Defeitos Do Negócio Jurídico Profa. Márcia S. Soares
Defeitos Do Negócio Jurídico Profa. Márcia S. Soares
Defeitos Do Negócio Jurídico Profa. Márcia S. Soares
são aqueles em que a vontade não é expressa de maneira absolutamente livre, como no erro,
dolo, coação, lesão e estado de perigo; e em vícios sociais, em que a vontade manifestada não
tem, na realidade, a intenção pura e de boa-fé que enuncia, onde se situam a simulação e a
O dolo é um artifício malicioso que prejudica uma das partes e beneficia a outra ou
terceiro (dolo de terceiro). É um erro, porém, provocado por outrem.
Segundo o art. 145 do CC, o dolo que anula o negócio jurídico é o principal, qual
seja, o que ataca a causa, a raiz do negócio jurídico. Este não pode ser confundido com o
dolo acidental, que ataca aspectos secundários do negócio jurídico, não impedindo a sua
realização. Assim, a parte não tem direito à anulação, pois o dolo acidental gera apenas a
obrigação de pagar perdas e danos (art. 146). A aferição do dolo principal e acidental
dependerá de provas (análise probatória), pois se trata de uma diferença psicológica.
O dolo pode ser proveniente do outro contratante ou de terceiro, estranho ao negócio. O
dolo de terceiro, segundo o art. 148 do CC/02, só anula o negócio jurídico quando o
beneficiado sabia ou devesse saber do engano. Se ele não adverte a outra parte, está
tacitamente aderindo ao expediente astucioso, tornando-se cúmplice. Ex: se o adquirente é
convencido por um terceiro que o relógio que está adquirindo é de ouro, sem que tal
afirmação tenha sido feita pelo vendedor, e este (beneficiado com o dolo do terceiro) ouve as
palavras de induzimento e não alerta o comprador, torna o negócio anulável. Entretanto, se o
vendedor não soube, nem pode saber do dolo do terceiro, o negócio será mantido, podendo a
vítima (comprador) requerer do terceiro perdas e danos (art. 148, 2ª parte c/c art. 186,
CC/02). É bom mencionar que o dolo, causador de anulação do negócio jurídico, não é o
chamado dolus bonus, consistente numa técnica publicitária de realçar as características de
um produto colocado à venda, pela qual não se deixa envolver o homem médio diligente.
Existe, no entanto, uma linha muito tênue entre o dolus bonus e a propaganda
enganosa, sendo que esta ocorrerá quando o anunciante deturpa as características de seu
produto ou anuncia características inexistentes. Nesse caso, estará ele agindo com o dolo
causador de anulação do negócio, também conhecido como dolus malus, pois que tem o
propósito de causar prejuízo.
Pode o dolo ser praticado por ação (dolo positivo) ou por omissão (dolo negativo
ou omissão dolosa). Dolo negativo, ou omissão dolosa, é aquele que resulta do silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja
ignorado (art. 147). Esteia-se tal dispositivo no princípio da boa-fé, que deve nortear todos
os negócios, pois a omissão dolosa implica na violação ao dever de informação.
O dolo pode ser, também, bilateral, isto é, de ambas as partes (art. 150). Nesse caso, se
ambas as partes têm culpa, uma vez que cada qual quis prejudicar a outra, nenhuma delas
pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização, porque ninguém pode valer-
se da própria torpeza.
c) Coação
Traduz uma violência psicológica ou ameaça séria e fundada dirigida a uma das partes do
negócio jurídico, fazendo com que ela se prejudique. É toda ameaça ou pressão exercida
sobre um indivíduo para forçá-lo, contra a sua vontade, a praticar um ato ou realizar um
negócio.
O direito romano já distinguia a coação absoluta ou física (vis absoluta) da relativa ou moral
(vis compulsiva). Na coação absoluta inocorre qualquer consentimento ou manifestação da
vontade. A vantagem pretendida pelo coator é obtida mediante emprego de força física. Ex:
Assim, a coação que constitui vício da vontade e que torna o negócio anulável é a relativa ou moral.
Nesta, deixa-se uma opção ou escolha à vítima: praticar o ato exigido pelo coator ou correr o risco de
sofrer as conseqüências da ameaça por ele feita. Trata-se de uma coação psicológica.
Embora o Código Civil não faça distinção, a doutrina entende existir coação principal e acidental,
sendo aquela a causa determinante do negócio e esta aquela que influencia apenas as condições da
avença, não impedindo a sua realização. Na primeira, o negócio é anulável; na segunda, apenas
ressarcimento do prejuízo.
Mas nem toda ameaça configura coação. O CC, no art. 151, especifica os requisitos para que a
coação possa viciar o consentimento:
- deve ser a causa do ato: deve haver uma relação de causalidade entre a coação e o ato extorquido, ou
seja, o negócio deve ter sido realizado somente por ter havido grave ameaça ou violência, que provocou
na vítima fundado receio de dano à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Sem ela, o negócio não
se teria concretizado;
- deve ser grave: ou seja, fundado temor de dano a bem que considera relevante. Não é aferida a
gravidade pelo critério do homem médio, que é um padrão abstrato, mas avaliam-se, em
cada caso, as condições particulares ou pessoais da vítima – art. 152.
O art. 153, 2ª parte, não considera coação o “simples temor reverencial”, consistente no
receio de desgostar os pais ou outras pessoas a quem se deve obediência e respeito, como os
superiores hierárquicos. Pode, entretanto, viciar o consentimento quando acompanhado de
ameaças ou violências. Ex: graves ameaças de castigo à filha para obrigá-la a se casar.
Pontes de Miranda já ensinava que “o temor reverencial, por si só, não anula o negócio
jurídico, mas pode trazer consigo uma coação”.
- deve ser injusta: ou ilícita, contrária ao direito ou abusiva. Assim, configura a coação não
apenas quando o ato praticado pelo coator contraria o direito, como também sua conduta,
embora jurídica, constitui-se abusiva. Ex: policial que, surpreendendo alguém a praticar
algum crime, ameaça denunciá-lo caso não realize com ele determinado negócio.
Portanto, por outro lado, com bem prescreve o art. 153, 1ª parte, “não se considera
coação a ameaça do exercício normal de um direito”. Ex: não constitui coação a ameaça
feita pelo credor de protestar ou executar o título de crédito.
- deve ser dano atual ou iminente: aquele prestes a se consumar.
- deve acarretar justo receio de dano: independentemente se igual ou proporcional ao
sacrifício exigido.
- deve constituir ameaça de prejuízo à pessoa ou a bens da vítima, ou a pessoas de sua
família: o termo “família” tem, hoje, acepção ampla, compreendendo não só a que
resulta do casamento, como também a decorrente de união estável (entidade familiar).
A coação vicia o ato, ainda quando exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter
conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por
perdas e danos (art. 154).
Parece com o dolo de terceiro, com a diferença que o beneficiado responde solidariamente com o
terceiro por perdas e danos, quando sabia ou devesse saber da coação, anulando o negócio
jurídico. A lei explicitou a solidariedade do beneficiado
Subsistirá, no entanto, o negócio jurídico se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que
aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas
as perdas e danos que houver causado ao coacto (art. 155).
d) Estado de perigo
O estado de perigo é um defeito do negócio jurídico, consagrado pelo novo Código Civil, que
guarda semelhança com o estado de necessidade do Direito Penal, onde é causa de exclusão de
ilicitude.
Ocorre quando uma pessoa, premida da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família
ou não (art. 156, parágrafo único – o juiz decidirá segundo as circunstâncias), de grave dano
conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa (art. 156, sem
correspondência no CC/16).
Segundo o art. 23 do Código Penal, “não há crime quando o agente pratica o fato: I
– em estado de necessidade (...)”; estado de necessidade, por sua vez, é conceituado no art.
24 do mesmo diploma legal, que assim dispõe: “considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar-se de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia
de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era
razoável exigir-se.”
O estado de perigo compõe-se de dois elementos:
A lei que criou a lesão foi uma lei criminal (Lei 1521/51 – lei da economia popular),
prevendo o crime de usura; posteriormente, regulamentado nas relações de consumo (Lei
8078/90 – Código de Defesa do Consumidor, art. 6º). O CC de 2002, de forma inovadora,
em seu art. 157, seguiu o exemplo do CDC, prevendo a lesão, agora aplicável aos negócios
em geral.
Está intimamente ligado com abuso de poder econômico. Pode-se conceituar a lesão como
sendo o prejuízo resultante da desproporção entre as prestações de um negócio em face do
abuso da necessidade econômica, inexperiência ou leviandade de uma das partes.
Sendo assim, tem-se entendido que a lesão se compõe de dois requisitos ou elementos: