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entrevista

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Perguntar para compreender

melhor:
a entrevista
In: “Pensar avaliação, melhorar a aprendizagem”/IIE
Lisboa: IIE, 1994

“ (...) A maior fonte de avaliação directa do professor baseia-se


naquilo que ele vê e escuta.”

R. Stake, (1991) Advances in Program Evaluation

Aos professores pede-se hoje que promovam o desenvolvimento cognitivo, sócio-


afectivo e psicomotor dos seus alunos. A avaliação da sua progressão naqueles
domínios é complexa e torna imperiosa a diversificação dos instrumentos de recolha de
informação.

QUE INSTRUMENTO
UTILIZAR E EM QUE MOMENTOS?

A resposta a esta questão exige que se coloque previamente outro tipo de


questões:
• Que tipo de informação recolher?
• Com que profundidade?
• Qual a melhor forma de obter essa informação? Oral ou escrita?
• Pretende-se avaliar um produto ou o processo de realização de uma tarefa?
• A informação que se procura tem uma finalidade imediata ou destina-se à
tomada de decisões a longo prazo?

A recolha de informação pode ser obtida através de um conjunto de técnicas e


instrumentos tais como testes, questionários, inventários, entrevistas, listas de
verificação e escalas de classificação, fornecendo cada um níveis de informação
diferente.
Quando se pretende reunir informação detalhada sobre o modo como alguns alunos
realizam ou realizaram uma tarefa, o que pensam acerca de um assunto ou qual a sua
opinião sobre o que poderiam fazer para melhorar a sua aprendizagem, a entrevista é
talvez a forma mais adequada de recolha de dados.
A entrevista é uma técnica muito utilizada em ciências sociais. Na situação de
ensino-aprendizagem, a entrevista é uma conversa entre professor-aluno, podendo
assumir um carácter mais ou menos formal e com vista à recolha de informação relativa
ao desenvolvimento cognitivo e/ou sócio-afectivo. Esta conversa, no entanto, não
deverá confundir-se com as tradicionais ‘chamadas orais’ que tanto nos
desestabilizaram emocionalmente enquanto alunos.

QUE TIPOS
DE ENTREVISTA UTILIZAR NA ESCOLA?

Consoante o nível de informação que se quer recolher assim se pode optar entre
uma entrevista não estruturada ou uma entrevista estruturada.
Uma entrevista não estruturada é semelhante a uma conversa entre duas
pessoas sem que seja necessário por parte do professor um guião rígido, embora
estejam presentes os objectivos e as grandes questões de referência. Estas surgem
normalmente no decorrer da conversa:

João, vamos analisar o teu caderno diário. O que é que achas dele?

Em função da resposta obtida, o professor orientará a entrevista, por exemplo, no


sentido de mobilizar o João para uma melhor organização ou poderá apontar outras
formas de organização do caderno diário. Este tipo de entrevista, tal como a conversa,
assume o seu próprio curso, embora o professor tenha em mente os tópicos ou
assuntos que quer abordar e os objectivos que quer atingir ou desenvolver.
A entrevista estruturada obedece a um plano sistemático, ou estruturado,
constituído por uma série de questões previamente escolhidas e integradas num guião.
A entrevista estruturada pode ser muito útil, por exemplo, para avaliar os processos de
pensamento de um aluno durante uma aula de resolução de problemas. A utilização de
estratégias de resolução de problemas torna--se cada vez mais necessária na medida
em que grande parte da nossa actividade diária é passada a resolver situações
problemáticas (e.g. tentar estrelar um ovo sem deitar óleo para fora da frigideira,
atravessar a cidade pelo caminho que tem menos trânsito, procurar a combinação
qualidade/preço no supermercado, etc.). Ou seja, no dia a dia somos confrontados com
a necessidade de escolher, de fazer opções e tomar decisões. Nesse sentido, a
entrevista é um meio de avaliar atitudes e comportamentos, nomeadamente a
disponibilidade para resolver situações novas, a persistência e a perseverança em
procurar as soluções. Pode, então, constituir um instrumento muito útil de diagnóstico
de dificuldades dos alunos e permitir adoptar estratégias ajustadas para as ultrapassar.
No entanto, a entrevista também pode ser usada apenas para avaliar conhecimentos.
Apresenta-se como exemplo um plano de uma entrevista estruturada numa
situação de resolução de problemas. Para que o aluno se sinta à vontade, é necessário
ser criado previamente um bom clima de trabalho e dar-lhe tempo suficiente para o
desempenho da tarefa.
Plano de uma estrevista estruturada
(numa situação de resolução de problemas)

1. Apresentação do problema.
2. Pedir ao aluno para falar à vontade sobre “o que está a fazer ou a pensar” enquanto resolve o
problema.
3. Enquanto o aluno tenta perceber o problema e as condições, observar o aluno e colocar
algumas questões:
a. O que fizeste em primeiro lugar quando o problema te foi apresentado?
b. Que questões levanta? Quais os factos e as condições importantes neste problema?
Necessitas de alguma informação adicional que não é dada?
c. Há alguma coisa que não tivesses compreendido?
4. Enquanto o aluno tenta a resolução, lembrar-lhe que pode falar sobre o problema. Fazer
algumas perguntas adicionais:
a. Que estratégia estás a usar? Pensas que essa estratégia vai levar a uma solução? Já
pensaste em usar outras estratégias? Quais?
b. Onde é que sentes dificuldade? Tens ideia de como continuar a partir daqui?
5. À medida que o aluno procura uma resposta , observar os meios, se os houver, através dos
quais ele verifica a resposta e a razoabilidade da solução. Colocar questões deste género:
a. Tens a certeza de que é esta a resposta certa para o problema? Porquê?
b. Achas importante verificar a tua resposta? Porquê?
6. Depois do aluno ter encontrado a solução (caso a encontre), fazer perguntas tais como:
a. Podes descrever a solução e dizer como chegaste a este resultado?
b. Este problema é parecido com algum que já tenhas resolvido? Como?
c. Achas que poderia ter sido resolvido de outra maneira? Como?
d. Como te sentiste enquanto resolvias este problema? E como te sentes agora depois de o
teres resolvido?

Fonte: Adaptado de Charles; Lester e O’ Daffer (1987).

Decidir entre fazer uma entrevista estruturada ou uma entrevista não estruturada
depende dos objectivos definidos, da profundidade do assunto em causa e do tempo
que se pode dispender com essa tarefa.
A entrevista apresenta-se como um instrumento adequado à individualização e
diferenciação do ensino. Para isso, a utilização sistemática de entrevistas pressupõe
que a turma esteja organizada para fazer trabalho independente, individual ou em
grupo. Isto não significa que algumas entrevistas não possam ser realizadas fora da
aula (e.g. pode ser usada para se obter informação acerca da família de um aluno, a
sua cultura de origem, a forma como os alunos interagem fora da sala de aula, ...). Esta
informação pode ajudar o professor a ajustar a sua prática, por exemplo, aos contextos
culturais de onde o aluno é oriundo.

QUANDO SE
UTILIZA A ENTREVISTA E PARA QUÊ?

As várias disciplinas ou áreas curriculares exigem desempenhos diferentes. Umas


baseiam-se mais em actividades de comunicação verbal (e.g. línguas), outras exigem
mais actividade de natureza psicomotora (e.g. educação física), outras ainda estão mais
intimamente relacionadas com processos de resolução de problemas. A utilização da
entrevista deve ajustar-se à actividade e disciplinas ou áreas curriculares a que diz
respeito. Com efeito, há que ter em conta a sua finalidade (esclarecimento de dúvidas,
avaliação das competências de comunicação oral, avaliação de conhecimentos,
avaliação de processos,…) e os momentos em que deve ser realizada
(sistematicamente, ocasionalmente, para todos os alunos, só para alguns, durante a
tarefa, no fim da tarefa, ...).
A entrevista pode ser, então, adequada para:

. obter informação sobre o processo de ensino-aprendizagem e os seus produtos;


. diagnosticar progressos e dificuldades de vária ordem (de aprendizagem, de
relacionamento sócio-afectivo, ...);
. fornecer pistas para ultrapassar dificul-dades e identificar soluções.

Na medida em que a aprendizagem é um processo e em que não tem sentido


avaliar apenas o produto final (normalmente recorrendo aos testes), a entrevista poderá
servir para compreender como é que um aluno chegou a determinado resultado na
resolução de um problema, como é que responde a uma situação nova nesta ou
naquela disciplina e também para identificar produtos ao longo do processo. Permite
também recolher dados que impliquem a reflexão do aluno acerca do seu próprio
percurso no desenrolar das actividades de aprendizagem (qual o caminho que ele
seguiu para resolver o trabalho que lhe foi proposto, quanto tempo necessitou, qual a
forma de o melhorar).
Perguntar a um aluno por que responde de determinada forma a um teste pode
constituir uma chave fundamental na identificação de processos de desenvolvimento de
certos conceitos. Podem analisar-se com ele, as suas respostas, discuti-las e,
eventualmente, levá-lo a reformulá-las, criando assim, uma situação "inesperada" de
ensino-aprendizagem, sem tensões desnecessárias, e uma oportunidade para o
desenvolvimento da oralidade.
A entrevista é, assim, muito útil na recolha de informação que permite identificar ritmos
e estilos de aprendizagem dos alunos. Nesse sentido permite adoptar as melhores
estratégias para acompanhar alunos com mais dificuldades bem como estimular os que
progridem mais rápidamente.

É POSSÍVEL FAZER
ENTREVISTAS A GRUPOS DE ALUNOS?

É possível entrevistar mais do que um aluno ao mesmo tempo e isso depende


fundamentalmente do objectivo que se quer atingir. No entanto, é uma situação a evitar,
pois exige esforço e atenção da parte do professor além do tempo que consome (tempo
de preparação, execução e tratamento de dados). Vejam-se algumas situações em que
fará sentido a entrevista colectiva:

. Quando se pretende recolher informação acerca do processo de produção de


um trabalho de grupo como dar um fim a uma história;
. Imaginar como certo personagem histórico reagiria se vivesse nos dias de hoje;
. Resolução de uma situação problemática;
. Organização de uma saída de campo.

No entanto, face a cada uma das situações, é necessário decidir se importa avaliar
todo o grupo naquele momento ou basta escolher apenas um ou dois alunos para
entrevistar sobre o processo desenvolvido colectivamente.
Embora seja difícil recolher dados desta forma acerca de muitos alunos, é possível
conceber um plano de entrevistas que, ao longo do ano, possa abranger toda a turma.

COMO REGISTAR A INFORMAÇÃO?

O acto de perguntar está, como já se disse, associado à observação pelo que, à


medida que vamos recolhendo informação verbal também vamos captando uma série
de outros sinais que são indicadores da disposição, das atitudes e do estado de espírito
em que o aluno se encontra. Daí a necessidade de registar logo após a entrevista.
Quanto mais tempo passar sem se fazer o registo, mais pormenores ficam por registar.
Como forma de procurar garantir a maior objectividade a este tipo de informação,
convém não confundir dois aspectos importantes quando se faz um registo: a
descrição da situação e, por outro, a interpretação do professor acerca dela. Estes
registos poderão vir a ser confirmados ou infirmados por registos posteriores e, daí, a
necessidade de separar os acontecimentos das interpretações que se possam fazer a
partir deles.

SÍNTESE FINAL

A utilização deste instrumento na situação de ensino--aprendizagem tem aspectos


positivos e negativos. A entrevista permite recolher informação que dificilmente poderia
ser obtida através de outra técnica ou instrumento, na medida em que estabelece uma
relação mais directa e pessoal entre professor e aluno. A ‘conversa’, mais ou menos
estruturada, dá a possibilidade aos alunos de manifestarem as suas opiniões,
apresentarem as suas críticas e sugestões e ajuda-os também a desenvolver a
expressão oral. Por outro lado, a entrevista pode ajudar o professor a conhecer em
profundidade, quer as dificuldades, quer as capacidades de um aluno ou os seus
processos complexos de pensamento.
No entanto, não é fácil utilizar este meio por várias razões, nomeadamente, por
exigir uma cuidadosa preparação (sobretudo quanto maior estruturação tiver), demorar
bastante tempo na análise e tratamento de dados e ainda porque as perguntas podem
constituir um factor de inibição para alguns alunos. A inibição poderá atrasar o
desempenho, pelo que quando se lhes pede este tipo de tarefa, é necessário contar
com o tempo de resolução.
Um outro aspecto a ter em conta é que a entrevista deve ser simultânea com o
processo de observação, na medida em que quando se fala com um aluno está-se
simultaneamente a observar o seu comportamento, a olhar como se apresenta, como
reage à presença dos outros e o que “diz” o seu olhar.
Em suma, a entrevista é um complemento que se articula com outras técnicas,
fornecendo dados importantes sobre o processo e também sobre alguns produtos e
deverá ser usada conjugadamente com outras técnicas e instrumentos mencionados
anteriormente.
SUGESTÃO DE ACTIVIDADE

1. Procurar identificar, individualmente ou em grupo, alunos que não atingiram os


níveis mínimos numa certa unidade.
2. Elaborar um guião de entrevista tendo como referência esse ou esses alunos.
3. Procurar identificar o que é que no processo de ensino - aprendizagem dificultou
a concretização desses objectivos.
4. Registar a informação e analisar as respostas,
5. Estabelecer estratégias para ultrapassar essas dificuldades.

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

Blanchet, A., Florand, M.-F.; Giami, A. , Guist-Desprairies, F., Gotman, A., Léger, J.-
M., d’ Allones, C. e Zylberstein-Vaisman, L. (1985). L’entretien dans les sciences
sociales. Paris: Dunot.
Charles, R. ; Lester, F. e O’Daffer, P. (1987). How to evaluate progress in problem
solving. Virgínia: The National Council of Teachers of Mathematics.
Muchielli, R. (1987). L’interview de groupe. 6ª ed. Paris: Les Éditions, ESE.
Tenbrink, T. D. (1974). Evaluation: a practical guide for teachers. N. York: MacGraw-
Hill.

Coordenador do Projecto: Carlos Cardoso


Autor: Cristina Campos

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