A Formação Do Leitor-Literário Na Educação Infantil
A Formação Do Leitor-Literário Na Educação Infantil
A Formação Do Leitor-Literário Na Educação Infantil
Faculdade de Educação - FE
BRASÍLIA/2021
2
Universidade de
Universidade de Brasília – UnB
Faculdade de Educação - FE
DORNELAS MUNHOZ.
BRASÍLIA/2021
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TERMO DE APROVAÇÃO
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BRASÍLIA/2021
5
DEDICATÓRIA
Durante a escrita deste trabalho você chegou, deixou tudo mais emocionante e
colorido, meu bebêzinho! Amo-te.
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AGRADECIMENTOS
Durante todo meu processo acadêmico sempre tive pessoas que me apoiaram e é a elas
que dedico meus sinceros agradecimentos.
A Deus toda glória! Toda sabedoria vem do Senhor e todo conhecimento é dado por
Ele.
Ao meu esposo, que sempre esteve comigo, me escutando e apoiando nas mais variadas
e criativas ideias sobre educação.
Aos meus pais que, desde o momento que entrei na UNB, me incentivaram em tudo.
Essa vitória não é só minha, mas de vocês também.
A minha irmã, Giovanna, que é uma grande amiga e companheira.
Às minhas amigas, Amanda, Adriana, Larissa e Beatriz. Sem sombra de dúvidas vocês
foram os melhores presentes que a universidade me proporcionou.
A professora Silmara, que foi extremamente atenciosa e sempre me ajudou no processo
de escrita deste trabalho.
RESUMO
Este trabalho foi feito com o intuito de compreender, a partir de estudos, a formação do leitor
literário na Educação Infantil, buscando a relação entre a Infância, Literatura e Educação
Infantil. Dentro desta proposta, buscou-se investigar o que os autores do campo da Educação,
Literatura e Sociologia escreveram sobre o assunto, como Vygotski (2009), Gilka Girardello
(2011), Reis (2020), além de observar fontes documentais, leis, portarias e projetos que
garantam o acesso aos trabalhos literários desde a infância. Dessa forma, tais textos, permitiram
que as reflexões fossem mais profundas e legitimadas. Ao investigar a importância da literatura
na Educação Infantil, temas como criatividade, escuta ativa e narração são necessários para
entender o impacto que os livros podem gerar aos pequenos. Além disso, resoluções tidas como
certas foram desmistificadas. Logo, a formação do leitor-literário na Educação Infantil permite
que a imaginação da criança seja expandida e sua autonomia garantida.
ABSTRACT
This work was done in order to understand, from studies, the formation of the literary reader in
Early Childhood Education, seeking the relationship between Childhood, Literature and Early
Childhood Education. Within this proposal, we sought to investigate what authors in the field
of Education, Literature and Sociology have written on the subject, such as Vygotski (2009),
Gilka Girardello (2011), Reis (2020), in addition to observing laws in documental sources. ,
ordinances and projects that guarantee access to literary works from childhood. In this way,
such texts allowed the reflections to be deeper and more legitimized. When investigating the
importance of literature in early childhood education, themes such as creativity, active listening
and narration are necessary to understand the impact that books can have on little ones.
Furthermore, many resolutions taken for granted have been demystified. Therefore, the
formation of the literary-reader in Early Childhood Education allows the child's imagination to
be expanded and its autonomy guaranteed.
SUMÁRIO
RESUMO 7
MEMORIAL 9
APRESENTAÇÃO 11
INFÂNCIAS 13
EDUCAÇÃO INFANTIL 16
LITERATURA 20
OBJETIVOS 24
ALGUMAS REFLEXÕES 25
CONSIDERAÇÕES FINAIS 28
REFERÊNCIAS 29
10
MEMORIAL
Relembrar é sem sombra de dúvidas um dos exercícios que mais nos traz sensações:
saudade, alegria, nostalgia, arrependimento e tristeza compõem a extensa lista de lembranças
do passado. E é com todos esses sentimentos que começo a escrever meu Trabalho de
Conclusão de Curso.
Nasci em 1º de março de 1998 no Hospital Materno de Brasília. Sou filha de Jeová
Quintino da Rocha e Luciene Pereira da Silva Rocha. Tenho também uma irmã mais nova,
Giovanna Priscila da Silva Rocha. Em 21 de julho de 2018 minha família tornou-se eu e meu
esposo, Paulo Asafe de Oliveira Dantas, homem que despertou em mim o desejo de ler mais e,
por isso, tem grande influência neste trabalho.
Nasci e cresci em Brasília, mais especificamente em São Sebastião, cidade a qual amo
muito e construí minha história.
Ainda muito pequena demonstrava grande interesse pelo universo escolar. Amava ir às
compras de materiais escolares e me arrumar para ir à escola. Minha primeira escola foi
“Cantinho Turma da Mônica”. Impossível esquecer minha professora, Esther, a qual tenho o
prazer de conhecer até hoje e ser uma grande amiga. Quanto aos colegas, não me recordo muito
bem, pois era muito pequena e tímida.
Aos 6 anos fui para a “Escola Classe Jardim Botânico”. Simplesmente amava aquela
escola. Minhas professoras eram dedicadas e muito amorosas, os lanches inesquecíveis, fora as
brincadeiras e diversões que nos eram proporcionadas. Além disso, tínhamos grande contato
com a natureza, pois a escola se encontra em uma Reserva do IBAMA.
Certa vez, fomos obrigados a evacuar a escola, pois houve uma queimada na reserva e
estávamos em um local de risco. Tal episódio me deixou profundamente triste. Não queria que
os animais morressem e que tivéssemos que faltar aula.
Aos 8 anos fui para “Escola Fundamental Paraíso” e minha maior recordação dessa
época são as aulas e campeonatos de ginástica rítmica que participei. Aos 9, mudei mais uma
vez de escola, indo para a “Escola Master”. Estava cursando o 5º do Ensino Fundamental, era
uma menina de poucos amigos, porém sempre confiei nos que tinha.
Aos 10 anos, eu e minha família nos mudamos para Goiânia, cidade em que fiz amigos
para toda a vida. Lá estudei até o 2º ano do Ensino Médio no “Colégio Planeta”. Assim como a
maioria das escolas de Ensino Médio, a minha focava bastante no vestibular e Enem, lembro-
me de entrar às sete horas da manhã e sair às cinco da tarde. Não foram anos fáceis, muita
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pressão e ansiedade para passar em uma prova. Ao final de 2014 retornamos para Brasília e
terminei meu ensino médio no “Colégio JK”.
Ao finalizar o Ensino Médio, não consegui passar imediatamente para a universidade.
Então, durante os primeiros seis meses do ano de 2016 fiz um curso pré-vestibular. Essa foi
uma época muito importante para o meu amadurecimento e desenvolvimento pessoal, apesar
de não ter sido nada fácil. Tive que decidir qual curso fazer e como ele influenciaria no meu
futuro. E sabe qual conclusão cheguei? Que essa não é a decisão mais importante da minha
vida. Sou contente com minha futura profissão, mas ela não é tudo para mim. A Pedagogia foi
a forma que escolhi para fazer parte da história das pessoas, pois essas, sim, são muito
importantes para mim.
Então, em agosto de 2016 iniciei o curso de Pedagogia na Universidade de Brasília, a
tão sonhada UNB. Impossível não se apaixonar por ela, por suas formas, por suas cores, seus
jardins e seus personagens. Todos os meus momentos como aluna da Universidade de Brasília
foram vividos com muita dedicação e honra.
A literatura sempre fez parte da minha vida, desde pequena. Ganhava livros de presente
e lembro-me de lê-los por vezes. Na escola, era uma das poucas que gostava: os clássicos
brasileiros, como A Moreninha ou Dom Casmurro. Porém, com o passar do tempo,
principalmente no Ensino Médio, deixei as leituras consideradas “bobinhas” de lado para ler
aquilo que era “importante” para o vestibular.
Até que conheci meu esposo, um leitor assíduo que, aos poucos, foi me incentivando a
voltar com a leitura literária. Nessa mesma época, estagiava em uma escola particular e comecei
observar a postura dos alunos e professores quanto ao livro. Comportamento este que falarei
mais ao longo desse trabalho. E assim fui me apaixonando novamente pela literatura.
No curso de Pedagogia, esse era um assunto que me despertava grande interesse nas
disciplinas. Quando algum professor mostrava o quanto determinada obra, literária ou não,
influenciava toda uma futura geração ou como a literatura é uma grande ferramenta na formação
da criança, sempre pensava: amo estudar sobre isso. E aqui estou, pesquisando, estudando o
processo de formação do leitor-literário na Educação Infantil.
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APRESENTAÇÃO
Muitas vezes, podemos pensar que o contato com a literatura formará novos leitores
literários, contudo, esta não é a realidade. Muitos de nossos alunos, não desenvolvem o hábito
de ler, e vêem o processo como tedioso e de pouca importância. Afinal, para que ler um livro
de 200 páginas se tenho o resumo acessível a um clique. Formar um leitor é formar um cidadão
independente, que pensa por si só.
Durante minha trajetória acadêmica, cresci como aluna mas, principalmente, como ser
humano, e tal crescimento é fruto das leituras e discussões em sala de aula. Por diversas vezes,
os conteúdos das disciplinas vinham com uma extensa lista de leituras necessárias. Alguns
textos eram considerados mais cansativos e monótonos, já outros eram aclamados e admirados,
o que levava à troca de experiências e reflexões.
Em contato com a Educação Infantil pude perceber que esse mesmo movimento
acontece. Contudo, ao invés de textos acadêmicos temos a literatura infantil que contribui para
a formação da criança como ser. Quando ela descobre uma nova história, descobre a si mesma
e ao mundo a sua volta. Por isso a importância de formarmos leitores-literários.
O objetivo desse estudo é compreender, a partir de estudos, a formação do leitor literário
na Educação Infantil, buscando a relação entre a Infância, Literatura e Educação Infantil.
Volto minhas memórias aos dias que estagiava em uma escola e percebo como o
universo literário permeava as conversas, brincadeiras e, principalmente, a construção de
histórias pelas crianças. O professor, a história e o aluno são os elementos básicos para se formar
um leitor literário. Por meio desse Trabalho de Conclusão de Curso, faço o exercício de
compreender uma pequena parte dos estudos sobre este assunto.
Os textos lidos para este trabalho permitiram que minhas reflexões fossem mais
profundas e legitimadas. Além disso, resoluções tidas como certas em minha mente foram
desmitificadas. Afinal, esse é o processo de ensino-aprendizagem que tanto estudei ao longo do
curso, no qual construções e desconstruções foram feitas.
Primeiramente, refleti sobre as diversas infâncias e como esse conceito foi construído
ao longo dos séculos. Assim, não podemos afirmar uma única definição de infância, mas, sim,
uma construção de ideias, leis, ações que formam as infâncias atuais. Apesar disso, as infâncias
possuem um ponto em comum: a brincadeira. E a partir das leituras pude identificar que a
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literatura e a cultura de pares são essenciais para a brincadeira, pois enriquecem seu contexto e
trazem novas experiências para as crianças.
Consegui perceber que a Educação Infantil é o início de uma inserção mais vertical na
cultura, é o espaço em que as crianças pequenas terão contato com outras culturas e costumes,
e a principal forma de ocorrer essa apropriação é a partir da leitura da Literatura. Partindo desse
pressuposto, sublinho que a literatura é de suma importância para o homem, pois além de
expandir o contato com novas culturas e novas formas de pensar, é a forma poética com a qual
o homem se comunica e se expressa.
Dessa forma, a Infância, a Educação Infantil e a Literatura foram os pilares para minhas
reflexões sobre a formação do Leitor-Literário nessa etapa da escolarização básica. Finalizo
minha apresentação com este poema de Manoel de Barros, que mostra que as palavras também
se tornam brincadeiras nas mentes criativas na infância.
Brincadeiras
No quintal a gente gostava de brincar com palavras mais do que bicicleta.
principalmente porque ninguém possuía bicicleta. A gente brincava de
palavras descompadradas. Tipo assim:
O céu tem três letras
O sol tem três letras
O inseto é maior.
O que parecia um despropósito
Para nós não era despropósito. (Manoel de Barros)
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INFÂNCIAS
Tendo em vista os três eixos do presente trabalho - Infância, Educação Infantil e a
Literatura- explorarei o que pesquisadores, filósofos e documentos nos dizem sobre a ação
de tais pontos na formação do leitor-literário.
A constituição de infância é uma ideia moderna, de acordo com Sarmento (1997).
Os direitos e conquistas atribuídos a uma criança nos dias atuais são resultados de uma
longa história, com muitas lutas, perdas e ganhos. Por muito tempo, para a cultura ocidental,
a criança fora vista como um ser incompleto, imaturo, incompetente, dependente e
vulnerável.
Durante a Idade Média, “as crianças foram consideradas como meros seres
biológicos, sem estatuto social, nem autonomia existencial” (SARMENTO,1997, p.03).
Essa condição era mudada quando atingia idade para trabalhar, participar de guerras ou de
reprodução. Em seu livro. “História social da Infância e da Família”, Phillip Ariés afirma:
A duração da infância era reduzida a seu período mais frágil, enquanto o filhote
do homem ainda não conseguia bastar-se; a criança, então, mal adquiria um
desembaraço físico, era logo misturada aos adultos, e partilhava de seus
trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente
em homem jovem (...). (ARIÉS, 2012, p.10)
Do século XVI ao XVIII, começa a ocorrer a institucionalização da infância, com
a criação da escola pública e se estendendo com a escola de massas, que em os professores
ensinavam a dezenas ou centenas de pessoas em uma só sala. Nessa fase, temos a infância
industrializada quando, por meados do século XVIII, é instituído, pela primeira vez, “a
liberação das atividades do trabalho produtivo para um setor do grupo geracional mais novo
(inicialmente constituído só por rapazes da classe média urbana)” (SARMENTO,1997,
p.4).
Além disso, houve uma mudança no papel da criança dentro de seu contexto
familiar, onde outrora ela estava sob cuidados de aias e criadas, se torna o núcleo das
relações afetivas no seio familiar (SARMENTO, 1997). Tal ascendência, torna a criança e,
consequentemente, a infância, objeto de estudo e pesquisa, contribuindo para o
desenvolvimento de áreas como a pediatria, psicologia e a pedagogia.
Do século XVII aos dias atuais, temos a construção da infância de direitos e a
criança como sujeito social. A criança ganha visibilidade científica e social, novos
documentos são elaborados, constituindo-se como instrumentos reguladores das infâncias.
Integram essas iniciativas a Convenção dos Direitos da Criança, além das agências
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internacionais, tais como: o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a
Infância (UNICEF), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização
Mundial de Saúde (OMS).
Dessa forma, vemos uma grande diversidade de infâncias, com peculiaridades de
sua época. E, mesmo dentro de cada recorte histórico, há diversas infâncias. Há as infâncias
brasileiras que se engendram na diversidade que o país apresenta, a infância europeia, a
infância indígena e outras muitas infâncias. Por esse motivo, não defendemos uma
definição homogênea de Infância, mas sim Infâncias, no plural.
Contudo, mesmo havendo diversas infâncias, a brincadeira é um elemento que está
presente em todas elas. Borba (2009) afirma que
o brincar é um dos pilares da constituição das culturas da infância,
compreendidas como significações e formas de ação social específicas que
estruturam as relações das crianças entre si, bem como os modos pelos quais
interpretam, representam e agem sobre o mundo (BORBA,2009, p.46).
A brincadeira rompe os limites das fronteiras, é um elemento atemporal, possuindo
apenas algumas diferenças regionais, o que caracteriza sua diversidade. Um exemplo são
as brincadeiras de roda, presente em várias culturas, contudo, as músicas e danças que a
compõem variam de acordo com a cultura.
O brincar é uma experiência recriada a partir do que a criança traz de novo, com o
seu poder de imaginar, criar e reinventar. Vygotsky em seu artigo: “A brincadeira e o seu
papel no desenvolvimento psíquico da criança” (2008), nos mostra que a brincadeira não
pode ser definida como um momento de satisfação para a criança, mas deve ser entendida
como uma realização concreta de seu imaginário.
O brincar é tão importante para o desenvolvimento da criança que adquire um status
legal. O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA garante, em seu art. 16, parágrafo IV
o direito de “brincar, praticar esportes e divertir-se" (BRASIL, 1990). Logo, brincar é um
direito de toda criança e que deve ser garantido às diferentes infâncias.
Uma brincadeira pode ser passada de geração para geração, de pais para filhos,
porém há, também, as modificações ou criações de novas brincadeiras entre as crianças. No
brincar, os pequenos irão produzir cultura, constituindo- se como protagonistas de suas
experiências, criando regras de convivência, sendo livres para organizar suas ações e
interações. É o momento que as crianças constroem conhecimentos e vivem relações sociais
específicas, repletas de valores e significados.
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Corsaro (2011) define essa interação como cultura de pares, isto é “um conjunto de
atividades ou rotinas, artefatos, valores e preocupações que as crianças produzem e
partilham na interação com seus pares” (p.128). Ainda a despeito desse assunto, Sarmento
(1997) aponta que
A cultura de pares permite às crianças apropriar, reinventar e reproduzir o mundo que
as rodeia. A convivência com os seus pares, através da realização de atividades e
rotinas, permite-lhes exorcizar medos, representar fantasias e cenas do quotidiano,
que assim funcionam como terapias para lidar com experiências negativas. Esta
partilha de tempos, ações, representações e emoções é necessária para um mais
perfeito entendimento do mundo e faz parte do processo de crescimento
(SARMENTO, 1997, p.14).
O brincar, o “faz-de-conta", as danças e músicas compõem a cultura de pares, onde
podem reproduzir e experimentar a “vida real”. É nesse momento que as brincadeiras de
“casinha”, “mamãe e filha”, “médico”, entre outras, proporcionarão “conhecimento e
competências necessárias para participar no mundo adulto” (CORSARO, 2002, p. 114). De
acordo com o autor, não é uma ação meramente imitativa mas, sim, de apropriação do
mundo adulto. Ampliando essa compreensão, Cosaro (2002) destaca:
No entanto, a produção da cultura de pares não se fica nem por uma questão de simples
imitação nem por uma apropriação direta do mundo adulto. As crianças apropriam-se
criativamente da informação do mundo adulto para produzir sua própria cultura de
pares. Tal apropriação é criativa na medida em que tanto expande a cultura de pares
(transforma a informação do mundo adulto de acordo com as preocupações do mundo
dos pares) como simultaneamente contribui para a reprodução da cultura adulta
(CORSARO, 2002, p.114).
Logo, a infância de cada criança está relacionada à cultura de suas sociedades,
porém, é perceptível que, entre seus pares, há uma subcultura, ou seja, as culturas das
infâncias. Estas são norteadas, principalmente, no brincar e no sonhar. A cultura das
infâncias mostra que este grupo geracional apresenta certa autonomia dos adultos e de suas
histórias. Sarmento (1997) nos traz essa definição de forma bem mais clara, quando diz que
as culturas das infâncias possuem uma certa “universalidade”, ou seja, por mais que ela
pertença a uma cultura específica, “elas contribuem ativamente para a construção
permanente das culturas da infância” (p.12).
Ao pesquisar sobre infâncias temos uma multiplicidade de conceitos e visões sobre
esta fase da vida, sendo composta por diversas minúcias. Entender as infâncias e o brincar
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políticas públicas efetivas para que as crianças tenham acesso e permanência a esses
espaços.
A educação infantil é a primeira fase da criança na escola e é também uns dos
primeiros contatos com o mundo “fora de casa". A brincadeira, a música, a dança, as artes
e a literatura servem como ponte para ajudar a criança a compreender o mundo, a si mesma
e as pessoas a sua volta.
Dessa forma, a Educação Infantil não é o local no qual as crianças são deixadas
simplesmente para serem cuidadas ou assistidas. A intencionalidade desse ambiente o torna
propício ao aprendizado e à criação de cultura, por parte das crianças. Esse é um e espaço
em que devem ser ouvidas e respeitadas.
Além disso, essa etapa da escolarização básica deve proporcionar o ambiente de
criação e criatividade necessários para uma infância saudável. Por meio da arte, da
literatura, das brincadeiras, jogos, músicas, danças e tantos outros recursos, a criança
acumulará experiências para suas ações posteriores, quando jovem e adulta.
Vygotski (2009) afirma: “o que a criança vê e ouve, dessa forma, são os primeiros
pontos de apoio para a sua futura criação” (p.36). Tais pontos são constituídos desde o
nascimento, porém é através da escola que esse sujeito terá o contato com a diversidade,
com o diferente, contribuindo para a expansão da sua criatividade.
A Educação Infantil carece ser um espaço que proporcione desenvolvimento social
e emocional, além de promover habilidades físicas e motoras. Proporcionar acesso à
literatura também deve estar inserido nessa fase, contudo, para que isso aconteça é
necessário o empenho, entre outras instâncias, de toda a comunidade escolar.
Ao inserir a Literatura no currículo infantil, a criança é beneficiada com aumento
de vocabulário, contato com a língua escrita, e auxílio no processo de alfabetização e
letramento. Tais benefícios não devem ser ignorados ou diminuídos, pois o processo de
alfabetização e letramento são necessários para a criança compreender a língua e
consequentemente a cultura. Sobre esse assunto, Ferreira e Pereira (2015) destacam que
Por uma parte, as escolas devem garantir que as crianças possuam espaços para esse
fim, como bibliotecas, promover projetos literários que realmente despertem para o apreço
à literatura e estar disponíveis ao acesso de livros. Contudo, devemos ir além, pois a
formação do leitor é, primeiramente, uma construção de relações com o outro, isso porque
o ato de ler ou contar uma história envolve a forma primordial de comunicação: a
linguagem. Não há contação de histórias sem a linguagem, seja ela por gestos, palavras,
onomatopeias, demonstração de afeto ou raiva. Se uma criança presencia todos esses
sentimentos e expressões através de uma ficção, terá mais ferramentas para interpretar as
mesmas situações na “vida real”. A despeito desse tema, Corsino (2006) citando Bakhtin
(1992) destaca que
a linguagem supõe uma situação de troca social. São sujeitos em interação que
produzem enunciados concretos que, por sua vez, são determinados pelas condições
reais de enunciação – a situação social mais imediata, incluindo os gestos, a
entonação, vontades, afetos, ditos e não-ditos (p.30)
Além das habilidades sociais mais imediatas, como afirma Bakhtin há, também, um
contexto social mais amplo, que envolve as ideologias que permeiam um determinado
grupo social ou uma época. A Educação Infantil não é um espaço neutro, o brincar, as
experiências e as diversas manifestações de criatividade estão dentro de um contexto maior
que contribuem para a formação dessa criança como cidadão. Nesse momento escolar, as
crianças expressam seu conhecimento do mundo por meio das brincadeiras e do “faz-de-
conta". Quando a literatura é real dentro de sala de aula, muitos estigmas e preconceitos
podem ser problematizados e desfeitos.
A Educação Infantil é a base na formação do leitor-literário, desde muito pequena
já é capaz de compreender nuances de textos e, até mesmo, inferir em partes da história. Ou
seja, a criança lê a partir de suas cosmovisões de mundo, que mesmo ainda não sendo
“maduras”, já estão lá. A criança pequena pode não ler as palavras, mas já é capaz de
começar interpretar e compreender as relações, os diálogos e os sentimentos. O documento
de Diretrizes Nacionais Curriculares (2013) afirma:
O que se pode dizer é que o trabalho com a língua escrita com crianças
pequenas não pode decididamente ser uma prática mecânica desprovida de
sentido e centrada na decodificação do escrito. Sua apropriação pela criança se
faz no reconhecimento, compreensão e fruição da linguagem que se usa para
escrever, mediada pela professora e pelo professor, fazendo-se presente em
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criança vê e ouve, dessa forma são os primeiros pontos de apoio para sua futura criação. Ela
acumula material com base no qual, posteriormente, será construída sua fantasia” (p.36).
Na infância, a literatura possui diversas funções, mas o enriquecimento da imaginação
é considerado o ponto principal para as crianças. “A necessidade de histórias tem sido
identificada como um aspecto central na vida imaginativa das crianças. As histórias permitem
um exercício constante da imaginação em seu aspecto mais visual” (GIRADERLLO, 2011, p.
82).
O contato com a literatura, as artes plásticas, teatro e a música enriquecem as
experiências, potencializando a capacidade de imaginar. Vygotski (2009) dizia que a
imaginação depende da experiência. Esta, por sua vez, acontece de forma gradativa ( p.43).
Logo, podemos chegar à conclusão de que a Infância é a primeira fase de aquisição das
experiências.
Para Reis (2020), “a leitura é o principal mecanismo para a apropriação do
conhecimento e perpetuação da cultura” (p.1). Dessa maneira, podemos afirmar que a literatura
é a forma mais primária de arte, não no sentido de algo ultrapassado, mas de ser o primeiro
contato com a arte.
O artigo 216 de nossa Constituição Federal concerne ao patrimônio cultural brasileiro:
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à
ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais
se incluem:
I - As formas de expressão;
II - Os modos de criar, fazer e viver;
III - As criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - As obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços
destinados às manifestações artístico-culturais;
V - Os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (BRASIL, 1989, grifo meu)
Dessa maneira, a literatura constitui-se como um direito humano. Cada brasileiro deve
ter acesso às produções artísticas do seu país. “Assumir a literatura como direito humano é
também assumir o papel importante que as instituições educativas devem ter no processo de
imersão das crianças na cultura” (MICARELLO; BAPTISTA, 2018, p. 171).
As obras literárias são expressas de natureza material e imaterial. “É imaterial quando
o sujeito lê uma obra literária, de maneira subjetiva, em que há interação entre a obra e o leitor.
Quando o livro literário assume sua materialidade e se torna um objeto de consumo, a literatura
é um bem material, por ser concreta e palpável” (REIS, 2020, p.4).
Contudo, não devemos traduzir essas características de forma dual, nomeando algumas
obras de natureza material e outras de natureza imaterial mas, sim, em uma única obra artística
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existirá uma face material e imaterial, ou seja, o sentido que a obra tem para o sujeito que a
aprecia não se descola da obra em si enquanto objeto de apreciação.
A literatura é uma arte que está ligada a todas as demais manifestações artísticas, seja
na música, nas pinturas, esculturas, teatro, entre outras, todas elas possuem arte literária. O
leitor, para compreender melhor uma determinada obra precisa buscar conhecer o contexto
cultural em que foi escrita.
A Lei nº 10.753, de 30 de outubro de 2003 (Lei da Política Nacional do Livro), afirma,
em seu Art.1º, inciso II, que “o livro é o meio principal e insubstituível da difusão da cultura e
transmissão do conhecimento, do fomento à pesquisa social e científica, da conservação do
patrimônio nacional, da transformação e aperfeiçoamento social e da melhoria da qualidade de
vida” (BRASIL,2003).
Dessa forma, a literatura deve estar presente desde os primeiros dias de vida, pois é uma
das formas da linguagem. Ao nascer, a criança é inserida em um meio biológico, porém este
mesmo ambiente é social. É por meio da linguagem que temos contato com a cultura de nosso
meio, além disso, também produzimos cultura com o mundo a nossa volta.
“O acesso ao universo da significação implica, necessariamente, a apropriação dos
meios de acesso a esse universo, ou seja, dos sistemas semióticos criados pelos homens ao
longo da sua história, principalmente a linguagem, sob as suas várias formas” (PINO, 2005, p.
59). Nesse sentido, o contato da criança com os livros não deve ter como finalidade o acesso ao
objeto livro, mas, sim, aos significados que produzem e serão produzidos através de uma obra
literária. O leitor-literário não é somente leitor, mas construtor de significados únicos para sua
maneira de ver o mundo.
A imaginação possibilita a exploração de qualquer universo, planeta, país, reinos da
natureza, é o momento em que o homem tem a “capacidade de pensar nas coisas como elas
poderiam ser” (MICARRELO, 2011, p.86). Infelizmente, muitos veem a imaginação como um
exercício puramente infantil, porém os grandes avanços da humanidade se deram, e ainda
acontecem, a partir de adultos que possuem uma grande capacidade imaginativa e criativa.
Na Educação Infantil, desde os berçários repletos de bebês, enfatiza-se a importância
das histórias para que a criança tenha mais contato com a realidade de um mundo regido pelas
letras, o que acaba auxiliando-a no processo de alfabetização e letramento. Contudo,
infelizmente, temos reduzido o texto literário além de ser um recurso riquíssimo para as aulas,
pois é a forma concreta de se presenciar a língua escrita, a literatura é também um texto poético
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voltado para o deleite do leitor, sendo assim devemos explorar as dimensões emotivas e
imaginativas do texto.
A literatura é uma arte e como uma forma linguagem sua função não se restringe a uma
ferramenta de aprendizagem, mas contribui para a constituição do sujeito. A essa ênfase na
instrumentalização, Vygotski descreve sendo um movimento de “pedagogização da experiência
literária”. Micarello e Baptista (2018) esclarecem esta crítica.
Infelizmente, a literatura tem sido vista ora como recurso didático ora como ferramenta
moral, criando muitas vezes, um dualismo indissociável para os professores. Nesse caso, tais
fazem sempre a mesma reflexão da história: “qual a moral da história?”. Contudo não deve
ser dessa forma, as facetas de um texto podem e devem ser exploradas, não valorizando mais
uma e deixando a outra, mas procurando estabelecer pontes entre as discusões. O adulto deve
ter o papel de mediador do texto, aquele que irá possibilitar o fluir da imaginação, não sua
alienação. Sobre isso Micarrelo e Baptista (2018) apontam:
Para promover uma educação literária de qualidade, os professores devem estar atentos
desde o momento de escolha dos livros à narração. Optar por obras de qualidade estética e
abundância de vocabulário proporcionaram tanto para os docentes como para os alunos um
envolvimento maior com a obra, além de fomentar a imaginação e criação.
Essa mediação torna-se ainda mais necessária na Educação Infantil, tempo para as
crianças ainda estão aprendendo a língua materna. O professor é o narrador, a forma como fala,
a entonação, as expressões faciais e gestos são extremamente necessários na contação de
histórias. O professor é o primeiro a usar a imaginação neste processo.
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Dessa forma, é perceptível que a formação de um leitor não está somente em seu
interesse pessoal, a criança que está inserida em um ambiente literário adequado, seja em casa
ou na escola, terá um maior interesse a leitura como uma forma de se apropriar do mundo em
que vive.
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OBJETIVOS
Objetivo Geral:
Compreender, a partir de estudos teóricos, a formação do leitor literário na
Educação Infantil, buscando a relação entre a Infância, Educação Infantil e Literatura.
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ALGUMAS REFLEXÕES
Ao contrário, a maioria que egressa da escolaridade mínima que obtém, sem o livro e
a leitura (o manual de textos e gramática é quase sempre um livro eunuco) vai servir
como trabalhador braçal, que só assina o nome, não entende instruções e dá prejuízos
aos donos do capital que, aliás, apenas com isto se comovem. Mas nem assim
aprendem que só o investimento em recursos humanos – leia-se formação de leitores
– pode garantir um processo continuado de riquezas sociais e qualidade de vida, para
o crescimento de um mercado consumidor independente. (, p. 22)
Como já vimos, a literatura é de suma importância, pois é a forma como o ser humano
comunica, expressa, diverge e concorda de forma poética. A distopia de George Orwell, 1984,
nos mostra as consequências de uma sociedade na qual a literatura é banida, sendo a linguagem
a forma primária de controle e manipulação de uma sociedade.
Focando nosso olhar sobre a Educação Infantil, percebemos que o acesso à literatura se
restringe ao momento de contação de histórias pelo professor. Contudo, a criança não é passiva
ao que lhe é narrado. Vygotski (2010) afirma que a vivência com as fábulas serve como
organizadoras da emoção, ou seja,
Nem sempre a criança que se mostra momentaneamente parada, com o olhar fixo e
aparentemente vago, precisa naquele instante da interferência automática do adulto
para que faça alguma coisa, para que se envolva com os colegas ou com alguma outra
proposta em andamento na sala. Às vezes, ela pode estar em plena elaboração
imaginária, vivenciando o devaneio, que é parte fundamental de sua vida subjetiva
(p.78).
quer realizável ou não. A imaginação da criança move-se junto — comove-se — com o novo
que ela vê por todo o lado no mundo.” (p.76)
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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ARIÈS, Phillippe. História social da criança e da família. 3. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2012
HECKERT, Ana Lucia C. Escuta como cuidado: o que se passa nos processos de formação e
de escuta? In: Razões públicas para a integralidade em saúde: o cuidado como valor / Roseni
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