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INTERFERÊNCIAS LINGÜÍSTICAS

BILÍNGÜES EM PRODUÇÕES ESCRITAS

Denize Terezinha Teis1

RESUMO: Esse texto apresenta a análise da produção escrita de dois alunos brasiguaios bilíngües.
Busca-se destacar, em um dos textos, as marcas de bilingüismo português/espanhol e, no outro, marcas
do multilingüismo português/espanhol/alemão. A análise realizada revela a existência de conflitos lingüísticos
manifestados no registro dos processos psicológico e cognitivo dos falantes brasiguaios quando utilizam
seus códigos lingüísticos, misturando-os. Considerações teóricas sobre interferências/transferências e
inferências lingüísticas serviram de base para análise dos textos produzidos pelos alunos brasiguaios.

PALAVRAS-CHAVE: brasiguaios; bilingüismo; textos.

ABSTRACT: This research presents the analysis of writing product of two brasiguaios’ students
bilinguals. Show up, in one of these texts, the marks of Portuguese/Spanish bilingualism and, in the
other, marks of Portuguese/Spanish/German multilingualism. The analysis exposes the existence of
linguistics conflict manifest in the register of psychologist and cognitive process of brasiguaios speakers
when they use their linguistics codes, mixing. Theoretical considerations of linguistics interference/
transfer serve of base to analyze brasiguaios’ writing product.

KEYWORDS: brasiguaios; bilingualism; texts.

PALAVRAS INTRODUTÓRIAS

Com base em estudos da etnografia escolar e sociolingüística,


apresentam-se, neste estudo, as transferências da modalidade oral e traços
bilíngües em textos produzidos por alunos brasiguaios residentes na cidade
de Itaipulândia localizada na região do extremo oeste do Paraná. Trata-se
de um breve estudo dos elementos fonológicos que caracterizam a língua
falada dos alunos brasiguaios e sua transferência para textos por eles escritos.
Busca-se também evidenciar os traços de seu bilingüismo através das
inferências e hipóteses lançadas sobre a possível escrita de palavras em
língua portuguesa, ou seja, suas estratégias para registro ortográfico.
Os textos analisados foram produzidos por alunos brasiguaios que
viveram no Paraguai durante toda sua infância e início de sua adolescência
e que, conseqüentemente, tiveram contato com as línguas espanhola e
guarani nas modalidades oral e escrita em ambiente escolar paraguaio. No

1 Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (campus de Cascavel). Este estudo faz parte da
dissertação de mestrado intitulada “A (re)construção da identidade do aluno brasiguaio”, defendida em 2004, sob
orientação do professor Dr. Ciro Damke.

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momento da coleta de dados, os mesmos se encontravam em fase de
adaptação à realidade escolar brasileira e à aprendizagem da língua
portuguesa na modalidade escrita.
Embora a língua espanhola não se constitua em língua materna dos
alunos cujos textos apresentaremos, é a primeira língua de sua escolarização
e, portanto, a primeira referência em modalidade escrita que conhecem e
que servirá de apoio para a transferência de conhecimentos para a
aprendizagem da escrita da L2 (segunda língua) que corresponde à língua
portuguesa. Krashen (1981), ao tratar sobre a aquisição das línguas, afirma
que os aprendizes podem se basear na L1 (primeira língua) para iniciar sua
fala quando não conseguem fazê-lo em L2. Corder (1978), por sua vez,
postula que a L1 do aprendiz pode facilitar a aprendizagem da L2, ajudando-
o a progredir rapidamente pelo percurso universal no caso de existirem
semelhanças entre L1 e L2.
Por serem o português e o espanhol línguas românicas muito
próximas, a transferência de conhecimentos de uma para outra pode chegar
idealmente a mais de 90% (PESSINI, 2003, p. 76). Tal semelhança justifica
empréstimos, interferências ou transferências da língua espanhola para a
língua portuguesa no momento em que os alunos brasiguaios passam a
adquirir o código português escrito, principalmente nos períodos iniciais
dessa aquisição que corresponde aos momentos de adaptação à escola
brasileira. Portanto, nas produções escritas aqui apresentadas para análise,
pode-se notar marcas de bilingüismo português/espanhol no texto
produzido por um aluno bilíngüe em português e espanhol, e de bilingüismo
português/espanhol/alemão no texto de uma aluna falante de português,
espanhol e alemão, o que revela conflitos lingüísticos manifestados no
registro dos processos psicológico e cognitivo dos falantes brasiguaios
quando utilizam esses códigos, misturando-os.
Assim, apresenta-se, nesse texto, num primeiro momento, a
contribuição dos estudos da sociolingüística e etnografia escolar para
pesquisas sobre variantes lingüísticas. A seguir, apresentam-se as
considerações teóricas sobre interferências/transferências e inferências
lingüísticas que servirão de base para análise dos textos produzidos pelos
alunos brasiguaios.

A SOCIOLINGÜÍSTICA, ETNOGRAFIA ESCOLAR E


BILINGÜISMO PORTUGUÊS/ESPANHOL

Os estudos de sociolingüística vêm contribuindo de maneira


considerável para pesquisas sobre fenômenos de variação e mudança
lingüística de vários níveis de análise a partir de pesquisas sobre línguas
em contato. Mackey (1968, p. 555) ao definir bilingüismo como “uma

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característica individual que pode ocorrer em graus variáveis, desde uma
competência mínima até um domínio complexo de mais de uma língua”,
relativiza o conceito de bilingüismo ao considerar que este envolve questões
de grau, função, alternância e interferência. É sob essa perspectiva que se
estuda o bilingüismo situacional.
Segundo Borstel 2 (2003) em estudos sociolingüísticos pode-se
compreender, além da variação regional, social, estilística e pragmática que
se manifesta no interior de um mesmo sistema lingüístico em comunidades
de línguas em contato, a etnografia da comunicação de fenômenos de
variação bidialetal (Bortoni-Ricardo, 1993) e bilíngues (Cavalcanti, 1999)
em contextos de interação lingüística em sala de aula.
De acordo com Erickson (1987), a escola deve estar atenta às
diferenças da cultura lingüística dos alunos e encontrar formas alternativas
e efetivas de conscientizá-los sobre as diferenças. O autor (2001) reforça
que as pesquisas etnográficas e microetnográficas auxiliam na descoberta
da natureza interacional dos ambientes da aprendizagem num nível de
especificidade analítica que pode sugerir maneiras de mudar e melhorar as
práticas pedagógicas a fim de compreendê-las e descrevê-las como aparecem
no momento.
Os cenários em sala de aula em contextos bilíngües mostram que as
questões lingüísticas e sociolingüísticas confrontam-se e conflitam-se com
a “visão monolíngüe” adotada pelo país. Porém, sob uma visão sócio-
pragmática e sociolingüística, todas as línguas são suficientemente “boas”
desde que sirvam aos propósitos comunicativos de seus usuários. Portanto,
deve-se respeitar e preservar o uso da língua materna das minorias étnicas
como meio de manutenção da dignidade e do respeito próprio do indivíduo
sem deixar, no entanto, de promover o ensino da língua da maioria da
população como é desenvolvida a prática pedagógica em estudos de educação
bilíngüe em que as crianças vão entender o processo cognitivo do sistema
de uma segunda língua se adquirirem este processo primeiramente em
sua língua materna.
Embora o espanhol não se constitua em língua materna dos sujeitos
brasiguaios focalizados neste estudo, trata-se da primeira língua de sua
escolarização e, portanto, a sua primeira referência enquanto língua escrita.
Com base nesses pressupostos pretende-se, pois, investigar como ocorre
o letramento da linguagem escrita em língua portuguesa por adolescentes
brasiguaios que conforme explicitado nas palavras introdutórias, possuem
sua escrita caracterizada por transferências orais e estratégias de registro
ortográfico como resultado de suas inferências sobre a língua portuguesa.
Para tal propósito, entretanto, algumas especificidades
sociolingüísticas precisam ser levadas em consideração: a situação lingüística

2 Apresentação de trabalho no XXIII Congresso Internacional da ABRALIN.

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dos alunos brasiguaios que estudam nas escolas brasileiras é heterogênea;
sua língua materna geralmente é o português ou outra língua estrangeira,
tal como o alemão ou o italiano, entre outras; a modalidade oral de língua
portuguesa usada pelos alunos brasiguaios não corresponde à variedade
lingüística contemplada pela instituição escolar. A variação lingüística implica
na ocorrência de uma situação dialetal, muitas vezes, invisibilizada, em
sala de aula.
É possível notar tanto em eventos orais como em eventos escritos,
textos produzidos por alunos brasiguaios com fortes manifestações da
variedade rurbana. Segundo Bortoni-Ricardo (1984:10), a variedade
“rurbana” conserva traços dos dialetos rurais, principalmente no que
concerne à simplificação do sistema flexional da língua portuguesa. Na fala
desses alunos podem ser encontrados, além de traços graduais que
caracterizam o repertório de praticamente todos os brasileiros dependendo
apenas do grau de formalidade que conferem à sua fala, também traços de
estratificação “descontínua” e que caracterizam, por sua vez, o “repertório
lingüístico dos grupos mais isolados”, cujas raízes são rurais e, por isso,
fortemente estigmatizados. Entre alguns exemplos podem ser citados: “nóis
vai”, “nóis fumu”, “muié”, “fiiú (filho)”. No excerto abaixo que corresponde
a um evento de letramento oral ocorrido com um aluno brasiguaio3 , pode-
se presenciar a ocorrência de interferência fonológica da língua espanhola
sobre a língua portuguesa através da palavra “tebe”, bem como a ocorrência
das palavras “crebou” e “percisava” que se caracterizam como traços
descontínuos da língua portuguesa:

Professora – Tenção... Gente... Corrigida a letra “d”, vamo pra “e”. Lê


Maurício/
Maurício – (silêncio)
Alunos – Dexa eu, eu, profê.
Professora – Não, vam/ por ordem. Lê, essaí é fácil, é pessoal...
Maurício – (inaudível)
Professora – Peraí, dexaeu chegá mais perto. Pode respondê, diga
uma experiência marcante na sua vida. Uma boa e uma ruim, vamo
lá.
Maurício – (bem baixinho) Quando meu ermão crebou a perna e
percisava de médico e tebe/ ele / e teve que ir pra cidade. (13/08/2003)

Esse excerto demonstra que além das interferências da língua


espanhola sobre a língua portuguesa, os alunos dessa pesquisa podem ser
caracterizados também como possuidores de uma variedade lingüística
não privilegiada pela escola e, portanto, estigmatizada, uma vez que não
corresponde à variedade esperada pela mesma.

3 Por uma questão ética, adotamos um pseudônimo para o aluno brasiguaio envolvido no evento comunicativo.

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O FENÔMENO DAS TRANSFERÊNCIAS FONOLÓGICAS
DE L1 PARA L2

Grosjean (1994), citado por Mello (1999: 84), a fim de compreender


o fenômeno de línguas em contato que resulta no bilingüismo de muitos
indivíduos, sugere que o comportamento do bilíngüe seja examinado
segundo um continuum situacional no qual o bilíngüe percorre diferentes
modos de fala. Assim, em um extremo desse continuum, estaria o modo
monolíngüe, isto é, o uso pelo sujeito bilíngüe de somente um código
lingüístico no momento em que se comunica com sujeitos monolíngües.
E em outro extremo estaria o modo bilíngüe, isto é, um bilíngüe ao interagir
com outro bilíngüe, compartilha das mesmas línguas deste e as usa
alternadamente. Entre os dois extremos, há os pontos intermediários onde
ocorrem os fenômenos de mistura lingüística ou empréstimos. Para o
autor, o bilíngüe, ao estabelecer contato com o monolíngüe, opta pela língua
de seu interlocutor e desativa a outra. A desativação total de um código
pelo bilíngüe é, no entanto, muito rara como comprovam o fenômeno de
interferências de uma língua sobre outra.
Segundo Mello (1999, p. 83), interferência trata-se de “um desvio
que ocorre na língua que está sendo falada devido à influência da outra
língua que foi desativada”. Weinreich (1953, p. 01), um dos precursores
nos estudos sobre línguas em contato, define interferência como “aquelas
situações de desvio das normas da língua que ocorre na fala dos bilíngües
como um resultado de sua familiaridade com mais de uma língua, isto é,
como um resultado de línguas em contato, que será referenciado como
fenômeno da interferência”. Conforme Borstel (1999), os estudos de
Weinreich contemplam somente a interferência a nível intralingüístico, o
que não é suficiente, pois há necessidade de considerar, também, os aspectos
interlingüísticos. Para a autora, “as interferências podem ocorrer
inconscientemente pelo falante bilíngüe, por fatores emocionais e
situacionais que podem influenciar, em todos os níveis do sistema de uma
língua, fonológico, morfológico, sintático, lexical e semântico” (p. 62).
As interferências ou transferências lingüísticas mais comuns nos
textos escritos em língua portuguesa por alunos brasiguaios são as de
natureza lexical, ortográfica e fonológica, e mais freqüentes, por sua vez,
nos primeiros meses de contato com a língua portuguesa. A partir de uma
releitura de Brown (1981), podemos dizer que se trata da fala pré-
letramento, ou seja, a fase anterior ao letramento em língua portuguesa
em que a fala exerce influência sobre a escrita iniciando um processo
denominado pelo autor de “isomorfia parcial”. Assim, são comuns marcas
da oralidade nas produções escritas. Tais marcas podem ser constatadas se
considerarmos algumas características específicas do texto falado, como,
por exemplo, as que assinalou Koch (1997): questão da referência, repetição,
marcadores discursivos, justaposição de enunciados, discurso citado,
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segmentação gráfica, autocorreção, grafia correspondente à palavra ou
seqüência de palavras que correspondem por sua vez às transferências
fonológicas para a escrita.
Ao lado das transferências lingüísticas há também o fenômeno das
inferências ou hipóteses lançadas pelos alunos brasiguaios sobre a língua
que está sendo aprendida, ou seja, a língua portuguesa. Durante a aquisição
da língua portuguesa, os alunos brasiguaios, por não dominarem as regras
de ortografia desta língua, lançam hipóteses sobre a escrita correta das
palavras. Essas hipóteses, porém, são vistas por algumas pessoas de forma
negativa e dão origem a pensamentos errôneos e contraditórios a respeito
do bilingüismo. Um deles é o de que crianças bilíngües sejam
cognitivamente inferiores às crianças monolíngües e de que o bilingüismo
se constitua em um problema para a aprendizagem da língua majoritária
ensinada pela escola. Essa visão está estreitamente relacionada, por sua
vez, à de que os indivíduos que convivem em situações de línguas em
contato e que não tenham o domínio lingüístico igual aos falantes nativos
e um uso simétrico de ambas estariam vivendo uma situação que De
Heredia (1989) denomina semilinguismo. Segundo o autor “esse termo é
utilizado para definir o estado de uma pessoa que pode ‘se virar’ em duas
línguas, mas que não é realmente competente em nenhuma”. Em outras
palavras, um indivíduo capaz de fazer uso de duas línguas, porém sem ter
o domínio completo de ambas. Entretanto, essas inferências ou hipóteses
sobre a língua trata-se de um trabalho de apropriação da língua e não de
erro como geralmente costumam ser vistas. Para De Heredia (1989, p.
205) “ao lado da analogia interna e das interferências externas, o erro é
freqüentemente também fruto de uma inadequação dos sistemas de
correspondência que o aprendiz estabelece entre as duas línguas”. Assim,
os brasiguaios enquanto aprendizes de uma segunda língua em sua
modalidade escrita como é o caso da língua portuguesa, constroem durante
esse processo um sistema para si a fim de se exprimirem em uma língua,
cuja modalidade escrita está em processo de aprendizagem. Com base nos
pressupostos de De Heredia (1989), esse sistema deve ser visto como
uma língua autônoma e não como desvios em relação à língua-alvo, pois
apresenta uma estruturação própria, uma coerência interna que pode ser
descrita sob forma de regras. O repertório verbal dos alunos brasiguaios
pode ser identificado como pertencente em alguns momentos ao espanhol,
em outros, ao português e, em outros momentos, como uma mistura dos
dois. Trata-se de uma terceira língua, própria do indivíduo bilíngüe, que
representa hipóteses de apropriação, tornando-se um processo natural e
transitório, quando compreendido pelo professor.
É de grande valia, também, a compreensão pelo professor, conforme
aponta Bakhtin (2000), de que todas as situações de enunciação do discurso/
fala revelam escolhas particulares de formas, que são construídas a partir
de ditames da enunciação. Assim, a palavra que entra para a enunciação é

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uma unidade sócio-cultural do discurso-língua. Ela é dinâmica e dotada de
tudo o que é próprio da cultura e das significações cognitivas e psicológicas
do indivíduo. O indivíduo não pode, dessa forma, simplesmente despir-
se de toda cultura adquirida até então, de sua identidade ou de todas as
influências lingüísticas que têm recebido. Nesse sentido, a língua escrita é
marcada pelos gêneros do discurso, ou seja, pelos gêneros secundários
(institucionalizados) e pelos gêneros primários (linguagem familiar,
cotidiana, dentre outras). Os discursos, enquanto textos escritos, não
surgem in vácuo, mas são produzidos e lidos pelos usuários em situações
específicas, nas quais eles constroem uma representação não só do texto
pelos elementos lingüísticos, mas também de um contexto pragmático-
social da produção escrita.

ANÁLISE DE PRODUÇÕES ESCRITAS


DE ALUNOS BRASIGUAIOS

Um estudo sociolingüístico e etnográfico como aqui se propõe requer


a descrição, reflexão e interpretação dos problemas lingüísticos que surgem
entre os membros de grupos interétnicos, neste caso espanhol/português,
apresentando os fatores sócio-históricos e educacionais sobre aquilo que
constitui a cultura deste grupo minoritário. Tais fatores poderão trazer
uma luz para os problemas iniciais de letramento em comunidades
multilíngües.
Em salas de aula de realidade lingüística bilíngüe, numerosas na região
oeste do Paraná, a escola não pode ignorar os aspectos contextuais das
minorias lingüísticas e a realidade lingüística vivenciada no Paraguai. Muito
menos deve privar os alunos dos conhecimentos intelectuais e sociais que
possam propiciar a ampliação dos conhecimentos e o acesso a uma
pluralidade de sistemas e referências de valores.
Sob esta perspectiva, nas possíveis análises sobre as produções escritas
em sala de aula, o olhar estará atento à observação de como se caracterizam
as marcas dos indícios de transferências lingüísticas orais para os textos
escritos produzidos por alunos brasiguaios, bem como sobre quais hipóteses
é construído o registro ortográfico de vocábulos em língua portuguesa.
Buscar-se-á detectar, a partir deste estudo, os traços de alternâncias
fonológicas multiculturais que se encontram na prática social de produções
escritas.
Segundo Signorini (2001, p. 98), a escrita mostra um hibridismo não
previsto pelos padrões de teorização e do uso formal da escrita
institucionalizada. Portanto, neste estudo, as marcas caracterizadas nas
produções escritas são a presença de fortes traços lingüísticos, associados
à língua falada, ou seja, a transferência e/ou o princípio de saliência fônica
nas produções escritas de alunos brasiguaios, sobretudo, quando a língua

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falada em questão não é atuante em nenhum contexto comunicativo, a não
ser em alguns momentos durante as interações familiares desses indivíduos.
Mesmo que estes traços de transferências do oral para o escrito estejam
presentes, não podem ser vistos como intrínsecos ao texto enquanto
artefato lingüístico, isto é, como uma evidência possível de ser identificada
por qualquer leitor em qualquer situação, mas como um efeito que se
verifica, ou não, na leitura, em função do conjunto das práticas de
letramento em que se dá a interlocução mediada pela escrita.
A base empírica desta discussão é constituída de textos escritos,
produzidos por alunos brasiguaios de sétima série do ensino fundamental
em suas tentativas de comunicação de escrita institucionalizada.
A sua própria escrita é percebida e não é desvinculada de uma situação
real de comunicação social e, portanto, de uso de uma prática sócio-
discursiva e cognitiva específica. Os textos que vão nortear esta reflexão
foram produzidos em sala de aula, como resposta a uma atividade proposta
pela professora de Língua Portuguesa.

Texto 1 - Meu dia a dia no pasado

Minha amizade comesou se procreando no ano de 1997, cuando


comesei de ir na aula conhesi 2 amigas de berdade, Elas se jamavan Nilda
Rosa y Irmã Gamara erân ermans. Eu as aplilidei de Zuli y Lulita, Irmã ia
na 1ª sere com migo i a Nilda hia na 2ª sére tamben. Tinha mais algumas
meninas que ian na aula mais elas nãon eram amigas de berdade. A Irmã
no comeso eu me di ven con ela a Lulita ela era muinto cruel com migo eu
falaba para a Irmã que ela nãon era para falar com a Nilda mas no comeso
eu nen imaginaba que as duas eran ermans.
depois na 2ª série eu fui un meio ano a escola onde eu comesei a 1º
sere na Esc: Graduada Nº 5.466, y depois eu fui tranferida para a escola
Santa Bárbara Nº 4.627, la eu fis as pase con a Nilda Rosa e deis dese dia eu
sou amiga da Nilda ia Irmã deis da quele momento cuando eu jeguei na
escola no mesmo dia eu fis as pases com as duas na quela hora começamos
de compartilhar nosas alegrias e infilisidades eu aprendi con elas que uma
amisade e para sempre no ano de 1999 eu entrei na 3ªC, otra vei na escola
4.627 na metade do ano a jente brigou por causa de uma dor de cabesa eu
estaba com uma dor de cavesa tremenda porque eu fou jogar bola nos
estabamos no jinasio eu pedi lisenza para pasar ela falou para min que
nãon depois nos estanbamos no refeitório entãon persevi que ela estaba
estrañha glaro que eu fui falar con a Nilda para saber o que se pasaba com
ela foi uma surpresa algen enjeu a sua cabesa de bobajens dise muntas
coisas para ela ate oje non descubri quen foi tamben nãon quis perguntar a
minha amiga estaba contra min ela me jamou de nome feio a gente se

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pegou no tapa ai a guera estava declarada entanto a profesora entrou e viu
nos duas brigando entan no lebou a direçãon la rolou o maior baraca com
o diretor nos hicemos as pases o diretor falou um monte de barbaridades
y nos féis dar as mons ela non estava a fin demorou um tempo i ela
concordou en fazer as pases o diretor falou que ia jamar nosos pais ela
ficou com medo porque o pai dela era munto bravo entan eu falei que non
era presiso a jente ia voltar a amisade y foi asin eu debolvei as minhas
coisas para ela y, ela para min. E boltei a ser amiga na cuarta série. Na Esc:
Nº5.466 la eu entra na escola con muitos companheiros y amigo é glaro
que todos que estaban nas escolas eran meus amigos eu conhesi un pia o
Adilson ele nãon era meu namorado ele ia na 6 série todos os visinhos ian
na quela escola e o Adilson ele y a erman dele sofreron muito porque os
pais deles morerãn ficaran sosinhos más o Adilson era maior de idade ele
tinha 19, anos ele ficou responsabel por tudo os pais ele eran munto ven
de vida tinha muita tera eles 2 ficaran erderos de tudo que os pais posuian
os pais moreran porque um caminhon bateu na trasera do caro dos 2 onde
eles cairon fora numa curba que tinha um moro muito fundo para baijo i o
asidente aconteseu porque eles nõn tinhãn sinto de segurança. A mulher
moreu ja cuando estava no hospital tebe uma parada cardíaca eu nõn quis ir
no intero dos pais do Adilson i da Ana Paula que tinha 6 anos. I cuase no
fim do ano o profesor que au mesmo tempo tamben era diretor sempre
falaba para mim que eu ia tirar o premio de melhor aluna más ele me
subornou eu tinha as melhores notas no Bolitin o pai de uma aluna deu
dinheiro para o diretor para que a sua filha tirase o premio eu fiquei jocada
com oque aconteseu, eu ajo que fiquei doente pelo joque, de do dia nunca
mais fui para cara do profesor. Bem eu pasei a cuarta série.
[...]
No ano de 2002 tinha um profesor muinto bom – sinho por primera
vês eu tirei o premio de melhor aluna da sala de aula eu me esforsei de
mais entan de tanto estudar eu fiquei com um tumor na cabesa y con
comeso de menegite meus pais me troseron a qui no hospital daí uma
vensedera que me curou la da farmasia Conseisãon de Itaipulândia, eu
fiquei doente vem no dia do aniversario do meu erman minha main me
trose para ca, no dia 20 de maio foi isso i as aulas comesaron no dia 15 de
feberero, deis do dia 20 ate agora tenho que fazer cada meis uma reconsulta
y tomografia eu sofri muito e consegui superar, au longo do ano eu ainda
sai melhor aluna consegi superar o inposibel poriso de tanto minha main
se preicupar com migo ela esta nesse estado com o problema de corazon.

Texto 2 – (sem título)

la no paraguai era bei legau encuanto nois tava morando la ta va bau


cuando eu era pequeno nois tinha muitas galias y pintio pequeno daí eu

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pegava os pintio e matava e ponhava nua bousinha y a la aonde que o meu
pai tava i falava pai que me compra esses pintinho. dai o pai pegava uma
sinta e me batia la nos tinha un cavalo y eu gostava de andar no cavalo eu
amuntei y dai eu amuntei y fui pa da uma voltinha mas cuando eu tava
saindo ele pulo ime derubo y me machuquie.
O que eu gosto de facer na mia vida eu gosto de estudar y jogar
futbol e comversar sobe as coisas das escola. de antes eu gostava de brigar
com os colegas de aula y agora que eu to mais grande eu não brigo mais.
la no Paraguai nos tinha uma cacha y daí nos tinha de tudo que era
animal y daí no imverno era rui de levanta sedo pra i trata dos animal i daí
eu não queria levantar sedo y dai o meu pai pegava una sinta ia la na mia
cama y ele falava vai levanta o vai apanha.
O meu hermão crebou a perna fais 2 años atras.

Os textos transcritos acima foram escritos em letra cursiva,


respectivamente, por uma garota e um garoto brasiguaios estudantes da
sétima série do ensino fundamental e provenientes de comunidades rurais
do Paraguai. A menina é falante da língua alemã em suas interações
familiares; falante da língua portuguesa em suas relações com amigos
usuários dessa língua e usuária da língua espanhola com colegas e professores
na época em que estudava no Paraguai. O menino, autor do texto 2, por
sua vez, é falante da língua portuguesa com amigos e familiares e era usuário
da língua espanhola em contexto escolar quando morava no Paraguai.
Os textos escritos no contexto institucional escolar pertencem ao
tipo narrativo e apresentam como características o uso de formas
agramaticais da língua formal, problemas de pontuação e estrutura textual,
além de transferências orais e fonológicas para a escrita e estratégias de
registro ortográfico utilizados devido ao desconhecimento de formas de
registro de alguns vocábulos da língua portuguesa. As interferências orais
sobre a escrita no texto 1 resultam do bilingüismo espanhol/alemão/
português vivido pela menina brasiguaia, enquanto que as interferências
orais sobre a escrita no texto 2 resultam do bilingüismo português/espanhol
vivido pelo garoto. Entre as principais transferências orais para a escrita
encontradas no texto 1 destacam-se:

- Troca da consoante oclusiva velar vozeada por desvozeada [g] > [k]
na palavra “glaro”;
- Uso da vibrante simples em contextos da vibrante múltipla, tais
como nos vocábulos: “baraca”, “guera”;
- Troca da fricativa alveopalatal desvozeada pela vozeada [ ∫] > [ ],
ocorrendo, dessa maneira, a substituição das letras “x” e “ch” pela
letra “j” em vocábulos como: “baijo”, “jocada”, “ajo”, “joque”,
“jamavan”;
- Troca da fricativa labiodental vozeada [v] pela oclusiva bilabial

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vozeada [b] nos vocábulos como: “berdade”, “imaginaba”, “pensaba”,
“lebou”, “feberero”. Esse fato pode ser explicado pelo fato de que a
oclusiva bilabial vozeada [b] é a pronúncia do que se escreve em
espanhol com as letras “v” e “b”. Embora em espanhol não haja uma
diferença na pronúncia, na escrita não se pode trocar uma letra pela
outra.
- Registro de palavras conforme a pronúncia que resulta em trocas de
vogais: “i” ao invés de “e”, e/ou omissão das mesmas. Exemplo: “sere”;
- Substituição da nasal ortográfica “-ão” por “-on”: “non”, “mons”;
- Uso da variedade não-padrão de língua portuguesa para a escrita:
“deis”, ao invés de “desde”.

No texto 2, entretanto, entre as principais transferências orais para a


escrita, pode-se citar o uso de palavras caracterizadas como pertencentes à
variedade não-padrão de língua portuguesa que correspondem aos traços
graduais e descontínuos aos quais se refere Bortoni-Ricardo. Exemplos:
uso de “nois” como referência a “nós”, “amuntei” como referência a
“montei”, “pa” para referir-se a “pra”, “sobe” para “sobre”, “cacha” para
“chácara”, “crebou para quebrou”. O autor do texto também fez uso do
vocábulo “facer” como resultado da interferência lexical da palavra “hacer”
da língua espanhola que corresponde à “fazer” em língua portuguesa.
Ocorreu, portanto, a justaposição entre os vocábulos de língua portuguesa
e língua espanhola “fa de fazer” + “cer de hacer” = facer. Houve, da mesma
maneira como no texto 1, uso da vibrante simples em contextos em que
era exigido o uso da vibrante múltipla, tais como a palavra “derubo”.
Além das transferências orais para a escrita, outros “erros” presentes
nestes textos podem ser compreendidos como hipóteses construídas sobre
a ortografia de palavras em língua portuguesa influenciadas, por sua vez,
pela alfabetização em espanhol. Entre essas se podem destacar no texto 1:

- O emprego recorrente da nasalização representada por –n no final


das palavras, como ocorre no espanhol: “eran”, “tamben”, “ian”,
“nãon”, “main”;
- Hipótese sobre a representação da nasalidade pelo emprego do til:
“estrañha”, “morerãn”, “nõn tinhãn”
- Troca de “b” por “v”: “cavesa”. A aluna reconhece que as regras
ortográficas do português e do espanhol são distintas, porém confunde-
se diante do registro de palavras em português, pois aprendeu, em
língua espanhola, que a oclusiva bilabial vozeada [b] pode ser
registrada com as letras “v” e “b”, que em língua espanhola são
denominadas “be corta” e “be larga”;
- Uso de um “s” quando seriam necessários dois em língua portuguesa
para a representação gráfica do fonema [s]. Não há, entretanto, em
espanhol, o uso de “ss” para a representação de [s]: “dese”, “nosa”,
“pasar”, “dise”, “profesor”;
- Substituição da conjunção “e” pela correspondente “y” em espanhol;

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Trama olume 3 - Númer
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- Uso da velar oclusiva surda [k] representada pela letra “c” quando
seguida de “u”, nos casos em que o fonema [k] deveria ser grafado por
“q” seguido de “u”, nas palavras de língua portuguesa. Exemplos:
“cuando”, “cuarta”, “cuase”;
- Uso da letra “z” que, em espanhol, representa a fricativa alveolar
surda [s] no lugar do que ocorreria, em língua portuguesa, o uso de
“ç”: “licenza”, “corazon”;
- Juntura: embora seja um fato também muito freqüente entre os
alunos brasileiros alfabetizados em português, o bilingüismo parece
contribuir para acentuar sua reincidência e mantê-la, na escrita, por
um período mais longo de escolaridade: “oque” ao invés de “o que”,
“ia Irma” ao invés de “e a Irma”;
- Separação indevida: em oposição à juntura, aparecem as separações
indevidas, marcando uma flutuação da regra ortográfica - “com migo”
ao invés de “comigo”, “bom sinho” ao invés de “bonzinho”;
- Interferência lexical do vocábulo espanhol “hacer” como hipótese
para o registro da correspondente em português “fazer”: “hicemos”.
- Interferência lexical de língua espanhola na palavra “debolvei”
para representar “devolvi”. O morfema modo-temporal de muitos
verbos de primeira pessoa do singular no tempo passado do indicativo
possui a desinência –ei, como por exemplo, “comesei” em verbos da
primeira conjugação, cujo infinitivo, portanto, é terminado em –ar.
O verbo “devolver”, no entanto, pertence à segunda conjugação. Tal
erro justifica-se como conflito lingüístico vivenciado pela garota no
momento do registro da palavra “debolvei”.

Da mesma maneira que no texto 1, no texto 2 houve fenômenos como


juntura e separação indevida: “ime derubo” para “e me derrubou”; “y a”
para “ia”; substituição da conjunção “e” pela correspondente “y” em
espanhol; uso da letra “c” seguida de “u” em vocábulos que deveriam ser
grafados em “q” seguido de “u” em língua portuguesa: “encuanto”, “cuando”;
e, finalmente uso do til sobre a letra “n” da palavra “años” para representar
nasalidade.
Além dessas hipóteses construídas em função de seu bilingüismo e
da correspondência entre o português e o espanhol, outros “erros”
ortográficos surgiram no texto como resultado de inferências realizadas
sobre a língua portuguesa, algumas das quais são comuns em crianças
brasileiras. Caracterizam o texto 1:

- Hipóteses quanto à acentuação: “féis” ao invés de “fez”;


- Omissão da acentuação: “premio”, “farmasia”;
- Hipótese quanto à representação gráfica do fonema [s] que podem
ser representados em língua portuguesa tanto pelas letras “c”, “s”,
“ç”, “x”: “presiso” ao invés de “preciso”; “comesei” ao invés de
“comecei”;
- Devido ao conhecimento de que em língua portuguesa é possível

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representar a fricativa vozeada alveolar [z] pela letra “s” (tal como na
palavra “mesa”), são comuns hipóteses lançadas pela aluna quanto ao
uso dessa letra no lugar do que seria correto o uso da letra “z”:
“amisade” ao invés de “amizade”; “pase” ao invés de “pazes”;
- Omissão da letra “u” precedida do fonema [g] e seguido do [e] ou [i]:
“algen”, “consegi”. A construção dessa hipótese se fundamenta no
não reconhecimento do grupo “gu” para representar o fonema [g]
neste contexto. Segundo Santos (1999) o grupo “gu” pertence a um
grupo problemático porque esta forma gráfica tem valores fonológicos:
[gu] em apazigúe, [gw] como em água e [g] como em guerra.
- Troca da letra “g” por “j”, uma vez que ambas podem representar,
ortograficamente, a fricativa vozeada palato-alveolar [ ]: “bobajens”,
“jente”, “jinasio”.

No texto 2, diante da dificuldade da representação do dígrafo “nh”, o


aluno decidiu omití-lo originando a escrita de palavras, tais como “galia”
para “galinha”, “pintio” para “pintinho”, “mia” para “minha”. O aluno sentiu
dificuldades também para o registro de ditongos nasais e palavras
terminadas em “em” e “im”, cuja escrita resultou em “bau” em lugar de
“bom”, “bei” para “bem”, “rui” para “ruim”; o desconhecimento da regra
de emprego do “m” no meio de palavras pode ser evidenciado pelo registro
de “imverno” e “comversar”; houve troca da letra “l” por “u” em palavras
como “bousinha”, “legau”; e, conforme ocorrido no texto 1, hipótese quanto
à representação gráfica do fonema [s] que levou à substituição da letra “s”
por “c” no registro das palavras “sedo” e “sinta”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatou-se, neste estudo, que os fatores culturais, cognitivos e


sociopsicológicos dos alunos brasiguaios como resultado de sua experiência
bilíngüe marcam sua comunicação tanto oral quanto escrita através das
transferências orais materializadas no registro de vocábulos em língua
portuguesa em textos institucionalizados. Seu bilingüismo também dá
origem a inferências realizadas sobre a língua portuguesa que resultam,
por sua vez, em hipóteses de escrita ortográfica. Tanto as transferências
orais para a escrita quanto as estratégias ortográficas realizadas sobre a
língua portuguesa, nos textos analisados, são reflexos do bilingüismo
português/espanhol e do bilingüismo português/espanhol/alemão. A análise
permitiu verificar que o bilingüismo desencadeia conflitos lingüísticos
durante o registro dos processos psicológico e cognitivo dos falantes
brasiguaios quando esses misturam os códigos utilizados para sua
comunicação.
A fim de garantir a manutenção da dignidade, identidade e do respeito
ao indivíduo brasiguaio, há a necessidade de serem reconhecidas,

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respeitadas e valorizadas, além de sua língua materna, sua herança cultural
e lingüística. Ao lado do respeito atribuído à variedade lingüística do
indivíduo, a escola deve promover o ensino da língua da maioria da
população conforme propõe a prática pedagógica.
No trabalho com a escrita, considera-se importante trabalhar com
os fenômenos das variedades lingüísticas, com as diferenças lingüísticas
em relação à norma a fim de alcançar práticas de ensino que possam
solucionar as dificuldades existentes nas produções escritas e orais.
Concorda-se com Borstel (2002) quando afirma que os alunos vão entender
o processo cognitivo do sistema de uma segunda língua se adquirirem
primeiro este processo em sua língua materna. No caso específico dos
alunos brasiguaios, este entendimento deve partir de sua primeira língua
de escolarização, ou seja, o espanhol, de modo que o fenômeno das
mudanças fônicas, por exemplo, possam ser explicadas como alteração de
fenômenos articulatórios ou de percepção. Para que isso de fato ocorra, as
variedades lingüísticas dos alunos devem ser acolhidas e respeitadas pela
escola, ou no dizer de Bagno (2001, p. 157) “a escola deve dar espaço ao
máximo possível de manifestações lingüísticas, concretizadas no maior
número possível de gêneros textuais e de variedades da língua”.

REFERÊNCIAS

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Loyola, 2001.
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Tese de doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ, 1999.
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17, 2001.
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Universidade Estadual do Oeste do Paraná


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