AS RELAÇÕES DE PODER DE MICHAEL FOUCAULT
AS RELAÇÕES DE PODER DE MICHAEL FOUCAULT
AS RELAÇÕES DE PODER DE MICHAEL FOUCAULT
0034-7612
Este artigo baseia-se em reflexões acerca das relações de poder em obras de Michel
Foucault. Procurou-se percorrer o contexto de sua vida de forma introdutória e os
diferentes modos de poder, perpassando pelas formas de força e disciplina. O proce-
dimento metodológico foi a pesquisa bibliográfica dos acontecimentos considerados
pelo autor em seu tempo, história e espaço. Diante do triângulo de Foucault (poder
— direito — verdade) e das passagens em que ele se refere ao aparelho de Estado,
este artigo compara o tripé da sociedade (Estado — mercado — sociedade civil) com
o triângulo de Foucault. Constata-se que o poder está por toda parte e provoca ações
ora no campo do direito, ora no da verdade. Deve ser entendido como uma relação
flutuante, não estando em uma instituição nem em ninguém, enquanto o saber está
numa relação de formas e conteúdos.
1. introdução
Este artigo analisa o poder visto por Paul-Michel Foucault. Michel Foucault ou
simplesmente Foucault, comumente conhecido, é de nacionalidade francesa,
nasceu na cidade de Poitiers, em 15 de outubro de 1926, e faleceu em 26 de
junho de 1984, aos 57 anos, de Aids. Foucault veio de família tradicional de
médicos, e romper com essa tradição lhe custou muito, e acabou se graduando
em história, filosofia e psicologia.
Michel Foucault foi considerado um filósofo contemporâneo dos mais
polêmicos, pois possuía um olhar crítico de si mesmo. Foi aluno do filósofo
Jean Hyppolite, orientador em sua tese sobre a obra de Hegel. Devido às suas
tentativas de suicídio, aproximou-se da psicologia e psiquiatria e produziu
diversas obras sobre esse tema. Os seus estudos e pensamento envolvem, prin-
cipalmente, o biopoder e a sociedade disciplinar. Para tanto, o filósofo per-
correu três técnicas independentes, mas sucessivas e incorporadas umas pelas
outras: do discurso, do poder e da subjetivação. Acreditava ser possível a luta
Aids é a doença da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, que vem do inglês Acquired Im-
mune Deficiency Syndrome, em que se manifesta após a infecção do organismo humano vírus da
imunodeficiência humana, o HIV, em inglês human immunodeficiency vírus.
prática, a etimologia da palavra poder torna sempre uma palavra ou ação que
exprime força, persuasão, controle, regulação etc.
De acordo com o dicionário de filosofia, a palavra poder, na esfera so-
cial, seja pelo indivíduo ou instituição, se define como “a capacidade de este
conseguir algo, quer seja por direito, por controle ou por influência. O poder
é a capacidade de se mobilizar forças econômicas, sociais ou políticas para
obter certo resultado (...)” (Blackburn, 1997:301). Muito embora, de acordo
com o autor, esse poder possa ser exercido de forma consciente ou não, e/ou,
frequentemente, exercido de forma deliberada.
No dicionário de política, encontramos a definição de poder mais elás-
tica. Ainda que exista a preocupação de colocá-lo em esferas distintas: poder
social, poder político, poder constituinte, poder moderador, poder potencial,
poder coordenador, entre outros. Ainda assim, o que se vê é a palavra poder
associada ao cerne da autoridade. Podem-se encontrar definições do tipo: “É
poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens a seus filhos ou a
capacidade de um governo de dar ordens aos cidadãos” (Bobbio, 2000:933).
E ainda, “o poder evoca a ideia de força, capacidade de governar e de se fazer
obedecer, império” (Souza, Garcia e Carvalho, 1998:417).
Por fim, em um dicionário comum da língua portuguesa o significado de
poder é apreciado em 18 sinônimos, com destaque para: “ter a faculdade ou o
direito, de: poder determinar algo”; “dispor de força ou autoridade”; “direito
de deliberar, agir ou mandar” (Ferreira, 2001:577). Nesse momento introdu-
tório, é importante destacar o pensamento de Foucault em relação ao poder.
Ele estudou o poder não para criar uma teoria de poder, mas para identificar
os sujeitos atuando sobre os outros sujeitos.
No que se refere ao poder, direito e verdade, sob a análise de Foucault,
existe um triângulo em que cada item mencionado (poder, direito e verdade)
se encontra nos seus vértices. Nesse triângulo, o filósofo vem demonstrar o
poder como direito, pelas formas que a sociedade se coloca e se movimenta,
ou seja, se há o rei, há também os súditos, se há leis que operam, há também
os que a determinam e os que devem obediência. O poder como verdade vem
se instituir, ora pelos discursos a que lhe é obrigada a produzir, ora pelos
movimentos dos quais se tornam vitimados pela própria organização que a
acomete e, por vezes, sem a devida consciência e reflexão,
necessita dela para funcionar, temos de dizer a verdade, somos coagidos, somos
condenados a confessar a verdade ou encontrá-la.
(Foucault, 1999:29)
Estado
Poder 1 o setor
Michel Foucault foi professor da cátedra de história dos sistemas de pensamento no Collège de
France de 1970 a 1984 e teve as suas aulas transformadas em livros.
O príncipe é um livro escrito por Nicolau Maquiavel em 1513, cuja primeira edição foi publicada
postumamente em 1532. São questões políticas fundamentais, que contribuem com a construção
do Estado como é conhecido em épocas mais modernas.
“A política de espelho, que contém uma variedade de formas de governar e civilizar as repúblicas”
(1555 – tradução nossa). A obra citada não existe traduzida para a língua portuguesa.
“A economia do príncipe”, 1653 – tradução nossa. A obra citada não existe traduzida para a
língua portuguesa.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo suíço, escritor, teórico político. Uma das figuras
marcantes do Iluminismo francês. Obra referida nesse artigo: Discurso sobre a economia política,
de 1755.
Instituições de sequestro são “instituições capazes de capturar nossos corpos por tempos variáveis
e submetê-los a variadas tecnologias de poder” (Veiga-Neto, 2003:91).
Foucault (1999:23) parafraseia Clausewitz (militar da Prússia, 1780-1831) e aprofunda dizendo
que as lutas políticas no “interior da paz civil” a propósito do poder, pelo poder, com o poder são
as relações de forças que só chegam a uma decisão final após batalhas.
submete ao corpo num ganho de força pela sua utilidade; e, por outro lado,
perde força pela sua sujeição à obediência política, como explicita o autor “(...)
se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos
que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma apti-
dão aumentada e uma dominação acentuada”.
O autor analisa essas instituições a partir do dispositivo panóptico, de
vigilância e invisibilidade, que se baseia em três elementos arquitetônicos:
espaço fechado, divisão em celas e torre central. Desse modo, da torre é pos-
sível enxergar as celas, muito embora das celas não seja possível enxergar
quem está na torre e nem tampouco em outras celas. Assim destaca Foucault
(2008:169): “o panóptico funciona como uma espécie de laboratório de po-
der. Graças a seus mecanismos de observação, ganha eficácia e em capacidade
de penetração no comportamento dos homens (...)”.
O panoptismo é, portanto, um dispositivo invertido do espetáculo,
shows, circo, poucos assistem ao que acontece com a multidão. Segundo
Foucault (2008:167): “o panóptico é uma máquina maravilhosa que, a partir
dos desejos mais diversos, fabrica efeitos homogêneos de poder”. Foucault
(1979:12) explica que os “discursos de verdade” da sociedade, por meio de
sua linguagem, comportamento e valores, são relações constituídas de poder
e, portanto, aprisionam os sujeitos, como destaca em seu texto.
Cada sociedade tem seu regime de verdade, sua “política geral” de verdade, isto
é, os tipos de discurso que aceita e faz funcionar como verdadeiros..., os meios
pelo qual cada um deles é sancionado, as técnicas e procedimentos valorizados
na aquisição da verdade; o status daqueles que estão encarregados de dizer o
que conta como verdadeiro.
Michel Foucault, quando fez a análise das instituições sobre a ideia do pano-
ptismo, trouxe as escolas, quartéis e hospitais como modelos do aparelhamen-
to disciplinar, como já visto.
Nesse sentido, Foucault (2008:125) perpassa em primeiro lugar pela
distribuição dos corpos no espaço, “o espaço escolar se desdobra; a classe tor-
na-se homogênea, ela agora só se compõe de elementos individuais que vêm
se colocar uns ao lado dos outros sob o olhar do mestre (...)”. Em segundo lu-
gar, pelo controle das atividades, seja na rigidez do cumprimento de horários;
seja na penetração do tempo nos corpos, a fim de prevalecerem os efeitos de
poder; seja pela eficiência, rapidez e utilidade dadas pelos corpos disciplina-
dos; seja na articulação corpo-objeto, no que se refere à manipulação do corpo
ao objeto e na engrenagem de um e outro; seja, por fim, pela utilização exaus-
tiva, que importa extrair do tempo sempre mais tempos disponíveis e dessa
forma tornar cada instante mais forças úteis.
A ordenação por fileiras, a colocação de cada aluno em suas tarefas e
provas, o alinhamento de classes por idade, a classificação de conteúdos, as
questões classificadas e tratadas por ordem de dificuldade potencializam re-
sultados, comportamentos e valores de mais valia.
As análises de Foucault das instituições não são uma crítica pura, mas
trazem reflexões aos sistemas instituídos no interior delas, à medida que ocor-
re sua progressão histórica. A ordem disciplinar, como vista, perfaz uma forma
de instituir ordem e alçar eficiência e utilidade econômica.
Mais tarde, na fase ética de Foucault, que trata da subjetivação e cons-
tituição do sujeito, o autor faz análise a partir dessa fase genealógica aqui
percorrida. É nesse sentido que Foucault discorre sobre a produção das indivi-
dualidades que a disciplina produz a partir do controle de corpos, constituída
de quatro espécies: 1) celular — pelo jogo de repartição espacial; 2) orgânica
— pela codificação das atividades; 3) genética — pela acumulação do tem-
po; 4) combinatória — pela composição de forças. “O exercício da disciplina
supõe um dispositivo que obrigue pelo jogo do olhar; um aparelho onde as
técnicas que permitem ver induzam a efeitos de poder, e onde, em troca, os
meios de coerção tornem claramente visíveis aqueles sobre quem se aplicam
(...)” (Foucault, 2008:143).
No livro Vigiar e punir (2008), Foucault vem retratar, além da ordem
disciplinar, os dispositivos que a fazem ganhar força, pela ordenação espacial,
sanção normalizadora e o exame.
6. Considerações finais
Referências