Amancio Guedes
Amancio Guedes
Amancio Guedes
45
Isabel Maria Rodrigues. Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes
('Pancho' Guedes), nasce em Lisboa, 13 de Maio de 1925 -
Vers une promenade architecturale:
Le Corbusier - Martienssen - Guedes,
O Leão que Ri - Team 10
–1 Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", Arquitectura Portuguesa 2, Julho-Agosto 1985, p. 59. –2 Gilbert Herbert, "Le Corbusier and the origins of Modern
Architecture in South Africa", Architectural Association Quarterly 1, vol.4, 1972, p. 18. –3 Rex Martienssen, Gordon McIntosh e Norman Hanson, "Zero Hour", Architects
Journal, Sept. 28th 1933, p. 376 (e também em Architectural Review, Oct. 1933, pp. 155-156). –4 Ver Stanley Furner, "The Modern Movement in Architecture", SAAR,
Oct. 1925, pp. 87-89, e Marc. 1926, pp. 6-8; e também, Rex Martienssen, "Architecture and Modern Life", SAAR, Dec. 1929, pp. 123-133. –5 Gilbert Herbert, op cit., p.
22. –6 Pode tratar-se do artigo: Rex Martienssen, "Le génie de Le Corbusier…", L'Architecture d'Aujourd'hui 10, 1933, p. 13. –7 Gilbert Herbert, op cit., p. 22. –8 ”Les
Arts Primitifs dans la maison d'aujourd'hui”, exposição de Louis Carré 'Dans la Maison de Verre' em Paris, 24 rue Nungesseret-et-Coli, de 3 a 13 de Julho de 1935. –9
Gilbert Herbert, op cit., p. 23.
1 África, 1920: Lisboa (Europa),Ilhas do
Príncipe e de S. Tomé (Golfo da Guiné),
Lourenço Marques (Moçambique), Pretória
(Transvaal).
2 Lisboa, 1922: Praça do Rossio.
3 Martienssen e Hanson, 'Flats at Berea',
1933.
4 Norman Hanson, 'Denstone Court', 1937,
corte transversal.
2 3 4
Furner (vindo de Inglaterra para professor da School of Je vois plus loin: l'architecte devrait être le plus sensible, le
Architecture), ou Rex Martienssen (aluno de Furner e mais plus renseigné des connaisseurs d'art. Il devrait juger de la
tarde, assistente de Witwatersrand e editor da SAAR a partir de production plastique et esthétique mieux encore que de ses
1932), reflecte-se na SAAR acerca dos desafios da vida moder- calculs. C'est par le rayonnement spirituel, par le sourire et
na à arquitectura que se produz4. A compreensão e interpre- la grâce, que l'architecture doit apporter aux hommes de la
tação das ideias de Le Corbusier animam-se em Martienssen – nouvelle civilisation machiniste la joie et non pas une stricte
"himself chooses the word 'rhapsody' to categorize his con- utilité;10
frontation with the great Corbu and this work"5 – e em 1933, o mesmo escrito abre a segunda edição de francesa de Œuvre
aquando da sua primeira viagem a Paris, 35 Rue de Sèvres, o Complète 1910-1929, publicada em 193711.
seu entusiasmo comunica-se ao mestre: Le Corbusier convida- Paris, 35 Rue de Sèvres: o atelier de Corbu acolhe ainda
-o a participar numa edição de L'Architecture d'Aujourd'hui de- Fassler, Hanson e Bryer (ex-aluno e ex-discípulo de
dicada ao seu trabalho6. O regresso de Martienssen a Paris, em Martienssen), ao longo de 1937. Bryer participa no 5º CIAM
1934, confirma "Le Corbusier's unique position of influence in (Paris, 1937) – duas semanas com Le Corbusier num espaço
relation to the Transvaal Group"7. A aproximação entre ambos privilegiado de reflexão, debate e produção: "He paid a fine tri-
abre as portas do atelier aos restantes membros do grupo que, bute to you and to the work in Johannesburg and he also
a partir do ano seguinte, se encontram pessoalmente com o recomend to the Comité that you be invited to become a mem-
inacessível Le Corbusier – momento em que na 'La Maison de ber of CIAM"12. O convite formal de Giedion chegaria três
Verre', a mostra de Louis Carré, Les arts dits primitifs dans la meses mais tarde. Martienssen prevê casar-se no final do ano
maison d'aujourd'hui, reunia esculturas do Benim e outras e prepara cuidadosamente a sua permanência na Europa13;
esculturas negras, algumas gregas, Henri Laurens, tapeçarias pelo que, responde a Corbu e mais tarde a Giedion: "As soon I
de Lèger, pinturas de Picasso, Braque, e também de Corbu8. return to Johanneburg I shall write to you and submit portfolios
Em 1936, Martienssen prepara un número especial de of work done and programmes of work proposed by the Group
Architectural Record. Apela à participação de Corbu – "some of the Transvaal"14. Casado e de regresso a Paris (fig. 5),
message to men who place the very highest trust in your words"9 Martienssen retoma o diálogo com Le Corbusier, que o apre-
–, que responde sob a forma de carta a 'Cher ami Martienssen', senta a Fernand Lèger. O seu interesse pela pintura moderna já
publicada pela SAAR ainda nesse ano: antes se manifestara e, após o evento sobre arte abstracta
C'est très touchant de parcourir vos cahiers 'THE SOUTH organizado pela SAAR15, a oportunidade de confrontar as suas
AFRICAN ARCHITECTURAL RECORD' […]. Mais surtout ideias com as do extraordinário Lèger, reforça nele a consciên-
parce qu'on y découvre tant de foi juvénile, de tendresse cia da interacção pintura-arquitectura desperta por Corbu.
pour l'architecture et le désir fervent d'atteindre à une Assim, Martienssen transporta para a escola de Witwatersrand
philosophie des choses […]. e partilha com os membros de 'Le Groupe de Transvaal', a sua
Briser les 'écoles' (l'école 'Corbu' au même titre que l'école concepção da arte como laboratório de formas. Uma pintura de
Vignole – je vous en supplie !) […]. Il n'en faut aujourd'hui, Fernand Lèger, 'Femme portant un vase, 1924-1927'16, habita a
mais seulement DU STYLE, c'est-a-dire de la tenue morale sala de estar da sua casa de Greenside, construída em 1940. A
dans toute œuvre crée, véritablement crée […]. revista SAAR publica esta casa em finais de 194217 (fig. 6); a
–10 Le Corbusier envia duas cartas: “A la mer”, manuscrita; e “pour votre revue” dirigida a “Cher ami Martienssen”, dactilografada, com data de 23 de Setembro de 1936
(ver Gilbert Herbert, "Le Corbusier and the origins of Modern Architecture in South Africa", cit., p. 29, endnote 16). –11 "Lettre, addressée au Groupe des Architects
Modernes de Johannesburg (Transvaal) à l'occasion de leur publication d'un manifeste à paraître en octobre 1936", Le Corbusier et Pierre Jeanneret, Œuvre Complète
1910-1929, Girsberger, Zürich 1937, p. 5. –12 Gilbert Herbert, op cit., p. 26. –13 "Martienssen married Heather Bush in December 1937, and they were in Europe until
July 1938", Gilbert Herbert, op cit., p. 30, endnote 21. –14 Gilbert Herbert, op cit., p. 27. –15 The Abstract Art Congress pela SAAR, Johannesburg, July 1937. Ver tam-
bém Rex Martienssen, "Abstract Art", Architectural Student Society, Johannesburg, 1937. –16 Ver Fernand Lèger, Fundació Joan Miró, Barcelona 2002, p. 38. –17
"House at Greenside, 1940, R. D. Martiessen, Architect", SAAR, Nov. 1942, p 326.
241
5 6 7 8 9
revista portuguesa Arquitectura, tardaria quase uma década a dois filhos (Pedro Paulo, hoje arquitecto, e Verónica). Com ape-
trazê-la aos seus leitores18. Rex Martienssen morre em Pretória, nas 25 anos, o jovem arquitecto trabalha com os engenheiros
durante um treino militar, em Agosto de 1942. O tocante teste- Silva Carvalho, Ferrera e Gaddini, e também por conta própria.
munho de Lèger aos leitores de SAAR, fala por si: Escolhe para projecto-tese um pequeno hotel de praia (wrigthi-
Rex Martienssen is to me one of the most lucid and ano), que acompanha com escrito a modos de manifesto (fig. 7)
constructive minds of his age [...]. It was my good fortune – absorvida pelo aprendiz, refigura-se a filosofia de 'patron
to have in him so discerning a friend […]. The premature Corby'23, legada por Martienssen, o mestre ausente:
disappearance of a man of his caliber is a great loss to all of Procuro uma arquitectura rica e personalizada [...].
us. His work was just begun, yet he ranks with Le Corbusier, Procuro aquela qualidade há muito perdida que resulta
Gropius, Mies van der Rohe, Oud, Alto [sic], Wright, the numa arquitectura aparentemente espontânea e de intensi-
great pioneers of modern architecture19; dade mágica [...].
ou o de Gilbert Herbert (estudioso do movimento moderno em Pedi à natureza que invada a arquitectura exuberantemente
South Africa, 1920-1940), que assinala: como se fosse já uma ruína.
Fundamentally, in everything he did, he was a teacher […]. Pedi emprestado aos selvagens, aos primitivos, os seus
His historical studies were not so much to discover history as motivos e desenhos para com eles decorar superfícies [...].
to explain it, and through it to explain the essence of archi- Concebi edifícios que aparentavam ter sido construídos e
tecture […]. In his historical writings he taught, through the ampliados durante séculos, volumes que se opunham a ou-
particularity of Greece, the lesson of the universality of all tros com a angularidade casual e desencontrada das
architecture20; cidades antigas.
ou, ainda Herbert: Por vezes quis fazer blocos como pesadas fortalezas –
Their approach to the new architecture, no less than Le noutras alturas volumes leves e transparentes, chaminés
Corbusier's, was a synthesis of past and future, painting and cortando o céu como obeliscos, clarabóias de luzes colori-
architecture, the classical tradition and the brave new das, sóis filtrados por velas de pano pulsando nas brisas e
world21. como se vivas... [...].
O pensamento de Le Corbusier alimenta o entusiasmo e a con- Clamo para os arquitectos os direitos e liberdades que os
sequente produção de 'Le Groupe de Transvaal'22, atravessa os pintores e poetas há muito detêm.24
horrores da guerra e, em Witwatersrand, transmite-se aos arqui- Com Rex Martienssen, aportam também ao Transvaal compo-
tectos da geração seguinte, a de Amâncio Guedes. Português nentes da obra plástica de Le Corbusier: 'Deux femmes, 1926',
de Lisboa, da África insular e continental, Guedes (con)vive com uma aguarela de Corbu, capa de cartaz e obra referencial do
esta realidade entre 1945 e 1950, quando se forma na School 'The Abstract Art Congress', realizado pela SAAR em Julho de
of Architecture. Com o curso terminado mas a tese final por 1937; ou 'Trois femmes assises', um óleo da mesma série25.
fazer, regressa a Lourenço Marques com Dorothy Ann Phillips, Côte d'Azur, Cap Martin, 1938-193926: ao prazer da pintura
(sua mulher de 1947, e de sempre - fig. 8), e os seus primeiros mural, experimentada em Vézelay27, Le Corbusier associa a
–18 "Casa na África do Sul, R. D. Martienssen, Arquitecto", Arquitectura 30, Abril-Maio 1949, pp. 4-7; na página 7, publica-se também a "Carta de Le Corbusier ao grupo
de arquitectos modernos de Johannesburg (Transvaal) por ocasião de um manifesto por ele publicado em 1936". –19 Fernand Lèger, "A tribute to the late Dr. R. D.
Martienssen", SAAR, Jan. 1943, p. 22. –20 Gilbert Herbert, Martienssen and the International Style. Balkema, Rotterdan 1975, p. 246. –21 Gilbert Herbert, "Le Corbusier
and the origins…", cit., p. 27. –22 Segundo Rex Martienssen, e para além de ele próprio, formavam o grupo: McIntosh, Hanson, Fassler, Howie e Stewart - ver Gilbert
Herbert, "Le Corbusier and the origins…", cit., p. 27. –23 Comentário de Martienssen a McIntosh, numa carta ao tempo da publicação de 'Zero Hour': "make corby patron,
gropius european under-secretary, mies euro. proof reader [sic]" - ver Gilbert Herbert, "Le Corbusier and the origins…", cit., p. 19. –24 Amâncio Guedes, "Procuro uma
arquitectura rica e personalizada...", (Lourenço Marques, 1950), in Percursos de carreira. Associação dos Arquitectos Portugueses, Lisboa 1992, p. 106. –25 'Trois
femmes assises' integra a Fassler Collection. 1934-35: Martiessen trabalha com John Fassler (e Bernard Cooke) - ver Gilbert Herbert, "Le Corbusier and the origins…",
cit., p. 29, endnote 13. –26 "1938 et 1939. Huit peintures murale (gratuites) dans la maison Badovici et Helen Grey [sic] à Cap Martin", in Le Corbusier, Le Corbusier
RODRIGUES, AMANCIO (‘PANCHO’) GUEDES
10 11 12
(l'atelier de la recherche patiente), Vincent, Fréal, Paris 1960, p. 51. –27 "En 1935, la première peinture murale de L-C à Vézelay", in Le Corbusier, Le Corbusier (l'ate -
lier de la recherche patiente), cit., pp. 246-247. –28 "Une maison n'est pas une 'machine à habiter'. Elle est la coquille de l'homme, sa prolongation, son élargissement,
son rayonnement spirituel", afirma Eileen Gray citada por Peter Adam, Eileen Gray. Architect Designer, Thames & Hudson, London 1987 (revised edition, 2000), p. 309.
–29 Amâncio Guedes, "The Paintings and Sculptures of Le Corbusier", Architecture SA / Argitektuur SA, Jan.-Feb. 1988, p. 24. –30 Ver também 'Sous les pilotis 1938'
in Le Corbusier, Le Corbusier (l'atelier de la recherche patiente), cit., pp. 212. –31 "Martienssen alone did not bring modern architecture to South Africa. Each had his
part to play, first Pearse and Furner, then McIntosh, Hanson and those that followed", Gilbert Herbert, Martienssen and the International Style, cit., p 247. –32 Gilbert
Herbert, "Le Corbusier and the origins…", cit., p. 28. –33 Amâncio Guedes, "The early work of Norman Hanson – a surrealist malgré lui", Architecture SA / Argitektuur
SA, May-Jun. 1987, pp. 17-21. –34 Le Corbusier, Le Corbusier (l'atelier de la recherche patiente), cit., pp. 112.
243
14 Amâncio Guedes, projecto, 'Casa Leite
Martins', 1951-52, planta térrea.
15 Amâncio Guedes, projecto, Padaria Saipal,
1952-54, corte transversal.
16 Amâncio Guedes, projecto, 'Hotel S.
Martinho do Bilene', 1953, perspectiva vista do
mar.
17 Amâncio Guedes, projecto, 'Núcleo Arte',
1954, corte habitado por musa.
18 Pedro Paulo Guedes, desenho, 'O Leão que
Ri'.
19 Amâncio Guedes, pintura em acrílico, 'O
Leão que Ri', corte habitado.
15 16
–35 Reyner Banham, "Painting and Sculpture of Le Corbusier", Architectural Review (678), Jun. 1953, p. 402. –36 "2,50x4,00m., 1938" in Le Corbusier, Le Corbusier
(l'atelier de la recherche patiente), cit., pp. 212. –37 "Figure II. 81x65", in Jean Petit, Le Corbusier lui-même, Rousseau, Genève 1970, pp. 213, 219. –38 "Une sculpture
non polychrome", in Le Corbusier, Le Corbusier (l'atelier de la recherche patiente), cit., pp. 247 (237, 196). "NUMERO 8. TOTEM. Bois naturels divers. Hauteur 1 m. 22",
in Jean Petit, Le Corbusier lui-même, cit., p. 246. –39 Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 14. –40 "Amancio Guedes, arquitecto de Lourenço Marques",
Architectural Review 770, Apr. 1961, pp. 240-251. –41 Em 1954 (sete anos antes), Guedes concebera este hotel para 'exame de estado' na Escola Superior de Belas-
Artes do Porto (ESBAP) – ver José Manuel Fernandes, "Amâncio Guedes, arquitecto de Moçambique", in Cidades e Arquitecturas, Livros Horizonte, Lisboa 1994. –42
Trata-se da planta térrea do hotel, amputada das alas de quartos. –43 Ver o modelo, realizado por Guedes quando já se desistira de contruir o 'Arts Club', em Amâncio
Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 21. Alguns anos mais tarde, Guedes voltaria a trabalhar nesta mesma ideia produzindo "uma série de esculturas feitas de
alguns velhos e gordos degraus em madeira dura do Brasil", aproveitados de um edifício em que estava a trabalhar – ainda Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p.
RODRIGUES, AMANCIO (‘PANCHO’) GUEDES
19 20
17 18 21 22
23 24 25 26 27
ra em particular, 'O barco dos piratas', mostra já as armas arquitectura de Wright, Le Corbusier, Gropius, Khan, com a cul-
que mais tarde reaparecem na balaustrada.49 tura moçambicana indígena ou a arquitectura moderna de
Construído pelo próprio em 195550, este edifício de apartamen- South Africa, Le Groupe de Transvaal e a escola de Rex
tos é o seu primeiro investimento e contínuo laboratório das Martienssen, Norman Hanson, com a arquitectura colonial de
suas formas de arte51 (figs. 18-30) – pintura, escultura, poesia, Madagascar ou o barroco português Brazil Builds, ... Como
arquitectura –, 'l'atelier de la recherche patiente' onde podemos reconhece o próprio autor: "Ao princípio eu era todos os ou-
(ou não...), encontrar-nos com o mundo egípcio ou a anti- tros"52.
guidade clássica, com a arte nova ou o modernismo catalão, A planta de piso segue a concepção celular defendida por
com a pintura moderna de Picasso, Miró, Tzara, Dali (e Le 'Zero Hour' (figs. 22 e 3); o corte constroi o sonho habitado, com
Corbusier), a escultura de Brancusi (e de Le Corbusier), ou a estrutura vertebrada ao modo da 'Unité d'habitation de
21; ver também Salette Tavares, "Pancho. Amâncio d'Alpoim Miranda Guedes. Arquitecto escultor - escultor arquitecto", Colóquio Artes 32, Abril 1977, pp. 14-23. –44
Ver Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 50. –45 Mural em empena, do 'Edifício Abreu, Santos e Rocha, 1953-1959'. –46 Coluna-obelisco de madeira,
64 polegadas. –47 Confrontar com 'Hight Court' (fig. 13), "La porte d'émail de la Chapelle de Ronchamp […], deux fois 9 m2 = total 18 m2" (In Le Corbusier, Le Corbusier
(l'atelier de la recherche patiente), cit., p. 243), e também com "pinture murale de 11m x 4m50 au Pavillon suisse de la Cité Universitaire de Paris, en 1948" (In Jean
Petit, Le Corbusier lui-même, cit., p. 154). –48 Confrontar com 'Sous les pilotis 1938' (fig. 10). –49 Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 24. –50 "Built for
Guedes himself in 1955", segundo a Architectural Review, cit., p. 244. Segundo "Guedes, Amâncio d'Alpoim Miranda (Pancho)", in Contemporary Architects, St. James,
Chicago, London 1987, p. 363, data de "1956/58 [...] Smiling Lion Apartments". –51 "Sonho com estes edifícios [os de 'Stiloguedes', como 'O Leão que Ri' ou a 'Kitty's
Doll's House'] há sessenta anos. Posso voltar a pegar no Stiloguedes de um momento para o outro...", afirma Guedes em "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 26. –52
Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 16.
245
28 Amâncio Guedes, casa de bonecas,
'Kitty's Doll's House', 1966-67.
29 Amâncio Guedes, escultura em "madeira
dura do Brasil", 'Glôndola' (da contracção de
gôndola com glândula).
30 Amâncio Guedes, estudo, 'Dois represen-
tantes do povo disputando as suas respecti-
vas legitimidades', 1975.
28 29 30
–53 Ver Le Corbusier, Œuvre Complète 1938-1946, Girsberger, Zurich 1946, p. 191. –54 Nesta ilha, desprendida de Moçambique em tempos outros, estendem-se pela
praia esculturas de Guedes descobertas pelo sol quando o Índico se retira – ver Salette Tavares, "Pancho. Amancio d'Alpoim Miranda Guedes. Arquitecto escultor –
escultor arquitecto", cit., pp. 14-23. –55 Ou Pancho, segundo o próprio Guedes – ver "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 14. –56 "Vitruvius Mozambicanus: as vinte e cinco
arquitecturas do excelente, bizarro e extraordinario Amancio Guedes", Arquitectura Portuguesa 2, Julho-Agosto 1985, número monográfico. –57 Ver Amancio Guedes,
London 1980, catálogo; ou Thirteen Architectures, London 1980, recording (tape cassette and slides). –58 Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 15. –59
Ibidem. –60 Ver ‘Stiloguedes’, "Vitruvius Mozambicanus: Primeiro Livro, Stiloguedes", cit., p. 16-24, a 'Família Real' de Guedes (figs. 14, 15, 17, 19), sonhada desde os
seus primeiros ensaios, continuamente renascida na sua obra plástica ou arquitectónica. –61 Guedes refere-se aos 'Dois representantes do povo disputando as suas
respectivas legitimidades' (fig. 30), monumento a um governo desejado, a instalar numa rua veneziana quando a rua se abre num pequeno largo (segue Guedes a Le
Corbusier, que em tempo anterior à ocupação alemã de 1940, Junho, realiza em Paris, Ménilmontant, uma pintura mural ao fundo da rue de Bua? – ver Jean Petit, Le
Corbusier lui-même, Rousseau, Genève 1970, p. 86): de onde vem o homem de 1,73m, que dá a escala aos desenhos? De Le Modulor (fig. 12)? Guedes diz ser o
doente recuperado do 'Hôpital de Venice', antes jacente em todas as camas do projecto – ver Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 60.
RODRIGUES, AMANCIO (‘PANCHO’) GUEDES
naturelle pour lui-même, conforme, dans son esprit, à celle be able to say in Paris that certain realizations which they
des simples et des humbles gens de monde entier […]. cannot have seen in the West, are coming to fruition in this
Nous serons de nouveau des constructeurs, des créateurs. new world, which is in a state of ferment – Africa – which is
[…] j'ai inventé ces bâtiments dans la liberté ou la solitude du clearly going to be the world of the future.68
peintre ou du sculpteur67, Com o registo dos seus trabalhos em slide, Guedes alimenta,
afirma Guedes na mesma revista. suscita a discussão numa das tarde de Royamont69: mural em
1962. O ano não termina sem que Tristan Tzara, no 'First relevo, "it's wall sorts of things" (Restaurante Zambi, 1954); casa
Internacional Congress of African Culture at Salisbury', mani- com duas chaminés para um juiz, "the first of the tower-with-a-
feste o seu interesse pela produção de Guedes, ou Georges head idea" (Casas Gémeas Matos Ribeiro, 1952-1953); parede,
Candilis com Alison e Peter Smithson, o convidem a participar "the more handled, the better it gets" (Bar Hotel Polana, 1954-
em 'Team 10 Meeting's Abbaye Royaumont', agendada para 1959); mural para casas alinhadas, "the real reason for that
Setembro. group of houses" (Doze Casas, 1954-1956); mural de seixos,
"Things are not what they seem to be – the auto-bio-farcical "this is all that will show of a very large building" (Edifício Abreu,
hour", tema a partir do qual Guedes desenvolve a apresentação Santos e Rocha, 1953-1959); estação de serviço, "the little one
do seu trabalho no Congress of African Culture, é introduzido of Lourenço Marques" (Komatipoort, 1960-1961); infantário com
pelas palavras em corpo de Tzara, num discurso claro, vee- capela, "It's a very bright building, white and blue" ou "the inside
mente, exuberante: of a pyramid before the light was hung up" (Infantário piramidal,
One has indeed to come to the end of the world, and for me 1958-1961); e outros. A mostra percorre espaços de (con)vivên-
at least to Africa, to find the most ancient, the most archaic cia entre murais e formas moles, gentes e sonhos, sol e arqui-
things and also – surprisingly though it may seem – the most tectura, arte e "machines à emouvoir" – "a cover-all of disci-
up-to-date, the most extraordinary things which were dream plines and people of the continent of Africa within reach"70,
of 30 or 40 years ago and are now becoming reality on this comentaria Alison. Inquietude, encantamento..., anima-se a dis-
soil of Africa. Mr. Guedes, apart from being a sculptor, con- cussão na sala-biblioteca de Abbaye (fig. 31), aberta ao claus-
siders that painting and sculpture are not solely arts of plea- tro.
sure, but should be applied to housing, to social life, to spi- O encontro de Royaumont aproxima Guedes (Amâncio,
ritual life, to the life of imagination and above all of the archi- Dorothy) e Smithsons (Alison, Peter): tecem-se cumplicidades
tect. He has built some extraordinary houses at Lourenço por entre sessões do Team 10, visitas de estudo da
Marques, in Mozambique, which you are going to see Witwatersrand University School of Architecture a Lourenço
presently. A whole architecture of the imagination, which, of Marques71, ou simples encontros informais72, sem que o exílio
course, links Guedes with the Dadaist and Surrealist de Guedes em Johannesburg, após a independência de
schools, and I am very happy to have met him here and to Moçambique em 197573, ou o seu regresso a Lisboa (seis anos
–62 "At first, Pancho let one house and worked in the garage […]. Pancho's space is lined with books in all languages and packed - as is the whole house - with fantas-
tic objects", relata um amigo de Pedro Paulo, visita de Pancho durante o verão de 1971 – ver Alan Berman, "Down there on a visit", Architecture and Urbanism 7, Juny
1978, pp. 50-52. –63 "Amancio Guedes", L'Architecture d'Aujourd'hui 102, juin-juillet 1962, pp. 42-49. –64 "Le Corbusier was the only one who could conceive of that
synthesis by himself through his unique way of collaborating with assistants and craftsmen. In this he had succeeded in returning to the age-old tradition of the master
artist who worked in this 'bodegga' surrounded by disciples and assistants", observa Guedes, alguns anos mais tarde – ver Amâncio Guedes, "The Paintings and
Sculptures of Le Corbusier", cit., p. 26. –65 "Amancio Guedes", cit., p. 42. –66 Ver Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 22. –67 Amâncio Guedes, "Y aura-
t-il une architecture?", cit., pp. 42-43. –68 Tristan Tzara, "Introduction", Architecture and Urbanism 7, Juny 1978, p. 48. Tzara introduz o escrito de Guedes, "Things are
not what they seem to be – the auto-bio-farcical hour", artigo apresentado no First Internacional Congress of African Culture at Salisbury, 1962. –69 Amâncio Guedes,
"Amancio Guedes, Team 10 meetings 1953-1984, University of Technology Faculty of Architecture, Delft 1991, p. 39-41. –70 Alison Smithson, Team 10 meetings 1953-
1984, cit. p. 39, endnote 161. –71 Ver Alan Berman, "Down there on a visit", Architecture and Urbanism, cit. p. 52. –72 Como refere Guedes à conversa com Isabel Maria
Rodrigues (gravação audio, Lisboa, Julho 2003).
247
31 Van Eyck, Peter Smithson e 'Pancho' Guedes, hall 'library' of Abbaye
Royaumont, Sep. 1962.
32 Team 10 (da esquerda: De Carlo, P. Smithson, Van Eyck, Richards, Guedes, A.
Smithson, Coderch; de costas, Bakema), Spoleto, June 1976.
31 32
mais tarde), aquando do sabático74, configurem distância ou that has European roots; i.e., that is more sagacious than the
afastamento. typical, fictitious, Bruce of Australia.
O regresso a Londres deve-se a John Donat, editor de World He shows Team 10 how a good architect can operate at
Architecture; em 1964, 1965 e 1967, publica sucessivas obras e many levels, and that it is possible without changing ones
textos de Guedes75, 'o curandeiro': innermost standards or losing ones integrity or morality,
Devemos tornar-nos técnicos de emoções, fazedores de to 'put-over' ideas, anywhere, anyhow, any time; even if
sorrisos, secadores de lágrimas, exageradores, intérpretes all you have is a stick and a patch of sand. His improvi-
de sonhos, realizadores de milagres, mensageiros, e inven- sational energy-courage offers a reminder of innocent,
tar edifícios toscos, corajosos e intensos, sem gosto, absur- happy, hopefulness, to a Team 10 that together is necessa-
dos e caóticos. Temos de inventar uma arquitectura do rily ageing, sadly depleted (by three deaths) and in some
tamanho da vida. Os edifícios pertecerão então à gente, a cases rather battered (in health) or battle-scarred (by
arquitectura tornar-se-á real e viva, e a beleza será quente bureaucracy).
e convulsiva!76 What more could society want from their architects but
Capitaneada pela Architecture and Urbanism (A+U)77, a viagem places thought of and made with ebullience? Places in which
de Guedes ao território asiático ocorre três anos após a sua par- to make ones very own home through the family's sense of
tida de Moçambique – na capa, a "Mulher Habitável" de history carried by their possessions. Places to learn, to work
Nelspruit (Transvaal)78: "Senhoras e senhores, apresento-vos a in, that in entering, in doing, in leaving, the fabric can per-
minha primeira mulher habitável, [...]. A mais histérica de todas haps help the individual on his way by emanating a little of
as minhas invenções"79. As palavras claras de Alison Smithson that pulsating life Guedes injected into his work.81
desenham um Guedes uno, denso, irreverente: Novembro, 1981. Alison e Peter Smithson visitam Amâncio
Guedes builds as he speaks, with a laugh in his ideas as in Guedes em Lisboa – Jullian de la Fuente com o projecto da
his voice. embaixada francesa de Rabat (Marrocos) aporta objecto de dis-
There never seems to come any moment of decision for him; cussão ao encontro; alguns meses antes, em Londres (Outubro,
he thinks, he does; a person poses a question, he responds. 1980), programara-se uma viagem do Team 10 àquela obra, em
More than that, you can suppose that clients barely set foot construção. A morte de Jaap Bakema (Fevereiro, 1981) provo-
within the energy orbit around Guedes to find themselves ca nos membros do Team 10 a sentida procura de uma forma
borne up on a cloud of enthusiasm and euphoria, drawn into de tributo a este seu 'familiar': "there should be no more Team
the vortex of Guedesian activities. 10 meetings"82. Terni, Spoleto (Junho, 1976 – fig. 32), organiza-
I think Guedes may not comprehend the word choice; he has da por Giancarlo de Carlo para visita de habitações em Terni, e
no need of choice; if there are two possibilities, he does both; La Coupatier (Bonnieux, verão de 1977), preparada por
if more possibilities, he will make something of them all […]. Georges Candilis com a presença da jovem geração, acabam
Why then, many ask, is this man in Team 10. This 'one man sendo as últimas reuniões do Team 10: "Naturally the indivi-
in his time plays many parts'80. Who joined us like Ariel in duals see and telephone each other still"83.
Shakespeare's The Tempest: an energy from the new world 1987. Do sensível e irreverente Guedes, alfacinha amante
–73 Com a independência de Moçambique, Guedes abandona 'O Leão que Ri', onde vive e produz quase desde o início da sua actividade. Volta para Johannesburg, a
cidade da sua juventude: em 17 Ninth Avenue, de Melville, metamorfosea duas casas geminadas, fá-las ao seu habitar (ver Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus",
cit., p. 57); dedica-se ao ensino na sua antiga escola de Witwatersrand (ver Contemporary Architects, cit., p. 362). –74 Outono de 1981: Guedes regressa a Lisboa para
realização de sabático ver Alison Smithson, Team 10 meetings 1953-1984, cit., p. 34.Convidado pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa e, mais tarde, pela
Universidade Lusíada, Guedes fixa a residência em Alfama, Rua das Escolas Gerais 32 (Lisboa), e Eugaria (Sintra), partilhando com alunos e professores o seu entu-
siasmo pela arquitectura e o seu específico olhar sobre Le Corbusier. –75 "The American Egyptian Style", "The Yes House", World Architecture One, London 1964, pp.
95-104 (tradução do inglês in Percursos de carreira, cit., pp.107-108); "Architects is a magicians, conjurors, dealers in magic goods, promises, potions, spells: myself as
witchdoctor", "A swasi zimbabwe", "The habitable woman", "South Africa", World Architecture Two, London 1965, pp. 170-179 ; tradução do inglês in Percursos de car -
RODRIGUES, AMANCIO (‘PANCHO’) GUEDES
reira, cit., p. 109); "Buildings grow out of each other or How my own Sagrada Familia came to be", "Sagrada Família da Machava", World Architecture Four, London 1967
(tradução do inglês in Percursos de carreira, cit., p. 115). –76 Amâncio Guedes, "Architects is a magicians, conjurors, dealers in magic goods, promises, potions, spells:
myself as witchdoctor", World Architecture Two, London 1965, p. 171 (tradução do inglês e transcrição por Salette Tavares, "Pancho. Amancio d'Alpoim Miranda Guedes.
Arquitecto escultor - escultor arquitecto", cit. 14-16; tradução do inglês e transcrição parcial em: "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 28, tradução do inglês in Percursos de
carreira, cit., p 109). –77 "Amancio d'Alpoim Guedes", Architecture and Urbanism 7, Juny 1978, pp. 4-52. –78 Amâncio Guedes, "Vitruvius Mozambicanus", cit., p. 28.
–79 Amâncio Guedes, "The Habitable Woman", in World Architecture Two, Studio Vista, London 1965 (tradução do inglês in Percursos de carreira, cit. p. 111). –80
Shakespeare, As you like it. –81 Alison Smithson, "On Amancio d'Alpoim Guedes", Architecture and Urbanism 7, Jun. 1978, pp. 48-49. –82 Alison Smithson, Team 10
meetings 1953-1984, cit., p. 34. –83 Ibidem. –84 Amâncio Guedes, Contemporary Architects, cit., p. 364.
249