Prova e Recursos em Processo Penal 2021_2022

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Prova e Recursos em Processo

Penal
Quanto à noção da investigação criminal, devemos ter em conta desde logo o artigo 1º da Lei
da Organização da Investigação Criminal. Do artigo 1º da LOIC resulta que só se pode falar em
investigação criminal quando há uma investigação que ocorre durante um determinado
processo penal. Daqui resulta que se pode definir investigação criminal como a atividade
processual de descoberta da verdade, e essa atividade processual de descoberta da verdade
inicia-se quando? Basta haver notícia do crime para se iniciar um processo penal? Há aqui duas
matérias relevantes, uma tem a ver com a natureza do crime em causa, porquê? A distinção
entre crime público, semipúblico e particular tem relevância em que sentido? Tem relevância
para determinarmos quando começa um determinado processo penal, porquê? Porque é
preciso que haja queixa também se for um crime semipúblico ou particular. Portanto, só nos
crimes públicos é que o Ministério Público pode dar andamento ao processo penal sem
interferência do particular.

Mas ainda há outra parte que também é importante e que tem a ver com a pergunta inicial.
Sempre que o Ministério Público tem conhecimento de uma notícia do crime, temos
necessariamente abertura do processo penal? Não, de acordo como princípio da oficiosidade
ele não pode recusar com base em razões financeiras, por exemplo, isso ele não pode, devido
ao princípio da oportunidade. Então o que é que é preciso haver, qual é o primeiro ato para se
poder iniciar um processo penal, para além do que já falamos? O despacho de abertura. É
claro que esse despacho de abertura só existe de houver notícia do crime, portanto, a notícia
do crime é condição sine qua non da investigação criminal, mas não é suficiente, é preciso
ainda o Ministério Público fazer o tal despacho de abertura de inquérito, e a partir daí temos
então a tal possibilidade de falar em investigação criminal.

Porquê que é tão importante nós percebermos isto? Porque há atos em que se traduzem
numa investigação sobre a prática ou sobre a existência ou não de um determinado ilícito
criminal, mas como nem sequer houve notícia do crime ou nem sequer houve despacho de
abertura de inquérito, esses atos / essa investigação, apesar de ser uma investigação sobre um
crime, não se pode considerar investigação criminal.

Portanto, aquela investigação, conjunto de diligências praticadas por uma determinada


entidade com o objetivo de descobrir algo, que se faz antes da abertura do processo, antes
muitas vezes até da notícia do crime, toda essa investigação não é investigação criminal, e
muitas vezes vamos ver que essa investigação de um crime que não é investigação criminal
para poder ser tida em conta num dado processo penal vai ter de ser validade por parte da
entidade competente.

Então que tipos de atividade são essas que fazem fronteira com a investigação criminal, mas
não se traduzem na investigação criminal? Vamos enumerar quatro tipos de atividade que
existem na nossa ordem jurídica que não se podem confundir com investigação criminal:
primeiro, atos de investigação no âmbito das medidas cautelares e de polícia ( artigo 248º e
seguintes do CPP); segundo, a investigação dos inquéritos parlamentares; terceiro, atos de
investigação de contraordenações (a estatuição é uma coima, e esta difere da multa porque
não se converte em pena de prisão caso não seja cumprida, e para além disso temos de ter em
conta a danosidade social, e o direito penal só deve atuar se mais nenhum outro ramo do

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direito conseguir salvaguardar aquele bem jurídico) praticados por autoridades
administrativas; quarto, atos de investigação no âmbito da prevenção criminal (como podemos
imaginar, a nossa polícia tem como função prevenir a prática de futuros crimes, e para
prevenir ela tem de investigar, mas esse investigar não é investigação criminal).

Vamos ver o primeiro grupo, investigação no âmbito da medidas cautelares e de polícia,


quando é que elas ocorrem? Quando há um risco de se perder a prova. Então normalmente
quando é que acontece? As medidas cautelares e de polícia são aqueles atos necessários e
urgentes que os OPC’s têm de praticar para preservar os meios de prova, e é por isso que eles
podem praticar esses atos antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente,
antes de haver o tal despacho de abertura de inquérito. Mas uma coisa é essencial nestas
medidas cautelares e de polícia, é que elas só podem ser feitas se for indispensável a atuação
do OPC sob pena de perda de provas reais e pessoais fundamentais na futura investigação do
crime (artigos 248º a 253º do CPP). Estas medidas cautelares e de polícia não se confundem
com as medidas de polícia aplicadas pelas autoridades de polícia no quadro da segurança
interna (exemplo: identificar pessoas suspeitas, interditar determinados sítios, etc…), nem se
confundem com as medidas cautelares administrativas de polícia aplicadas também pelas
autoridades policiais no quadro jurídico-administrativo (exemplo: indicação numa determinada
via rodoviária de que esta a ocorrer uma fiscalização da velocidade por meio de radar).

Vamos então ao segundo grupo, a investigação no âmbito dos inquéritos parlamentares. A


finalidade do inquérito parlamentar não é a finalidade que cabe à investigação criminal, a
finalidade dos inquéritos parlamentares é o controlo político sobre o Governo e a
administração, mas o que é que vai acontecer? Muitas vezes, após o inquérito parlamentar, se
durante esse inquérito vêm se descobrir ilícitos criminais, isso pode dar origem a uma notícia
do crime, e se há notícia do crime e se for um crime público, o Ministério Público abre um
inquérito e começa então aí a investigação criminal.

Terceiro grupo de atos, atos de investigação de contraordenações praticados por autoridades


administrativas, e aqui temos todos os inquéritos feitos por autoridades administrativas que
visam investigar contraordenações. Exemplo: há duas autoridades administrativas muito
importantes no sistema jurídico português que são o Banco de Portugal e o CMVM (Comissão
de Mercados de Valores de Mobiliários). Isto para dizer que toda a investigação feita pelo
Banco de Portugal não é investigação criminal e pode levar a uma condenação por parte do
Banco de Portugal (coima), mas durante todo este processo estamos apenas na investigação
de contraordenações e, por isso, não se pode falar em investigação criminal. O que pode
acontecer é o “condenado” pela contraordenação / ao pagamento da coima pode impugnar
judicialmente essa condenação, e a partir daí já temos um processo penal. Esta atividade
destas entidades é muito discutida quer na doutrina, quer na sociedade, sobre a sua regulação,
porque em certa medida essas autoridades administrativas que supervisão a atividade dos
Bancos e das empresas, elas podem como supervisores pedir informações a essas entidades, e
a entidade tem de dar essa informação, e há quem entende que isto é uma violação /
interferência nos direitos fundamentais do futuro do possível arguido, porque se ele tivesse já
o estatuto de arguido, o que é que ele podia invocar? Podia invocar o princípio não
autoinculpação.

Aula Teórica (21/09)

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Na última aula começamos exatamente por tentar definir investigação criminal, e uma das
formas de chegar a um conceito é confrontá-lo com outros conceitos que fazem fronteira e
dessa forma tentar determinar quais as diferenças entre um e outro, e ajudar a determinar o
núcleo essencial do conceito em juízo. E, portanto, nós começamos por dizer que a
investigação criminal é uma atividade efetuada pelas autoridades competentes num
determinado processo e que ocorre apenas após o despacho de abertura por parte do
Ministério Público de um determinado inquérito e, por isso, há 4 tipos de atividades que
poderíamos eventualmente classificar o que é investigação criminal, mas não devem ser
classificados de investigação criminal porque não têm as caraterísticas que a investigação
criminal deve ter, as tais caraterísticas essenciais.

A investigação criminal surge no âmbito de um determinado processo penal após a notícia do


crime, e esta frase nem está muito precisa, porquê? Por causa da notícia. O que é que isto quer
dizer? Invés de dizer “após a notícia do crime”, o que devia estar era “após o despacho de
abertura de inquérito”, porque apesar da notícia do crime ser condição sine qua non da
existência de um processo penal, não é suficiente para existência do próprio processo penal, é
preciso ainda que o Ministério Público profira ainda um despacho de abertura de inquérito, e
aí assim temos um processo penal em andamento, e aí sim podemos falar em investigação
criminal.

E a propósito desta noção vimos as tais situações / atividades que não se devem confundir:
primeiro, antes de investigação praticados no âmbito das medidas cautelares e de polícia
(artigos 248º e seguintes do CPP). Porquê que estes atos, apesar de serem muitas vezes atos
similares aos que se fazem durante a investigação criminal, não podem ser considerados
investigação criminal? O que carateriza estes atos é que eles são prévios ao despacho de
abertura de inquérito, são os tais atos que os OPC’s (órgão de polícia criminal) têm de praticar
porque são urgentes e necessários para preservar prova que depois vai ser essencial para o
desenvolvimento da investigação criminal.

Segundo tipo, falámos dos chamados atos de investigação nos inquéritos parlamentares, e
aqui já é mais fácil de distinguir da investigação criminal, porque o inquérito parlamentar,
desde logo, é feito por uma entidade que não têm nada com as entidades que atuam no
âmbito da investigação criminal, é feito pelo Parlamento, apesar deste ter poderes de
investigação, mas não tem o poder que têm as entidades que investigam durante a
investigação criminal, nem podem constituir ninguém de arguido.

Depois também demos algum destaque, e este sim é mais numa área onde já é mais difícil de
fazer a delimitação entre a investigação criminal e o que não é, são os atos de investigação de
contraordenações praticados pelas autoridades administrativas. Portanto, quando uma
autoridade administrativa (Banco de Portugal ou CMVM) supervisiona a atividade de uma dada
instituição, ela tem poderes de investigação, ela pode pedir informações, ela pode chamar
pessoas a depor, tem o poder de praticar o seu poder de supervisão, e é por isso que há uma
discussão na doutrina sobre se estas atividades é uma atividade constitucional, porque elas
têm um certo poder, e a pessoa que é objeto desta investigação não tem os direitos que o
arguido tem, e como não é investigação criminal ele pode invocar o princípio da não
autoinculpação.

Íamos entrar no quarto tipo de atividade, que é também às vezes difícil de limitar a
investigação criminal, que são os atos de investigação praticados no âmbito da prevenção
criminal. Como sabemos, as polícias têm muitas vezes como função prevenir a prática de

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futuros crimes, e para prevenir a prática de futuros crimes, os OPC’s praticam atos muito
parecidos com os atos de investigação criminal, e é claro, e é aqui que depois a distinção fica
mais fina, muitas vezes eles estão a fazer esta atividade de prevenção, eles deparam-se com
ilícitos criminais que ainda não estão a ser investigados no âmbito do processo penal, e aí sim
é muito difícil nós conseguirmos perceber se já se trata de investigação criminal ou se ainda
estamos no âmbito de atos de prevenção da investigação criminal.

E assim fica mais fácil nós sabermos qual o fim da investigação criminal, isto será uma espécie
de raciocínio que já fizemos, por exemplo, a propósito do conceito de crime. Qual é a
finalidade imediata da investigação criminal? Descoberta da verdade material, a tal verdade
que se traduz na reconstituição ao mais fiel possível histórica dos factos passados, e não, como
iremos ver mais tarde os princípios das provas, não nos interessa em processo penal a
chamada verdade formal constituída pelas partes, interessa-nos sim a verdade material.
Depois se essa verdade material é absoluta ou relativa é ainda outra questão mais filosófica do
que jurídica, mas também poderemos eventualmente falar sobre isso.

Mas sem dúvida que o fim imediato da investigação criminal é descobrir a verdade material,
para quê (e agora a professora diria que se pode falar em fim mediato da investigação
criminal)? Perceber se foi praticado ou não um crime, porquê? Porque muitas vezes o fim do
processo criminal não é necessariamente a aplicação de uma sanção, portanto, para que se
possa determinar se houve ou não a prática de um crime e quem foi o agente ou os agentes
desse crime, e às vezes após a investigação criminal pode-se a conclusão de absolvição (neste
momento seria o despacho de arquivamento). E isto é relevante porquê? Porque normalmente
as pessoas pensam que a investigação criminal traduz-se apenas na procura de provas para
responsabilizar. Não! A investigação criminal muitas vezes, e é isso que deve acontecer, visa
averiguar se estão presentes os elementos constitutivos do crime (ação, típica, ilícita, culposa e
punível).

Mas já agora, como é que se analisa a ilicitude e a culpa? Chama-se técnica negativa da
exclusão, mas independentemente do nome, como é que sei se a ação é ilícita ou não? Se não
existir uma causa de exclusão ela é ilícita, se existir excluísse a ilicitude. E o mesmo para a
culpa. Portanto, o que é que pode acontecer durante a investigação criminal? É o investigador
detetar / provar que ocorreu, por exemplo, uma causa de exclusão da ilicitude, e nesse caso a
investigação criminal deparou-se com provas de causas de exclusão da ilicitude (o mesmo para
a culpa). A investigação criminal não é só procurar provas que incriminam a pessoa, não! A
investigação criminal visa descobrir a verdade, e muitas vezes essa verdade implica descobrir
que afinal ocorreram causas de exclusão ilicitude ou da culpa que afastem de ser crime.

Quando se chega à conclusão de que não há nenhuma causa de exclusão da ilicitude, nem da
culpa, nem da punibilidade, aí sim há a aplicação da pena, e em última análise a investigação
criminal e o processo penal ao aplicar a pena vão ter as mesmas finalidades do direito penal e
as finalidades das penas (prevenção geral, positiva e negativa, prevenção especial, positiva ou
negativa, e prevenção reparação).

O que é que é isso da prevenção geral? Na prevenção geral a aplicação da pena visa evitar a
prática de futuros crimes por parte da comunidade como um todo, enquanto que a prevenção
especial visa evitar a prática de futuros crimes por parte do próprio. E fala-se em prevenção
geral positiva quando se consegue prevenir a prática de futuros crimes demonstrando que o
direito é aplicado e tem eficácia, mas também pode ser pela negativa, intimidando, que a
professa acha que está sempre associada à positiva.

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Já a prevenção especial visa prevenir a prática dos crimes por parte do próprio, e também
pode positiva ou negativa. A positiva tem a ver com a reintegração do delinquente na
sociedade, a recuperação do agente para a sociedade, a negativa com a intimidação.

Qual é o fim último do direito penal? Proteção subsidiária de bens jurídicos. Mas como
também já sabemos em direito penal nunca há uma resposta unânime, e há quem diga que no
direito penal os bens jurídicos está em crise, por causa de riscos longínquos que a nossa
sociedade atualmente tem supostamente. Direito penal, como sabemos, só pode intervir
quando é totalmente indispensável para a tutela dos bens jurídicos fundamentais (artigo 18º,
nº2 da CRP).

Aula Teórica (23/09)

A propósito da investigação criminal também importa saber quando é que ela se faz, em que
altura é que a investigação criminal deve ser realizada. Quando é que faz? Ao longo de todo o
processo penal, mas deve começar no inquérito. Porquê que faz sentido que a investigação
criminal seja ao longo de todo o processo penal? Devido ao princípio da procura da verdade
material, que resulta por sua vez do princípio da presunção da inocência (o arguido presume-
se inocente até ao trânsito em julgado), ou seja, a investigação perdura até ao trânsito em
julgado. Porquê que é tão importante nós sabermos também que o princípio da procura da
verdade material tem aplicação prática no julgamento? É necessário na audiência de
julgamento o juiz tem de ter acesso a todas as provas que foram recolhidas durante o processo
penal, aliás, há um princípio que é o princípio da mediação que diz que o juiz tem de ter um
contacto direto com todas as provas para fazer a fundamentação da sua decisão.

É claro que apesar de a investigação criminal perdurar até ao trânsito em julgado, isso não
significa que ela não tenha mais importância numas fases do que noutras, aliás, a fase mais
importante na investigação criminal é a fase do inquérito. Porquê que no inquérito é tão
importante a investigação criminal? Quais são os desfechos possíveis do inquérito?
Arquivamento ou acusação. Portanto, é no inquérito que se decide despacho de acusação ou
despacho de arquivamento, e é no inquérito que decorre a recolha de provas pessoais e reais
para ver se há elementos suficientes para fundamentar a acusação ou, pelo contrário, para
proferir o despacho de arquivamento. Portanto, a investigação criminal sem dúvida que tem o
seu campo de aplicação por excelência é na fase do inquérito, porque é no inquérito que se faz
quase toda a recolha das provas reais e materiais.

Mas não nos podemos esquecer que apesar de a investigação criminal ter uma maior
importância na fase do inquérito, também não deixa de ter importância noutras fases,
nomeadamente na fase de instrução. Qual é o objetivo da instrução? O objetivo principal é a
comprovação judicial da decisão do Ministério Público, porque até lá quem decidiu foi ele,
portanto, há que haver a comprovação judicial da decisão do Ministério Público através do JIC,
mas a instrução também tem alguma relevância ao nível da prova da investigação criminal
porque também implica muitas vezes a confrontação de a decisão de acusar de modo
contraditório e, por isso, dá à defesa a possibilidade de apresentar ela também provas.

Porquê que é tão importante e em que medida é que isso interfere na caracterização do
sistema processual penal que nós temos vigente no nosso direito, essa possibilidade que o
arguido tem de pedir prova durante o julgamento ou durante a instrução? Para já é o
contraditório. Já agora, que tipo de sistema processual é que nós temos? Sistema misto, não é

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um sistema acusatório puro. O que é que carateriza o sistema misto? Há uma clara divisão
entre a entidade que investiga e acusa e a entidade que julga, para garantir o quê? A
imparcialidade da entidade que julga, mas apesar de o nosso sistema ser de pendor
acusatório, é misto porque existe a possibilidade de investigar durante o julgamento, coisa que
não existe no sistema anglo-saxónico. No sistema anglo-saxónico, o juiz não pode pedir prova
se achar que é necessário para a procura da verdade material, a prova é produzida pelas
partes. No nosso sistema não, no nosso sistema o juiz, se quiser, pode pedir prova durante o
julgamento se tiver dúvidas em relação à verdade material, mas ele tem limitações, quais são
as limitações que ele tem? O objeto do processo. Onde é que o objeto do processo fica fixado?
Se houver instrução é depois no despacho de pronúncia, mas para chegarmos ao objeto do
despacho de pronúncia o que é que foi preciso haver? É o requerimento de abertura de
instrução. Quem é que faz o requerimento de abertura de instrução? O assistente ou o
arguido, consoante quem tiver legitimidade para fazer o requerimento de abertura de
instrução.

A outra fase onde a investigação criminal é fundamental é a fase do julgamento. Na fase de


julgamento é produzida toda a prova considerada necessária para ser proferida uma
determinada decisão, e há uma situação excecional em que a investigação criminal pode ir
para lá do trânsito em julgado que é quando excecionalmente se descobrem novos factos que
ponham em causa a justeza da decisão proferida [artigo 449º, alínea d) do CPP] que é o
chamado recurso de revisão, que só pode acontecer se surgirem novas provas que cominados
com os factos que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da
condenação, e este recurso vamos estudar mais à frente, mas é um recurso extraordinário,
porque é feito após o trânsito em julgado. Portanto, mesmo após o trânsito em julgado da
sentença, se se vierem a descobrir novos factos ou meios de prova que ponham graves dúvidas
quanto à justeza da condenação, pode haver este recurso de revisão.

Ao falarmos sobre as fases em que a investigação criminal tem mais relevância ou menos
relevância, o mais importante é nós não nos esquecermos que a investigação criminal tem
relevância do princípio ao fim tendo em conta o tal princípio da procura da verdade material
que decorre do princípio da presunção da inocência.

De onde é que decorre o princípio da presunção da inocência? Decorre de um princípio do


direito penal que é o princípio da culpa (não há pena sem culpa), tem de se demonstrar a culpa
em sentido amplo e sentido restrito, e também o princípio da intervenção mínima do direito
penal, isto é, se o direito penal só pode atuar quando for indispensável para a tutela de bens
jurídicos fundamentais só será indispensável no caso de se demonstrar que a pessoa tem culpa
e deve ser acusado, deve ser condenado. Portanto, é desses dois princípios dos quais podemos
retirar o princípio da presunção da inocência. E em última análise, o princípio da culpa parte da
ideia da dignidade da pessoa humana e também da ideia de liberdade, só se é livre porque se
tem a possibilidade de escolha.

Já agora, o outro princípio que a professora diria que está presente na investigação criminal é
o tal princípio da dignidade da pessoa humana, porquê? Porque a procura da verdade material
não pode ser feita a todo o custo, tem como limite os direitos fundamentais, e é por isso, por
exemplo, que não é possível torturar uma pessoa por mais que se esteja convencido que
através da tortura se chega à verdade.

Depois disto podemos perceber melhor a noção de investigação criminal referida no artigo 1º
da LOIC, e que diz: “A investigação criminal compreende o conjunto de diligências que, nos

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termos da lei processual penal, se destinam a averiguar a existência de um crime, determinar
os seus agentes e a sua responsabilidade e descobrir a recolher provas, no âmbito do
processo”.

Há outras formas de definir investigação criminal para além desta da LOIC, como por exemplo
a definição de investigação criminal dada professor Gomes Dias que diz que “investigar é
indagar através de meios de conhecimento humano de como correu na realidade um
fenómeno psicofísico do passado”. Outra definição de Hermann Mannheim que diz que “a
investigação criminal procura descobrir factos que proporcionem uma melhor compreensão e
valoração de realidades já ocorridas”.

Mas nós até agora só vimos parte da noção de investigação criminal, até agora se reparem
temos estado sempre a dizer que a investigação criminal traduz-se em todas as diligências
necessárias para reconstruir um facto passado, e faz parte dessa reconstrução do facto
passado o tentar descobrir também as causas económicas, sociais e pessoais do crime. O que é
que isto quer dizer? A investigação criminal não deve visar apenas investigar se houve ou não a
prática do crime e quem é que foram os seus agentes, faz parte também da investigação
criminal determinar o porquê do cometimento do crime, as tais causas sociais, reais, pessoais
do crime, e por várias razões: desde logo porque só a descoberta das causas reais e pessoas
ajudam a determinar o grau de responsabilidade do agente, aliás, às vezes até ajuda a
determinar se o agente é imputável ou não imputável. Por exemplo, quando o homicídio for
praticado por motivos de ódio religioso, em que se revela uma especial censurabilidade ou
perversidade do agente, isso vai condicionar o grau de responsabilidade, a pessoa já não vai
ser condenada por homicídio simples, vai ser condenada homicídio qualificado.

E é por isso que se diz que a procura destas causas implica que um investigador tenha de ter
uma formação criminológica e também psicológica, um bom investigador criminal tem de ter
conhecimento da criminologia (que estuda o crime como fenómeno social) e tem de ter
conhecimentos de psicologia, porque só dessa forma consegue investigar corretamente as
causas pessoais e as causas socias e económicas do crime. Aliás, há outra matéria que
demostra o porquê de ser tão importante nós sabermos quais são as causas pessoais do crime
que é os fins das penas, ou seja, como sabemos um dos fins das penas é a prevenção especial.
Ora, só sabendo as causas pessoais e as causas socioeconómicas é que conseguimos ter mais
eficácia nessa prevenção especial, e o juiz terá mais dados para determinar corretamente a
medida da pena.

E há outra matéria que também demos em processo penal que demostra que também é bom
sabermos o tipo de personalidade do agente que é as medidas de coação que se vão aplicar.

Por último, a propósito da noção de investigação criminal, normalmente também faz parte da
investigação criminal, e isso resulta de um outro princípio que nós também estudamos o ano
passado, quando há direito a uma indemnização pelos danos provocados pelo crime, como
sabemos, por regra, esse processo de indemnização corre juntamente com o processo penal,
só excecionalmente é que é separado, e quando há um processo de indemnização, também a
investigação para determinar os danos do crime é feita no âmbito do processo penal e faz
parte da investigação.

Aula OT (23/09)

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Há uma matéria que nós já desenvolvemos em teoria do crime (infração penal) e que é muito
importante por vezes saber a motivação pessoal do agente, que é negligência consciente.
Como é que se distingue o dolo eventual da negligência consciente? Qual é a teoria
consagrada no nosso código? Teoria da conformação, e de acordo com a teoria da
conformação o que é que distingue o dolo eventual da negligência consciente? O que é que há
de comum entres eles? Nos dois casos o agente representa a realização do facto típico, só que
no dolo eventual conforma-se, na negligência consciente não se conforma [artigo 14º, alínea
c) e artigo 15º, alínea a) do CP], a nossa ordem jurídica conforma a teoria da conformação.

Mas a pergunta passa a ser: então como é que se sabe se o agente se conformou ou não? E
isto tem uma grande importância prática, porquê? Desde logo, ao nível da moldura penal, e há
crimes que não são punidos com negligência (artigo 13º do CP), para poder punir alguém com
negligência, o tipo legal tem de estar previsto na forma negligente. Se o legislador nada disser
é porque aquele crime não está previsto na forma negligente. Exemplo: crime de dano ( artigo
212º do CP). Portanto, é muito relevante num caso prático nós sabermos se há dano ou
negligência, e essa dúvida existe fundamentalmente quando estão em causa estas duas
figuras.

Para conseguir determinar se o agente se conformou ou não há uma fórmula, criada pelo juiz
do Supremo Tribunal Alemão, que na prática tinha vários casos em mãos e tinha a dificuldade
de decidir se havia dolo ou se havia negligência.

Que fórmulas é que Frank criou? Positiva (para sabermos se o agente se conformou ou não a
pergunta que temos de fazer é: quando o agente atuou pensou “aconteceu o que acontecer eu
atuo”? Se sim, dolo eventual, se não, negligência consciente) e antes também tinha criado a
fórmula hipotética (o Frank começou por dizer para ele saber se há dolo eventual ou
negligência consciente no caso concreto a pergunta que eu tenho de fazer é: se o agente
tivesse previsto como certo o resultado e mesmo assim atua-se, há dolo eventual, se não, há
negligência consciente), mas houve dois casos que chamaram à atenção e perceberam que
esta fórmula não daria lugar a uma solução concreta, por exemplo, o caso dos mendigos
(Rússia) e o caso das correntes de couro (?) (caso da jurisprudência alemã).

Fernanda Palma chega à fórmula positiva de Frank, mas diz que é preciso fornecer ao juiz
critérios que lhe permitam determinar se o agente pensou “aconteça o que acontecer eu
atuo”, e os critérios que a professora Fernanda Palma invoca como mais relevantes são, por
um lado, o grau de probabilidade da lesão, e por outro, a motivação pessoal.

Agora só para falarmos um pouco mais da investigação criminal, há um princípio que ainda não
foi referido e que também é muito importante na investigação criminal, e que nos vai elucidar
quanto às entidades competentes para realizar a investigação criminal que é o princípio da
investigação sob garantia judicial ou princípio da jurisdicialização da investigação criminal. O
que é que diz este princípio? Diz que a direção da investigação criminal cabe a uma autoridade
judiciária, nomeadamente à autoridade judiciária responsável por aquela fase do processo.
Este princípio é de consagração constitucional.

Qual é a autoridade judiciária que preside à investigação criminal no âmbito do inquérito?


Ministério Público (artigo 219º, nº1 da CRP). Na instrução? JIC (artigo 32º, nº4 da CRP). No
julgamento? Juiz de julgamento (artigo 202º, nº1 e nº2 da CRP). Mas resulta também de uma
série de normas do nosso código de processo penal e também por exemplo do artigo 2º da
LOIC. E qual é a ideia que está por detrás deste princípio? Proteger o arguido, ou seja, proteger
os direitos fundamentais. Como a investigação criminal é uma tarefa que por norma colide

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com direitos fundamentais, a única forma de assegurar que há uma proteção desses direitos
fundamentais é fazer que a supervisão desses direitos fundamentais seja feita por uma
autoridade judiciária.

Daqui também resulta uma outra consequência, que às vezes também se expõe através de um
princípio, que é o princípio da coadjuvação e da obrigatoriedade de assistência por parte dos
OPC (órgão de polícia criminal). Quem dirige a investigação criminal é a autoridade judiciária.
Quem faz no campo a investigação criminal são os OPC. E o tal princípio que diz que quem
realiza a investigação criminal são os OPC é o chamado princípio da coadjuvação e da
obrigatoriedade de assistência por parte dos OPC.

Já agora, quando se diz que o Ministério Público dirige a investigação criminal está-se a pensar
em que figura do Ministério Público? DIAP’s (Departamentos de Investigação da Ação Penal) e
DCIAP’s (Departamento Central de Investigação da Ação Penal). Qual é a diferença? O DCIAP
tem como função prevenir e dirigir a investigação de criminalidade violenta, altamente
organizada ou de especial complexidade. Já os DIAP’s, por exclusão de partes, têm
competência para todos as outras investigações, e como sabemos a determinação da
competência dos DIAP’s é a aplicação das mesmas regras para a determinação da competência
territorial do tribunal.

Como dito, quem realiza na prática a investigação criminal são os OPC, e nós podemos definir
órgãos de polícia criminal como entidades e agentes policiais a quem cabe levar a cabo
quaisquer atos ordenados por uma autoridade judiciária ou determinados pelo código do
processo penal ou por legislação processual penal avulsa. Tal noção decorre, desde logo, do
artigo 1º, alínea c) do CPP. Esta função de coadjuvar as autoridades judiciárias resulta do
artigo 55º do CPP.

Não confundir OPC com APC (autoridades de polícia criminal). Os APC fazem parte dos OPC,
mas os APC são o quê? São os diretores, os inspetores, os subinspetores da polícia, a quem as
leis respetivas reconhecem essa qualificação e, normalmente, o que é que acontece? É que
atuação de um APC implica a uma situação mais restritiva de direitos fundamentais (exemplo:
artigo 257º do CPP).

É claro que depois, como podemos imaginar, as grandes questões que surgem às vezes na
investigação criminal é a relação que existe entre as autoridades judiciárias e os OPC. Dessa
boa relação, dessa boa delimitação de competência entre APC e OPC resulta uma boa
investigação criminal.

Aula Teórica (28/09)

Importa agora descrever a natureza da relação entre as entidades competentes para a


realização da investigação criminal. Como já sabemos, o princípio que preside a esta matéria é
o princípio da investigação sob garantia judicial, ou princípio da judicialização da investigação
criminal, que significa que a direção da investigação pertence a uma entidade judiciária.
Porquê entidade judiciária? Por causa do Ministério Público, discute-se muito qual é a natureza
do Ministério Público, mas ao falar em “entidade judiciária” podemos mais facilmente dizer
que na face do inquérito quem preside a investigação criminal é a entidade judiciária
Ministério Público.

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Também já sabemos a ideia por detrás deste princípio, isto é, faz todo o sentido que a
investigação criminal seja feita sob a supervisão de uma autoridade judiciária porque a
atividade da investigação criminal envolve a atividade probatória, e essa atividade probatória
por norma colide com direitos fundamentais. Como é uma atividade pesada para os direitos
fundamentais, temos de ter a garantia de que há uma entidade judiciária a supervisionar tudo
o que se passa para garantir a legalidade.

E também como já vimos, apesar de haver esta investigação sob garantia judicial, é preciso
também ver o outro lado, isto é, quem realiza no terreno a investigação criminal. Quem realiza
no terreno a investigação criminal são os OPC (órgãos de polícia criminal). E é por isso que
também se fala de um princípio que a professora diria que é subordinado ao princípio da
investigação criminal sob garantia judicial, que é o princípio da coadjuvação da autoridades
judiciárias, significa que os OPC’s estão ali para assistir as autoridades judiciárias.

Ora bem, a partir daqui importa nos ver e desenvolver que tipos de relações existem entre as
autoridades judiciárias e os OPC, e normalmente carateriza-se da seguinte forma: há uma
dependência funcional dos OPC face às autoridades judiciais, mas os OPC continuam a ter uma
autonomia orgânica e hierarquia face às autoridades judiciais, e também continuam a ter uma
independência técnica e tácita. O que é que é isto de dependência funcional ( artigo 2º, nº4 da
LOIC)? No fundo significa que as orientações, os objetivos, os limites face aos direitos
fundamentais da investigação criminal cabem às autoridades judiciárias, seja Ministério
Público, seja JIC, seja juiz. Dito de outra forma, quem decide e determina o âmbito, o objeto, o
sentido, os termos da investigação criminal é a autoridade judiciária, e essa dependência
funcional, que está patente no artigo mencionado, mas também em vários artigos da nossa
ordem jurídica, nomeadamente na fase do inquérito, que a é o Ministério Público a entidade
judiciária.

Como é que nós vimos esta dependência funcional? Em que artigos é que está expresso esta
dependência funcional? Como sabemos, o Ministério Público pode exigir a comunicação da
notícia do crime no mais curto prazo que não pode exceder 10 dias (artigo 243º, nº3, artigo
245º e artigo 248º, nº1 do CPP). Além disso, também tem de haver uma comunicação quanto
às medidas cautelares e de polícia que os OPC tenham praticado (artigo 253º do CPP). Outro
artigo que demostra esta dependência funcional, o Ministério Público pode avocar (no sentido
de chamar a si) o processo a qualquer momento e devolvê-lo, caso se mostre necessário, a
outro OPC (artigo 2º, nº7 da LOIC). Depois temos ainda possibilidade que o Ministério Público
tem de emitir diretivas, ordens, instruções, sob o modo de realização da investigação criminal
[artigo 1º, nº1, alínea c), artigo 52º, nº1, alínea b) do CPP]. Já em relação ao JIC temos o
artigo 90º, nº2 do CPP que tem se pode retirar essa possibilidade de emitir ordens, instruções,
tudo relativo à investigação criminal.

O Ministério Público pode ainda, por exemplo, apreciar o resultado das investigações e tomar
as iniciativas que se justificarem (artigo 2º, nº7 da LOIC). Por último, mas mais um exemplo, o
Ministério Público pode fiscalizar a todo o momento o modo de realização da investigação
criminal (artigo 263º e seguintes do CPP, e do artigo 2º, nº7 da LOIC).

Mas apesar de haver esta dependência funcional, há uma autonomia orgânica e hierárquica
por parte dos OPC, o que é que isto quer dizer? As autoridades judiciárias não podem interferir
na vida interna, orgânica e hierárquica, das polícias criminais. A título de exemplo: não pode
ser a autoridade judiciária a decidir qual a secção / agente de investigação que vai atuar, esses
elementos são designados pela entidade de OPC que foi entregue a investigação. Mas mesmo

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essa limitação de interferir na escolha do agente, não é absoluta, porquê? Porque por vezes a
autoridade judiciária pode determinar qual o agente, em que casos? Se houver um motivo de
força maior (exemplo: imaginem que o agente quem lhe ia ser entregue a investigação criminal
é ou faz parte da associação criminal a que se esta a investigar. Claramente um motivo para ser
o Ministério Público a decidir que vai fazer a investigação criminal); também há casos que
devido à sua especificidade, levam a que seja o Ministério Público a escolher o elemento do
OPC que fará a investigação criminal (exemplo: necessidade de segredo de justiça); e há uma
discussão na doutrina se também pode ser a autoridade judiciária a escolher quais os
elementos que vão fazer a investigação criminal, quando considerar que a sua não escolha
prejudicará a investigação criminal (o professor Manuel Valente entende que se se demonstrar
que a não ingerência da autoridade judiciária na situação do funcionário que irá efetuar a
investigação criminal poderá prejudicar a investigação criminal, faz sentido que a autoridade
judiciária possa escolher, exemplo: imaginem que a autoridade judiciária sabe que o
funcionário a quem provavelmente será entregue o processo de investigação não é capaz de
praticar certas diligências e, por isso, a autoridade judiciária considera que isso vai prejudicar a
investigação criminal, e pode designar quem ele acha que pode exercer).

Mas para além desta autonomia orgânica e hierárquica na parte dos OPC, existe também a
autonomia técnica e tática presentes nos artigos 2º, nº5 e 6 da LOIC. O que é que isto da
autonomia técnica? A autonomia técnica significa que o OPC utiliza os conhecimentos e os
meios de agir, é ele que utiliza e que decide os meios de agir legalmente admissíveis
adequados à investigação criminal, mas a utilização desses conhecimentos e desses meios, não
pode desrespeitar direitos fundamentais. Mais uma vez, tudo o que ultrapasse o princípio da
proporcionalidade, da exigibilidade, da adequabilidade, não é permitido. Exemplo: vamos
supor que estamos no âmbito de uma busca domiciliária, meio de obtenção de prova, está no
âmbito da autonomia técnica o estudo e método que se deve utilizar na realização da busca.

Já quanto à autonomia tática, no fundo, a diferença entre técnica e tática é que a tática é mais
decidir como é que normalmente se deve decidir o tempo, o lugar, o modo adequados à
prática dos atos correspondentes ao exercício das atribuições legais dos OPC. Na tal busca
domiciliária no exemplo em que é o próprio OPC que escolhe e estuda qual o método da busca
domiciliária, faz parte da autonomia tática escolher, por exemplo, se vai utilizar um martelo ou
um explosivo para fazer essa busca. Mas no caso, por exemplo, de chegar à conclusão que é
preciso usar um explosivo, aqui vai ter de pedir autorização à autoridade judiciária.

A propósito dessas relações entre autoridade judiciária, os OPC e mais precisamente sob o
princípio da investigação criminal sob garantia judicial, discute-se se há perigo da
desjudicialização da investigação criminal, ou dito de outra forma, perigo da policialização da
investigação criminal. O que é que isto quer dizer? Há certos artigos no nosso código de
processo penal e na LOIC que parecem pôr em causa a direção da investigação criminal por
parte do órgão jurisdicional, e nesse sentido põe em causa a tal dependência funcional, e um
artigo que é referido é por exemplo o artigo 2º, nº3 da LOIC, nomeadamente a sua ressalva,
que diz o seguinte: “o OPC tem competência para iniciar de imediato a investigação antes do
conhecimento do crime por parte do Ministério Público, no âmbito do artigo 260º, nº4 do CPP,
e também sempre que achar que aquele ato é necessário e urgente para assegurar os meios
de prova”. Acham que esta norma é inconstitucional ou não? Porque no fundo está a dizer que
a investigação criminal pode ser iniciada por parte do OPC imediatamente. O que uma parte da
doutrina sugere é que se faça uma interpretação restritiva deste artigo, ou seja, este artigo só
não será inconstitucional se se estiver a referir a uma figura que já conhecemos que são as

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medidas cautelares e de polícia, ou seja, o que uma parte da doutrina vem dizer é que esta
competência de iniciar de imediato a investigação tem de ser interpretada restritivamente, o
legislador só se pode estar a referir à prática de atos cautelares necessários e urgentes para
assegurar os meios de prova e preservar os meios de prova. E, nomeadamente também
significa que o OPC terá a obrigação de comunicar no mais curto prazo de tempo, sem
ultrapassar 10 dias, esse início de investigação criminal, e no final haverá uma intervenção
homologatória da autoridade judiciária. O que é que isto significa? Para esses atos serem
validados e considerados naquele processo é preciso que seja a autoridade judiciária a avaliar
a sua qualidade, e isso implica algo extremamente relevante que é esses atos terem de
obedecer ao princípio da necessidade, e nunca poderão pôr em causa direitos fundamentais
fora dos casos previstos na lei.

Mas para vermos como esta discussão é acerca do perigo da desjudicialização da investigação
criminal ou da policialização da investigação criminal está patente em várias normas, outra das
normas que se diz que pode pôr em causa este princípio está numa lei orgânica da polícia,
nomeadamente no artigo 12º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária. De acordo com este artigo,
uma autoridade de polícia criminal (APC) pode, por exemplo, ordenar realização de perícias
efetuadas por organismos oficiais, realização de revistas e buscas com exceção das
domiciliárias, apreensões de correspondência exceto a correspondência que tem lugar no
escritório de advogados, do estabelecimento hospital. Ora, mais uma vez, se este artigo não
for interpretado restritivamente estará a pôr em causa o princípio da investigação criminal sob
garantia judicial, isto é, este artigo nunca pode ser interpretado no sentido da autoridade de
polícia criminal substituir-se à autoridade judiciária.

Aula Teórica (30/09)

Nós começamos por delimitar o conceito de investigação criminal para perceber que a matéria
da prova se insere durante a investigação criminal. A investigação criminal pressupõe a
produção e a recolha de prova. Toda a matéria que o nosso legislador regula a propósito da
prova quer no código do processo penal, quer em legislação extravagante insere-se na figura
da investigação criminal, e feita pelas entidades competentes para a investigação criminal, daí
a necessidade de enquadrar a matéria da prova.

E, tal como fizemos para a investigação criminal, vamos começar pela noção de prova. O que é
que é isso da prova? Desde logo importa referir que a palavra prova tem vários significados, é
polissémica, depende do contexto em que é utilizada, portanto, de acordo com um
determinado contexto ela tem um sentido. Vamos ver os três sentidos mais comuns: primeiro,
a prova pode surgir para se referir à atividade probatória, e aqui a prova surge para indicar os
meios de obtenção de prova, portanto, a prova enquanto atividade probatória traduz-se no
ato ou atos praticados com vista à demonstração dos factos constitutivos do crime, mas como
também já sabemos e demos isso em investigação criminal, não é só os factos constitutivos do
crime, também factos que podem ser relevantes para a determinação da medida da pena, ou
para a determinação de medidas de coação, ou para averiguar as causas pessoas e reais da
prática do crime. Mas o importante é nós para já retermos a ideia de que a palavra “prova”
muitas vezes existe apenas para se referir à atividade probatória.

Depois temos a prova enquanto meio de prova, isto é, a prova aqui surge como um elemento
com base no qual os factos relevantes podem ser demonstrados.

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Em último lugar, temos a prova enquanto resultado da atividade probatória, aqui a prova é a
motivação da convicção da entidade decisória acerca da ocorrência dos factos, mas a este
propósito, isto é, a este sentido dado à palavra “prova” enquanto motivação da convicção do
julgador, é preciso ter em conta que essa convicção do julgador não é baseada apenas nos
meios de prova, ele analisa os meios de prova, como iremos ver, à luz das regras da
experiência ou à luz de regras da experiência científicas. E a este propósito da prova enquanto
motivação da entidade decisória a professora gostaria de distinguir dois conceitos: importa
distinguir a prova necessária para a motivação da convicção da entidade decisória no
julgamento (no sentido de acusação ou absolvição), da prova necessária para outras decisões
em outros momentos do processo. Exemplo: para o Ministério Público ou o JIC acusarem
importa apenas a indiciação suficiente ou, dito de outra forma, basta apenas a prova indiciária,
e o que é que é isto de prova indiciária? É uma prova que ainda não passou pelo contraditório.
Já o juiz de julgamento não se basta com a prova indiciária, ele não basta com mera
probabilidade, e por isso fala-se em prova plena, ele tem de ter a certeza moral dos factos
objeto do processo. E daqui também podemos retirar que “prova plena” neste caso (também
pode ser noutro sentido que já vamos ver) significa que foi uma prova que passou pelo
contraditório.

Já no nosso código, se formos ao Livro III dedicado à prova só distingue os meios de prova dos
meios de obtenção de prova e, portanto, só fala dos dois primeiros sentidos que foram
referidos da palavra “prova”. E temos como meios de obtenção de prova, a prova como
atividade probatória, as escutas telefónicas, as revistas, as buscas, mas têm de ter em conta
um aspeto importante, cada vez mais os meios de obtenção de prova não aparecem no código
de processo penal, aparecem na legislação extravagante. Exemplo: nós vamos estudar um
meio de obtenção de prova que é o agente infiltrado, que não está no código do processo
penal, mas sim em legislação extravagante. Outro exemplo: prova digital, que para grande
parte da doutrina esta regulada na lei do cybercrime.

Já exemplos de meios de prova: temos as declarações do arguido, as declarações da


testemunha, os documentos, etc…

Mais uma vez, quanto à matéria da prova, antes de desenvolvermos cada um dos meios de
obtenção prova e cada um dos meios de prova, importa começar por referir o fundamental,
que são os princípios. Quais são os princípios que importam quanto à prova, chamados
princípios probatórios? Um primeiro princípio já abordamos a propósito da investigação
criminal, mas vamos desenvolver que é o princípio da procura da verdade material, que se
pode opor ao princípio do dispositivo. Como sabemos o que importa no processo penal é
procurar a verdade material no sentido de realidade histórica dos factos sujeitos a julgamento,
mas essa verdade material não deixa de ser uma verdade processual, o que é que isto quer
dizer? Não há uma verdade absoluta, ontológica, mas há uma verdade histórico-prática, isto é,
uma verdade que foi possível obter, o mais próximo possível da realidade.

Mas uma coisa é certa, essa verdade material opõe-se à verdade formal, que é a verdade que
normalmente importa no direito civil. Se bem nos recordamos, no direito civil a verdade é
construída pelas contribuições das partes, chama-se a isso verdade formal, é uma verdade
conscientemente assumida como o produto do confronto entre as provas concorrentes
apresentadas pelas partes, e apreciadas pelo julgador segundo critérios probabilísticos, e é
esta verdade que vigora nos sistemas acusatórios puros (anglo-saxónico), a verdade que
interessa ao processo penal resulta do que as partes apresentarem no sistema anglo-saxónico,
o juiz não pode interferir ao contrário do que acontece no nosso direito.

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Ainda a propósito deste princípio da procura da verdade material, existe uma discussão
interessante que é a de saber se em processos penal se pode falar em ónus da prova por parte
da acusação. Pode-se ou não dizer que no processo penal a acusação tem o ónus da prova?
Parece que a acusação tem interesse em acusar, isso é verdade? É totalmente diferente, no
caso da acusação particular aí não há dúvida de que ele tem interesse em acusar, mas depois o
Ministério Público tem de secundar ou não essa acusação, mas quando é o Ministério Público
não se pode dizer que ele tenha interesse em acusar porque o Ministério Público está ali para
descobrir a verdade, seja ela qual for e, por isso, diz-se que não há a que se designa de “ónus
subjetivo da prova”, mas há uma coisa que se chama “ónus objetivo da prova”. O que é que
isto significa? Para uma parte da doutrina (por exemplo, o professor Pedro Múrias), o que se
pode dizer sobre o instituto ónus da prova é que processo penal não há o ónus subjetivo da
prova, nesse sentido de a acusação atuar no interesse de alguém, e esta parte da doutrina
entende que apesar de não haver este ónus subjetivo, existe um ónus objetivo da prova, ou
seja, cabe à acusação produzir os meios de prova de persuadir o tribunal de se ter verificado o
crime, não é ao agente, é a acusação, e nesse sentido pode-se dizer que há um ónus objetivo
da prova. Isto por causa de um outro princípio que é o princípio da presunção da inocência. Se
a arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado, se a acusação não apresentar
provas suficientes do elemento do crime, a pessoa não é acusada, e é só nesse sentido que se
deve falar em ónus da prova por parte da acusação. Mas isso não significa, e esta parte é
muito importante, que a acusação tenha o ónus subjetivo da prova, isto é, que a acusação
tenha a possibilidade de atuar no interesse de alguém. A acusação, nomeadamente o
Ministério Público, ele tem é de atuar no sentido da procura da verdade material, seja ela qual
for.

Para esta discussão não há uma resposta unânime, por exemplo, o professor Figueiredo Dias
entende que, ao contrário da opinião dada antes, nega a existência de um ónus da prova em
direito penal, por duas razões: porque o Ministério Público não tem um interesse contraposto
ao arguido (diz Figueiredo Dias) e, além disso, ele considera que utilizar a expressão ónus da
prova em processo penal significa ir buscar figuras do direito civil para o direito penal. Como é
que nós podemos rebater esta posição do professor Figueiredo Dias? Com o que foi dito há
pouco, quando o professor Pedro Múrias diz que se pode utilizar a expressão ónus da prova
em processo penal ele não está a pensar em ónus da prova em sentido subjetivo, ele está
apenas a dizer que cabe à acusação apresentar provas se as tiver, e nesse sentido tem o ónus
da prova. E, para além disso, relativamente a ir buscar figuras ao direito civil, a resposta que se
pode dar é que a figura do ónus da prova é um figura do direito em geral.

Outro aspeto importante ainda a referir a propósito deste princípio é que caso haja a tal prova,
ele também tem o ónus de persuasão, isto é, cabe à acusação sustentar as acusações de facto
que haja extraído da prova produzida, nomeadamente persuadir o tribunal.

Por último, ainda a propósito do princípio da procura da verdade material, não se esqueçam
que este princípio é muito importante por outra razão, tem a ver com caracterização do nosso
sistema de direito processual penal. É porque existe o princípio da procura da verdade
material que se pode dizer que o nosso sistema processual penal é misto. No nosso sistema
processual penal temos um sistema misto porque existe este princípio da procura da verdade
material, que implica, para além de tudo já referido, porque existe o princípio da procura da
verdade material, nomeadamente na fase do julgamento, é que se pode dizer que o nosso
sistema é misto, porquê? Porque o juiz de julgamento sempre que achar necessário pode pedir

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a produção de prova durante o julgamento, desde que considere que isto seja necessário para
a procura da verdade.

Bem, dito desta forma até parece que a defesa fica completamente desonerada de produzir
prova, acham que é assim? Não, porquê? Contraditório e, além disso, a defesa deve
apresentar meios de prova se os tiver, ela não fica desonerada de apresentar meios de prova
se os tiver, aliás, é aconselhável que o faça, portanto, o facto de existir toda este ónus objetivo
da prova por parte da acusação, o tribunal procurar a verdade material, isso não implica
necessariamente a desoneração por parte da defesa da prova, deve pedir justiça, e aí fala-se
em ónus tático por parte da defesa.

Aula OT (30/09)

Como sabemos, em qualquer matéria é importante saber os princípios porque são as metas a
atingir naquele direito / naquele tema. E a propósito da prova não existe só o princípio da
procura da verdade material, existe vários outros princípios que nos interessam, e hoje vamos
falar sobre o denominado princípio da legalidade da prova, que para grande parte da doutrina
está consagrado no artigo 125º do CPP. Se repararem, o artigo 125º do CPP tem como epígrafe
“legalidade da prova” e diz: “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”. Ora,
tendo em conta esta redação há uma parte da doutrina que invés de falar de princípio da
legalidade da prova, também refere que este artigo consagra o princípio da liberdade da
prova, porquê? Porque se são admitidas as provas que não forem proibidas por lei, isso
significa que são permitidas todas as provas que não forem proibidas por lei.

Mas aqui há várias posições na doutrina, vamos ver duas posições que a professora considera
relevantes: o professor Paulo Sousa Mendes defende que não é verdade / que esta liberdade
escolha de meios de prova que o artigo 125º do CPP dá a entender é ilusória, porque para ele
só se pode utilizar os meios de prova típicos referidos no Título II, do Livro III do CPP e
obedecer aos respetivos regimes de meios de prova e meios de obtenção de prova. Portanto,
no fundo o que ele está a dizer é que não há liberdade de escolha de qualquer tipo de prova,
há liberdade de entre os meios de prova que existem previstos na lei. Ele acha que é difícil de
imaginar meios de prova ou meios de obtenção de prova para além dos que estão previstos na
lei e, por isso, esta liberdade prova é uma liberdade de apenas escolher entre os meios típicos
que estão previstos. E já era assim que se entedia no código de 1929, era este o entendimento
dado à liberdade de prova.

Além disso, acrescenta o professor Paulo Sousa Mendes, o regime legal dos meios de prova
típicos tem de ser seguido porque visa garantir a máxima credibilidade dos mesmos, e por isso
eu não posso introduzir novas regras dentro dos meios já previstos na lei.

Já o professor Pedro Soares de Albergaria considera que existe esta liberdade e que ela deve
ser entendida no sentido de abertura do sistema, isto é, para o professor Pedro Soares de
Albergaria (tem a sua opinião descrita no comentário ao código do processo penal) diz que
existe o princípio da liberdade da prova, ao contrário do que defende o professor Paulo Sousa
Mendes, e tem dois sentidos: primeiro, há liberdade de escolha de meios de prova e meios de
obtenção de prova para além dos previstos na lei, porque há uma incapacidade por parte do
legislador de antecipar os desenvolvimentos técnicos e científicos aplicáveis à tarefa da
procura da verdade material. O que ele nos esta a dizer é que o legislador não pode prever
todos os meios de prova possíveis e imaginários porque a realidade muitas vezes vai à frente

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do direito. Mas acrescenta que essa liberdade de ir buscar meios atípicos de prova está
delimitada por exigências de legalidade da prova e, além disso, a possibilidade da utilização de
meios atípicos de prova é subsidiária, o que é que isto quer dizer? Ele considera que só se deve
utilizar meios atípicos se não possível a partir de meios típicos alcançar aquela prova. E o que é
que ele quer dizer com a liberdade de escolha de prova, nomeadamente de meios atípicos,
está delimitada pela exigência da legalidade prova? Ele no fundo está a dizer que esta abertura
a novos métodos de aquisição de prova não é ilimitada, e é por isso que o nosso legislador
invés de ter posto na epígrafe “liberdade da prova” meteu “legalidade da prova”. Por isso, a
necessidade da legalidade da prova delimita os meios atípicos que podem ser admitidos. E a
prova é desde logo o artigo 126º do CPP, se nós repararmos, o nosso legislador no artigo 126º
do CPP diz “métodos proibidos de prova”, portanto, eu não posso escolher um meio atípico de
prova que vá contra uma certa legalidade que decorre do artigo 126º do CPP que diz que
quando se violam certos direitos a prova é proibida. Portanto, essa liberdade de escolha tem
limites estabelecidos pela legalidade da prova.

Aliás, para além do artigo 126º do CPP, o juiz Pedro Soares de Albergaria diz que há meios de
prova e meios de obtenção de prova que são proibidos só porque não estão previstos na lei, e
quando é que isso deve acontecer? Quando eles impliquem uma restrição sensível de direitos
fundamentais, à luz do artigo 18º, nº2 da CRP. À luz deste artigo só se pode restringir direitos
fundamentais quando se revelem indispensáveis para a tutela jurídica de outros direitos
fundamentais. Ora, se se trata de um meio de obtenção de prova ou um meio de prova que
restringe sensivelmente direitos fundamentais, à luz do artigo 18º, nº2 e nº3 da CRP eles têm
de estar previstos na lei, e tem de se demonstrar indispensável para a descoberta da verdade.

Por isso, no fundo, o que este juiz vem propor é: há mais atípicos admissíveis e há meios
atípicos não admissíveis.

Mas ele acrescenta outro aspeto também relevante (outro sentido): ele vem dizer que esta
liberdade também significa que mesmo no caso de se tratar meios típicos previstos na lei, tal
não significa que o legislador possa escolher qualquer meio de prova se ele não estiver talhado
para alcançar certo resultado cognoscitivo. O que é que ele quer dizer com isto? Mesmo
quando se trata de meios típicos, há uma liberdade, mas eu não posso escolher uma meio de
prova para alcançar o resultado que normalmente é atribuído a outro meio de prova. Exemplo:
quando for preciso prova pericial, eu não posso ir buscar a prova documental ou testemunhal
para alcançar o resultado da prova pericial. Portanto, esta é uma interpretação que ele dá à
liberdade de escolha dos meios típicos. E também acrescenta que eu não posso lançar mão de
um meio atípico de obtenção de prova para alcançar um fim que é perseguido por um meio
típico. Esta ideia está relacionada com aquela ideia de subsidiariedade que já falamos.
Exemplo: os OPC fazem muitas vezes vigilâncias do suspeito com vista à obtenção de meios
probatórios, e reduzem essas vigilâncias em autos, e ele diz que não há nada de errado neste
meio de obtenção de prova atípico, mas o que eu não posso pretender é atribuir a esse auto o
valor de prova testemunhal.

Por último, como nota, mas também muito importante e está implícito no que ele refere
quando diz que apesar de haver a possibilidade de meios atípicos de prova eu tenho que
mesmo assim respeitar a legalidade, quer na lei processual penal, quer na Constituição, esses
meios atípicos de prova estão sujeitos ao princípio da proporcionalidade e da adequação,
como estão todos os típicos.

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Mas além deste princípio da liberdade da escolha de prova, há outra liberdade também muito
importante ao nível da prova que é o princípio da livre apreciação da prova, e que está
consagrado no artigo 127º do CPP, e que também tem dois sentidos: por um lado, significa
que a prova é apreciada segundo as regras da experiência, e por outro lado, que a prova é
apreciada segundo a livre convicção da entidade competente.

Vamos começar pelo primeiro sentido: este sistema da prova livre segundo o qual a prova é
apreciada segundo as regras da experiência opõe-se ao chamado sistema da prova legal, em
que / onde o valor a atribuir às provas estava previamente fixado em regras legais.
Antigamente, no nosso sistema jurídico, vigorava o sistema da prova legal, isto é, o valor que
podia-se atribuir a determinada prova era fixado pela lei. Atualmente não, atualmente vigora
este sistema da livre apreciação da prova, isto é, a prova vai ser apreciada de acordo com as
regras da experiência.

Além disso, o princípio da livre apreciação da prova também significa (tal como foi dito tem
dois sentidos) que a apreciação prova deve ser feita de acordo com a íntima convicção do juiz,
mas aqui é preciso termos cuidado. Quando se diz que há uma livre convicção do juiz não
significa que possa haver arbitrariedade por parte do juiz, porque o juiz quando aprecia a
prova e chega a uma determinada decisão, ele vai ter de fundamentar, ele não pode fazer uma
decisão arbitraria, ele vai ter de fundamentar à luz de critérios controláveis, portanto, apesar
de ser de acordo com a íntima convicção, também tem de ser uma convicção fundamentada, e
por isso mesmo é possível controla-la pelos tribunais superiores se houver recurso.

Como é que o juiz normalmente fundamenta as suas decisões? Fundamenta utilizado os meios
de prova existentes e analisando esses meios de prova à luz da regras da experiência que ele
aplica àqueles meios de prova em concreto e, por isso, a sua convicção tem de uma convicção
“beyond reasonable doubt” (para além da dúvida razoável), tem de ser fundamentada nessas
regras da experiência que ele se serviu para avaliar os meios de prova existentes.

A propósito das regras da experiência, há dois tipos de regras da experiência: há as regras da


experiência comum, que são máximas generalizações que se retiram do que geralmente
ocorre; e há regras da experiência que já são regras da experiência técnicas, isto é,
conhecimentos técnicos que são património cultural do homem médio, mas que não são
necessariamente apreensíveis pelo homem comum.

Mas como nós também já sabemos, há certas provas que têm valor reforçado, o que é que isto
quer dizer? Há certos meios de prova com valor especial, e que não são mais do que regras da
experiência comuns, às quais o legislador deu forma legal. Exemplo: prova pericial, porque é
uma regra da experiência comum que quando é um especialista do assunto a falar sabe melhor
do que ninguém emitir juízos acerca daquela matéria, e porquê que tem um valor reforçado?
Porque o juiz quando precisa de prova pericial, para não aceitar essa prova pericial (vamos
supor que ele não concorda que o perito fez), ele vai ter de se fundamentar, e ou sabe sobre a
matéria em causa, ou tem de pedir uma segunda opinião. Portanto, aqui é o próprio legislador
a dar forma legal a certas regras da experiência comum. Outro exemplo de uma prova de valor
reforçado: quem confessa, por norma, fala a verdade, é também uma regra da experiência
comum. Mas, e aqui é preciso ter em atenção, que o facto dessas provas de valor reforçado
não significa que se acabe com a livre apreciação da prova, porque como foi referido, o juiz
não fica vinculado a essas provas, ele pode se quiser fundamentar que não acredita, no
exemplo da confissão, na liberdade de decisão de quem confessou ou na veracidade dos factos
de quem confessou, ou da veracidade de um certo documento. Portanto, o facto de ser prova

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de valor reforçado não significa necessariamente anular o princípio da livre apreciação da
prova, significa sim que aquelas provas têm um valor especial num determinado contexto.

Aula Teórica (06/10)

Como sabem estamos neste momento na parte dos princípios da prova, e na última aula
falamos sobre um princípio fundamental / uma das liberdades fundamentais ligadas à prova
que é o princípio da legalidade da prova, e essa legalidade da prova implica, para grande parte
da doutrina, uma liberdade na escolha dos meios de prova, quer os previstos na lei, quer os
que não estejam previstos na lei, portanto, com este princípio é admitida face à nossa ordem
jurídica a possibilidade de meios atípicos, e nós vimos que há várias posições na doutrina
quanto a este problema. Por exemplo, o professor Paulo Sousa Mendes considera que esta
liberdade de escolha dos meios de prova e dos meios de obtenção de prova é ilusória porque
na realidade a pessoa só pode escolher entre os meios típicos (que já estão previstos), de
acordo com o que ele pensa não existem mais meios para além daqueles que já estão
previstos na lei.

Mas, por exemplo, o juiz Pedro Soares de Albergaria, e a professora acha que tem alguma
razão, e vem dizer que tendo em conta os avanços tecnológicos e científicos que têm existido
na nossa sociedade, é impossível o legislador ter capacidade de abarcar todos os meios de
obtenção de prova e todos os meios de prova possíveis e imaginários e, por isso, há esta
liberdade de escolher meios inominados / atípicos, desde que esses meios atípicos não violem
a lei, e é essa a limitação.

Depois ele também acrescenta um aspeto interessante, esta liberdade de escolher um meio de
obtenção de prova e um meio de prova implica escolher um meio de obtenção de prova
talhado para aquele resultado, o que é que isto quer dizer? Exemplo: prova pericial que
falamos na aula anterior. Isto também implica, por exemplo, que eu não possa escolher um
meio atípico quando já há um meio típico para obter o resultado que eu quero.

Qual é o outro princípio, para além do princípio da liberdade de escolha de prova, e que está
também ligado ao princípio da legalidade? O outro princípio é o princípio da apreciação da
prova. Este princípio está consagrado no artigo 127º do CPP, e este tem exatamente como
epígrafe “livre apreciação da prova”, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é
apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Ora
bem, deste princípio resultam para já duas ideias: que na nossa ordem jurídica vigora o
sistema da prova livre e, por outro lado, também não vigora o sistema do numerus clausus.
Dito de uma maneira mais clara: vigora o sistema da prova livre e vigora o sistema em que o
sentido a atribuir à prova é fixado livremente pelo seu julgador.

Vamos começar pela primeira ideia, sistema de prova livre: o que é que isto significa? Significa
que o valor a atribuir a uma prova não está previamente fixado por regras legais, é fixado
(como diz o nosso legislador no artigo 127º do CPP) de acordo com as regras da experiência,
portanto, a entidade competente vai analisar o meio de prova que tem ao seu dispor, à luz das
regras da experiência, não é a lei que lhe diz o valor a atribuir àquele meio de prova. E isso
acontecia antigamente. Na evolução do nosso processo penal vigorou o sistema da prova legal,
o que é que isto significava? As provas tinham um valor fixo em função de certas fórmulas, era
a lei que dizia como é que deviam ser interpretadas certas provas previamente. Atualmente

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não, vigora este sistema da prova livre, a prova é interpretada de acordo com as regras da
experiência pela entidade competente.

Mas como dito, para além dessa liberdade no sentido de ausência de critérios legais pré-
determinados do valor a atribuir à prova, o princípio da livre apreciação da prova também
significa que a apreciação da prova é feita de acordo com a autonomia e íntima e livre
convicção do juiz. E aqui é preciso ter em atenção o seguinte: quando se diz que a avaliação da
prova é feita de acordo com a íntima e livre convicção do juiz, isto não significa que o juiz
possa avaliar a prova arbitrariamente, ele pode avaliar a prova de acordo com a sua livre
convicção, mas tem de fundamentar, e ele vai ter de fundamentar em critérios objetivos
controláveis, nomeadamente as regras da experiência, ele vai ter de avaliar e fundamentar
porquê que avalia a prova daquela forma. Só assim é que uma decisão pode ser controlada ou
controlável por um tribunal superior.

Como foi dito, o juiz para apreciar a prova e fundamentar a sua decisão, ele recorre não só a
regras da experiência comuns, o que é que isto quer dizer? Máximas ou generalizações que se
retiram geralmente de certos factos que toda a gente conhece, mas também ele pode recorrer
a regras de experiência técnicas que são já conhecimentos técnicos que pertencem ao
património cultural do homem, mas que há não pertencem ao conhecimento do homem
comum. A professora considera que fazem parte destas regras da experiência técnicas o que
agora se chama com alguma ambiguidade de provas científicas.

Ainda a propósito deste princípio da liberdade da apreciação da prova, como nós iremos ver,
há certas provas que têm um valor reforçado, nomeadamente, podemos enumerar três: prova
pericial (artigo 163º do CPP), prova documental por documento autêntico ou autenticado
(artigo 169º do CPP), e declarações do arguido (nomeadamente a confissão). Ora, estas provas
têm valor especial, não são mais do que regras da experiência comuns, às quais o legislador
deu forma legal. Por exemplo: é uma regra da experiência comum que os peritos sabem
melhor do que o cidadão comum emitir juízos sobre as áreas da sua especialidade, e é por isso
que esta prova tem valor reforçado, mas quando se diz valor reforçado já vamos ver que não
significa que é um valor absoluto, têm valor reforçado. Outra regra da experiência comum à
qual o legislador dá forma legal: em princípio merecem crédito os factos que foram
testemunhados por uma entidade credencial que lavrou um documento. E, por último,
também quem confessa, por norma, fala a verdade. E é por isso que estas três provas têm um
valor reforçado. No fundo, o valor reforçado resulta do próprio legislador dar forma legal às
regras da experiência que se aplicam na sua avaliação, e o professor Paulo Sousa Mendes até
pergunta se isto significa voltar ao sistema da prova legal. Mas ele logo a seguir diz que isto
não significar voltar ao sistema da prova legal, porquê? Porque essas regras, essas provas de
valor reforçado, são aplicadas e varia a sua aplicação consoante o caso concreto que temos em
mãos, até porque o valor dessas provas é técnico (ou término, não percebi o que ela disse),
porquê? Porque para já não vale como prova pleníssima, nem vale como prova plena, o que é
que isto quer dizer? Uma prova que tenha valor de prova pleníssima é uma prova que não
admite prova em contrário, que não é o caso. Uma prova que tem o valor de prova plena é
uma prova que só pode ser afastada mediante prova em contrário, que também não é o caso.
A única coisa que este tal valor reforçado dá é dar-lhes o valor de prova bastante.

Portanto, o que é que isto quer dizer? Se, por exemplo, houver uma confissão e o juiz
desconfiar da liberdade de decisão por parte do confessor / arguido, se ele suspeitar do
caráter livre da confissão, ele pode não ter em conta aquele tipo de prova. É óbvio que tem de
fundamentar porquê que não acha que há caráter livre, mas pode não ter em conta.

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Quanto à prova pericial, o juiz pode se quiser não adotar o juízo pericial que resulta do perito?
Nós sabemos que a própria prova pericial tem valor reforçado, porque esta demonstrado que
quando alguém especialista numa matéria e faz um juízo sobre uma determinada matéria de
facto, em princípio sabe mais do que a generalidade das pessoas. Tendo em conta o que foi
dito agora sobre o que significa valor reforçado, se o juiz não concordar com o juízo feito pelo
perito, pode não acatar esse juízo e não ter em conta essa prova pericial? Sim, mas tem de
eventualmente ouvir outro perito sobre o assunto.

Este princípio da livre apreciação da prova vale para todo o processo penal, isto é, vale para
todos os órgãos da administração da justiça penal (aplica-se ao Ministério Público, aplica-se ao
JIC, e ao juiz de julgamento).

Vamos passar a outro princípio que é o princípio in dubio pro reu, que significa que um non
liquet, o que não está claro na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do
arguido. Tudo que não estiver claro em matéria de prova tem de ser valorado a favor do
arguido. Mas uma coisa nós temos de saber a propósito deste princípio que é muito
importante, este princípio só diz respeito à prova de questão de facto, portanto, só quando o
juiz ou a entidade que naquele momento está a avaliar a prova estiver em dúvida sobre um
pressuposto de facto da decisão, é que pode valorar a favor do réu. Se, por exemplo, o juiz
tiver uma dúvida de direito, nomeadamente que tipo de interpretação se deve dar a certa
norma, já não se aplica este princípio, aí o que é que vai acontecer? Tem de julgar, mas não
tem de ir buscar a interpretação que for mais favorável ao arguido, ele tem de interpretar de
acordo com o que ele acha que é correto, não se aplica o princípio in dubio pro reu, este só se
aplica quando estão em causa questões de facto. Este princípio está relacionado com outro
princípio fundamental do processo penal que é o princípio da presunção da inocência, porque
se se presume que o arguido é inocente até ao trânsito em julgado, sempre que houver uma
dúvida de facto, temos de decidir a favor do réu. A condenação, se isto não fosse decidido a
favor do réu, significar inserir um ónus da prova ao réu, e nós sabemos que ele não tem.

Este princípio da presunção da inocência também pode ser considerado deprecie (?) um
princípio de prova, o que é que isto quer dizer? De acordo com princípio da presunção da
inocência aplicada à matéria da prova, uma acusação só se pode transformar em condenação
quando se provarem todos os pressupostos para a aplicação da lei penal. Se faltar um desses
pressupostos ou houver dúvida em relação a um desses pressupostos, decide-se a favor do
arguido, e isso não resulta do in dubio pro reu, resulta da presunção da inocência. É preciso
termos em atenção que este princípio da presunção da inocência em relação à prova é um
princípio internacional, não existe só na nossa ordem jurídica, ele está plasmado em várias
convenções internacionais. Exemplo: artigo 11º da Declaração Universal dos Direitos
Humanos; artigo 6º, nº2 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; e artigo 14º, nº2 do
Pacto Internacional dos Direitos Humanos.

Aula Teórica (07/10)

Hoje vamos aprofundar o princípio da imediação, princípio do contraditório, e depois vamos


falar sobre o objeto da prova.

Vamos então para o princípio da imediação: a imediação traduz-se na utilização dos meios de
prova originais, mas também significa o contacto direto com a prova por parte do órgão
legalmente competente, isto é, os sujeitos processuais devem conhecer direta e pessoalmente

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as provas para obterem uma visão conjunta dos fundamentos de facto que resulta da análise
da prova. E este princípio aplica-se predominantemente na fase do julgamento, precisamente
na audiência de julgamento. Na audiência de julgamento, o julgador tem de ter contacto
direto com as provas (artigo 355º do CPP), só excecionalmente quando for impossível a
receção direta da prova por parte do tribunal é que pode ser admitida uma prova indireta (já
vamos ver que aqui “prova indireta” tem vários sentidos) e aqui significa no sentido de não ter
sido recebida diretamente pelo juiz. Por exemplo: há um ato processual que o juiz não tem
acesso / contacto direto, mas é permitida a leitura em audiência desse ato processual.

Mas como referido logo no início, apesar deste princípio ter uma importância maior na fase do
julgamento, ele também tem importância noutras fases e a base legal são algumas artigos:
artigo 128º, nº1, artigo 129º, artigo 130º, artigo 140º, nº2, e artigo 145º, nº3 do CPP . Na
instrução, ao contrário do que se passa em julgamento, podem valer as provas obtidas em fase
anterior, nomeadamente no inquérito, e só serão repetidas as diligências de prova no caso de
não se terem observado as formalidades legais na obtenção de prova no inquérito (artigo
291º, nº3 do CPP).

Depois há uma discussão que já chegou ao Tribunal Constitucional, que é a de saber se pode
valer a prova documental que não é lida em audiência de julgamento. Bem, em princípio,
tendo em conta o princípio agora referido, nós devíamos dizer que não há contacto direto,
pois se ele não é lido na audiência de julgamento não há contacto direto com a prova. Mas o
que é que o Tribunal Constitucional veio dizer? O Tribunal Constitucional, e a professora
percebe porquê, tem decidido que a formação da convicção do tribunal com base em
documentos constantes dos autos que não foram lidos nem explicados em audiência de
julgamento, eles continuam a poder ser tidos em conta porque, na verdade, não há violação
do princípio do contraditório, porque todas as partes / sujeitos processuais envolvidos têm
acesso àqueles documentos e, portanto, se quiserem exercer o direito ao contraditório,
podem exercer, não é preciso o documento ser lido para poder ser exercido o princípio do
contraditório. O que é que isto quer dizer? A defesa pode sempre contrariar a admissão
daquele documento em audiência de julgamento, e é por isso que o Tribunal Constitucional
tem decidido que não põe em causa nem o princípio do contraditório, nem o princípio da
imediação.

Mas, por exemplo, o professor Germano Marques da Silva considera que a não leitura dos
documentos em audiência de julgamento viola o princípio da publicidade.

Isto depois em prática tem uma grande consequência, porque como podemos imaginar, se nós
tivéssemos de ler todos os documentos que são prova em audiência de julgamento, a
audiência de julgamento pode ser interminável, e isso não é recomendável.

Outro princípio, também muito relevante, princípio do contraditório: este princípio é


fundamentalmente aplicado à produção e valoração da prova na audiência de julgamento
(artigo 32º, nº5 da CRP), e traduz-se na estruturação da audiência de julgamento em termos
de um debate, ou uma discussão, entre a acusação e a defesa, tendo como intermediário o
juiz. Portanto, quer a acusação, quer a defesa, são chamadas a deduzir / invocar as razões de
facto e de direito, e oferecer as suas provas que fundamentem as suas razões de facto e de
direito, mas também têm a possibilidade de controlar as provas contra si oferecidas,
nomeadamente discutir o valor e o resultado dessas provas. Isto é que é o princípio do
contraditório, é dar a cada um dos sujeitos processuais a possibilidade de, por um lado,
apresentar as suas provas, e por outro, controlar as provas que são oferecidas contra si, e é

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por isso que se diz que a audiência de julgamento é um debate / discussão entre a acusação e
a defesa (artigo 327º, nº2 do CPP).

Já na fase da instrução, a lei só subordina ao princípio do contraditório o debate instrutório, e


esta sujeito ao princípio do contraditório a produção de prova no debate instrutório ( artigo
301º, nº2 do CPP), e também eventualmente quando houver um incidente ou um meio de
prova (que nós vamos referir, mas não vamos desenvolver) que são as chamadas declarações
para memória futura (artigo 294º e artigo 271º do CPP). O que é que são declarações para
memória futura? São determinados sujeitos, que devido à natureza do crime, por exemplo se
for um crime de natureza sexual, se for um menor, muitas vezes a prova foi uma declaração
memória futura, ela não tem de estar presente no momento da produção da prova, é filmada
aquela declaração e, no fundo, o que se visa é antecipar a produção da prova que
previsivelmente não pode ser produzida em audiência, devido a várias razões.

Ora bem, acabamos os princípios, vamos passar a outra matéria que é o objeto da prova. Face
ao artigo 124º do CPP, podem ser objeto de prova todos os factos juridicamente relevantes
para estabelecer, primeiro, a existência de um crime, segundo, a punibilidade do arguido, a
medida da pena, e caso seja também pedida indemnização civil e esteja a ser julgada junto
com o processo penal, os factos relevantes para estabelecer a determinação da
responsabilidade civil. E, como vamos poder ler nos vários manuais, fala-se em tema da prova
para se referir a todos estes factos que é preciso demonstrar e provar.

Que factos é que são juridicamente relevantes para demonstrar a existência de um crime?
Todos os factos, que nós já sabemos, que são importantes fixar para saber se o agente
praticou uma ação, se essa ação é típica, se é ilícita, culposa e punível, todos esses factos são
relevantes para estabelecer não só a existência de um crime, como a atribuição desse crime ao
agente. Mas não só esses factos, depois também é preciso aqueles factos relativos à
determinação da medida da pena e, como sabemos, para a determinação da medida da pena,
entre outros fatores como o grau da ilicitude e o grau de culpa, temos de ter em conta que
matéria? As causas económico-sociais e pessoais, porquê? Vai ajudar a determinar a medida
da pena, à luz de que teorias? Dos fins das penas. No fundo, o que se quer dizer é que é
preciso determinar factos que ajudam na determinação da medida da pena e muitos desses
factos estão relacionadas com as teorias dos fins das penas.

Quando se diz que faz parte do objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para
estabelecer a medida da pena, não se esqueçam que muitas das vezes não é para estabelecer
a medida da pena, pode ser às vezes para estabelecer a medida de segurança, porque como
sabemos, por vezes aplica-se uma medida de segurança, e isso acontece quanto o agente for
considerado inimputável, e normalmente para se provar a inimputabilidade recorre-se à prova
pericial.

Outro aspeto importante: os factos a provar podem ser os factos que formam o objeto do
processo, mas também podem ser os factos com base nos quais se pode inferir a existência de
factos que constituem um objeto do processo, e mais uma vez aqui pode-se falar em prova
indireta, mas noutro sentido daquele que se falou há pouco, é indireta porque nós a partir da
prova de certos factos conseguimos inferir outros factos, e isto normalmente aplica-se a que
prova do elemento do crime? Quais são aqueles factos que não podem ser provados
diretamente e que é preciso fazer prova de certos factos para inferir esses factos? A culpa, em
que sentido? Não é só a relação mental do sujeito com o direito. Também muitas vezes para
inferir se há dolo ou negligência, todos os elementos subjetivos do crime não podem ser

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provados diretamente, só se podem provar até de elementos objetivos, e é por isso que se diz
que a prova é indireta nesses casos, porque eu através da prova de factos objetivos exteriores
consigo inferir factos interiores.

Ainda a propósito dos factos que se têm de provar em tribunal, é de referir que também há
outra distinção que se faz entre factos principais e factos acessórios. O que é que os distingue?
Os factos principais são aqueles que são condicionantes da decisão e, por isso, pressupostos da
aplicação da lei penal. Já a prova de factos acessórios é quando nós nos estamos a referir a
factos que se referem à força probatória de certos meios de prova usados no processo.
Exemplo: factos relativos à credibilidade de testemunha, é um facto que tem de ser
demonstrado e é acessório.

Outro aspeto importante: há o direito à prova. Quando se fala em prova nós temos de ter a
noção que traduz-se num direito, no sentido de todos os sujeitos processuais têm a faculdade
de participar ativamente na produção da prova, quer requerendo a sua admissão, quer
participando na sua produção. No caso do arguido, esse direito à prova recorre de quê? De
que direito? Direito à defesa. No caso da acusação esse direito à prova recorre de quê? Do
princípio da presunção da inocência, que desse princípio decorre que se a acusação não
demonstrar que o arguido é responsável, presume-se inocente por falta de prova. Por fim, os
tribunais têm também direito à prova, com base em que fundamento? Procura da verdade
material, princípio da investigação.

Ainda a propósito deste direito à prova importa referir que consoante a fase do processo, a
prova pertence a determinados sujeitos processuais. Na fase do inquérito, a produção da
prova pertence predominantemente ao Ministério Público, mas como vamos ver, muitas vezes
tendo em conta a intrusão que aquele meio de prova tem num direito fundamental, o JIC tem
de autorizar essa produção de prova. Também é de acrescentar que durante a fase do
inquérito, o arguido pode requerer também a produção de prova ao Ministério Público, que
podem ao não ser aceites pelo Ministério Público, mas é um princípio muito limitado,
especialmente se o processo estiver em segredo de justiça.

Na fase de instrução, todos os sujeitos processuais podem oferecer provas, mas o juiz não está
vinculado à sua admissão, tem o poder de escolher as que queira admitir (artigo 291º do CPP).

Na fase de julgamento, competente quer à acusação, quer à defesa, apresentar meios de


prova para as suas alegações de facto. E também podem recorrer ao tribunal prova, e o
tribunal se quiser pode recusar essa produção de prova se considerar que ela é supérflua,
inadequada ou tem natureza meramente dilatória, o que é que isto quer dizer? Ele percebe
que aquele pedido de produção de prova é só para atrasar o processo (artigo 340º, nº3 e nº4
do CPP).

Aula OT (07/10)

Análise dos acórdãos de 13/04/2016 (TRL) e de 07/10/2008 (TRE) sobre o Sistema de


Posicionamento Global (GPS):

Uma das grandes discussões que existe na doutrina é quando um meio de prova é utilizado por
um particulado, se está sujeito ou não ao mesmo regime a que está sujeito os meios de prova
utilizados por OPC’s. Neste caso não era a empresa, era mesmo o assistente.

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Mas independentemente dessas questões, tendo em conta o que já lemos, para já com que
princípio é que isto está relacionado? Princípio da legalidade da prova, e o subprincípio da
legalidade da prova que é o princípio da liberdade da prova, ou seja, pode ou não haver meios
atípicos de prova? Se repararmos, nos dois casos os dois juízes estão de acordo que este meio
não está previsto na lei. E é ou não possível um meio atípico? Sim.

À luz do acórdão de 2008, qual foi a fundamentação do juiz para diz que era admissível o GPS?
Não está previsto, mas se não se proibi é porque é admissível, portanto, o raciocínio do juiz,
neste caso, é exatamente quando ele refere “não obstante nada regulamentou sobre a sua
utilização, nem os proibiu”, como não os regulamentou nem os proibiu, face ao artigo 125º são
admissíveis.

Depois diz: “certo que no nº3 deste último preceito legal se estabelece que são nulas, não
podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada. Mas o ter a
autoridade policial no decurso de um inquérito criminal acesso à informação de onde está a
cada momento um determinado veículo automóvel, não pode ser visto como uma intromissão
na vida privada de quem vai nesse veículo, pois que o GPS é um aparelho surdo e cego no
sentido de que não escuta as conversas dos ocupantes do carro, nem identifica quem lá vai e o
que estão a fazer, apenas informa aonde está o veículo, circunstância que é visível a olho nu
para quem olhe para o carro e passar lhe vê a matrícula”.

Portanto, a argumentação é, por um lado, o que não é proibido é permitido, e por outro, não
está aqui em causa a vida privada.

Ora, o que é que o segundo acórdão diz? Que há uma violação da vida privada, ou seja,
delimitada de uma forma totalmente diferente o direito fundamental que é a vida privada, e
diz no ponto XXII: “O conceito de vida privada é amplo e embora seja insuscetível de uma
exaustiva definição, o seu conteúdo «vai para além dos estreitos limites inerentes à ideia
anglo-americana de privacidade, que põe a ênfase no secretismo da informação pessoal e no
recato do ato», abrangendo muitos âmbitos que extravasam a habitação e os domínios
privados, atingindo mesmo «a zona de interação de uma pessoa com os outros, mesmo num
contexto público»”.

De acordo com este juiz, o conceito de vida privada, o direito fundamental de direito à
intimidade da vida privada tem esta âmbito e esta delimitação, ele acrescenta que só é
admissível se pedir autorização, basta autorização? Não, se houver razões para achar que é
indispensável para a descoberta da verdade, e nos casos previstos na lei (artigo 18º da CRP),
portanto, se um meio atípico interfere de forma grave num direito fundamental, tem de estar
previsto na lei, não pode ser atípico, é essa a fundamentação.

O que é para perceber é que não é linear a leitura do artigo 125º do CPP. Este diz que são
permitidas todas as provas que não são proibidas, mas temos que interpretar o que é que o
legislador quer dizer com isso, ou seja, se surgir um meio de prova atípico nós não dizemos
logo que é admissível porque não é proibido, temos de saber se aquele meio atípico restringe
ou não direito fundamentais, porque se restringe direitos fundamentais há reserva de lei, têm
de estar previstos na lei.

A professora acha que o GPS restringe a intimidade da vida privada, saber onde andamos.

Se fossemos pela opinião do professor Paulo Sousa Mendes a resposta seria simplesmente
“não, porque só se pode escolher entre meios típicos”.

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Aula Teórica (13/10)

Hoje vamos iniciar uma matéria extremamente relevante que é a matéria das proibições de
prova, que como nós já sabemos é uma figura que demonstra claramente que há limites ao
princípio da procura da verdade material. Há outras figuras que também demonstram esses
limites, mas sem dúvida que as proibições de prova são a manifestação mais relevante aos
limites do princípio da procura da verdade material.

Podemos começar por ver no código do processo penal, em que artigos está esta figura.
Podemos, desde logo, abrir no artigo 125º do CPP. Se olharmos para o artigo 125º do CPP que
consagra o princípio da legalidade da prova e que também está relacionado com o princípio da
liberdade de prova, mas o legislador diz o seguinte: “são admissíveis as provas que não forem
proibidas por lei”, portanto, é sem dúvida o primeiro artigo do código do processo penal que o
nosso legislador releva que só se podem usar aquelas provas que não forem proibidas por lei.

Mas a figura das proibições de prova também aparece na Constituição, mas já não aparece de
forma tão clara, nomeadamente no artigo 32º, nº8 da CRP, o nosso legislador diz o seguinte:
“são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa à integridade física ou
moral da pessoa, abusa intermissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
telecomunicações”.

Logo a seguir, também temos de ter em atenção quanto a esta matéria o artigo 126º do CPP,
que tem exatamente como epígrafe “métodos proibidos de prova”, e embora a utilização de
métodos proibidos de prova gere provas proibidas, nem sempre a prova proibida advém de
métodos proibidos de prova. Como nós iremos ver, há provas que são proibidas porque os
meios de prova são proibidos, ou seja, há provas que são proibidas tendo em conta o modo de
obtenção, e são essas por norma que estão proibidas no artigo 126º do CPP, mas há provas
que são proibidas porque o próprio meio de prova é proibido, ou porque o legislador não
permite a valoração daquela prova, apesar ter sido obtida por meio legalmente admissível.

Exemplo: nós vamos ver que uma das provas ainda mais relevantes no nosso processo penal é
a prova testemunhal, e há uma figura que é o depoimento indireto, o que é que isto significa?
É depoimento baseado não no que a testemunha se apercebeu diretamente dos factos que
constituem objeto de prova, mas é um depoimento baseado em meios de prova relativos a
factos que interessam ao objeto da prova. Ora bem, e é por isso que nós vamos também ouvir
falar dentro da prova testemunhal de uma figura que se chama testemunho do ouvi dizer. Ora,
de acordo com o artigo 129º, nº3 do CPP, que diz: “não pode em caso algum servir como meio
de prova o depoimento de quem recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a
fonte através das quais tomou conhecimento dos factos”, portanto, isto é para vos dar o
exemplo de que há situações em que o meio de obtenção de prova é legal, mas se se
verificarem determinadas circunstâncias a prova não pode ser valorada e é considerada
proibida.

Vamos começar por falar nas divisões que existem por parte da doutrina quanto ao tipo de
proibições de prova que existem. Uma primeira divisão é entre proibições de produção de
prova e proibições de valoração de prova. Em princípio, as proibições de produção de prova
geram proibições de valoração de prova, mas há proibições de valoração de prova estranhas à
existência de qualquer vício anterior à produção da prova.

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Mas para além desta divisão, que é talvez a mais unânime na doutrina, há outra divisão:
primeiro, proibições de métodos de modos de investigação, estas proibições estão referidas no
artigo 126º, nº1 e nº2 do CPP, e também estão referidas no artigo 32º, nº8 da CRP [tortura,
coação, a ofensa à integridade física ou moral da pessoa, etc…, mas há exemplos que não
estão aqui expressos que é por exemplo o meio de obtenção de prova enganoso, artigo 126º,
nº2, alínea a) do CPP]; segundo, proibições de meios de prova, aqui já não se está a falar em
proibições de métodos de obtenção de prova, de métodos de investigação, aqui o que é
proibido é que certos instrumentos probatórios sirvam como meios de prova (exemplo: ao
nível da prova testemunhal, nós vamos aprender que as pessoas referidas no artigo 134º do
CPP podem-se recusar a depor, ora bem, essas pessoas podem ser advertidas dessa faculdade
pela entidade competente para receber o depoimento. Se não forem advertidas, a prova é
nula, e este meio é considerado proibido); terceiro, proibições de tema de prova, isto é, há
certos factos que não podem ser objeto de prova (exemplo: se aquele facto objeto daquele
processo penal for um facto sujeito a segredo de estado, não pode ser objeto de prova, o que
é que isto quer dizer? As entidades não podem inquirir a testemunha sobre esse facto, é uma
proibição que se impõe ao próprio tribunal, a não ser que possa haver quebra de segredo, mas
isso é uma exceção, artigo 137º do CPP); por último nesta qualificação, temos as chamadas
proibições relativas de prova, que resultam da violação de regras aplicáveis à obtenção de
provas, como iremos ao estudar os meios de obtenção de prova e os meios de prova, as provas
para serem produzidas têm de se verificar determinados pressupostos, têm de feitas por
determinadas entidades, têm de observar um certo ritualismo, ora, sempre que a violação
dessas regras não couber em nenhum dos tipos de prova que foi referido atrás, pode resultar
que essa violação dessas regras seja considerada também uma proibição de prova.

Ainda quanto às classificações que existem a propósito das proibições de prova. Quanto ao
primeiro tipo de proibição, isto é, proibição dos métodos de obtenção de prova e de
investigação, que estão previstas no artigo 32º, nº8 da CRP e artigo 126º do CPP, pode
também fazer-se uma distinção: há as provas absolutamente proibidas, e essas estão referidas
no artigo 126º, nº1 e nº2 do CPP, e depois temos as provas relativamente proibidas, que estão
referidas no artigo 126º, nº3 do CPP. Qual é a diferença? As absolutamente proibidas, como o
próprio nome indicia, não podem em caso algum ser consideradas, e é por isso que são
absolutamente proibidas, porque elas põem em causa bens jurídicos que são considerados
fundamentais e que em absoluto não podem ser violados (exemplo: tortura, coação, etc…). Já
as relativamente proibidas, como estão em causa direitos fundamentais que a Constituição
admite que possam ser limites em determinados casos em matéria de processo pena, e isso
resulta do artigo 26º, nº4 e artigo 34º, nº4 da CRP, e por isso em determinadas condições
essas provas podem ser consideradas permitidas / lícitas, e está previsto isto no artigo 126º,
nº3 do CPP, que diz: “ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo
ser utilizadas as provas obtidas através da intromissão da vida privada, no domicílio, na
correspondência, nas telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular”. Exemplo:
escutas telefónicas.

Também iremos ver que mesmo quando estas provas relativamente proibidas não cumprirem
os requisitos que a lei exige, se o titular posteriormente as autorizar, fala-se em nulidade
sanável pelo consentimento.

Regime jurídico das proibições de prova: quais são os efeitos das proibições de prova? O efeito
principal é: a prova não pode ser utilizada no processo, isto é, as provas proibidas não podem
ser admitas ou valoradas no processo respetivo, é como se a prova não existisse, e são

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configuráveis três situações diversas consoante o momento em que se coloca a questão da
proibição de prova: primeiro, se a questão da proibição de prova é suscitada antes da sua
admissão no processo, nesse caso a consequência é a não admissão da prova no processo, no
fundo, a nulidade da prova é declarada com a consequência da sua rejeição; segundo
momento, se a questão da proibição da prova é suscitada depois de admitida, mas antes de ter
sido valorada, aí a prova proibida comporta a sua não valoração; por último, e sem dúvida
relevante, se a proibição de prova é suscitada depois de ter sido admitido, depois de ter sido
valorada, nesses casos temos a viciação da decisão por violação da lei, isto é, a nulidade da
prova proibida vai prejudicar a sentença ou o despacho instrutório, por exemplo, se a prova
proibida tiver sido utilizada na fundamentação da decisão, e basta ter sido um dos
fundamentos da decisão, e uma prova disso, para grande parte da doutrina, é o artigo 122º,
nº1 do CPP, que diz: “as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os
que dele dependerem e aquelas puderem afetar”. Portanto, daqui podemos retirar que a
prova nula leva à sentença nula, ou por identidade de razão, o despacho nulo.

Agora interessa-nos saber qual é a consequência ou mais aspetos acerca dos regimes de
proibição de prova, e a primeiro coisa que se deve referir, se nós repararmos, o nosso
legislador utiliza muitas vezes a expressão “nulidade” para se referir à consequência da
proibição de prova, e há uma discussão na doutrina se há uma diferença entre a figura da
nulidade e a figura das proibições de prova, se é a mesma coisa ou se são institutos diferentes,
mas vamos ver isso na próxima aula.

Aula Teórica (14/10)

Ontem íamos começar com o regime relativo às proibições de prova, porque uma coisa é
certa, já sabemos que há uma distinção a fazer entre as absolutamente proibidas e as
relativamente proibidas, e essa distinção já permite saber algo sobre o regime. O que é que
permite saber? As provas absolutamente proibidas não podem ser utilizadas nunca. Depois
temos as provas relativamente proibidas, que são aquelas que em determinadas situações, se
se verificarem determinados requisitos, o legislador permite que elas sejam utilizadas, mas
como também colidem com direitos fundamentais, não tao relevantes como nas provas
absolutamente proibidas, o legislador tem muito cuidado com os requisitos e com os
pressupostos da sua aplicação, e quando não se obedece a esses pressupostos / requisitos,
muitas vezes a consequência é prova proibida.

Mas então agora vamos ver qual é a consequência de se considerar uma prova proibida. O
legislador no nosso código do processo penal e na Constituição, a palavra que ele utiliza é a
“nulidade”, por exemplo no artigo 126º do CPP, mas se olharmos com atenção para esse
artigo, o nosso legislador diz: “são nulas, não podendo ser utilizadas”, ele acrescenta à palavra
“nulidade” esta frase “não podendo ser utilizadas”. Aqui a doutrina diverge, isto é, a
professora Teresa Beleza, por exemplo, defende que a sanção da proibição de prova é uma
sanção é mais fulminante que a nulidade, e é por isso que o legislador no artigo 126º, nº1 do
CPP disse “são nulas, não podendo ser utilizadas”, é a total impossibilidade da sua utilização. E,
por exemplo, o professor Manuel Valente já diz que as proibições de prova são uma nulidade
atípica. O professor Manuel da Costa Andrade diz: “apesar de haver uma imbricação íntima
entre as proibições de prova e o regime das nulidades, estes dois institutos são realidades
distintas e autónomas”, e o professor Germano Marques da Silva concorda, porquê? Porque
ele diz que se não fossem figuras distintas, não fazia sentido o artigo 118º, nº3 do CPP, que

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diz: “as disposições do presente título (das nulidades) não prejudicam as normas deste código
relativas às proibições de prova”, ora, este nº3 dá a entender que são duas figuras autónomas
e distintas, porque senão não fazia sentido fazer esta ressalva.

Mas apesar de todos darem a entender que são realidades distintas, e são, não impede que
quando haja uma proibição de prova, em determinados aspetos, se aplique o regime das
nulidades insanáveis, e é por isso que há pouco dissemos a expressão do professor Manuel da
Costa Andrade, “há uma imbricação íntima”, porque se aplica às proibições de prova alguns
aspetos relativos às nulidades insanáveis, mas são figuras distintas.

Mas quais são então as parecenças entre as proibições de prova e as nulidades, e que em
certos sentido, qual é o regime das proibições de prova? Primeiro, no que respeita ao
conhecimento oficioso, quer as proibições de prova, quer as nulidades insanáveis, são de
conhecimento oficioso, o que é que isto significa? Não é preciso alguém requerer / impugnar a
nulidade para que ela seja declarada, o juiz se detetar aquela nulidade pode declarar
independentemente de haver requerimento, é isso que significa conhecimento oficioso (sem
necessidade arguição por parte dos interessados), e o juiz, tal como nas nulidade insanáveis,
pode conhecer oficiosamente as proibições de prova até à decisão final, e mesmo em sede de
recurso, mas tem de ter em atenção que no caso das provas relativamente proibidas,
nomeadamente as previstas no artigo 126º, nº3 do CPP, para grande parte da doutrina e
jurisprudência, ao contrário das absolutamente proibidas, elas só podem ser conhecidas se
houver um requerimento por parte do titular do direito infringido, o que é que isto significa?
Que se o titular renunciar expressamente à arguição da nulidade, o juiz não pode conhecer
oficiosamente da nulidade da prova. Mas não há consenso!

Outro aspeto importante quanto ao regime: a nulidade da prova proibida pode ser conhecida
em qualquer fase do processo. O que é que isto significa? Se o vício ocorreu no inquérito ou na
instrução, e não foi conhecido nessa altura, o juiz de julgamento pode ainda conhecer dessa
nulidade oficiosamente se for uma prova absolutamente proibida, e a requerimento para
grande parte da doutrina se for uma prova relativamente proibida.

Mas, e aqui percebemos que são duas figuras distintas, mas diversamente das nulidades que
ficam sanadas com o trânsito em julgado da sentença, a utilização de provas proibidas obtidas
por métodos proibidos e que servem para fundamentar a condenação, podem ser fundamento
de um recurso extraordinário. Qual é a diferença entre recurso ordinário e extraordinário? O
recurso ordinário é aquele que é efetuado antes do trânsito em julgado. No caso de haver uma
prova proibida, o legislador permite que a nulidade que advém da nulidade dessa prova
proibida seja conhecida mesmo após o trânsito em julgado, desde que tenha sido uma prova
proibida ou obtida por um método proibido, e essa prova tenha sido fundamento da sentença
de condenação, e este recurso extraordinário, como nós iremos ver, chama-se recurso
extraordinário de revisão [artigo 449º, nº1, alínea e) do CPP]. Já o demais casos de provas
proibidas estão sujeitas ao regime das nulidades insanáveis, portanto, pode haver recurso
ordinário até trânsito em julgado.

Outro aspeto relevante do regime das provas proibidas: as provas proibidas podem ser
fundamento de condenação do magistrado ou polícia, ou mesmo particular, que as tenha
obtido (artigo 126º, nº4 do CPP).

Por último, quando ao regime das proibições de prova, quando resultam da utilização de
métodos proibidos, coloca-se uma questão muito interessante que é de saber se a proibição
vale só para o meio de prova obtido diretamente do modo proibido, ou se a proibição de prova

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também afeta outros meios de prova obtidos indiretamente através da prova proibida.
Exemplo: imaginem que o António foi submetido a torturar, e devido à tortura declarou onde
estava o cadáver, e em consequência encontramos o cadáver, e encontramos sangue do
agente do crime. A pergunta é: a proibição de prova abrange também a prova resultante do
sangue encontrando junto do cadáver e o próprio cadáver? Aqui há uma grande discussão na
doutrina, e é interessante porque a discussão foi fundamentalmente feita pela doutrina anglo-
americana. Bem, em termos gerais o que é que acontece? Há determinados autores que dizem
que a proibição de prova estende-se ao meios de prova obtidos quer direta, quer
indiretamente e, portanto, nós não podíamos aproveitar nem o cadáver, nem o sangue
encontrado ao lado do cadáver. Chama-se a esta doutrina “Doutrina dos Frutos da Árvore
Envenenada” (“Fruit of The Poisonous Tree”) e, por isso, a prova proibida arrasta todas as
provas em quaisquer circunstâncias. Entre nós, quem defende que esta doutrina deve ser
adotada no sistema português é o professor Germano Marques da Silva, e qual é o argumento
dele? É que se nós não adotarmos esta doutrina, vamos frustrar o fim que se visa com a
proibição da prova, isto é, qual é o objetivo central da figura da proibição de prova?
Desincentivar os investigadores ao recurso de meios proibidos de prova. Ora, se nós fossemos
permitir ter em conta as provas indiretas obtidas através de um meio proibido de prova, não
estaríamos a desincentivar e, por isso, ele acrescenta que esta doutrina é fundamental para
que a matéria da proibição de prova tenha aplicação e eficácia plena, e diz que resulta do
artigo 122º, nº1 do CPP.

Já o professor Paulo Sousa Mendes e a professora Helena Mourão consideram que o efeito à
distância (outra forma de dizer a doutrina dos frutos da árvore envenenada) pode-se retirar do
artigo 32º, nº8 da CRP, e não do artigo 122º do CPP, e o argumento deles é que a prova
proibida e as nulidades são realidades distintas e por isso não devemos fundamentar com o
artigo da nulidade o efeito à distância. Mas como nós vimos, não é por serem realidades
distintas que eu não possa aplicar certos regimes relativos à nulidades insanáveis às provas
proibidas.

Já outra parte da doutrina, nomeadamente Paulo Pinto de Albuquerque e Costa Andrade, não
é tão rígida, e vem defender que o efeito à distância pode ser atenuado por uma série de
exceções, e mais uma vez esta parte da doutrina portuguesa segue a tal jurisprudência criada
pelo Supremo Tribunal Norte-Americana ao longo dos anos, que o primeiro a falar sobre o
efeito à distância e o primeiro a criar exceções, e na maior parte dos casos, o que é que se
passa para eles defenderem que deve de haver exceção? Se se demonstrar que as provas
secundárias (obtidas indiretamente) podiam ter sido obtidas na falta da prova primária
maculada (no sentido de atingida pelo vício da proibição de prova), pode se aproveitar a prova
indireta. Para esta doutrina temos de ver caso a caso, no fundo temos de ver se o nexo de anti-
juridicidade que existe entre essas provas seja fundamento do efeito à distância, ou se pelo
contrário grau de autonomia da prova secundária permita que aquela se destaque da primeira.

Aula OT (14/10)

Análise do acórdão do STJ de 30/11/2017 e o do relator Souto Moura:

Como já percebemos, sempre que há violação das normas probatórias, nas normas relativas à
matéria da prova, a consequência mais gravosa é a proibição de prova, mas muitas vezes a
violação das normas probatórias não dá lugar à figura da proibição de prova. Dá lugar à
nulidade. E a propósito das nulidades, a regra é que quando o legislador não estabelece, a

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nulidade é sanável. E há ainda a figura da irrevogabilidade, que ainda é menos gravoso que a
figura da irregularidade (?não percebi bem esta última frase?).

E agora se há estas três consequências relativamente às normas probatórias, uma das grandes
perguntas da doutrina e da jurisprudência é: quando é que a violação das normas probatórias
deve dar origem a uma proibição de prova, e uma das matérias / meio de obtenção de prova
de onde isso surge com mais frequência é a propósito das escutas telefónicas, porquê? Porque
se formos ao artigo 187º, 188º, 189º e 190º do CPP, e o nosso legislador no artigo 190º do
CPP diz o seguinte: “os requisitos e condições referidos nos artigos 187º, 188º e 189º são
estabelecidos sobre pena de nulidade”. Ora bem, há uma discussão grande de saber quando é
que a violação de uma das normas do legislador para as escutas telefónicas deve dar origem a
uma proibição de prova ou deve dar origem a uma mera nulidade, e esta decisão ajuda-nos a
dar esse critério.

Da leitura deste acórdão, o que é que foi violado? O prazo para as escutas serem
apresentadas, ou seja, o artigo 188º, nº4 do CPP diz: “o Ministério Público leva ao
conhecimento do juiz os elementos referidos no número anterior no prazo máximo de 48h”.
Ora bem, o que é que aconteceu aqui? É que o Ministério Público não levou nesse prazo, e
vem se logo arguir a nulidade da sentença com base em proibição de prova, e o tribunal não
deu provimento a este recurso, não considerou que foi proibição de prova.

O relator diz:

“Diferentemente se passam as coisas em face das “Formalidades das operações” do artigo


188º do CPP, porque aí se não pretende uma proteção direta de direitos fundamentais nem se
tem como objetivo primeiro a tutela da dignidade humana”.

“A regulação introduzida visa obter eficácia, celeridade e acompanhamento de um juiz, numa


escuta que já foi autorizada por quem de direito e está permitida por lei”.

“Estão em causa interesses procedimentais, que só em situações excecionais poderiam atingir


direitos fundamentais, como seria no caso em que, depois de autorizada a escuta, deixasse de
haver entrega do material e de acompanhamento ulterior do juiz”.

Aqui não se trata de ele não ter entregue, ele entregou, mas não foi no prazo de 48h. Já seria
totalmente diferente se ele pura e simplesmente deixa-se de comunicar ao JIC a partir do
momento em que instalam as escutas, porquê? Porquê que aí já seria diferente? Porque um
dos critérios é sem dúvida esse, ou seja, sempre que a violação das normas de direito relativas
à prova implicar a afetação de um direito fundamental, deve haver proibição de prova. Mas há
uma outra razão para levar à proibição de prova que tem a ver com isto que ele diz aqui:
“Estão em causa interesses procedimentais, que só em situações excecionais poderiam atingir
direitos fundamentais, como seria no caso em que, depois de autorizada a escuta, deixasse de
haver entrega do material e de acompanhamento ulterior do juiz”.

Aliás, outra parte também muito importante desta decisão / desta fundamentação é quando
ele cita Roxin: “Socorrendo-nos da “Teoria do âmbito de direitos”, que já tem sido defendida
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Alemão, estaremos perante proibições de
prova e portanto de valoração das mesmas, ou não, se a lesão “afeta de modo essencial o
âmbito de direitos do visado ou se tem só uma importância secundária ou não tem qual quer
importância para ele.” - Roxin”, ou seja, o que é que está por detrás daquela exigência? O que
é que esta por detrás da exigência da apresentação das escutas ao JIC? Para haver o

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acompanhamento de uma autoridade judicial, mas neste caso a norma que está em causa não
é ele não apresentar, é ele apresentar no prazo X, isto é, ele apresentou 24h depois, isso não é
suficiente para dizer que há proibição de prova, porque não está em causa um interesse
fundamental, enquanto que se estivesse em causa ele não ter apresentado nunca, já estava
em causa a proibição de prova, porquê? Porque está em causa o princípio da investigação sob
garantia judicial, ou seja, também haverá proibição de prova se a norma violar visar a proteção
de interesses considerados pela lei mais relevantes que a descoberta da verdade material no
processo penal. Outra história seria se o JIC não tivesse autorizado, também haveria proibição,
porque estaria em causa o interesse mais preponderante que a procura da verdade material.

Aula Teórica (20/10)

Há uma matéria que já demos e que é muito importante que é determinar quando é que a
violação de uma norma que regula determinada prova probatória e uma norma relativa da
prova, quando é que a violação da lei dá origem a uma violação de prova? O fizemos na aula
prática foi analisar um acórdão em que o juiz propunha um critério para à luz do caso concreto
nós conseguirmos determinar se havia proibição de prova ou outro tipo de invalidade, porque
a prova proibida não deixa de ser uma invalidade, é uma prova implícita no sentido de violar
uma norma, mas como também já sabemos as invalidades dão origem a proibições de prova, a
nulidades insanáveis ou nulidade sanável, ou mesmo irregularidade. Portanto, às vezes é difícil
nós conseguirmos determinar para que tipo de efeito é que vai aquela invalidade, até porque o
legislador indica muitas vezes uma terminologia que não é específica, não é clara, ele indica “a
nulidade…”, essa nulidade dá lugar a proibição? Significa apenas violação da norma probatória
que não dá origem ainda à proibição? E, portanto, o critério a ter em conta para estabelecer
quando é que está presente uma proibição ou uma invalidade é muito interessante, qual era
esse critério que o acórdão analisando nos dava a entender? O que importa determinar é se a
violação de uma norma de direito implica a afetação de um direito fundamental, mas uma
afetação grave, relevante da violação desse direito. É claro que quando está um direito como a
vida ou a integridade física em causa, aí há a afetação de um direito fundamental.

Mas um outro critério, que normalmente não é evidente, mas que também é importante: se a
norma violar visar a proteção de interesses processuais básicos do réu (?), que são
considerados atos relevantes para o interesse da descoberta da verdade material, então
também estamos perante uma proibição de prova. Normalmente isso vê-se se a violação violar
um princípio fundamental, se o vício violar um princípio fundamental do processo penal.
Portanto, o critério a ter em conta é principalmente este.

Mas cada vez mais interessa saber, principal quando se fala em questões que englobam todas
as ordens jurídicas similares às nossas (como as da União Europeia), interessa saber como é
que elas resolvem o problema, e a professora gostava que soubéssemos que nos Estados
Unidos, que como sabemos é a principal doutrina criada pelo Tribunal Americano foi das
doutrinas que mais desenvolveu a matéria das proibições de prova, mas não foram os
primeiros, o primeiro foi o autor Beling, sendo o primeiro a usar a expressão “proibição de
prova”, mas apesar de ter sido Beling o primeiro a falar de proibição de prova, esta figura já
andava a ser discutida na jurisprudência sem ser denominada, nomeadamente nos Estados
Unidos.

Ora bem, o que é que aconteceu nos Estados Unidos? As proibições de prova começaram a ser
punidas como um exigência constitucional, apesar de o Supremo Tribunal já ter reconhecido

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que também havia provas proibidas, através da violação de outros direitos não consagrados
diretamente na Constituição, portanto, que não se podiam retirar da Constituição, mas
posteriormente o que é que aconteceu? O entendimento maioritário do Supremo Tribunal
Americano passou a ser que as proibições eram uma violação de direitos garantidos pela
Constituição, e tinham a finalidade direta de indicar excessos e arbitrariedades por parte dos
agentes estatais, e é aí que aparece a palavra “exclusionary rule” (a regra da excussão, no
sentido de ser excluída).

Atualmente, como é que se resolve se um caso é de proibição de prova ou de outro tipo de


invalidade? Atualmente, a doutrina americana propõe a aplicação teste de ponderação, que já
tinha sido desenvolvido na Europa. O que é que isto significa? Para decidir se uma
determinada violação de uma regra probatória tem como consequência a prova proibida, faz-
se um teste de ponderação em face das consequências da perda da prova. Aqui o que passa a
ser relevante é saber / entender em conta qual é a consequência de perder aquela prova no
processo. É claro que ao fazer esse teste de ponderação também temos de ter em conta os
direitos pessoais que estão a ser violados.

Quais são então os fatores que devemos ter em conta nessa ponderação? E aqui é a doutrina
alemã que desenvolve fundamentalmente esses critérios. Primeiro, qual é o interesse do
indivíduo afetado pela obtenção da prova; a gravidade da conduta dos agentes que obtiveram
a prova; terceiro, o interesse do Estado na persecução penal que inclui a gravidade do crime
cometido; e a importância e relevância da prova a ser possivelmente excluída para o caso.

Mas na Alemanha a professora acha que não é tão perigoso esta regra da ponderação,
porquê? Porque na Alemanha a própria ordem jurídica já estabelece na sua Constituição
determinados direitos fundamentais do indivíduo que nunca podem ser violados, o
fundamento principal da violação de prova é garantir esses direitos. Naqueles outros casos em
que não estão em causa direitos fundamentais do indivíduo, a professora acrescentaria
princípios básicos do direito processual penal que em última análise também garantem
direitos fundamentais do indivíduo, então assim, nesses casos sim, podemos fazer o teste da
ponderação.

A propósito, já agora, dos direitos fundamentais, também já percebemos que consoante os


direitos fundamentais pode haver dois tipos de proibição de prova: as provas absolutamente
proibidas e as provas relativamente proibidas. Isso tem a ver com o direito fundamental que
está em causa. Se reparem, o artigo 126º, nº1 do CPP, o que está em causa é claramente
direitos consagrados na Constituição e considerados invioláveis. No artigo 126º, nº3 do CPP
temos as chamadas provas relativamente proibidas. Qual é a diferença? Aqui estão em causa
direitos fundamentais, mas que não são assim tão relevantes ao ponto de não puderem ser
limitados em determinadas situações, mas têm de ser situações que o legislador admite,
porque como sabemos há um artigo na Constituição que diz que só se podem restringir
direitos fundamentais quando se demonstrar indispensável para a tutela de todos os bens
jurídicos fundamentais (artigo 18º, nº2 da CRP).

Aula OT (21/10)

Caso Prático:

António, Bento e Carla foram acusados como autores materiais de:

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António um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º, nº1, alínea f) do CP.

Bento um crime de recetação, previsto e punido no artigo 231º, nº1 do CP, e a Carla também.

Nos termos da acusação vinha o seguinte: em 14/12/2017, António retirou da residência de


Daniel, em Lisboa, um leitor de DVD e uma pulseira de ouro, descritos nos autos.

António é amigo de Bento, e irmão de Carla. Bento e Carla sabiam da origem dos objetos, e o
Bento, a troco de uma quantia irrisória, ficou com o leitor de DVD, e a Carla como era irmão de
António recebeu de presente a pulseira.

Durante o julgamento, o Tribunal verificou que António, ouvido no inquérito, fora agredido
pelo agentes polícias que levaram a cabo o interrogatório, assim levando a “confessar” o
crime, e a identificar as pessoas a quem tinha passado os objetos furtados.

Que decisão devia proferir o Tribunal? Fundamente todas as suas respostas, fornecendo
sempre o respetivo enquadramento legal, e retire as consequências para o processo de cada
uma das suas conclusões.

Resposta: ver artigo 126º do CPP. Tínhamos de ir à Constituição, porquê? Para já tínhamos de
identificar esta prova como uma prova absolutamente proibida por contraposição às
relativamente proibidas, e explicar do que se trata de uma prova absolutamente proibida.

Portanto, neste caso nós tínhamos de dizer que este meio de prova traduzia-se numa prova
absolutamente proibida, e explicar que as proibições absolutas, como a tortura, estão
previstas não só no artigo 126º, nº1 do CPP, mas também o artigo 32º, nº8 da CRP, e a
inviabilidade dos direitos também está no artigo 34º, nº2, nº3 e nº4 da CRP.

O facto de se considerar que estas provas eram nulas, o reconhecimento do carácter proibido
da prova é a não possibilidade de não utilização destas provas para fundamentar a acusação, e
por isso elas devem ser desanexadas dos autos porque não podem ser utilizadas, e isso resulta
claramente daquela parte do artigo 126º, nº1 do CPP que diz “as provas são nulas não
podendo ser utilizadas”.

Mas também tínhamos de falar de outra matéria, qual? Portanto, o facto de eles terem obtido
as pulseiras e o DVD, portanto, não temos nada que eles digam como é que obtiveram as
coisas. Vamos partir da subhipótese que a polícia vai a casa de António e do Bento, depois de
terem torturado o António, e a aprende através de uma busca a pulseira e o DVD. Podem
utilizar essa prova? Acham que eles conseguiam chegar à pulseira e ao leitor de DVD se o
António não tivesse dito onde eles estavam? Provavelmente teve de haver um mandado de
busca, mas como é que eles chegaram àquele local? Foi porque o António foi torturado. Sendo
assim, parece que a hipótese mais viável que aconteceu aqui é que as provas obtidas pela
polícia através da busca, seriam afetadas pelo efeito à distância, e não podiam ser
aproveitadas. Agora, e aqui tínhamos de explicar a teoria dos frutos da árvore envenenada, e
também explicar que sempre que as provas atentem contra direitos de liberdade, implicam o
efeito à distância no fundo significa tornar inaproveitável provas secundárias casualmente
vinculadas e também a anti-juridicidade da obtenção da primeira prova se estende à prova
secundária.

Já seria diferente se nós tivéssemos, por exemplo, um dado na hipótese que a Carla tivesse
confessado como é que obteve a pulseira, ou o Bento também confessou como é que obteve o
leitor de DVD, porque aí podíamos invocar que exceção? A exceção da norma dissipada. Neste

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caso havia uma prova obtida de forma independente e autónoma e, por isso, já se podia
invocar uma exceção do efeito à distância, mas nós não temos dados na hipótese que isso
possa ter acontecido, nem temos dados na hipótese que havia uma investigação paralela a
decorrer e, por isso, também não se podia invocar a exceção da descoberta inevitável.

Outra coisa que podíamos falar para a resposta ficar completa era: qual era então a decisão
que o tribunal podia proferir? Uma das coisas que temos de saber é: quando o tribunal se
depara com prova proibida, nós sabemos que elas são nulas e não podem ser utilizadas,
consequências em termos de decisão? Não podem ser acusado e, portanto, o que é que o
tribunal tinha de fazer? Absolver o António, o Bento e a Carla caso concluísse que todas as
provas estavam contaminadas pela utilização de um método absolutamente proibido durante
o inquérito.

Mas imaginem que o tribunal condena, quid juris? Quando há nulidade da sentença o que é
que se pode fazer? Recurso (artigo 410º, nº3 do CPP). Qual é a consequência desse recurso?
Para o professor Paulo Pinto de Albuquerque a consequência será a repetição da sentença
pelo tribunal recorrido sem ponderação da prova proibida (artigo 426º do CPP à contrario). Na
nossa hipótese como não temos dados nenhuns, ele não poderia condenar porque ele não
tinha mais prova nenhuma e, portanto, continuaria a haver absolvição dos arguidos.

Já o professor Costa Andrade, com base no mesmo artigo, considera que as proibições de
prova ao ser reconhecidas pelo tribunal de recurso, dão lugar ao reenvio do processo, e isso
implica produzir novas provas.

E havia ainda uma outra consequência, era a prova proibida servir de fundamento para a
condenação. Quais eram os crimes que eles poderiam ser acusados? Artigo 126º, nº4 do CPP
[ver artigo 155º, nº1, alínea d) do CP ], e esses factos que constituíam um tipo de crime de
coação grave podiam ser fundamento de condenação dos agentes policias (artigo 126º, nº4 do
CPP).

Ainda havia outra matéria que podíamos discutir que era: de onde é que retirávamos que a
prova proibida estende-se a todas as provas secundárias relacionadas não só casualmente,
mas também pela sua favorativamente com a prova proibida? Artigo 122º do CPP, ou seja, o
efeito à distância para uma parte da doutrina está plasmado no artigo 122º, nº1 do CPP. Mas o
professor Paulo Sousa Mendes e a professora Helena Mourão como acham que deve-se
distinguir o instituto da proibição de prova do instituto da nulidade, consideram que não
podemos ir buscar ao artigo 122º, nº1 do CPP a base legal do efeito à distância, e podemos
invocar a Constituição, nomeadamente o artigo 32º, nº8.

Aula Teórica (27/10)

Matéria das proibições de prova é uma matéria que causa muita polémica, muita discussão,
não há unanimidade para um série de questões e é por isso que ela é tão interessante. Neste
momento nós estamos a tentar perceber qual é o regime a que está sujeita esta figura, já
percebemos que há autores que falam em nulidade típica, há autores (como a professora
Teresa Beleza) que diz que há uma diferença entre a proibição de prova e nulidade, sendo a
proibição de prova uma sanção mais fulminante que a nulidade, e é por isso que existe tanta
controvérsia quanto ao regime a aplicar.

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Já sabemos algumas coisas, desde logo sabemos que apesar de a professora concordar com a
professora Teresa Beleza e achar que a proibição de prova não é a mesma coisa que a
nulidade, até porque o nosso legislador se repararem no artigo 126º do CPP, por exemplo, que
é um dos artigos mais importantes a ter em conta em matéria das proibições de prova, ele
depois de referir que são nulas, acrescenta não podendo ser utilizadas e, por isso, isso é uma
demonstração de que não se trata das mesmas realidades (acha a professora). Ver artigo 118º,
nº3 do CPP que diz: “as disposições do presente título não prejudicam as normas deste código
relativas a proibições de prova”, portanto, isto é claramente um indício de que nulidade e
proibição de prova não é a mesma coisa.

De qualquer forma, apesar de serem realidades diferentes, não significa que partes do regime
das proibições de prova possam-se ir buscar às nulidades (opinião do professor Costa
Andrade), nomeadamente à nulidade insanável. Desde logo, o conhecimento da proibição de
prova, tal como a nulidade insanável, é oficioso. O que é que significa conhecimento oficioso?
O juiz pode conhecer independentemente do requerimento dessa nulidade por parte de quem
estiver interessado. Mas tendo em conta o que já sabemos sobre proibições de prova, todas as
proibições de prova são de conhecimento oficioso? Não, por exemplo as provas relativamente
proibidas, já vimos que para grande parte da doutrina essas já não são de conhecimento
oficioso, essas só podem ser conhecidas se forem requeridas por parte do interessado,
portanto, se o titular renunciar expressamente à arguição da nulidade da proibição de prova
relativa, o juiz não pode conhecer oficiosamente dessa prova.

Outro aspeto importante do regime: a proibição de prova e a nulidade que advém dessa
proibição de prova pode ser conhecida em qualquer fase do processo. Já vamos ver uma
diferença, isto é, apesar da nulidade que advém da proibição, há uma diferença, isto é, ao
contrário das nulidades que ficam sanadas com a decisão transitada em julgado, já as provas
proibidas não é qualquer prova proibida, tem de ser prova proibida ou detida por um meio
proibido e que serviu para fundamentar a decisão, nesse caso o conhecimento dessa proibição
pode ser efetuado após o trânsito em julgado, nomeadamente através do recurso
extraordinário (que é o recurso de revisão) [artigo 449º, nº1, alínea e) do CPP].

Outro aspeto relevante a propósito do regime das proibições de prova: as provas proibidas
podem ser fundamento de condenação da entidade (magistrada ou polícia) que a tenha obtido
ilegalmente (artigo 226º, nº4 do CPP). Nós vamos ver uma figura que cabe, por exemplo,
nestes métodos proibidos de prova, que é o agent provocateur (agente provocador). O agent
provocateur é alguém que determina outrem a praticar o crime, ultrapassa o que se pede ao
chamado agente infiltrado. Se alguém for provocador invés de agente infiltrado, todas as
provas que advierem desse agente provocador são nulas / proibidas, e esse agente provocador
vai ser punido como instigador dos crimes que determinou, e as provas proibidas vão servir de
prova, vão ser o fundamento da sua condenação. Portanto, isto também só acontece nas
provas proibidas.

Por último, a questão de saber se a proibição de prova vale só para o meio de prova obtido
diretamente de modo proibido, ou se também afeta outros meios de prova obtidos
indiretamente através da prova proibida? O exemplo dado foi: imaginem que o A é submetido
a tortura, e após a tortura ele revela onde está o cadáver, ao lado do cadáver também há
sangue que releva quem é o autor do crime. A pergunta é: o facto de estas provas terem sido
obtidas através de uma prova absolutamente proibida, pode ou não ser aproveitadas? Existe
uma doutrina construída para resolver este problema, que é a chamada doutrina dos frutos da
árvore envenenada. Como principais construtores desta doutrina foram os americanos, da

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doutrina anglo-americana, normalmente diz-se esta doutrina em inglês: Fruit of the Poisonous
Tree. Mas o que é que diz esta doutrina? De acordo com esta teoria, entende-se que as provas
que atentem contra os direitos fundamentais que sejam consideradas proibidas, têm um
efeito à distância, que consiste em tornar inaproveitáveis as provas secundárias e ligadas
casualmente ligadas à prova primária. O que é que isto quer dizer? A prova ferida do vício da
proibição de prova arrasta todas as provas em quaisquer circunstâncias que apareçam no
momento posterior à prova proibida. E entre nós, na nossa doutrina, o autor que defende essa
doutrina é o professor Germano Marques da Silva. Este entende que deve-se aplicar esta
doutrina sob pena de frustrar absolutamente o fim que com a proibição de prova se pretende
alcançar. Qual é o fim que se pretende alcançar com as proibições de prova? Proteção dos
direitos fundamentais (como a dignidade da pessoa humana), e também há outra maneira de
ver, qual é? Há quem ponha a tónica no tentar dissuadir / desincentivar os agentes de
utilizarem a prova proibida. Portanto, tendo em conta esse fim, o professor Germano Marques
da Silva acha que só se consegue alcançar esses fins se se aplicar essa doutrina dos frutos da
árvore envenenada sem qualquer exceção, e ele retira isso do artigo 122º, nº1 do CCP que diz:
“as nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele depender e
aquelas que puderem afetar”.

Já outra parte da doutrina considera que a doutrina dos frutos da árvore envenenada e o tal
efeito à distância, retira-se do artigo 32º, nº8 da CRP, e eles fazem isto porquê? Porque acham
que se formos ao artigo 122º, nº1 do CPP estamos a não autonomizar a figura das proibições
de prova face à figura das nulidades (professor Paulo Sousa Mendes e a professora Helena
Mourão). Mas como foi dito, não é pelo facto da proibição de prova e da figura das nulidades
serem distintas, que eu não possa muitas vezes ir buscar aspetos do regime das nulidades para
as proibições de prova, não é isso que abala a figura das proibições de prova. As proibições de
prova têm uma natureza jurídica própria, e muitas vezes partes do regime das proibições de
prova vai-se buscar o regime das nulidades.

Já outra parte da doutrina, nomeadamente o professor Paulo Pinto de Albuquerque e o


professor Costa Andrade, estes autores não são tão rígidos nos efeitos à distância relacionados
com a doutrina dos frutos da árvore envenenada, isto é, eles entendem que o efeito à
distância pode ser atenuado por uma série de exceções, e como nós iremos ver, a ideia por
detrás dessas exceções, por norma, é que sempre que as provas secundárias poderiam ter sido
obtidas na falta da prova primária proibida, deve-se aproveitar a prova secundária. Portanto, o
exercício que nós devemos fazer é: determinar se a prova que aparece depois deve ser
considerada fruto dessa árvore envenenada ou se pode ser separada dessa árvore envenenada
e, portanto, já não é fruto, e isso terá de ser feito caso a caso. No fundo, o que este autores
vêm dizer é: não basta demonstrar que há um nexo naturalístico de casualidade entre a prova
proibida e a prova secundária, é necessário também demonstrar para haver esse efeito à
distância que há um nexo de anti-juridicidade que fundamente o efeito à distância. Portanto,
em última análise, o que esta parte da doutrina vem dizer é que se a prova secundária tiver um
grau de autonomia face à primeira que a destaque substancialmente daquela, ela pode ser
aproveitada. E é por isso que se fala em restrições (e há quem fale também em exceções) à
doutrina dos frutos da árvore envenenada.

Vamos então referir as restrições ou exceções mais relevantes, e que foram construídas pelo
Supremo Tribunal Americano ao longo dos tempos: primeira exceção, chama-se exceção da
fonte independente, o que é que isto significa? Aceita-se as provas secundárias que tiverem
sido obtidas por via autónoma e lícita, portanto, há uma prova independente que corrobora os

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conhecimentos que se retiraram da prova proibida. E a decisão do Supremo Tribunal dos
Estados Unidos a falar desta exceção pela primeira vez foi o caso Silverthrone Lumber Co VS
USA. Mas o caso que aparece de uma forma mais clara sobre esta exceção é o caso chamado
Segura VS United States. O que é que aconteceu? Houve uma busca inicial sem mandato, e os
polícias que fizeram essa busca viram nesse apartamento uma parafernália relacionada com
tráfico de droga, mas não a própria droga. Posteriormente, fazem uma nova busca a esse
apartamento, mas desta vez já com mandato, e aí encontraram também uma parafernália
relacionada com droga, mas também encontraram droga. O que é que o tribunal considerou?
O tribunal não considerou como droga o que foi encontrado na primeira busca, mas manteve
como válida a prova obtida na segunda busca, porque considerou que a prova obtida na
segunda busca é proveniente de uma fonte independente. No fundo, o raciocínio que foi
usado é mais ou menos o seguinte: eu devo utilizar a polícia na mesma posição que ela estaria
senão tivesse tido uma conduta ilegal e não em pior posição.

Segunda exceção: chama-se exceção da nódoa dissipada, ou exceção da conexão atenuada. O


que é que diz esta exceção? De acordo com esta exceção, uma prova mesmo que proveniente
de prova ilegal, terá de ser aceite sempre que apresente autonomia suficiente para dissipar a
nódoa, e isto está patente em vários casos, e o que vamos falar é o chamado caso Wong Sun
(?) VS United States (1963). O que é que acontece? O arguido foi detido ilegalmente, e após ter
sido detido ilegalmente foi posto em liberdade, mas passado umas horas regressou à esquadra
e confessou o crime. O Supremo considerou que apesar de ter havido uma detenção ilegal,
essa detenção ilegal não devia afetar uma posterior confissão voluntária lida e esclarecida,
apesar de também ter de reconhecer que o Wong Sun nunca teria confessado os factos que
não tivesse havido detenção ilegal, mas como a prova subsequente advém de um ato de
vontade, a invalidade da prova anterior não afeta / não se projeta na prova posterior, porque
no fundo a prova posterior assenta em decisões autónomas e a produto de uma livre vontade.

Terceira e última exceção: chama-se exceção da descoberta inevitável. O que é que isso quer
dizer? Vão se aceitar as provas que inevitavelmente seriam descobertas mesmo que mais
tarde através de outro tipo de investigação. A doutrina alemã para descrever esta exceção vai
buscar a figura dos percursos de investigação hipotéticos como limitação do efeito à distância.
Mas o que é que esta exceção no fundo vem dizer? Vem dizer que deve-se aceitar as provas
derivadas da prova proibida quando estas tivessem inevitavelmente sido descobertas através
de outra investigação.

Aula Teórica (28/10)

Retomando a última aula e acabando a última exceção, o caso que surgiu foi o caso Nix VS
Williams (1983), onde após o interrogatório ilegal, ilegal porquê? Porque não foi procedido da
leitura dos Miranda Warnings, levou o suspeito a indicar a localização do cadáver da vítima, e
eles chegaram ao cadáver da vítima. Mas tendo em conta que estava a decorrer ao mesmo
tempo buscas no local onde o cadáver foi encontrado e, por isso, ele viria seguramente a ser
descoberto, embora provavelmente mais tarde, deve-se admitir a prova obtida.

Se repararem, qual é a diferença entre esta exceção e as anteriores? É que esta exceção não
exige que a polícia tenha de facto obtido as provas de forma autónoma e legal, exige apenas
que tivesse podido hipoteticamente fazê-lo. Esta exceção, como podemos imaginar, gera
muito mais controvérsia, porque há quem diga que ao aceitarmos esta exceção pode-se
destruir o efeito preventivo da doutrina dos frutos da árvore envenenada. Aliás, a aplicação

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automática a ideia da descoberta inevitável, poder-se-ia incentivar os polícias a adotar
comportamentos ilegais, e é por isso também que alguma jurisprudência tem estabelecido
limites a esta exceção, nomeadamente há quem diga que se a acusação demonstrar com grau
de probabilidade superior a 50%, que a prova teria sido inevitavelmente descoberta, pode-se
aceitar esta exceção, e esse calculo é difícil de se fazer, e é por isso que outra parte da
doutrina considera, nomeadamente o professor Costa Andrade, diz que o que nós temos de
provar é que em concreto a produção da prova secundária por via independente e autónoma
era iminente. Isto faz lembra o comportamento lícito alternativo. O professor Paulo Sousa
Mendes aceita esta exceção, mas diz que o que se tem de fazer é juízos de ponderação
envolvidos no caso concreto, no sentido de se pode ou não aproveitar aquela prova naquele
caso concreto tendo em conta o objetivo da prova proibida, que é prevenir o instituto e o
comportamento das provas proibidas, ou seja, se se veio a demonstrar que o aproveitar a
prova não interfere com a necessidade do efeito preventivo do instituto da proibição de prova,
poderemos utilizar a prova.

O professor Paulo Pinto de Albuquerque e a professora Helena Mourão não aceitam esta
exceção.

Aula Teórica (03/11)

A partir de agora vamos desenvolver quer os meios de obtenção de prova, quer os meios de
prova. Se olharmos para o nosso código de processo penal, e mais precisamente para o Livro III
que tem como epígrafe “A Prova”, e depois tem disposições gerais e depois distingue dos
meios de prova que está no Título II, e depois temos dos meios de obtenção de prova que já
está no Título III. Portanto, temos de saber a diferença entre meios de obtenção de prova e
meios de prova. Há normalmente dois critérios que permitem distinguir uns dos outros. Na
perspetiva lógica, os meios de obtenção de prova são os instrumentos de que servem as
autoridades judiciárias e os OPC para investigar e recolher meios de prova, portanto, isto
significa que os meios de obtenção de prova não são de per si fonte de convencimento, mas
permitem obter coisas ou declarações que permitem esses sim serem instrumento de
demonstração dos factos, portanto, os meios de prova caraterizam-se pela sua aptidão para
serem em si mesmo fontes de convencimento. Exemplo de meio de obtenção de prova:
escutas telefónicas, exames, as revistas, as buscas, o agente infiltrado. E dentro dos meios de
prova, exemplo: prova testemunhal, documentos, etc…

Depois há também o chamado critério técnico-operativo. Os meios de obtenção de prova


caraterizam-se pelo modo e pelo momento na sua aquisição do processo, isto é, o momento
da aquisição dos meios de obtenção de prova por excelência qual será? O inquérito, e referem-
se precisamente ao momento de recolha de meios de prova. Já os meios de prova, onde é que
eles têm por regra serem produzidos? No julgamento, nomeadamente em que fase do
julgamento? Na audiência de julgamento. Nós estudamos um princípio que é o princípio da
imediação do qual resulta que o juiz tem de ter contacto direto com as provas, só que tendo
em conta esse princípio percebemos que esses meios de prova têm de ser todos produzidos na
audiência de julgamento, portanto, os meios de prova têm de ser produzidos e analisados em
audiência, mas é claro que também temos de ter em atenção que apesar do momento em que
o meio de prova tem mais importância é na audiência de julgamento, não significa que não
haja também meios de prova nas fases anteriores. O mesmo com os modos de obtenção de
prova, devido ao princípio da procura da verdade material ou princípio da investigação.

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Nós vamos agora começar primeiro pelos meios de obtenção de prova e depois os meios de
prova. E vamos começar por um meio de obtenção de prova excecional que são as escutas
telefónicas. As escutas telefónicas são um modo de obtenção de prova porque se traduzem
num conjunto de operações, técnicas e processuais que permitem o ato de intersetar e
degravar as conversações em curso entre duas ou mais pessoas. Portanto, as escutas
telefónicas são instrumentos de que se servem as autoridades judiciárias e os OPC para
recolher meios de prova, e é por isso que temos de distinguir nas escutas telefónicas o meio de
resultado, isto é, a escuta é um meio, já o que se gravou consiste em prova documental.
Portanto, tem de distinguir, apesar de toda esta atividade ser feita em conjunto, a interceção e
a gravação, mas uma coisa é a interceção, outra é já as transcrições e os autos dessas
conversações, nesse caso já estamos perante prova documental. É claro que a ilicitude dessa
prova documental depende do cumprimento das regras relativas às escutas telefónicas.

Outro aspeto relevante quanto às escutas telefónicas: enquanto meio de obtenção de prova,
as escutas telefónicas são excecionais, o que é que isto quer dizer? Este meio de obtenção de
prova só deve ser utilizado quando for estritamente necessário, quando for possível obter
prova recorrendo a outros meios de obtenção de prova não se deve recorrer às escutas
telefónicas, e isto porquê? Porque colidem diretamente com direitos fundamentais.

Além disso, outro aspeto que nos leva para o caráter excecional deste meio de obtenção de
prova, é a natureza secreta desta prova, que as tornam um meio oculto de investigação. E é
por isso que temos de ter em conta para perceber essa excecionalidade do meio de obtenção
de prova alguns artigos da Constituição muito importantes, como nós iremos ver, todo o
regime escutas telefónicas resulta não só do código do processo penal, mas também da
Constituição. Na Constituição os artigos que nos importam para já é o artigo 26º e 34º da CRP,
porquê? Porque consagram o direito ao sigilo, da correspondência e de outros meios de
comunicação e, por isso, da intimidade da vida privada. Também consagram a proibição da
ingerência das autoridades públicas nas telecomunicações, salvo nos casos previsto na lei em
matéria de processo criminal. E nós também temos de ter em atenção que não são só os
direitos do arguido que estão em causa, porque como podem imaginar as conversas
telefónicas são feitas com terceiros e, por isso, esses terceiros também são atingidos com este
meio de obtenção de prova.

Mas o artigo que provavelmente nos diz que um modo de obtenção de prova tem de ter
caráter excecional, isto é, só se deve utilizar se se demonstrar que é estritamente necessário,
resulta do artigo 18º, nº2 da CRP. Portanto, o artigo 18º, nº2 da CRP tenta harmonizar esta
necessidade de haver respeito pelos direitos fundamentais e, por outro lado, a necessidade de
haver a procura da verdade material para a realização da justiça.

Vamos então aos pressupostos das escutas telefónicas. Como já foi dito, é essencialmente no
código processo penal que vem determinados os pressupostos materiais informais desta
intervenção para, mais uma vez, limitar o arbítrio da limitação de direitos fundamentais. Mas
como acabámos de referir, também da Constituição resulta a necessidade de alguns
pressupostos, nomeadamente o estarmos no meio de um processo criminal. Quais são então
os artigos do código do processo penal que regulam os pressupostos e os requisitos para a
utilização das escutas telefónicas? São os artigos 187º a 189º do CPP. E aqui a propósito do
artigo 189º do CPP devemos ter a noção de que nós até agora temos estado sempre a falar de
escutas telefónicas e, portanto, a primeira imagem que nos vem à cabeça é a interceção e
gravação de conversas tidas ao telefone, mas como podemos imaginar, de acordo com o artigo
189º do CPP estende-se este modo de obtenção de prova a outros meios técnicos análogos

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que permitam essa comunicação entre pessoas (correio eletrónico), e ainda uma interceção
que raramente se fala, mas também é muito importante, que é a chamada interceção entre
presentes, que é uma escuta ambiental, as pessoas estão à frente uma a outra e há uma
interceção dessa conversa feita por um OPC, não deixa também de estar sujeita ao regime das
escutas telefónicas, face ao artigo 189º do CPP que estende o regime das escutas telefónicas a
estes outros meios de comunicação, e desta forma obter autorização para poder fazer essa
intervenção por parte das autoridades judiciárias e dos OPC. Por isso costuma-se dizer que o
artigo 189º do CPP estende o regime das escutas telefónicas a todos os meios em que a base
da comunicação é a palavra falada ou escrita, e é por isso que alguns autores dizem que falar
em escutas telefónicas é redutor, abrange muitos outros meios de comunicação para além do
telefone.

Outro aspeto também de referir e que está no artigo 189º, nº2 do CPP que diz: “a obtenção e
junção aos autos de dados sobre a localização celular ou de registos da realização de
conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas em qualquer fase do
processo do despacho do juiz quanto aos crimes previstos no nº1 do artigo 187º e em relações
às pessoas referidas no nº4 do mesmo artigo”. Portanto, já quanto a este tipo de atividade,
aplica-se parte do regime das escutas telefónicas à luz do artigo 189º, nº2 do CPP.

Outro aspeto relevante que é de referir, há outros normas que não estão no código do
processo penal que preveem a possibilidade de escutas, e cada vez mais há legislação
extravagante que permite meios de obtenção de prova, e nomeadamente permite escutas
telefónicas com outros requisitos e pressupostos (artigo 6º da Lei de Combate à Criminalidade
Organizada e Económico-Financeira). Isto significa o quê? Quando não existir uma lei expressa
especial que preveja outros pressupostos de admissibilidade das escutas telefónicas, têm de se
seguir os pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 187º do CPP. O mais importante
é que tem sempre de haver uma lei que preveja essa possibilidade.

Vamos então ver os tais pressupostos de admissibilidade das escutas telefónicas à luz do
código do processo penal. Primeiro (é uma exigência constitucional), que esteja a decorrer um
processo criminal, o que é que isto quer dizer? Que as escutas telefónicas não podem ser um
instrumento de investigação extra processual [caso: há uns tempos atrás foi considerado
inconstitucional uma lei que pretendia que o SIS (Sistema de Informações da República)
pudesse ter como competência geral dos seus órgãos a possibilidade de interceção de dados
de tráfico das telecomunicações. Atualmente, o que é que o SIS pode fazer? Quando razões de
segurança, ao nível do terrorismo, o exigirem, é possível o acesso preventivo a dados de
intercomunicação e internet em relação à localização].

Segundo pressuposto: que a interceção e a gravação só possa ser realizada quando autorizada
por despacho fundamentado pelo JIC. Portanto, tem de ser autorizada mediante (terceiro
pressuposto) requerimento do Ministério Público na fase do inquérito [artigo 187º, nº1 e
artigo 269º, nº1, alínea e) do CPP], portanto, é o Ministério Público que tem a iniciativa de
requerer as escutas telefónicas.

Quarto pressuposto: tem de haver razões para querer que a diligência das escutas telefónicas
é indispensável à descoberta da verdade (princípio da proporcionalidade por força do artigo
18º) ou que a prova seria de outra forma impossível ou muito difícil de obter.

Quinto pressuposto: as escutas telefónicas só podem ser realizadas relativamente aos crimes
enumerados no artigo 187º, nº1 do CPP e é uma enumeração taxativa, a não ser que haja uma

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lei especial como já foi referido (lei processual extravagante), mas quando não haja essa lei
especial temos de ir para o artigo 187º do CPP e só pode ser naqueles crimes.

E agora, ainda dentro dos pressupostos importa saber quem pode ser sujeito à interceção e
gravação das comunicações, e para sabermos esse pressupostos temos de ter em conta o
artigo 187º, nº4 do CPP que diz: “só pode ser sujeito a interceção e gravação de
comunicações, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado:
primeiro, suspeito ou arguido; segundo, pessoa que sirva de intermediário e em relação à qual
haja fundadas razões para crer que recebe ou transmite mensagens provenientes ou
destinadas ao arguido; terceiro, vítima do crime, e aqui é mediante o consentimento efetivo
ou presumido”. Este artigo 187º, nº4 do CPP que diz quem são os sujeitos que podem ser
objeto de interceção levanta várias questões, que vamos ver na próxima aula.

Aula Teórica (04/11)

Vamos ver os demais pressupostos das escutas telefónicas, já começamos por referir os mais
importantes. Continuado com a aula passada, quais são as dificuldades que este artigo 187º,
nº4 do CPP? Como podemos imaginar, o regime das escutas telefónicas suscita várias
discussões entre a doutrina, e muitas deles têm a ver com a própria interpretação dos artigos,
e há várias dificuldades quanto à redação do artigo 187º, nº4 do CPP levanta. Primeira
dificuldade: o despacho a autorizar a interceção e gravação tem de especificar as pessoas
concretas relativamente às quais é permita essa interceção, o que é que isto implica? Implica
que o OPC tem de se certificar que a conversação respeita às pessoas cuja gravação foi
autorizada, e não pode fazer essa interceção e gravação se se tratar de outra pessoa. Isto é
muito difícil, e acontece muitas vezes que o OPC capte e grave conversações de pessoas não
autorizadas. Nesse caso, o que é que nós fazemos? De acordo com o artigo 188º, nº6, alínea
a) do CPP, o JIC deve determinar a destruição imediata dos suportes técnicos e relatórios dos
OPC. Mas já tendo em conta o artigo 187º, nº6 do CPP parece que é possível um
procedimento diverso do referido atrás, porquê? Porque o artigo 187º, nº6 do CPP faz uma
ressalva para o artigo 187º, nº7 do CPP que permite o seguinte: que os conhecidos furtuitos
(no sentido de serem conhecimentos entre pessoas que não eram as visadas) podem ser
utilizados noutro processo em curso ou a instaurar se tiverem resultado da interceção de meio
de comunicação pelas pessoas referidas no nº4, e na medida em que forem indispensáveis à
prova de crime relativamente ao qual a lei admite esse meio de obtenção de prova.

O que é que, por exemplo, o professor Germano Marques da Silva retira desta suposta
incoerência entre estas duas normas? A interpretação pelo professor Germano Marques da
Silva é que as conversações ou comunicações entre pessoas diversas daquelas relativamente
às quais a escuta foi ordenada podem ser utilizadas, no âmbito do artigo 187º, nº7 do CPP,
desde que o meio de comunicação seja o utilizado pela pessoa a quem a escuta foi permitida.
Portanto, para ele é possível, tendo em conta este artigo, ele utilizar conversações e
comunicações relativas as outros crimes, e a única condição é que seja um crime no qual se
admite a utilização de escutas telefónicas e que o meio visado seja o meio utilizado por
aquelas pessoas em relação às quais foi utilizado a escuta telefónica.

Aula OT (04/11)

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Caso Prático:

António enviou um conjunto de SMS’s a Beatriz, quer ameaçando-a, quer injuriando-a. Com
base no conteúdo dessas mensagens, Beatriz dá início a um procedimento criminal através de
uma denúncia feita à PJ, entrega o conteúdo dessas mensagens.

O tribunal condenou António pela prática do crime de ameaças previsto e punido no artigo
153º, nº1 e nº2 do CP, e também pelo crime de injúrias previsto e punido no artigo 181º, nº1
do CP.

António recorre dessa decisão alegado que a prova do processo é proibida, uma vez que não
estava preenchido os pressupostos de admissibilidade das escutas telefónicas previstos no
artigo 187º do CPP.

Se fosse juiz, como decidiria este caso?

Resposta: aqui qual é a prova? É gravações gravadas pelos OPC de conversações entre
pessoas? Não, aqui foram SMS’s recebidos pela vítima, portanto, quando alguém manda um
SMS a uma pessoa está no fundo a dar-lhe autorização para ela usar esses SMS’s para o que
quiser.

Portanto, toda a fundamentação que lemos do recurso é baseada no regime das escutas
telefónicas. Ora, o regime das escutas telefónicas não se aplicava a este caso porque excluem-
se destas normas o acesso a conversas que já foram realizadas e que se encontram em suporte
físico. Neste caso, qual é o regime que se aplica? Quando as mensagens já foram recebidas,
que regime de prova é que se deve aplicar? Prova documental (artigo 164º do CPP).

Aula Teórica (10/11)

Atualmente há uma parte da doutrina que entende que com a Lei 109/2009 de 15 de
setembro (lei do cybercrime), há uma parte da doutrina que devido a esta lei considera que o
regime processual das escutas telefónicas deixou de ser o regime regra e, por isso, só se aplica
às escutas telefónicas quando se trata de telecomunicações eletrónicas ou recolha de prova
por localização celular (localização física dos agentes que estão a ser alvo de escutas por meio
de mecanismos de localização das operadoras) conservada e, por isso, de acordo com esta
parte da doutrina existe um novo modelo de obtenção de prova digital que está regulado
nesta lei do cybercrime, e não se aplica só aos crimes que a lei do cybercrime se aplica, mas a
todos os que forem cometidos por meio de um sistema informático ou em relação aos quais
seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico.

Há outra parte da doutrina que entende que de acordo com o artigo 189º do CPP, quando não
se trata dos crimes da lei do cybercrime, faz todo o sentido continuarmos a aplicar o regime
das escutas telefónicas por extensão a outros meios técnicos análogos.

Ora bem, mas como nós neste momento estamos a estudar as escutas telefónicas, e continua
a ser o meio de excelência de obtenção de prova quando se trata de crimes com uma certa
gravidade, e até uma das críticas que se faz é que este meio deveria ser e continuar a ser de
caráter excecional, e cada vez mais deixa de ser um meio de prova excecional e passa a ser um
meio de prova comum, mas de qualquer forma temos de saber então os pressupostos de
admissibilidade.

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Voltando ao artigo 187º do CPP, este artigo levanta ainda uma outra questão por parte da
doutrina. No caso de haver uma comunicação ou conversação entre pessoas que não sejam as
indicadas no nº4, portanto, que não foram as pessoas visadas para a utilização de escutas
telefónicas, mas essa comunicação diz respeito ao crime que é o objeto do processo no qual
foi ordenada a escuta. Pode ou não ser utilizada essa informação? Temos uma escuta entre
duas pessoas que não foram as visadas pela escuta telefónicas, mas estão a falar sobre o crime
que é objeto do processo que está em andamento e no qual foi permitido a escuta telefónica
relativamente a certas pessoas. O que é que nós podemos fazer? Para o professor Germano
Marques da Silva, só se pode fazer uma interpretação extensiva do artigo 187º, nº7 do CPP,
isto é, eu posso aproveitar esses conhecimentos.

Há quem defenda a proibição da valoração a todo e qualquer conhecimento furtuito em nome


da exigência constitucional da reserva de lei, portanto, considera que esta norma (artigo 187º,
nº7 do CPP) é inconstitucional.

Ainda há outra parte da doutrina, se repararmos o legislador no artigo 187º, nº7 do CPP diz:
“sem prejuízo do disposto no artigo 248º, a gravação de conversação ou comunicações só
pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de interceção
de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no nº4 e na medida em que for
indispensável à prova de crime previsto no nº 1”, mas a palavra que o legislador utiliza é “pode
ser utilizada”, e esta palavra “pode ser utilizada” para uma parte da doutrina não significa que
pode ser valorada, o que é que isto quer dizer? Eu posso utilizar para notícia de crime, para
uma determinada investigação, mas isso não significa que eu possa valorar como prova.

Ainda só de referir em relação às pessoas as conversações, e houve uma altura da nossa vida
democrática em que isto foi importante, que é: quando se trata de conversações em que
intervém o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-
Ministro. Aqui, relativamente a estes casos há regras mais específicas, isto é, só o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça pode autorizar a interceção e gravação de conversações ou
comunicações em que intervêm estes titulares de órgãos de soberania. Portanto, o que é que
isto significa? Se é preciso autorização do Presidente do STJ para haver gravações quando
envolvam estas pessoas, isto implica que só possam ser utilizadas as conversações em que
essas pessoas sejam alvo de investigação ou em que elas intervenham no crime que é alvo de
investigação, mas que foi autorizado pelo Presidente do STJ. Em consequência, a gravação e
transcrição de escutas em que intervenham esses sujeitos que não tenham sido autorizadas
pelo Presidente do STJ, são provas nulas.

Outra coisa de referir é que sempre que houver conversações entre as pessoas visadas e o
defensor, o artigo 187º, nº5 do CPP proibi a interceção e gravação de conversações entre o
arguido e o seu defensor, tendo em conta fundamentalmente uma coisa que sabemos que é o
segredo profissional. Excecionalmente é possível se o juiz tiver fundadas razões para crer que
essas conversações constituem objeto do elemento do crime em investigação (imaginem que o
advogado está envolvido na pratica do crime).

Por último, o professor Germano Marques da Silva entende que se deve estender esta
proibição de gravar estas conversações a todas as pessoas abrangidas em segredo profissional,
médicos ou ministro de religião (?).

Aula Teórica (11/11)

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Para o juiz Tiago Malheiro (relativamente ao artigo 187º do CPP), nomeadamente no
comentário judiciário ao processo penal, ele defende que se houver uma escuta da qual se
obtenha um conhecimento furtuito e não obedecer a todos estes requisitos do artigo 187º,
nº7 do CPP, que são requisitos cumulativos, todos eles têm de ocorrer para se aproveitar o
conhecimento furtuito, o que é que ele acha? Acha que se houver esse tal conhecimento
furtuito e não cumprir todas as condições do nº7, esse conhecimento pode servir como notícia
do crime ou ser aproveitado em processo pendente, mas sem qualquer aptidão probatória,
portanto, ele considera no fundo que pode ser utilizado, mas sem aptidão probatória.

Ora bem, falta-nos as formalidades das escutas telefónicas. Como sabemos, isso objetivo de
um acórdão que nós lemos muito importante porque o nosso legislador infelizmente no artigo
190º do CPP diz: “os requisitos e condições referidos nos artigos 187º, 188º e 189º são
estabelecidos sob pena de nulidade”, e não faz qualquer distinção que tipo de nulidade
consoante o artigo que é violado, e como nós vimos isso gera uma grande discussão que é a de
saber quando é que a violação das normas regulam as escutas telefonias dá origem a uma
proibição de prova ou quando é que a violação das normas relativas às escutas telefónicas dá
origem a uma mera nulidade no sentido de não ser o instituto da proibição da prova. Quando
se viola um pressuposto relacionado com a proteção de um direito fundamental temos
proibição de prova, quando se viola uma norma meramente processual temos nulidade. Mas
também a professora acrescenta e podemos ter em conta outro critério que é: quando se visa
com aquela norma processual proteger / alcançar um interesse processual penal superior à
descoberta da verdade material. Exemplo: imaginem que a norma que é violada tem a ver com
o princípio da investigação sob garantia judicial, essa violação já vai dar origem a uma
proibição de prova.

Por isso, agora vamos ver as tais formalidades a que está sujeita as escutas telefónicas. É claro
que algumas formalidades estão relacionadas com princípios fundamentais do direito penal
que não devem ser violados e, portanto, pode dar origem à tal proibição de prova, outras são
meras regras processuais que não prevalecem sobre o interesse da procura da verdade
material. Essas formalidades estão no artigo 188º do CPP: primeiro, da diligência é efetuado
auto pelo OPC; também é elaborado o relatório no qual o OPC indica as passagens relevantes
para a prova; descreve de modo sucinto o conteúdo e explica o qual o seu alcance para a
descoberta da verdade; o auto e o relatório são levados ao conhecimento do Ministério
Público de 15 em 15 dias; e por sua vez, o Ministério Público leva ao conhecimento do juiz o
auto, o relatório e as fitas gravadas, no prazo máximo de 48h.

Depois temos um artigo já nosso conhecido que é: o juiz determina a destruição imediata dos
suportes técnicos e relatórios manifestamente estranhos ao processo, com a ressalva do artigo
187º, nº7 do CPP.

Também de acordo com o artigo 188º do CPP, durante o inquérito, a requerimento do


Ministério Público, o juiz determina a transcrição e a junção aos autos das conversações e
comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de uma medida de coação ou de
garantia patrimonial, à exceção do termo de entidade e residência.

Outro aspeto importante em termos de formalidades: a partir do encerramento do inquérito,


o assistente e o arguido podem examinar os suportes técnicos das conversações, e obter cópia
das partes que pretendam juntar ao processo, bem como os relatórios elaborados pelos OPC,
mas tem de fazer isso até ao termo dos prazos previstos para requerer abertura de instrução
ou apresentar contestação. De acordo com o professor Germano Marques da Silva, essa

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limitação de tempo ao acesso às escutas constitui um limite ao contraditório na produção de
prova e, por isso, é uma violação de direito de defesa do arguido (ao contraditório).

Terminámos as escutas telefónicas

Nota: o que vai ser dado agora no resto desta aula já não sai para o primeiro teste, mas vejam
a OT a seguir pois é a resolução de casos práticos.

Vamos falar do agente infiltrado. Continua a ser um meio excecional de investigação, porquê?
Porque mais uma vez é um meio oculto de investigação e colide com direitos fundamentais, e
por isso mesmo só pode ser utilizado excecionalmente. A lei que regula é a Lei 101/2001 de 25
de agosto. Esta lei do agente infiltrado é uma lei que alargou o âmbito de aplicação e as
finalidades desta figura, porque antes desta lei ela só era usada no âmbito do tráfico de droga
e no combate à corrupção e criminalidade económico-estrangeira. Esta lei alargou o âmbito de
aplicação desta figura, porquê? Porque percebeu-se que havia uma necessidade de ter
mecanismos capazes de prevenir e investigar a criminalidade mais grave altamente
organizada, complexa, violenta, transnacional e internacional. Além disso, como Portugal
assinou uma convenção internacional relativa ao auxílio judiciário mútuo em matéria penal
entre os Estados-Membros da União Europeia, e essa convenção admite a figura do agente
infiltrado nos tais crimes relativamente aos quais esta lei alargou o âmbito de aplicação desta
figura. E o que é que acontecia? Se não houvesse este alargamento, haveria uma incoerência.
Portugal quando estivesse no âmbito dessa convenção podia utilizar o agente infiltrado para
certos crimes. Caso não fosse efetuada esta ampliação, tínhamos de admitir ações encobertas
no tráfico de droga e corrupção no âmbito das investigações com os Estados-Membros da
União Europeia, e não podíamos no caso das investigações nacionais utilizar esta figura, o que
seria sem dúvida um pouco contraditório.

Mas como foi dito, como esta figura colide com direitos fundamentais tem de haver sempre
um equilíbrio entre conciliar a necessidade de proteger bens jurídicos com uma política
criminal humanística.

Antes de começarmos a ver qual o regime jurídico as elações encobertas de acordo com esta
lei, interessa saber uma distinção muito importante e que nos vai fazer voltar a uma matéria
que nós já demos em penal. Temos de saber distinguir o chamado agente infiltrado do agente
provocador. Porquê que é tão importante nós distinguirmos o agente infiltrado do agente
provocador? Porque o agente provocador é proibido, é uma prova proibida, toda a prova
obtida por um agente provocador não pode ser utilizada. Já a prova obtida pelo agente
infiltrado, se obedecer a todos os requisitos que a lei exige, pode ser aproveitado. Qual é a
distinção? O agente provocador cria o próprio crime e o próprio criminoso, porquê? Porque o
que carateriza o agente provocador é que é ele que determina o agente à pratica do crime,
instigando-o ou atuando como autor mediato. Já o agente infiltrado tem uma atividade
meramente informativa, o que é que isto quer dizer? O agente infiltrado começa por obter a
confiança dos suspeitos, e dessa forma passa a ter acesso à informação e a planos que
constituam prova necessária para a condenação, isso significa que muitas vezes o agente
infiltrado, como ganha a confiança dos criminosos, implica que ele possa muitas vezes
colaborar na atividade criminosa, prestado por exemplo auxílio material ou moral, e até
mesmo praticado atos de execução (artigo 6º, nº1 dessa mesma lei).

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Aula OT (11/11)

Caso Prático:

Pelas 06:15, no dia 1 janeiro 2018, 2 agentes da PSP compareceram na discoteca “Roleta
Russa”, em Santos, Lisboa, em resposta a uma chamada de Zulmira, moradora naquela zona,
que alertara para a extrema violência que estava a observar da janela do seu apartamento,
com vista direta para a saída da referida discoteca. 3 seguranças privados da discoteca
pontapeavam na cabeça um jovem indefeso.

Ao chegarem ao local, os agentes da PSP viram 3 seguranças privados a lançarem o corpo de


um jovem para uma valeta na berma da estrada. Após os agentes terem solicitado o socorro
médico detiveram os seguranças, António, Bento e Carlos por suspeita da prática como
coautores de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punido nos artigos 131º, 22º
e 23º do CP.

O Ministério Público deduziu acusação contra António, Bento e Carlos pela prática como
coautores de um crime de homicídio na forma tentada.

António estava já a ser investigado noutro processo por suspeita de um crime de ameaça
cometida por telefone, no âmbito da qual foram realizadas escutas telefónicas, ordenadas por
um juiz de instrução. Esse processo veio a ser arquivado, mas antes o Ministério Público
extraiu dele certidão e remeteu aos presentes autos o teor das escutas que incriminavam os
arguidos pela prática dos crimes de que estavam acusados e pronunciados no presente
processo. O juiz de julgamento recebe as transcrições relevantes de suportes técnicos das
escutas.

Como deverá proceder o juiz de julgamento?

Resposta: bem, isto tem a ver com que matéria? Com o artigo 187º do CPP, ou seja, a
admissibilidades das escutas telefónicas em relação ao quê? A um processo diferente do qual
está a ser investigado, ou seja, conhecimentos furtuitos.

Portanto, a resposta era claramente relativa ao regime conhecimentos de furtuitos obtidos


através de uma escuta válida e saber se eles podem ser utilizados noutro processo. A ideia é
que este conhecimento foi descoberto num outro processo que era relativo a um crime de
ameaça por telefone. Nesse caso, as escutas telefónicas foi apanhado uma conversa em que se
provava a prática do crime por A, B e C coautores por tentativa de homicídio. Pode ou não ser
aproveitado? Artigo 187º, nº7 do CPP. Para já, os outros requisitos verificavam-se? O sujeito
objeto de escuta telefónica é um dos sujeitos que pode ser sujeito a escuta telefónica à luz do
artigo 187º, nº4, alínea a) do CPP. Quando aos crimes seria o artigo 187º, nº1, alínea a) do CPP,
isto é, de acordo com o regime dos conhecimentos furtuitos, tem de ser um crime de catálogo.
E agora, o grande problema era se era indispensável para a prova do crime tentado, ou seja,
tendo em conta os dados que temos da hipótese em que há uma testemunha que é a tal
Zulmira, há os agentes da PSP que chegaram ao local e viram eles a atirarem o corpo para a
berma, tudo isso leva-nos eventualmente a chegar à conclusão que esta prova não era
indispensável neste processo, e como sabemos, de acordo com o artigo 187º, nº7 do CPP só se
deve utilizar se se provar na medida em que for indispensável para a prova do crime.

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Outra coisa de referir, mas que tem a ver mais com uma formalidade, o juiz de julgamento tem
de validar a obtenção desses conhecimentos furtuitos, isto é, é o juiz de julgamento do
processo em curso que deve verificar os requisitos de conhecimentos furtuitos, incluindo a
ponderação da indispensabilidade, que era a grande dúvida, nomeadamente tem a ver com o
princípio da adequação daquele meio de obtenção de prova.

Caso Prático:

Pelas duas da madrugada, no dia 3 de janeiro de 2018, Antónia que havia escondido de seus
pais a gravidez durante os 9 meses de gestação por vergonha. Sentiu fortes dores e contrações
típicas de parto.

Aproveitando a oportunidade dos seus pais com quem vivia não se encontrarem em casa na
Bobadela, não chamou ninguém, e deu à luz um bebé de parto natural.

De seguida asfixiou-o e dirigiu-se ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, levando consigo o


bebé já sem vida. Nas urgências daquele hospital, os médicos de serviço, verificando a morte
do bebé, perguntaram a Antónia pelo que havia sucedido. António esclareceu que o bebé
havia nascido já morto em casa de parto natural.

Não acreditando minimamente nesta explicação, e face à evidência das marcas encontradas
no bebé que indiciava muito fortemente a morte provado por asfixia, os médicos chamaram o
agente Paulo da PSP. Assim que Antónia deslumbrou o agente da PSP começou a correr para a
porta da saída, gritando que não seria presa.

O agente da PSP foi no seu encalço e conseguiu detê-la já no estacionamento daquela hospital.
Constitui-a como arguida, comunicou-lhe os motivos da detenção e os direitos, tendo lavrado
os respetivos autos e apresentou-a ao juiz de instrução.

Antónia é acusada pelo Ministério Público pela prática de um crime de homicídio, e a pergunta
é: poderia o tribunal de julgamento valorar como prova o registo de imagem captado pelo
sistema de videovigilância do Hospital de Santa Maria.

Resposta: de acordo com o artigo 167º do CPP diz: “as reproduções fotográficas,
cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo eletrónico e, de um modo geral,
quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se
não forem ilícitas, nos termos da lei penal”.

Aqui, o que tínhamos de perceber é que a obtenção da prova há que distinguir da produção e
valoração da prova, isto é, a obtenção é licita porque foi feita pelas tais câmaras postas no
Hospital Santa Maria e que respeitam os requisitos legais que já estudámos, captadas pelo
circuito interno do hospital. Já valorar essas provas já depende, pelo artigo 167º do CPP,
considerar-se que essa produção e valoração também fosse lícita, e normal ela é lícita se a
obtenção também foi lícita. Ou, há outra situação, se se demonstrar que era a única forma de
se provar os factos.

Depois outra coisa que também devíamos discutir aqui era quando a prova é obtida por um
particular, porque no fundo aqui a prova é obtida por um particular que é o Hospital de Santa
Maria, e a dúvida é se se aplicam as regras de proibição às provas obtidas pelos particulares?
Há uma parte da doutrina que considera que sim, o artigo 126º, nº3 do CPP estende-se aos
particulares, e há uma parte da doutrina considera que pode ter um regime diferente.

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Outra coisa de referir era depois a livre apreciação da prova por parte do juiz.

Matéria a partir do 1º teste

Aula Teórica (18/11)

Neste momento estamos a ver os meios excecionais de obtenção de prova, que cada vez mais
têm uma relevância / importância prática cada vez maior tendo em conta o tipo de
criminalidade que existe, que é uma criminalidade complexa, organizada, transnacional, tudo
isso implica muitas vezes a necessidade de irmos a estes meios excecionais de obtenção de
prova para conseguirmos ser eficazes no combate a esse tipo de criminalidade, mas tem de
haver sempre equilíbrio, e por alguma razão são considerados meios excecionais, porque
claramente colidem com direitos fundamentais, desde logo a intimidade da vida privada
(princípio da dignidade da pessoa humana em causa), como por exemplo a figura do agente
infiltrado. Outro princípio que pode ficar em causa com a figura do agente infiltrado é o
princípio da não autoinculpação, ninguém é obrigado a se autoinculpar.

Mas apesar de todas estas oposições à figura do agente infiltrado, esta é uma figura que cada
vez mais é utilizada, aliás, o seu âmbito de aplicação é sucessivamente alargado, porquê?
Porque cada vez mais temos uma criminalidade complexa, transnacional, que implica a
utilização destes meios se o Estado tiver tido invocado o combate a este tipo de crimes. Tem
de haver o equilíbrio, por um lado, entre a necessidade da procura da verdade material e a
prevenção e combate da criminalidade e, por outro lado, temos que harmonizar com os
direitos fundamentais, e é este equilíbrio que é difícil de fazer em direito processual penal. As
grandes questões da prova têm a ver com isto. O Estado tem de ter cuidado com a forma
como atua na investigação, sob pena de não atuar de boa-fé.

Uma coisa é certa, o agente infiltrado não pode atuar como agente provocador, porquê? O
que é um agente provocador? É alguém que determina outro na prática de um crime, e este é
totalmente proibido, porque acha-se que viola-se, desde logo, o princípio da igualdade,
porquê? Porque em última análise, o investigador parte do pressuposto que aquela pessoa
tem propensão para o crime, e também não liberdade de decisão por parte daquela pessoa. E
o agente infiltrado? Ele pode praticar atos, mas não pode instigar. E aqui há uma discussão na
doutrina, na qual o Professor Manuel Valente considera que se o agente infiltrado praticar o
primeiro ato já é para ele uma figura proibida, não pode ser ele a ter como incumbência a
prática do primeiro ato daquele crime.

Mas qual é a natureza do infiltrado? Como o próprio nome indica, ele infiltra-se num
determinado meio, faz-se passar por outrem, como uma identidade fictícia, ganha a confiança
de outro ou outros, e através dessa confiança passa a fazer parte do grupo, e muitas vezes é
cúmplice, e muitas vezes é coautor. É uma figura extremamente perigosa. Nós vamos ver que a
propósito do regime jurídico, só pode utilizar esta figura a PJ, e pode, sendo que há uma
discussão na doutrina, mas pode à luz da nossa lei utilizar outra pessoa, mas sob a direção da
PJ (não percebi se foi isso que ela disse, mas penso que seja algo do género).

O que é que distingue o agente infiltrado do agente encoberto? O que é que acontece nesta
figura do agente encoberto? Para já, o agente encoberto não ganha a confiança dos outros

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membros da organização, e o que é que ele faz? Ele aparece num local onde ele sabe que se
praticam determinados tipos de crime, por exemplo, um café onde se saber que são
transacionadas peças roubadas e, portanto, o agente vai para lá à paisana e vem o que é que
se passa naquele café, tem um papel passivo, está lá a observar. Esta atuação do agente não
tem nada a ver com a do agente infiltrado, porque há uma absoluta passividade relativamente
à atividade criminosa, e há uma inexistência de relação pessoal com os agentes do crime. Além
disso, como esta figura tem estas caraterísticas, não precisa de ser da PJ, isto é, pode atuar
como agente encoberto qualquer OPC. Além disso, como sabemos o agente infiltrado só pode
ser utilizado para determinados crimes, no caso do agente encoberto não há uma lista
taxativa.

Quanto ao agente infiltrado, pressupostos: primeiro, só se pode utilizar a figura do agente


infiltrado nos crimes enumerados na lei, ou seja, taxativa (Lei 101/2001); segundo, só pode ser
agente desta figura por PJ, a competência subjetiva pertence à PJ; e os pressupostos para
poder usar esta figura são: adequação da ação infiltrada à prevenção e repressão da ação
criminal do caso concreto, esta adequação em certo sentido cabe dentro da chamada
proporcionalidade que deve existir na utilização deste meio de prova, e é por isso que para
além de adequada esta ação tem de ser proporcional aos crimes e à gravidade dos crimes a
investigar. Outro requisito que se retira da lei, nomeadamente o artigo 3º, nº1 da Lei
101/2001, é que o recurso à figura do agente infiltrado obedece a uma prévia recolha de
elementos objetivos capazes de demonstrar fortes indícios de que se está perante um suspeito
ou suspeitos da prática de crimes previstos no artigo 2º da Lei 101/2001. Ainda a propósito
dos pressupostos, o objetivo tem de ser a obtenção de provas reais e pessoais, com finalidades
exclusivas de prevenção ou repressão. O que é que acontece se nós tivermos um agente
infiltrado que não obedece a todos estes requisitos e pressupostos? É prova proibida.

Outro aspeto relevante deste regime jurídico que é: tem de haver tutela jurisdicional desta
figura do princípio ao fim, e é por isso que para se recorrer à figura do agente infiltrado tem de
haver uma autorização prévia da autoridade judiciária, o que significa que tem de haver
autorização prévia do Ministério Público na fase do inquérito, e autorização prévia por parte
do JIC na fase da instrução.

Já o professor Manuel Valente considera que a entidade competente para proceder à


autorização desta figura tem de ser sempre o JIC, porque trata-se de um meio extremamente
intrusivo da esfera privada do sujeito.

Outro aspeto: tem de haver um relatório por parte do agente infiltrado para haver o controle
judiciário da sua atividade (artigo 3º, nº6 da Lei 101/2001).

Outro aspeto relevante também ainda sobre o agente infiltrado: o agente infiltrado tem
liberdade de participar, ou seja, o agente da PJ tem liberdade de atuar de agente infiltrado, o
que é que isto significa? Ninguém pode ser obrigado a atuar como agente infiltrado, isto
decorre do próprio perigo do agente infiltrado.

Na fase de julgamento, para não ser descoberto, ele continua a atuar dentro da audiência de
julgamento como agente infiltrado. E, além disso, o juiz só deve chamar o agente infiltrado se
tal for essencial, se não deve evitar esse tipo de confronto.

Por último, o agente infiltrado não pode ser responsabilizado pelos atos praticados no âmbito
da sua atuação. Já no caso de ser provocador, pode e, além disso, as provas proibidas que se
obtiver podem ser utilizadas contra ele.

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Aula OT (18/11)

Análise do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (20/11/2018):

A atuação do Jaime, independentemente de sabermos as atuações prévias, é de provocador


ou de infiltrado? No fundo, o que é que o funcionário Jaime facilitou? Ele serviu de
intermediário, e o que ele possibilitou foi que a droga fosse retirada do contentor e chegasse
aos autores que levassem a droga para o destino final. E isso de possibilitar que a droga saia do
contentor e chegue a determinadas pessoas, que por sua vez levam a droga ao destino final,
pode ser considerada instigação? A professora acha que não, e o tribunal também achou que
não. Toda a operação do tráfico de estupefacientes já está montada, ele apenas possibilita a
saída da droga de um contentor para ser entregue aos tais agentes que vão levar ao destino
final. Mas sem a sua atuação também não seria possível. Mas o facto do seu contributo ser
essencial não o torna agente provocador, porque o início da atividade dá-se muito antes.

“Em suma, importava saber se essa ação encoberta tinha determinados arguidos ou algum dos
arguidos a agirem nos termos apurados e indagar se o agente da PJ e/ou o seu colaborador em
Portugal ou em Espanha induziram qualquer um dos arguidos a praticar qualquer um dos
factos dados como provados, sob a intervenção do agente encoberto (chama-se encoberto
porque neste caso ele não faz a distinção entre agente infiltrado e agente encoberto, o
diploma que regula os agentes infiltrados chama-se mesmo “regime jurídico das ações
encobertas”, portanto, é normal que às vezes os nossos juízes digam agente encoberto invés
de agente infiltrado), o funcionário Jaime, tal ficou ao que se julga afastada, na sequência do
depoimento deste agente e dos depoimentos dos inspetores S e O, que explicaram com lógica,
coerência, de forma credível as circunstâncias que a PJ foi contratada pela DEA, concluindo a
partir destas explicações não contraditadas de forma consistente por qualquer um dos
arguidos, que a PJ e o agente encoberto se limitaram a aceder a um pedido da organização no
sentido de diligenciar pelo desembarque da cocaína à qual quando esse pedido foi feito já
tinha sido introduzida no contentor, factos que foram aliás dados como provados. Foi nestas
circunstâncias que o funcionário Jaime se fez passar por um colaborador da organização,
retirando a droga do contentor e guardando-a para a entregar às pessoas que a viessem
buscar. Esta atuação do funcionário Jaime não merece qualquer reparo, tanto mais que as
ações encobertas obrigatoriamente levadas a cabo sob o controle de uma autoridade judiciária
são admitidas na nossa legislação, sendo os crimes de associação criminosa e de tráfico um dos
que permite”.

E a atitude do Calvo? A professora acha que houve contradição entre as afirmações feitas
pelos arguidos e as testemunhas e, portanto, foi difícil de determinar o papel do Calvo. Mas
imaginem que o Calvo foi determinante, ou seja, foi ele que determinou à prática do facto, fez
toda esta operação iniciar-se. Ou se defendermos, por exemplo, a tese do professor Manuel
Valente, foi ele que fez o ato inicial. Então é provocador. Se o tribunal português chegasse à
conclusão que ele era provocador, podia-se ou não aproveitar as provas? Podia, indo à
doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada, ou seja, temos de saber se se aplica o efeito à
distância, isto é, a prova nula obtida pelo agente Calvo e a nulidade se estende a todas as
outras provas. Será que a atuação do Jaime é suficientemente independente para não ser
afetada pela nulidade da prova obtida pelo agente Calvo? Qual é o princípio que vai funcionar?
(afastou do micro e não deu para se perceber nada e do nada perguntou isso) Princípio ne bis
in idem.

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Aula Teórica (24/11)

Podem ser objeto de buscas os locais reservados ou não livremente acessíveis ao público
(artigo 174º, nº1 e nº2 do CPP), e é claro que tem de haver indícios de que se encontram
objetos nesses locais relacionados com o crime ou que possam servir de prova. Quem é que
tem competência para fazer as buscas? Qual é a regra? A regra é que uma busca tem de ser
autorizada ou ordenada por despacho da autoridade judiciária competente, e deve presidir a
essa diligência sempre que possível (artigo 174º, nº3 do CPP). Excecionalmente, as buscas
podem ser efetuadas pelos OPC sem autorização da autoridade judiciária competente, e as
situações em que tal é possível vêm enumeradas no artigo 174º, nº5 do CPP. Apesar de
termos esta enumeração, neste casos o que é que vai acontecer? A realização da busca é
imediatamente comunicada ao JIC e apreciada em ordem à sua validação, sob pena de ser
invalidade se não houver este processo (artigo 174º, nº6 e 118º, nº1 do CPP).

Por último, é de referir que à luz do artigo 251º, nº1, alínea a) do CPP, os OPC podem ainda
proceder a buscas no lugar onde se encontram suspeitos sem prévia autorização da autoridade
judiciária sempre que tiver fundada razão para crer que nesses lugares se ocultam objetos
relacionados com o crime suscetíveis de servirem de prova, e que caso a busca não seja feita
podem perder-se. Estamos a falar de quê? Medidas cautelares e de polícia. Mais uma vez, o JIC
tem de comunicar à autoridade judiciária competente para sua validação (artigo 251º, nº2 do
CPP).

Vamos começar por um tipo de buscas que tem regras especiais: busca domiciliária. A busca
domiciliária está regulada no artigo 177º do CPP, e tem regras específicas porque está em
causa a proteção constitucional da reserva da intimidade da vida privada, consagrada no artigo
26º, nº1, artigo 32º, nº8 e artigo 34º, nº1, nº2 e nº3 da CRP.

Vamos começar com a busca domiciliária em casa habitada ou numa dependência fechada
durante o dia [vamos ter de distinguir a busca domiciliária durante o dia (entre as 7h e as 21h)
e durante a noite]. A busca pode ser feita pelo OPC ou ordenada pelo Ministério Público, em
que casos? Nos casos artigo 177º, nº3 do CPP. Em todos os outros casos que não estes, a
busca domiciliária durante o dia só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz [artigo 177º, nº1
e artigo 269º, nº1, alínea c) do CPP].

Quanto à busca no domicílio durante a noite (entre as 21h e as 7h), quando é que pode ser
feita uma busca no domicílio durante a noite? Artigo 177º, nº2 do CPP.

Ainda a propósito das buscas, temos de individualizar mais um caso, que é a busca em
escritório de advogado ou em consultório médico [artigo 177º, nº5 e nº6 e artigo 268º, nº1,
alínea c) do CPP]. O que é que acontece? Esta busca é sob pena de nulidade autorizada ou
ordenada e presidida pessoalmente pelo juiz, porquê? Porque à proteção de domicílio junta-se
a proteção do segredo profissional. E depois há uma regra, que causa alguma polémica, que é:
tem de haver prévio aviso para haver esta busca ao presidente do conselho local da ordem dos
advogados ou dos médicos, e estes podem estar presentes ou um seu delegado. Causa alguma
polémica porque se se tem de avisar previamente o presidente do conselho local da ordem
dos advogados, corre-se o risco de este avisar o advogado. Tratando-se de busca em
estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao
presidente do conselho diretivo ou de gestão de estabelecimento ou a quem legalmente o
substituir.

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Ainda a propósito desta busca de domicílio, é de referir que há um acórdão do Tribunal
Constitucional 452/39, que diz que se considera domicílio segmentos habitacionais e caravanas
de pessoas nómadas em trânsito ou estacionadas. Outro acórdão para relativamente a esta
matéria é o acórdão do Tribunal Constitucional 126/2013, o que é que aconteceu? A busca foi
feita a casa do suspeito, e quem deu consentimento para entrar em casa foi a mulher do
arguido, e discutiu-se o que é que o legislador quer dizer com “o consentimento do lesado”, se
abarca também as pessoas que vivem na mesma casa. Ora, o Tribunal Constitucional concluiu
que o consentimento da busca tem de ser dado pelo arguido, não pode ser dado por pessoa
diferente, mesmo que seja um co-domiciliário.

Vamos então agora às revistas: as revistas têm como objeto as pessoas, ao contrário das
buscas que têm como objeto os locais, e tem lugar quando houver indícios de que alguém
oculta na sua pessoa quaisquer objetos relacionados com o crime ou que possam servir de
prova. Estas revistas devem ser feitas sem ofender o pudor das pessoas revistadas.

Competências para as realizar: em regra, as revistas têm de ser ordenadas ou autorizadas por
despacho da autoridade judiciária competente, devendo esta presidir à revista sempre que
possível (artigo 174º, nº2 e nº3 do CPP), e podem ser efetuadas por OPC sem autorização da
autoridade judiciária nas situações do artigo 174º, nº5, artigo 251º, nº1 do CPP.

Depois há ainda uma nota a fazer a propósito das revistas que é: os OPC podem revistar
pessoas que tenham participado ou pretendam assistir a qualquer ato processual, ou que na
qualidade de suspeitos devam ser conduzidos a um posto policial, mas tem de haver razões
para crer que ocultam armas ou outros objetos com os quais podem praticar atos de violência.
Mas esta revista é uma revista de segurança, não é uma revista enquanto meio de obtenção
de prova.

Vamos falar dos exames: os exames é outro meio de obtenção de prova, e servem para
inspecionar os vestígios que possa ter deixado o criminoso e todos os indícios relativos ao
modo de como foi praticado o crime, nomeadamente vestígios relacionados com a vítima, com
o lugar onde foi praticado, o modo como foi pratico, etc… (artigo 171º do CPP). Competência:
podem ter lugar estes exames por iniciativa própria dos OPC [artigo 55º, nº2, artigo 171º, nº4,
artigo 173º e artigo 249º, nº1, alínea a) do CPP], mas se for um exame suscetível de ofender o
pudor das pessoas, só pode assistir a autoridade judiciária competente [artigo 172º, nº3 e
artigo 270º, nº2, alínea c) e artigo 290º, nº2 do CPP]. Se alguém se pretender eximir a facultar
coisa que deva ser examinada ou obstar um exame que lhe é devido, à luz do artigo 172º, nº1,
última parte, artigo 60º, parte final, e artigo 61º, nº3, alínea d) do CPP, pode a autoridade
judiciária compelir essa pessoa a fazer exame. Por fim, só pode ser o juiz a realizar um exame
que envolva caraterísticas físicas ou psíquicas da pessoa que não tenha prestado
consentimento, como é o caso de exames que envolvam análises ao sangue ou outras células
corporais como o conhecido ácido desoxirribonucleico.

Aula Teórica (25/11)

Quanto às apreensões, estas também são um meio de obtenção de prova, incidem sobre
objetos que tiver servido ou tivesse destinados a servir a prática de um crime, ou objetos que
constituem o produto ou lucro ou recompensa do crime, e ainda todos os objetos que possam

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servir de prova, nomeadamente que tenham sido deixados pelo agente no local do crime.
Desta descrição, que está no artigo 178º do CPP, podemos retirar que a apreensão não é
apenas um meio de obtenção de prova, porquê? Porque pode visar a apreensão de objetos
que constituem vantagens ou lucros do crime, e o destino final desses objetos é a perda a
favor do Estado (artigo 109º e artigo 110º do CP e artigo 186º do CPP). Não se deve confundir
esta apreensão do objeto das vantagens e dos lucros do chamado arresto preventivo (artigo
228º do CPP), e também não se deve confundir esta apreensão do objeto com a caução
económica (artigo 227º do CPP). O arresto preventivo e a caução económica destinam-se a
garantir o pagamento da pena pecuniária. E o que é que pode acontecer? Como são figuras
diferentes, pode acontecer que a apreensão dos lucros possa ser convertida em arresto
preventivo (artigo 186º, nº5 do CPP).

Quem é que tem competência para fazer as apreensões? Primeiro, podem ser feitas pelos OPC
no decurso de revistas e buscas. E também pode ser feitas pelos OPC quando haja urgência ou
perigo de demora (medidas cautelares e de polícia) (artigo 249º do CPP), e nestes casos têm
de ser validadas pela autoridade judiciária no prazo máximo de 72h (artigo 178º, nº3, nº4 e
nº5 do CPP). Depois, podem ser autorizadas, ordenadas ou validadas pelo Ministério Público,
sem prejuízo de o visado poder requer a um juiz de instrução modificação ou revogação da
medida (artigo 178º, nº6 do CPP). Por último, pode ser autorizadas ou ordenadas por
despacho da autoridade judiciária competente na fase em que se esta, como por exemplo o
JIC.

Há dois tipos de apreensão que têm regras especiais: a apreensão de correspondência (artigo
179º do CPP) e a apreensão de correspondência em escritório de advogado, ou consultório
médico, ou em estabelecimento bancário (artigo 180º e artigo 181º do CPP). Para já, porque é
que a apreensão de correspondência está sujeito a um regime especial? Porque está
relacionada com uma proteção constitucional, que é o sigilo da correspondência, que é
inviolável à luz do artigo 34º, nº1 e nº4 da CRP, e é por isso, como é um direito fundamental,
só pode ser restringindo se estivermos no âmbito de um processo criminal e nos casos
previstos na lei. Quem é que pode ordenar uma apreensão de correspondência? Primeiro, o
juiz, o juiz é quem pode autorizar ou ordenar a apreensão de correspondência desde que
tenha fundadas razões para crer que ela foi expedida ou é dirigida ao suspeito, mesmo que
seja sob nome diverso ou através de pessoa diversa. Também tem de ser de crime superior a 3
anos. E, por último, tem de se demonstrar que esta apreensão da correspondência é de grande
importância para a descoberta da verdade ou para a prova. A correspondência vai ser
transmitida intacta ao juiz que a tiver ordenado ou autorizado, por forma a decidir qual a sua
relevância probatória (artigo 179º, nº3 e do artigo 252º, nº1 do CPP), com exceção dos casos
do artigo 252º, nº2 do CPP em que o juiz pode autorizar aos OPC a abertura imediata de
encomendas, e ainda à luz deste artigo (nº3), os OPC podem retardar a remessão de
correspondência nas estações de correios e telecomunicações, e ao retardar o que é que eles
querem? Que o juiz decida em 48h se podem apreender aquela correspondência ou não.

Vamos então agora à apreensão de correspondência em escritório de advogado ou consultório


médico ou estabelecimento bancário: aqui, mais uma vez, ao direito ao sigilo associa-se o
segredo profissional, e é por isso que temos normas específicas (artigo 180º e 181º do CPP), e
quanto à competência do JIC para ordenar estas apreensões, também resultado do artigo
268º, nº1, alínea c) do CPP. No caso de se tratar de correspondência entre o arguido e o seu
defensor, ela só pode ser feita se houver fundadas razões para crer que aquela constitui objeto

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ou elemento de um crime (artigo 179º, nº2 do CPP), sob pena de nulidade (artigo 118º do
CPP).

Vamos agora passar aos meios de prova. Terminámos os meios de obtenção de prova,
interessamos agora falar um pouco sobre os meios de prova. E de todos os meios de prova, o
que vamos desenvolver mais, porque muitas vezes tem uma importância e é dominante, é a
prova testemunhal.

A prova testemunhal é essencialmente constituída pela narração de um facto juridicamente


relevante de que a testemunha tem conhecimento, conhecimento esse que advém
normalmente da visão e audição, mas também pode advir de outros sentidos, mas é preciso
ter em atenção que apesar da prova testemunhal ser descrita desta forma, importa fazer uma
distinção a propósito do objeto da prova testemunhal: normalmente a prova testemunhal é
constituída pela narração dos factos que constituem o tema de prova e de que ela teve
conhecimento direto, e aqui fala-se em testemunho direto; mas a prova testemunhal também
pode incidir sobre meios de prova desses factos, mas a pessoa não relata o facto que
percecionou, mas meios de prova sobre os factos que ela percecionou.

Depois, a testemunha também pode ter que relatar ou incidir sobre factos considerados
relevantes para valorar a credibilidade do testemunho, nomeadamente circunstâncias normais
do testemunho.

Excecionalmente, a prova testemunhal pode consistir em juízos de valor / opiniões, mas tem
de se verificar as condições previstas no artigo 130º, nº2 do CPP.

Desta descrição da prova testemunhal podemos retirar que há uma classificação do


testemunho. Pode se falar em testemunho direto ou em testemunho indireto (ou testemunho
de vista ou testemunho de ouvi dizer). Qual é a diferença? Testemunho direto reporta-se
diretamente aos factos, a testemunha é inquirida sobre os factos que possui conhecimento
direto e que constitui objeto de prova (artigo 128º, nº1 do CPP). O tal testemunho indireto
reporta-se aos meios de prova dos factos e, portanto, não respeita imediatamente aos factos,
e só excecionalmente a pessoa pode ser inquirida sobre factos que tenha conhecimento
indireto.

Aula OT (25/11)

Vamos então ao depoimento indireto. Como sabemos, excecionalmente pode haver


depoimento indireto, a pessoa é inquirida sobre algo que não percecionou diretamente, mas
percecionou um meio de prova sobre os factos, e é por isso que o testemunho indireto se
divide em testemunho do ouvi dizer, aqui o que é que acontece? Exemplo: relato da
testemunha sobre o que ouviu o ofendido dizer sobre a autoria de dada agressão. Mas o
testemunho indireto não é só o testemunho do ouvir dizer, é também o testemunho sobre
meios de prova sobre os factos (não tem propriamente nome, mas pode ser designado como
testemunho de vista), exemplo: imaginem que alguém leu um documento sobre um facto que
é tema de prova, se ela descrever este documento, o que é que leu, está a testemunha
indiretamente e não é testemunho de ouvi dizer (artigo 129º, nº2 do CPP).

No caso do testemunho do ouvir dizer, o juiz o que é que tem de fazer? Tem de chamar as
pessoas que a testemunha disse que disseram, porque se não o fizer o depoimento produzido
não pode servir como meio de prova. Exceto, primeiro, se for impossível a inquirição da pessoa

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que disse em razão da morte, em razão de anomalia psíquica superveniente, ou da
impossibilidade de ser encontrada.

Há aqui também um aspeto interessante a propósito deste testemunho de ouvi dizer que é: se
o juiz chamar a pessoa que a testemunha diz que disse, e se esta se recusar ilicitamente a
aparecer, está cumprido o dever procedimental que condiciona a admissão do depoimento
indireto.

Vamos agora passar aos direitos e deveres da testemunha. Direitos: primeiro, tem direito de
audiência; tem direito no tratamento correto por parte do tribunal, ao tribunal competente a
proteção da honra e direitos de personalidade da testemunha; tem direito a uma
indeminização se tiver feito despesas para comparecer no tribunal (artigo 317º do CPP), e essa
indemnização será considerada custo do processo; a testemunha pode fazer-se acompanhar
por advogado, que informa quando necessário dos seus direitos sem intervir na inquirição
(artigo 132º, nº4 do CPP). Depois há uma controvérsia na doutrina, que todos estão de acordo
com o advogado da testemunha não pode ser o advogado do defensor do arguido; quanto ao
advogado do assistente e das partes civis, já há uma opinião diferente na doutrina, há quem
diga que sim, há quem diga que não pode. Outro aspeto sobre os direitos da testemunha, e
aqui uma testemunha especial, que é a lei especial de proteção de testemunhas e de outros
intervenientes no processo contra formas de ameaça, pressão, intimidação, nos casos de
terrorismo, criminalidade violenta e organizada. Este estatuto ou regulamentação da proteção
de testemunhas está na Lei 93/99 (remete o artigo 139º do CPP para esta lei).

Qual é o regime que carateriza esta proteção especial? Este regime carateriza-se
fundamentalmente pela ocultação da testemunha, fala-se em testemunha encoberta. O que é
que significa? Significa que a prestação de declarações ou de depoimento é feita com
ocultação da imagem e/ou distorção de voz, para evitar o reconhecimento da testemunha.
Quem decide pela não relevação da identidade da testemunha é o JIC a pedido do Ministério
Público, que antes de decidir prossegue a um debate oral e contraditório entre o Ministério
Público e o representante de defesa sobre os fundamentos do crime. De acordo com o artigo
19º, nº2 da Lei 93/99, o valor probatório de uma testemunha encoberta é necessariamente
limitado, e como podemos imaginar o contraditório não pode ser exercido no seu pleno e,
portanto, não pode ter o mesmo valor que a prova testemunhal sem ser encoberta tem.

Outra figura de referir é a chamada testemunha suspeita. Valor probatório das suas
declarações: qual é o valor probatório da testemunha suspeita? O suspeito presta declarações
como testemunha, tal como a testemunha está obrigado a dizer a verdade, e agora a grande
pergunta é: podem as suas declarações serem usadas contra ele ou contra terceiro se ele vier
posteriormente a ser constituído como arguido? Há quem defenda que sim, porque a
testemunha tem sempre direito à constituição como arguido. O professor Germano Marques
da Silva inclina-se para considerar que as declarações prestadas pela testemunha suspeita que
posteriormente venha a ser constituída arguida, não deve ser utilizadas como prova, e faz um
paralelismo com as declarações prestadas com a pessoa que deveria ter sido constituída
arguida e não foi (artigo 58º, nº5 do CPP), e dá lugar a proibição de prova, até porque as
hipóteses da testemunha suspeita recursar-se a responder e de constituir como arguido
pressupõe o conhecimento que a testemunha poderá não ter e, por isso, não sabe que pode
dizer que se quer constituir como arguido.

Agora, esta figura da testemunha suspeita que ainda não está constituído como arguida, devia
existir um regime especial e ainda não existe na ordem jurídica portuguesa.

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Vamos passar aos deveres: primeiro, tem o dever de responder com verdade às perguntas que
lhe forem perguntadas, sob pena de incorrer em crime de falso testemunho (artigo 360º do
CP); a testemunha não é obrigada a responder e, por isso, pode-se recusar a responder
quando alegar que das suas respostas resulta a sua responsabilização penal (artigo 132º, nº2
do CPP), mas o mais importante é que é melhor ela recusar-se porque se ela mentir, para que
isso não aconteça ela pode ser responsabilizada pelo crime de falso testemunho, mas, e aqui
vem a parte interessante, é que se ela mentir para não ser responsabilizada, pode ser que
tenha preenchido o crime de falso testemunho, mas a pena pode ser depois atenuada ou
dispensada se se demonstrar que foi nestas circunstâncias (artigo 364º do CP); a testemunha
tem o dever de apresentar-se no lugar e no tempo devidos à autoridade, porque quem tiver
sido legitimamente convocada ou notificada, e tem de se manter à disposição dessa
autoridade até ser por ela desobrigada (artigo 132º, 257º e 268º do CPP); ela tem de prestar
juramento quando ouvida perante a autoridade judiciária, se for ouvida perante um OPC não
tem de prestar juramento (artigo 91º, nº3 do CPP) e tem de obedecer às indicações que
legitimamente lhe forem dadas quanto à forma de prestar juramento.

O testemunho da testemunha tem de ser reduzido a auto, e deve ser redigido conservando
quanto possível as próprias expressões da testemunha.

Outra matéria relevante quanto à prova testemunhal: apesar da prova testemunhal ser
extremamente relevante, há muitos riscos, e o juiz tem de estar ciente desses riscos. O
primeiro risco é a possibilidade do depoimento ser intencionalmente falseado, já sabemos que
mentir constitui crime, mas muitas vezes eles mentem e não são detetados. Outro risco desta
prova é que esta prova é altamente falível dada à complexidade de operações mentais que
formam testemunho. Como podemos imaginar, a prova testemunhal depende da capacidade
de perceção da pessoa, da capacidade de memória, da capacidade de comunicar as
recordações, e infelizmente no nosso direito também depende muitas vezes da memória da
testemunha, porque ele só é interrogado muito mais tarde.

Regras de inquirição das testemunhas: como há estes riscos todos, há uma série de regras,
primeira, o depoimento da testemunha é um ato pessoal que não pode ser feito por
intermédio de terceiro (artigo 138º, nº1 do CPP); a inquirição tem de incidir primeiramente
sobre os elementos de identificação da testemunha; depois, a inquirição incide sobre as
relações de parentescos ou de interesse com o arguido, bem como quaisquer circunstâncias
relevantes para a avaliação do depoimento; só depois de ela ser inquirida é que a testemunha
presta juramento; e, por fim, iniciam o depoimento sobre os factos.

Outro aspeto relevante quanto às regras de inquirição de testemunha: de acordo com o artigo
138º, nº2 do CPP, não devem ser feitas perguntas sugestivas ou impertinentes, nem quaisquer
outras que possam prejudicar a espontaneidade e a sinceridade das respostas, e a entidade
que preside ao ato deve cuidar esta disciplina, e também não devem ser feitas perguntas à
testemunha que não interessam ao objeto do processo. Mas antes de fazer isso, deve tentar
esclarecer-se da motivação da pergunta.

A violação destas regras da inquirição constitui irregularidade do ato, que deve ser suscitada
no próprio ato, e se não for atendida pode dar lugar a recurso.

Agora vamos entrar noutra matéria que tem a ver com a capacidade, os impedimentos, as
imunidades, as recusas por parte da testemunha. Primeiro, qual é a regra? Qualquer pessoa
que tem a capacidade para ser testemunha tem o dever de testemunhar (artigo 131º, nº1 do
CPP), mas pode haver incapacidades. O nº2 também diz outra regra: “a autoridade judiciária

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verifica a aptidão física ou mental de qualquer pessoa para prestar testemunho, quando isso
for necessário para avaliar da sua credibilidade e puder ser feito sem retardamento da marcha
normal do processo”. Se a pessoa estiver naturalmente incapaz para testemunhar por
inaptidão física ou mental, incluindo a falta de maturidade, cabe à autoridade judiciária
verificar essa autoridade, e é ela que decide se deve ou não continuar a prova testemunhal.

Outra figura que não se deve confundir com a capacidade: impedimento. Quando é que há
impedimento de depor como testemunha? O impedimento só pode ter como fundamento a
relação da pessoa impedida com esse processo, que de algum modo afeta a sua credibilidade.
Uma figura que está impedida de testemunhar é o arguido (artigo 133º do CPP), ele pode
consentir, mas mesmo assim a professora acha que nesse caso as declarações que ele fizer não
valem como declarações de testemunha, valem como declarações de arguido. O arguido está
impedido de testemunha até pela forma de meio de prova não é a prova testemunhal, que é
as declarações do arguido, portanto, se ele falar, as suas declarações devem ser tidas como
outro meio de prova que é a declaração do arguido. O arguido só pode depor como
testemunha quando perder a qualidade de arguido ou em processo conexo em que não for
coarguido e nisso consentir.

Quem é que também está impedido de testemunhar? As pessoas que se tiverem constituído
assistentes, a partir do momento da sua constituição. Mais uma vez, o facto de elas não
poderem fazer declarações como testemunhas podem prestar declarações, só que fazem na
qualidade de assistentes, é outro meio de prova (artigo 145º do CPP).

As partes civis também podem prestar declarações na qualidade de partes civis e não como
testemunhas, mas aqui há um reparo: a parte civil só fica impedida de depor como
testemunha relativamente aos arguidos e aos factos geradores da responsabilidade civil que
requerem.

Outra figura que não pode testemunhar são os peritos. Os peritos, em relação às perícias que
tiverem realizado não podem testemunhar. O que é que pode acontecer? Podem aparecer
como outro meio de prova, que é a prova pericial, mas não como testemunha (artigo 157º do
CPP).

Agora as imunidades: certas pessoas, dado às profissões que exercem, gozam de imunidade.
Para além das imunidades, temos também certas pessoas a gozar prerrogativas de certos
poderes relativamente ao poder geral de testemunha (artigo 139º do CPP). Vamos começar
pelas imunidades (artigo 154º, nº3 da CRP), estas imunidades resultam geralmente do direito
internacional ou do direito público interno. Já as prerrogativas de inquirição as principais estão
consagradas no código do processo civil (artigo 624º e 626º do CPC). E que prerrogativas é que
nós estamos a falar? Temos a prerrogativa que algumas pessoas têm de deporem primeiro por
escrito se o preferirem. Outra prerrogativa: ser inquirido na sua residência ou nos respetivos
serviços. Quem é que goza destas prerrogativas? Presidente da República, os juízes dos
tribunais superiores, agentes diplomáticos, membros dos órgãos de soberania (com exclusão
dos tribunais), o Provedor de Justiça, o Procurador-Geral da República, membros do conselho
superior de magistratura e do conselho superior do Ministério Público, oficiais generais das
forças armadas, altos dignatários de convenções religiosas, o bastonário da ordem do
advogados.

Depois temos ainda uma outra figura que é as recusas. Quem é que pode recusar-se a
testemunhar? As pessoas indicadas no artigo 134º do CPP.

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A próxima figura que nós vamos ver é a proibição de testemunho por dever de segredo, isto é,
aqui a própria inquirição sobre os factos impõe-se às autoridades. E quando é que isso
acontece? Quando haja segredo dos funcionários públicos, trata-se de uma verdadeira
proibição relativa de prova (artigo 136º do CPP). Também estão proibidos de inquirir sobre
segredos de Estado (artigo 137º do CPP).

Outra figura relacionada, mas que não se deve confundir é a escusa. A escusa é quando
alguém se recusa a prestar depoimento, em virtude de um poder ou dever de guardar segredo.
Quando a testemunha invoca o segredo profissional, escusando-se a depor, a autoridade
judiciária perante a qual o incidente tiver suscitado vai ter de averiguar o porquê da escusa, e
caso conclusa que os factos sujeitos a depoimento não estão cobertos pelo segredo, pode
pedir ao tribunal que ordene a prestação de depoimento, e se ela não prestar depoimento, há
crime de desobediência, portanto, ficamos perante uma situação em que pode haver escusa e
o tribunal pode, tendo em conta as razões da escusa, considerar que elas não são válidas, e
nesse caso se a pessoa se escusar cumpre o crime de desobediência (artigo 360º do CC).

Matéria depois do 2º teste

Aula Teórica (02/12)

Estávamos a propósito da capacidade de testemunhar a ver os impedimentos, as imunidades,


as prerrogativas, e as recusas que existem. A regra, já sabem, é que qualquer pessoa tem
capacidade para testemunhar (artigo 131º, nº1 do CPP). A credibilidade da testemunha vai ser
apreciada livremente pelo tribunal, porque existe um princípio fundamental que é o princípio
da livre apreciação da prova e, por isso, o tribunal aprecia livremente a credibilidade da
testemunha e a capacidade para testemunhar, e nomeadamente a credibilidade dos factos
que são referidos pela testemunha.

Mas a propósito desta capacidade, existe uma série de figuras que interessa distinguir:
primeiro, incapacidade, que tem caráter geral e se a pessoa tiver uma inaptidão física ou
mental, incluindo falta de maturidade, cabe à autoridade judiciária verificar a sua capacidade
para testemunhar e de decidir livremente ou não sobre a credibilidade ou não do depoimento
(isto é uma prova de que existe o princípio da livre apreciação da prova, e o próprio juiz que
avalia a própria capacidade ou não que a pessoa tem naquele caso em concreto para
testemunhar).

Depois há outra figura que é o impedimento para depor como testemunha: o impedimento
respeitar apenas a determinados processos, e tem como fundamento a relação da pessoa
impedida com esse processo. Em regra, as pessoas impedidas de testemunhar pode interferir
no processo noutra qualidade. De acordo com o artigo 133º do CPP, está impedido de
testemunhar, em primeiro lugar, o arguido. O arguido não pode nunca testemunhar como
testemunha, as declarações que ele efetuar são avaliadas como declarações do arguido. Isto é
muito importante, porque o arguido ao contrário da testemunha não está obrigado a dizer a
verdade (a não ser quanto à sua identidade) e pode remeter-se ao silêncio. O arguido pode
depor como testemunha quando perder a qualidade de arguido nesse mesmo processo, ou em
processo conexo quando não for coarguido e nisso consentir.

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Também esta impedido de testemunhar, para além do arguido, o assistente ou as pessoas que
se constituíram como assistente a partir desse momento (artigo 145º do CPP), e se elas
prestarem declarações prestam-no enquanto assistentes.

Outra figura que também está impedida de testemunhar como testemunha são as partes civis
(artigo 145º do CPP), também podem fazer declarações, mas as declarações vale como
declarações de partes civis e não como prova testemunhal. Mas quanto à parte civil importa
referir que ela só fica impedida de depor como testemunha relativamente aos arguidos e aos
factos geradores da responsabilidade civil.

Depois temos ainda os peritos, os peritos, como sabemos, auxiliam na valoração da prova e
elaboram o relatório pericial com conclusões devidamente fundamentadas e, por isso, o perito
intervém no processo em razão das suas aptidões técnicas, científicas ou artísticas. Não porque
tenha percecionado diretamente os factos que constituem o tema da prova, e é por isso que
eles estão impedidos de depor como testemunha, o seu depoimento é sempre um
depoimento indireto.

Outro instituto que não podemos confundir com a incapacidade ou impedimento: as


imunidades e prerrogativas. O que é que isto quer dizer? Certas pessoas em função da sua
profissão ou das funções que exercem, gozam de imunidades, e algumas não se fala de
imunidades, mas sim prerrogativas relativamente ao poder geral de testemunhar (artigo 139º
do CPP). As imunidades resulta normalmente do direito internacional ou do direito público
interno (a título de exemplo: artigo 154º, nº3 da CRP). Já as prerrogativas de inquirição, as
principais prerrogativas de inquirição estão consagradas no código do processo civil,
nomeadamente nos artigos 624º e 626º do CPC, e nós já ouvimos falar várias vezes destas
prerrogativas na comunicação social, por exemplo uma prerrogativa devido às suas funções
tem de deporem primeiro por escrito se preferirem; outra prerrogativa: serem inquiridos na
sua residência ou na sede dos respetivos serviços. Quem é que goza destas prerrogativas?
Presidente da República, agentes diplomáticos, membros dos órgãos de soberania, juízes dos
tribunais superiores, etc…

Agora vamos falar de outro instituto também relacionado com a capacidade de testemunhar
em geral, que são as recusas. Quem é que se pode recusar a testemunhar? Em primeiro lugar,
as pessoas indicadas no artigo 134º do CPP (ler artigo), no fundo são todas aquelas pessoas
que tenham um tipo de relação com o arguido que justifique a possibilidade de recusa de
depoimento. E elas podem-se recusar a depor e devem ser advertidas dessa faculdade pela
entidade competente para recolher o depoimento, sob pena de nulidade dos depoimentos
prestados.

Quem é que também pode recusar a testemunhar? O arguido do mesmo crime ou de crime
conexo em caso de separação de processos.

Depois temos uma recusa muito peculiar que é: a testemunha pode recusar-se a responder a
perguntas quando alegar que da sua resposta resulta a sua responsabilidade criminal. Esta
prerrogativa é uma decorrência do princípio da não autoincriminação (princípio nemo tenetur
ipsum accusare), é um direito fundamental, e está relacionado com a dignidade da pessoa
humana. Mas aqui um aspeto importante desta recusa de testemunhar alegando que dessa
sua resposta pode resultar a sua responsabilidade criminal: a pessoa vai ter de demonstrar ao
juiz o que for necessário e suficiente para que possa ser considerado, ou seja, vai ter de
demonstrar ao juiz as razões que o levam a recusar testemunhar, sem que isso implica a
confissão prática dos factos, o que é sem dúvida difícil. Se o juiz insistir na resposta, estamos

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perante um caso de proibição de prova. O exercício desta prerrogativa não é fácil, e por isso
muitas vezes a testemunha opta por mentir, que como sabemos constitui crime (artigo 364º
do CP), mas em princípio haverá dispensa de pena à luz do artigo.

Agora vamos a outras figuras que é a proibição de testemunho por dever de segredo. Aqui o
que acontece é que a própria inquirição sobre os factos está proibida e, por isso, esta figura
impõe-se às autoridades. Quando é que elas não podem inquirir sobre determinados factos? É
o caso, por exemplo, de estarmos perante factos que constituam segredo dos funcionários
públicos (artigo 136º do CPP). Outro segredo, segredo de Estado (artigo 137º do CPP, e
também está regulado na Lei 6/94).

E agora vamos entrar então numa outra figura que é a escusa. A escusa já não é uma figura
que se imponha às autoridades, mas é pedida pelo inquirido, isto é, o inquirido recusa-se a
prestar depoimento em virtude de um poder ou dever de guardar segredo. O que é que isto
quer dizer? As pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo, podem
recusar-se legitimamente a depor sob os factos abrangidos pelo segredo. Nesse caso, o que é
que acontece? A pessoa está obrigada a guardar esse segredo, pode legitimamente escusar-se
a responder.

Vamos ver então o regime da escusa: quando a escusa invoca um segredo profissional,
escusando-se a depor, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado tem
de proceder às averiguações necessárias para averiguar / verificar se a escusa é legítima. E
caso conclua que os factos que devem ser objeto do depoimento não estão cobertos pelo
segredo, ordena ou requer ao tribunal que ordene a prestação do depoimento, e neste caso
este depoimento não pode ser recusado, sob pena da prática do crime de desobediência
(artigo 360º, nº2 do CPP).

Outro aspeto do regime interessante: a testemunha pode e deve escusar-se então o dever (de
segredo) se mantiver, salvo se a quebra do segredo resultar do cumprimento de um dever
jurídico sensivelmente superior (artigo 34º do CP). Outro tipo de quebra que pode haver é
quando o dever de testemunhar resulta ou visa afastar um perigo atual e não removível de
outro modo, e que ameasse a vida, a honra, a liberdade do agente ou do terceiro (artigo 35º
do CP).

Quais são os segredos que nós estamos aqui a falar? Estamos a falar do segredo profissional, e
também religioso, e as pessoas abrangidas por este segredo são: Ministro da Religião ou de
Confissão Religiosa, advogados, médicos e jornalistas. O sigilo profissional dos jornalistas está
consagrado e regulado pelo Estatuto dos Jornalistas e pela Lei da Impressa e, portanto, o
jornalista tem o direito de escusa a prestar testemunho, por exemplo, quanto às suas fontes.
Mas face ao artigo 135º, nº3 do CPP, pode acontecer que esse segredo seja quebrado pelo
tribunal se estiverem em causa valores manifestamente superiores.

Também há aqui outra figura que também está abrangida pelo segredo, temos ainda membros
de instituições de crédito, isto é o segredo bancário. Mas há derrogações deste segredo
bancário à luz de várias leis, por exemplo: Decreto-lei 454/91, de 28 de dezembro (regime
jurídico do cheque sem provisão). Também pode haver derrogações ao nível do segredo
bancário à luz da Lei 5/2002, que combate a criminalidade organizada económico-financeira. E,
também por último, pode haver derrogação do segredo bancário no caso de crimes
relacionados com tráficos de drogas.

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Outro aspeto do regime acerca do segredo e da quebra do segredo que importa referir: o
dever de segredo tem um objeto delimitado por lei, mas poderá ser invocado em situações
não cobertas pela lei, e aqui nestes casos em que o objeto não está delimitado pela lei, mas ele
é invocado, podem surgir dúvidas sobre a legitimidade da escusa, e o tribunal pode decidir
sobre a ilegitimidade da escusa, e nesse caso significa que aquele que invoca a escusa não tem
o direito de o fazer, e nesses casos a autoridade competente ordena a prestação do
depoimento (artigo 135º do CPP).

Apenas uma pequena quanto aos Ministros de Religião ou Confissão Religiosa, a faculdade de
escusa não pode ser quebrada nunca, porque o fundamento desde segredo está na liberdade
religiosa (a professora tem dúvidas sobre a constitucionalidade desta norma).

De acordo com o artigo 135º, nº4 do CPP, no caso do tribunal se decidir pela ilegitimidade da
escusa ou decretar a quebra da escusa, ele deve (antes de fazer isso) ouvir o organismo
representativo da profissão relacionado com o segredo profissional em causa (por exemplo a
ordem do advogados). E esta última ressalva, que vem do artigo 135º, nº4 do CPP, suscita
muita polémica, porque em última analise o que é que resulta daqui? Que a decisão do
tribunal fica vinculada ao parecer, por exemplo, da ordem dos advogados. Há quem diga que
esta norma pode ser inconstitucional. O facto de ter de ouvir, para a professora não significa
necessariamente que fica vinculada ao parecer do organismo, e se não ficar vinculada não
parece, para a professora, que possa ser considerada inconstitucional.

Vamos então agora às declarações do arguido, outro meio de prova importantíssimo no nosso
código do processo penal, e quanto às declarações do arguido temos de distinguir quanto ao
objeto dois tipos: as que se reportam à sua identidade das que se reportam aos factos
imputados. Quanto à sua identidade: primeiro, o arguido tem o dever de responder com
verdade, sob pena de incorrer em responsabilidade penal [artigo 61º, nº3, alínea b), artigo
141º, nº3, artigo 342º do CPP], eliminou-se um dever que ele antes tinha que era de
responder a perguntas sobre os seus antecedentes criminais e, portanto, em relação a esses
antecedentes criminais ele pode remeter ao silêncio atualmente. Isto não significa que o
tribunal para decidir a pena não tenha em conta esses antecedentes criminais, mas não tem é
responder a verdade sobre eles.

Vamos passar então às declarações do arguido quanto aos factos imputados: estas declarações
são muito interessantes, porquê? Porque revestem uma dupla natureza: por um lado, são um
meio de prova, mas por outro também são um meio de defesa, e é por isso, pelo facto de
serem um meio de defesa, cabe ao arguido ordená-las como bem entender para a eficácia da
sua defesa [artigo 61º, nº1, alínea c) do CPP]. Quais são então os três comportamentos
processuais que o arguido pode ter quanto aos factos que lhe são imputados (artigo 140º do
CPP)? Primeiro, pode negar os factos, o arguido pode optar por negar em todo ou em parte os
factos que lhe são imputados, e já sabemos que não pode ser responsabilizado criminalmente
quando prestar declarações falsas sobre esses factos; pode remeter-se ao silêncio, aqui ele
nega-se a prestar declarações ou a responder a algumas perguntas, seja qual for a fase do
processo, e o silêncio não pode ser valorado como meio de prova [artigo 32º, nº1 e nº2 da
CRP, artigo 61º, nº1, alínea c), artigo 343º, nº1, artigo 345º, nº1 do CPP]; terceira atitude que
ele pode ter, confessar os factos, se o arguido ao prestar declarações confessar os factos que
lhe são imputados, releva a fase processual e a forma da confissão para determinar os seus
efeitos probatórios, mas mais uma vez, a confissão, como iremos ver, é uma prova que tem
valor reforçado, mas não deixa de estar sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, mas

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como dissemos, a confissão e o valor da confissão dos factos imputados ou parte dos factos
imputados depende da fase processual e a forma como foi feita.

Se a confissão foi feita durante o inquérito e a instrução, aqui o valor probatório da confissão
será sempre livremente apreciado. O que é que isto quer dizer? Se o arguido confessar
durante o inquérito ou a instrução, as entidades competentes vão ter de continuar a recolher e
a produzir prova, para quê? Para evitar que se chegue à fase do julgamento e o arguido mude
de atitude.

Já será diferente se ele confessar durante a audiência de julgamento, aqui a confissão pode ter
efeitos diversos. Se ele confessar um crime que for punível com pena de prisão superior a 5
anos, ou se houver coarguidos que não confessem todos integralmente sem reservas e
coerentemente, ou ainda se o tribunal suspeitar do caráter livre da confissão, nestes casos a
confissão do arguido será livremente apreciada pelo tribunal. Já no caso de confissão livre,
integral, sem reservas, referente a um crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos,
em que não há coarguidos, ou havendo todos confessaram integralmente, nestes casos a lei
atribui efeitos especiais a esta confissão. Quais são os efeitos especiais? Dispensa a produção
de outra prova, e haverá passagem de imediato às alegações orais, e se o arguido não puder
ser outras razões absolvido, há determinação da sanção aplicável. Neste caso, a taxa de justiça
será reduzida para metade (artigo 344º, nº2, 341º, 360º e 369º do CPP).

É aqui que vem a matéria do valor das declarações do coarguido, portanto, se alguém depor da
qualidade de coarguido, o seu depoimento relativamente aos coarguidos suscita várias
questões, e é aqui que a professora Teresa Beleza diz que o depoimento do coarguido, apesar
de em abstrato não ser uma prova proibida, é um meio de prova particularmente frágil e
nunca deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia ou uma condenação. No
mesmo sentido vai o professor Germano Marques da Silva.

Aula OT (02/12)

Regras a aplicar no interrogatório do arguido: como nós demos no ano passado, o estatuto do
arguido integra direitos e deveres processuais, e é por isso que é tão importante o momento
da constituição do arguido (artigo 59º, nº1 do CPP), e entre os direitos e deveres do arguido,
um dos mais importantes é o direito ao silêncio [artigo 61º, nº1, alínea c) do CPP]. Mas nós
agora neste momento estamos a estudar um meio de prova chamado de declarações do
arguido, e interessamos as regras que se têm de seguir quando se prossegue ao interrogatório
do arguido. Como é que se procede as declarações do arguido no processo,
independentemente do valor probatório que possam ter? Em primeiro lugar, antes de
entrarmos na divisão do momento, interessamos saber as regras gerais dos interrogatórios ao
arguido. A primeira regra geral consta do artigo 140º, nº1 do CPP, que estabelece que o
arguido sempre que prestar declarações do processo deve encontrar-se livre na sua pessoa,
está-se aqui a falar em liberdade física. Outra regra geral, o arguido só pode ser inquirido sobre
factos de que possua conhecimento direto e que constituem objeto de prova ( artigo 140º, nº2
e artigo 128º, nº1 e nº2 do CPP). Outra regra geral, a inquirição dos arguidos obedece às
regras fixadas para a inquirição de testemunhas (artigo 138º do CPP), salvo quando a lei
estabeleça de forma diferente (artigo 141º, nº2 e 138º do CPP). Outra regra geral, o arguido
só tem o dever de responder com verdade sobre a sua identificação, já não tem o dever de
responder sobre os factos que lhe são imputados, e se faltar à verdade não ocorre em
responsabilidade (princípio da não autoinculpação).

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Vamos então às regras a aplicar ao primeiro interrogatório do arguido detido: para isso temos
de começar por ter em consideração o artigo 28º, nº1 da CRP, que diz que “a detenção será
submetida no prazo máximo de 48h, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou
imposição de medida de coação adequada, devendo o juiz conhecer das causas que a
determinaram e comunicá-las ao detido, interrogá-lo e dar-lhe oportunidade de defesa”. O
outro artigo que nós temos de ter em atenção para percebemos a regras a que está sujeito o
primeiro interrogatório do arguido detido é o artigo 143º do CPP, e este suscita alguma
polémica, nomeadamente o artigo 143º, nº3 do CPP, que diz: “após o interrogatório sumário,
o Ministério Público, se não libertar o detido, providencia para que ele seja presente ao juiz de
instrução nos termos dos artigos 141º e 142º”. Ora, há quem diga que esta norma é
inconstitucional, porquê? Porque se reparem, esta norma diz que se o arguido detido não for
apresentado ao juiz num determinado prazo, ele pode ser libertado por despacho do
Ministério Público, e há quem diga que o admitir esta possibilidade seria inconstitucional. Já o
professor Germano Marques da Silva não concorda com esta inconstitucionalidade, porque
nem o interrogatório, nem a libertação por parte do Ministério Público, são proibidas pela
Constituição, e a razão de ser deste nº3 é evitar que o arguido detido permaneça privado da
sua liberdade para além das 48h, sem que a validade da sua detenção seja apreciada por um
juiz. Se ele não puder ser apresentado no prazo de 48h ao JIC (que é normalmente o juiz que
estamos a falar), o Ministério Público deve puder libertar o arguido, sem que a legalidade
desta detenção seja posta em causa.

Depois temos ainda o artigo 141º, nº2 do CPP que também estabelece uma regra importante
para este primeiro interrogatório: o interrogatório, por norma, é feita pelo juiz, e tem de haver
assistência obrigatória do Ministério Público e do defensor. Se o arguido não tiver defensor
constituído, é lhe nomeado um para o ato, chamado o tal defensor oficioso, porquê? Porque o
primeiro interrogatório judicial do arguido detido é claramente um dos casos em que a
existência de um defensor é essencial, não só para garantir a credibilidade na justiça
(nomeadamente o controlo da atividade do juiz), mas como podemos imaginar, é
normalmente após este primeiro interrogatório que o juiz também decide pela aplicação ou
não de uma medida de coação e, portanto, a presença do defensor é mais do que necessária
para o exercício do direito à defesa.

A outra pessoa que ainda pode estar presente na sala é o funcionário de justiça. Não é
admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser por motivos de segurança.

Esta presença do Ministério Público e do defensor é tão relevante que caso não estejam
presentes uma destas figuras, haverá nulidade insanável do interrogatório [artigo 119º, alínea
b) e c) do CPP].

Vamos então ver como se vai processar o interrogatório do arguido detido. As regras estão no
artigo 141º, nº3 e seguintes do CPP: primeiro, ele começa por ser advertido da
obrigatoriedade de responder com verdade às perguntas sobre a sua identidade, sob pena de
incorrer sobre responsabilidade criminal; depois, deve ser feita a advertência do direito que
lhe assiste de não responder a perguntas sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o
conteúdo das declarações acerca deles prestado; e, por último, também lhe deve ser feita a
advertência do direito de escolher o defensor e de comunicar em privado com ele. A omissão
destas advertências configura uma proibição de prova, cuja consequência é a de não permitir
ao tribunal valorar as declarações prestadas (artigo 58º, nº5 do CPP).

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Outra regra importante no primeiro interrogatório: durante o interrogatório, nem o Ministério
Público, nem o defensor, poderão interferir, sem prejuízo da arguição de nulidades. Além
disso, o juiz pode permitir pedidos de esclarecimento de respostas dadas pelo arguido, e só
findo o interrogatório é que o defensor ou o Ministério Púbico podem requerer a formulação
de perguntas ao juiz, e o juiz aceita ou não essa formulação de perguntas (artigo 141º, nº6 do
CPP).

Ainda a propósito das regras deste primeiro interrogatório: o juiz conhece dos motivos da
detenção e comunica-os ao arguido. Além disso, tem de lhe expor os factos que lhe são
imputados. Já quanto aos elementos do processo que indiciam os factos imputados, o juiz
pode optar por não os comunicar se achar que a comunicação pode pôr em causa a
investigação ou dificulte a descoberta da verdade, ou ainda se achar que pode pôr em perigo a
vida, a integridade física ou psíquica dos demais participantes processuais (artigo 141º, nº4 do
CPP). A falta destas comunicações constitui mera irregularidade e, por isso, deve ser arguida
no próprio ato.

Vamos agora a outros interrogatórios do arguido detido: os demais interrogatórios dos


arguidos, presos ou em liberdade, serão feitos na fase de inquérito pelo Ministério Público, na
fase de instrução pelo JIC. Na fase de inquérito, o Ministério Público pode delegar o
interrogatório do arguido num OPC (artigo 144º do CPP). E estes interrogatórios obedecem a
todas as regras que se aplicarem reguladoras do primeiro interrogatório do arguido detido
(artigo 144º, nº3 e nº4 do CPP). Na instrução, só o interrogatório na fase de debate instrutório
está sujeito ao contraditório.

Vamos então agora às regras a aplicar ao interrogatório do arguido em audiência de


julgamento: na audiência, a produção de prova inicia-se pelas declarações do arguido [artigo
341º, alínea a) do CPP], após a identificação, que ele tem de responder com verdade, o
presidente informa-o que tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da
audiência, desde que referentes ao objeto do processo, e não são permitidas interferências
nessas declarações por parte do Ministério Público, do defensor, do advogado do assistente,
ou das partes civis. A única exceção é dada ao defensor que pode recomendar ao arguido que
pode recusar resposta a algumas perguntas (artigo 343º, nº5 e 345º, nº1 do CPP).

Como vimos há pouco, há uma regulamentação pormenorizada do ato confessório do arguido.


Outra regra importante do interrogatório ao arguido na audiência de julgamento: as perguntas
são sempre feitas diretamente pelos juízes que constituam o tribunal (artigo 345º, nº2 do
CPP). São permitidas perguntas através do presidente do tribunal sugeridas pelo Ministério
Público, defensor, advogado do assistente, e advogado da parte civil. No caso de vários
arguidos, suscita-se a dúvida se o advogado de um dos coarguidos pode solicitar ao tribunal
que reformule perguntas. O professor Germano Marques da Silva defende que sim, mas há
quem diga que não.

O presidente pode tirar a palavra ao arguido se ele insistir em afastar-se do objeto do processo
(artigo 343º, nº3 do CPP).

Outro aspeto relevante é que quando há vários arguidos a serem ouvidos separadamente por
parte do juiz, o juiz dá-lhes conhecimento resumidamente do que cada um declarou, sob pena
de nulidade (artigo 343º, nº3 do CPP).

Vamos passar a outro meio de prova: declarações tomadas do assistente e das partes civis.
Primeiro, está sujeito ao regime da prova testemunhal (artigo 145º, nº3 do CPP), mas o facto

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de estar sujeito ao regime da prova testemunhal não se confunde com a prova testemunhal, o
assistente está impedido de depor como testemunha como já vimos [artigo 145º, nº3 e 133º,
n1, alínea b) do CPP]. As prestações das declarações pelo assistente e pelas partes civis não
são precedidas de juramento, ao contrário das testemunhas. Não obstante, eles também ficam
sujeitos ao dever da verdade, ao contrário do arguido, e como ficam sujeitos ao dever da
verdade, haverá responsabilidade penal pela sua violação (artigo 145º, nº2, nº4 e 359º, nº2 do
CPP).

Prova por acareação (outro meio de prova): consiste no confronto entre pessoas que tenham
prestado declarações contraditórias, por forma a tentar esclarecer depoimentos divergentes
sobre o mesmo facto (artigo 146º do CPP). Portanto, quais são os pressupostos para se utilizar
este meio de prova? Haver contradição entre declarações, e esta diligência afigurar-se útil à
descoberta da verdade. Esta prova pode ter lugar oficiosamente ou a requerimento dos
sujeitos interessados. E pode também ter lugar em qualquer fase do processo, em que seja
admitida prova por depoimento.

Prova por reconhecimento (artigo 147º do CPP): normalmente, quando se fala em prova por
reconhecimento está-se a pensar do reconhecimento de pessoas, mas, como podemos ver
pelo artigo 148º do CPP, há também reconhecimento de objetos. Vamos começar pelo
reconhecimento de pessoas: solicita-se à pessoa que deva fazer a identificação em primeiro
lugar que descreva a pessoa, com todos os pormenores que se possa recordar; logo de seguida
pergunta-se se já a tinha visto, e se sim em que condições; e também pode lhe ser perguntado
sobre outras circunstâncias que possam influir na credibilidade da identificação (se tinha
bebido, se estava com ou sem óculos, etc…). Caso a identificação não seja cabal, só nesse caso
chamam-se pelo menos duas pessoas que apresentem semelhanças com a pessoa a identificar,
e esta última será colocada ao lado delas e pede-se à pessoa que proceda ao reconhecimento
(artigo 147º, nº1 e nº2 do CPP). Por vezes, é preciso proceder ao reconhecimento da mesma
pessoa por mais que uma pessoa (artigo 148º e 149º do CPP).

Vamos a outra prova: reconstituição do facto. Quando é que se recorre a este mesmo de
prova? Recorre-se a este tipo de prova quando houver necessidade de determinar se um facto
poderia ter ocorrido de determinada forma, e é por isso que se diz que este meio de prova,
contrariamente à generalidade dos demais meios de prova, este meio de prova não tem como
finalidade mediata a comprovação de um facto histórico, mas antes verificar se um facto
poderia ter ocorrido nas condições em que se afirma que ocorreu. E em que é que se traduz
este meio de prova? Traduz-se na reprodução das condições em que se afirma ou se supõe ter
ocorrido o facto, e na repetição do modo de realização do mesmo.

Depois temos a prova pericial: a prova pericial exige a apreciação dos factos por parte de
pessoas que possuam conhecimentos técnicos, científicos ou artísticos (artigo 151º do CPP). O
sistema adotado na nossa ordem jurídica é o da pericial oficial, o que é que isto quer dizer? O
perito é nomeado pelo tribunal, não havendo indicação de um perito por parte da acusação ou
da defesa. Além disso, a perícia pode ser interdisciplinar e colegial e, normalmente, a perícia é
realizada num estabelecimento ou laboratório oficial (artigo 151º e 155º do CPP). Apesar do
sistema em Portugal ser o sistema da perícia oficial, o código do processo penal dá a
possibilidade ao Ministério Público, ao arguido, aos assistentes, e às partes civis de designarem
um consultor técnico, mas o consultor técnico irá assistir à realização da perícia, e pode
eventualmente formular objeções. A perícia pode ser ordenada oficiosamente ou a
requerimento pela autoridade judiciária competente para a fase processual em que a perícia é
ordenada. Quando a perícia incidir sobre caraterísticas física ou psíquicas de pessoa que não

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tenha dado consentimento, neste caso é da competência do juiz que terá de ponderar todos
os direitos em conflito [artigo 152º, 154º, 160º, alínea a) e 269º, nº1, alínea a) do CPP].

Só nos falta a prova documental (artigo 164º do CPP): quando se fala aqui em documento
está-se a pensar no sentido de declaração, sinal ou notação corporizada em escrito ou em
qualquer outro meio técnico nos termos da lei penal (artigo 164º, nº2 do CPP, e artigos 255º e
258º do CP). A junção de prova documental é feita oficiosamente ou a requerimento e pode
ser requerida até ao encerramento da audiência (artigo 169º do CPP). Não é possível como
prova o documento que tenha uma declaração anónima ou qualquer declaração que não seja
identificado o declarante, a não ser que esse documento seja ele próprio objeto ao elemento
do crime (falsificação de documentos).

Terminámos a prova.

Aula OT (09/12) – A aula não foi gravada desde o início

A entidade pode deferir ou indeferir a reclamação. Exemplo: se alguém interpôs o recurso para
o Tribunal Constitucional, o processo vai ser distribuído ao juiz relator, e o juiz relator pode
decidir não admitir o recurso. Dessa decisão de não admitir o recurso, cabe reclamação para a
conferência. A conferência é um coletivo de três juízes. Agora, imaginem que a conferência
indefere a reclamação, nesse caso já é possível fazer recurso para um tribunal superior.

Vamos então ao regime da reclamação hierárquica: já perceberam que a primeira coisa que
distingue o recurso da reclamação hierárquica é que esta última é feita para a mesma entidade
que proferiu a decisão, essa é a parte mais relevante. Quanto ao regime, o código do processo
penal não prevê o regime da reclamação hierárquica, por norma aplica-se as regras
estatutárias do Ministério Público que preveem este instituto, com as adaptações impostas
pelos princípios estruturais do processo penal. Daqui podemos retirar, desde logo, que quem
tem legitimidade para a reclamação hierárquica é quem tiver interesse, que é a mesma coisa
que dizer quem for prejudicado pela decisão. Exemplo: imaginem que a decisão do JIC é nula
por abranger um facto que provoca uma alteração substancial dos factos constantes da
acusação ou do RAI do assistente. Este despacho por parte do JIC não é válido, é nulo, e essa
nulidade pode ser arguida no próprio JIC. É claro que esta nulidade é uma nulidade sanável
face ao artigo 309º, nº2 do CPP, o que é que isto significa? Significa que se ela não for arguida
no prazo estipulado, ou seja, 8 dias a contar da notificação da decisão perante o juiz que
proferiu o despacho, ela é sanada. Portanto, como podemos ver, este despacho nulo não é
recorrível, é reclamável, porque a reclamação é efetuada para a própria entidade que proferiu
a decisão, neste caso o JIC.

Já será diferente se a entidade que proferiu a decisão nula, deferir ou indeferir a reclamação.
Nesse caso, esse despacho de indeferimento ou deferimento pode ser sujeito a recurso (artigo
310º, nº3 do CPP), portanto, o que é recorrível não é o despacho de pronúncia nulo, esse é
reclamável. O que é recorrível é o despacho de indeferimento da reclamação.

Quanto ao prazo, a lei não fixa expressamente um prazo geral para a reclamação hierárquica, e
quando não houver na lei um prazo especial, como aconteceu por exemplo no artigo 278º do
CPP, em que o assistente perante o despacho de arquivamento pode se quiser, invés de
requerer a abertura da instrução, reclamar, se não houver esse prazo especial, temos de

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aplicar o prazo geral que está no artigo 105º do CPP, isto é, a pessoa tem, por norma, 10 dias
para reclamar que contam a partir do conhecimento pelo interessado do ato que o prejudica.

Outro aspeto do regime da reclamação: mais uma vez, como a lei não estabelece o efeito da
reclamação, face ao princípio da celeridade, o efeito da reclamação deve ser meramente
devolutivo, o que é que isto quer dizer? Se houver uma reclamação, não há suspensão dos
efeitos da decisão reclamada, nem do processo. Uma vez que chega à reclamação ao imediato
superior hierárquico, ele pode fazer a revisão da decisão reclamada, e pode ordenar ao inferior
hierárquico a revogação ou a substituição da decisão reclamada.

Vamos agora para o recurso. Tipos de recurso: o código do processo penal divide os recursos
em recursos ordinários e recursos extraordinários. Os recursos ordinários são aqueles que são
interpostos de sentenças ainda não transitadas em julgado, e competem aos tribunais da
relação ou aos tribunais do STJ. Os recursos extraordinários são recursos de sentenças já
transitadas em julgado, e normalmente uma sentença transita em julgado quando é
irrecorrível (artigo 400º do CPP), ou quando sendo recorrível deixou-se esgotar o prazo para a
interposição de recurso (artigo 411º do CPP).

Quanto aos recursos extraordinários, eles competem ao pleno das secções criminais do STJ, e
há dois recursos extraordinários: o primeiro é chamado recurso de revisão (artigo 449º e
seguintes do CPP) e o outro é o recurso de fixação de jurisprudência (artigo 437º e seguintes
do CPP).

Vamos começar por ver os sujeitos do recurso. Primeiro, o tribunal, e temos dois tipos de
tribunais: temos o tribunal a quo (tribunal recorrido), e depois temos também o tribunal ad
quem (tribunal de recurso ou superior). No recurso ordinário, existem estes dois tribunais. Já o
recurso extraordinário pode ser dirigido ao mesmo tribunal que proferiu a decisão, embora
não seja sempre assim como iremos ver.

Outro sujeito do recurso chama-se o recorrente, que no fundo é o sujeito que interpõe o
recurso. Outra figura, o recorrido, apesar de esta expressão não ser muito correta porque se
nós repararmos não há um recorrido, o que há é uma decisão recorrida, mas quando se diz “o
recorrido” são, no fundo, os sujeitos afetados pela interposição do recurso, e que estão
referidos no artigo 413º do CPP. E depois temos ainda, se existirem, os demais coarguidos.

Agora vamos ao objeto do recurso. O objeto do recurso é a decisão judicial. No sistema


português, a regra é que o objeto do recurso é a decisão recorrida, e não a questão sobre que
incidiu a decisão recorrida. Há uma concessão no recurso extraordinário de revisão em que a
lei vai permitir juntar novos elementos de prova que não foram considerados na decisão
recorrida. Em todos os outros recursos não é possível juntar novos elementos de prova.

Por último, finalidades. No nosso sistema processual, predomina o chamado sistema de


substituição, o que é que isto significa? Que o tribunal de recurso substitui a decisão recorrida
por outra por si mesma formulada, e só quando não for possível decidir da causa, ele reenvia o
processo para novo julgamento (artigos 426º e 445º, nº2 do CPP). No caso dele reenviar, fala-
se em sistema de cassação, porque o tribunal limita-se a revogar a decisão recorrida, e o
tribunal a quo decidirá de novo. Temos ainda outro sistema, chamado de sistema intermédio,
o que é que acontece? Aqui o tribunal de recurso, se o acolher, manda o tribunal a quo
proferir nova decisão, com o conteúdo que o tribunal ad quem lhe fixa.

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Aula Teórica (15/12)

Hoje vamos desenvolver os recursos ordinários. Vamos começar pela competência: os recursos
ordinários são da competência quer dos tribunais da relação, quer do STJ [artigos 11º, nº4,
alínea b), 12º, nº3, alínea b), 427º e 432º do CPP]. Quando se recorre para a Relação, fala-se
em recurso de apelação. Quando se recorre para o STJ, fala-se em recurso de revista.

Vamos então tentar perceber quando é que se vai para a Relação ou quando se vai para o STJ.
Vamos começar pelo STJ: cabe no âmbito da competência do STJ, como era de esperar, os
casos de maior gravidade [artigo 400º, nº1, alínea d), e), e f) do CPP]. Como nós iremos
perceber, estas alíneas ditam a irrecorribilidade de decisões para o STJ, que não apliquem
pena privativa da liberdade, ou que em determinadas situações apliquem pena de prisão não
superior a 5 anos, e também em determinadas sentenças que apliquem pena de prisão não
superior a 8 anos de prisão. Outro artigo do qual também se pode retirar que o STJ só tem
competência para reconhecer decisões no âmbito do recurso de maior gravidade é o artigo
432º, nº1, alínea c) do CPP, que dispõe que quando o recurso vise exclusivamente o reexame
da matéria de direito, não é da competência do STJ se a decisão do tribunal coletivo ou de júri
não aplicar pena superior a 5 anos.

Vamos então, antes de estudarmos a termitação, porque como sabemos, no ano passado em
processo penal demos toda a termitação do processo comum até ao julgamento, agora vamos
dar a termitação a partir do julgamento, mas antes de darmos a termitação dos recursos
importa, como sempre, estudar os principais princípios a que estão sujeitos, neste caso, os
recursos ordinários, e esses princípios pautam todo o regime dos recursos ordinários que está
previstos nos artigos 399º a 409º do CPP. Vamos começar pelo primeiro princípio, princípio
geral da recorribilidade das decisões: este princípio está no artigo 399º do CPP, e de acordo
com este princípio é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja
irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Interessamos então saber quais as decisões que
são irrecorríveis face à nossa lei (artigo 400º, nº1 do CPP enumera parte das decisões que não
admitem recurso).

Primeira decisão que não é recorrível: as decisões de mero expediente [alínea a)]. O que é
uma decisão de mero expediente? São decisões que se destinam a regular em harmonia com a
lei os termos do processo. Exemplo: a lei, como sabemos, dispõe que o juiz notifique o arguido
do despacho que designa o dia da audiência de julgamento. Este despacho não é suscetível de
recurso, é um despacho de mero expediente.

Outra decisão que não é passível de recurso: uma decisão que ordene atos dependentes da
livre resolução do tribunal [alínea b)]. Exemplo: uma decisão do tribunal que decida um
conflito de competências. Esta decisão, como é um ato dependente de livre resolução do
tribunal, também não é suscetível de recurso.

Depois, a alínea c), d) e) e f) tem a ver com outra matéria, que é a do duplo recurso, já vamos
lá.

Vamos agora para a alínea g) que diz que também não é admissível recurso nos demais casos
previstos na lei. Exemplo: a decisão instrutória de pronunciar o arguido pelos factos contastes
da acusação do Ministério Público. Se bem se recordam, quando houver uma decisão
instrutória de pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação, não é admissível
recurso.

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Outra decisão que também de acordo com a lei não é admissível de recurso, e que não está
enumerada no artigo, mas está no nosso código do processo penal: a decisão sobre a oposição
do Ministério Público à consulta do processo ou à obtenção de elementos (artigo 89º, nº2 do
CPP).

Portanto, como podemos ver, há aqui uma série de decisões ou despachos que se o legislador
disser que não é admissível recurso, não se pode recorrer, e foge ao princípio da
recorribilidade das decisões consagrado no artigo 399º do CPP.

Outro princípio, chamado princípio do duplo grau de recurso. De acordo com este princípio, é
admissível o recurso da decisão proferida em recurso, que como sabemos assume a forma de
acórdão. Este princípio foi reintroduzido no nosso processo penal em 1998, e em 2007 este
princípio do duplo grau de recurso estendeu-se também as decisões proferidas pelo tribunal
de júri. Mas há uma tendência por parte do nosso legislador, principalmente com as alterações
introduzidas em 2013, que veio restringir este princípio, e ao fazê-lo vem restringir o que se
chama de triplo grau de jurisdição.

Vamos então ver quais as tais limitações ao princípio do duplo grau de recurso: a primeira está
referida no artigo 400º, nº1, alínea c) do CPP, não é possível duplo grau de recurso de
acórdãos proferidos em recurso pelas relações que não conheçam afinal pelo objeto do
processo. O que é que isso quer dizer? É uma decisão que não conhece o mérito da causa.
Conhecer do mérito da causa significa decidir pela existência ou não da responsabilidade
criminal, aí toda a doutrina está de acordo. Depois já há outras decisões que se pode discutir
se é uma decisão que se conhece do mérito, por exemplo, para o professor Germano Marques
da Silva também se pode considerar uma decisão a discutir sobre o mérito da causa aquelas
decisões que tenham efeitos sob a pena concretamente aplicada, ou decisões que tenham
efeitos sobre o cúmulo jurídico. Mas por exemplo já não conhece do mérito da causa as
decisões da relação que confirmem a decisão de não pronúncia ou decisões sobre a prescrição
do procedimento criminal, aí já se consideram que não conhecem do mérito, e nesse caso já
não é possível haver duplo recurso e, portanto, é uma exceção ao princípio do duplo grau de
recurso.

Em 2013, alargou-se os casos de irrecorribilidade aos acórdãos proferidos em recurso pelas


relações que apliquem pena não privativa da liberdade, ou pena de prisão não superior a 5
anos [artigo 400º, nº1, alínea e) do CPP]. Aqui temos de ter em atenção um aspeto muito
relevante: esta alínea quando interpretada no sentido da irrecorribilidade do acórdão da
relação que condene o arguido a pena de prisão efetiva, não superior a 5 anos, face à
absolvição ocorrida em 1ª instância, é inconstitucional. Portanto, esta alínea tem de ser
interpretada da seguinte forma: sempre que houver o recurso de uma decisão da relação que
aplique uma pena não privativa da liberdade, ou uma pena de prisão não superior a 5 anos, ela
só não é recorrível se também na 1ª instância houver condenação, porque se houver
absolvição então já é recorrível, sob pena de haver inconstitucionalidade. Isto resultou de uma
decisão do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral de 2018, o acórdão é 595/2018,
de 11 de dezembro. Qual é o princípio ou o direito que o acórdão invocou para considerar
inconstitucional? Para além da presunção da inocência, temos os direitos de defesa por parte
do arguido. Portanto, só se deve limitar o recurso a situações muito especial, mesmo o duplo
recurso.

Vamos então à terceira restrição ao duplo recurso [alínea d)]: não há duplo recurso de
acórdãos absolutórios proferidos em recurso pelas relações, se confirmar a decisão absolutória

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da 1ª instância. Aqui já não se põem em causa os direitos de defesa do arguido, porque no
fundo houve duas decisões a absolvê-lo. Mas também significa que se houver um acórdão
absolutório e a decisão de 1ª instância foi condenatória com pena de prisão superior a 5 anos,
aí já é possível duplo recurso.

Quarta exceção [alínea f)]: não há duplo recurso de acórdãos condenatórios proferidos em
recurso pelas relações que confirmem decisão de 1ª instância e apliquem pena de prisão não
superior a 8 anos. Aqui o critério da irrecorribilidade funda-se na concordância de sentido das
duas decisões, ambas são condenatórias, e também na gravidade da pena concretamente
aplicada, porque têm os dois de aplicar pena de prisão não superior a 8 anos (chama-se a isto
em processo civil o princípio da dupla conforme). Isto também implica que nós saibamos o que
é que é isso de confirmar a decisão da 1ª instância, e traduz-se em confirmar a condenação,
mas não tem de confirmar os fundamentos da condenação, o que para o legislador lhe
interessa é a pena aplicada.

Que críticas é que tem sido feitas pela doutrina a este artigo 400º do CPP? Primeiro, o nosso
legislador alterou a letra da lei em 2007, porque invés de estabelecer como critério a gravidade
da pena aplicável ao crime, e passou a concentrar-se ou a ter como critério a natureza ou a
gravidade da pena aplicada, deixou de fora algumas situações por esquecimento. Primeira
situação que ele deixou de fora: casos em que a sanção aplicada é a medida de segurança, de
internamento ou de suspensão da execução de internamento, e face ao princípio da
recorribilidade, é de concluir pelo duplo grau de recurso sempre que o acórdão da relação seja
condenatório e aplique uma daquelas medidas de segurança. Além disso, também o facto de
ter passado de pena aplicável para pena aplicada, o nosso legislador deixou de fora aqueles
casos em que se aplica uma pena indeterminada.

Terceiro princípio: princípio da proibição da reformatio in pejus ou da proibição da reforma


para pior (artigo 409º, nº1 do CPP). O que é que este princípio nos vem dizer? Que quando o
recurso foi interposto pela defesa, quer seja pelo arguido, quer seja pelo Ministério Público no
exclusivo interesse do arguido, o tribunal superior não pode modificar na sua espécie ou
medida as sanções constantes da decisão recorrida em prejuízo de qualquer dos arguidos,
mesmo os que não são recorrentes. Porque é que este princípio tem que existir? Este princípio
decorre do recurso ser uma das garantias de defesa do arguido, se ele não tiver a garantia de
que a decisão não pode ser para pior, estamos claramente a limitar a possibilidade de recurso.

Nota: esta proibição não se aplica à agravação da quantia fixada para cada dia de multa se a
situação financeira do arguido tiver melhorado de forma sensível (artigo 409º, nº2 do CPP).

Outra nota: este princípio que estamos a dar está no âmbito do recursos ordinários, mas
também está previsto para os recursos extraordinários, e resulta nos recursos extraordinários
dos artigos 443º, nº3, e 463º, nº2 do CPP.

Outro princípio: princípio da tramitação unitária dos recursos, ou dito de uma forma mais
precisa, princípio da tramitação tendencialmente unitária dos recursos. O que é que isto quer
dizer? De acordo com este princípio, os recursos são tramitados segundo o regime que tende a
ser comum, independentemente do tribunal para que se recorre, e aqui está-se a falar de
todas as matérias que nós vamos ver a propósito da tramitação do recurso.

Mas antes de entramos na tramitação ou marcha do recurso é importante analisar cinco temas
relativos ao recurso ordinário que vão para lá dos princípios. Primeiro tema: legitimidade para
recorrer, quem é que tem legitimidade para recorrer nos recursos ordinários? Esta matéria

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está regulada nos artigos 401º e 402º do CPP, e face ao artigo 401º do CPP podem recorrer,
primeiro, o Ministério Público e depois o legislador diz o Ministério Público de quaisquer
decisões ainda que no exclusivo interesse do arguido. A crítica que se pode fazer ao legislador
é que ele não utilizou a expressão mais correta, porque como sabemos, o Ministério Público
não atua no interesse de ninguém, ele só tem de atuar no interesse da lei.

Também quem é que legitimidade para interpor recurso ordinário? O arguido e o assistente,
mas eles só podem recorrer se a decisão for contra eles proferida. O que é que isto significa?
Quando é que o assistente pode recorrer? Quando o arguido é absolvido. E o arguido pode
recorrer quando for condenado. Mas já agora, o assistente também pode recorrer não só
quando o arguido foi absolvido, mas também quando foi condenado por crime diverso do que
foi objeto a acusação.

Quem também tem legitimidade para recorrer: as partes civis (se houver), podem recorrer das
decisões proferidas contra si.

E, por último, tem legitimidade para recorrer aqueles que tiverem sido condenados ao
pagamento de qualquer importância ou tiverem um outro direito afetado pela decisão.

Outra matéria que nós temos de saber antes da tramitação: âmbito e fundamento do recurso.
Desde logo, importa referir que é o recorrente que estabelece o âmbito do recurso, e esse
âmbito do recurso resulta das conclusões extraídas da sua motivação, portanto, o recorrente
indica concretamente os vícios da decisão impugnada, em geral o recurso pode ter por
fundamento qualquer questão de índole processual ou material, que não seja excluída por lei
ou que se encontrem já definitivamente resolvidas, por exemplo, uma nulidade que já foi
sanada. E para reforçar ainda esta ideia de que quem estabelece o âmbito do recurso é o
recorrente nas suas motivações e conclusões, temos o artigo 402º e 403º do CPP que diz que o
tribunal só poderá conhecer das questões suscitadas pelo recurso.

Outra questão relacionada com o âmbito do recurso é a quê e a quem se estende o recurso. O
princípio geral é que o recurso abrange toda a decisão, salvo se for fundado em motivos
pessoais. Mas se o recurso foi feito com base em motivos não estreitamente pessoais, nesse
caso já funciona a extensão do recurso aos outros participantes se existirem (artigo 403º, nº2
do CPP), mas há exceções a este princípio geral que o recurso abrange toda a decisão. E essas
exceções ocorrem quando se limita o recurso a uma parte, e essa limitação seja possível. O
que é que isto quer dizer? Separa-se da decisão uma parte, por forma a que a decisão dessa
parte seja autónoma. Que casos são esses? Estão previstos no artigo 403º do CPP.

Como foi dito há pouco, o recurso pode ter como fundamento qualquer questão, de índole
processual ou material, que não seja excluída por lei, ou que não esteja já definitivamente
resolvida (artigo 410º, nº1 do CPP). E como dissemos, é preciso então saber quais são as
matérias em que pode haver restrições de recurso feitas por lei. Primeira restrição (artigo
410º, nº2 do CPP): sempre que houver um recurso interposto diretamente para o STJ, que visa
exclusivamente o reexame da matéria de direito (artigo 434º do CPP), nestes casos o recurso
só pode ter como fundamento uma questão de índole material, portanto, o tribunal só pode
reexame a matéria de direito. Mas, como também iremos perceber, muitas vezes este recurso
em que só pode haver como fundamento matéria de direito, vale também para os recursos
interpostos para a Relação [a relação visa normalmente matérias de facto e de direito (artigo
428º do CPP)]. O que é que se quer dizer com isto? O recurso para o Tribunal da Relação pode
visar exclusivamente matéria de direito. Mas apesar de haver esta restrição estabelecida por
lei do reexame da matéria de direito quer para o STJ, quer para a Relação, mesmo nestes casos

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o recurso poderá ter como fundamento (artigo 410º, nº2 do CPP), primeiro, a insuficiência
para a decisão da matéria de facto provada (a matéria de facto que se considera provada
dentro da sentença é considerada insuficiente para a decisão); segundo, contradição insanável
da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (não se trata aqui de falta de
fundamentação, aqui o que se passa é que a tal decisão foi objeto de recurso em matéria de
direito, tem uma contradição na fundamentação de facto, e isso significa que ou há
contradição na matéria de facto dada como provada e matéria de facto dada como não
provada, ou há uma contradição entre a fundamentação probatória e a matéria de direito);
terceiro, erro notório da apreciação da prova (significa que na decisão há um erro manifesto /
evidente para qualquer homem médio na apreciação da prova e, por isso mesmo, o tribunal
pode conhecer oficiosamente desse erro, mesmo que ele não tenha sido invocado na
fundamentação do recorrente); quarto (artigo 410º, nº3 do CPP), inobservância de requisito
cominado, sob pena de nulidade que não se deva considerar sanado (por exemplo, se houver
uma prova proibida que provoque a nulidade da prova, nesse caso o tribunal pode conhecer
dessa nulidade, mesmo que ela não tenha sido objeto de recurso). Portanto, mesmo naqueles
casos em que o legislador diz que só pode ser objeto de recurso matéria de direito, mesmo
nesses casos é possível nestas situações serem conhecidas pelo tribunal de recurso.

Aula Teórica (16/12)

Vamos continuar com o âmbito e os fundamentos do recurso. Como já sabemos, é o


recorrente que estabelece o âmbito do recurso, e é por isso que é tão importante as
conclusões e os fundamentos que ele alega no recurso, na sua motivação. Em geral, o recurso
pode ter como fundamento qualquer questão, quer seja de índole processual, quer seja índole
material (isto é, direito penal substantivo), desde que essas questões não sejam excluídas por
lei, ou, por exemplo, seja uma questão que já foi definitivamente resolvida (artigo 410º, nº1,
do CPP). Do artigo 402º e 403º do CPP resulta que o tribunal só pode conhecer as questões
levantadas pelo recorrente.

Nota: ela basicamente no início repetiu o final da aula passada, eu apenas completei com o
que faltava lá, a partir daqui é matéria nova.

Outra matéria que importa saber a propósito dos recursos ordinários antes da tramitação: os
efeitos da interposição do recurso. O efeito regra da interposição do recurso ordinário é o
efeito devolutivo. O que é que isto significa? Significa que se atribui ao tribunal do recurso o
poder de conhecer a decisão impugnada, e fala-se em efeito devolutivo porque devolve-se o
conhecimento da decisão recorrida a outro tribunal, que irá decidir de novo, e é por isso que
se fala em efeito devolutivo ou meramente devolutivo. Mas há certas situações em que a lei
atribui ao recurso mais do que o efeito devolutivo, isto é, há situações em que a lei atribui ao
recurso o chamado efeito suspensivo do processo, e essas situações estão previstas no artigo
408º, nº1 do CPP. O que é que é isto do efeito suspensivo do processo? Significa que o
processo não prossegue, a não ser no diz que respeito ao próprio recurso.

Vamos então ver em que situações a lei atribui mais do que o efeito devolutivo, a atribui este
efeito suspensivo: primeira, sempre que houver recurso de uma decisão final condenatória. O
que é que isto significa quando se diz que há efeito suspensivo? Significa que se alguém
recorrer de uma decisão final condenatória, essa decisão não pode ser executada sem prévia
decisão do recurso, o processo não passa à fase de execução da decisão condenatória, sem
prejuízo do disposto no artigo 214º, nº2 do CPP, de acordo com o qual temos a extinção das

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medidas de coação, nomeadamente prisão preventiva, se a pena aplicada na decisão
condenatória não for superior à prisão já sofrida pelo agente.

Outra situação em que a lei atribui efeito suspensivo, no sentido de não prosseguimento do
processo a não ser no que diz respeito ao próprio recurso: se houver recurso do despacho de
pronúncia. O que é que isto significa? Se for interposto recurso do despacho de pronúncia, o
processo não passa à fase do julgamento enquanto o recurso não for decidido.

Em 2007 foi introduzida ainda uma terceira situação em que a lei atribui este efeito
suspensivo: em todos aqueles casos em que a retenção do recurso os tornaria absolutamente
inúteis (artigo 407º, nº1 do CPP). O que é que isto quer dizer? Como dos recursos depende a
validade ou a eficácia dos atos seguintes, suspende-se o processo, mas tem de haver um nexo
de casualidade essencial entre a decisão recorrida e os atos subsequentes.

Para além do efeito devolutivo e do efeito suspensivo do processo, temos o efeito suspensivo
da decisão recorrida. O que é que significa? Aqui quando se diz efeito suspensivo da decisão
recorrida significa que o processo prossegue, mas fica suspensa a decisão recorrida. Exemplo:
imaginem que o tribunal condena a uma caução de 1 milhão de euros para garantir que o
arguido não sai do país, e o arguido sai. Nesse caso há a chamada quebra de caução, que nos
termos do artigo 208º, nº2 do CPP significa a perda desse valor a favor do Estado. Se o tribunal
determinar essa quebra de caução e o advogado recorrer, o recurso da decisão da quebra de
caução tem efeito suspensivo da decisão recorrida. O que é que isto significa? Significa que
esse valor só será perdido a favor do Estado depois de ter sido julgado o recurso, mas o
processo continua.

Até agora temos estado a falar dos efeitos da interposição do recurso. Não confundir os efeitos
da interposição dos recurso com os efeitos do recurso. Os efeitos do recurso está-se a pensar
na circunstância da interposição do recurso impedir a formação de caso julgado.

A propósito deste efeito do recurso, é de referir ainda o artigo 402º, nº2 do CPP, porquê?
Porque este diz que este efeito do recurso impedir a formação de caso julgado, estende-se aos
outros arguidos, e fala-se aí em efeito extensivo do recurso.

Outra matéria relevante: momento de subida de recurso ordinário. Os recursos podem subir
de duas formas: ou sobem imediatamente, o que é que isto significa? O recurso vai
imediatamente para o tribunal que há-de julgar o recurso, e tal ocorre nos casos enumerados
no artigo 407º, nº2 do CPP, e isso acontece, desde logo, naqueles casos em que as decisões
ponham termo à causa. Mas também há outras situações em que o recurso sobe
imediatamente, que serão aqueles recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis.

Mas os recursos também podem subir com o recurso interposto da decisão que tiver posto
termo à causa, e estes casos estão referidos no artigo 407º, nº3 do CPP. O que é que isto quer
dizer? Ou quando é que isto acontece? Imaginem que estamos a meio de um julgamento, o
arguido solicita perícia, o tribunal indefere, o arguido recorre dessa decisão. Esse recurso não
sobe imediatamente, esse recurso só sobe se quando houver recuso da decisão proferida, o
requerente quiser que esse recurso suba.

Por fim, a forma de subida do recurso. Face ao artigo 406º do CPP, há duas formas de subir os
recursos: primeira forma, nos próprios autos (nº1), o que é que isto significa? Significa que é o
próprio recurso como um todo que vai para um tribunal superior, se isso acontecer não vai ser
preciso requerer certidões das peças processuais para instruir o recurso, porque o próprio

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processo sobe todo. Quando é que isso acontece? Acontece quando houver recurso das
decisões que ponham termo à causa, e das decisões que com essa decisão devam subir. Em
todos os outros casos, o recurso sobe em separado (nº2). O que é que isto significa? Significa
que em todos os outros casos que não houver recurso da decisão que ponha termo à causa, o
processo prossegue a sua marcha normal, e o recurso corre paralelamente, e por isso não
pode subir nos autos, isto é, as pessoas vão ter de pedir as tais certidões para ter peças
processuais necessárias para instruir o recurso.

Finalmente, vamos entrar no princípio da tramitação (tendencialmente) unitária dos recursos


ordinários. De acordo com este princípio, os recursos são tramitados segundo um regime que
tende a ser comum, independentemente do tribunal para que se recorre, e esse regime está
estipulado nos artigo 410º a 426º-A do CPP.

Aula OT (16/12) – mais uma vez a aula não ficou a gravar no início, falta alguns minutos

… pode ser por requerimento (artigo 411º , nº2 do CPP), e pode ser por simples declaração na
ata. Esta forma de requerer recurso com simples declaração na ata ocorre apenas quando se
trata de ação proferida em audiência, isto é, a pessoa requer o recurso durante a audiência.
Nestes casos o recurso é feito por simples declaração em ata, e a motivação pode ser
apresentada posteriormente, nomeadamente no prazo de 30 dias a contar da data da
declaração em ata. Mas pode ser que o advogado vá já preparado e adite já a motivação e,
portanto, nesse caso é ditado o pedido de recurso com a motivação. Mas uma coisa é certa, o
facto de ter de haver motivação é mais uma prova de que o requerimento de interposição de
recurso tem de ser sempre motivado, sob pena da não admissão do recurso (artigo 411º, nº3
do CPP).

Mais uma nota ainda quanto à forma que pode revestir o requerimento da interposição de
recurso: no requerimento da interposição do recurso, o recorrente pode requerer que se
realize a audiência para especificar os pontos da motivação do recurso que pretende ver
debatidos. Já o recorrido não pode requerer a realização da audiência. O professor Germano
Marques da Silva critica esta solução, porque uma vez requerida a audiência, seria importante
que todos pudessem participar e, por isso, ele acha que neste caso o recorrido também
deveria puder requerer a realização da audiência.

Por último, ainda como nota, o requerimento do recurso e a sua motivação deve ser
acompanhado de cópias para o Ministério Público e para cada um dos assistentes ou
defensores dos coarguidos que possam ser afetados pelo recurso.

Como já sabemos, o mais importante no recurso é a motivação. A motivação estabelece o


objeto do recurso. Só pode ser discutido em recurso as questões que forem levantadas na
motivação. A falta de motivação constitui fundamento de não admissão do recurso (artigo
414º, nº3 do CPP). E, por isso, temos já podemos ter uma ideia de como é que é composto um
recurso: primeiro, pela especificação dos fundamentos do recurso, que podem ser de facto
e/ou de direito, e termina com a formulação de conclusões deduzidas por artigos, onde o
recorrente resume as razões do pedido. Estas conclusões também são muito relevantes,
porquê? Porque se não houver conclusões, o recurso pode ser rejeitado (artigo 414º, nº1 do
CPP). Só para termos uma ideia, quanto à matéria de direito, que conclusões tem o recorrente
de indicar, sob pena de rejeição do recurso? Pode ser três: ele pode indicar as normas jurídicas
que considere terem sido violadas; pode também indicar o sentido em que no seu

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entendimento o tribunal recorrido interpretou e aplicou determinada norma; e o sentido com
que devia ter interpretado e/ou aplicado determinada norma.

Ele quando faz esta explicação, principalmente na motivação, ele tem de ser exaustivo, isto é,
ele tem de apresentar as razões da divergência referindo o sentido que foi dado à lei, e o
sentido que ele acha que devia ter sido dado e as razões da sua divergência. Nas conclusões,
ele tem de resumir esses argumentos.

Por último, ele pode indicar ainda nas conclusões que considera que houve um erro na
determinação de uma norma aplicada, e nesse caso ele deve indicar qual a norma que no seu
entender deve ser aplicada.

Quanto à matéria de facto, o recorrente nas conclusões pode especificar o quê? Primeiro, os
factos que considera incorretamente avaliados; segundo, que as concretas provas
apresentadas levam a uma decisão diversa da recorrida; e, por último, ainda pode dizer que
provas é que ele acha que podem ser renováveis. Este recurso relativo à matéria de facto pode
visar três conclusões: primeiro, ele pode visar que haja uma alteração dos factos dados como
provados e não provados e, por isso, normalmente nessas situações em que ele visa alterar os
factos dados como provados e os dados como não provados, ele deve enumerar os factos que
ele considera incorretamente julgados, e deve individualizá-los um a um. Para além disto,
quando há recurso da matéria de facto, ele também pode visar não uma alteração dos factos
dados como provados, mas uma decisão diversa da dada pelo tribunal àquelas provas, nesse
caso ele deve indicar quais são as provas concretas que impõe uma decisão diversa. E, por
último, como vimos, ele pode também visar a renovação de provas já produzidas em
audiência, e nesse caso tem de indicar quais são.

Ainda a propósito das razões de facto, importa referir que para grande parte da doutrina,
quando se trate de recurso interposto pelo arguido ou pelo Ministério Público no exclusivo
interesse do arguido, pode ainda servir como fundamento os factos que foram dados como
provados noutra sentença, e que são inconciliáveis com os factos que serviram de fundamento
à sentença recorrida, ou ainda os factos noutra sentença que suscitem dúvidas graves sobre a
justiça da condenação. Nestes casos, o próprio legislador considera que estas duas razões só
são fundamento de recurso extraordinário, mas o que grande parte da doutrina diz,
nomeadamente o professor Germano Marques da Silva e o professor Paulo Pinto de
Albuquerque, consideram que não é preciso esperar pelo trânsito em julgado e haver recurso
extraordinário, deve puder ser fundamento no recurso ordinário e, por isso, podem
acrescentar aos fundamentos da matéria de facto estes dois.

Vamos então agora ao prazo para a interposição do recurso ordinário. Está previsto no artigo
411º, nº1 do CPP, e de acordo com ele o prazo para a interposição do recurso é de 30 dias, e
esses 30 dias contam-se a partir da notificação da decisão, e no caso de sentença conta-se a
partir do depósito da sentença da secretaria. No caso de decisão oral reproduzida em ata,
conta-se a partir dessa data.

A propósito dos prazos, não se esqueçam que há sempre a hipótese da interposição do recurso
ser praticada nos 3 dias seguintes ao prazo exigido (artigo 107º-A do CPP), e desde que se
pague a taxa de justiça, portanto, este artigo possibilita a chamada prática extemporânea de
atos processuais.

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Há uma outra situação em que é possível a prática extemporânea de um ato, e que está
prevista no artigo 107º, nº6 do CPP: se o juiz a quo achar que o procedimento releva uma
especial complexidade, pode prorrogar o prazo de recurso em 30 dias.

Continuando a tramitação, uma vez interposto o recurso, e junta a respetiva motivação, o juiz
profere um despacho, e só pode ser dois: primeiro, ou profere despacho de admissão de
recurso, onde fixa o efeito do recurso e o regime de subida (artigo 414º, nº1 do CPP); ou
profere o despacho de não admissão do recurso. Quais são os fundamentos que ele pode
invocar para proferir o despacho de não admissão? Primeiro, trata-se de uma decisão não
recorrível; segundo, caducidade do direito de recorrer; terceiro, não ter o recorrente
legitimidade ou interesse em agir; quarto, não haver motivação do recurso; quinto, faltarem as
conclusões, mas nestes casos o juiz dá ao recorrente a possibilidade de as entregar, mas o
prazo para fazer isso são 10 dias após ter sido convidado a fazê-lo, e se ele não apresentar as
conclusões ele não admite o recurso.

Se houver um despacho de não admissão do recurso, o recorrente pode reclamar para o


presidente do tribuna a que o recurso se dirige à luz do artigo 405º do CPP, e na reclamação
ele vai ter de expor as razões que segundo ele justificam a admissão do recurso, e também
indicar os elementos com que pretende instruir a reclamação, e tem de fazê-lo no prazo de 10
dias a contar da notificação de despacho de não admissão. A decisão do presidente do tribunal
superior quanto a este recurso é definitiva, portanto, se ele confirmar o despacho de não
admissão, não cabe recurso dessa decisão.

Outro aspeto relevante quanto aos recursos ordinários: notificação do despacho de


interposição do recurso. Quando há o requerimento de interposição do recurso, e a respetiva
motivação, estes têm de ser notificados oficiosamente aos restantes sujeitos processuais
afetados pelo recurso. Porque é que isto é tão importante? Porque os sujeitos afetados pela
interposição do recurso depois de notificados, podem responder no prazo de 30 dias a contar
dessa notificação, há direito de resposta. E essa resposta também vai ter de ser notificada a
todos os sujeitos processuais interessados (artigo 413º do CPP). Na reposta, o que é que
normalmente acontece? Na resposta ele deve desvalorizar os argumentos apresentados pelo
recorrente, deve também especificar provas que ele ache que vão no sentido contrário à
solução apresentada pelo recorrente, mas tudo depende da estratégia.

Quando o recurso tenha por objeto decisão judicial que não conheça afinal o objeto do
processo e, por isso, tenha apenas natureza estritamente processual, nestes casos o juiz que
proferiu a decisão pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, o que é
que ele pode fazer? Pode sustentar ou reparar aquela decisão (artigo 414º, nº4 do CPP). E
caso ele decida reparar a decisão impugnada, substituindo-a por outra, aí essa reparação vai
estar sujeito às regras normais do recurso.

Outro aspeto importante a propósito da tramitação do recurso: desistência do recurso. O


recorrente, caso queira, pode desistir do recurso interposto, e o prazo que ele tem para o fazer
é até ao momento do processo ser concluso ao relator para exame preliminar, e tem
legitimidade para desistir do recurso as pessoas referidas no artigo 415º, nº1 do CPP, que são
os sujeitos processuais recorrentes.

Já vimos todas as situações ou todas as matérias que tem relevância antes do recurso chegar
ao tribunal ad quem. Vamos então agora, continuando a marcha do recurso, ver o que é que
acontece a partir do momento em que o recurso chega ao tribunal ad quem. Recebido o
recurso no tribunal ad quem, antes de ser apresentado ao relator, vai com vista ao Ministério

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Público. O que é que isto quer dizer? À luz do artigo 416º do CPP, o Ministério Público limita-
se a pôr um visto ou a formular um parecer antes do recurso ser apresentado ao relator. Se ele
puser só um visto, passa logo ao relator, mas se ele formular um parecer, o arguido e o demais
sujeitos afetados pelo recurso, são notificados desse parecer, e têm 10 dias para responder
(artigo 417º, nº2 do CPP).

Depois desta parte, só depois disto é que o recurso é concluso (no sentido de entregue) ao juiz
relator, para exame preliminar (artigo 417º, nº1 do CPP). Quais são então as reações possíveis
do juiz relator? Primeiro, se o relator verificar que a motivação do recurso não contém
conclusões, ou das conclusões não for possível deduzir, total ou parcialmente, as indicações
previstas no artigo 412º, nº2 a nº5 do CPP, ele pode convidar o recorrente a completar ou a
esclarecer as conclusões formuladas no prazo de 10 dias, sob do recurso ser recusado (artigo
417º, nº3 do CPP). Mas se após o exame, o juiz relator chegar à conclusão que há uma
circunstância que obsta ao conhecimento do recurso, ele deve ser rejeitado, e essas
circunstâncias estão enumeradas no artigo 420º do CPP: primeira, se for manifesta a sua
improcedência, se se verificar causa que devia ter determinado a sua não admissão ( artigo
414º, nº2 do CPP); se o recorrente não apresentar ou esclarecer as conclusões formuladas
quando for convidado a fazer; se existir causa extintiva do procedimento ou da
responsabilidade criminal; por último, se a questão a decidir já tiver sido judicialmente
apreciada de forma uniforme e reiterada.

Se após o exame, o relator não convidar o recorrente a apresentar ou a completar as


conclusões, ou não rejeitar, ele pode decidir no exame preliminar qual o efeito que vai atribuir
ao recurso, e também pode decidir se há provas a renovar. Portanto, só depois deste exame
preliminar é que o recurso pode ser julgado, e o recurso pode ser julgado em duas formas: ou
em conferência, ou em audiência de julgamento.

O recurso deve ser julgado em conferência nos casos referidos no artigo 419º, nº3 do CPP,
nomeadamente quando tenha sido apresentada a reclamação da decisão sumária, a decisão
recorrida que não conheça afinal o objeto do processo, ou ainda quando não tiver sido
recorrida a realização da audiência. Já agora, o que é que é decidir em conferência?
Conferência é uma forma de funcionamento do tribunal, numa secção, é um coletivo mais
reduzido que a secção. Nestes casos, o que é que acontece? O relator elabora o projeto de
acórdão, que acompanhado do processo, vai a visto do presidente da secção e do juiz adjunto
e, por fim, vai a conferência (artigos 417º, nº9, e 418º do CPP).

Mas para além de o recurso puder ser decidido em conferência, ele também pode ser decidido
em audiência de julgamento, e nesse caso são convocados para a audiência o Ministério
Público, o defensor, o representante do assistente e das partes civis (se as houver), e as
pessoas que tiverem de ser ouvidas se houver lugar a renovação de prova.

Aberta a audiência, o relator expõe o objeto do recurso de forma sumária, e indica as questões
que o tribunal entende que merece exame especial (artigo 423º do CPP). Seguidamente,
prossegue-se à renovação da prova (se houver lugar). E, por fim, segue-se as alegações, que
não podem ter uma duração superior a 30 minutos (só pode ser prorrogado este período no
casos de maior complexidade). As alegações, em primeiro lugar, são do recorrente, e, por
último, do recorrido.

Encerrada a audiência, o tribunal reúne para deliberar, e aqui vão ser aplicadas as disposições
quanto à deliberação e votação em julgamento. Só depois de deliberar e concluída a votação,

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é elaborado o acórdão pelo juiz relator. Se o juiz votar voto vencido, já não é ele que elabora o
relatório, é o juiz que tomou a decisão que ganhou por unanimidade.

No final do recurso, o que é que acontece? Ou temos acórdão e substituição da decisão


recorrida; ou caso o tribunal de recurso julgar que existem os vícios referidos no artigo 410º,
nº2 do CPP, nesse caso reenvia o processo para novo julgamento, e aqui o tribunal
competente é o tribunal que tiver efetuado o julgamento anterior (artigo 426º-A do CPP). O
novo julgamento pode limitar-se às questões concretamente identificadas da decisão de
reenvio. Outra situação em que ele também pode reenviar o processo para novo julgamento:
se o recurso teve como fundamento a inobservância de um requisito sob pena de nulidade,
que não se deva considerar sanado, nesse caso o tribunal vai ter de conhecer a nulidade, e ver
se é possível sanar.

Aula Teórica (05/01)

Estávamos agora a entrar nas especificidades que existem na tramitação dos recursos para a
Relação e para o STJ. Vamos então começar pelas especificidades da tramitação dos recursos
para a Relação. Ora bem, a regra face ao artigo 427º do CPP é que sempre que há recurso de
decisão proferida em Tribunal de 1ª instância, ele interpõe-se para a Relação, isto a propósito
do âmbito do recurso para a Relação, mas há exceções, isto é, há casos em que o recurso vai
diretamente para o STJ.

Quais são então os recursos que vão para a Relação? Primeiro, decisões finais do juiz singular e
decisões finais do tribunal coletivo que não sejam exclusivamente de direito, e ainda temos as
decisões interlocutórias do juiz singular, coletivo ou de júri do Tribunal de 1ª instância, cujo
recurso não deva subir com o recurso interposto do acórdão final. Face ao artigo 400º, nº1,
alínea c), d), e) e f) do CPP, resulta que por vezes as Relações conhecem em última instância
certos recursos, e isto tem a ver com um princípio que nós já demos, com o princípio da dupla
jurisdição, que como sabem tem exceções, e essas exceções significa precisamente que o
Tribunal da Relação é a última instância em certas decisões e certos acórdãos, não é possível
recorrer mais. Isto é a propósito do âmbito.

Quanto à competência para os recursos para a Relação, o julgamento dos recursos interpostos
dos Tribunais de 1ª instância para as Relações é da competência das secções criminais das
Relações [artigo 427º e artigo 12º, nº2, alínea c) do CPP]. O Tribunal da Relação, quer em
conferência, quer em audiência, é composto pelo Presidente da Secção que preside, pelo juiz
relator (é quem vai redigir o acórdão), e o juiz adjunto. Esta composição resulta do artigo 429º,
nº1 do CPP.

Quais são então os poderes de cognição da Relação? As Relações podem conhecer quer
questões de facto, quer questões de direito e, por isso mesmo, quando se fala dos poderes de
cognição da Relação, pode-se dizer que elas podem conhecer matérias de facto e de direito. E
o que é que a Relação pode fazer quando recebe o recurso? Ou modifica a decisão recorrida, e
quando é que isso pode acontecer? Quando do processo constarem todos os elementos de
prova que lhe serviram de base. Outra situação: se a prova tiver sido impugnada é necessário
que os concretos pontos de facto tenham sido impugnados e se proceda à indicação das

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provas que impõe decisão diversa da recorrida, e se indiquem as provas que devem ser
renovadas no caso disso. Há uma outra hipótese que é a Relação reenviar o processo para
novo julgamento, e isso acontece se existirem os vícios do artigo 410º, nº2 do CPP, e não for
possível decidir da causa. Portanto, estas são apenas o que algumas especificidades quando o
recurso é para a Relação.

Quanto às especificidades da tramitação para o STJ: primeiro, âmbito de aplicação, os casos


em que se interpõe para o STJ estão contemplados nos artigo 432º e 433º do CPP. E a
propósito da competência interessa saber que compete ao pleno das secções criminais do
Supremo, o que é que isto significa? Pleno das secções são todos os juízes de todas as secções
criminais juntos. Quais são então as decisões que compete ao pleno? Primeiro, julgamento dos
recursos das decisões proferidas em 1ª instância pelas secções do STJ. Como nós sabemos, o
STJ em relação a certas matérias pode surgir como tribunal de 1ª instância e, portanto, se
houver recurso dessas decisões é para o pleno das secções criminais do Supremo, e isto resulta
do artigo 11º, nº3, alínea b) do CPP, e quando se diz que compete ao poder é no sentido de
todos os juízes de todas as secções criminais juntas, e também significa que temos de estar
perante uma decisão proferida pelo Supremo numa matéria em que o Supremo atou como 1ª
instância.

Mas também há outra hipótese, que é o plenário, aqui já é todos os juízes de todas as secções,
que matérias competem ao plenário do Supremo? Julgar recursos de decisões proferidas em
1ª instância pelo pleno das secções criminais do STJ [artigo 52º, alínea a) da Lei nº62/2013 de
26 de agosto].

Portanto, fora destes casos muitos excecionais em que funciona o pleno das secções criminais
ou funciona o plenário, todos os outros recursos para o STJ competem às secções criminais,
não ao pleno ou ao plenário [artigo 11º, nº4, alínea b) do CPP].

Quais são então os poderes de cognição do Supremo? O recurso para o STJ visa
exclusivamente o reexame da matéria de direito, com ressalva do disposto no artigo 410º, nº2
e nº3 do CPP, e nestes casos o tribunal limita-se a verificar a existência do vício, ou a
ilegalidade da decisão, revoga a sentença e reenvia o processo para novo julgamento, e é por
isso que em última análise podemos dizer que o Supremo nunca julga matéria de facto. E ele
reenvia para onde nestes casos do artigo 410º, nº2 e nº3 do CPP? Ele vai reenviar para o
tribunal que tiver proferido a decisão recorrida, aplicando-se o disposto no artigo 426º-A do
CPP. No supremo, como é que ele funciona? Ele pode funcionar em audiência quando
requerida pela recorrente, mas tem de ser requerida (artigo 411º, nº5 do CPP), e é composta
pelo presidente da secção, pelo juiz relator e juiz adjunto (artigo 435º do CPP), e limita-se à
exposição do relator e às alegações (artigo 423º, nº1 e nº3 do CPP).

Terminarmos os recursos ordinários. Vamos agora passar aos recursos extraordinários.

Porque é que o recurso é extraordinário? Porque houve trânsito em julgado, ou seja, a partir
do momento em que a sentença transita em julgado, ela torna-se imutável, mas há dois tipos
recursos chamados extraordinários por isso mesmo, porque é possível recorrer de uma
decisão que já transitou em julgado. Como devem de imaginar, para isso ser possível tem de
ser situações excecionais. Que dois recursos extraordinários existem na nossa ordem jurídica?
Primeiro, o chamado recurso de fixação de jurisprudência, que está previstos nos artigos 437º
e seguintes do CPP; e o outro recurso extraordinário é o recurso de revisão, que está previsto
nos artigos 449º e seguintes do CPP.

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Vamos começar pelo recurso de fixação de jurisprudência. Competência: é a da competência
do pleno das secções criminais do STJ [artigo 11º, nº3, alínea c) e artigo 437º, nº1 do CPP], e é
interposto do acórdão proferido em último lugar por meio de requerimento para o pleno das
secções criminais do STJ. Quais são os fundamentos? São dois. Este recurso extraordinário de
fixação de jurisprudência ocorre sempre que exista um conflito de jurisprudência, portanto, é
essencial que estejamos perante um conflito de jurisprudência. E quando é que isso acontece?
Quando o STJ, no domínio da mesma legislação, o que é que isto quer dizer? Durante o
intervalo que existe entre uma decisão e outra, não houve modificação legislativa que interfira
na resolução da questão da direito em contacto. Durante este período, o Supremo proferiu
dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentam em soluções
diferentes, mas não é só este o caso. O outro caso é quando no domínio da mesma legislação,
um Tribunal da Relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro da mesma ou de
diferente Relação, ou do STJ, isto é, o acórdão da Relação emite uma decisão diferente de uma
decisão em relação à mesma matéria de direito proferida pelo STJ, portanto, quando se diz
que há decisões opostas / diferentes pode ser entre duas decisões do STJ, ou entre uma
decisão STJ e uma decisão da Relação, ou entre dois acórdãos da Relação. E neste caso de ser
um acórdão da Relação, tem também de não haver a possibilidade de admissão de recurso
ordinário. Só se fala em recurso extraordinário quando as decisões transitaram em julgado.

Portanto, quando se fala em recurso de fixação de jurisprudência, pode-se dizer que o objeto
do recurso é uma decisão de última instância, que pode ser do Supremo, ou pode ser da
Relação que não admita recurso ordinário.

Outro aspeto importante: esta decisão de última instância tanto pode conter uma decisão de
mérito, como uma decisão meramente processual, e chama-se à última decisão proferida, que
é diferente da anterior, chama-se a esse acórdão “acórdão recorrido”, e ao acórdão que tem
uma solução oposta no domínio da mesma legislação designa-se de “acórdão fundamento”,
que é sempre anterior à decisão do acórdão recorrido.

Tenha em consideração que quando se diz que é uma solução oposta não significa
necessariamente contrárias ou contraditórias, significa que são diferentes, não tem
necessariamente de ser contraditórias.

Qual é objetivo deste recurso extraordinário? O fim é a unidade de direito, assegurar a


uniformização da jurisprudência.

Outro aspeto importante: o Ministério Público tem obrigação de recorrer / de interpor este
recurso extraordinário, mas quando não o fizer e houver outrem em interpor o recurso, o
fundamento passa a ser a ilegalidade da decisão recorrida. Porquê? Porque o acórdão
recorrido com solução oposta é ilegal.

Quando ao prazo para interpor este recurso de fixação de jurisprudência: 30 dias a contar do
trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. Qual é a forma? Requerimento é a
única forma deste recurso extraordinário. Portanto, este recurso extraordinário é interposto
por requerimento, e o recorrente identifica o acórdão fundamento (o tal acórdão anterior que
tem a solução oposta), e caso esse acórdão fundamento tenha sido publicado ele vai ter de
indicar o lugar da publicação e também vai ter de justificar a oposição que origine o conflito de
jurisprudência.

Outro aspeto relevante: efeitos. Este recurso não tem efeito suspensivo do processo (artigo
438º, nº3 do CPP).

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Vamos então agora ver alguns aspetos da tramitação: uma vez interposto, a secretaria faculta
o processo aos sujeitos processuais interessados, para quê? Para que eles possam, e caso
queiram, responder no prazo de 10 dias. Uma vez recebido pelo tribunal ad quem, o processo
vai com vista ao Ministério Público, e depois é entregue / concluso ao relator para exame
preliminar pelo prazo de 10 dias, e nesses 10 dias o relator verifica a sua admissibilidade, o
regime, etc… do recurso (artigo 440º do CPP). E pode acontecer uma de duas coisas: se ele
achar que há motivo de inadmissibilidade ou concluir que não há oposição de decisões, o
recurso é rejeitado (artigo 441º do CPP); se o recurso não for rejeitado porque não há motivo
para rejeição, nesse caso o recurso prossegue e é remetido como projeto de acórdão feito pelo
tal juiz relator, a vistos do presidente e depois dos juízes adjuntos e, por fim, a conferência, e
neste caso os sujeitos processuais são notificados para apresentarem alegações por escrito no
prazo de 15 dias (artigo 442º do CPP), e nessas alegações o que é que eles devem fazer?
Devem formular conclusões em que indicam o sentido em que eles acham que se deve fixar a
jurisprudência (artigo 442º, nº2 do CPP).

Por último, ainda a propósito da tramitação, o julgamento será feito em conferência pelo
pleno das secções criminais, presidida pelo presidente do STJ (artigo 443º do CPP). E, por fim,
o acórdão vai ter de ser publicado na primeira série do Diário da República (artigo 444º do
CPP).

Outro aspeto muito importante: eficácia. Até 1998, a decisão que resolve-se o conflito
jurisprudencial tinha eficácia no processo em que o recurso foi interposto e, além disso,
constituía jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais. A partir de 1998, a decisão que
resolver o conflito tem eficácia apenas num processo em que o recurso for interposto e nos
processos cuja tramitação tiver sido suspensa nos termos no artigo 441º, nº2 do CPP,
portanto, não constitui jurisprudência obrigatória para os tribunais judiciais, mas há um aspeto
importante, apesar de esta decisão não constituir jurisprudência obrigatória para os tribunais
judiciais, como era até 1998, esses tribunais quando proferirem uma decisão contrária à
decisão de fixação de jurisprudência, têm de fundamentar as divergências relativamente à
jurisprudência fixada, e essa decisão que for contrária é diretamente recorrível para o STJ, o
Ministério Público tem obrigatoriedade de o fazer caso isso aconteça (artigo 445º, nº3 e 446º,
nº1 e nº2 do CPP).

Aula Teórica (06/01)

Vamos então ao recurso de revisão. O recurso de revisão está previstos nos artigos 449º e
seguintes do CPP, e compete às secções criminais do STJ [artigo 455º, 56º, 57º, 11º, nº4,
alínea d) do CPP], e quando há o conhecimento do pedido de revisão, haverá uma decisão que
aceita ou rejeita esse pedido, e se aceitar haverá o reenvio do processo para um tribunal de
categoria e estrutura idêntica ao do tribunal que proferiu a decisão a rever (artigo 455º, 56º e
57º, nº1 do CPP).

Como sabemos, o que carateriza o recurso extraordinário é já ter havido trânsito em julgado
da sentença e, por isso mesmo, para haver este recurso de revisão o vício que existe na
sentença tem de ter uma tal gravidade que justifique que possa haver impugnação da decisão
após o trânsito em julgado, ao ponto do legislador considerar que haveria mais prejuízo para a
justiça em manter a decisão, em não fazer nada, em não permitir o recurso, e é por isso que
este recurso de revisão visa o objetivo é reparar os vícios da sentença já transitado em julgado,
ou despacho que tiver posto termo ao processo também transitado em julgado.

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Quais são os fundamentos? Aqui varia consoante a decisão transitada em julgado seja uma
sentença condenatória ou seja uma sentença absolutória, isto é, se o recurso de revisão for de
uma sentença condenatória transitada em julgado, aqui face ao artigo 449º, nº1, alínea c), d),
e), f) e g) do CPP, pode haver recurso: primeiro, quando os factos que serviram de fundamento
à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença, e da
oposição resultarem grandes dúvidas da condenação [alínea c)], portanto, percebe-se
perfeitamente porque é que aqui deve haver um recurso extraordinário, isto é, após o trânsito
em julgado de uma sentença condenatória, há um novo julgamento onde se prova dados que
são inconciliáveis com os dados que serviram de fundamento à condenação anterior, e nesse
caso há possibilidade de haver um recurso de revisão da sentença baseada nesses dados que
estão claramente em contradição / são inconciliáveis com os dados provados na nova
sentença. Quando se fala em dúvidas, essas dúvidas podem recair sobre o arguido devia ou
não ser condenado, e é uma grave dúvida, mas também se a pessoa foi condenada a uma pena
mais grave do que aquela que deveria ser, aí também podem surgir dúvidas graves sobre a
justiça da condenação.

Segunda situação, está descrita na alínea d), isto é, se descobrirem novos factos ou meios de
prova que de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem
dúvidas sobre a justiça da condenação. Portanto, aqui são novos factos, mas também novos
meios de prova que por si só, tendo em conta só esses factos, mas também se combinados
com os que foram apreciados no processo, mais uma vez suscitem graves dúvidas sobre a
condenação. Temos de ter em atenção que se a dúvida que suscitar for apenas a medida da
pena, não dá direito a recurso extraordinário, tem de ser uma dúvida sobre a condenação ou
sobre uma condenação de uma pena mais grave, não se trata propriamente só de medida de
pena concreta, mas uma pena mais grave.

Terceira situação [alínea e)], isto é, pode haver recurso extraordinário de revisão se se
descobrir que os factos que serviram de fundamento à condenação estão provados através de
métodos proibidos de prova. Um exemplo que nós já demos várias vezes na aula é que vêm a
descobrir que a prova que foi discutida em julgamento foi descoberta através de tortura. Se
isso acontecer, mesmo que a sentença já tenha transitado em julgado, e só se descobrir esse
facto posteriormente, pode haver recurso de revisão.

Outra situação, que nós sabemos de Teoria da Lei Penal, está descrita na alínea f), isto é, se for
declarada pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de
uma norma penal de conteúdo menos favorável ao arguido e tenha sido essa norma o
fundamento da condenação. Se for mais favorável já não se mexe.

A última situação em que é possível um recurso extraordinário de uma sentença condenatória,


mesmo que transitada em julgado, está descrita na alínea g), isto é, se após o trânsito em
julgado houver uma sentença vinculativa do Estado português, proferida por uma instância
internacional, e essa decisão proferida por uma instância internacional é inconciliável com a
condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Esta alínea se reparem é
muito importante, porque ela vai resolver o problema da execução do nosso ordenamento
jurídico de sentenças proferidas, por exemplo, pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
De acordo com o nosso legislador, como esta sentença é vinculativa do Estado português, se
houver uma sentença mesmo transitada em julgado inconciliável com essa sentença, pode
haver recurso extraordinário para corrigir essa sentença.

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Agora vamos ver as outras duas situações em que é admissível a revisão, quer de uma
sentença condenatória, quer de uma sentença absolutória, portanto, imaginem a gravidade do
vício que deve haver para o legislador permitir que haja revisão de uma sentença absolutória
transitada em julgado. Os fundamentos só podem ser para o réu e para a sociedade. Vamos
começar pela primeira situação, que está descrita no artigo 449º, nº1 alínea a) do CPP:
quando uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos os meios de prova
determinantes para a decisão, e já agora, para grande parte da doutrina basta que a falsidade
do meio de prova tenha de algum modo contribuído para a decisão, basta que esse meio de
prova tenha contribuído para a decisão se se descobrir mais tarde noutra sentença / noutro
processo que esse meio era falso, recurso de revisão, quer a sentença seja condenatória, quer
seja absolutória.

A alínea b) também é uma situação de extrema gravidade, isto é, de acordo com o nosso
legislador pode haver ainda recurso extraordinário de revisão quando uma outra sentença
transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado relacionado
com o exercício da sua função no processo em que foi proferida a decisão a prever. Exemplo:
crime de corrupção.

Por último, só para termos uma ideia também da legitimidade para requerer a revisão, está no
artigo 450º do CPP, Ministério Público, o assistente, o condenado. E depois, também o artigo
465º do CPP que tem também a ver com a legitimidade indiretamente, que diz: “Tendo sido
negada a revisão ou mantida a decisão revista, não pode haver nova revisão com o mesmo
fundamento”.

Depois ainda a propósito desde recurso extraordinário, há duas fases, este recurso tem duas
fases importantes. A primeira fase que se chama fase do juízo rescindente, que vai desde a
dedução do pedido de revisão até à decisão que concede ou denega a revisão ( artigo 451º do
CPP). A segunda fase é a chamada fase do juízo rescisório, que começa no momento em que o
juízo baixa, como sabemos o juiz decide se admite ou não o recurso de revisão, e se admitir o
juízo baixa e termina com um novo julgamento, e baixa para um tribunal de categoria e
composição idênticas que proferiu a decisão a rever (a partir do artigo 452º e 460º do CPP).

Terminamos a matéria do programa.

Vamos só agora falar um pouco sobre o recurso para o Tribunal Constitucional, porquê?
Porque como já percebemos, a nossa Constituição é fundamental como fonte do Direito
Processual Penal. Todas as normas do Direito Processual Penal têm de estar de acordo com as
normas constitucionais relativas ao processo penal. Por exemplo, estamos sempre a invocar o
artigo 32º da CRP, é um artigo importantíssimo para se perceber todo o processo penal e,
portanto, há vários princípios constitucionais previstos na nossa Constituição e que pautam a
interpretação a dar ao Direito Processual Penal português.

Além disso, estes preceitos constitucionais relativos ao processo penal respeitam muitas vezes
a direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, e quando temos um artigo na Constituição que
diz respeito a direitos de liberdade e garantias dos cidadãos, eles são diretamente aplicáveis
(artigo 18º da CRP), o que é que isto quer dizer de serem diretamente aplicáveis? Não é
preciso nenhuma lei para permitir a aplicação desse princípio, eles são imediatamente
aplicáveis.

A revisão da constitucionalidade pode ser de dois tipos: pode ser uma fiscalização abstrata ou
pode ser uma fiscalização concreta (artigos 277º a 283º da CRP). Dentro da fiscalização

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abstrata, que tipos de fiscalização temos? Preventiva e sucessiva. E o que é que as distingue? A
preventiva é feita pelo Presidente da República, antes de promulgar a lei. Depois temos a
fiscalização abstrata sucessiva, que dá-se após a entrada em vigor da lei e há um conjunto de
entidades que podem fazer isso, podem em abstrato pedir a fiscalização da
constitucionalidade da lei ao Tribunal Constitucional.

A outra fiscalização que se opõe à fiscalização abstrata é a fiscalização concreta, que é a que
nos interessa mais aqui na cadeira. A fiscalização concreta, quando é que ela surge? A
fiscalização concreta surge no âmbito de um processo em concreto onde se levanta a questão
da constitucionalidade de determinada norma, e ou o tribunal recusa a aplicação de uma
norma por a considerar inconstitucional, ou algum participante processual levanta a questão
da constitucionalidade da norma. Se esta invocação da constitucionalidade ocorre no âmbito
de um tribunal de 1ª instância, o que é que tem de acontecer para haver a tal fiscalização
concreta? Recorre da decisão até onde se puder recorrer, e só quando não se puder recorrer
mais é que a última decisão é recorrível para o Tribunal Constitucional, e é aqui que entra a
fiscalização sucessiva concreta. E neste caso, só quando o Tribunal Constitucional declarar
inconstitucional 3 vezes é que o Ministério Público pede ao Tribunal Constitucional a
declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral.

Este recurso da fiscalização concreta para o Tribunal Constitucional, a sua tramitação está na
Constituição, mas também temos de ter em conta a Lei da Organização Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82), e subsidiariamente as normas do Código do
Processo Penal.

As decisões que se podem recorrer estão no artigo 280º da CRP e do artigo 70º daquela lei. O
âmbito do recurso é restrito à questão da constitucionalidade suscitada. Quanto à
legitimidade, à luz do artigo 72º, nº1 da tal lei, é o Ministério Público e as pessoas que de
acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida tenham legitimidade
para interpor recurso. A forma de interposição do recurso é por meio de requerimento, onde o
recorrente indica a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade ele pretende que o
Tribunal Constitucional aprecie, e é esse requerimento que estabelece o objeto do recurso.
Prazo: 10 dias a contar da notificação da decisão de que se recorre, e esse prazo interrompe os
prazos para a interposição de outros recursos que porventura caibam à decisão (artigo 75º da
lei).

Compete ao tribunal que tiver proferido a decisão recorrida apreciação a admissão do


respetivo recurso, e o requerimento deve ser indeferido por esse tribunal nos casos referidos
no artigo 76º, nº2 da lei.

Já agora, se houver um despacho que indefira o requerimento de interposição do recurso para


o Tribunal Constitucional, o que é que o recorrente pode fazer? Reclamação, porquê? Porque é
para o mesmo tribunal (artigo 76º, nº4 da lei). O julgamento da reclamação do despacho que
indefira o recurso, cabe à conferência da respetiva secção, e se não houver unanimidade dos
juízes da conferência, cabe ao pleno da secção, e a decisão que resultar dessa reclamação já
não pode ser impugnada. Depois há o exame preliminar desse pedido de admissibilidade
recurso (artigo 78º-A da lei), e da decisão sumária do relator, vamos supor que ele profere
uma decisão sumária de não conhecer o objeto do recurso, cabe reclamação para a
conferência e aí mais uma vez a conferência decide definitivamente. Se o relator não proferir
esta decisão sumária, ele manda notificar o recorrente para apresentar as alegações do
recurso, e o prazo para as alegações é de 30 dias a contar dessa notificação, mas estas

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alegações que a pessoa tem de apresentar, ao contrário com o que passa no processo penal,
não são apresentadas no tribunal a quo, mas são autónomas do requerimento de interposição
de recurso, e se a pessoa não apresentar as alegações no prazo de 30 dias determina a
deserção do recurso. O recorrido pode responder à alegação do recorrente no prazo também
de 30 dias a contar da notificação das alegações.

O Tribunal Constitucional só pode julgar inconstitucional ou ilegal a norma que a decisão


recorrida tiver aplicado ou a que haja recusado a sua aplicação.

Hipótese:

A 18 de abril de 2008, no Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, Carlos de 25 anos


foi absolvido da prática de um crime de injúria na pessoa de Paulina, pelo facto de em
audiência de julgamento não se ter conseguido provar que havia sido Carlos o autor dos
impropérios, na noite de 1 de outubro de 2007, num café da cidade, e após uma acesa
discussão entre vários clientes.

1 - Em sede de recurso, poderia Paulina ver reapreciada aquela decisão absolutória? Qual o
âmbito do recurso?

Resposta: é ou não admissível recurso da decisão? Temos de ver o artigo 401º, nº1, alínea b) e
o nº2 do CPP, sendo que aqui a Paulina tinha interesse em agir, porque ela queria a
condenação e houve absolvição, e foi afetado o seu bem jurídico honra. Portanto, ela tinha
legitimidade para recorrer. Mas qual é a norma que tínhamos de invocar ou princípio para
dizer que era admissível recurso desta decisão? Artigo 399º do CPP, que é o princípio da
recorribilidade das decisões, ou seja, de acordo como nosso legislador, é permitido recorrer de
todas as sentenças cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei. Ora, tendo em conta esse
artigo 399º e o artigo 400º à contrário do CPP, isto é, o artigo 400º do CPP diz quais são as
decisões que não é possível recurso, como não cabe em nenhumas das situações do artigo
400º do CPP, podíamos dizer que era claramente uma decisão em que era admissível recurso,
e só depois é que íamos para a legitimidade da Paulina.

O âmbito do recurso, qual é a regra? Artigo 402º do CPP, portanto, a regra aqui é que o
recurso de uma sentença abrange toda a decisão, e como na nossa hipótese nada diz que a
Paulina tenha delimitado uma parte da sentença, aqui tínhamos de dizer que o recurso
abarcava toda a decisão. E o depois o artigo 403º do CPP diz quando é que é possível a
limitação do recurso.

2 - Suponha que o juiz despacha no sentido de não admitir o recurso. Quid juris?

Resposta: reclamação (artigo 405º do CPP), portanto, neste caso a Paulina (recorrente) podia
reclamar, para onde? Para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige. Qual é o prazo
que ela tem? 10 dias.

Já a decisão do presidente do tribunal superior, é definitiva quando confirmar o despacho de


indeferimento.

Aula OT (06/01) – continuação da aula anterior

3 – Suponha que o juiz admite o recurso. Qual o modo de subida e os seus efeitos?

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Resposta: sobe nos próprios autos, como temos uma decisão absolutória, o recurso sobe
imediatamente dos próprios autos. Qual é a base legal? Artigo 406º, nº1 e o 407º, nº2, alínea
a) do CPP. Neste caso, como temos uma decisão final, e no sentido de ser absolutória, o
recurso subirá imediatamente e nos próprios autos nos termos dos artigos indicados.

Qual o efeito do recurso? Meramente devolutivo (artigo 408º do CPP à contrario).

4 – Teria aqui aplicação princípio consagrado no artigo 409º do CPP?

Resposta: neste caso, como estamos num recurso interposto pela assistente, o preceito do
artigo 409º do CPP não se aplica. Já agora, consagra que princípio? Princípio da reformatio in
pejus. E o que é que diz este princípio? Ou o que é que decorre? De acordo com o princípio da
reformatio in pejus, uma vez interposto o recurso pela defesa, neste caso do arguido, ou pelo
Ministério Público no interesse do arguido. Isso significa que o tribunal superior não pode
modificar na sua espécie ou medida as sanções das decisões recorridas, e isso tem tudo a ver
com o facto de os recursos serem um dos principais direitos de defesa do arguido. Se ele não
tiver esta garantia da reformatio in pejus, esta garantia estaria comprometida.

Mas no nosso caso como quem interpostos o recurso foi a assistente, já não se aplicava o
artigo 409º do CPP. Não tem aplicação.

5 – Pronuncie-se quanto aos possíveis fundamentos do recurso da Paulina, e que tramitação


deverá este recurso seguir?

Resposta: artigo 410º do CPP, e de acordo com o nº1 sempre que a lei não restringir a
cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento
quaisquer questões de que pudesse reconhecer a decisão recorrida. Portanto, o artigo 410º do
CPP indica quais são os possíveis fundamentos do recurso.

Qual era o prazo para a interposição do recurso ordinário de 1ª instância para a Relação?
Artigo 411º do CPP, é de 30 dias e conta-se a partir da notificação da decisão.

Este requerimento de interposição de recurso, como sabemos, a parte mais importante é a


motivação, porque se não houver motivação o recurso não pode ser admitido (artigo 412º do
CPP).

De acordo com o artigo 413º do CPP (referente à tramitação), sabemos que os sujeitos
processuais afetados pela interposição de recurso podem responder, mas neste caso também
é no prazo de 30 dias contados da notificação, e por fim o juiz profere o despacho, e em caso
de admissão fixa o seu efeito e o regime de subida. Caso seja admitido o recurso, nessa
situação, antes do recurso ser apresentado ao relator, ele tem de passar por onde? Pelo
Ministério Público (artigo 416º e 417º do CPP). Após o exame preliminar, o relator ou profere
uma decisão sumária, e isso acontece sempre que uma circunstância obstar ao conhecimento
do recurso ou o recurso devesse ser rejeitado ou existir uma causa extintiva do procedimento.
Quando o recurso não for julgado nesta forma de decisão sumária, o relator decide no exame
preliminar se deve manter-se o efeito que foi atribuído ao recurso e se há provas a renovar. E,
por fim, há o julgamento do recurso, que por norma é em conferência (artigo 419º do CPP).

6 – Qual o tribunal competente para conhecer o recurso (em termos de competência


material)?

Resposta: a Relação, porquê? Artigo 427º do CPP. E depois quando o artigo 428º do CPP diz: as
Relações conhecem de facto de direito, também já era uma ajuda para saber quais eram os

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fundamentos do recurso, mas os fundamentos do recurso poderem ser matéria de facto ou de
direito quando o recurso é para a Relação resulta do artigo 410º do CPP.

Só para completar, qual é a norma que nos diz quais são os recursos diretos para o Supremo?
Artigo 432º do CPP. Portanto, para chegarmos à conclusão que o tribunal competente era o
Tribunal da Relação, não bastava invocar o artigo 427º do CPP, tínhamos também de invocar o
artigo 432º do CPP à contrario. Depois quanto ao fundamento, artigo 410º do CPP.

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