Defeitos Do Negócio Jurídico Profa. Márcia S. Soares

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▪ DEFEITOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

▪ Profa. Márcia S. Soares


▪ Defeitos do negócio jurídico

▪ Os defeitos ou vícios do negócio jurídico incidem na manifestação de vontade livre


e de boa-fé, que são pressupostos de validade, ensejando a invalidação (ou anulação =
nulidade relativa) do negócio jurídico.
▪ O Código Civil menciona e regula seis defeitos: erro, dolo, coação, estado de
perigo, lesão e fraude contra credores, sendo o estado de perigo e a lesão novas
modalidades inseridas no novo Código Civil. A simulação, que estava prevista no CC/16,
foi transferida para o capítulo que trata da invalidade do negócio jurídico, pois que, agora
o negócio jurídico simulado deverá ser declarado nulo, e não mais anulado, como nos
demais casos.
São os defeitos ou vícios do negócio jurídico classificados em vícios de consentimento, que

são aqueles em que a vontade não é expressa de maneira absolutamente livre, como no erro,

dolo, coação, lesão e estado de perigo; e em vícios sociais, em que a vontade manifestada não

tem, na realidade, a intenção pura e de boa-fé que enuncia, onde se situam a simulação e a

fraude contra credores.


a) Erro

É uma representação equivocada da realidade, que leva o declarante a celebrar o


negócio jurídico, que lhe é prejudicial. “É uma opinião errada sobre alguma coisa” (Caio
Mário). Esse conceito, em doutrina, não se confunde com o de ignorância, que é negativo, que
traduz no completo desconhecimento da realidade. Para o legislador, não há diferença: ele diz
erro ou ignorância.
O erro é causa de anulação do negócio jurídico e difere do dolo, pois, no erro, o agente
engana-se sozinho, enquanto que, no dolo, o erro é induzido pelo outro contratante ou por
terceiro. O Código Civil equipara o erro à transmissão defeituosa da vontade (é o famoso “mal
a.1) erro substancial ou essencial
Erro essencial ou substancial é aquele que incide sobre a essência (substância) do ato que
se pratica, sem o qual este não se teria realizado. É o caso do colecionador que, pretendendo
adquirir uma estátua de marfim, compra, por engano, uma peça feita de material sintético.
Oposto a este e que não gera invalidação do negócio jurídico, é o erro acidental porque se
refere a circunstâncias de somenos importância e que não acarretam efetivo prejuízo, ou seja, a
qualidades secundárias do objeto ou da pessoa. Se conhecida a realidade, mesmo assim o negócio
seria realizado.
O erro substancial, segundo o art. 139 do CC/02, pode incidir sobre:
- o negócio (inciso I, 1ª parte): sobre a sua natureza jurídica. Ex: o contrato é de locação, mas a
pessoa pensa que é comodato (empréstimo de coisa infungível).
- objeto (inciso I, 2ª parte): versa sobre o objeto principal (compra de um cachorro específico,
mas leva outro) ou algumas qualidades a ele essenciais (compra de um anel de cobre, pensando
- pessoa do declarante (inciso II): versa sobre a identidade ou as qualidades de determinada
pessoa. A aplicação mais importante da teoria do erro sobre a pessoa é no Direito de Família,
sendo causa de anulação do casamento (art. 1556 e 1557, CC/02). Ex: alguém se casa, sem
saber, com seu irmão.
- erro de direito (error iuris – inciso III): é uma nova modalidade de erro consagrada no novo
Código Civil. Consiste na interpretação equivocada do alcance e incidência de determinada
norma jurídica.
- Obviamente, o agente deve estar de boa-fé, ou seja, não pode traduzir em oposição ou
recusa à aplicação da lei. Além do mais, para ser admitido, o erro de direito também tem
que ter sido a razão determinante para a prática do ato. Ex: alguém celebra um contato de
importação de uma mercadoria, sem saber que foi expedido um decreto proibindo a entrada
de tal produto no território nacional.
- Não admitir a anulação do contrato pela ficção legal da LICC (segundo a qual, em seu art.
3º, “ninguém pode se escusar de cumprir a lei, alegando que não a conhece”), seria
condenar quem realmente estava enganado, pois que, em nosso país, é impossível ter
conhecimento dos inúmeros atos legislativos cotidianamente editados.
No caso do erro de direito, o indivíduo comete um ato proibido imaginando ser permitido.
Esta modalidade de erro não era trazida no bojo do CC de 1916, porque Clóvis Beviláqua, ao
contrário de Eduardo Espínola, Carvalho Ramos e Caio Mário, não admitia a teoria do erro de
direito, hoje reconhecida no novo Código Civil (art. 139, III).
a.2) erro escusável ou perdoável
Diz o art. 138 que são “anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de
vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência
normal, em face das circunstâncias do negócio”.
a.3) diferença entre erro e vício redibitório
O erro, como sendo uma opinião não verdadeira a respeito do negócio, do seu
objeto ou da pessoa com quem se trava a relação jurídica, vicia a própria vontade do
agente, atuando no campo psíquico (dimensão subjetiva), o que resulta na anulação do
negócio jurídico.
Já o vício redibitório, por sua vez, consistente no defeito oculto na coisa recebida, que
lhe diminui o valor ou prejudica a sua utilização, autorizando o desfazimento do contrato
com a devolução do preço (acrescido de perdas e danos) ou no abatimento do preço, não
toca no psiquismo do agente, mas na própria coisa (dimensão objetiva). Nesse caso, a parte
recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar, porém, ela portava defeito oculto.
b) Dolo

O dolo é um artifício malicioso que prejudica uma das partes e beneficia a outra ou
terceiro (dolo de terceiro). É um erro, porém, provocado por outrem.
Segundo o art. 145 do CC, o dolo que anula o negócio jurídico é o principal, qual
seja, o que ataca a causa, a raiz do negócio jurídico. Este não pode ser confundido com o
dolo acidental, que ataca aspectos secundários do negócio jurídico, não impedindo a sua
realização. Assim, a parte não tem direito à anulação, pois o dolo acidental gera apenas a
obrigação de pagar perdas e danos (art. 146). A aferição do dolo principal e acidental
dependerá de provas (análise probatória), pois se trata de uma diferença psicológica.
O dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro, estranho ao negócio. O
dolo de terceiro, segundo o art. 148 do CC/02, só anula o negócio jurídico quando o
beneficiado sabia ou devesse saber do engano. Se ele não adverte a outra parte, está
tacitamente aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cúmplice. Ex: se o adquirente é
convencido por um terceiro que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal
afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este (beneficiado com o dolo do terceiro) ouve as
palavras de induzimento e não alerta o comprador, torna o negócio anulável. Entretanto, se o
vendedor não soube, nem pode saber do dolo do terceiro, o negócio será mantido, podendo a
vítima (comprador) requerer do terceiro perdas e danos (art. 148, 2ª parte c/c art. 186,
CC/02). É bom mencionar que o dolo, causador de anulação do negócio jurídico, não é o
chamado dolus bonus, consistente numa técnica publicitária de realçar as características de
um produto colocado à venda, pela qual não se deixa envolver o homem médio diligente.
Existe, no entanto, uma linha muito tênue entre o dolus bonus e a propaganda
enganosa, sendo que esta ocorrerá quando o anunciante deturpa as características de seu
produto ou anuncia características inexistentes. Nesse caso, estará ele agindo com o dolo
causador de anulação do negócio, também conhecido como dolus malus, pois que tem o
propósito de causar prejuízo.
Pode o dolo ser praticado por ação (dolo positivo) ou por omissão (dolo negativo
ou omissão dolosa). Dolo negativo, ou omissão dolosa, é aquele que resulta do silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja
ignorado (art. 147). Esteia-se tal dispositivo no princípio da boa-fé, que deve nortear todos
os negócios, pois a omissão dolosa implica na violação ao dever de informação.
O dolo pode ser, também, bilateral, isto é, de ambas as partes (art. 150). Nesse caso, se
ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis prejudicar a outra, nenhuma delas
pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização, porque ninguém pode valer-
se da própria torpeza.
c) Coação

Traduz uma violência psicológica ou ameaça séria e fundada dirigida a uma das partes do
negócio jurídico, fazendo com que ela se prejudique. É toda ameaça ou pressão exercida
sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um
negócio.
O direito romano já distinguia a coação absoluta ou física (vis absoluta) da relativa ou moral
(vis compulsiva). Na coação absoluta inocorre qualquer consentimento ou manifestação da
vontade. A vantagem pretendida pelo coator é obtida mediante emprego de força física. Ex:
Assim, a coação que constitui vício da vontade e que torna o negócio anulável é a relativa ou moral.
Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à vítima: praticar o ato exigido pelo coator ou correr o risco de
sofrer as conseqüências da ameaça por ele feita. Trata-se de uma coação psicológica.
Embora o Código Civil não faça distinção, a doutrina entende existir coação principal e acidental,
sendo aquela a causa determinante do negócio e esta aquela que influencia apenas as condições da
avença, não impedindo a sua realização. Na primeira, o negócio é anulável; na segunda, apenas
ressarcimento do prejuízo.
Mas nem toda ameaça configura coação. O CC, no art. 151, especifica os requisitos para que a
coação possa viciar o consentimento:
- deve ser a causa do ato: deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o ato extorquido, ou
seja, o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave ameaça ou violência, que provocou
na vítima fundado receio de dano à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Sem ela, o negócio não
se teria concretizado;
- deve ser grave: ou seja, fundado temor de dano a bem que considera relevante. Não é aferida a
gravidade pelo critério do homem médio, que é um padrão abstrato, mas avaliam-se, em
cada caso, as condições particulares ou pessoais da vítima – art. 152.
O art. 153, 2ª parte, não considera coação o “simples temor reverencial”, consistente no
receio de desgostar os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência e respeito, como os
superiores hierárquicos. Pode, entretanto, viciar o consentimento quando acompanhado de
ameaças ou violências. Ex: graves ameaças de castigo à filha para obrigá-la a se casar.
Pontes de Miranda já ensinava que “o temor reverencial, por si só, não anula o negócio
jurídico, mas pode trazer consigo uma coação”.
- deve ser injusta: ou ilícita, contrária ao direito ou abusiva. Assim, configura a coação não
apenas quando o ato praticado pelo coator contraria o direito, como também sua conduta,
embora jurídica, constitui-se abusiva. Ex: policial que, surpreendendo alguém a praticar
algum crime, ameaça denunciá-lo caso não realize com ele determinado negócio.
Portanto, por outro lado, com bem prescreve o art. 153, 1ª parte, “não se considera
coação a ameaça do exercício normal de um direito”. Ex: não constitui coação a ameaça
feita pelo credor de protestar ou executar o título de crédito.
- deve ser dano atual ou iminente: aquele prestes a se consumar.
- deve acarretar justo receio de dano: independentemente se igual ou proporcional ao
sacrifício exigido.
- deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou a pessoas de sua
família: o termo “família” tem, hoje, acepção ampla, compreendendo não só a que
resulta do casamento, como também a decorrente de união estável (entidade familiar).
A coação vicia o ato, ainda quando exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter
conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por
perdas e danos (art. 154).
Parece com o dolo de terceiro, com a diferença que o beneficiado responde solidariamente com o
terceiro por perdas e danos, quando sabia ou devesse saber da coação, anulando o negócio
jurídico. A lei explicitou a solidariedade do beneficiado
Subsistirá, no entanto, o negócio jurídico se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que
aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas
as perdas e danos que houver causado ao coacto (art. 155).

d) Estado de perigo

O estado de perigo é um defeito do negócio jurídico, consagrado pelo novo Código Civil, que
guarda semelhança com o estado de necessidade do Direito Penal, onde é causa de exclusão de
ilicitude.
Ocorre quando uma pessoa, premida da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família
ou não (art. 156, parágrafo único – o juiz decidirá segundo as circunstâncias), de grave dano
conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa (art. 156, sem
correspondência no CC/16).
Segundo o art. 23 do Código Penal, “não há crime quando o agente pratica o fato: I
– em estado de necessidade (...)”; estado de necessidade, por sua vez, é conceituado no art.
24 do mesmo diploma legal, que assim dispõe: “considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar-se de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia
de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se.”
O estado de perigo compõe-se de dois elementos:

d.1) objetivo: assunção (assumir) de obrigação excessivamente onerosa;


d.2) subjetivo: caracterizado pelo constrangimento causado pela necessidade de salvar-se,
ou de salvar pessoa de sua família ou próxima (pessoa não pertencente à família – art. 156,
parágrafo único), de risco grave existente.
Parte da doutrina sustenta que o estado de perigo se aproxima da coação moral,
pois a vítima não se encontra em condições de declarar livremente a sua vontade. Porém, no
estado de perigo, inocorre a hipótese de um dos contratantes constranger o outro à prática
de determinado ato ou a consentir na celebração de determinado contrato. O medo, a
pressão, o perigo advêm de uma circunstância alheia à outra parte, que deles se aproveita
para se beneficiar.
e) Lesão

A lei que criou a lesão foi uma lei criminal (Lei 1521/51 – lei da economia popular),
prevendo o crime de usura; posteriormente, regulamentado nas relações de consumo (Lei
8078/90 – Código de Defesa do Consumidor, art. 6º). O CC de 2002, de forma inovadora,
em seu art. 157, seguiu o exemplo do CDC, prevendo a lesão, agora aplicável aos negócios
em geral.
Está intimamente ligado com abuso de poder econômico. Pode-se conceituar a lesão como
sendo o prejuízo resultante da desproporção entre as prestações de um negócio em face do
abuso da necessidade econômica, inexperiência ou leviandade de uma das partes.
Sendo assim, tem-se entendido que a lesão se compõe de dois requisitos ou elementos:

e.1) objetivo ou material – desproporção das prestações avençadas.


A lesão causa um desequilíbrio econômico no negócio jurídico. É o caso dos
financiamentos com juros abusivos. A propósito, é bom lembrar que a lesão encontra terreno
fértil nos contratos de adesão porque neles uma das partes é quem estipula as cláusulas, havendo
forte risco de abuso.
Por outro lado, convém esclarecer que tal desproporção deve verificar-se no momento
do contrato e não posteriormente, quando, então, é caso de aplicação da teoria da imprevisão,
segundo a qual permite a resolução ou revisão do contrato quando o seu equilíbrio for rompido
pela superveniência de circunstância imprevista e imprevisível, e não da lesão como causa de
anulação do contrato.
O CC, em seu art. 157, §1º, determina que “aprecia-se a desproporção das prestações,
segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico”. Portanto,
é facultado ao julgador, à luz do caso concreto, reconhecer ou não a ocorrência do referido
vício, pois lesão é conceito aberto, o que impõe um julgamento segundo critérios
objetivos, pautando-se em valores sociais.

e.2) subjetivo, imaterial ou anímico – o abuso (dolo de aproveitamento), por parte do


beneficiado, da premente necessidade, inexperiência ou leviandade da parte lesada (que é
a hipossuficiente).
Mas, o que vem a ser, precisamente, tais estados psicológicos, dos quais a outra parte pode
abusar?
A premente necessidade tem base econômica, caracterizada por uma situação extrema, que
impõe ao necessitado a celebração do negócio prejudicial. Portanto, independentemente se
tratar o lesado de pessoa rica ou pobre, se precisa urgentemente de dinheiro e, para isso,
vende, por exemplo, um bem a baixo do seu real preço, está configurado o prejuízo, a lesão.
Já a inexperiência traduz na falta de habilidade para o trato nos negócios, e não
necessariamente na falta de instrução ou de cultura geral. E a leviandade, por sua vez,
caracteriza uma atuação temerária, inconseqüente, ou seja, a precipitação na realização do
negócio sem a devida reflexão.
A conseqüência da lesão é a anulação do negócio jurídico (art. 171, II).

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