A Imaterialidade Do Patrimônio Material Urbano

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A imaterialidade do patrimônio material urbano: preservar patrimônio é

salvaguardar a memória das cidades.

Grupo de Trabalho (1ª opção): Museologia, patrimônio material e imaterial:


universos simbólicos na construção da vida cotidiana.

Grupo de Trabalho (2ª opção): Museus, Políticas Públicas e Patrimônio Imaterial: à


procura de boas práticas de salvaguarda da (i)materialidade.

Grupo de Trabalho (3ª opção): Gestão do Patrimônio Museológico

Resumo:

Tratando dos conceitos de patrimônio cultural material e imaterial o presente artigo discute a
aplicabilidade da preservação patrimonial na vivencia social e seu impacto nas cidades.
Entendendo assim, que o patrimônio material é ligado ao cotidiano através de sua face
imaterial busca-se compreender como esse processo vem se desenvolvendo na atualidade .

Palavras-chave:
Patrimônio urbano, memória, cidades.

Abstract:

Dealing with cultural heritage concepts tangible and intangible this article discusses the
applicability of heritage preservation in social experiences and their impact on cities.
Understanding so that the material heritage is connected to everyday life through his face
immaterial try to understand how this process is developing today.

Keys words: Urban heritage, Memory, Cities


Introdução

A imaterialidade do patrimônio material se constitui da forma afetiva na qual


os espaços de memória, objetos e demais elementos pertencentes ao rol patrimonial
de uma determinada comunidade se constroem e são salvaguardadas através da sua
transmissão de geração para geração como elemento importante. Sem esta forma, a
identificação com tais elementos e consequente sentimento de pertença peculiar ao
patrimônio cultural não se concretiza.
Para que este fenômeno aconteça é preciso compreender que os elementos
existentes nos espaços sociais, podem vir a ter o real significado do conceito de
patrimônio e que este tem nas sociedades sua importância relevante, pois em seus
significados e signos, para serem considerados como tal, reafirmamos que precisam
estar inclusos no rol de pertencimento daquela coletividade.
Os monumentos, os espaços públicos, cidades históricas, órgãos e entidades
existem para a sociedade que os criou e não ao contrário. Os mesmos podem e
devem fazer parte do repertório patrimonial dos indivíduos. Este repertório tanto no
contexto nacional quanto no internacional são constituídas de diversas e plurais
culturas. Cada nação comporta infinidade de culturas e a cultura congrega bens
materiais e imateriais ou intangíveis.
Usaremos aqui o conceito de cultura, visto que este conceito é muito variado,
aquele no qual é considerada cultura a produção humana. Assim afirmamos que
cultura é a forma ou o jeito comum de viver a vida cotidiana na sua totalidade por
parte de um grupo humano. Essa inclui comportamentos, conhecimentos, crenças,
arte, moral, leis, costumes, hábitos, aptidões, tanto adquiridos como herdados
(MASSENZIO, 2005, p. 72-76).
Importante também é não perder de vista, como nos lembra Serra (1991), que
toda ação social tem sua significação e consequentemente seu valor cultural :
Já tivemos de reconhecer, com Weber, que toda a ação social é
significativa. Devemos ir mais adiante, ainda...
É preciso admitir que no horizonte do entendimento humano, da
consciência humana, todo objeto se configura como um signo. [...]
Assim sendo, com efeito, antes mesmo de que o passamos dar por
conhecido, um objeto significa, para nós; ele nos surge como um
significante sobre cujo significado nos interrogamos.
Isto não contradiz, senão aparentemente, a afirmativa de Weber que
cinge o reino do significado ao campo da ação social humana e de
suas objetivações, pois, de fato, o seu sentido se erige no horizonte
humano: os homens o produzem, inclusive, quando o produzem nas
coisas da natureza, fazendo-as significar, isto é, como sugere Lévi-
Strauss, fazendo cada objeto corresponder, quando nada, à
expectativa de um conhecimento. (SERRA, 1991, p.80-81)

Thompson (1995), então, formula o que pode ser chamado uma ‘concepção
estrutural’ da cultura dando a significação de uma concepção que dê ênfase tanto ao
caráter simbólico dos fenômenos culturais como ao fato de tais fenômenos estarem
sempre inseridos em contextos sociais estruturados. Podemos oferecer uma
caracterização preliminar desta concepção que dê ênfase tanto ao caráter simbólico
dos fenômenos culturais como ao fato tais fenômenos estarem sempre inseridos em
contextos sociais estruturados e com estes estão ligados à cultura, em seu modo do
saber fazer local e sua transmissão.
Podemos oferecer uma caracterização preliminar dessa concepção
definindo a ‘análise cultural’ como estudo das formas simbólicas –
isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos – em
relação a contextos e processos historicamente específicos e
socialmente estruturados dentro dos quais, e por meio dos quais,
essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. Os
fenômenos culturais, deste ponto de vista, devem ser entendidos
como formas simbólicas em contextos estruturados; e a análise
cultural - para usar uma fórmula abreviada [...] deve ser vista como o
estudo da constituição significativa e da contextualização social das
formas simbólicas. (THOMPSON, 1995, p.181)

Assim as cidades históricas, os espaços, lugares e monumentos são ligados a


estas culturas pelo seu caráter sociológico, sua maneira de impactar a sociedade,
tornando-se categorias, como nos explica Roberto DaMatta, detalhando as categorias
sociológicas “casa/privado” e “rua/público” o que podemos também ligar com o
conceito de cidade:
Quando digo então que "casa" e "rua" são categorias sociológicas
para os brasileiros, estou afirmando que, entre nós, estas palavras não
designam simplesmente espaços geográficos ou coisas físicas
comensuráveis, mas acima de tudo entidades morais, esferas de ação
social, províncias éticas dotadas de positividade, domínios culturais
institucionalizados e, por causa disso, capazes de despertar emoções,
reações, leis, orações, músicas e imagens esteticamente emolduradas
e inspiradas. (DaMATTA, 1997, p.8)

Esses múltiplos envolvimentos despertados (emoções, reações, leis, orações,


músicas e imagens e etc.) proveem da concepção de espaço cultural que está
impregnado destas ligações. O espaço não existe por si só em uma dimensão única. É
mesclado com o imaginário e o ideário daqueles que o usufruem:
Aqui, como vemos, o espaço se confunde com a própria ordem social
de modo que, sem entender a sociedade com suas redes de relações
sociais e valores, não se pode interpretar como o espaço é concebido.
Aliás, nesses sistemas, pode-se dizer que o espaço não existe como
uma dimensão social independente e individualizada, estando sempre
misturado interligado ou "embebido" como diria Karl Polanyi - em
outros valores que servem para a orientação geral. (DaMATTA,
1997, p.19,20)

Portanto os elementos pertencentes ao rol patrimonial de uma determinada


comunidade, que são acumulados ao longo de sua história, além de terem importância
basal para a mesma enquanto conjunto,são também apropriados por serem por ela
definidos na sua dimensão emotiva.

Patrimônio Cultural e suas definições

O conceito de patrimônio histórico cultural recebeu várias interpretações ao


longo dos tempos. Mas, afinal de contas, o que é patrimônio histórico? Para
responder a pergunta o arquiteto e historiador, Carlos A.C. Lemos, no livro “O que é
patrimônio histórico”, da Editora brasiliense (1981) nos chama atenção que não é
apenas feito de “pedra e cal”, o patrimônio histórico e cultural de uma sociedade.
Neste conceito mais amplo, estão elencadas também outras duas categorias que
devem ser consideradas: os elementos relacionados à natureza, o meio ambiente e o
conhecimento que gera a capacidade de sobrevivência e, o que Lemos aponta como
mais importante e tema central de seu livro, a reunião de bens culturais que
englobam toda sorte de coisas, objetos, artefatos e construções obtidas a partir do
meio ambiente e do saber fazer, o que ele denomina de artefato.
O artefato deve estar relacionado com o meio ambiente e o elemento humano,
já que um objeto isolado está fora de seu contexto, e deste modo não é compreendido
como parte integrante de uma realidade social, e cada artefato conta a história da
época e local de onde é proveniente, compondo assim a memória local.
Seguindo o roteiro de perguntas relacionadas a “O que é patrimônio?”, as
perguntas conseguintes: Por que preservar? O que preservar? e finalmente Como
preservar? são respondidas pelo autor da seguinte forma: Preservar seria
salvaguardar não só os artefatos, mas também toda a memória a que estão
relacionados; então, preservar para manter viva a memória e a história dos locais a
que esses objetos são ligados é garantir a compreensão da memória social. Para a
pergunta “o que preservar”, deve-se ordenar os elementos que compõem o
patrimônio cultural; embora essa pergunta não possa ser respondida de forma
genérica, é necessário observar regras de como e onde preservá-los (em sua
totalidade ou usando elementos representativos). E para a pergunta “Como
preservar” , Lemos responde, citando as Cartas de Veneza (1964) e de Brasília
(1995), que apontam regras para a restauração e manutenção de monumentos
arquitetônicos históricos, visto que esta é a sua especialidade.
O conceito de patrimônio deriva da ideia de herança e repasse de bens
culturais de pais para filhos, como o próprio nome sugere e posteriormente, durante o
período da Revolução francesa estendeu-se do privado para o conjunto dos cidadãos
quando se desenvolve o entendimento de bem comum. Naquele momento, quando
estava definido que alguns bens formavam a riqueza material e moral do conjunto da
nação, então as heranças dos nobres foram apropriadas como heranças do povo,
como nos diz Márcia Sant’Anna, ex-diretora do antigo Departamento de Proteção e
atual Departamento de Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (IPHAN) falando especificamente do caso europeu:
Criado com a função econômica e estratégica de evitar pilhagens
generalizadas e proteger a propriedade pública, o dispositivo
nascente conheceria grande desenvolvimento e aplicabilidade
estratégica no futuro. Fórmula encontrada pelos burgueses para
induzir à turba um comportamento menos destrutivo e justificar a
invenção do Estado, a noção de patrimônio operou como qualidade
enobrecedora de objetos das mais variadas origens e cronologias.
(SANT’ANNA, 2015, p.32)

Uma nova percepção surge da prática de preservação oriunda de países


asiáticos e do Terceiro Mundo, cujo patrimônio é constituído de criações populares
anônimas importantes pelo fato de serem expressões de conhecimento práticas e
processos culturais modo específico de relacionamento com o meio.
De modo que a cultura congregada nos bens materiais e imateriais e a ideia de
povo são indiscriminadas. É quando o sujeito da nação dá lugar à concepção de povo
segmentado formado por uma multiplicidade de culturas, ou seja, diversidade.
Processos e práticas culturais começaram a ser vistos como bens patrimoniais em
situações de mediação de objetos sem que a esses objetos fosse dada a legitimação de
representação simbólica do patrimônio cultural daquelas dadas culturas.
No Brasil consolidou-se a preocupação em proteger as tradições de sua
cultura popular através da Constituição de 1988, em seu artigo 216, que diz que o
patrimônio cultural brasileiro é formado por “bens de natureza material e imaterial,
portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos
formadores da identidade brasileira”.
Essa Constituição traz o avanço de não classificar o patrimônio cultural em
“erudito” e, portanto fora do alcance da população, e “popular” como somente
delimitado ao público de baixa renda.

Cultura Urbana: A imaterialidade do patrimônio material enquanto portador do


espírito do lugar e a questão urbana atual

Sabemos que não existe uma definição única de cultura e que não é possível
falar de Cultura Urbana e do patrimônio nela produzido sem o devido entendimento
do processo de urbanização das cidades e dos fatos ocorridos na chamada
contemporaneidade, ou no que Max Webber disse ser um certo “desencantamento do
mundo”. Todo um período de modernização, por assim dizer, é verificado a partir do
processo que culmina com a globalização. Começando na época das Grandes
Navegações até os dias atuais, os processos que se sucedem na sociedade são uma
decorrência desse modo contínuo: um exemplo que ilustra esse fenômeno é a
descentralização das cidades, onde o individuo basicamente vive para o consumo
(vejam-se os shoppings centers e suas praças de alimentação) e onde não se precisará
mais pedir informação a ninguém; será possível utilizar-se dos serviços devido às
placas de orientação e de sinalização. Essa é uma das características que sinaliza para
o fato de se estar criando uma sociedade que cada vez mais tende ao individualismo.
Do que está posto, observa-se todo um processo de descentralização e
modificações no espaço urbano (desurbanização, no sentido de não ser mais o espaço
urbano tão destacado a frente do espaço rural e o desespacializamento, ou seja, a não
utilização de uma única referencia de espaço) que vai pouco a pouco modificar a
estrutura sociocultural.
O binômio cidade/campo é modificado pela rápida concentração demográfica
nas cidades. E, consequentemente, a dicotomia popular/erudito também vem a ser
questionada. A sociedade, tal como a conhecemos até o século XX, então muda,
como nos diz Seres citado por Milton Santos:
“[...] nossa relação com o mundo mudou. Antes, ela era local-local; agora é
local-global [...]" e diz mais Santos sobre a fala de Seres: que esse filósofo recorda,
utilizando um argumento aproximativamente geográfico, que "hoje temos uma nova
relação com o mundo, porque o vemos por inteiro. Através dos satélites, temos imagens
da Terra absolutamente inteira”. (SANTOS, 2006). Assim a cidade e seus espaços vêm
demonstrar outras faces das sociedades, diferente da cidade onde muitos destes
monumentos, ruas e espaços públicos foram criados em um contexto diferente, o que
é lembrado por Ângelo Serpa:
O espaço público é também revelador do que é hoje a cidade
contemporânea: a cidade do consumo, do lazer e da cultura de massa,
que nega a possibilidade da reunião e encontro de diferentes, como
colocado por Lefebvre (1991). O espaço público revela, em última
instancia as profundas desigualdades existentes na cidade
contemporânea, evidenciando, finalmente a reunião e a
simultaneidade só se manifestam na desigualdade, explicitando a
desigualdade entre diferentes grupos, classes e frações de classe. Ou
seja: a dialética entre o público e o privado e a segregação só podem
ser pensadas em articulação com a busca de compreensão do que são
a cidade e a produção do espaço urbano na contemporaneidade.
(SERPA, p.186,2013)

Como forma de ligação, mesmo na atualidade, das sociedades com o


patrimônio cultural urbano se faz necessário a existência e transmissão da forma
imaterial, do sentimento, da emoção que cerca o patrimônio. Essa imaterialidade
poderá muito bem ser denominada de espírito dos lugares. Lembremos que o espírito
do lugar pode ser definido como o conjunto de bens materiais (sítios, paisagens,
edificações, objetos) e imateriais (memórias, depoimentos orais, documentos
escritos, rituais, festivais, ofícios, técnicas, valores, odores), físicos e espirituais, que
dão sentido, valor, emoção e mistério ao lugar, ou seja, a aura particular que nos
forma e cerca.
A Assembleia Geral de Quebec, que resultou no documento que é a Carta de
Quebec (2008), desenvolveu dessa reflexão e o esclarecimento das relações entre o
patrimônio material e imaterial e dos mecanismos que regulam o espírito do lugar.
Ao invés de separar o espírito e o lugar, o imaterial e o material, e de colocá-los em
oposição, nós exploramos as diferentes maneiras pelas quais os dois são unidos numa
estreita interação, um se construindo em relação ao outro. O espírito constrói o lugar
e, ao mesmo tempo, o lugar constrói e estrutura o espírito. Os lugares são construídos
por diferentes atores sociais, tanto por aqueles que os criam como por aqueles que os
utilizam, ambos participando ativamente da construção de seu sentido. Considerado
na sua dinâmica relacional, o espírito do lugar incorpora, assim, um caráter plural e
polivalente, podendo possuir diferentes significações e singularidades, mudar de
sentido com o tempo e ser compartilhado por diferentes grupos. É então a
imaterialidade que torna possível a rememoração e o fazer dos espaços, lugares de
memória onde, como nos explica Huyseen, daí criam-se “elos” com o passado:

Numa época em que a noção de memória se transferiu para o


domínio dos chips de silício, dos computadores e das histórias de
ficção científica sobre cyborgs, os críticos lamentam rotineiramente a
entropia da memória histórica, definindo a amnésia como perigoso
vírus cultural criado pelas novas tecnologias de mídia. Quanto maior
é a memória armazenada em bancos de dados e acervos de imagens,
menor é a disponibilidade e a habilidade da nossa cultura para se
engajar na rememoração ativa, pelo menos ao que parece.
A rememoração dá forma aos nossos elos de ligação com o passado,
e os modos de rememorar nos definem no presente. Como indivíduos
e sociedades, precisamos de passado para construir e ancorar nossas
identidades e alimentar uma visão de futuro. (HUYSEEN, 2000,
p.67)

As cidades, que são fruto da ação cultural e do seu acervo histórico,


encontram na rememoração através do acesso à alma, sua essência que para
continuar a existir, precisa ser compartilhada com as novas gerações.

A importância da rememoração do patrimônio histórico nas cidades

O patrimônio cultural para permanecer com suas características principais


deve ter relações estabelecidas entre a gestão social e o seu território. As definições
de políticas públicas voltadas para a preservação e salvaguarda do patrimônio devem
ser capazes de suscitar sustentabilidade dos grupos culturais existentes naquele
território que aqui denominamos de cidade.
De fato, se o território não conservar sua vitalidade e sua dinâmica
de desenvolvimento, o monumento sofreria com o resultado da
desertificação e da perda de subsistência econômica. (por exemplo,
pelo desaparecimento dos artesãos capazes de garantir a manutenção
e a restauração). Da mesma forma, as jovens gerações teriam menos
motivações para utilizar e transmitir por sua vez uma propriedade
que não teria mais tanto interesse aos seus olhos. (VARINE, 2013,
p.24.)

A preservação deste patrimônio, vinculada ao repasse para as novas gerações


fica comprometida caso a juventude local não veja neste patrimônio relevância e que
este não esteja acessível através de vários mecanismos, como por exemplo, a mídia.
É mais uma vez a questão entre a mídia, o jovem e como esse jovem se relaciona
com essa mídia, que é a “ágora1” da sociedade atual.
1
Ágora em referencia ao nome que se dava às praças públicas na Grécia Antiga. Nestas
praças ocorriam reuniões onde os gregos discutiam assuntos ligados à vida da cidade (pólis).
As cidades mundiais e, principalmente, as representações midiáticas
dessas cidades são o palco por excelência das negociações da cultura
contemporânea. Nesse sentido, os principais atores de um
cosmopolitismo pós-moderno, da cultura urbana seriam os jovens. A
juventude representa uma parcela considerável de produtores e
consumidores da cultura, senão a maior. Grande parte dos eventos e
produtos culturais de uma cidade atualmente está voltada para o
jovem, por mais flexível que seja o conceito de juventude
(PRYSTHON, 2002, p.5)

A participação dos habitantes das cidades históricas, no sentido de contribuir


para a gestão dos patrimônios culturais e a transmissão do conhecimento histórico
das gerações mais velhas para as mais jovens, nem sempre tem sido positiva por
conta de uma visão equivocada de desenvolvimento onde o mesmo está atrelado a
um progresso sem a consulta ao tradicional, onde o futuro não se encontra com o
passado e com o tempo presente. O que é ressaltado por Varine em seu livro Raízes
para o futuro, admoestando que o patrimônio cultural pertence a sua comunidade e
que a comunidade é quem deve designar qual os seu conteúdo e como deve ser
administrado:
No essencial, trata-se de escutar os habitantes e de lhes pedir para designar
aquilo que consideram como o patrimônio de sua comunidade e de fornecer
o maior número de informações sobre o assunto. Isso para que se constitua a
base de um corpus patrimonial que poderá, em seguida, mas somente em
seguida, ser enriquecido por pesquisas cientificas, históricas ou
administrativas mais aprofundadas. (VARINE, 2013, p.54.)

Sem perder de vista as transformações pertinentes à cultura, pois esta é uma


construção coletiva e em constante evolução do mesmo modo a preservação do
patrimônio cultural está sempre em processo evolutivo.

Se levarmos em conta que a preservação do patrimônio é uma prática em


constante transformação, estendendo-se continuamente a novos objetos, a
imutabilidade – ou a pouca complementação – da legislação torna-se um
fato digno de nota e, sem dúvida, revelador das práticas preservacionistas
no Brasil. (SANT’ANNA, 2015, p.25)

Porém, em razão de haver escassez de iniciativas em que as políticas de


gestão e de educação patrimonial, possam fornecer elementos para a definição e
redefinição de políticas públicas no campo da cultura, as comunidades não estão
encontrando motivação para salvaguardar com qualidade o patrimônio que as
represente. O que nos parece ser o conceito de “qualidade” deve ser um conjunto de
ações que expressem a capacidade do ser humano de sobreviver no meio em que
vive, constituindo-se em registro da história da cidade, país, nação e da vida das
pessoas. Esta maneira de gerir o patrimônio em que todas as partes são ouvidas é
bastante diferente do modo em que o pertencimento ao patrimônio histórico tem sido
usado como meio de manipulação da memória coletiva.

Considerações finais

É sobremodo relevante que tanto as autoridades competentes quanto a própria


comunidade levem em conta a imaterialidade do seu patrimônio e percebam nele um
dos motivos para a preservação e salvaguarda do mesmo. É esta face do patrimônio
cultural que torna as especificidades, a história tanto individual quanto coletiva das
comunidades o modo de ser/saber local, um fenômeno único e ao mesmo tempo
plural por conta da sua diversidade de formulação.
O patrimônio se torna especial não por ele mesmo, mas pelas ligações
emocionais e históricas nele contidas. Tomemos como exemplo a Rua Chile em
Salvador, com seus casarões antigos mesclados a construções modernas. O que faz
este lugar especial para quem habita em Salvador ou até mesmo para o visitante são
as referências ali contidas que podem ser coletivas: “A rua é importante porque nela
está o antigo Palácio do Governo”, ou individuais:“ É a rua onde alguém deu seu
primeiro beijo, ou trabalhou em determinado prédio, criando assim vínculos
emocionais com o local”.
A academia e os gestores culturais cientes de qual é o espírito local e como
este se manifesta pode, através do intercâmbio de conhecimento, mais facilmente
perceber como auxiliar na manutenção dos saberes locais, nem impondo nem
desprotegendo a cultura local, mas servindo de interface de dialogo entre os usuários
daquelas culturas que são a população em geral e seus governantes.
Também nos cabe destacar que nas sociedades urbanas atuais, onde os
encontros são mais virtuais e praças e lugares públicos são cada vez menos utilizados
por motivos como a violência urbana e o novo cotidiano atual, somente a
rememoração do espírito do local vai poder tornar possível para as novas gerações o
poder entender e conhecer seu patrimônio cultural.
Entender e compartilhar, em ação de caráter formativo, a peculiaridade local é
um dos pressupostos da educação para o patrimônio; elencar o saber fazer e perceber
que o mesmo suscita emoções e relações diversas tornando o patrimônio cultural um
elemento singular pode permitir a administração municipal e aos detentores deste
patrimônio, obter uma compreensão muito maior acerca do seu valor simbólico e do
seu significado coletivo. Tal compreensão é passível de facilitar a manutenção,
divulgação e conhecimento do patrimônio cultural, de forma a que ele venha a ser
uma ferramenta importante de desenvolvimento e crescimento social, retirando dele
o caráter de objeto de manipulação de memórias e de vidas.

Referências:

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5ª edição, Rio de Janeiro, 1997.

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