Riscos Inundações
Riscos Inundações
Riscos Inundações
João S. ROCHA(1)
RESUMO
As cheias são a principal causa das inundações. As características das cheias, nos seus
aspectos hidrológicos e hidráulicos, e o controlo estrutural das ondas de cheia, foram
estudados durante as últimas décadas nos seus pontos de vista científico e técnico. Poder-se-á
atingir facilmente um acordo europeu sobre a tecnologia a utilizar nas situações de risco.
Palavras-chave: risco de cheia, rio, hidrologia, hidráulica fluvial, controlo de cheia, recursos
hídricos superficiais, zonas inundáveis, zona urbana, zona rural, gestão do território,
vulnerabilidade, aviso de cheias, evacuação, sedimentologia.
1 - INTRODUÇÃO
(1)
Engenheiro Civil, Investigador Coordenador, Laboratório Nacional de Engenharia Civil
(LNEC), Lisboa, Portugal
1
O principal objectivo da gestão e da prevenção das crises provocadas pelas inundações
deverá ser o desenvolvimento de acções e de regras práticas para a gestão dos riscos e das
suas causas.
Paralelamente, a gestão dos recursos tem por função distribuir a água existente em todas
as condições e situações para todos os consumidores e utilizadores. As instituições de gestão
da água foram formadas a partir de cada história particular, e evoluiram com a competição
entre as diferentes utilizações da água. As inundações entram nesta competição para a gestão.
Para a gestão das crises provocadas pelas inundações é necessário desenvolver uma
tipologia das cheias, e dos riscos a elas associados, tendo em consideração as características
que determinam a vulnerabilidade às inundações das pessoas e dos sistemas socio-económicos.
É também necessário desenvolver as metodologias para a avaliação da vulnerabilidade relativa
das diferentes ocupações do território aos diferentes tipos de inundação, identificando as zonas
onde o risco pode ser aumentado pela intervenção humana, ou pela alteração climática, bem
como as taxas de variação esperadas.
Por consequência, para elaborar as regras práticas e eficazes das diferentes intervenções
estratégicas, deverão ser analisadas as combinações de tipos de inundação e de ocupação do
território, de modo a determinar a intervenção estratatégica mais apropriada a cada situação.
A síntese de todos os aspectos para a definição das regras de gestão das crises de
inundação será mais fácil para cada região, onde as condições climáticas, geomorfológicas,
económicas e sociais, são mais homogéneas. A tentativa de definição de regras para toda a
União Europeia será muito difícil. Com efeito, é necessário fazer a ligação das regras às
condições particulares, do ponto de vista técnico, económico, social e administratrivo. A
tipologia das cheias e das inundações será uma base técnica essencial para a definição bem
fundamentada das regras.
2
A definição dos dados mais importantes para a gestão dos riscos de inundação deve
considerar apenas as características independentes para dar origem a um pequeno número de
soluções, evitando ao mesmo tempo a redundância desnecessária e o enviezamento.
Para analisar a tipologia das cheias e das inundações pode-se partir destes dois casos
dominantes e de quatro características fundamentais, ROCHA (1996):
- dimensão ou área da bacia hidrográfica (S);
- tipo de ocorrência meteorológica (M);
- tipo de vale que é inundável (V);
- factores socio-económicos (E).
Todos os sistemas de classificação são subjectivos. Por este motivo não será fácil
adoptar os limites para fazer a divisão entre o pequeno e grande. Por uma questão de
simplificação, foram adoptados nesta análise somente três grupos para a dimensão espacial: o
pequeno (S1), o intermédio (S2) e o grande (S3). A divisão em três grupos é baseada na
geomorfologia, RZHANITSYN (1960).
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Pelo contrário, um rio de ordem XV poderá apresentar um comprimento da ordem dos
3900 km, um caudal médio anual de 8500 m3/s, um caudal de cheia média anual de 40000
m3/s, um leito principal com uma largura de 1000 m, e uma inclinação longitudinal de 0,002%.
De acordo com este critério, uma bacia média corresponde a um rio de ordem IX a X,
que poderá apresentar um comprimento entre 100 e 2000 km, um caudal médio anual de 20 a
50 m3/s, um caudal de cheia média anual de 300 a 700 m3/s, um leito principal com uma
largura de 70 a 120 m, e uma inclinação longitudinal de 0,03 a 0,02%. Verifica-se, por
exemplo, que o rio Mondego é um rio de ordem X, ROCHA e CORREIA (1994).
As características das planícies de inundação e dos vales dos rios, e dos seus habitats
ecológicos associados, onde as ondas de cheia se propagam, permitem condicionar as
características das inundações e dos seus efeitos.
As zonas inundáveis podem ser definidas e identificadas de dois modos: como uma
característica geológica natural e de um ponto de vista regulamentar, FIFMT (1992). A cheia
com um 1% de probabilidade de ocorrência (100 anos de período de retorno) é reconhecida
internacionalmente como um padrão para a gestão das crises, de acordo com uma velha prática
nos EUA.
A caracterização das zonas inundáveis deve ser baseada no tipo de ocupação porque os
problemas das inundações são directamente relacionados com as actividades humanas. Por
consequência, foram considerados três tipos de ocupação de zonas inundáveis, em geral vales
fluviais: rural (V1), urbano com uma só margem (V2) e urbano com duas margens, isto é, rio
que entra dentro de uma urbanização (V3). Há duas razões para distinguir V2 de V3. Esta
separação facilita a consideração de zonas costeiras, V2, e considera o caso das pontes, V3.
*
storm surge
**
tsunamis
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Finalmente, as características das zonas inundáveis, do ponto de vista socio-económico,
foram divididas em três grupos: os valores (E1), os danos (E2) e as instituições (E3). Até
recentemente foi julgado válida toda a intervenção sobre a natureza com o objectivo de
melhorar o conforto humano. Mas o acréscimo de consciência sobre a importância do
ambiente, e das suas limitações, transformaram este ponto de vista, e outros valores não
relacionados directamente com os valores estritamente humanos, como por exemplo, os
valores ecológicos, ou os valores biológicos, ganharam importância por si mesmo (E1). O
conhecimento dos danos é muito importante para a gestão das inundações. Mas é também uma
das tarefas mais difíceis de realizar. Em geral, esta avaliação é muito deficiente. Para lá da
dificuldade da classificação de todos os danos, a sucessão espaçada das ocorrências de
inundações e a variação do valor económico das propriedades e dos serviços conduzem a uma
grande incerteza na estimativa dos danos (E2). Para além destes dois grupos ainda devem ser
consideradas as estruturas sociais em si mesmo, definidas genericamente por instituições, que
condicionam e são condicionadas pelas inundações e suas consequências (E3).
A recolha dos dados necessários a uma visão clara dos problemas das cheias e das
inundações é um trabalho multidisciplinar, que dificilmente é realizável por uma só instituição.
A utilização de boas bases de dados é actualmente essencial à tomada de boas decisões. Em
todos os pontos de vista, técnico (hidrologia, hidráulica e de engenharia civil), administrativo,
social, económico e legal, os dados estão interrelacionados. Esta característica deve conduzir à
utilização dos Sistemas de Informação Geográfica nesta problemática, ROCHA et al. (1994).
Em consequência, a contribuição de cada instituição envolvida no problemas das inundações
deve ser inserida numa rede lógica. O que tem sido talvez contrário ao passado, em que os
conflitos de interesses nas intervenções tem tornado as decisões muito difíceis de serem
tomadas, ou tomadas individualmente comprometendo a sua eficácia.
5
Mas, mesmo com os grandes esforços dispendidos ao longo de muito tempo, para
controlar as cheias, estas continuam a provocar grandes danos, com consequências gravosas
para as pessoas e para as comunidades. Por este motivo, a estratégia para a mitigação dos
danos das cheias deve incluir acções para a assistência das pessoas e das comunidades, para a
preparação, para a sobrevivência e para a recuperação após as inundações não controladas.
Para estes objectivos são exemplos de instrumentos, a disseminação da informação adequada, a
educação e a diluição dos danos económicos ao longo do tempo. Os seguros, os ajustamentos
dos impostos e taxas, a preparação de planos de emergência, os sistemas de avisos, são tudo
exemplos de acções que conduzem a uma adequada estratégia global.
Em geral, em cada local, poderão ocorrer várias cheias antes que ocorra uma cheia
verdadeiramente importante. Depois da catástrofe, esse local passa a tornar-se muito
importante do ponto de vista político e passa a existir um sentimento de urgência na resolução
do problema que já preexistia escondido há muito tempo. O processo de formulação da política
para evitar uma repetição da catástrofe e a sua implementação poderá ser concluído antes da
próxima cheia importante.
Em Portugal, sob o ponto de vista das inundações fluviais (R), devem ser analisados os
problemas das inundações nas grandes bacias internacionais (S3), nas bacias intermédias (S2) e
nalgumas bacias pequenas (S1).
Das três grandes bacias, a mais importante é a do rio Tejo, com uma bacia total de
80629 km2, sendo a área em Portugal de 24860 km2. Esta bacia origina as maiores áreas de
inundação, Figura 1. Quer no Douro, quer no Guadiana, ocorrem cheias importantes, mas
devido à morfologia dos vales, as inundações não são, de um modo geral, preocupantes quer
quanto à dimensão das áreas inundáveis, quer quanto aos problemas económicos.
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Para as bacias intermédias são de destacar as bacias dos rios Vouga, Mondego e Sado.
De norte para sul estas bacias apresentam áreas respectivamente de 3635 km2, 6644 km2 e
7640 km2. Destas três ganharam importância relativa as cheias do rio Mondego, que exigiram
obras de regularização e de controlo que fizeram diminuir fortemente os riscos de inundação.
Os caudais do rio Sado são controlados para a rega, apresentando a bacia uma grande
capacidade de amortecer as cheias. Estas nunca tiveram uma importância económica
significativa, a não ser a de restrição da agricultura tradicional na parte inferior do rio. A bacia
do rio Vouga ainda é praticamente natural no que diz respeito às cheias, sendo apenas de
referir a existência de alguns diques longitudinais de defesa também na zona inferior.
Sob o ponto de vista das cheias há também alguma pequenas bacias perto das áreas de
maior concentração demográfica, casos das regiões de Lisboa e do Porto e de urbanizações na
costa do Algarve. Mas este tipo de ocorrências pode acontecer em qualquer ponto do país,
como parecem mostrar os casos das recentes cheias intensas no Alentejo, em pequenas bacias,
nas quais não tinham sido identificadas até ao presente zonas de risco apreciável.
Nas zonas costeiras, onde podem ocorrer inundações por invasão marítima (M), é de
realçar os dois tipos de costa, Figura 1, a arenosa e a rochosa. De um total de cerca de 900 km
de costa, as zonas arenosas e baixas, onde podem ocorrer as inundações, representam cerca de
60% do total. A esta zona devem ser adicionadas as zonas estuarinas e lagunares.
Outros tipos de inundações podem ser considerados como as causadas por rotura de
barragens ou diques (B). A existência de mais de 100 grandes barragens, centenas de grandes
massas de água, e centenas de quilómetros de diques de defesa contra cheias implica a sua
consideração numa análise dos riscos de inundação.
Todos os rios podem estar sujeitos a deposição de sedimentos nas zonas inundáveis,
causando uma tendência para o aumento do risco de inundação com o passar dos anos. Esta
tendência foi historicamente verificada no rio Mondego, e pode ser encontrada também, com
menos impacto, no rio Tejo, mas encontra-se em todo o território prortuguês. As taxas de
deposição representativas deste fenómeno natural são da ordem dos 4 cm/ano. Pelo contrário,
também podem ocorrer degradações dos leitos fluviais, por exemplo, com a extracção de
areias, o que pode fazer diminuir o risco de inundações. Na costa arenosa pode assistir-se à
erosão, neste caso das margens, o que é fortemente gravoso se houver ocupação da mesma.
As cheias relativamente lentas ocorrem nas grandes bacias, onde é necessária a passagem
de várias frentes (M1) com a precipitação de grandes quantidades de água, durante vários dias.
As maiores cheias ocorreram em Fevereiro e Dezembro de 1978, Fevereiro de 1979, e em
Dezembro de 1981 e 1995. Nestas bacias os picos do hidrograma são atingidos ao fim de
vários dias de subida, podendo manterem-se elevados caudais por vários dias, ou semanas.
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Figura 1- Zonas de inundação em Portugal
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Esta associação ocorreu também este ano com grande impacto nos Açores.
Em valor absoluto, a maior cheia observada em Portugal foi no rio Douro, estimada em
18000 m3/s, em Dezembro de 1739. Este rio apresenta uma das maiores cheias em toda a
Europa. A cheia estimada para o período de retorno de 1000 anos é de 26000 m3/s. Cheias da
ordem dos 10000 m3/s podem ocorrer com uma frequência média de 10 anos. A maior cheia
no rio Tejo, em Dezembro de 1876, foi estimada em 16000 m3/s. Cheias da ordem dos 10000
m3/s podem ocorrer com uma frequência média de 20 anos. Nos mesmos dias do ano de 1876
ocorreu uma grande cheia no rio Guadiana, com um máximo estimado de 11000 m3/s.
Nas bacias intermédias dos rios Vouga, Mondego e Sado, poderão ocorrer cheias com
máximos da ordem dos 5000 m3/s. Nas pequenas bacias, mas relativamente mais perigosas,
poderão ocorrer cheias com algumas centenas de m3/s, podendo atingir os 1000 m3/s no rio
Trancão.
A previsão da influência das alterações climáticas (M3) nos problemas das cheias, tanto
quanto se conhece, ainda não foi suficientemente tratada. Tal ainda não é crítico porque estas
variações poderão não ser bruscas, e comparativamente com a cheias “normais” os problemas
a resolver serão de segunda ordem, atendendo à natural variabilidade dos fenómenos
hidrológicos, HESSELMANS (1993).
Em Portugal, as zonas inundáveis podem variar desde os vales estreitos, com canais
confinados (especialmente em rios inclinados e zonas montanhosas), em geral, nas zonas
geologicamente mais antigas, até aos vales muito largos, planos (especialmente nos grandes
rios) onde os canais estão implantados em zonas geológicas recentes, geralmente aluviões do
quaternário.
Considerando o valor da área de inundação, a sua maior parte é relativa a zonas agrícolas
(V1). A distribuição espacial da distribuição das áreas de inundação acompanha muito próximo
as áreas de planícies aluvionares, que foram elas próprias em grande parte formadas pelas
próprias cheias, durante os último séculos.
O vale do rio Tejo, com a maior área aluvionar, sofreu 47 inundações significativas desde
1739. No mesmo período, o vale do rio Douro sofreu cerca de metade, 23 inundações
significativas. Estes números não apresentam um valor científico mas são apenas registos
históricos que incluem entre outros factores a frequência natural de ocorrência e o impacto
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social. Mas é possível verificar que o período de retorno empírico dos problemas de
inundações são respectivamente de 5 anos para o rio Tejo e de 11 anos para o rio Douro.
Mais recentemente, os recursos naturais e culturais das zonas inundáveis passaram a ser
reconhecidos como valores importantes por si mesmo. Isto implicou a criação de duas figuras
legais, respectivamente a RAN (Reserva Agrícola Nacional) e a REN (Reserva Ecológica
Nacional), as quais em sua grande parte são coincidentes com zonas inundáveis.
As áreas urbanas com uma só margem fluvial, ou costeira (V2), ou com duas margens
(V3), se bem que de menor área global quando comparada com a área rural, devem apresentar
valia económica preponderante. A sua área cresceu enormemente nas últimas décadas,
implicando um gradual aumento dos valores expostos aos riscos de inundações. Na verdade, a
maneira tradicional de construção em zonas de inundação, baseada no conhecimento de
habitantes com longa experiência de cheias, era mais eficiente na escolha de zona de riscos de
inundação, quando comparada com o planemaneto moderno muitas vezes só baseado em
trabalho de gabinete e de cartas topográficas. No entanto, há excepções, que estão
relacionadas, como já foi referido, com o facto de a deposição dos sedimentos fazer aumentar
paulatinamente o risco de inundações, expondo o que na altura da construção, há centenas de
anos, não apresentava risco.
Como já foi referido, os valores (E1) presentes nas bacias portuguesas, nas zonas sujeitas
a inundações, se se considerar a área inundável, são fundamentalmente agrícolas. Pelo
contrário, nas áreas urbanas com menor área total, os valores expostos são fundamentalmente
os residenciais e as infra-estruturas económicas. Estes últimos foram crescendo de importância,
tornando-se muito evidentes depois das cheias de 1983, que afectou principalmente a área de
Lisboa, bem como as zonas urbanas no Algarve o foram em 1989.
A perda de zonas húmidas e de habitats ripícolas são de difícil avaliação por muitas
razões, incluindo as diferentes definições e as várias técnicas de avaliação. Será necessário
incrementar os estudos que permitam fazer o balanço entre os diferentes usos do solo
inundável, e a existência de zonas húmidas, um meio natural de passagem das cheias.
Também não são conhecidos, em Portugal, estudos fundamentados sobre os danos (E2)
originados pelas inundações. Não têm sido determinados os valores actualizados destes danos,
correlacionando-os com os parâmetros hidráulicos, com a excepção de pequenos casos de
estudo. Este facto não quer dizer que não haja uma ideia geral das tendências dos danos
10
económicos originados pelas maiores cheias, onde têm sido obtidos dados para a recuperação
económica e para o pagamento de indemnizações.
Para o planeamento do uso do solo, uma das mais importantes actividades para a
prevenção, ou para o incremento se fôr mal executado, dos danos das inundações, os principais
decisores são as Câmaras Municipais. Estas devem elaborar os Planos de Desenvolvimento
Municipal (PDM), que incluem o zonamento de actividades. Umas das restrições explicitadas
nestes Planos são as das zonas inundáveis. Como o licenciamento da maior parte das estruturas
é feita pelos municípios, fica evidente o valor de uma boa definição da acima referida restrição.
Os erros cometidos nesta definição são posteriormente encontrados anos mais tarde quando da
ocorrência das cheias.
Uma grande quantidade de outras entidades podem ter influência nos problemas das
inundações. Podem ser referidas as entidades agrícolas, florestais, de abastecimento de água,
de produção de energia, rodoviárias e, em geral, todos os projectistas de estruturas situadas
nas zonas inundáveis.
As estruturas mais antigas são os diques de defesa. O maior rio português, o rio Tejo,
tem mais de 100 km de diques. Mas em todos os rios, desde os maiores até aos mais pequenos,
podem ser encontrados diques, o modo tradicional para defender os terrenos agrícolas. Mas, se
esta estrutura é uma boa solução para este tipo de uso do solo, noutros tipos de usos, tais
como em zonas residenciais, já exigem um projecto muito cuidado para impedir riscos
elevados que são gerados pela rotura dos diques. A rotura indiscriminada ocorreu na bacia do
rio Trancão, onde houve uma transformação de um vale agrícola em vale urbano. As roturas
destes diques em 1967, 1983 e 1995 provocaram situações perigosas, em curso de serem
resolvidas mediante Planos entretanto elaborados.
A obra mais elaborada no que diz respeito à construção de diques foi feita recentemente
no rio Mondego. Neste rio, as cheias foram importantes desde o século XIV. Entre 1781 e
1807 foi aberto um novo canal, mas nos anos sessenta do actual século foi projectada uma
nova rede de diques. Foi escolhido um período de retorno de 25 anos para a defesa de mais de
15000 ha de terrenos irrigados. Nesta rede foi implementada uma medida técnica muito
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importante, geralmente ausente nos velhos diques, os descarregadores fusíveis. Esta medida
impede a rotura incontrolada dos diques.
Nos troços nacionais dos rios Douro e Tejo, em que existem apenas aproveitamentos a
fio de água, as albufeiras não têm qualquer capacidade de intervenção durante a ocorrência das
cheias, a não ser de serem excelentes pontos de referência, especialmente para o sistema de
avisos.
A maior albufeira para o controlo de cheias é a da Aguieira, no rio Mondego, com uma
capacidade útil de 405 hm3, gerida em conjunto com a de Fronhas, com 89 hm3. O rio Sado
tem uma das maiores capacidades de armazenar água, quando comparada com o escoamento
total da bacia, tendo 8 grandes barragens, e uma capacidade total de 619 hm3. Presentemente,
está prevista uma gestão coordenada de todas as comportas de modo a controlar as cheias. O
rio Vouga, pelo contrário, não tem nenhuma grande barragem, e as cheias inundam
principalmente os tradicionais campos agrícolas. Até ao momento não foram preparadas
nenhumas medidas, nem estruturais nem não estruturais, para as inundações.
Os avisos e a evacuação (A2) têm tido aplicação apenas nos grandes rios. Nos rios Tejo
e Douro elas são mais facilmente preparadas, utilizando métodos simplificados baseados nas
observações de várias cheias, permitindo prever os níveis de água para os próximos 2 ou 3
dias. No rio Mondego, com uma grande capacidade de controlo dos caudais de cheia, é
possível prever o nível da cheia para o próximo dia. Nos pequenos rios há apenas a hipótese de
prever as cheias mediante a utilização de radar, o que se está a tentar fazer na região de
Lisboa. No entanto estas previsões, que estão numa fase experimental, são muito mais
imprecisas do que as conseguidas nas bacias grandes e médias.
O último conjunto de medidas, gestão da zona inundável (A3) estão a ser implementadas
de um modo integrado, com a colaboração de várias entidades. Nessa perspectiva espera-se a
contribuição dos futuros Planos de Bacia que tentam integrar todos as utilizações da água.
A delineação de mapas de inundação é uma necessidade básica para a gestão das zonas
inundáveis. As actividades de mapeamento das zonas inundáveis devem ser repartidas por
diferentes instituições com ligações a várias actividades técnicas ou sectoriais, tais como a
hidrologia, a hidráulica, a engenharia civil, o planeamento, a geologia, a pedologia, o
ordenamento do solo, os seguros. Daí surgem grandes dificuldades na sua correcta elaboração,
não só em Portugal, mas em todo o mundo. Os mapas devem, por sua vez, ser preparados a
vários níveis, nacional, regional e local, e por consequência, a várias escalas.
12
De acordo com a legislação sobre segurança de 1990, para todas as grandes barragens
deve haver uma análise da sua rotura: os proprietários e as entidades governamentais devem
definir mapas da inundação gerada pela rotura, o zonamento do risco e os planos de
emergência. Em Portugal deverá haver um número superior ao milhar de barragens
contempladas por esta exigência legal.
Não é possível fazer uma descrição pormenorizada da organização em cada país das
instituições com responsabilidade na gestão dos riscos de inundação, mas uma descrição
simplificada é útil para mostrar a diversidade das alternativas existentes.
Em França, o Atlas dos riscos naturais dos Departamentos, de 1990, refere que há 15043
comunas parcialmente expostas aos riscos naturais. Destas 62% estão expostas ao risco de
inundação, mas a maior parte somente em pequenas áreas sem importância. Há 2000 que têm
problemas graves com importância económica. No plano nacional há instituições especializadas
na construção, gestão e manutenção das estruturas de controlo das cheias, e da gestão da água
em geral, por acumulação de funções. É o exemplo da “Interdépartementale des Barrages
Réservoirs du Bassin de la Seine (IBRBS)”, que foi fundada, depois da grande cheia de 1955,
para a protecção da Região de Paris.
Em 1982 foi publicada uma lei das “catástrofes naturais” e foi criada um “super seguro”.
Deste modo, as prefeituras deviam elaborar os “Planos de Exposição aos Riscos” (PER),
indicando em três cores as zonas interditas à construção (vermelho), as que tinham restrições
(azul) e as que apresentavam risco razoável (branco). Depois de 10 anos só estavam aprovados
12 PER, de um conjunto de 550 estudos iniciados. Em 1995 foi publicada uma nova lei,
reforçando a protecção ambiental e a prevenção dos riscos de inundação, simplificando a
determinação das zonas expostas ao risco e alterando o significado das cores das cartas.
Em Itália foi criado em 1984 o Grupo para a Defesa das Catástrofes Hidrogeológicas no
Ministério para a Coordenação da Iniciativa para a Investigação Científica e Tecnológica, com
a colaboração dos Ministério das Obras Públicas e Ministério para a Coordenação da
Protecção Civil. Este Grupo tem duas linhas de investigação, a saber: i) previsão e prevenção
das ocorrências hidrológicas extremas e seu controlo e ii) avaliação do risco hidrológico-
geológico, zonação e estratégia para a intervenção da mitigação dos efeitos das ocorrências
extremas. Nos rios grandes, Po, Adige, Arno, Tevere, Volturno e Simeto é fácil instalar
sistemas de previsão e de avisos de cheias, mas nas pequenas bacias é necessária a instalação
de radares meteorológicos, e de sistemas de transmissão via satélite.
Nos Países Baixos, a singularidade de ter 27% do seu território abaixo do mar marcou
profundamente a gestão dos recursos hídricos (prevalecendo a drenagem dos terrenos e as
associações locais para desenvolver este trabalho) e a extrema sensibilidade técnica e política
13
para os riscos de inundação. A grande inundação costeira de 1953 (com 1800 mortos)
estimulou a Lei do Delta, para efectuar o fecho de alguns estuários e a construção de diques
para a protecção com períodos de retorno de 10000 anos. A gestão da água é da
responsabilidade do Ministério do Transporte, das Obras Públicas e da Gestão da Água. Há um
departamento operacional, o “Rijkswaterstaat”, com delegações regionais.
6 - CONCLUSÃO
Os principais factores para a caracterização das cheias e suas inundações deverão ser a
dimensão do problema, S, (área da bacia hidrográfica, área da inundação), a causa
meteorológica das cheias, M, os tipos de ocupação das zonas inundáveis, V, e os socio-
económicos, E. Estes factores determinam a vulnerabilidade das pessoas e das comunidades.
A acção de Gestão das Zonas de Risco (A3), uma acção essencial, é relativamente
moderna, envolvendo um grande número de medidas não estruturais, ajuda a minimizar o
problema das cheias, mas não pode ser utilizada para resolver todas as situações.
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A importância das cheias é reconhecida pela União Europeia no documento “Ambiente
na Europa, Avaliação Dobris”, capítulo 18, na conclusão HZ14: “Os riscos naturais ganharam
uma importância crescente nas zonas urbanas, provavelmente porque o seu número também
cresceu e porque a vulnerabilidade aumentou pela invasão incontrolada das zonas de riscos
maiores”. A resposta adequada para esta conclusão também é indicada: “ Uma boa gestão do
território e o planeamento das emergências são as duas acções para reduzir os impactos dos
riscos naturais e as suas interacções com as actividades humanas”. Mas, não é de esperar que
seja publicada legislação comunitária para impôr regras para a gestão das inundações, pelo
que, em Portugal, deverá ser apenas a legislação nacional a regulamentar essa gestão. Se, do
ponto vista político é tentador dizer que a resolução dos problemas das cheias vai ser
totalmente conseguida, será mais sensato admitir que este problema é daqueles que necessitará
de um esforço contínuo de conjugação de accções multíplas, desenvolvidas por várias
entidades, em todos os níveis, o nacional, o regional e o local.
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15