen (2004), concebendo-a como lugar de
criança. Tem como ponto de partida as brincadeiras espontâneas empreendidas pelos
grupos de crianças. Já o relato da extensão na brinquedoteca universitária revela temas
(relações de gênero, família, papéis sociais) e comportamentos das crianças (uso de
estratégias na relação com adultos, forma de ocupação do espaço da brinquedoteca,
vivência de brincadeiras simbólicas) que também foram encontrados nos episódios
de brincadeiras registrados na pesquisa do mestrado, ainda que na brinquedoteca
universitária não haja exclusividade da brincadeira espontânea, que acontece junto
com brincadeiras dirigidas e mediadas.
Ou seja, reconhecemos estratégias comuns utilizadas pelas crianças em ambas
brinquedotecas, apesar da singularidade de cada uma delas. São estratégias que
endossam a concepção da brinquedoteca como um lugar de crianças, ou seja, um lugar
por elas ocupado, apropriado, ressignificado. No entanto, faz-se necessário investigar
como, na brinquedoteca UEFS, as crianças constroem lugares de crianças, vivenciando
outras formas de brincadeira, além da espontânea. Também é necessário compreender
com mais detalhes as três formas de brincar que foram identificadas.
No entanto, mesmo não dispondo dessas informações acerca da brinquedoteca
UEFS, podemos refletir sobre os relatos deste capítulo retomando os questionamentos
que fizemos acerca da inserção de uma brinquedoteca, ou uma “casa de brinquedos”,
nos contextos educacionais. Indagávamos: para que? para quem? para brincar como,
de que e com quem? Vamos tecer nossas reflexões tomando como base o construto de
Rasmussen (2004) e o aprofundamento do conceito de lugar de criança empreendido
por Menezes (2014; 2020).
Como dito inicialmente, o construto colocado por Rasmussen (2004) apresenta
dois conceitos interligados que, nos contextos educacionais, se sobrepõem, embora
não se confundam. Assim, tem-se o lugar para crianças como aqueles que são planejados
para elas pelos adultos. Uma brinquedoteca é um exemplo de lugar para crianças – sua
“montagem”, por assim dizer, é pensada para criar condições favoráveis ao brincar, em
suas diversas formas.
O conceito de lugar de crianças é plural, móvel; emerge nas (e das) dinâmicas
interacionais com o meio físico e/ou social por elas vivenciadas; são leituras,
interpretações, proposições das crianças, investidas de afetos, de sentidos, de produção
conjunta e compartilhamento de significados que são assim renovados. Rasmussen
(2004) aborda este conceito em sua dimensão mais externa, ou seja, nas apropriações
de locais, paisagens ou mesmo elementos de certas paisagens aos quais as crianças
direcionam afeto, ressignificando-os. Por exemplo, uma árvore que se torna especial,
única aos olhos de uma criança, que com ela estabelece um vínculo, tornando-a sua,
não como propriedade, mas como possibilidade – pois a árvore pode se transformar em
uma cabana no meio de uma floresta através da invenção subjetiva que se incorpora
à sua concretude de árvore, ressignificando-a e assim validando-a no campo do
imaginário ou nos mundos de vida da criança, sua autora. Rasmussen (2004) enfatiza
que somente as crianças podem revelar seus lugares de crianças; entendemos que o fazem
através da comunicação direta, ou por meio de recursos intermediários, inclusive as
brincadeiras.
Foi seguindo o rastro do conceito de lugar de crianças como possibilidades que
Menezes (2014; 2020) expandiu sua dimensão simbólica e, através de pesquisas em
áreas lúdicas escolares, focadas nas brincadeiras espontâneas, compreendeu que o
lugar de crianças é, também, recurso criativo essencial no enfrentamento à cultura
escolar empreendido pelos grupos de brincadeiras. Trata-se de um recurso múltiplo,
evidenciado em estratégias diversificadas, engenhosas, utilizadas nas relações
estabelecidas nos contextos educacionais, comprometidas com a defesa dos interesses
dos grupos de brincadeiras e, em última instância, da cultura de pares.
Portanto, quando brincam, as crianças operam transformações não apenas nas
configurações físicas dos espaços, imprimindo-lhes autoria – como vimos nos dois
relatos; entendemos que tais transformações impregnam esses espaços, mesmo que
por breves momentos, dos interesses que motivam as ações coletivas dos grupos de
brincadeiras e assim se tornam espaços prenhes de possibilidades; tornam-se lugares de
crianças, efêmeros, inconstantes; mas reincidentes. Assim, através dessas transformações,
os grupos de brincadeiras conseguem apreender e transformar elementos culturais que
vivenciam no cotidiano.
Na tessitura dessas reflexões, entendemos que as diferentes brinquedotecas
existentes nos diversos contextos educacionais, ainda que atravessadas por outros
objetivos, precisam ter sua finalidade principal (o para que) vinculada ao asseguramento
do brincar em suas várias formas, preferencialmente o brincar espontâneo. E,
considerando esta finalidade, pensamos que tais brinquedotecas precisam existir e
funcionar prioritariamente para as crianças (o para quem). Isto requer conhecê-
las, saber de suas necessidades, interesses, preferências – tais respostas nos levam a
compreender e defender a ideia da brinquedoteca como lugar de crianças, como uma
“casa de brinquedos” que engendra possibilidades, não apenas de brincar, mas, através
do brincar, criar e mover possibilidades de ser, de criar, de estar, de descobrir, de
aprender, de encontrar...
Concebendo as brinquedotecas nos contextos educacionais como campos de
possibilidades, como espaços interacionais promotores de desenvolvimento saudável,
visualizamos a diversidade do brincar e a liberdade de escolha de conteúdos, recursos
e parcerias que podem estar à disposição das crianças. Também os aprendizados
das negociações entre pares e com os adultos. Estes podem transitar por diversos
papéis que se complementam: cuidador, brincante, observador. A brinquedoteca
assim concebida coloca para os adultos que nela atuam desafios de movimentos, de
diálogos, de flexibilidade, de refinamento de sensibilidades, necessários à imersão e à
compreensão do brincar em sua complexidade.
Deixemos claro: não é o adulto que cria para as crianças a brinquedoteca
enquanto lugar de crianças. O adulto organiza os lugares para crianças. Porém, essa
organização, desde as condições físicas propostas à concepção de criança, de infância
que a engendra, pode estar, a nosso ver, orientada para o acolhimento e mesmo para
o incentivo à transformação que o brincar constantemente realiza, sem que isso seja
interpretado como bagunça, desobediência, mas compreendido e respeitado como
direito das crianças.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As conclusões da pesquisa e as reflexões desencadeadas pelo relato de experiência


em extensão universitária, ao apontarem a potência das trocas interativas entre
pares e as possibilidades de atuação dos adultos com quem as crianças convivem na
brinquedoteca, revelam a importância de conceber as crianças, dentro das condições
de sua faixa etária, como ativas e capazes, podendo assumir protagonismo em assuntos
que lhes dizem respeito. Recentemente, as duas primeiras autoras deste capítulo
escreveram um texto em defesa das brincadeiras espontâneas no contexto escolar,
enfatizando a educação infantil (Menezes; Bichara, 2021). Entendemos a importância
de tal forma de brincar sem, contudo, desconsiderar o valor de outras formas,
especialmente quando vistas de modo contextualizado.
Assim, nos parece que os objetivos que conformam e sustentam a brinquedoteca
universitária, a saber, seu compromisso com a formação de discentes, seu vínculo com
o aprender, a constituem como um campo de interlocuções, de experimentações, de
produção e compartilhamento de conhecimentos. Como brinquedoteca, ou seja,
como uma “casa de brinquedos”, ela tem o compromisso com o brincar, mas não
necessariamente ou exclusivamente o brincar espontâneo, pois também, por outro lado,
assume o compromisso com a formação acadêmica e esta demanda experimentações
diversas. Daí que os(as) discentes, seja estagiários (as), voluntários(as), monitores(as)
bolsistas precisam desenvolver habilidades diversas em relação ao brincar, através
da observação e vivência das brincadeiras espontâneas; da proposição, que envolve
também pesquisa prévia, e da coordenação das brincadeiras dirigidas; das negociações
e participações nas brincadeiras que aqui nomeamos como mediadas. São posições
diferentes que, nos estudos e vivências do brincar, precisam ser integradas.
Tal integração apresenta-se como um grande desafio, pois, além de tocar em
pontos ainda hoje polêmicos nas áreas da Pedagogia e da Psicologia (como, por
exemplo, as diferentes concepções e relações entre desenvolvimento e aprendizagem),
exige colocar a concepção de criança que se admite como norteadora das práticas
lúdicas implementadas com elas, ou para elas. Exige, ainda, incluir nesse eixo norteador
a qualidade, as oportunidades e as próprias vivências interativas estabelecidas no
contexto educacional.
Parece-nos que esses aspectos são essenciais nas reflexões que aqui propomos.
Quando os pensamos com base nas brincadeiras espontâneas, eles se revelam de
imediato, já que brincando livremente os grupos têm autonomia, mesmo que
relativizada pelas normas do contexto educacional, para criar, manejar, conduzir, alterar
a brincadeira, deixando evidente, para quem observa com paciência e curiosidade, a
complexidade das interações entre pares, intra grupos e entre grupos de brincadeiras.
Quando um contexto propicia outras formas de brincadeiras, como ocorre na
brinquedoteca UEFS, há que se pautar as diferentes ações lúdicas pela concepção
de criança em que se acredita. Se as práticas forem orientadas por uma concepção
ativa de criança, que reconheça sua capacidade de protagonismo nos assuntos de
seus interesses, considerando os limites de sua faixa etária; que reconheça e respeite
sua capacidade inventiva, sua necessidade genuína de transformação da cultura em
que está inserida; que acolha suas interpretações de seus mundos de vida, inclusive
dos papéis assumidos pelos adultos com quem convive, então esses mesmos adultos
poderão ter maior chance de atuar como mediadores, também criativos, intencionais.
Esse é um lugar de maior flexibilidade, de atenção contínua, de disponibilidade
para o imprevisível, de abertura para o novo. Não é um lugar fácil de se saber e de se
estar, pois não é um lugar que se aprende e pronto; é um lugar que se movimenta, que
se transmuta a cada encontro, a cada interação, que se vai aprendendo vida adentro,
vida afora. Mas, neste lugar, talvez o adulto que convive com a criança nas múltiplas
e diversas brinquedotecas escolares, possa transitar, junto com ela, pelos diferentes
papéis sociais que precisa exercer, inclusive para lhe assegurar bem-estar. Seria este
lugar uma nova variante do que consideramos lugar de criança, forjado, enquanto
estratégia inédita, na dinâmica interacional entre crianças e adultos nos contextos
educacionais, representado pelo brincar mediado? É uma pergunta que aponta para
possibilidades de novas pesquisas.
Finalizando o capítulo, explicitamos que, mesmo agora, as brincadeiras
espontâneas nos parecem um mestre mais completo, talvez mais rigoroso no que diz
respeito a estas questões que compartilhamos. Defendemos, como direito das crianças,
que elas sejam mesmo exclusivas durante os recreios nas áreas lúdicas da educação
infantil. E entendemos que elas precisam dialogar e coexistir, em pé de igualdade e
importância, com outras formas do brincar em contextos educacionais que têm outros
propósitos, como a brinquedoteca universitária. Acreditamos que a via mais direta desse
diálogo é a observação. Como já dito, a brinquedoteca é um local privilegiado para se
observar o brincar, também em sua forma espontânea, que não se limita apenas a um
entretenimento. E se os adultos observarem – não apenas com olhar regulador, mas
com olhar curioso, aberto às novidades, olhar que transvê o mundo – as brincadeiras
espontâneas das crianças nas brinquedotecas, tantas e diversas, que existem nos mais
diferentes contextos educacionais? O que podem ver, saber, aprender?
E como uma brinquedoteca escolar se organiza para tornar-se esse campo vasto e
dinâmico, dado ao olhar que, à espreita, a atravessa? O olhar que não busca respostas
já formatadas, mas se debruça sobre novas perguntas...
E como construir, no cotidiano, uma “casa de brinquedos” que se permite ser um
lugar de criança, na qual os adultos exercitam-se em olhar as brincadeiras espontâneas
além do “traço acostumado”5? E o fazem na efervescência das aprendizagens que vão
desenhando a formação acadêmica. Vivências, inquietantes, de transver os mundos...

REFERÊNCIAS

ADUR, J. A. L.; POLOMANEI, M. B. P. S. As relações de aprendizagem no


ambiente da brinquedoteca universitária. Ágora: Revista de Divulgação Científi-
ca, v. 19, n. 2, p. 24-39, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.24302/agora.
v19i2.633>. Acesso em: 25 jan. 2022.
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CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA
BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE UMA
INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

Milany Santos de Carvalho


Adria Juliana Vasconcelos Sousa da Silva
Celina Maria Colino Magalhães
Iani Dias Lauer Leite

INTRODUÇÃO

O brincar é inerente a infância. Estudos que buscam compreender a brinca-


deira e seu impacto em diferentes contextos têm aumentado consideravel-
mente nos últimos anos. Gosso (2004) ressalta que a brincadeira prevalece como uma
atividade universal entre crianças de diferentes populações, contudo, cada cultura
possui uma forma peculiar de expressão que é reflexo das características ambientais
específicas. Assim sendo, é marcada pela identidade cultural e por caraterísticas so-
ciais específicas de um grupo social. Nesse sentido, pode-se dizer que a brincadeira se
constitui como característica universal, entretanto com aspectos específicos que irão
depender do ambiente físico, social e cultural de cada criança (Morais et al., 2003).
Somando-se a essa perspectiva, Sutton-Smith (2017) alerta para a complexidade
do tema, que se deve em parte a múltiplos tipos de brincadeiras e múltiplos tipos de
pessoas que brincam por todo o mundo.
Nesse sentido, dentre os diversos contextos de brincadeiras, a instituição de
acolhimento apresenta-se como um ambiente no qual os infantes desenvolvem-se e
vivenciam constantemente atividades voltadas para o brincar. Segundo Cavalcante
et al. (2007), as instituições de acolhimento além de serem vistas como importantes
medidas de proteção social à infância vulnerável ao abandono, também são espaços
onde acontecem brincadeiras e experiências de vida.
A brincadeira, é ainda, conforme Bomtempo e Conceição (2014) um forte
instrumento de cuidado, que contribui significativamente na construção de vínculos
e ressignificação dos contextos na vida das crianças, sendo assim, um meio de
comunicação e de expressão na infância, assim como um mecanismo protetivo e
promotor do desenvolvimento saudável.
A brincadeira pode representar para a criança um jeito de assumir o protagonismo
de suas ações, ter satisfação pessoal, autonomia, produzir cultura, alterar as noções de

119
CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

tempo e espaço, isto é, pode proporcionar a possibilidade espontânea e natural de


interagir com o mundo construído por ela, facilitando seu processo de desenvolvimento
infantil (Bomtempo, 1999; Bichara, 2016; Kishimoto, 2015). Ou seja, é por meio das
brincadeiras que a criança toma consciência das regras de comportamento, expressa
suas impressões da vida vivida combinando elementos que cria a partir de suas
experiências.
Para tanto, Magalhães e Oliveira (2018) abordam que os espaços de brincadeiras
dentro das instituições de acolhimento devem proporcionar uma gama de atividades,
oportunidades de interações, estimulação e promover o brincar livre ou estruturado
como forma de garantir o pleno desenvolvimento infantil.
O estudo de Pedroso, Lobato e Magalhães (2016) revela que experiência de
brincadeiras em contexto de abrigo possui a função de possibilitar que os acolhidos
sejam capazes de deslocar para o brinquedo seus sentimentos e conflitos internos
e permite a consequente repetição de situações satisfatórias, a simbolização das
experiências e a atribuição de sentido e significado ao seu viver.
Além disso, os espaços dentro da instituição onde acontecem as brincadeiras são
importantes, pois contribuem de forma significativa para o desenvolvimento desses
infantis. Magalhães e Oliveira (2018) destacam que as instituições devem proporcionar
uma gama de atividades, oportunidades de interações, espaços físicos adequados, e
especificamente, estimular e promover o brincar livre ou estruturado como forma de
garantir o pleno desenvolvimento infantil. Para tal, devem ser criadas estratégias e
ambientes específicos que favoreçam a aproximação das crianças com as brincadeiras,
sendo de suma importância oportunizar a criação de um espaço estruturado voltado
ao lúdico, como as brinquedotecas.
Sobre este espaço as autoras afirmam que a brinquedoteca proporciona e
favorece o desenvolvimento em todos os aspectos, tais como, motor, cognitivo, afetivo,
autonomia, criatividade e cooperação, além disso, estimulam o relacionamento entre
as crianças e adultos. Do mesmo modo, destacam que este ambiente torna-se adequado
para a equipe técnica observar as atividades cotidianas das crianças e adolescentes que
se expressam através das brincadeiras.
A literatura tem apontado que além da brinquedoteca ser um lugar de diversão
e descontração para os infantis é também um lugar que proporciona e favorece o
desenvolvimento dos aspectos motor, cognitivo, afetivo, a autonomia, criatividade
e cooperação, assim como, estimula o relacionamento entre as crianças e adultos
(Magalhães; Oliveira, 2018).
Dessa forma, este capítulo relata a implantação de uma brinquedoteca em uma
instituição de acolhimento, bem como aborda sua utilização na rotina das crianças
dentro desse contexto.

120
MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

SOBRE O FUNCIONAMENTO DA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO


E OS ESPAÇOS DE BRINCAR

A instituição de acolhimento foi inaugurada no dia 22 de junho de 1999 e é um


local sem fins lucrativos, que funciona 24 horas com servidores de plantão alternando
os horários. Faz parte dos serviços da Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência
Social (SEMTRAS) vinculada ao governo Municipal.
Esta tem como objetivo zelar pelo desenvolvimento global das crianças, garantindo
a alimentação, educação, saúde, bem como acompanhar o crescimento das crianças,
garantindo sua singularidade, conforme descreve o Projeto Político Pedagógico (2014).
A casa de acolhimento procura estimular e garantir o vínculo com a família de origem
e com a comunidade, possibilitando o acesso das crianças e adolescentes à sua história
de vida. Busca também garantir na sua amplitude os direitos de seus usuários, segundo
os princípios e premissas do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990).
Em relação aos funcionários destaca-se como principais metas de atendimento
para atuação da equipe, a realização da inserção dos infantis em sua família de origem;
melhoria na qualidade de vida das crianças e adolescentes; desenvolvimento de sua
autonomia, melhoria de sua autoestima; e que estas se reconheçam como sujeitos
de direitos e seres em pleno desenvolvimento; e prepará-los para uma boa convivência
na sociedade, como prevê as Orientações Técnicas para os Serviços de Acolhimento
para crianças e Adolescentes (Brasil, 2009).
Funciona em caráter provisório e excepcional para os infantis de ambos os gêneros
que estão em situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social, conforme preconiza a
Legislação. Atende no máximo 20 (vinte) crianças e adolescentes, assim como também
pessoas com deficiência física e intelectual, ou por outras necessidades específicas, que
são encaminhadas pelo Conselho Tutelar através de uma determinação Judicial ou
mesmo pelo judiciário por meio da Vara da Infância e Juventude.
Desde a entrada e saída dos usuários, a instituição é responsável pela garantia
dos direitos e a proteção integral destes, sem fazer diferença de religião, gênero,
orientação sexual, etnia e ou condição socioeconômica. Ademais, atende as famílias
ou responsáveis que não apresentam condições, tais como: emocionais, econômicas e
sociais, ou por apresentarem algum tipo de conduta que não condiz com a legislação
vigente, ou que vão de encontro ao bem estar e à qualidade de vida, condutas estas,
como: risco, negligência, maus tratos, abandono de incapaz, violência física, abuso
sexual, exploração sexual, uso de drogas ilícitas, dentre outros.
A casa de acolhimento encontra-se dividida em setor técnico e administrativo. O
setor técnico é responsável pelo atendimento psicossocial e pedagógico das crianças e
adolescentes que chegam à casa. Também é responsável por acompanhar as famílias
dos acolhidos, com o objetivo de promover o retorno à convivência familiar e

121
CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

comunitária. São responsáveis ainda pelos relatórios das audiências concentradas e


encaminhamentos para a rede de atendimento do Município. No setor administrativo
é organizado o funcionamento da casa com horários de saída e entrada de funcionários
e atividades externas, dentre outros.
Além dos setores técnicos, existem outros espaços como: cozinha, lavanderia,
despensa para roupas e calçados, depósito para produtos de limpeza, despensa para
alimentos, berçário, dormitórios para bebês, dormitórios que são distribuídos por
gênero, isto é, as meninas dormem em dormitório separado dos meninos, sala de estar
com uma mesa grande onde ocorrem as refeições.
O funcionamento da instituição no dia a dia é bem extenso, haja vista, existir um
número elevado de demandas dentro de um cronograma, o que varia muito de acordo
com a quantidade de acolhidos na casa. Os turnos são organizados, para que cada
criança e adolescente tenha uma atividade a ser desempenhada como, higiene pessoal,
arrumação dos quartos, ir para a escola, consultas médicas, entre outros.

PRIMEIRAS OBSERVAÇÕES, PRIMEIROS RESULTADOS

Nas observações gerais realizadas, buscou-se compreender a dinâmica da rotina


na casa de acolhimento e a maneira como a brincadeira acontecia.
Como mencionado no item anterior, a rotina é cheia de demandas para a equipe
técnica e equipe de cuidadores. Observou-se que as crianças que ficam na casa durante
a manhã não brincam, apenas assistem televisão.
No turno vespertino há um número maior de acolhidos, devido serem matriculados
com mais frequência pela manhã. À tarde, logo após o horário do descanso todos são
encaminhados para o lanche, e em seguida são liberados para as atividades lúdicas,
brincadeiras e/ou passeios quando tem alguma programação externa.
Apenas nessas ocasiões observou-se que alguns cuidadores direcionavam os
infantis para as brincadeiras em espaços voltados para o brincar, o que deixava as
crianças felizes, entretanto, foram observados poucos momentos como estes, pois a
maioria dos cuidadores optavam em ficar na sala de estar.
Em relação a isso Cavalcante e Cruz (2018) afirmam que é importante prestar
atenção e conhecer as características do ambiente físico e social das instituições de
acolhimento, para que se possa compreender e avaliar os fatores que agravam ou
minimizam os efeitos da institucionalização e seus reflexos no desenvolvimento
humano, e ainda melhorar a qualidade do cuidado oferecido aos infantis nesses
contextos.
Todos os dias apresentavam-se na instituição cuidadores diferentes por causa
da escala, ressalta-se que havia cuidadores que seguiam o cronograma de atividades

122
MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

organizadas pela pedagoga, ou seja, direcionavam as brincadeiras para os espaços


de brincadeiras como maloca, parquinho e campinho, porém nem sempre isso era
possível, pois havia outros profissionais que não seguiam as instruções deixadas pela
equipe técnica, apenas deixavam as crianças na sala de estar assistindo televisão, não
autorizavam atividades em outros espaços, e isso ocorria com muita frequência.
Percebe-se que durante o dia os horários destinados para as brincadeiras
organizadas pelos adultos ocorriam após o lanche, geralmente no turno vespertino.
Além disso, esses horários estabelecidos pela coordenação servem para as visitas dos
familiares quando assim possível e para a realização de atividades dos parceiros que
apoiam a instituição.
No turno noturno todos são direcionados para os quartos para dormir, todos
tem que estar cedo na cama preparando-se para dormir, pois acordam cedo. Nos finais
de semana algumas crianças saem da instituição, levadas pelas famílias acolhedoras
cadastradas previamente. Geralmente saem na sexta à tarde e retornam no domingo
no turno vespertino, encerrando assim a rotina semanal da instituição.
Foi observado que a instituição tinha locais específicos para a realização de
brincadeiras, como o parquinho, campinho e maloca. Todavia, ainda não havia uma
brinquedoteca para proporcionar ainda mais momentos de brincadeiras, portanto foi
pensado em sua implantação, com o objetivo de proporcionar mais um espaço de
brincar e de promoção de desenvolvimento humano.

A IMPLANTAÇÃO DA BRINQUEDOTECA

A brinquedoteca foi planejada e organizada por meio do Programa Saúde,


Ambiente e Qualidade de Vida na Amazônia, vinculado à Universidade Federal do
Oeste do Pará, juntamente com os pesquisadores e docentes. A construção do espaço
idealizou-se para lembrar uma construção de casa típica da região amazônica brasileira,
feita de madeira e coberta com telhas de barro. O material e serviço da construção fora
doado pelo Sr. Waldemar Lauer, pai de uma das pesquisadoras envolvidas com esse
projeto. Os equipamentos foram obtidos mediante verba obtida pela Programa Saúde,
Ambiente e Qualidade de Vida na Amazônia, em edital específico do MEC.

123
CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

Figura 1 e 2 – Implantação da Brinquedoteca na Casa de Acolhimento

Crédito: Milany Santos de Carvalho

A inauguração ocorreu no dia 12 de dezembro de 2018, no turno matutino.


Na ocasião estavam presentes as crianças e adolescentes e todos os profissionais da
instituição, o Prefeito do Município, Representante da Secretaria da SEMTRAS,
profissionais dos equipamentos da SEMTRAS, acadêmicos e professores da Ufopa, a
Diretora do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento - Universidade Federal
do Pará-UFPA, o padre da igreja católica de São Francisco e representantes da imprensa
da cidade.
O espaço foi nomeado pelas crianças e adolescentes da instituição como “Casa
do brincar”. A brinquedoteca fica localizada na área externa da instituição, tem o
formato de uma casa pequena feita de madeira. Fora estipulado seu funcionamento de
segunda a sexta-feira no turno matutino e vespertino com atendimento de 01 hora e
30 minutos, dividido para todas as idades desde as crianças até os adolescentes.
O responsável pelo local é o cuidador de plantão; este profissional atua organizando
as atividades lúdicas e monitorando todos os acolhidos. Na ocasião da coleta de dados
não havia um profissional destinado somente para o cuidado da brinquedoteca; quem
auxiliava e facilitava o processo de engajamento lúdico era a pedagoga, por meio de
planejamento de funcionamento e registros da utilização do espaço. Porém, para se ter
todas essas definições de seu funcionamento e atendimento foi necessário organização
e planejamento que antecederam sua implantação, como destaca-se no tópico a seguir.

124
MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

A PREPARAÇÃO DE BRINQUEDISTAS PARA USO DA


BRINQUEDOTECA “CASA DO BRINCAR”

Para que fosse instalada a brinquedoteca na instituição foi necessário a


organização de oficinas de treinamento para a equipe técnica e cuidadores, com
o objetivo de preparar os funcionários com conhecimentos sobre a importância
desse espaço, tanto para seu trabalho, quanto para os infantis, pois de acordo
com Becker (2016), Gomes (2016), Menezes e Bichara (2016) os ambientes
que rodeiam a vida das crianças exercem grande influência sobre o seu
desenvolvimento, devido ser considerado também um promotor da condição
biopsicossocial dos infantis.
Para esse treinamento, foi realizada uma primeira reunião de planejamento,
participando membros da equipe do Programa Saúde, Ambiente e Qualidade de vida
na Amazônia e a diretora da Casa de Acolhimento. Participaram profissionais das
áreas de Pedagogia, Educação Física e Música, vinculados ao programa mencionado.
Foi decidido que ocorreriam cinco sessões de treinamento iniciais, que ocorreriam
no período de dois meses até o dia da inauguração da Brinquedoteca. Os treinamentos
foram realizados por profissionais da área da Pedagogia, Educação física, Música e
Psicologia. Ao final desse primeiro treinamento, realizou-se o curso de brinquedista em
dois dias, pela Profa. Dra. Celina Maria Colino Magalhães, professora da Universidade
Federal do Oeste do Pará e com ampla experiência na formação de brinquedistas para
contexto de acolhimento institucional.
Participaram dos treinamentos 33 (trinta e três) funcionários, sendo eles divididos
por área de atuação: Setor técnico e Administrativo. O modo de organização corresponde
ao que afirma Reis et al. (2018), quando destaca que a organização do ambiente deve
atender às necessidades das crianças e adolescentes para que se desenvolvam de modo
satisfatório, facilitando sua adaptação em um ambiente desconhecido.
Todos os profissionais estavam vinculados a SEMTRAS e possuíam contratos
temporários. É importante frisar que no documento de Orientações Técnicas para
Serviços de Acolhimento para Crianças e Adolescentes (MDS, 2009), destaca-se
que os recursos humanos são necessários para o funcionamento da instituição de
acolhimento, assim como as condições de materiais devem oferecer serviços adequados
para esse público.
Ressalta-se que a formação dos profissionais atuantes em uma instituição seja em
qual área de trabalho for, é de fundamental importância para o funcionamento de
uma brinquedoteca dentro de um espaço de acolhimento, pois o conhecimento em
relação a importância do brincar e a forma como isso pode contribuir com a atuação
de seu trabalho, permite o engajamento de todos. Sem a formação, o espaço é apenas
considerado como mais um local da instituição. Desta forma, evidencia-se que ao

125
CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

implantar uma brinquedoteca é necessário o envolvimento de todos os que convivem


dentro do espaço de acolhimento.

A UTILIZAÇÃO DA BRINQUEDOTECA NA ROTINA E NAS


BRINCADEIRAS DAS CRIANÇAS EM ACOLHIMENTO

Para compreender a relevância da brinquedoteca na rotina das crianças após sua


inauguração, foram realizadas entrevistas individuais com os infantis. Fizeram parte
da entrevista 05 (cinco) crianças, 02 (duas) meninas e 03 (três) meninos, com faixa
etária de 05 (cinco) a 12 (doze) anos de idade, que estivessem no prazo das audiências
concentradas e com no mínimo um mês em situação de acolhimento.
No período da coleta de dados estavam na casa 18 acolhidos, sendo 02 (dois)
deficientes físicos e 01 (um) com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista - TEA,
04 (quatro) com deficiência intelectual, 03 (três) adolescentes, 04 (quatro) crianças
incluindo uma de um ano e dois meses, que não participaram, pois foi delimitado
como público apenas crianças na faixa etária mencionada e que não apresentassem
nenhum tipo de deficiência física ou cognitiva.
Os dados das entrevistas mostraram como as crianças compreendem sua rotina,
as regras da instituição, com quem e onde gostam de brincar e a pertinência da
brinquedoteca no seu cotidiano. Com vistas a referendar os resultados apresentados
serão destacadas as falas dos cinco participantes que ilustram tais aspectos.
Para identificar sobre as brincadeiras e compreender se a brinquedoteca faz
parte desse cotidiano, foram realizadas as perguntas referentes a tais questões, Qual
brincadeira você gosta de brincar? Onde você mais gosta de brincar? Onde você não pode brincar?
E com quem você mais gosta de brincar? Questões que elucidam as relações estabelecidas
na instituição no decorrer do dia quando estão brincando, permitindo conhecer a
forma como eles mesmos organizam-se. A seguir seguem as falas dos infantis.
Às vezes eu vou lá pro campinho com os meninos ai eu brinco lá, é com os
colegas aqui mesmo do abrigo, mas isso, não é todo dia não (P1, menino,
11 anos).
Eu não faço com ninguém eles que fazem só, no campinho jogo os carri-
nhos pra cá outros pra cá e só (P2, menina, 05 anos).
Com meus irmãos dentro a de casa (P3, menino, 06 anos). Com os meni-
nos na maloca (P4, menino, 09 anos).
Com que eu faço isso é com meus irmãos, no é aqui na casa (P5, menino,
06 anos).

Os dados revelam que os momentos de contato e interação são bem limitados


entre eles, e ainda, mostram as diferenças na hora que escolhem as brincadeiras, pois

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MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

as crianças mais velhas optam por brincar com os infantis que tem as idades parecidas,
e os pequenos por não serem escolhidos para brincar juntos acabam ou brincando
sozinhos ou brincam com os mais novos também.
O trecho da entrevista aponta ainda que não há diferença de gênero na hora
dessas escolhas, todos ficam sempre juntos apesar das idades diferentes. Sobre esse
contexto Feldman, Papalia (2013) e Berger (2016) salientam que as características
humanas podem e estão a todo instante sendo moldadas em diferentes formatos, isto
é, estão sempre em um processo contínuo e em constante evolução.
Dessa maneira, é relevante compreender os três domínios biossocial, cognitivo
e psicossocial, como destacam os autores, pois cada criança apresenta características
próprias. Nesse processo de mudanças existem outros fatores que influenciam e afetam
o desenvolvimento do sujeito além das características individuais, devido cada um ter
vivido em diferentes contextos no decorrer de sua vida até chegar à instituição. Os
autores ressaltam que os seres humanos são seres sociais que desde o início da vida
se desenvolvem dentro de um contexto social (Feldman, Papalia, 2013; Berger, 2016).
A seguir serão evidenciadas as questões relacionadas às perguntas alusivas ao
que mais gostam de fazer e o que não gostam de fazer na instituição, respostas que
demonstram sua satisfação no decorrer do dia. Seguem as respostas apresentadas pelos
participantes.
Às vezes assistir filme e brincar de bola, o que eu menos gosto é de ficar no
barulho de muito barulho eu não gosto (P1, menina, 11 anos).
“Eu gosto de fazer no abrigo, eu gosto de brincar, eu gosto de ler, eu gosto
de assistir filme da maravilha né, e aí é só o que aconteceu, eu não gosto
de fazer, eu sei fazer o para casa e para aula, mas um medo de fazer o
para casa, um instante na hora as cuidadoras me chamam pra fazer o
dever e na hora que me chamo eu faço direitinho, como eu sei olha, não
sei só” (P2, menina, 05 anos).
Brincar, de ficar no quarto (P3, menino, 06 anos).
É Comer, nada (P4, menino, 09 anos).
Gosto de comer e de brincar é de ta no quarto (P5, menino, 06 anos).
As informações verificadas neste trecho ressaltam a percepção dos infantis
quanto às questões que representam o seu dia a dia, isto é, do que eles mais gostam
de fazer e o que não gostam de fazer na instituição. Os fatos demonstram que mesmo
diante de situações passadas de vulnerabilidade o gosto pela brincadeira acaba sendo
predominante.
Guedes (2013) mensura em seu estudo, que a brincadeira está presente no
cotidiano das crianças e adolescentes e serve como estratégia de vida, sendo que
cada um apresenta em suas formas de brincar, subjetividades distintas. Contudo, há
um fator limitante no contexto da pesquisa de Guedes, que é o não acesso livre aos

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CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

brinquedos, sendo a justificativa dada referente ao fato de que estes podem quebrar.
Também não há acesso livre aos espaços abertos, as crianças podem utilizá-los apenas
com a supervisão de um adulto.
Essa realidade foi encontrada neste estudo, pois as crianças só podem estar em
outros espaços com a presença do cuidador e ainda não podem utilizar os brinquedos
que ganham, pois podem quebrar, como aponta o autor, o que destaca que essa pode
ser uma realidade vivenciada em outras instituições e que é preciso ampliar o olhar
sobre estas questões.
Nas verbalizações dos entrevistados, percebe-se que a maioria gosta de assistir
filme, e nas observações nos dias de visitas averiguou-se que cada uma vivenciava esse
momento de maneiras diferentes, reforçando a ideia que cada um tem formas de
executar suas brincadeiras e vivenciar sua subjetividade.
Em relação ao que não gostam de fazer, ficou exposto que a maioria das respostas
tem relação com as regras da instituição, como o ter que ficar no quarto no momento
do descanso mesmo sem querer, ou então, fazer as atividades acadêmicas.
Bronfenbrenner (1996) considera que o desenvolvimento enquanto processo
amplia as concepções do ser humano a partir da interação com o meio no qual está
inserido, permite que haja sempre a reestruturação de atividades no ambiente sendo
elas complexas ou não. Nesse sentido, pode-se dizer que, mesmo que as crianças não
gostassem das regras, precisavam se reinventar o tempo todo para poder passar por
essas horas de reclusão dentro dos quartos.
Quanto às questões sobre as preferências pelas brincadeiras e onde mais gostam
de brincar as crianças disseram:
De bola, no campinho (P1, menina, 11 anos).
Eu gosto dessa coisa aqui, eu gosto de brincar de casinha igual essa daí lá
de casa, mas essa casinha tá cheio de brinquedo e eu gostava de brincar
igual essa aqui, olha lá, essa foto aqui, eu gosto de brincar com essas
casinhas, era essa minha casa hoje, eu brincava muito com ela, gosto de
brincar com as bonecas eu brinco muito com elas lá em casa, onde eu
gosto mais de brincar é no campinho (P2, menina, 05 anos).
De Bola, Campinho (P3, menino, 06 anos).
De carrinho, na maloca (P4, menino, 11 anos).
Brincar com Barco, canoa, de carrinho de dois carrinhos, ali no campinho
bem ali logo, olha (P5, menino, 06 anos).
Essas verbalizações retratam muito a respeito das brincadeiras realizadas na
instituição e os locais, fatos que se diferem do que foi levantado nas observações, pois
as brincadeiras e os locais onde ocorrem as brincadeiras não foram os observados na
observação sistemática.
No momento das observações as brincadeiras ocorriam na maior parte do tempo

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MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

na sala de estar, fato que diverge do desejo das crianças, tendo em vista que estas
gostam de estar nos espaços estruturados para o brincar mais livre como o campinho
e a maloca.
Bichara (2016) e Kishimoto (2015) destacaram que a brincadeira pode representar
para a criança um jeito de assumir o protagonismo de suas ações, ter satisfação pessoal,
autonomia, produzir cultura, ou seja, é por meio das brincadeiras que a criança toma
consciência das regras de comportamento, a partir de suas experiências, fatos que
puderam ser detectados quando os participantes expressaram os seus desejos a partir
das regras colocadas pela instituição.
Percebe-se que a equipe e os cuidadores têm limitações em organizar os locais que
as crianças gostam de brincar, pois limitam o acesso. Tal fato pode se tornar um fator
que dificulta o desenvolvimento humano, pois conforme Bronfenbrenner (1996) os
objetos e os símbolos presentes no ambiente, devem exercitar a atenção e imaginação
da pessoa em processo de desenvolvimento.
No contexto pesquisado, não se observou o preparo do espaço e de brinquedos e/
ou materiais para a realização de brincadeiras por parte dos cuidadores. Ao contrário, as
crianças permaneciam ociosas na maior parte do tempo programado para a realização
das brincadeiras, ficando em frente à televisão ou dispersos, aguardando o horário de
irem para o banho e jantar.
Neste estudo foi possível identificar que as crianças não estão sendo ouvidas
quanto aos seus desejos. No dia a dia gostariam de brincar com os brinquedos que
possuem, de circular livremente, mas não podem. Tais desejos ficaram evidenciados
durante as entrevistas.
Outra questão relevante é que os locais que as crianças mais gostam de brincar
são os menos acessados por elas. Por serem ambientes ao ar livre que permitem e
possibilitam que estas tenham mais movimentação, os profissionais acabam tolhendo
suas vontades, porque possuem a concepção que dará mais trabalho controlar todas
as crianças nesses ambientes. Percebe-se que provavelmente por não frequentarem
estes locais em sua rotina, os infantis acabam intensificando esse desejo e vontade de
brincar nesses locais não permitidos.
No próximo trecho destacam-se as respostas referentes aos parceiros durante as
brincadeiras: com quem mais gostam e em qual momento do dia costumam fazer isso.
Verifica-se por meio destas, as interações e os horários do dia que costumam mais
brincar, conforme respostas abaixo:
Com quem eu mais gosto tipo o os meninos que eles sabem brincar, os
menores não sabem eu gosto de brincar com os meninos, quatro horas
na hora é que o sol ta mais baixo, antes disso não brinca porque o sol ta
muito forte e a gente pode ficar doente (P1, menina, 11 anos).
Com meus irmãos, mas meus irmãos não me gostam de brincar com eles,

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CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

seis horas da manhã quando acordo brinco mais de manhã (P2, menina,
05 anos).
Com A4 e P4, à tarde (P3, menino, 06 anos).
Não gosto de brincar com ninguém, de tarde eu brinco mais (P4, menino,
09 anos).
Com o P3, A3 e com A8 de tarde (P5, menino, 06 anos).
As verbalizações revelam como ocorrem as escolhas para as interações nos
momentos de brincadeira e como as crianças consideram o horário pertinente para
brincar, ficando evidente que a maioria reconhece que o horário disponível para o
brincar é no turno da tarde.
Na visão de Bomtempo (1999), a criança ao brincar vive e se relaciona de
forma concreta com outro sujeito, se adapta e recriam novos conhecimentos para si,
o que se pode constatar nos momentos que estavam brincando uns com os outros,
principalmente os participantes com mais idade, dialogavam sobre determinado
assunto, trocavam ideias e a partir da história que contavam uns para os outros criavam
novas formas de brincar.
Na pesquisa de Bichara (2011) as crianças desenvolviam suas brincadeiras a partir
da relação que tinham com os ambientes da casa em que moravam, evidenciando
que a criança tem a capacidade de recriar e criar diversas possibilidades durante suas
brincadeiras. Tal fato foi observado nesta pesquisa: os acolhidos precisavam se adaptar
ao espaço no qual permaneciam.
Nesse sentido, Bichara e Becker (2016) ressaltam que a brincadeira ocorre através
do processo exposto pela cultura e pela dinâmica das relações, características culturais
da região e do contexto onde ocorre. Pode-se destacar neste sentido que nos ambientes
de acolhimento institucional acontece o brincar, porém com algumas peculiaridades
que envolvem o contexto, como o acesso aos espaços e o ambiente controlado o tempo
todo.
Pedroso, Lobato e Magalhães (2016) revelam que o contexto de abrigo pode
desempenhar o papel de ambiente facilitador do desenvolvimento emocional e social
das crianças que nele vivem, do mesmo modo, pode exercer o papel substitutivo a esse
ambiente faltoso, isto é, pode vir a ser suficientemente bom e facilitar a espontaneidade
intrínseca à infância, ao desenvolvimento emocional e maturacional e a criatividade
inerente à condição de estar vivo.
Destaca-se que aconteciam interações entre todos, porém os que se consideravam
maiores brincavam juntos, separados das crianças menores como se observa nas
falas dos participantes. Os participantes que tinham irmãos consideravam que não
brincavam juntos mesmo que quisessem, devido à diferença nas idades, cenas que
várias vezes foram detectadas no decorrer das visitas. Além disso, outro ponto que
chama atenção é o fato dos irmãos não demonstrarem comportamentos afetivos e de

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MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

cuidado uns com os outros, como observado durante a coleta. Segue trecho do diário
de campo:
Durante as brincadeiras os infantis de idades maiores brincavam sempre
juntos e não permitiam que os menores entrassem na brincadeira, na
maioria das vezes as brincadeiras eram de luta, de correr e adivinhação.
Observa-se que o A3 não permite que a P2 brinque junto com ele, sempre
chama atenção dela e manda ir embora, situação que acontece também
com o P3 e P4 que não brincam juntos e chegam até se agredir precisando
da intervenção dos cuidadores, os irmãos quase não se envolvem e con-
versam fato que chama atenção nas observações (Observação de campo,
01/10/2019 às 16h30min, sala de estar, sessão 01).
Esse dado se contrapõe aos dados reportados por Cavalcante, Costa e Magalhães
(2012) em sua pesquisa, ao salientarem que as crianças com irmãos no abrigo
apresentavam comportamento de cuidado em suas brincadeiras e que as demonstrações
de afeto (abraços, beijos e carícias) eram predominantes em todas as crianças.
A seguir serão ressaltados os trechos das entrevistas com as respostas que dizem
respeito ao ambiente que não pode brincar, perguntas pertinentes para a compreensão
da realidade vivenciada na casa. Seguem as respostas abaixo:
Que eu não posso brincar é lá fora às vezes não na brinquedoteca, só
La no campinho de vez em quando que leva nós e nós volta pra cá pra
dentro de novo, vai tomar banho e aí fica ai assistindo filme de novo (P1,
menina, 11 anos).
No campinho porque, porque no campinho ta muito quente, muito quen-
te (P2, menina, 05 anos).
Tem na maloca (P3, menino, 06 anos).
Aqui na brinquedoteca (P4, menino, 09 anos).
Lá no quarto mais eu brinco só eu (P5, menino, 06 anos).
Os dados revelam no trecho acima como as crianças percebem e pensam a respeito
do seu acesso aos ambientes da instituição: verbalizações que confirmam o observado
nas visitas, pois foi constatado que passavam a maior parte do tempo na sala de estar,
ambiente controlado pelos cuidadores.
Nesse sentido, ao exporem suas respostas nota-se que de fato os lugares que não
podem brincar na maior parte do tempo são os espaços organizados para as crianças,
conforme o que preconiza Rasmussen (2004), como é o caso da brinquedoteca, onde
um dos participantes destacou na sua fala que não podia brincar nesse espaço.
Essa ideia foi verificada também ao longo do processo de coleta de dados, pois em
uma ocasião uma das participantes informou que a brinquedoteca não estava sendo
utilizada, devido à fuga de uma adolescente, após isso suspendeu-se a sua utilização até
segunda ordem e até aquele momento não tinham voltado a usar o espaço.

131
CASA DO BRINCAR: A IMPLANTAÇÃO DE UMA BRINQUEDOTECA NO COTIDIANO DE
UMA INSTITUIÇÃO DE ACOLHIMENTO NO OESTE DO PARÁ

Os dados identificados quanto ao uso dos espaços e sua restrição, divergem


da literatura apontada por Johnson et al. (1999) que destacam que os ambientes
disponíveis sejam eles abertos ou fechados, áreas internas e externas, proporcionam
diferentes modos na elaboração de brincadeiras e no comportamento de interações
das crianças. Fatos que não fazem parte da realidade da instituição estudada, pois não
se percebeu projeção dos espaços para melhorar a adesão e desempenho das crianças
nas atividades lúdicas.
Cruz e Gonçalves (2018) contribuem com o que se afirma acima ao salientarem
que dentro das instituições de acolhimento é preciso criar locais que atendam
às necessidades do público alvo, e ainda, que acolham e permitam o engajamento
e contato direto com todos da instituição, além disso, apontam que é necessário
respeitar as individualidades, desejos e momentos de silêncio e raiva de cada um, bem
como também utilizar os espaços criados para as atividades como ferramentas para
proporcionar momentos de interação com a família e a comunidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Destaca-se que a instalação da brinquedoteca cumpriu seus objetivos, quanto à


entrega do espaço e à formação de todos os profissionais, entretanto observou-se após
a sua implantação que ainda existe a necessidade de mais engajamento, autonomia e
proatividade por parte de toda equipe para que ocorra o gerenciamento do espaço da
brinquedoteca, auxiliando assim o processo desenvolvimental saudável dos acolhidos
a partir também da utilização da brinquedoteca.
Foi patente nas verbalizações dos participantes, que estes desconhecem o
significado da brinquedoteca dentro da instituição. Revela-se ainda, que os infantis
sabem que é um local de brincadeira, entretanto, não por sua utilização, mas sim
porque os brinquedos, materiais de pintura e jogos, entre outros estão expostos,
o que permite a associação dos infantis quanto a sua percepção sobre o espaço,
reforçando mais ainda, a não utilização deste ambiente pelas crianças. Essa afirmação
é corroborada pelos dados oriundos das observações realizadas durante a pesquisa,
pois o acesso ao espaço da brinquedoteca não ocorreu durante o período. Ainda, essa
informação foi endossada pelos participantes durante as entrevistas, quando diziam
que a brinquedoteca era apenas uma casa, ou não sabiam o que responder, destacando
que não utilizavam aquele ambiente planejado para eles. Além disso, percebe-se que
o nome brinquedoteca remetia a ideia de brincadeira para os infantis, no entanto,
ficou evidente que não tinham o sentimento de pertencimento daquele espaço, as
crianças se reportavam as brincadeiras mais fora daquele âmbito. Percebeu-se ainda, a
necessidade e a vontade que os acolhidos possuem em explorar a brinquedoteca.
Outra questão que emergiu, teve relação com a condução do uso do espaço

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MILANY SANTOS DE CARVALHO, ADRIA JULIANA VASCONCELOS SOUSA DA SILVA,
CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES e IANI DIAS LAUER LEITE

pelos profissionais da instituição, que apesar de terem vivenciado uma formação de


brinquedistas, não executavam o planejamento para uso da brinquedoteca, delineado
pela pedagoga da instituição, inviabilizando o que é apontado pela literatura a respeito
da utilização dos espaços do brincar dentro de instituições de acolhimento.
Portanto, percebe-se no decorrer desse processo que a brinquedoteca poderia
ser uma ferramenta de modificação da realidade tanto dos acolhidos como também
dos profissionais. Realidade esta que ainda não pode ser evidenciada nesta instituição
de acolhimento, o que traz a reflexão a respeito do processo após a implantação de
uma brinquedoteca, mesmo tendo todas as possibilidades para que ocorra seu pleno
funcionamento, ainda não acontece, não correspondendo ao que os acolhidos
escolheram para ela inicialmente, uma vez que a casa do brincar, não está sendo
utilizada para brincar.

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135
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E
DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO NARRATIVA
DA LITERATURA

Dalízia Amaral Cruz


Celina Maria Colino Magalhães

INTRODUÇÃO

A Lei 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA), e que inaugura a doutrina da proteção integral, considera as crian-
ças sujeitos de direitos e não mais objetos de tutela do Estado. Assim, os direitos são
divididos em direitos de provisão, de proteção e de participação (Fernandes, 2009).
Especificamente, os direitos de provisão priorizam a satisfação de necessidades básicas
das crianças, sendo essenciais e incontestáveis.
O ECA (Brasil, 1990), portanto, no Art. 16, estabelece o direito à liberdade, que
entre seus aspectos, compreende no inciso IV, o brincar, praticar esportes e divertir-se.
Destaca-se que brincar está presente na vida da criança e da adulta, apresentando-
se com funções e características específicas. Além disso, faz parte da sociedade e da
história da civilização humana e reflete aspectos culturais de um povo, como elemento
dado, existente antes da própria cultura, desde as mais remotas origens até o atual
momento da nossa civilização (Bomtempo, Carramillo-Going, 2019; Huizinga, 1971).
Dessa forma, a Lei de Nº 13.257/2016, que versa sobre as políticas públicas para
a primeira infância, alterando o ECA (Brasil, 1990), aborda no Art. 5, entre as áreas
prioritárias no desenvolvimento de políticas públicas para a primeira infância, o brincar
e o lazer. Por sua vez, o Art. 17 preconiza que a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios organizem e estimulem a criação de espaços lúdicos, que promovam o
bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade, seja em locais públicos ou privados,
onde haja circulação de crianças, além de promoção da fruição de ambientes livres e
seguros em suas comunidades.
É nessa perspectiva, que as brinquedotecas se apresentam como ambientes de
excelência para crianças terem experiências lúdicas. Para Luckesi (2000), a ludicidade é
um estado interno, uma experiência subjetiva, da pessoa que a vivencia de forma plena.
Compreende-se que a brinquedoteca é um espaço destinado à ludicidade, no qual as
crianças brincam e, por meio dessa atividade, se desenvolvem em termos emocionais,
sociais e cognitivos, uma vez que a ação lúdica amplia o pensamento abstrato e promove

137
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

a interação com os outros (Pohren, Santaiana, 2021; Vygotsky, 2000).


De acordo com Cunha (2001) apud Viegas e Meirelles (2021), a ideia de criar
um espaço apropriado para as crianças brincarem surgiu em Los Angeles em 1934,
quando o dono de uma loja de brinquedos iniciou um serviço de empréstimo de
brinquedos para crianças. Ainda não se tratava de uma brinquedoteca, como a
entendemos hoje, era um local de empréstimo de brinquedos para evitar eventuais
furtos que aconteciam em sua loja. Em 1963, na Suécia, duas professoras e mães de
crianças com deficiência criaram um espaço chamado de Lekotek, onde as crianças
tinham contato com profissionais especializados e os pais recebiam orientações sobre
como entusiasmar os filhos a brincar em casa (Piskorz, 2013).
No Brasil, a brinquedoteca surgiu na década de 1980, com a denominação de um
tipo de ludoteca, caracterizada como “Centro de Lazer Infantil”. As palavras Ludoteca
e Brinquedoteca podem ser consideradas sinônimas e a função primordial é atender
às necessidades lúdicas e afetivas das crianças (Cunha, 1988 apud Piskorz, 2013). Ainda
segundo Piskorz (2013), uma das primeiras brinquedotecas implementadas no Brasil
foi a de Indianápolis, coordenada por Nylse Helena Silva Cunha em 1981. E a primeira
Brinquedoteca para a Educação Especial nordestina surgiu em Natal em 1982, mesmo
ano da criação da Associação Brasileira de Brinquedotecas (ABBri). Assim,
Segundo Cunha (1994), a Brinquedoteca serve para... proporcionar um
espaço, onde a criança possa brincar tranquila, e sem sentir que está
atrapalhando; estimular a capacidade de concentrar a atenção; oferecer
oportunidades para desenvolver a inteligência, a criatividade, a poten-
cialidade e a sociabilidade; favorecer o uso de brinquedos e jogos como
atividade geradora de desenvolvimento social e emocional; valorizar os
sentimentos afetivos e cultivar a sensibilidade; possibilitar acesso a um
número maior de brinquedos, de experiências e de descobertas (Piskorz,
2013, p. 51).
Quanto aos tipos de brinquedotecas, estas podem atender crianças que
vivenciam diferentes contextos, pois a despeito de qualquer deficiência, de estar ou
não hospitalizada, de viver em situação de pobreza, brincar é um direito reconhecido
da criança e sua ausência compromete o desenvolvimento global (Cunha, 1994). Dessa
forma, assume-se diversos tipos de brinquedotecas, cada uma com objetivos e público-
alvo específicos: brinquedoteca hospitalar, escolar, universitária, comunitária, entre
outros.
As brinquedotecas comunitárias, especificamente, segundo Piskorz (2013),
localizam-se em propriedade pública com acesso livre à comunidade, são destinadas
ao empréstimo de material lúdico, além de oferecer ambiente agradável para brincar.
Quando não têm endereço fixo, as brinquedotecas comunitárias funcionam como
itinerantes, circulando por diversos lugares.
Em uma perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano, assim, a

138
DALÍZIA AMARAL CRUZ e CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES

brinquedoteca comunitária pode ser compreendida como microssistema, ou seja,


um contexto com características físicas, materiais e simbólicas, organizado a partir de
um padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciados por crianças,
adolescentes e adultos (Bronfenbrenner, 1996), que estabelecem interações diretas uns
com os outros. Estas interações podem ser caracterizadas como processos proximais,
ou seja, relações interpessoais com reciprocidade, onde as pessoas, objetos e símbolos,
partes do ambiente imediato (brinquedoteca comunitária) estimulam a atenção,
exploração, manipulação e a imaginação da pessoa desenvolvente (Bronfenbrenner,
1996). Diante de tais considerações, este capítulo tem como objetivo descrever o
panorama das produções acadêmico-científicas sobre brinquedotecas comunitárias,
destacando sua importância para o desenvolvimento humano.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa com delineamento transversal, de caráter descritivo-


exploratório e abordagem quanti-qualitativa dos dados. Foram utilizados dados
secundários, obtidos por meio do sistema de buscas do Google e Google acadêmico.
A pesquisa foi realizada em 2021 e atualizada em janeiro de 2022, a partir do termo-
chave: “Brinquedoteca Comunitária”, selecionando na ferramenta de busca “todos os
resultados” e “a qualquer momento”, respectivamente, artigos publicados na íntegra,
no idioma português e que abordassem o tema brinquedoteca comunitária.
Para análise de dados, foram adotados dois segmentos: 1) caracterização dos
estudos: autores, ano de publicação, objetivos, área de concentração/conhecimento,
abordagem teórica e método (abordagem dos dados e procedimentos técnicos); e 2)
análise crítica dos artigos, para a qual foram considerados os resumos e as considerações
finais dos estudos selecionados, sendo processados pelo software IRaMuTeQ (Interface
de R pour lês Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), a partir do teste
de Classificação Hierárquica Descendente (CHD), onde um esquema hierárquico
de classes de vocabulários é formado, o que possibilita a inferência sobre o conteúdo
do grupo de textos sobre determinada temática - corpus (Camargo; Justo, 2018), para
posterior análise de conteúdo, de modo a inferir sistemático-descritivamente sobre o
tema em tela (Bardin, 2011). Nesse sentido, emergiram três categorias temáticas/classes:
“Perspectiva Social”, “Concepção de Brinquedoteca Comunitária” e “Brinquedoteca
Comunitária e Desenvolvimento Humano”.

139
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização das publicações

Foram selecionados 10 artigos (Quadro 1), em que a maioria (06) é da área da


educação, sendo que 01 traz a perspectiva da educação no campo da assistência social.
Observa-se uma projeção tímida da área da psicologia (01) e terapia ocupacional (01),
além de 02 que trazem a perspectiva da saúde, também no campo da assistência social.
A psicanálise aparece como aporte teórico em 03 artigos, especialmente, ancorados
na teoria winnicottiana. E a maioria (07) não explicita em qual abordagem teórica
a discussão está fundamentada. Contudo, trazem reflexão sócio-histórica e da
epistemologia genética, a partir de Vygotsky e Piaget e sustentam suas discussões em
autores nacionais e internacionais, considerados referência nos temas brincadeira,
brinquedoteca e ludicidade, como Adriana Friedmann, Santa Marli Pires dos Santos,
Nylse Helena Silva Cunha, Tizuko Morchida Kishimoto, Cipriano Carlos Luckesi,
Gilles Brougère, Johan Huizinga e Walter Benjamin.

Quadro 1 – Caracterização dos Artigos

Autores Ano Objetivos Área de Abordagem Abordagem Natureza dos


Concentração/ Teórica dos Dados Estudos
Conhecimento
Esclarecer a influência das
atividades lúdicas e
culturais, desenvolvidas
nesses espaços,
Maria, bem como estas
E.TAVARES 2004 influenciam as Educação Não Explícita Qualitativa Teórico
representações
comunitárias, na alteração
do espaço subjetivo e
simbólico
dos moradores
Descrever
as relações interpessoais
entre crianças com
Vanessa A. deficiência e crianças sem
CALDEIRA; deficiência num contexto Terapia Não Explícita Qualitativa Observacional
Fátima C. 2007 de brinquedoteca Ocupacional
OLIVER comunitária, e como esta
pode influenciar essas
relações
Relatar uma intervenção
baseada no referencial da
teoria winnicottiana, em
Andrea P. S. uma brinquedoteca
JURDI; 2012 comunitária que atende Saúde e
Maria L.T.M. crianças e adolescentes em Assistência Psicanálise Qualitativa Empírica
AMIRALIAN situação de vulnerabilidade Social
social
Analisar as contribuições
teóricas da pedagogia
social, da psicologia e da
assistência social, visando Educação e Não Explícita Qualitativa Revisão
Luciana C.C. 2012 à compreensão das Assistência Documental
de SOUZA possibilidades de utilização Social
das
brinquedotecas 140
comunitárias como
ferramenta no trabalho
com famílias
Relatar uma intervenção
baseada no referencial da
teoria winnicottiana, em
Andrea P. S. uma brinquedoteca
JURDI; 2012 comunitária que atende Saúde e
Maria L.T.M.
DALÍZIA AMARAL CRUZ e
crianças e adolescentes em
CELINA MARIAPsicanálise
Assistência
COLINO MAGALHÃES
Qualitativa Empírica
AMIRALIAN situação de vulnerabilidade Social
social
Analisar as contribuições
teóricas da pedagogia
social, da psicologia e da
assistência social, visando Educação e Não Explícita Qualitativa Revisão
Luciana C.C. 2012 à compreensão das Assistência Documental
de SOUZA possibilidades de utilização Social
das
brinquedotecas
comunitárias como
ferramenta no trabalho
com famílias
Relatar o percurso
de pesquisa que teve sua
origem no encontro
Andrea P. S. entre os campos da saúde e Saúde e
JURDI; 2013 do social a partir Assistência Psicanálise Qualitativa Empírico
Maria L.T.M. do referencial da teoria do Social
AMIRALIAN amadurecimento
Aborda a construção de
uma
brinquedoteca comunitária,
elaborada na disciplina
Thayane denominada
Aparecida 2016 “Brinquedoteca: espaço Educação Não Explícita Qualitativa Teórico
PEREIRA et alternativo de vivências
al. lúdicas” e desenvolvido na
comunidade rural chamada
Buieié/microrregião de
Viçosa/Minas Gerais
Analisar as repercussões de
Maria C. uma brinquedoteca
FERREIRA; 2017 comunitária do Educação Não Explícita Qualitativa Empírico
Graziela interior de Goiás na
PARREIRA formação das crianças
Compreender o trabalho
desenvolvido pela
brinquedoteca comunitária
Giullia B. de da Associação
SOUZA; Ludocriarte, identificando
Maria C. 2019 os elementos da cultura, da Educação Não Explícita Qualitativa Empírico
FERREIRA arte, da educação e do
lúdico
Analisar a formação e a
atuação dos brinquedistas

Fonte: Elaborado pelas Autoras.

Quanto ao ano de publicação (de 2004 a 2020), tem-se um intervalo de 2 a


3 anos entre os estudos selecionados, com predomínio de objetivos descritivos
(07), com variações (02); descritivo-explicativo e analítico-descritivo; e 01 analítico.
No procedimento técnico, destacam-se trabalhos empíricos (05), com abordagem
qualitativa dos dados nos 10 estudos.
Durante a busca pelos artigos, observou-se escassez de publicação sobre
brinquedotecas comunitárias. E, a partir da caracterização das publicações selecionadas,
compreende-se a falta de maior rigor teórico, uma vez que a maioria dos estudos
não explicita em qual abordagem teórica ancora a discussão tecida. Entende-se que
um trabalho com ponto de vista teórico explícito dá contorno mais consistente e
fundamenta as ideias e hipóteses defendidas. Além disso, a totalidade de abordagem

141
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

qualitativa dos dados aponta para a necessidade de ampliação e desenvolvimento de


pesquisas quantitativas ou quanti-qualitativas.
Segundo Schneider, Fujii e Corazza (2017), a pesquisa qualitativa passou a ser
adotada e valorizada com maior frequência em educação, pois esta envolve a obtenção
de dados descritivos, o contato direto do pesquisador com a situação e enfatiza mais o
processo do que o produto e retrata a perspectiva dos participantes. Contudo, em uma
pesquisa científica, o tratamento quanti-qualitativo dos dados pode ser complementar
e enriquecer a análise e a discussão dos resultados (Minayo, 1997; Lüdke, André, 1986).

ANÁLISE CRÍTICA DAS PUBLICAÇÕES

A partir da CHD, foi possível realizar a análise crítica dos artigos selecionados.
Assim, o corpus geral teve aproveitamento de 144 segmentos de texto - STs (72,22%).
Esse percentual é consistente para a análise, pois os manuais indicam que a retenção de
STs aproveitados deve ser de no mínimo 70%. O conteúdo analisado foi categorizado
em 3 Classes, divididas em duas ramificações (A e B). O subcorpus A corresponde à
Classe 3 (Perspectiva Social), com 35 STs (33,5 %). Já o subcorpus B corresponde às
Classes 2 (Concepção de Brinquedoteca Comunitária), com 36 STs (34,62 %) e 1
(Brinquedoteca e Desenvolvimento Humano), com 33 STs (31,73%). Para visualização,
o dendrograma (Figura 1) apresenta a lista e nuvem de palavras componentes de cada
Classe, com respectiva frequência (f) e a indicação da associação do Qui-quadrado (X²
> 3,80) das palavras em maior afinidade com a Classe e o nível de significância dessa
associação pelo p-valor.

142
DALÍZIA AMARAL CRUZ e CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES

Figura 1 – Dendrograma representativo das repartições em classes, frequência,


associação e nível de significância das palavras com a classe

Fonte: Elaborado pelas autoras, a partir do processamento pelo software IRaMuTeQ.


Nota: *p˂0,0001 **p˂0,01 ***p˂0,05

A Classe 3 (Perspectiva Social) refere-se ao papel social atribuído às brinquedotecas


comunitárias. O conteúdo analisado chama a atenção para a possibilidade de
compreender os processos de exclusão social na infância, a partir das atividades das
experiências das crianças na brinquedoteca comunitária, em que é possível a construção
de políticas públicas mais inclusivas de fortalecimento de vínculos familiares e
comunitários. Nesse sentido, entre as palavras em maior afinidade com a Classe têm-
se: político, infância, construção.

143
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

O trabalho realizado produziu novas possibilidades de pensar acerca do


ser humano e dos processos de exclusão social... A pesquisa realizada com
crianças coloca um desafio: ver o mundo por meio de seus olhos e viven-
ciá-lo a partir de suas atividades, de seus corpos; compreendê-lo a partir
de suas ideias (Jurdi; Amiralian, 2013).

O ambiente foi sendo descoberto de forma criativa, destruído, criado,


reinventado, oferecendo a oportunidade de uma ilusão criativa, agente de
descobrimento, mesmo sabendo-se que o mundo já estava lá para ser cria-
do... Nesse sentido, o trabalho desenvolvido por meio de brinquedotecas
que apostam na construção de comunidades pode contribuir para a cons-
tituição de políticas públicas mais inclusivas (Jurdi; Amiralian, 2012).

Portanto, o trabalho desenvolvido por meio de brinquedotecas que apos-


tam no fortalecimento de vínculos familiares e comunitários pode contri-
buir para a constituição de políticas públicas mais inclusivas e no fortale-
cimento do SUAS (Gomes; Gessele; Gelhardt, 2020).
De acordo com Azevedo (2004), as brinquedotecas têm diferentes funções, entre
elas a função social, que possibilita o acesso a brinquedos por crianças de contextos
familiares de baixa renda. Complementarmente, a função comunitária possibilita o
brincar em grupo, favorecendo a comunicação familiar, por meio de jogos em família.
Assim, para os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV),
que integram o conjunto de ofertas da Proteção Social Básica do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), toda ação de intervenção realizada com as famílias em
grupos deve promover trocas culturais e fortalecimento dos vínculos. Nesse contexto,
a brinquedoteca apresenta-se como dispositivo para o desenvolvimento de atividades
de cunho socioeducativo nos espaços de proteção social (Souza, 2012). Além disso, a
participação da família em atividades desenvolvidas na brinquedoteca também deve
ser prevista e planejada pelo Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família -
PAIF, em conjunto com as crianças, adolescentes e suas famílias.
É importante destacar que a perspectiva social da brinquedoteca comunitária,
quando se delineia na sugestão de ver o mundo por meio dos olhos das crianças,
vivenciando-o a partir de suas atividades, de seus corpos e de suas ideias (Jurdi;
Amiralian, 2013), nos conduz à superação da concepção de criança universal que, ao
ser reconhecida como cidadã, sujeito de direitos e produtora de cultura, coloca-se em
uma condição plural - infâncias. Portanto, as crianças são reconhecidas historicamente,
sendo capazes de tomar decisões relativas à organização de seus espaços de vida, de
opinar e/ou participar da tomada de decisões sempre que estas lhes envolver direta ou
indiretamente.
No que tange à Classe 2 (Concepção de Brinquedoteca Comunitária), esta se
refere ao entendimento sobre o que é brinquedoteca comunitária. A partir do conteúdo

144
DALÍZIA AMARAL CRUZ e CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES

analisado, foi possível verificar uma concepção de brinquedoteca comunitária a partir


das ações promovidas, como espaço de recreação e lazer para atividades lúdicas e
brincadeiras livres, bem como do público alvo dessas ações, enquanto dispositivo
metodológico de inclusão social no trabalho com famílias na assistência social. Entre
as palavras em maior afinidade com a Classe têm-se: atividade, projeto, lazer, lúdico e
inclusão.
Com a execução do projeto “brinquedoteca Quilombo do Brincar” foi
possível alcançar os objetivos propostos, o principal foi planejar e organi-
zar um espaço de recreação e lazer com o intuito de promover atividades
lúdicas, incentivando o brincar espontâneo (Pereira et al., 2016).

Ressalta-se a importância de aprofundamento teórico e de investimento


em pesquisas e projetos de extensão, que possibilitem a análise de práticas
que vêm sendo desenvolvidas em contextos de brinquedotecas comunitá-
rias, visando tanto o fortalecimento desses espaços como recursos metodo-
lógicos no trabalho com famílias em vulnerabilidade social, quanto seu
reconhecimento como meio facilitador no processo de inclusão social (Go-
mes; Gessele; Gelhardt, 2020).

Este artigo objetiva analisar as contribuições teóricas da pedagogia social,


da psicologia e da assistência social, visando à compreensão das possibili-
dades de utilização das brinquedotecas comunitárias como ferramenta no
trabalho com famílias. Para isso pretende-se contextualizar teoricamente
a importância do brincar e a promoção de interação que estes espaços
oportunizam, fortalecendo a atuação da brinquedoteca comunitária
como um instrumento de trabalho na assistência social (Souza, 2012).
Veja-se que a brinquedoteca comunitária é apresentada enquanto espaço de
lazer e recreativo, associado ao brincar livre e atividades lúdicas, podendo funcionar
em equipamentos da assistência social com famílias em situação de vulnerabilidade.
A exemplo, cita-se o SCFV, cujas ações podem ser desenvolvidas na brinquedoteca
comunitária, por meio de atividades lúdicas que, como processos proximais,
favorecem as interações e contribuem com o desenvolvimento cognitivo, imagético,
além de fortalecer os vínculos familiares e comunitários. Nesse sentido, o “Caderno de
Orientações Técnicas do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos para
Crianças de 0 a 6 anos” (Brasil, 2021, p. 46) ressalta a importância de:
...ampliar as oportunidades para a realização de atividades que favoreçam
um maior envolvimento emocional entre os (as) responsáveis familiares e as
crianças - conversar, brincar, passear, contar histórias, etc. - pois são ações
que constroem e fortalecem os seus vínculos. Também é preciso explicar
e demonstrar aos (às) cuidadores (as) o significado e o impacto que esses
momentos têm no desenvolvimento das crianças, para que eles entendam
a importância desse envolvimento no decorrer da formação das crianças.

145
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

E mais, “quando se qualifica uma experiência de lúdica... a referência está


relacionada a vivências como brincar, recrear, jogar, ter lazer, criar e manusear
brinquedos... que geram prazer, alegria, divertimento, interesse e satisfação aos sujeitos
envolvidos” (Brasil, 2021, p. 47).
A Classe 1 (Brinquedoteca Comunitária e Desenvolvimento Humano), por sua
vez, aborda a brinquedoteca comunitária como contexto de desenvolvimento humano.
Entre as palavras em maior afinidade com a Classe têm-se: criança, adolescente,
interação, ambiente, brinquedoteca, adulto, contexto.
Ao final deste trabalho podemos afirmar que a brinquedoteca é na ver-
dade um espaço para a criança desenvolver suas habilidades com ou sem
a intervenção do brinquedista, é um lugar onde crianças e adultos são
levados a brincar livremente e podem assim descobrir suas especificidades
e aptidões (Souza; Ferreira, 2020).

Como resultado, avaliou-se que as relações que se estabeleceram, basea-


das na confiabilidade, fidedignidade e constância das ações, proveram as
crianças e adolescentes de um ambiente humano que permitiu o brincar
espontâneo e criativo, tornando-os menos vulneráveis frente aos desafios
encontrados... O ambiente proposto na brinquedoteca potencializou a im-
portância do espaço compartilhado como mediador entre as necessidades
e desejos das crianças e os limites e possibilidades da realidade externa.
Nessa intervenção, o papel do adulto foi acolher as diferenças... (Jurdi;
Amiralian, 2012).
É na brinquedoteca que o usuário desse serviço vivencia experiências lúdicas,
culturais, de interação, sociabilidade e proteção social. Na brinquedoteca comunitária
é acolhido o brincar de todas as idades, sendo priorizado o trabalho com crianças e
adolescentes... (Souza, 2012).
A partir do conteúdo analisado, observou-se que a brinquedoteca comunitária
é um ambiente de desenvolvimento de habilidades, aptidões, da sociabilidade
e da criatividade. Essa última, associa-se à constância das ações, que podem ser
compreendidas a partir do conceito de atividade molar. Ou seja, para Bronfenbrenner
(1996), as atividades molares são o principal veículo para a influência direta do
contexto sobre a pessoa desenvolvente. Dizem respeito a alguma persistência ao longo
do tempo e, do ponto de vista fenomenológico, tem importância para a pessoa em
desenvolvimento e também para outras, presentes no contexto.
Dessa forma, uma atividade molar caracteriza-se como processo proximal, uma
vez que a pessoa se engaja em atividades progressivamente mais complexas, em uma
base regular de tempo. Nesse tipo de interação, as relações interpessoais são recíprocas,
onde os objetos e símbolos estimulam a atenção, exploração, manipulação e a
imaginação (Bronfenbrenner, 1996). Além disso, a brinquedoteca comunitária pode
ser descrita como um microssistema de convivência diversa, onde crianças, adolescentes

146
DALÍZIA AMARAL CRUZ e CELINA MARIA COLINO MAGALHÃES

e adultos podem brincar e, consequentemente, se desenvolver social e pessoalmente,


desempenhando papéis, por meio do estabelecimento de relações interpessoais com
reciprocidade, relação afetiva e equilíbrio de poder.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parte-se da compreensão de que a brinquedoteca comunitária é um microssistema;


contexto com características físicas, materiais e simbólicas, organizado a partir de um
padrão de atividades, papéis e relações interpessoais experienciados por crianças,
adolescentes e adultos (Bronfenbrenner, 1996), que estabelecem interações diretas
uns com os outros. Assim, o objetivo deste capítulo foi descrever o panorama das
produções acadêmico-científicas sobre brinquedotecas comunitárias, destacando sua
importância para o desenvolvimento humano.
Dos 10 estudos que foram selecionados para a revisão narrativa, a maior parte
dos artigos é da área da educação. E a maioria não explicita em qual abordagem teórica
a discussão está ancorada. Quanto ao ano de publicação, tem-se um intervalo de 2 a 3
anos entre os estudos selecionados, com predomínio de objetivos descritivos. No que
tange ao procedimento técnico, destacaram-se os trabalhos empíricos, com abordagem
qualitativa dos dados nos 10 estudos.
Na análise crítica dos estudos, o conteúdo foi categorizado em 3 Classes. A
Classe 3 (Perspectiva Social) abordou o papel social atribuído às brinquedotecas
comunitárias. Já a Classe 2 (Concepção de Brinquedoteca Comunitária) discutiu a
brinquedoteca comunitária, a partir das ações promovidas, como espaço de recreação
e lazer para atividades lúdicas e brincadeiras livres; bem como do público alvo dessas
ações, enquanto dispositivo metodológico de inclusão social no trabalho com famílias
na assistência social. E a Classe 1 (Brinquedoteca e Desenvolvimento Humano)
apresentou a brinquedoteca comunitária como contexto de desenvolvimento humano
(habilidades, aptidões, sociabilidade e criatividade).
Espera-se que o presente estudo suscite reflexões acerca da importância
de espaços que possibilitem ações promotoras de convivência comunitária, de
fortalecimento de vínculos, de desenvolvimento cognitivo, entre outros, a partir da
implantação de brinquedotecas comunitárias nos espaços de circulação infantil, como
bairros, centros comunitários e equipamentos da Proteção Social Básica. Quanto às
limitações, observou-se escassez de publicação sobre brinquedotecas comunitárias,
sendo necessária a realização de pesquisas sobre o tema em tela, com maior rigor
na fundamentação teórica, além da ampliação para as abordagens quantitativas ou
quanti-qualitativas.

147
BRINQUEDOTECA COMUNITÁRIA E DESENVOLVIMENTO HUMANO: REVISÃO
NARRATIVA DA LITERATURA

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VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

150
UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO
DO VÍDEO GAME COMO INSTRUMENTO PARA A
SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS

Pamella Sanchez Mello de Pinho


Thalita Lacerda Nobre

INTRODUÇÃO

E ste trabalho é resultado da pesquisa de dissertação de mestrado profissional


em Psicologia, Desenvolvimento e Políticas Públicas que utilizou o videoga-
me como ferramenta principal para o acesso aos indivíduos jovens adultos. Partiu-se
da constatação de que o videogame estaria cada vez mais presente no cotidiano da
população de diversas idades e poderia servir como “ponte” para as primeiras experi-
ências de identificação sem o amparo do vínculo familiar.
De acordo com o site Ourworldindata, nos últimos anos tem aumentado
consideravelmente a quantidade de horas online utilizadas pela população. Como
exemplo, podemos destacar os dados de que, nos EUA, por exemplo, a média de
horas gastas com mídias digitais passou de 5,4 horas em 2015 para 6,3 horas em 2019.
É interessante ressaltar que esses dados não se referem, especificamente, a utilização de
mídias para fins de jogos, mas sim como um todo.
Diante disso, observou-se que os jogos online têm se ampliado como fonte de
entretenimento e de socialização entre indivíduos que utilizam as mídias sociais. A
pesquisa de mestrado procurou compreender o fenômeno do videogame, seja em qual
plataforma for jogado, com fins de articular com a ideia de que, diferentemente do
que se tem visto nas propagandas e discursos de senso comum, haveria somente riscos
e malefícios para os usuários.
Se por um lado há uma certa temeridade diante do que o hábito de jogar online
pode trazer, por outro há um crescimento exponencial de consoles, jogos e formas de
utilização deste como ferramenta para entretenimento, informação e conhecimento.
A indústria do videogame tem ampliado a produção de plataformas, jogos e desafios
com melhoria de gráficos e experiências, levando o jogador ao desejo de estar mais e
mais conectado (GRANIC; LOBEL; ENGELS, 2014).
O risco habita na tendência humana em desafiar-se e, portanto, pode haver, em
alguns casos, dificuldade em separar a experiência do jogo com outras experiências
importantes, sobretudo em sujeitos em formação, como os adolescentes e jovens adultos.

151
UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO DO VÍDEO GAME COMO
INSTRUMENTO PARA A SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS

O FENÔMENO DO VIDEOGAME NO BRASIL

De acordo com Chiado (2016) os primeiros vídeogames a adentrarem solo


nacional o fizeram através de importações pessoais ou foram comercializados através
da Zona Franca de Manaus e isso, aos poucos chamou a atenção de empresas (como
a Gradiente, por exemplo) que necessitavam impulsionar suas vendas com urgência,
uma vez que seus produtos (televisões e equipamentos de som) se encontravam em
quedas vertiginosas devido à recessão enfrentada naquele período.
Portanto, em 1977, surgiu o primeiro vídeo game nacional, batizado de Telejogo,
lançado pela Philco-Ford, onde era possível jogar os seguintes jogos: futebol, tênis e
paredão. Apesar do lançamento o sucesso veio apenas alguns anos depois, pois “[...]
o grande boom dos videogames no Brasil ocorreria apenas no ano de 1983, data dos
lançamentos oficiais do Atari 2600, do Magnavox Odyssey 2 (conhecido no Brasil
apenas como Magnavox Odyssey) e do Intellevision no país.” (SOUZA, 2015, p. 64)
Como ressaltado anteriormente, o fenômeno do vídeo game foi enraizando-
se através de alguns meios considerados escusos, o que não, necessariamente,
diminuía sua popularidade. Chiado (2013) aponta que o Grupo IGB, no final de
1983, encomendou uma pesquisa, cujo resultado indicava que havia cerca de 80
mil consoles instalados. Este número era considerado muito expressivo, devido ao
momento econômico e histórico vivenciado. Outro ponto também chama a atenção: o
envolvimento tido com o vídeo game, pois, “a mesma pesquisa veiculada em artigo de
25 de maio na revista Veja, apontava o público alvo do videogame: menino ou jovem
de classe média, de 7 a 19 anos.” (CHIADO, 2016, p.34).
Ou seja, nos primeiros anos de introdução do vídeo game nos lares brasileiros,
apesar de ser um jogo individual ou para, no máximo, duas pessoas, o aparelho atraía
famílias, tornando-se sinônimo de congregação familiar. Afinal, não era percebido
pelos pais, naquele momento, outro entretenimento que cativasse seus filhos (e a eles
próprios) como aquele aparelho, recém-criado no exterior e que chegava de maneira
quase exclusiva para poucas famílias, proporcionando interação e socialização.
Chiado (2016) também explica que os primeiros videogames a entrarem no
Brasil foram importados por pessoas que se interessaram pelo boom tecnológico que
estava ocorrendo no mundo, tendo como principais expoentes os EUA e, no mundo
oriental, o Japão, referência na criação, produção e comercialização de eletrônicos.
Inicialmente, os jogos, produzidos em grandes máquinas, poderiam ser encontrados
em locais coletivos como bares, por exemplo.
Então, por volta da década de 70 (do século XX), o interesse passou a ser o de ter
um aparelho com jogos para entretenimento dentro de casa, que pudesse facilmente
se ligar à televisão e proporcionar socialização aos familiares e amigos. Nesse sentido,
grandes marcas produtoras de tecnologia no Brasil e multinacionais passaram a fabricar

152
PAMELLA SANCHEZ MELLO DE PINHO e THALITA LACERDA NOBRE

consoles de videogame como forma de alavancar seus faturamentos. Em 1977, de


acordo com Souza (2015), surgiu o primeiro videogame produzido no Brasil chamado
de Telejogo. Porém, somente a partir de 1983, com o lançamento do Atari e Odyssey,
ocorreria o grande desenvolvimento dos videogames no país.
É possível afirmar que o videogame, durante esse período da história do Brasil,
influenciou nos hábitos de diversão, socialização e entretenimento de crianças,
adolescentes e adultos. As propagandas voltadas ao consumo utilizavam como
argumento a ideia de que os pais poderiam proporcionar a seus filhos momentos de
diversão em família e com seus amigos. A brincadeira de criança seria agora jogada,
virtualmente, reunindo toda a família e amigos na sala de casa. Evidentemente que
muitos pais compraram consoles e jogos a seus filhos com vistas, também, de aproveitar
do entretenimento que as máquinas proporcionavam, a fim de satisfazer um desejo
infantil reprimido de brincar e jogar.
Pode-se afirmar, que ao longo dos tempos, o uso do videogame passou de simples
brincadeira, voltada apenas para crianças, para hábito reconhecido popularmente
por todas as idades. Em outras palavras, os adultos, atualmente, podem reconhecer-se
como jogadores sem medo de serem taxados de infantis.

A SOCIALIZAÇÃO, O VIDEOGAME E A PSICANÁLISE

De acordo com Berger e Berger (1977), socialização pode ser definida como o
processo pelo qual o sujeito se molda como ser participante da sociedade em que se
encontra inserido. Nesse processo, o indivíduo apreende alguns padrões que permeiam
seu cotidiano e nesse procedimento há a formação de sua identidade. Se constitui em
sua singularidade.
Os autores explicam também que a organização social afetará diretamente na
formação do sujeito e o movimento contrário é também verdadeiro. Sendo assim, se
constituem conceitos e padrões que muitas vezes não são ditos, mas experienciados e
transmitidos por atitudes e formas de pensar e se organizar. Os autores complementam
que “...na biografia do indivíduo a socialização, especialmente em sua fase inicial,
constitui um fato que se reveste de um tremendo poder de constrição e de uma
importância extraordinária.” (BERGER; BERGER, 1977, p. 204).
Desta forma, para a ciência psicológica, os indivíduos se constituem a partir
da socialização, influenciando e sendo influenciado pela cultura e sociedade,
reconhecendo a si mesmo e ao outro como sujeitos importantes na formação.
É nesse bojo que se pode pensar na atividade do brincar e nos jogos como
ferramentas importantes constituintes da subjetividade e da socialização. À medida
que as sociedades vão se tornando mais tecnológicas passa-se a fazer mais sentido que

153
UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO DO VÍDEO GAME COMO
INSTRUMENTO PARA A SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS

as brincadeiras e os instrumentos para que elas sejam possíveis acompanhem o espírito


do tempo.
Além disso, há estudos que consideram o videogame como um importante
recurso para o desenvolvimento de aspectos cognitivos como por exemplo os estudos
que apresentam os jogos como incrementadores de atenção, memória de trabalho
e longo-prazo e cognições espaciais (GREEN; BAVELIER, 2012; FENG, SPENCE,
2014).
Especificamente em relação à atenção, Green e Bavelier (2012) afirmam que
jogos de ação a melhoram em diversos aspectos: seja ela seletiva com relação ao tempo,
ao espaço ou voltada para objetos e sustentada.
Acerca da memória, Feng e Spence (2014) ressaltam que a memória auxilia
o jogador no jogo, principalmente a memória de trabalho (ajudando o jogador
a armazenar, por certo tempo, informações para manipular o jogo) e memória de
longo-prazo (que guarda, por muito tempo, informações que podem auxiliar a
formar estratégias e sequências de procedimentos. Ambos os tipos de memória se
complementam, auxiliando o jogador a ter um bom desempenho nas competições
virtuais e no raciocínio para questões cotidianas.
Sobre a cognição espacial, por exemplo, os jogos em primeira pessoa (o jogador
é autor direto das ações na competição, não controla um personagem, está imerso no
ambiente), auxiliam no posicionamento com relação ao mapa, cabendo ao jogador
localizar-se em ambientes diferentes e formar novas representações espaciais (FENG;
SPENCE, 2014).
Se do ponto de vista cognitivo o videogame pode se instalar como importante
ferramenta, a pesquisadora propôs na dissertação que também poderia ser utilizada
da mesma forma para o desenvolvimento psicossocial, sobretudo no que tange ao
desenvolvimento da socialização, pela via do entretenimento. Sendo assim, como ponto
de partida para o trabalho de pesquisa, utilizou-se a Tese de doutorado da Martinez,
intitulada: “Game Over: a criança no mundo do videogame”, com a consideração
fundamental de que o brinquedo, representado pelos jogos, poderia servir como
uma espécie de “objeto transicional”. Isto é, a criança poderia utilizar o jogo como
uma representação simbólica daquilo que representa o amparo, o cuidado e o amor
materno.
Em seguida, após a discussão que utilizou a Tese como referencial e pesquisa
voltada para a população de jovens adultos, a investigação foi pautada na proposição
de um produto técnico, isso é, uma tecnologia social que atingisse diretamente a
população que o trabalho de dissertação buscou contemplar.

154
PAMELLA SANCHEZ MELLO DE PINHO e THALITA LACERDA NOBRE

O OBJETO TRANSICIONAL E O JOVEM

Para Winnicott (1975), o brincar tem papel importante no desenvolvimento


do sujeito, uma vez que auxilia o seu crescimento e, consequentemente, sua saúde.
É por meio do brincar que o sujeito controla o que está fora de si, mas que pode
ser introjetado, o contato com o mundo. O brincar tem a importante de regular a
compreensão do mundo que o sujeito desenvolve, uma vez que possibilita a interação.
Nas palavras de Winnicott (1975), “[...] o brincar conduz aos relacionamentos
grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a
psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço
da comunicação consigo mesmo e com os outros” (WINNICOTT, 1975, p. 70). Neste
sentido, o psicanalista ressalta que a atividade de brincar propicia a noção que se
desenvolverá de si e do outro, por isso, promove relacionamentos grupais.
Deste modo, compreende-se que o brincar não é somente uma interação que
ocorre na infância, mas um movimento que abre caminho para a socialização e
para o desenvolvimento dos envolvidos, além de auxiliar no contexto psicoterápico.
Depreende-se, portanto, que todo brincar é pode ser considerado terapêutico, uma vez
que possibilita ao sujeito colocar na realidade os aspectos fantasiosos bem como sua
compreensão sobre como o mundo funciona e seu papel nele.
O autor, em sua teoria da brincadeira, explica que há uma sequência no
desenvolvimento do bebê: inicialmente, tanto ele quanto o objeto eleito estão fundidos,
enquanto a mãe torna concreto aquilo que o bebê irá encontrar (o seio), considerando
que a visão sobre o objeto é subjetiva para o filho. Cabe à mãe apresentar o mundo ao
filho e esse filho demanda essa apresentação.
O segundo ponto deste processo consiste em ter o objeto “[...] repudiado, aceito
de novo e objetivamente percebido” (WINNICOTT, 1975, p. 78). A mãe também tem
um papel primordial aqui nesse momento, cabendo a ela estar preparada para colaborar
e devolver o que foi abandonado. Caso este papel seja executado sem impedimentos,
o bebê terá a ilusão de que é onipotente. É nesta relação entre a mãe e seu filho, na
confiança depositada na mãe, que a brincadeira começa, assim, constituindo-se em um
“playground”, espaço em potencial que une ambos.
Winnicott (1975) ressalta que a atividade do brincar emergente nessa fase torna-
se linguagem fundamental que liga criança e mãe, corpo do bebê e o mundo. Em
suas palavras: “a importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a
realidade psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais” (WINNICOTT,
1975, p. 79). Nesse sentido, é esse interjogo que norteia o que virá a ser compreendido
como realidade. O psicanalista complementa que se trata de uma magia precária,
“...magia que se origina na intimidade, num relacionamento que está sendo
descoberto como digno de confiança. Para ser digno de confiança, o relacionamento

155
UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO DO VÍDEO GAME COMO
INSTRUMENTO PARA A SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS

é necessariamente motivado pelo amor da mãe, ou pelo seu amor-ódio ou pela sua
relação de objeto, não por formações reativas (WINNICOTT, 1975, p. 79). Tão forte
e importante é essa atividade e essa correlação entre mãe e criança que constrói a
imagem de confiança e desconfiança nos objetos investidos.
Winnicott (1975) avança em suas considerações afirmando que a brincadeira é
uma forma de comunicação, sendo muito útil no contexto terapêutico. A brincadeira
expressa desejo, de maneira criativa, em determinado tempo e espaço. Quando,
anteriormente, aborda a precariedade da magia, refere-se à linha teórica do que é, de
fato, percebido pelo sujeito e a subjetividade deste.
A partir do conceito que o brincar carrega, é possível pensar sobre como o
objeto transicional auxilia no contato entre o mundo externo e o mundo interno,
uma vez que, na infância, a onipotência está sendo, gradativamente, desconstruída.
Ao adentrar a adolescência e o período adulto jovem, o sujeito vê, mais uma vez, o
conflito constante entre o que percebe ao seu redor e o que sente em si. É possível,
então, pensar no brincar como maneira de satisfazer os desejos conflitantes que se
encontram no mundo interno.
O brincar parece conferir uma condição única ao sujeito: encontrar-se no
mundo “real”, mas, manipulando conteúdos trazidos à consciência, utilizando-se de
brinquedos ou outros objetos que se mostrem capaz de traduzir sua intenção ou, com
imaginação, o que deseja. Na brincadeira, o sujeito concilia fenômenos externos com
conteúdos internos.
Nesse sentido, o brinquedo tem o intuito de intermediação entre a realidade
interna e externa, e o objeto transicional pode se instalar como ponte entre individuo
e realidade, não sendo eleito apenas na infância, mas se reatualizando em todo o
momento que a realidade precisar ser novamente representada.
Atualmente, com a evolução da tecnologia, inteligência artificial e formas
avançadas de simulação da realidade, é possível também obter aparatos eletrônicos
com maior facilidade, seja para fins profissionais ou para lazer. A democratização da
internet e das plataformas de jogo propiciaram seu acesso.
Os jogos foram desenvolvidos de maneira a não somente divertir, mas
proporcionar experiências imersivas e envolventes, com tramas que exigem reflexões
críticas a respeito da sociedade ou para distrair o jogador da realidade em que vive,
também podendo propor treinamento intenso para que seja capaz de derrotar o
“chefão final”, dentre outros. Apesar de fórmulas relativamente parecidas, a vivência
que cada jogador tem é única, uma vez que depende do ponto de vista singular que
somente aquele indivíduo terá.
Na obra “Psicologia de grupo e análise do ego”, Freud (1921) ressalta que
a experiencia subjetiva do sujeito tem como referência o outro, a linguagem e a
determinação simbólica da mesma, o que tem relação direta com o que foi abordado
na obra “Projeto para uma psicologia científica”, onde Freud (1895) discute sobre o

156
PAMELLA SANCHEZ MELLO DE PINHO e THALITA LACERDA NOBRE

conceito de experiência de satisfação. Kallas (2016, p. 57) interpreta sobre a satisfação


no início da vida do sujeito e a relação com o outro que “...desde o princípio a criança
está nas mãos do outro, o outro estrangeiro (Nebenmensch) que ouve o seu grito e a
atende.” Em complemento a isso, Kallas ressalta como a psicanálise percebe a divisão
entre coletivo e individual, em suas palavras: “Não existe separação entre psicologia
individual e coletiva e para a psicanálise indivíduo e sociedade estão intimamente
imbricados. O inconsciente não está no registro do indivíduo, mas para além do
mesmo, incluindo o campo histórico e social” (KALLAS, 2016, p. 57).
Portanto, a subjetividade é construída por meio da relação do sujeito com o
outro, obtendo-a através da linguagem que dá significado aos símbolos inseridos na
sociedade. Cada significado é interpretado e compreendido através do viés particular
de cada sujeito, que se modifica conforme sua vivência. Isso não seria possível
sem considerar o meio e a cultura em que esse sujeito está inserido. O outro é tão
importante quanto o sujeito para a construção da subjetividade deste.
Assim, quando se joga vídeo game, o jogador recebe informações sensoriais e
as processa, de modo a formular uma reação adequada para o estímulo recebido,
seja ele auditivo ou visual, ou ainda tátil, proveniente do próprio aparelho (vibração
de controles). Ou seja, a informação é dotada de valor e desígnio, passando a ser
conhecimento, uma vez que passa a ter um contexto que embasa uma decisão. Quanto
mais necessária for a informação para que uma determinada decisão seja tomada,
maior o envolvimento humano para lidar com tais dados e mais importantes eles se
tornam (PRADO et al., 2015).
Desta forma, faz-se necessário ponderar sobre a individualidade deste mesmo
sujeito, que se encontra inserido neste contexto social. Afinal, é possível considerar a
mescla que a realidade virtual proporciona para este indivíduo. Dunker reflete sobre o
assunto, utilizando-se de um jogo virtual que exige interação com o mundo real.
[...] Além de uma nova narrativa há uma mudança na experiência de
realidade, primeiro interativa, depois compartilhada e finalmente capaz
de misturar o virtual e o real em plena luz do dia. O elemento novo aqui
não acontece sem a subtração de um ingrediente fundamental: o conflito
real. Não tenho mais de me retirar para uma vida interior onde serei livre.
Posso reduzir a espessura do conflito a uma série de acumulações e me
tornar, assim, o senhor de meu próprio universo. Os monstros que tenho
de enfrentar são apenas meus monstros. A divisão muda de forma: agora
ela se dá entre a extensão do mundo em que você quer viver e o tamanho
do eu que você pode pagar. (DUNKER, 2016).
Portanto, percebe-se que a sociedade já vem, há algum tempo, modificando a
sua forma de perceber a individualidade, ressaltando-se que ela continua fortalecida
(senão mais evidente) diante dos novos aspectos que as últimas duas décadas têm
trazido. A tecnologia permeia cada vez mais as distintas camadas sociais e sendo, neste

157
UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO DO VÍDEO GAME COMO
INSTRUMENTO PARA A SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS

ponto de vista, muito democrática, como citado anteriormente por Kallas.


De fato, os aparatos mais avançados continuam por ser mais acessíveis para
aqueles com maior poder aquisitivo, mas não se pode esquecer que as camadas mais
pobres também conseguem usufruir de tecnologias que antes não consideravam
possíveis. E é nesse cenário que o indivíduo representará sua realidade.
A pesquisa de mestrado teve o intuito de apresentar esses aspectos discutidos
anteriormente, nos quais os sujeitos inseridos em um contexto social tecnológico
utilizam do aparato a que tem acesso para simbolizar sua experiência de constituição
do eu e do grupo.

A PROPOSTA DE INTERVENÇÃO

Conforme citado anteriormente, com a realização da pesquisa obteve-se a


consideração de que os jogos têm uma função altamente importante para o brincar
tanto da criança quanto do jovem adulto. É possível afirmar que em momentos de
grande ansiedade e mudanças biopsicossociais, pode ser saudável que o sujeito lance
mão de objetos simbólicos que possam representar cuidados e segurança. A socialização
se dá nessa linha, em que o indivíduo que se constrói como sujeito social o faz com a
participação dos outros.
Diante disso, a proposta da tecnologia social foi a de utilizar o plantão psicológico
como ferramenta para atingir a população que joga por meio da internet. O plantão
psicológico é uma modalidade de atendimento psicológico que se caracteriza por
atender, em ordem de chegada, aquele que necessita de atendimento urgente, diante
do sofrimento psíquico no qual se encontra naquele momento.
De acordo com Mahfoud (1987), o plantão encontra-se apoiado sob três pontos
de vista: da instituição, do profissional de Psicologia e do cliente. O primeiro refere-se
à sistematização dos atendimentos, o que leva ao segundo ponto de vista que, inserido
neste sistema, deve encontrar-se preparado para lidar com o inesperado e com a
perspectiva de que o atendimento seja o único que aquele sujeito irá comparecer. Já
o terceiro ponto condiz com a visão do cliente, de ter o plantão como referência para
quando necessitar. (MAHFOUD, 1987)
No atendimento psicológico clínico, é estabelecido um contrato onde são
acordados valores, o que se espera da terapia de ambas as partes, como serão tratadas
questões como faltas, comparecimentos, reposições, dentre outros. No plantão, a
prioridade é o acolhimento do sujeito que se encontra em sofrimento, de modo a
escutá-lo em sua demanda, focando em sua experiência naquela determinada situação
angustiante e não no problema. Nas palavras do autor,
Na prática, essa atitude significa disponibilidade para atender uma

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PAMELLA SANCHEZ MELLO DE PINHO e THALITA LACERDA NOBRE

gama bastante ampla de demandas, já que o foco se define pelo próprio


referencial do cliente e não pela especialização do profissional (como se-
ria, por exemplo, para um psiquiatra ou psicanalista ortodoxos, entre
outros). (MAHFOUD, 1987, p. 18)
No plantão, o enfoque do psicólogo
consiste em atender a demanda situacional, onde a continuidade de atendimento não
é garantida, cabendo a participação ativa tanto do profissional de psicologia quanto
do sujeito que se propôs a estar neste espaço, defrontar o sofrimento, sendo a maneira
como isto será feito definida no processo em que se dá o plantão. Acolher o sujeito
no momento em que a problemática está ocorrendo é a prioridade, possibilitando
ao sujeito que, naquele período de tempo, sinta-se escutado e consiga vislumbrar a
situação que lhe aflige de maneira mais clara, talvez por meio de uma nova perspectiva,
buscando utilizar os seus próprios recursos para lidar com a situação.
A partir disso, pode-se pensar acerca dos
resultados encontrados pela pesquisa e como a adultez emergente (ou período jovem
adulto) consiste em um período confuso, podendo recorrer ao videogame, utilizando-o
como objeto transicional. Neste período, o objeto transicional não se trata do amparo
materno diante de sua separação, mas do amparo trazido pelo grupo social. O vídeo
game, portanto, atua como objeto de socialização, como pode ser visto através das
respostas dos participantes.
Diante disto foi proposto rodas de
conversas virtuais em que o psicólogo pudesse incluir-se nos ambientes virtuais
frequentados pelos jogadores, ou seja, nas plataformas utilizadas para socializar e jogar
juntamente com outros jogadores, tendo os jogos online como ponto de convergência
de interesses.
Neste contexto, o psicólogo pode oferecer sua escuta clínica por cerca de 50
minutos, para que os jogadores possam falar de suas demandas emocionais (que, por
vezes, podem estar relacionadas às angústias de separação, característica de quem usa
o objeto transicional), que o afligem para além do jogo. Assim, o psicólogo seria um
suporte para que o sujeito “passe de fase”, isto é, atravesse para a condição autônoma,
propondo-se a ficar no plantão, sem sessões específicas, para dialogar sobre as angústias
da vida real.
A inserção se dá por meio da presença do Psicólogo em comunidades de jogos,
oferecendo seus serviços de forma lúdica, a fim de desmistificar como funciona a
intervenção psicológica, buscando levar maior compreensão acerca da profissão
trabalhada com cuidados éticos e como a escuta pode auxiliar nas mais diversas etapas
da vida do sujeito.
Afinal, como pode ser visto em Polejack et al. (2015, p. 31), para o profissional de
Psicologia poder contribuir com as políticas públicas, é necessário “[...] compreender
as relações que se estabelecem neste cenário de forças e de interesses, e também saber

159
UMA PROPOSTA PRÁTICA PARA A UTILIZAÇÃO DO VÍDEO GAME COMO
INSTRUMENTO PARA A SOCIALIZAÇÃO DE JOVENS

identificar demandas e possibilidades em sistemas complexos que são movidos por


diferentes empenhos e intersubjetividades.”
Esta modalidade de atendimento pode-se mostrar mais acessível à população. Por
ocorrer em espaço virtual, o atendimento não está restrito à apenas uma região, não
sendo necessário deslocamento para um determinado espaço físico para ser atendido,
além de realizar o serviço de acolhimento primário, o que contribui para a saúde
mental da comunidade. Como observado por Vieira e Boris (2012, p. 892), o serviço
prestado à população através do plantão “[...] aponta para um necessário diálogo
com as políticas públicas como forma de cuidar de modo mais direito dos problemas
trazidos pelos clientes do Plantão e articular este cuidado a uma discussão política.”
Entretanto, faz-se necessário ressaltar que esta modalidade apresenta limitações,
uma vez que o setting utilizado não é totalmente controlado pelo psicólogo, dando-
se em ambientes que podem interferir, direta ou indiretamente, no andamento do
atendimento. Quando este é feito de maneira presencial e individual, o psicólogo é
capaz de assegurar o sigilo, além de um ambiente seguro, tranquilo e sem interferências.
Ao passo que no atendimento feito de modo virtual, caberá ao participante assegurar-
se que está em um ambiente que possa proporcionar sigilo, onde televisão e outros
possíveis aparelhos não interfiram e, quando possível, ter suporte para que a câmera se
mantenha estável, para que tanto ele quanto o profissional de psicologia possam se ver.
Considerando os pilares do plantão psicológico trazidos por Mahfoud (1987), o
jovem adulto poderá recorrer à esta modalidade de atendimento para, inicialmente,
ser escutado diante de sua experiência para, posteriormente (se necessário), ser
encaminhado para outros profissionais, a fim de aprofundar questões que, devido
à própria natureza do atendimento, não poderiam ser abarcados durante o plantão.
Caberá, ao psicólogo, então, avaliar diante do conteúdo que lhe é trazido, qual poderia
ser a melhor estratégia para auxiliar o sujeito. Este encaminhamento, se articulado com
as políticas públicas vigentes, poderá ampliar a divulgação dos dispositivos oferecidos
à comunidade em que o sujeito se encontra, além facilitar o acesso deste a um serviço
que lhe é de direito.
Assim, por tratar-se de um produto que promove a saúde mental de jovens
adultos colabora de maneira individual e coletiva com esta determinada esfera social.
Quanto à aderência, compreende-se que, por tratar-se de ambientes virtuais nos quais
estes jovens adultos já estejam inseridos, o público-alvo se encontra familiarizado com
as dinâmicas proporcionadas pelos jogos, que servirão de catalizadores para a inserção
do psicólogo, assim a aderência tende a ser maior e facilitada por tal contato.
Além disso, promove a inserção do psicólogo nos ambientes virtuais existentes,
trazendo acolhimento e promovendo um espaço para que os jovens adultos possam
conversar acerca de suas angústias e trabalhar a sua saúde mental. Apresenta uma
compreensão moderna de que o Psicólogo pode ocupar os espaços e proporcionar
saúde mental nas mais diversas condições.

160
PAMELLA SANCHEZ MELLO DE PINHO e THALITA LACERDA NOBRE

A inovação dessa tecnologia social se dá pela inserção da ciência psicológica em


um ambiente que, gradativamente, está sendo cada vez mais explorado e utilizado
pela Psicologia: o ambiente intangível proporcionado pelas conexões virtuais, que
atrai cada vez mais pessoas e, em grande parte, um público jovem, que vem sendo
classificado como jovem adulto. A proposta trazida pela dissertação busca trazer maior
visibilidade e entendimento deste público, bem como a forma que a socialização entre
eles ocorre, além de auxiliar na saúde mental.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os jogos e a atividade de jogar faz parte da constituição humana. É por meio dos
objetos que compõem essa atividade que a criança, desde a tenra infância é capaz de
representar a experiência vivida consigo e com o outro.
O videogame, especificamente, surgiu em um momento de evolução da tecnologia
de informação e comunicação, acompanhando o desenvolvimento da civilização em
busca da quebra de fronteiras e ampliação de territórios em que se pudesse habitar.
Apesar disso, a constituição psíquica não se alterou e todo seu processo
permanece inalterado, organizando-se diferentemente apenas em relação à cultura e
época histórica em que o sujeito se encontra inserido. Nesse sentido, observa-se a
atividade do brincar como forma de compreensão desse sujeito.
O trabalho de dissertação partiu da ideia de que o videogame poderia se
configurar como uma versão atualizada do objeto transicional instalado durante a
infância. A criança que brinca guardaria consigo a experiência de que o brinquedo
eleito como objeto transicional representaria o desejo materno e o suporte necessário
para a constituição do self.
Diante disso, construiu-se uma proposta de produto técnico, como tecnologia
social, com o intuito de levar o profissional psicólogo ao ambiente em que estão
os jovens que vivenciam esse período de transição entre etapas, em constituição e
formação do self em comunicação com grupo social e sociedade mais ampla. Trata-
se da proposta de plantões psicológicos que objetivam oferecer espaço de escuta aos
sujeitos para que se crie o exercício de comunicação e reflexão acerca das experiencias
vividas.

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163
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS
FAVELAS DA MARÉ

Adelaide Rezende de Souza

INTRODUÇÃO

O s jogos e brincadeiras fazem parte do patrimônio imaterial da humanidade,


atravessaram fronteiras de idiomas e territórios (FRIEDMAN, 1996). Uma
característica peculiar e pouca estudada que aparece em várias manifestações lúdicas, é
a disputa, marca da provocação, enfrentamento e muitos conflitos que fazem parte da
construção dos relacionamentos e laços de amizades que se constituem desde a mais
tenra infância.
No entanto, há a necessidade de um olhar sobre práticas culturais especificas,
articuladas com características geográficas locais e investigar sua influência sobre os
modos de brincar de seus habitantes, pois em lugares em que normalmente há as
marcas de grupos étnicos considerados minoritários, existem poucos estudos a respeito.
Neste trabalho sobre os modos de brincar foi importante analisar a produção lúdica
relativa a disputa e suas intersecções com as formas de sociabilidade estabelecidas no
lugar. Neste sentido, o olhar sobre as atividades das crianças foi analisado pelo viés
interacional estabelecido no cotidiano, e quais as possíveis associações entre as formas
de brincar adulta desta região. Gomes, (2014, p.06) destaca que “[…] Isso é assim
entendido porque as interações entre crianças, jovens, adultos e velhos envolvem o
aprender e o ensinar; são ações coligadas e constitutivas da relação entre as pessoas”.
Portanto, impossíveis de serem universais.
Castro (2019) considera que teorias que se pretendem universais têm fomentado a
exclusão de algumas infâncias distantes de padrões hegemônicos eurocêntricos e norte-
americanos. Assim, as infâncias na favela, a partir de um modelo de ser criança “ideal”,
que por ser distante de seus padrões cotidianos, ficam alijadas do reconhecimento
global.
Dessa maneira, é válido considerar como as relações de dominação que
interconectam regiões do Norte e do Sul global impactam sobre a produção e a
circulação do pensamento e do diálogo científico (CASTRO, 2019). Existe um
universalismo pela construção de uma infância que não contempla à diversidade e à
amplitude de infâncias encontradas no Sul.
Dessa forma, no decorrer do texto serão identificadas características relativas

165
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

as formas de disputa pelo brincar na favela e detalhes das expressões lúdicas dos
mareenses, buscando as interseções entre as expressões dos adultos e das crianças,
relacionadas a identidade dos moradores e as marcas sociais do território.

O BRINCAR NA FAVELA: MODO DE DIZER, AGIR E INTERAGIR

As peculiaridades e organizações das brincadeiras podem afetar usos e adaptações


que as crianças estabelecem com os espaços, além de suas interações com seus pares
e adultos, pois enfrentando e construindo juntas sociabilidades e limites territoriais,
produzem um rico repertório de habilidades, que normalmente não costuma ser
considerado como algo importante.
No entanto, o brincar é um comportamento comum relacionado aos modos de
vida das crianças, mesmo desvalorizado e desqualificado enquanto atividade proveitosa
dentro dos rigores de produção da sociedade capitalista. A estrutura escolar, muitas
vezes, é organizada para limitar as formas de insurgências da brincadeira. No entanto,
ressaltamos que as crianças da favela estabelecem relações afetivas pelo brincar que
consolidam suas identidades em constantes interações com o meio.
Em geral os bairros mais pobres assumem, uma configuração territorial que os
demarca em relação a outros espaços urbanos. A identidade pessoal e social é resultado
de processos de interação entre pessoas, predominantemente construída nos espaços
públicos e coletivos, nos quais as tradições do mundo se dão através de processos
complexos, intergeracionais e multidimensionais, que desencadeiam recriação e
transformação cultural. A favela traz impresso em sua história o sentido de superação
da própria realidade. Onde, à medida que o sujeito experimenta o lugar, emerge
intimamente um território de domínio, que coorganiza em interações as identidades
indivíduo-meio (COTRIM E BICHARA, 2013).
É na rua que muitas vezes, se aprende, desde a infância, a buscar equilíbrio
psíquico e saúde mental. Neste lugar o jogo não é uma atividade isolada. As crianças,
em geral, fazem parte de grupos relativamente estáveis e integrados, o que nos permite
encará-lo como parte de atividades grupais constantes e de caráter perceptível. Muitas
crianças não costumam sair da favela, têm a totalidade de suas famílias espalhadas
entre as várias povoações do local. Neste lugar, há uma riqueza e complexidade de
cultura em que se encontram tanto as marcas das concepções adultas quanto a forma
como a criança se adapta a elas.
Ao circular pelos espaços públicos, sente-se uma disputa espacial que se conflagra
de muitas formas, as características da territorialidade remetem à ideia de resistência,
que contribui na construção de alicerces que influenciam nas relações infantis e na
produção do campo lúdico. A título de exemplo, destaca-se a capacidade das crianças
de se camuflarem durante as brincadeiras de pique esconde. Aquelas que conhecem os

166
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

detalhes do espaço público vestem roupas que facilitam sua camuflagem, dificultando
achá-las em seus esconderijos e vencer a brincadeira.
Também os adultos procuram, para si, formas de escapar da aspereza cotidiana,
encontrando maneiras de distração. Constroem sua identidade interagindo com a
imagem percebida de sua ambiência, surgindo formas distintas de brincar/distração.
Como é o caso dos bailes funks e os cultos evangélicos, que, opostos em sua formatação
e proposta, podem convergir em relação à intenção dos moradores. Essas atividades
são maneiras cultivadas para diminuir o impacto de um território segregado e com
formas de entretenimento tão restritas. Para se alegrar, buscam se (re)inventar criando
pontos de encontro para o fortalecimento dos laços de amizade com quem mais se
identificam.
Estudos sobre infância nas classes negligenciadas pelo Estado, geralmente,
discutem e problematizam aspectos da vida das crianças sem, no entanto, contar
com suas falas, ações, reflexões de seu cotidiano e sobre a maneira como veem a
sociedade. No entanto, ao ignorar detalhes que integram o dia a dia das crianças
associando-as apenas à pobreza e inadequação, além de não interromper um ciclo
de exclusão, colaboram com sua permanência. Aqui destacamos o brincar como um
modo de dizer que compõe um campo de subjetividade. Segundo Jardim (2003, p.56),
o brincar é um campo de subjetivação da infância que permite através de elementos da
realidade externa uma experiência criativa, pela qual é possível compreender aspectos
da constituição infantil. pois: “[...] não é contabilizado, nem pedagogizado e foge do
caráter de capitalização”.
Vale ressaltar que as experiências no mundo real dão às crianças os recursos para
as brincadeiras. Nesse sentido “[…] os aspectos da identidade social da criança – o
gênero, o ambiente cultural e a organização familiar e comunitária, os valores e as
crenças – vão influenciar o estilo, os tipos e a quantidade de brincadeiras que uma
criança vai exibir” (GARVEY, 2015, p. 239). Este enfoque torna-se fundamental para
a compreensão do repertório lúdico que será apresentado aqui, sobretudo quando
consideramos que em muitos jogos, o jogador precisa partilhar dos códigos construídos
coletivamente para poder jogar, respaldado em referências intersubjetivas (Brougère,
2002). O aprendizado desse conhecimento se faz através da troca entre crianças que
possuem a oportunidade de encontros regulares, onde criam e recriam sentido a suas
brincadeiras, a partir desses momentos e das fortes contribuições dos modos de ser dos
adultos de seu território.

CARACTERIZAÇÃO E CONSTRUÇÃO DO CAMPO DE PESQUISA

A investigação aconteceu durante 10 meses, por meio de um estudo qualitativo,


entre os anos de 2018 e 2019, com um intervalo de um mês de férias escolares.

167
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

Inicialmente foram realizadas visitas semanais à uma turma do terceiro ano do ensino
fundamental com crianças entre 8 e 9 anos de idade. Em seguida, com mais confiança
no território a pesquisadora passou a fazer incursões com uma parte do grupo de
crianças, nas ruas e becos das favelas próximas.
A escola com um cenário contraditório, contava com excelente espaço físico e
bons equipamentos, além de uma equipe comprometida com o ensino, ao mesmo
tempo que estava localizada em um contexto tenso. Território de grande escassez
econômica, com frequentes conflitos e disputa entre organizações do varejo de drogas
e intervenções policiais, ficava em uma região denominada “Divisa” ou “Faixa de
Gaza”. A área é denominada assim, pois fazia fronteira entre as duas comunidades: a
Baixa do Sapateiro (dominada pela facção do Terceiro Comando) e a Nova Holanda
(dominada pela facção do Comando Vermelho). Este local costuma ser palco para o
protagonismo da disputa territorial aterrorizando os moradores.
Nestes espaços foi utilizado constantemente um caderno de campo registrando as
observações e conversas realizadas em diferentes momentos cotidianos. Também foram
feitas algumas visitas às residências e entrevistas participativas semiestruturadas (com
alunos, professores e familiares), grupos de discussão a partir de situações-problemas
apresentadas pela pesquisadora e o acompanhamento a passeios na favela. Também
foram registrados: fotos e vídeos feitos pelo celular que permitiram descobrir novas
formas de desvelar as múltiplas dimensões da realidade dos moradores.

EXPRESSÕES LÚDICAS MAREENSES - ZOAR PARA NÃO SER ZOADO

Na busca pelo significado do termo zoar em dicionários mais comuns, vamos


encontrar palavras como: debochar, ridicularizar, zombar, entre outros termos que
estão associados à ideia de desqualificar alguém. No contexto da Maré, podemos
classificar o comportamento de zoar como um “ritual de sociabilidade” necessário,
uma espécie de passaporte de entrada para o brincar do grupo. Parece-nos que zoar é
uma categoria genérica, que pode ser incluída como parte da brincadeira, em que se
desenvolve um tipo de relação que passa pela disputa, humilhação e competição. Mas
também envolvendo a capacidade de se auto afirmar, de criar e do prazer coletivo.
Marca as interações entre as crianças (principalmente entre meninos), mas entre os
adultos também é comum.
O adversário humilha, zoa o outro para se autoafirmar. Ao zoar - comportamento
que ocorre nas inúmeras interações mareenses, de adultos e crianças -, a posição social
de cada indivíduo diante do grupo depende, em parte, da desenvoltura de respostas
engenhosas e da capacidade de manter-se calmo. Ao mesmo tempo em que o indivíduo
dá e recebe insultos ultrajantes, gozações relativas à aparência ou deboche relativo a
algum vacilo descoberto que desafiam à sua autoestima.

168
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

Assim, o zoar pode ser uma disputa, com base na tentativa de desqualificar alguém,
na qual o desempenho do oponente mais articulado vai interferir na posição de poder
entre ele e os amigos. A questão é que a criança que consegue se sobrepor a outra
com frequência, e com raciocínio e rapidez, parece ter maior status no grupo. Assim,
destacamos este jogo como importante foco de investigação, que reflete a identidade
e produção cultural do território. Vale destacar que este tipo de jogo de disputa não é
exclusivo deste lugar. Está presente em outras favelas, outros bairros do Rio de Janeiro,
Brasil e outros locais do mundo, fazendo parte de um padrão intergeracional que
constitui a cultura lúdica e integra à cultura popular dos povos de várias regiões.
A respeito dos jogos de humilhação, Green (2013) destaca um lado pouco
discutido nas pesquisas sobre o brincar, o lado perverso, chamado pelo autor de “jogo
sujo”, uma vez que não é baseado exatamente num intercâmbio, mas na vontade de
dominar. É uma forma de impor a vontade de uma pessoa e de submeter o outro. Nos
intervalos cotidianos das ruas há combates de zoação, onde o objetivo é saber quem zoa
melhor o outro. Existe a vontade de provocar, de deixar o amigo sem graça e humilhado
diante do grupo, no entanto, mesmo considerando que em alguns momentos pode
haver confronto físico ou o rompimento temporário do laço de amizade, na maior
parte das vezes é encarado com bom humor.

TERRITORIALIDADE E O CAMPO LÚDICO: MODOS, RITMOS,


INTENSIDADES, DERIVAÇÕES

Diversas formas de brincar estiveram presentes nos tempos e espaços escolares.


Mesmo diante das situações mais controladas, as crianças gradativamente buscavam
formas lúdicas de interagir entre si, – fosse nos interstícios espaciais ou em espaços mais
amplos – nas filas durante os deslocamentos, de cabeça baixa na carteira, etc. Sempre
algum movimento lúdico podia ser registrado. Olhos sorrateiros de cumplicidade
surgiam entre elas, parecendo um convite para buscar alívio às tensões que marcavam
os momentos mais duros. Além disso, alguns lugares facilitavam o surgimento das
brincadeiras; as crianças se apropriavam deles para brincar, de uma maneira singular
e não esperada pelos adultos. Bichara et al (2011) ressaltam que as formas de brincar
dependem em grande parte, da qualidade dos espaços destinados, tanto em termos das
características físicas quanto dos traços sociais.
A escola não oferecia recreio simultâneo para todas as turmas, e nem todo
dia tinha tempo de recreação. Em alguns dias, algumas crianças ficavam proibidas
de participar desse momento, de acordo com seus comportamentos e os critérios
estabelecidos pela professora. Assim, o tempo mais longo para brincar, geralmente
ocorria durante as aulas de educação física, quando as crianças eram acompanhadas
pelo professor na quadra esportiva da escola, ou quando a professora descia até o pátio

169
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

de entrada para uns 10 ou 15 minutos de recreação da turma. Fato que, não ocorria
todos os dias. Dessa maneira,
[…] de acordo com a Matriz Curricular - versão de 14 de janeiro de 2019,
o intervalo para o recreio no turno único: das 8h às 15h, sendo 7 (sete)
horas de trabalho escolar, terá 70 (setenta) minutos destinados a recreio e
refeições definido pelo educador da turma, uma vez que ele é considerado
o encarregado de planejar a rotina das crianças.
Aqui vale detalhar que 70 minutos diários para recreio e refeições, eram divididos
entre a alimentação e sobrava pouco tempo para a recreação. Apesar do clima escolar
ser lúdico e afável, pois as equipes costumavam ter uma relação afetuosa com os
alunos, a estrutura escolar, não disponibilizava tempo e espaço exclusivo para o recreio
coletivo e a expressão livre das brincadeiras dos estudantes. De acordo com Rossetti-
Ferreira (2003), a ordenação tradicional das escolas costuma se apropriar do lúdico
estruturando-o, regrando-o, delimitando seus espaços e horários. Segundo a autora, a
essência do brincar que é a espontaneidade, o não ter hora marcada nem programada
ou material preestabelecido, por não ocorrer em muitos contextos escolares, as
expressões lúdicas acabam prejudicadas. Aqui destacamos que é realmente complexo,
harmonizar a lógica do brincar espontâneo com a lógica tradicional escolar.
Entretanto, na rua e na escola, as brincadeiras eram frequentes, a maioria com
elementos constitutivos da favela, que por sua vez, integrada as regras tradicionais de
algumas brincadeiras foram alimentadas pela cultura local, oferecendo um repertório
próprio da Maré. Assim, não apareceram de forma estática e isolada, estavam integradas
nas percepções e ações das crianças. Aqui será destacada a força local e as interações
das crianças que “[...] co-constroem com a cultura o espaço vivido, onde, à medida
que elas avançam com suas experiências afetivas sobre o lugar, agrupam valores que
reorganizam o seu estar no mundo” (COELHO, et al, 2006, p. 77).
Em relação aos ajustes necessários para aproveitar as características dos espaços
disponíveis, tanto nas ruas das duas comunidades, como nos espaços escolares, as
crianças apresentaram repertórios lúdicos semelhantes, decorrentes de seus saberes
a partir das oportunidades oferecidas em relação aos lugares que frequentam. Neste
ponto, percebemos que as crianças para brincar foram capazes de se adequar aos
espaços oferecidos, expressando uma habilidade de achar soluções para a falta de lugar
que poderia atrapalhar as brincadeiras. Apesar da configuração espacial da favela da
Nova Holanda se apresentar distinta da configuração da Baixa do Sapateiro, em ambas
existem poucas ruas largas e praças com possibilidades para brincar e suas estruturas
espaciais não possuem um planejamento para essa função.
Nos vários lugares estreitos e as vezes escuros, é possível ver diversas crianças
pulando corda, brincando de pique, andando de bicicleta, empinando pipa, jogando
futebol, bafo, dominó ou simplesmente, paradas conversando. Dado que evidencia
que a ausência de espaços amplos que deveriam ser oferecidos pelo Estado, não são

170
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

empecilhos para que o brincar aconteça. Coelho et al, (2006), apontam que na favela a
utilização dos espaços livres é peculiar por parte dos seus habitantes mirins

Figura 01- Jogo de bingo no beco Figura 02- Jogo de bafo no beco

Fonte: autora

Na escola também foram encontrados modos de brincar que ocorreram


nos pequenos intervalos após a realização das tarefas, ou sempre que havia
uma brecha possível, apresentando de certa forma uma semelhança com os
modos de brincar das ruas. Fortuna (2000) destaca o caráter paradoxal da
brincadeira, evidenciando seu potencial revolucionário, pois quanto mais se
tenta confiná-la e dominá-la, mas ela se mostra livre e espontânea. Muitas vezes,
as brincadeiras em sala ocorriam alheias aos olhares adultos, parecendo dar
um outro sentido ao estar na escola, fortalecendo a vontade de estarem naquele
lugar. Nesse sentido, as crianças se apropriavam dos espaços das formas mais
inusitadas possíveis para brincar, como pode ser visto nas imagens abaixo, onde
as meninas utilizaram mesas e bancos de cimento, construídos no espaço lateral
externo para brincar de pique, e os meninos realizaram uma partida de bafo nas
cadeiras do auditório da escola.   
Esse aspecto ressalta dois pontos: a brincadeira não precisava ser autorizada
para acontecer, ela existia através do conluio infantil, evidenciando os firmes
laços sociais das crianças como um dos elementos que surgem pelo brincar. O
segundo ponto, é sobre a aparente necessidade de brincar, aliviando a tensão
diante da obrigação de realizar as tarefas escolares, pois as brincadeiras ofereciam
alegria e prazer. Assim, as próprias crianças buscavam estratégias para escapar
da rigidez e estresse que permeiam o cotidiano, amenizando a ansiedade de
ficar durante 7 horas por dia no espaço escolar. Podemos olhar para o brincar
como um campo propício e possível de elaboração do mal-estar infantil, mal-
estar este que nós adultos, ajudamos a produzir (JARDIM, 2003).

171
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

De maneira geral, as brincadeiras variavam desde as tradicionais que podem ser


encontradas em diferentes gerações, tais quais: queda de braço, brincadeira de pique,
corda, entre outras. Até as que apresentaram adaptações relacionadas ao momento
atual, muitas vezes influenciadas pela internet ou pela televisão. Como foi o caso do
pikachu (uma brincadeira com as mãos que também envolveu disputa), derivada da
antiga brincadeira conhecida como “Pedra, papel e tesoura”. Um desdobramento que
podemos citar dessa brincadeira é que os resultados poderiam causar agressões físicas,
caso o perdedor quisesse revidar os tapas que recebia do vencedor, após o término
de uma partida. Dessa forma, como a prenda exigia o consentimento para apanhar
do adversário, provocando raiva ou vergonha da perda do jogo, algumas crianças
não aceitavam tão fácil serem submetidas a esse papel em público, pois as disputas
aconteciam ao redor de uma pequena rodinha que apreciava o jogo esperando a
vez, essas situações de disputa esquentavam o ritmo das brincadeiras, intensificando
a agressividade, pois exigiam autoafirmação perante os componentes que estavam
acompanhando.
Existiram também jogos de disputa com menor intensidade, tais como: forca,
jogo da velha ou os jogos industrializados (que havia na sala de aula, mas que não
eram muito usados). Geralmente, esses jogos ocorriam quando o estar em sala de aula
impunha um ritmo menos acelerado, solicitando que as crianças ficassem mais calmas.                
No entanto, os jogos mais frequentes eram: bafo, rimas, futebol e queda de
braço, sobretudo, entre os meninos, que durante essas brincadeiras, constantemente,
se empurravam, provocando-se, porém, parecendo atentos para não romper o limiar
da ludicidade, pois quando foram observados momentos de agressões mais sérias, não
duraram muito tempo, e muitas vezes, foram resolvidos entre as próprias crianças.
Assim, podemos supor que movimentos mais brutos, quando os ritmos ficavam mais
intensos, faziam parte do roteiro de brincar. As crianças pareciam ter consciência
que ao machucar o outro com um movimento mais violento, romperiam os limites
estabelecido pelo contrato oculto, mas preestabelecido, de como agir nos momentos de
brincar, ou seja, pareciam saber que essa era a garantia do jogo continuar, mesmo que
algumas vezes rompessem essa barreira.
Brincadeiras são rituais repetidos ou recriados, em ambientes socioculturais
distintos. Via de regra, essa transmissão se dá no próprio grupo, pelas crianças
mais velhas para as menores sem interferência adulta (CARVALHO E PONTES,
2003). Aqui as regras foram geradas na convivência das crianças nos ambientes que
frequentam e influenciadas por uma espécie de legislação que juntas conceberam a
partir das estruturas tradicionais das brincadeiras que são repassadas de uma geração
para a outra, e mais os costumes territoriais.
Nas ruas da Maré, ao circular pelos espaços públicos, sente-se uma disputa
espacial que se conflagra de muitas formas: pelos vários tipos de sons em alto volume
que disputam entre si, ou as diversas motos e automóveis que circulam pelos locais

172
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

concorrendo com o ir e vir dos transeuntes. Configurando uma variedade de ocupação


que se observa nas praças, becos e ruas. É dessa forma que para algumas crianças a casa,
a rua e a escola, se apresentam como espaços contínuos que influenciam mutuamente
o campo lúdico, com seus usos e significados que se alternam no decorrer dos dias. A
título de exemplo há o uso da internet, que é utilizada em casa nos jogos eletrônicos,
mas seus resultados se estendem para os diálogos que ocorrem na escola e na rua. Um
dos desdobramentos das disputas que ocorriam a partir deles fica destacado no relato
abaixo:
Ju - […] aí tu vai, tá lá jogando, o jogo também é bom pra zoar teu amigo,
mas é pra zoar de brincadeira, na patente que ele tá. São várias patentes,
bronze, prata, ouro, platina, diamante, mestre e desafiante, mas não é de
um e um não, que tu completou a barrinha de prata não. Não é assim,
não! Primeiro vai vir lá: bronze um, bronze, dois, bronze três, bronze
quatro, aí vai de todos que vêm. Mas, sabe o que é but?

Pesquisadora – Não!

Ju- But é quando a pessoa quer zoar pra gastar mermo, porque o cara
é bronze, platina, a gente diz platinaaaaa! (mudando o tom da voz) de
zoar. Mas, agora quem é dima aí, o cara não zoa não! É que eles falam
que as pessoas tão na patente ruim que é a primeira patente, que é a
patente de bronze, entendeu? E quem criou esse jogo foi a garena e vários
jogos. Todos nós jogamos, o VT, tá falando que vai parar, chega na hora,
pergunta o meu login, tem como jogar on line.

Pesquisadora – Quando vocês jogam on line vocês ficam se comunicando?

Ju – É, pelo microfone (trecho de um áudio de uma entrevista realizada


com um dos meninos do grupo infantil).
O relato acima, demonstra que há a continuidade dos resultados das partidas dos
jogos da internet que acontecem em casa, pois como as crianças têm a oportunidade
de novos encontros, compartilham dos efeitos das jogadas, zoando os amigos que vão
mal no jogo. Neste sentido, as zoações costumavam interferir no lugar de cada criança
no grupo, em alguns momentos ficava clara uma hierarquia constituída a partir das
desenvolturas durante as várias brincadeiras. Os laços sociais se formavam nas distintas
vivências lúdicas do grupo infantil.
Em nenhum momento foram observadas, durante o estudo, as tradicionais
brincadeiras de faz de conta, tais como: casinha, super-herói, bonecas, carrinhos ou
outros exemplos comuns. O repertório da produção de suas fantasias pareceu ser
baseado em alguns elementos trazidos pela internet, mas, fundamentalmente, nas
vivências relacionadas à cultura local e as características territoriais. Para explicitar a
marca da territorialidade na fantasia, podemos citar o relato de uma criança que fez

173
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

questão de contar o que seu grupo tinha feito durante uma brincadeira que chamou
de brincadeira de guerrinha – polícia contra bandido.
Ju- Nós tava brincando lá que nós era rico, mas quando a tia saiu, nós
começamos a tacar peça pro alto, pecinha de dominó. Aí todo mundo
caindo no chão. começamos a falar “caveirão tá subindo o morro, tá
subindo o morro! (fazendo barulho de tiro). Nós dava só tecão, era cada
barulhão, aí foi até bala perdida... o dominó saiu da sala, não sei se pe-
gou em alguém, só sei que o negócio desceu com tudo. Aí nós falava olha
o caveirão e aí dava um estalo.

Pesquisadora - O que era o caveirão?

Ju - O caveirão era a tia, quando a tia saía, ela tava na porta, nós come-
çava a tacar, tacava na porta para ela não entrar mais. Todo mundo lá,
abaixado, gritando... Também eu acertei a cara do Y sem querer.... e o C
tomou uma bem no queixo, só não sei quem foi, de dominó, raspando. Ni
e Cla morreram, elas estavam na casinha.

Pesquisadora - Que casinha é essa?

Ju - As cadeiras, elas tavam na frente, só pegava na cabeça delas. Também


foi nas costas do Mat, pam, pam, pam! Teve uma hora que eu taquei, a
peça fez um desvio e pegou no cabelo dela. Quando eu fiz isso, alguém
tacou lá na caneca da tia, aí derrubou. Os de traz era os bandidos e os da
frente era os polícia. O VT era polícia, passou bem no meu ladinho, aí
não me viu. Oh caveirão aí mano, Cla... bota, bota (trecho do áudio de
uma entrevista realizada com um dos meninos do grupo infantil).
Durante esta brincadeira, as crianças trouxeram um conteúdo particular baseado
nas vivências que ocorrem tanto dentro como fora da escola. Entretanto, misturando
personagens cotidianos com representações do dia a dia, a temática principal sobre a
qual expressaram suas fantasias foi sobre os diferentes tipos de pressões que se fazem
presentes em suas vidas.
Primeiro ao associarem à professora a imagem do “Caveirão” (nome popular
do carro blindado usado pelo batalhão de operações policiais e que faz incursões nas
favelas). A professora é a figura de autoridade diária, que ensina as leis e cobra sujeição
a elas. Nesse sentido, em muitos momentos, ela causa angústia e aflição, já que em
diversas ocasiões a vontade das crianças diverge das normas exigidas. Principalmente,
quando se trata do desejo de brincar, mas ter que estudar, já que estudar, por vezes,
significa o controle corporal, aquietar-se na cadeira, deixar de falar com o outro para
prestar atenção aspectos que vão na direção contrária de seus movimentos.
Por outro lado, o “Caveirão”, sempre que chega, anuncia situações de medo,
que provocam sensações semelhantes e, até mesmo, sentimentos mais aflitivos que

174
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

interferem diretamente na vida das crianças. Dessa forma, a analogia feita pelas
crianças em relação à professora e o “Caveirão” deu a oportunidade de fantasiar a
respeito desses fatos, fortalecendo assim, o equilíbrio emocional delas, possibilitando
que conseguissem lidar com suas rotinas dentro e fora da escola, com mais alegria e
ânimo.
Outra ligação interessante é quando elas falam da pedra de dominó que saiu
da sala e caiu no andar de baixo da escola, associando-a com a ideia de bala perdida,
termo muito utilizado quando uma bala da polícia atinge alguém inocente. A pedra de
dominó, ao sair da sala, ficou sem controle, caindo em qualquer direção, semelhante
à bala chamada de perdida. Afinal, “balas perdidas” são disparadas com frequência para
justificar mortes de pessoas próximas, moradoras de seus territórios, ou de territórios
com características semelhantes, justificando, assim, que não houve a intenção de
matar. Nesse sentido, Isaacs et al (1969) propiciam um entendimento dessa relação
feita pelas crianças quando afirmam que além da fantasia ser utilizada como um meio
de defesa contra as ansiedades e controle dos impulsos instintivos, também serve como
expressão de desejos reparadores. O processo desse tipo de brincadeira pode dar às
crianças a liberdade de expressar sentimentos e explorar suas experiências relacionadas
às situações em que vivem na escola e nas ruas da favela, fortalecendo uma espécie
de sensação de domínio diante da impotência e opressão. Linn (2010) destaca que a
fantasia pode ser valiosa se podermos utilizá-la para confrontar o medo, lidar com a
raiva ou para lidar com questões devastadoras que confundem as crianças.
Um outro exemplo de territorialidade, que evidencia o cruzamento espacial do
que ocorre nas ruas da Maré e é readaptado para a escola, ocorreu durante um dos
almoços realizados no refeitório, quando um grupo de meninas criou uma pequena
adaptação de um funk:
[…] Pode chegar, pode chegar
Que a aula vai começar
Sabe aonde você ‘tá?
Naquele lugar que tu ouviu falar
Aonde tu senta, aonde tu sobe
Aonde tu desce, aonde que tu rebola
Sabe aonde você ‘tá?
Aqui dentro da escola
Ai, me solta, porra! (adaptação da música - Me Solta - Nego do Borel)
O trecho do funk apresentou, duas pequenas adaptações que estão em negrito,
são palavras que as crianças trouxeram para a música, modificando o sentido original.
Primeiramente, na segunda linha quando aparece a frase “Que a aula vai começar”.
Na música original, no lugar da palavra “aula”, aparece a palavra “festa”. A outra
adaptação é a inserção da frase: “Aqui dentro da escola”, que na música original é: “É
no Baile da Gaiola”. Dessa forma, as meninas trouxeram um aspecto da cultura local:

175
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

“o funk”, que é o estilo de música mais ouvido na comunidade. Durante a cantoria,


todas as meninas cantavam juntas esse trecho da música, enquanto eram servidas da
comida disponibilizada para almoçar. A linguagem do funk está presente no dia a dia
de alguns moradores e crianças da favela, influenciando à cultura local e oferecendo
subsídios ao imaginário infantil, por intermédio das formas simbólicas o lugar é capaz
de expressar-se, de promover a resistência que fortaleça maneiras de existir (MAIA e
LATTANZI, 2007).
Outra referência territorial é a existência do “poder paralelo”, que em outros
locais é normalmente identificado como uma transgressão da ordem comum, mas,
neste local, se incorpora como uma lei e também interfere no campo lúdico. Nos
becos, nas esquinas e ruas é frequente encontrar homens fortemente armados. Nesses
momentos, fica clara a violência simbólica exposta no cotidiano, pois, apesar das armas
não estarem apontadas para ninguém e nem haver habitualmente expressões de raiva
de quem as carrega penduradas no corpo, armas representam ameaças à vida, relações
de poder e iminência de morte. Além do que, existe a disputa territorial entre as duas
facções rivais do varejo do tráfico de drogas, interferindo diretamente no direito de ir
e vir dos moradores, inclusive das crianças. As crianças e todos os moradores convivem
com tiroteios constantes de uma guerra “oculta”, que apesar de não devidamente
reconhecida oficialmente pela sociedade, é real. E, quando não há uma ação concreta
dos varejistas do tráfico ou operações policiais, podemos perceber que já se instalou
uma lei que influencia no imaginário coletivo, podendo inibir suas possibilidades
de transitar com tranquilidade pela comunidade e até mesmo dificultam crianças
de frequentar escolas localizadas em área considerada rival do local onde vivem. É
como se todos pertencessem a um dos lados do conflito. Dessa forma, parece que toda
a comunidade é “envolvida” nas regras ditadas pela guerra das facções e a repressão
policial.
Durante algumas entrevistas com as mães e relatos de algumas crianças, foi possível
perceber que já aconteceram situações de constrangimento e violência relacionados às
marcas da rivalidade, tais como: brincadeira de guerrinha com pedras, paus e socos de
meninos que moram em favelas diferentes; restrições a gestos que não podem ser feitos
pelos adultos ou pelas crianças, pois estão associados às diferentes as organizações do
poder local, tornando-se verdadeiros tabus que são incorporados pelos moradores.
Neste sentido, as características da territorialidade remetem à ideia de disputa de força
que contribui na construção de alicerces que influenciam nas relações infantis e na
produção do campo lúdico. Porém, apesar das crianças frequentemente disputarem
entre si, muitas vezes diante da disputa com uma criança de fora, não pertencente
ao grupo, elas se protegem, revelando que os laços sociais estabelecidos no território,
têm continuidade convergindo para que as crianças sejam membros regulares de
agrupamentos sociais integrados e estáveis.
Outro exemplo é sobre o grupo que jogava futebol com frequência, na escola
e na rua, e que vivia intensas situações de disputa e apresentava uma organização e

176
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

preparação que contava com vários momentos anteriores ao jogo em si. Foi possível
identificar que havia um planejamento prévio durante os intervalos das tarefas escolares
para a disputa lúdica. Além disso, nos diversos intervalos, falavam, muitas vezes entre
si, sobre várias etapas do que tinha ocorrido no jogo anterior ou debochando de
alguém que não conseguiu jogar direito.
Este jogo apresentou muitos desdobramentos, pois uma boa desenvoltura
permitia que a criança participasse interferindo com suas ideias, colaborando com
o planejamento da disputa e fazendo com que a criança ganhasse destaque perante
o grupo, interferindo no papel hierárquico de cada criança, pois seus ritmos exigiam
esforços demasiados, durante as partidas, que eram intensas. Para driblar um
adversário e fazer um gol essa atividade demandava vigor, planejamento e agilidade.
Ser hábil com tanta presteza durante essa brincadeira não era característica de
todas as crianças, aspecto que aumentava a admiração do grupo, em relação às que
conseguiam. Os momentos iniciais das partidas representavam ritmos mais tranquilos
e uma intensidade ainda branda, preparatória para o que iria ocorrer durante o jogo, à
medida que a partida começava, os ânimos se acirravam e, apesar de ser a brincadeira
que mais durava, nunca ocorria com tranquilidade: constantemente as partidas eram
interrompidas, por queixas de falta, xingamentos ou discordâncias, fazendo com que,
a todo instante, algum impasse tivesse que ser resolvido para dar seguimento ao jogo.
Esses momentos incluíam confrontos, físicos ou verbais, em grupo ou individuais, em
que cada lado defendia, com argumentos ou agressões, diferentes pontos de vista. No
entanto, os conflitos não tinham grande duração, logo as pazes eram realizadas. Ao
oferecer oportunidades de viverem sentimentos diversos, tais quais: inveja, rivalidade,
ciúme e raiva, em relação aos companheiros, a brincadeira ensejava a oportunidade de
aprender a regulá-los, e enfrentar a frustração (FORTUNA, 2010).
De modo geral, a impressão era que todas as brincadeiras eram frenéticas, com
pouco tempo de duração, entretanto, eram bastante tangíveis, exigindo uma entrega
por parte das crianças. Parecia inevitável a capacidade de lidar com diferentes ritmos e
a necessidade de troca com o outro, mesmo que este outro estivesse próximo ou mais
distante. Com relação a isso, havia os tratos, espécie de combinados que as crianças
tinham e que surgiam no meio das brincadeiras, exigindo atenção do jogador para
não cair na armadilha das regras e ter que pagar prendas. Souza (1999) estudando
brincadeiras de rua com um grupo de crianças moradoras da periferia da cidade de
Belém do Pará, encontrou alguns tipos de “tratos”, denominados como acordos, feitos
entre crianças, que podem ser cobrados no meio da disputa de uma brincadeira. No
território da Maré, as crianças tinham dois tratos mais comuns: “é da joaninha” e
“pause”.
Com relação ao primeiro, a criança podia estar brincando de pique e uma outra
perguntar “de quem é esta blusa?”, apontando para a blusa da criança próxima, se ela
tem o trato “é da joaninha”, toda pergunta feita sobre seus objetos teria que responder:
“é da joaninha”. Se respondesse que é dela, então ela errava e deveria pagar uma prenda,

177
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

dando o objeto próprio, ou um outro para a outra criança. Nem sempre isso acontecia
e uma prenda, como imitar um animal, era exigida como punição. Destacamos aqui
que mesmo durante uma brincadeira agitada, para a criança conseguir corresponder
de forma correta ao trato, era requerido uma diminuição no ritmo de sua atuação,
sobretudo porque precisava pensar e associar a pergunta que estava sendo feita para
responder corretamente. Sobre o segundo trato o “pause”, ele acontecia muitas vezes
durante uma atividade na escola, por exemplo, a criança estava comendo e a outra dizia:
pause! Então a criança teria que ficar imóvel, até a outra criança dizer “despause!”,
enquanto isso, a criança que mandou a outra “pausar”, podia mexer no corpo dela,
deixando-a em posições engraçadas para ser zoada. Neste ponto, a brincadeira tinha
seu ritmo alterado, pois havia a exigência de amenizar o padrão de brincar, requerendo
da criança um controle corporal como forma de participação.
Assim, os tratos evidenciaram que as brincadeiras se compunham da premissa
da alteração de ritmos, demandando das crianças controles físicos e psíquicos para
lidar com as mudanças exigidas. Os tratos mudavam o movimento e a pulsação das
brincadeiras, pois muitas vezes uma mesma brincadeira podia esquentar e esfriar,
fazendo com que o ritmo se modificasse, evidenciando o maior ou menor grau de
envolvimento, eles exigiam uma concentração paralela, suas regras eram extras em
relação à brincadeira principal que estava acontecendo naquele momento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do exposto podemos afirmar que a força da territorialidade e da


expressão lúdica intergeracional, atuaram reflexivamente compondo o campo lúdico
das crianças estudadas. Ambas influenciaram no conjunto de elementos que surgiram
alterando os ritmos, as intensidades e as derivações que compuseram a produção da
cultura lúdica das crianças mareenses.
A frequência maior de comportamento ao longo das brincadeiras é a disputa,
marca presente em diversos jogos antigos, simbolizando a rivalidade existente nas
relações humanas em muitas culturas. Mas, também relacionada a identidade
estabelecida no cotidiano da Maré, onde a rivalidade territorial está constantemente
presente na vida dos moradores.  
A favela é o lócus de uma determinada experiência lúdica, um espaço de diversão
que perturba a ordem do estabelecido sobre o brincar e as formas de se divertir.
Ao mesmo tempo que convoca ao bom humor como pulsão de vida, sinônimo de
transcendência aos obstáculos mais árduos do cotidiano. Podemos dizer que na Maré
todo mundo brinca! E que um elemento deve ser destacado é: o jogo de “zoar”,
pois, esteve presente em várias interações, apresentando um sentido ajustado aos
vários aspectos do território mareense, uma forma lúdica de interagir, que surgiu em

178
ADELAIDE REZENDE DE SOUZA

vários momentos, presente durante as aulas, nas brincadeiras de rima, no refeitório,


nos becos, na praça, nos corredores da escola. Dessa maneira, aparece como uma
disputa agressiva, na qual a desenvoltura dos jogadores delineou os laços de amizade,
interferindo no lugar dele entre os amigos do grupo ao qual pertence.
Outro aspecto é que a parte do grupo de crianças que frequentava constantemente
as ruas da favela para brincar, utilizava a casa, a rua e a escola de forma contínua,
tornando o território e esses diferentes espaços uma das forças que configuraram as
limitações e potencialidades de suas brincadeiras. Mesmo sendo espaços diferentes, -
a casa, a rua e a escola-, possibilitaram uma interconexão com as produções lúdicas
infantis que ocorreram com uma parte do grupo estudado. Os exemplos apresentados
nos permitem notar que as crianças trazem aspectos de suas brincadeiras de rua
para a escola e vice-versa. Assim, essas diferentes espacialidades apresentaram uma
plasticidade que configuraram a produção lúdica.
No entanto, é importante evitarmos cair na armadilha de que o brincar é o
remédio para todos os males e que as crianças da Maré são mais criativas que outras
por falta de instrumentos para brincar, pois, narrativas redentoras da brincadeira
infantil (re)atribuem uma essencialidade a brincadeira e a infância, é como se o
brincar servisse como “cura-tudo”. A brincadeira, nestas interpretações, manifesta-se
como absoluta em relação às suas funções e ao seu impacto (COOK, 2019). Nossos
dados apontam para não pensar o brincar somente como algo intrínseco da criança,
e dissociado de seu território, de sua cultura e realidade. É fundamental destacar que
as brincadeiras não são abstratas e que o sentido criado está relacionado aos modos de
vida das pessoas, não são propriedades inatas e nem ocorre só entre as crianças.
Na Maré e em vários locais do mundo os adultos brincam entre si e este
patrimônio lúdico é repassado de uma geração para outra, transmitindo sentidos de
virtude e honra dentro do quadro de competição do jogo, da zoação, da agressividade
e do humor. Porém, algumas características do brincar que aparecem neste estudo
merecem ter mais aprofundamento, pois muitos preconceitos em relação aos favelados
podem ser descaracterizados e discutidos, transformando as distâncias existentes.
Finalmente, os dados aqui apresentados contrapõem à tendência de imaginar a
criança que brinca através de um só tipo de infância selecionando aspectos que servem
para dar destaque a apenas um perfil de criança e de infância favoritas, colaborando
para fabricar a ideologia de um só modelo. Se nos basearmos em um modelo único de
infância, infâncias como à da Maré, jamais vão ser admitidas, principalmente, quando
se pensa em uma trajetória estruturalmente fixa ao avanço de um olhar estreitamente
desenvolvimentista somente com base em faixas etárias.

179
O JOGO DE ZOAR: EXPRESSÕES LÚDICAS EM DUAS FAVELAS DA MARÉ

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cultura: Viajando pelo Brasil que brinca. Volume I, São Paulo: Casa do Psicólo-
go, 2003.

181
SOBRE AS ORGANIZADORAS E AUTORAS

ORGANIZADORAS

Celina Maria Colino Magalhães


Doutora em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo
em 1995. Atualmente é Professora Titular da Universidade Federal do Pará. Di-
retora do Núcleo de Teoria e Pesquisa do Comportamento (2017-2021). Recon-
dução de mandato de Diretora do NTPC/UFPA mandato 08/ 2021 a 07/2024
(Portaria Nº 2269/2021), Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Te-
oria e Pesquisa do Comportamento, no período de mar. de 2011 a fev. 2015 e
Coordenadora do Grupo de Trabalho Brinquedo, aprendizagem e saúde na AN-
PEPP de junho 2016 até dezembro de 2020. Membro da Diretoria da ANPEPP
no período de 2018 a 2020. Vice-coordenadora do Grupo de Trabalho: Brin-
quedo, Aprendizagem e Saúde (set/2022-set 2024). Membro do Conselho Fiscal
da ANPEPP (2023/2024). Ministra disciplinas na Faculdade de Psicologia e no
Programa de Pós-Graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento. Atua na
área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Desenvolvimento Humano. Em
seu currículo Lattes os termos mais frequentes na contextualização da produção
científica, tecnológica e artístico-cultural são: Brinquedoteca, Brincadeiras,
Desenvolvimento infantil, Crianças pré-escolares, Creche, Interação, Crianças,
Brincadeira de Rua, Diferença de gênero e Educadoras, crianças e idosos em
instituições, relação mãe-bebê em situação de cárcere. Bolsista de Produtividade
(1C) CNPq celinaufpa@gmail.com

Iani Dias Lauer Leite


É doutora (2009) e mestra (2003) em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela
Universidade Federal do Pará, graduada em Administração (1999) pela mesma
universidade. Foi professora adjunta no Instituto Multidisciplinar em Saúde
Anísio Teixeira (UFBA) no qual ministrou a disciplina Psicologia para cursos de
saúde. É professora associada na Universidade Federal do Oeste do Pará - UFOPA,
atuando como docente no Centro de Formação Interdisciplinar. Colabora como
orientadora permanente no Programa de Pós-graduação em Educação - mestrado
acadêmico e no Programa de Pós -Graduação Interdisciplinar em Sociedade,
Ambiente e Qualidade de Vida - mestrado acadêmico. Coordena o projeto de

183
extensão Musicaliza bebê, voltado para o auxílio ao desenvolvimento motor, cog-
nitivo, afetivo e musical de crianças de 3 meses a 4,5 anos, mediante o ofere-
cimento de atividades musicais/movimento para famílias de infantes na faixa
etária mencionada. Seus atuais temas de interesse são: bem-estar subjetivo e quali-
dade de vida na infância; brincadeiras e desenvolvimento de crianças em diversos
contextos de vida; crianças e adolescentes institucionalizados; crianças, infâncias
e conexão com a natureza; psicomotricidade, musicoterapia, dançaterapia e qual-
idade de vida. ianilauer@gmail.com

Luana Carramillo Going


Doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universi-
dade de São Paulo. Doutora em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universi-
dade Católica de São Paulo. Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade
Metodista de São Paulo. Graduada em Pedagogia. Graduada em Psicologia. Coor-
denadora e Docente do Mestrado Psicologia, Desenvolvimento e Políticas Públi-
cas e da Pós-Graduação Lato Sensu em Psicopedagogia Institucional e Clínica e
docente no curso de Psicologia na Universidade Católica de Santos. Experiência
nas áreas da Psicologia e Educação. Membro Conselheira da Associação Bra-
sileira de Brinquedoteca (ABBri). Membro do GT: Brinquedo, Aprendizagem e
Saúde, Associação Nacional de Pesquisadores da Pós-Graduação em Psicologia
(ANPEPP). luanagoing@unisantos.br

AUTORAS

Adelaide Rezende de Souza


Psicóloga em estágio de pós-doutoramento do Instituto de pós-graduação de Psi-
cologia da UFRJ. O artigo é um recorte da tese de doutorado defendida em
março de 2020, sob orientação da professora Lucia Rabello de Castro, intitulada
“O brincar na favela da Maré: jogo de vida e resistência em território conflagra-
do”. A ênfase da narrativa está no tema da territorialidade e sua influência nas
expressões do campo lúdico. Integra o Núcleo de Pesquisa para Infância e Ado-
lescência Contemporâneas (NIPIAC - UFRJ). Atua como Editora Assistente no
periódico Desidades - Revista Científica da Infância e Juventude (UFRJ). E-mail:
adelaidebrinqead@gmail.com

Adria Juliana Miranda da Silva


Graduada em Licenciatura Plena em Música (2018) pela Universidade do Estado
do Pará (Uepa). Especialista em Musicoterapia (Censupeg). Mestranda em Socie-

184
dade Ambiente e Qualidade de Vida (PPGSAQ - Ufopa) Desenvolve atividades
de musicalização para bebês a partir de 3 meses de idade e desde 2016 atua no
Projeto Musicaliza Bebê da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).
Membro do Grupo de Pesquisa Laboratório de Pesquisa Crianças e Infâncias
Amazônidas (LAPCIA) que desenvolve estudos acerca das diferentes formas de
brincar das crianças e adolescentes. Mestranda do Programa de Pós Graduação
Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida (PPGSAQ - Ufopa). adriajuliana8@
gmail.com

Andréa Reni Mendes Mardock


Licenciada em Pedagogia (UVA, 2003). Especialista em Planejamento e Gestão
do Desenvolvimento Regional (UFPA, 2004). Mestre em Sociedade, Ambiente
e Qualidade de Vida (PPSGSAQ/UFOPA, 2018). Doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Sociedade, Natureza e Desenvolvimento (PPGSND/UFOPA,
Turma 2020.2). Bolsista CNPq. Membro do Grupo de Pesquisa PRAXIS UFO-
PA. E-mail: andrea.mardock@hotmail.com

Beatriz Picolo Gimenes


Doutora em Ciências (UNIFESP) e Mestre em Psicologia da Saúde (UMESP).
Matemática, Psicóloga Clínica e Institucional, Psicopedagoga (titular - ABPp)
Neuropsicomotricista, Arteterapeuta, Gestalt Terapeuta e Neo-Reich, Psicotera-
peuta Familiar em Hospital (Psiquiatria/EPM-UNIFESP), em Visão Subnormal
e Reabilitação Visual (Oftalmologia/EPM-UNIFESP) e em TDAH/ Dislexia
(FMABC). Pesquisadora dos Grupos: de Estudos do Brinquedo (GEBrinq-UNI-
FESP), da Atenção Integral à Saúde da Mulher, Criança e Adolescente (UNI-
FAL), do Centro de Estudo sobre Ludicidade e Lazer (CELULA-UFC), do GT:
Brinquedo, Aprendizagem e Saúde (ANPEPP), da Associação Brasileira de Brin-
quedotecas (ABBri) e International Toy Library Association (ITLA). E-mail: beatriz-
pgimenes@gmail.com; orcid

Cláudia Benitez Martinez dos Reis


Mestrado Profissional em Psicologia, Desenvolvimento e Políticas Públicas pela
Universidade Católica de Santos, Brasil (2021). Diretora do Colégio Universitas
em Santos, Brasil. E-mail: claubmreis@outlook.com

Dalila de Matos Carneiro


Graduada em Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual de Feira
de Santana. Atuou como bolsista de extensão da Brinquedoteca-UEFS (2018-
2020); monitora voluntária da disciplina Pesquisa em Psicologia (2022); bolsis-

185
ta de Iniciação Científica (2022-2023); estagiária na Creche-UEFS (2022-2023).
Participou da 13° Jornada de Extensão da UEFS (2019); 14° Jornada de Extensão
da UEFS (2020); IV Jornada de Psicologia da UEFS (2020); V Jornada de Psico-
logia da UEFS (2021); 13° Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (2022); XXVI
Seminário de Iniciação Científica da UEFS (2022). Fez cursos sobre Psicologia
da Saúde, Psicologia Jurídica e Gestalt-terapia.

Dalízia Amaral Cruz


Doutora, com Pós-Doutorado em Psicologia - Teoria e Pesquisa do Comporta-
mento (UFPA). Especialista em Sistema de Garantia dos Direitos de Crianças e
Adolescentes. Especialista em Psicologia Social. Psicóloga do Espaço de Acolhi-
mento de Crianças e Adolescentes do município de Barcarena-Pará. Membro do
Núcleo de Estudo e Pesquisa em Acolhimento Institucional e Adoção (NEPAIA/
UFPA). Membro do GT Brinquedo, Aprendizagem e Saúde da Associação Na-
cional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Membro do Gru-
po Gestor do Movimento Nacional Pró-Convivência Familiar e Comunitária.
Dedica-se ao estudo e pesquisa sobre acolhimento institucional de crianças e ad-
olescentes, com experiência de atuação no Sistema Único de Assistência Social.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0474-7537. E-mail: dalizia@ufpa.br.

Elizabeth Teixeira
Doutora em Ciências: Desenvolvimento Sócio Ambiental pela UFPA (1999). O
1º Pós-Doutorado foi em Sociologia (2002), com Boaventura de Sousa Santos,
Universidade de Coimbra, Portugal; o 2º em Enfermagem (2013), na UERJ. Em
seus estudos destaca-se a produção e validação de tecnologias cuidativo-educacio-
nais.

Graziele Carneiro Lima


Graduada em Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual de Feira
de Santana. Atuou como estagiária no Laboratório de Avaliação Psicológica da
UEFS - LAPsico. Participou do IX Enelud - Encontro Nacional de Educação e Lu-
dicidade (2021); II EINELUD Encontro Internacional de Educação e Ludicidade
(2021); 13° Jornada de Extensão (2019); IV Jornada de Psicologia UEFS (2020);
V Jornada de Psicologia UEFS 2021). Atuou como extensionista voluntária
(2019/2020) e bolsista extensionista (2020/2021) na Brinquedoteca UEFS. Fez
cursos sobre Introdução ao Autismo, Psicologia da Saúde, Psicologia Históri-
co-Cultural e Relação Terapêutica on-line na Gestalt-terapia.

186
Ilka Dias Bichara
Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (1978), me-
strado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo
(1989) e doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade
de São Paulo (1994). Professora titular aposentada da Universidade Federal da
Bahia, é docente do PPGPSI/UFBA vinculada a área de concentração Psicolo-
gia do Desenvolvimento e a linha de pesquisa Transições Desenvolvimentais e
Processos Educacionais. Desenvolve pesquisas e orienta Teses e Dissertações nos
seguintes temas: brincadeiras e contextos, culturas lúdicas, brinquedos e tecno-
logias digitais, infâncias em diferentes contextos, entre outros. Coordenadora
do GT “Brinquedo, Aprendizagem e Saúde” da ANPEPP (Gestão 2022/2024).
Ex-diretora do Instituto de Psicologia da UFBA. ilkabichara@gmail.com

Milany Santos de Carvalho


Graduada em Psicologia pelo Instituto Esperança de Ensino Superior (IESPES),
especialista em Neuropsicologia pela Faculdade Cruzeiro do Oeste Paraná (FACO)
e em Terapias Cognitivas pela Cognitiva Scientia. Mestre em Educação pelo Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação-UFOPA. Membro docente do curso de
Psicologia no Centro Universitário da Amazônia (UNAMA). Tem desenvolvido
estudos e pesquisas na área da Psicologia, Desenvolvimento Humano e Educação
e Habilidades Sociais. milanycarvalho@hotmail.com

Neide Maria Santos


Mestre em Psicologia, Desenvolvimento e Políticas Públicas, na Universidade
Católica de Santos. Possui graduação em Serviço Social pela Universidade Católi-
ca de Santos. Assistente Social - CRESS nº 18.963 - 9ª Região - São Paulo. Com
pós graduação e experiência na área de Serviço Social, com ênfase em Serviço
Social. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade Católica de Santos
com Administração Escolar e habilitação das disciplinas pedagógicas e com pós
graduação e experiência em Administração Escolar e Orientação Educacional.
Professora na Universidade Metropolitana de Santos. E-mail: neide.santos@uni-
santos.br

Pamella Sanchez Mello de Pinho


Mestre em Psicologia, Desenvolvimento e Políticas Públicas pela Unisantos.
Psicóloga clínica. Email: pamellasanchez22@gmail.com

Rafaela dos Santos Reis


Fisioterapeuta graduada pela Universidade do Estado do Pará (UEPA), mestra

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em Sociedade, Ambiente e Qualidade de Vida pela Universidade Federal do Oes-
te do Pará (UFOPA). Pós graduada em Fisioterapia Neurofuncional (Biocursos).
Servidora Pública Federal (UFOPA). Membro do grupo de pesquisas Laboratório
de Pesquisa em Crianças e Infâncias Amazônidas – LAPCIA/UFOPA. rafaelai-
be@gmail.com

Rosely Perrone
Psicóloga com reconhecimento de grau pela Faculdade de Psicologia da Universi-
dade de Lisboa. Mestre em Psicologia da Saúde pela Universidade Metodista de
São Paulo com reconhecimento de grau pela Faculdade de Psicologia da Univer-
sidade de Minho. Doutoranda em Psicologia Clínica pela Faculdade de Psicolo-
gia da Universidade de Lisboa. Certificado Europeu em Psicologia. Participação
em eventos científicos e publicações. Experiência em Psicologia clínica, hospi-
talar e da saúde, atividade de coordenação e supervisão, comissões gestoras e
projetos lúdicos. Docente em cursos de pós-graduação, especialização e formação.
Atualmente concentra estudos e pesquisas acerca do bebê humano. roseprandi@
hotmail.com

Shiniata Menezes
Professora Adjunta do curso de Psicologia da Universidade Estadual de Feira
de Santana (UEFS). Doutora e Mestra em Psicologia (Universidade Federal da
Bahia / UFBA); graduada em Bacharelado em Psicologia e Formação de Psicólo-
go (UFBA). Membro do GT ANPEPP Contextos Sociais de Desenvolvimento:
Aspectos Evolutivos e Culturais. Fez Aperfeiçoamento em Formação Clínica na
Abordagem Sócio-Histórica (IPSH/ 2022) e Pós-graduação lato sensu em Psi-
cologia Educacional pela PUC-MG (1993). Coordenadora do Serviço-Escola da
UEFS entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2021. Psicóloga clínica autônoma
desde 1995 (CRP: 03/01275). Realiza pesquisas sobre brincadeiras espontâneas
na Educação Infantil. Realiza palestras, cursos, formação de professores, com
ênfase em Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia da Educação. shiniata@
hotmail.com
Thalita Lacerda Nobre
Dra. em Psicologia clínica. Docente do Mestrado em Psicologia, Desenvolvimen-
to e Políticas Públicas da Universidade Católica de Santos. Pós-doutora em Psico-
logia clínica pela PUC-SP. Email: thalita.nobre@unisantos.br

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